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Iluminação e arquitetura: evolução do domínio da tecnologia


durante século XX

Tatiana Pimentel Barbosa tatiana@voga.arq.br


Pós-graduação em Iluminação e design de interiores
Instituto de Pós-Graduação - IPOG
Belo Horizonte, Minas Gerais, 06/03/2013

Resumo

O fornecimento regular da energia elétrica, iniciado no fim do século XIX, alterou


profundamente o cotidiano das pessoas em todo o mundo, acelerando a rotina em ritmo
exponencial, e chega ao século XXI possibilitando o encontro ininterrupto através da
conexão virtual. Alterou também a forma de projetar arquitetura, trazendo possibilidades de
controle das variáveis de luz e clima naturais. O objetivo da pesquisa bibliográfica realizada
é examinar a construção de uma visão unificada e humanizada do objeto arquitetônico com
sua iluminação natural e artificial através de um século de aprimoramento nas formas de uso
da tecnologia. Os resultados encontrados mostram que a relação da arquitetura com essa
tecnologia que se mostra hoje indispensável nem sempre foi tão harmônica, estando
submetida às condições culturais, econômicas, sociais e políticas de seu momento histórico.

Palavras-chave: Iluminação. História. Conforto. Arquitetura.

1. Introdução

A forma como a arquitetura trabalhou a iluminação natural e artificial desde o início do


século XX até os dias atuais se alterou e vem se alterando intensamente em função das novas
tecnologias de cada época. Essas tecnologias e suas consequências se desenvolvem sempre
submetidas às condições políticas, sociais, econômicas e culturais inerentes ao momento
histórico em que estão inseridas.
A partir do fim do século XIX, com o acesso à energia elétrica e aos produtos
industrializados de uso doméstico se ampliando rapidamente, a humanidade passou a contar
com recursos que mudaram radicalmente a vida das pessoas e os conceitos básicos da
arquitetura produzida a partir de então. Questões como higiene, economia, eficiência, e maior
possibilidade de exploração do tempo motivaram inovações tecnológicas no controle de luz e
calor nos ambientes. A arquitetura iniciou uma reação contra o que começou a ser entendido
como escuro, sufocante e abafado. A popularização do uso da iluminação artificial foi
fundamental para criar as condições consideradas apropriadas para a arquitetura e o espaço
urbano modernos no século XX .
Porém, essa nova tecnologia que se difundiu largamente - até o ponto da dependência
total da energia elétrica em que vivemos hoje - trouxe possibilidades de controle dos
ambientes que foram absorvidas a princípio como liberação em relação aos compromissos
ambientais do projeto de arquitetura.
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A escolha do tema deste artigo se baseia na importância que o uso da energia elétrica
teve para a história da humanidade, estimulando as relações sociais, transformando os
ambientes de trabalho e domésticos , dando início a uma aceleração exponencial do ritmo de
vida que chega ao século XXI colocando-nos dia e noite conectados virtualmente uns aos
outros através de dispositivos movidos pela tecnologia popularizada há mais de cem anos. O
fornecimento regular de energia elétrica chega a ser considerado por Banham (1975), a maior
revolução ambiental da história humana desde a domesticação do fogo.
O objetivo deste trabalho é analisar, através de pesquisa bibliográfica, como a
arquitetura reagiu aos avanços tecnológicos da iluminação artificial na primeira metade do
século XX, nos primeiros tempos do contato com a energia elétrica no convivio diário, e
esclarecer como se deu o amadurecimento da relação da produção de arquitetura com essa
tecnologia que, um século depois, se desenvolve à procura de caminhos alternativos e resgata
técnicas conhecidas e outrora desprezadas para dar corpo à chamada sustentatibilidade.

2. Desenvolvimento

Ao analisar a página de anúncio do ano novo de 1880 da revista norte-americana Puck


é fácil identificar a esperança e a melancolia relativas aos próximos tempos, em que se
deveria concretizar a ampla distribuição da energia elétrica. Ao centro da imagem, entre
nuvens obscuras, ergue-se o globo terrestre e sobre ele uma lâmpada acessa com a inscrição
“A new light to the world”, sobre a qual repousa uma criança de braços abertos. Na parte
inferior esquerda apresenta-se, saindo de cena, a figura de um homem velho, magro e em
farrapos, carregando um saco repleto de castiçais, lamparinas e luzes a gás e a óleo. Nos
outros três cantos, mostra-se figuras que representam a luz natural sendo superada pela
promessa da luz elétrica. No canto superior esquerdo, uma imagem retrata o eclipse total da
Terra, obstruindo a luz do sol. No canto superior direito, um urso polar carrega uma mala de
luz. No inferior direito, a lua chorando entra em luto. A frase na linha inferior traduz a
imagem: “Que eles possam cumprir suas promessas. Um novo ano e uma nova luz!”.

Figura 1 – Anúncio de ano novo de 1880 na revista Puck.


Fonte: Fiell(2003)
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Fica nítida no anúncio a expressão de uma expectativa conflituosa diante de um novo


estilo de vida que surgia. A luz elétrica daria um ritmo mais acelerado à sociedade e
influenciaria intensamente a arquitetura e a utilização dos espaços, dando à luz natural um
papel menos importante e bem menos determinante nas soluções arquitetônicas.

Ao olharmos o século XIX, tentando identificar as peculiaridades da época, a


primeira coisa que se observa é uma nova paisagem altamente desenvolvida e
dinâmica, na qual tem lugar a experiência moderna. Trata-se de uma paisagem de
engenho a vapor, fábricas mecanizadas, amplas zonas industriais, prolíferas cidades
que crescem rapidamente; jornais, telégrafo, telefone e outros instrumentos de
”mídia” que se comunicam em escala cada vez maior; Estados nacionais cada vez
mais fortes, movimentos sociais de massa; um mercado mundial que tudo abrange,
capaz de um terrível desperdício e devastação, capaz de tudo exceto de solidez e
estabilidade. (MASCARÒ, Lucia. Iluminação e arquitetura: sua evolução através do
tempo. Em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.063/438 .
Acesso em : 6 de março de 2013)

No Brasil, o início da utilização da energia elétrica se deu simultaneamente aos


Estados Unidos e Europa. De acordo com Gomes e Vieira (2008), a princípio, foi limitado a
alguns serviços públicos e à atividade fabril. Ao fim de 1890, existiam apenas algumas poucas
empresas de energia elétrica, que eram locais e independentes e faziam a prestação de
serviços públicos e forneciam energia para fins fabris. A expansão do uso da energia elétrica
se deu após a chegada do grupo Light, primeiramente em São Paulo, em 1899, e depois no
Rio de Janeiro, em 1905. Resultado da disponibilidade de recursos estrangeiros para
investimentos, aliada à “cláusula ouro”, que permitia às concessionárias corrigir suas tarifas
pela depreciação da moeda, o que era particularmente relevante em momentos de grave crise
cambial, o grupo Light adquiriu, de forma fácil e rápida as empresas nacionais, provocando
um intenso processo de fusão de empresas de energia elétrica. Em 1927, chegou ao Brasil o
grupo Amforp, de capital norte-americano, que comprou grande parte das empresas de
energia não adquiridas anteriormente pela Light, dividindo o mercado em territórios de
atuação. Enquanto a Light se instalou no eixo Rio-São Paulo, a Amforp atuava no interior de
São Paulo e em diversas capitais do país, como Porto Alegre, Recife, Natal e Vitória.
A industrialização trazia uma velocidade de acontecimentos desconhecida, que
amedrontava enquanto facinava. “Perante a aceleração crescente do tráfego, da eficiência das
máquinas e das posssibilidades de ação humana ninguém pôde ficar
indiferente”.(SEMBACH, 2007:8)
Não podendo ficar indiferente, dentro deste contexto contraditório nasce o Art
Nouveau, a linguagem estética da virada do século. De acordo com Sembach (2007), a nova
arte era exclusivamente uma manifestação nas artes aplicadas, podendo, por isso, servir
apenas para uma caracterização de objetos, móveis e edifícios. Tinha o conceito do
movimento – repesentado com linhas livres de aspecto contínuo e natural - como essência de
sua expressão, simbolizando a fluidez dos novos tempos. Fazendo sempre referência à
natureza e à vida, o novo estilo das artes aplicadas se apresentava como uma reação à
industrialização, tornando o convívio com os novos objetos industrializados mais humanizado
e tolerável.
É importante observar que o Art Nouveau não constituiu um novo conceito de
arquitetura, mas sim uma linguagem ou expressão estética representativa de uma consciência
coletiva num momento histórico de grande progresso e inovação. Paula Cruz Landim, no
texto Design e arquitetura: do ecletismo ao pós-modernismo: interfaces, define bem essa
diferenciação abordando de uma forma generalizada a história do design, quando diz que
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diversas fases das economias ocidentais do século XX exerceram impacto significativo na


prevalência de objetos que enfatizaram o design sobre o estilo e vice-versa. O estilo estaria
ligado à aparência e tratamento da superfície, às qualidades expressivas de um produto. Já o
design tenderia a ser global na sua amplitude, geralmente procurando simplificação e
essência. Durante crises econômicas, o Funcionalismo (design) tende a impor-se, enquanto
que em tempos de prosperidade econômica cresce o anti-racionalismo (estilo). Neste caso,
sob o olhar de Landim, o Art Nouveau é considerado um estilo anti-racionalista.
Sembach (2007) considera o Art Nouveau como uma tentativa de conciliar as
aspirações artísticas herdadas do passado e os novos fenômenos da era técnica. Referindo-se
às entradas burlescas do metrô de Paris, inaugurado em 1900, que contrapunham-se à
tecnologia do conjunto da rede e da concepção desse novo transporte público, o autor define
essas estações como o laço entre o velho e o novo século, entre a técnica e a arte, entre o
escondido e o que se pretendia mostrar. Esses acessos ao metrô de Paris, assim como outras
obras da arte nova, prestavam-se muito bem a humanizar o contato com uma tecnologia que
parecia naquele momento tão hostil e agressiva.

Figura 2 – Construção do metrô de Paris, 1902-1910


Fonte : http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b9023292q.r=metro+paris.langPT

Figura 3 – Entrada para o metrô da estação Port Douphine, Paris, cerca de 1900.
Fonte: Fiell(2005)
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Ao mesmo tempo, o cinema dá seus primeiros passos. Segundo Sembach (2007), não é
possível comprovar uma ligação direta entre ambos, visto que o cinema começou a reclamar a
qualidade de artístico numa altura em que o Art Nouveau praticamente já tinha desaparecido.
Mas é inevitavel identificar o elemento dinâmico como princípio fundamental do cinema e
como essência estética do Art Nouveau.
Segundo Charlote e Peter Fill (2005), foi na Exposição Universal de Paris, em 1900,
que, além da exibição da novidade cinematográfica, o desenho de iluminação pôde mostrar
seu desenvolvimento. Os criadores eram artistas e conseguiram muito harmonicamente
integrar a lâmpada elétrica à bases esculturais, figurando sempre a vida em movimento. Os
materiais usados nas bases eram em geral metais, como bronze ou ferro forjado, e a fonte de
luz podia ou não ter um elemento difusor anti-ofuscamento em vidro ou cerâmica. É
importante lembrar que as lâmpadas eram uma novidade para ser admirada e não escondida.
Bons exemplos do que foi exibido na exposição em relação a peças luminárias são as
arandelas bulles de savon appliques, c.1900, Figura 4, que compõem-se de cabeças de bronze
platinado, soprando canudos ligados a grandes bolhas de vidro. Ou também na Figura 5, a
escultura de Georges Flamand, de 1900, executada em bronze dourado, figurando um dos
motivos preferidos do Art Nouveau francês, a femme-fleur, a figura da jovem lânguida
iluminada por três lâmpadas expostas, sem nenhum tipo de quebra-luz.

Figura 4 – Bulles de savon appliques, 1900. Estrutura em bronze platinado, quebra-luzes de vidro, 28 cm de
altura, França.
Fonte: Fiell(2005)

Figura 5 – Figural table light, 1900. Escultura em bronze dourado, George Flamand, near Paris, France.
Fonte: Fiell(2005)
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É de se observar que a grande preocupação está no desenho das peças e não no


cuidado com a utilização da luz no convívio com os sentidos humanos. Isso se dava porque ,
mesmo tendo a expressão do Art Nouveau o objetivo de humanizar os objetos
industrializados, trabalhando a relação da forma desses objetos com as pessoas, a tecnologia
da luz artificial e sua relação com a arquitetura ainda não era dominada pelos profissionais.
Segundo Banham (1975, apud MASCARÓ, 2005, p.4):

Os arquitetos estavam presos a seus primeiros esboços [...]. Como pode um homem
treinado para modelar formas sob a luz exterior e suas sombras projetadas [...]
mudar sua arte e modelar suas formas à luz proveniente do interior e sem sombras?
[...]. A iluminação elétrica esboçou, assim, aos arquitetos o desafio da tecnologia do
ambiente em relação direta com a arquitetura, porque a grande abundância de luz
junto com as grandes superfícies envidraçadas inverteram, efetivamente, todos os
hábitos visuais sob os quais os edifícios eram vistos. Pela primeira vez era possível
conceber edifícios cuja natureza podia ser percebida durante a noite, quando a luz
artificial resplandecia para fora através de sua estrutura. E essa possibilidade foi
realizada e explorada sem suporte de nenhum esquema teórico adaptado às novas
circunstâncias e, nem sequer, de um vocabulário praticável para descrever esses
efeitos visuais e suas conseqüências [...]. O uso que os arquitetos fizeram da luz foi
tímido e as mudanças das formas unidas em luz para a luz unida em formas foram,
ainda, demasiado grandes para a maioria.

A expressão do momento histórico fugaz na nova tecnologia de iluminação é


comparada ao desenvolvimento humano por Semach (2007), admitindo que nada é mais
transitório do que este primeiro estágio da vida, privilegiado pela sua ignorância e
imaturidade.

Defendido como o último bastião da produção individual no seio do mundo hostil e


sem alma da técnica, o domínio das artes aplicadas foi consiedrado um refúgio
sentimental e ia assim tomando cada vez mais expressão correspondente a essa
função. Na viragem do século, este tipo de arte tinha grande atualidade.
(SEMBACH, 2007:16)

O resultado dessa contradição de objetivos foi, com produtos muito rebuscados e de


alta qualidade de fabrico, um custo muito alto em relação ao produto simplificado feito em
série na indústria, atendendo a um setor muito pequeno de pessoas muito ricas. Esta última
expressão estética , apesar de amplamente utilizada e de grandes resultados no que se refere à
beleza, pode ser compreeendida como insuficiente para a demanda do novo século, que viria
concretizar novos conceitos que surgiam para a produção de arquitetura no século XX,
caracterizando o Movimento Moderno.
Na mesma época, em Chicago, surgiram algumas expressões com grande qualidade na
difícil relação da luz artificial com a arquitetura , principalmente quando se trata do arquiteto
Frank Loyd Wright.
De acordo com Sembrach (2007), a cidade tinha uma localização geográfica favorável
- na região dos Grandes Lagos - e vinha se tornando um polo de movimento comercial da
região. Em 1871, passou por um grande incêndio que destruiu um terço da cidade. A
catástrofe serviu de estímulo para a reconstrução de uma nova cidade, livre da urbanização
descontrolada que vinha acontecendo. “Chicago tornou-se o local de nascimento de uma
arquitetura especificamente americana, largamente condicionada pelo que na Europa ainda
estava em gestação na mesma época, isto é, o espírito da engenharia.” (SEMBACH,
2007:197)
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É nos arredores de Chicago que apareceu o trabalho de Wrigth. Em 1894, com apenas
vinte e cinco anos de idade, construiu uma casa-atelier em Oak Park, na periferia da cidade,
onde desenvolveu grande sucesso profissional, principalmente relacionado aos seus projetos
mais luxuosos. Wright propunha cristalizar uma emancipação ao mesmo tempo arquitetônica
e social, apresentando um estilo de vida aos clientes, novo, americano, não convencional, que
tinha novas expectativas relacionadas à utilidade e ao valor prático das coisas.
No âmbito do desenho de iluminação artificial, um projeto que se destaca é uma
grande casa projetada para Susan Lawrence, uma viúva da alta sociedade, em 1902. Segundo
Charlotte e Peter Fiell (2005), esse foi o primeiro projeto em que o arquiteto recebeu
liberdade plena para desenvolver além da arquitetura, peças de mobiliario e iluminação.
Nesse projeto, com mais de 1000m² de área construida, Wright desenhou mais de duzentas
estruturas para luminárias e clarabóias.

Figura 6 – Table Light for Susan Lawrence, 1903. Base de bronze com painéis de vidro chumbados, 56,5 cm de
altura. Linden Glass Co, Chicago, EUA.
Fonte: 1000 Lights, Charlotte & Petter Fiell, 2005.

As luminárias de Wright refletem a geometria autoral dos seus edifícios, com


elementos horizontais salientes, verticais sublimes, e cores que refletem um entorno
arquitetônico natural, como o verde e o dourado, representando a vegetação e a luz do sol.
O arquiteto produziu uma série de residências em que exerceu com grande habilidade a
capacidade de projetar arquitetura com boas soluções de climatização natural e artificial,
iluminação, ventilação, sombra, calor, vistas e privacidade.

A casa Baker, em Illinois, talvez seja a mais interessante para exemplificar o uso da
luz natural no espaço que Wright construiu. Uma grande janela está protegida por
um beiral largo no extremo sul; a janela continua em altura até a borda do beiral e
recua ao longo de ambos os lados da sala de estar, envolvendo seu perímetro
externo. Os efeitos conseguidos são, no mínimo, interessantes: o mirante é amplo o
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suficiente como o usado no medievo: um banco junto à janela para ler, costurar ou
apreciar a paisagem que a rodeia. Mas a iluminação do ambiente vem da parte
superior envidraçada. O banco da janela tem um radiador de calor em baixo (como
na Renascença), que permite a circulação do ar aquecido proveniente da tubulação
de água quente, produzindo a calefação do espaço do quarto, de envolvente leve
exposta ao rigor climático. Em:
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.063/438 . Acesso em : 6 de
março de 2013)

Figura 7 – Wall Light for Francis WQ. Little House, Peoria, Illinois, 1902. Estrutura em bronze com painéis de
vidro, 35,5 cm de altura. Linden Glass Co, Chicago, EUA.
Fonte: Fiell(2005)

Figura 8 – Casa Baker, Illinois, Projeto de Frank Loyd Wright, 1908


Fonte: http://www.appraisercitywide.com/content.aspx?FileName=CustomPage119.x
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Wright conseguiu trabalhar a tecnologia ambiental de forma natural, livre e integrada


ao trabalho cotidiano do arquiteto, sem representar caráter determinante da forma nem
configurar ônus a essa forma, apenas se incorporando como fator impulsionador e justificador
do discurso conceitual do projeto.
Porém, na fixação conceitual do movimento modernista, nem tudo se deu com tanta
integração no âmbito da relação humana com a arquitetura. A ordem moderna, feita de
elementos geométricos simples e sem nenhum tipo de ornamento, foi elaborada com
referência à sua condição histórica. Nas palavras de Maria Lucia Mallard (2003), a arquitetura
modernista se desenvolvia como uma máquina industrial, onde cada peça tem uma função
singular a executar. A máquina não é feita para ser compreendida pelos sentidos, mas para
servir a uma função e a sua beleza reside na sua capacidade de servir.
É com esta visão racionalista e pouco humanizada que se desenvolveu a iluminação na
arquitetura da primeira metade do século XX. Coforme Brawne, a Bauhaus tinha se
preocupado mais com a produção racional do objeto que com o usuário, pesquisando a
maneira mais simples de produzir uma luminária sem se atentar, por exemplo, com a luz que
incidia nos seus olhos. Segundo Corona Martinez (1987, apud MASCARÓ, 2005, p.2):

A estrutura de esqueleto é absorvida pelo racionalismo no seu programa de espaços


dinâmicos, que serve para configurar imagens leves, confiadas à estereometria pura
dos volumes, que seria o emblemático da arquitetura racionalista. O fenômeno da
concentração nos valores visuais e o estranho desinteresse pela qualidade de
isolamento térmico e acústico da envolvente edilícia, assim como pela iluminação,
apenas justificável pelo impacto causado pelas inovações na climatização e
iluminação artificial [...]. O Movimento Moderno, em menos de meio século,
conseguiu impor como edifícios umas caixas de vidro semi-transparentes, de
materiais leves, quase inabitáveis, que se deterioram como carros estacionados à
intempérie.

O uso da lâmpada exposta, sem qualquer tipo de difusor ou refletor é facilmente


verificado nos ambientes projetados por Le Corbusier nos anos 20, justificado principalmente
pelo conceito de “honestidade absoluta” da arquitetura. As luminárias não podiam ser
suspensas ou dissimuladas sobre as paredes ou as lajes finas de concreto, as instalações de
iluminação deveriam estar visíveis e integradas ao sistema construtivo usado.
Mas a visão racionalista e tecnicista extremada não foi, nesse momento, uma
característica aplicada apenas à arquitetura nem somente à produção industrial de objetos
utilitários. Os projetos arquitetônicos e urbanísticos modernistas tratavam o humano de forma
massificada como um todo, e tiveram pouca aceitabilidade em relação aos usuários. De
acordo com Judt (2010), da Polônia comunista, passando pela Suécia social-democrata, pela
Grã-Bretanha trabalhista, pela França gaullista até chegar a South Bronx, foram realizados
projetos de conjuntos habitacionais frios e inabitáveis, muitos deles ainda resistentes nos
tempos atuais. A noção de que os governantes sabem mais e que estariam engajados num
projeto de engenharia social em benefício das pessoas que não sabiam o que era bom para elas
não teve grande aceitação, e o sentimentos das massas em relação aos apartamentos novos e
cidades novas para onde estavam sendo transferidas muitas vezes eram tratados com
indiferença.
Tudo isso se deu porque o século XX, principalmente a primeira metade, foi marcado
pela ascensão de ideias e projetos políticos que privilegiaram de maneira excessiva o coletivo
em detrimento do individual. Dentro dessa lógica, o ser humano deixa de ser um fim em si
mesmo e passa a ser um meio para que seja alcançada a concretização dessas ideias.
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Contudo, é muito importante considerar que Le Corbusier, e de forma geral todo o


Movimento Modernista, modificou seus critérios de projeto através do tempo, o que revelou
grande progresso na relação com a luz. Um exemplo disso citado por Mascaró (2005) é o uso
da luz indireta na Ville Savoye, em 1930, e a significativa passagem da fachada totalmente
envidraçada para a criação e uso do quebra-sol. Sob a análise de Fonseca, Barboza, Alvares e
Porto (2009) , as características da arquitetura modernista algumas vezes trouxeram benefício
ao conforto térmico e luminoso das edificações: a construção sobre pilotis elevou as casas e
edifícios do solo, permitindo maior permeabilidade dos ventos; o terraço-jardim amenizou o
ganho térmico no ambiente construído interno; a planta livre tornou possível maior
permeabilidade à circulação dos ventos e luz natural.
Conforme afirma Mascaró (2005), juntamente com a iluminação artificial, o ar
condicionado foi uma das inovações tecnológicas mais marcantes na história da arquitetura.
Juntos, permitindo o controle de quase todas as variáveis de luz e clima, acabaram com
grande parte dos compromissos ambientais de projeto. Todos os princípios para a
compensação climática por meio da envolvente do edifício tornaram-se antiquados,
chegando-se a uma homogeneização quase que total da linguagem arquitetônica da época. De
acordo com a autora, a primeira metade do século XX termina com uma visão pessimista
sobre a tecnologia e sua capacidade de resolver problemas humanos.

A atmosfera dos anos 60 gerou um amplo e vital corpo de pensamento e


controvérsias, principalmente sobre o sentido último do ambiente moderno que
surgira no segundo pós-guerra (...). Já na década de 1970, as conseqüências da
revolução dos micro-computadores tinha-se convertido em tema estratégico para os
governos de todo o mundo. Na edificação passou-se das torres de vidro que usavam
energia intensivamente e estavam iluminadas uniforme e generosamente, aos
edifícios ”inteligentes” que controlavam automaticamente seu desempenho global.
(...) Nesse panorama coexiste, também, uma acentuada preocupação por recuperar a
áurea de objetos passados e a necessidade de fincar os pressupostos arquitetônicos
na tradição enquanto a iluminação continuava seu desenvolvimento aceleradamente.
Já os caminhos estavam separados, o desencontro realizado. MASCARÒ, Lucia.
Iluminação e arquitetura: sua evolução através do tempo Em:
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.063/438> . Acesso em : 6
de março de 2013)

Ainda de acordo com Mascaró, o o avanço tecnológico das décadas seguintes (60, 70 e
80) foi de extrema importância. Trabalhou-se na eficácia das lâmpadas, no controle de
ofuscamento, no sistema ótico das luminárias, nas pesquisas no campo da visão e da
percepção da luz, chegando a grandes evoluções como a correção da temperatura de cor.
Percebe-se que temas como a percepção da luz e o desenvolvimento da tecnologias
objetivando maior conforto , além de economia e praticidade, configuram um aspecto novo no
entendimento das questões humanas dentro das contruções. A partir de então, se inicia um
processo de transformação do entendimento da relação da luz e da consideração da arquitetura
como espaço vivenciado.

Certo ponto na história, localizável entre 1930 e 1950, onde a sociedade toma
consciência, inicialmente nos Estados Unidos da América, de que este material, luz,
tem efetivamente a capacidade de transformar os locais, podendo transmitir
atmosferas e sensações diversas. Nesse momento, o homem compreende também
que a possibilidade de transformação de espaços e locais através da luz passa ainda
pela compreensão dos fenômenos estéticos e poéticos que esse material traz consigo.
(LANONE, 2000, p.5)
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Mallard (2003) explica o que parece óbvio, mas estava esquecido: a razão de ser da
arquitetura está na espacialidade inerente ao ser humano. Todas as questões humanas
acontecem no espaço. O espaço pertence à essência do ser e incorpora todas as necessidades,
expectativas e desejos que fazem parte da existência humana.

A arquitetura tem, inegavelmente, uma dimensão simbólica que fala à nossa


sensibilidade. Por isso ela também é arte e, como tal, se manifesta visualmente. Mas
a arquitetura não é só arte. Ela tem uma dimensão utilitária e um valor de troca.
Além disso, ela demanda técnica para se corporificar e por isso a dimensão
tecnológica lhe é imprescindível. Podemos dizer que o objeto arquitetônico é fruído
na sua dimensão artística, usufruído na sua dimensão utilitária e construído na sua
dimensão tecnológica. E essas três dimensões se constituem no decorrer do processo
social, como a história nos ensina. A forma arquitetônica é, portanto, mediadora das
relações sociais e só pode ser compreendida nessa relação. MALARD, Maria Lucia.
Forma, arquitetura. Em:< http://www.arq.ufmg.br/eva/art010.pdf >Acesso em : 6
de Março de 2013.

Hoje, já na segunda década do século XXI, “a luz é confundida com o espaço, dando-
lhe visibilidade e com ele se integrando, ou seja, não se pode investigá-los
separadamente”(MENEZES, 2010:7). Além dessa conceituação mais integrada , verifica-se
nos dias atuais também um intenso trabalho em busca de uma arquitetura chamada de
sustentável em relação ao uso da energia. Materiais com propriedades térmicas auxiliares no
conforto através das fachadas, formas de captação de energia alternativas à energia elétrica,
aprimoramento e popularização da iluminação artificial econômica e termicamente inteligente
por meio do LED, entre outras tantas tecnologias, vêm sendo desenvolvidas para serem
incorporadas às novas edificações. Paralelamente, conceitos conhecidos e muito aplicados,
por exemplo, no aqui citado trabalho de Wright, vêm sendo resgatados. Telhados ajardinados,
melhor cálculo das aberturas e vedações, estudos de orientação solar e ventos, vegetação e
paisagismo como recurso térmico e de conrole de iluminação natural e proteção das aberturas
são velhos conhecidos da boa arquitetura, mas foram tão esmagados pelo tecnicismo
extremado que são tratados como novos.

3. Conclusão

Sob a luz da pesquisa bibliográfica realizada, conclui-se que a visão unificada e


humanizada que se construiu do objeto arquitetônico e sua iluminação natural e artificial,
embora se perceba que ainda tenha muito a ser trabalhada e difundida, é consequência de um
século de aprimoramento da técnica e da sensibilidade no trabalho dos arquitetos.
Depois de passar pela primeira fase de estranhamento, onde se tentou amenizar o
contato hostil com a tecnologia através de uma linguagem estética amigável como o Art
Nouveau, por uma segunda fase racionalista, em que os conceitos de uma nova proposta de
vida, de arquitetura e de cidade modernas foram privilegiados em detrimento de uma relação
com mais humanizada com a arquitetura e de uma terceira fase, de intenso desenvolvimento
tecnológico para aprimorar o uso da energia e da luz para o nosso conforto e economia, surge
uma quarta fase em que, com posse dessa experiência, associa profundos conhecimentos
tecnológicos com o resgate de técnicas conhecidas do uso da luz natural, trazendo conceitos
bem adaptados ao século XXI.
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Os recursos de conforto térmico e visual, de economia, de controle de sensações e de


uso racional da energia hoje disponíveis trazem condições para uma ampliação da aplicação
dessa abordagem, de modo a levar às pessoas de forma geral uma iluminação mais adequada
às demandas da vida contemporânea.
Referências

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1975.

BRONDANI, Sergio Antonio. A percepção da luz artificial no interior dos ambientes


edificados. 2006. 153f . Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) Universidade Federal
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http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/3782 Acesso em: 6 de Março de 2013.

FIELL, Charlotte & Peter. 1000 Lights VOL. 1: 1878 TO 1959. São Paulo: Taschen, 2005.

JUDT, Tony O mal ronda a terra. São Paulo, Objetiva, 2010.

LANDIM, Paula da Cruz. Design e arquitetura: do ecletismo ao pós-modernismo:


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LANNONE, F. A iluminação poética no espaço público. Projeto Design – 6º Lighting


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MASCARÓ, Lucia. Iluminação e arquitetura: sua evolução através do tempo. Disponível


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MALARD, Maria Lucia. Forma, arquitetura. Disponível em:


http://www.arq.ufmg.br/eva/art010.pdf Acesso em : 6 de Março de 2013.

MENEZES, Juliana Mara Batista. A utilização da iluminação na concepção dos espaços


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http://artigos.netsaber.com.br/resumo_artigo_55219/artigo_sobre_a_utilizacao_da_iluminaca
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Acesso em 21 de Agosto 2013

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