I Modernidade
o tradicional conhecimento
maçônico e o século XXI
Pretendo analisar alguns ensinamentos da Maço-
naria frente a aspectos da vida contemporânea,
ao nosso tempo; ou à falta dele.
Tratarei o assunto de forma sintética, pois minha
intenção com esse texto é propor idéias para pen-
sar e não fórmulas prontas. Como é dirigido aos
Mp:., tenho o desejo que proporcione argumen-
tos para o desenvolvimento de trabalhos futuros.
Vou levá-Ios por uma breve viajem no tempo,
durante a qual vamos avaliar apenas uma ques-
tão: os eventos ~Iobalizantes e a velocidades dos
acontecimentos frente a alguns aspectos da Ma-
çonaria Simbólica e seus ensinamentos.
E inicio com uma afirmação e uma pergunta: a
Maçonaria é uma instituição que conserva tradi-
ções imemoriais e que possui leis imutáveis
(Landmarks). No âmago de seus ensinamentos e
valores é capaz de nos ensinar como viver numa
época cuja única certeza é que tudo vai mudar e
que amanhã será diferente?
Acima usei o termo "eventos globalizantes" como
uma forma sucinta de nominar processos históri-
cos que geraram grandes mudanças na humani-
dade. Dentre eles vou destacar três eventos: as
grandes navegações dos séculos XV e XVI; a re-
volução industrial nos séculos XVII, XIX e XX; a
revolução digital no final do século XX e início do
XXI. Usando uma expressão cunhada por Thomas
Friedman, em seu livro "O mundo é plano - uma
breve história do século XXI", estou falando da
Globalização nas versões 1.0, 2.0 e 3.0.
Globalização 1.0: as grandes navegações entre
os séculos XV a XVIII. Extenso processo históri-
co de ampliação de fronteiras e "encurtamento"
das distâncias, promovido por nações que na épo-
ca eram governos absolutistas. Foi um período
de grandes inovações em equipamentos e méto-
dos de navegação e embarcações.
Nações tornaram-se poderosas por suas posses
e colônias e promoveram grande fluxo de merca-
dorias e informações entre os povos. Os conta-
Ir:. Luis Reinaldo Sciena
tos com outras culturas proporcionaram intercâm-
Loja Maçônica Regeneração 3a.
bios de conhecimentos e, de forma indireta, foi
Or:. de Londrina/PR
sinérgica com o Renascimento.
Naquela época, o mundo funcionava devagar. A
velocidade de compartilhamento das informações,
que dão suporte às decisões e estabelecem o cur-
so dos acontecimentos humanos, era lenta. Ima-
gine, uma decisão do rei da Espanha, codificada
em carta, levava em torno de 4 meses para atra-
vessar o Atlântico e chegar à colônia. A reação ou
resposta, consumia outros 4 meses de navegação
para retornar à Europa. Em terra não era muito
melhor, pois os correios dispunham de cavalos e
carruagens. A imprensa ainda engatinhava.
Ação, reação, decisão, negociação, enfim devia ser
tudo muito lento. Portanto, a exceção dos tem-
pos de guerra e peste, a vida deveria ser muito
previsível, tudo acontecendo com alguma
previsibilidade. Não estou considerando a
imprevisibilidade dos acontecimentos naturais
(terremotos, vulcões, tempestades, furacões etc.)
que continuam, em sua maioria, ainda de difícil
previsão.
~~s contatos com outras culturas
proporcionaram intercâmbios de
conhecimentos e, de forma indireta, foi
sinérgica com o Renascimento."
Nessa época, entre o fim da Idade Média e início
da Idade Moderna, conforme nossas tradições, as
Associações de Pedreiros Livres, organizados em
guildas, atuavam na Europa, em seu labor diário
de moldar e polir a pedra bruta nas construções
das principais catedrais e templos da Idade Mé-
dia. Para cumprir seus trabalhos usavam o maço,
cinzel, régua, compasso, esquadro, prumo, nível
e demais ferramentas de pedreiro.
A guilda dos Pedreiros Livres, como as demais
guildas da época, tinha o objetivo de prote-
ger seus integrantes e manter em segredo
as técnicas e conhecimentos da profissão,
verdadeiro segredo industrial. Dizemos que
hoje vivemos na era da informação e que infor-
mação é poder. A Maçonaria sabe disso há
muitos séculos e tem profunda tradição em ar-
mazenar, processar, proteger e transmitir in-
formações, por meio de ritos, regras, tradi-
ção oral e escrita que os iniciados passam a
conhecer após "ver a luz".
O tempo passou e a Idade Moderna teve
início em 1453 com a tomada de
Constantinopla pelos Otomanos (início es-
tabelecido pelos historiadores franceses) e
se estendeu até 1789, quando eclodiu a Re-
volução Francesa.
Nesse período, nos idos de 1700, a
Globalização 2.0 estava em gestação no
"útero" Britânico. Nascia a Revolução Indus-
trial em conjunto com grandes mudanças
tecnológicas, com profundos impactos nos
sistemas produtivos, na economia e na soci-
edade. Do século XIX em diante, essa re-
volução se alastrou pelo resto do mundo e
está "a pleno vapor". Seu principal fruto, o
espírito do capitalismo, suas relações entre
capital e trabalho e sua profunda ligação com
a ética protestante influenciam a humanida-
de desde então.
Máquina a vapor, trem, telégrafo, telégrafo
sem fio, métodos industriais de produção em
série, o telefone, a fotografia, fontes de ener-
gia fóssil, a acumulação de capital por parte
de empresas e pessoas pos em prática a
globalização movida pelas empresas.
Agora, não são mais as nações e seus gover-
nos os principais protagonistas da
globalização, levando e trazendo informa-
ções e produtos entre os povos. São a em-
presas que assumem esse papel, culminan-
do com um fenômeno dos séculos XIX e
XX: o surgimento das empresas
multinacionais, que dominam o cenário eco-
nômico mundial. Suas atividades trans-naci-
onais permitiram grande agilidade na trans-
ferência de tecnologia e conhecimentos,
naturalmente guardados a "sete chaves".
O mundo tornou-se mais rápido, e no de-
correr dos anos 1800 o trânsito das infor-
mações ganhou velocidade: o trem, o barco
a vapor, o telégrafo, o telégrafo sem fio, o
rádio e a imprensa tornaram a ação, reação
e decisão muito ágeis. Por exemplo, um fato
importante ocorrido do outro lado do oce-
ano tornava-se conhecido em poucos dias.
Uma carta, da mesma forma, cruzava um
país continental como os E.U.A também em
poucos dias. Um telegrama podia ser entre-
gue em horas.
Mas mesmo assim, apenas para comparar,
tudo o que é publicado em uma semana pelo
jornal New York Times contem mais infor-
mações do que um homem comum do sé-
culo XVIII teve acesso em toda sua vida.
Durante os séculos XVII e XVIII, ao que tudo
indica, a Maçonaria promoveu sua transfor-
mação,lentamente agregando mais informa-
ções sobre outras áreas do conhecimento
místico, científico, e prático, pela aceitação
de homens de outras áreas profissionais e
de conhecimento. Deixou de ser operativa
e tornou-se simbólica. De fato, a história
demonstra que a Revolução Industrial tor-
nou o mercado menos favorável para a
guildas de um modo geral, transformando
os artesãos em operários.
Em 1717, na Inglaterra, a Maçonaria Simbó-
lica declarava publicamente sua existência,
e nas décadas seguintes tornou-se refúgio
para pensadores e intelectuais, que estavam
profundamente envolvidos com as revolu-
ções industrial, tecnológica e política que
ocorreram. Consta em nossa tradição que
ilustres cientistas, empresários e políticos na
Europa e EUA fizeram parte de nossos qua-
dros. Alguns historiadores entusiasmados
chegam a afirmar que os EUA foram a mai-
or "criação" maçônica da época.
O que esses ilustres Maçons fizeram ecoa
até nossos dias, merecendo destaque nos-
sos ritos, símbolos e os 25 Landmarks sanci-
onados pelo Ir:. Albert Mackey em 1856
em sua obra "Jurisprudence of
Freemasonry" .
Vou deter-me um instante no termo Sim-
bólica. Em total sintonia com seu tempo, a
Maçonaria como tradicional detentora de
informações e conhecimentos, deixou de ser
operativa e tornou-se simbólica.
Símbolo é um elemento representativo que
está em lugar de algo que pode ser um ob-
jeto, um conceito ou uma idéia complexa.
Pode ser uma palavra, uma imagem, um som
ou um objeto que referencia o "algo". É uma
poderosa forma de comunicação pois todo
um conceito complexo pode ser represen-
tado por um único símbolo.
E é dessa forma que a grande maioria dos
conhecimentos maçônicos nos são repassa-
dos, por meio de linguagem simbólica siste-
matizada por valorosos lir:. na época da
Globalização 2.0. Fiz questão de usar a pa-
lavra sistematizada e não criada, pois a Ma-
çonaria é herdeira de símbolos criados há
milênios.
Não há consenso entre os historiadores, mas
há argumentos convincentes quanto a tese
de que estam os vivendo a GlobaJização 3.0
desde a queda do muro de Berlim. O fim do
Comunismo Soviético, principal alternativa
ao capitalismo, iniciou substanciais mudan-
ças globais e, de forma inequívoca, as
tecnologias digitais promoveram convergên-
cia sem precedentes entre telecomunica-
ções, informática e Internet, que está cri-
ando novos paradigmas quanto às relações
sociais, ao trabalho, à educação, ao fluxo das
informações, enfim, está em curso a Revo-
lução Digital.
Nesse admirável mundo novo, aglobalização
deixou o âmbito das nações e da empresas
e foi assumida pelo indivíduo. Em nenhuma
época foi possível termos tanta "voz". Ce-
lebridades meteóricas aparecem todos os
dias no mundo dos Blogs, comunidades vir-
tuais e redes sociais.
Novas oportunidades surgem diariamente e,
o que era considerado inabalável, desapa-
rece diante de nossos olhos. Vejamos exem-
plos reais:
- Um jovem de 15 anos não conheceu o
mundo sem Internet, banda larga, compu-
tadores, celulares, câmeras digitais e redes
sociais. Isso é tão natural para ele quanto
era uma televisão para minha geração;
- Com naturalidade, grava vídeos com seu
celular e publica no Youtube, envia mensa-
gens de texto instantâneas avisando todos
seus amigos, pelo celular ou pelo Twiter, e o
vídeo é acessado pela "galera".
- A indústria da música e do cinema está
passando por grandes transformações por
conta do download;
- Apesar da primeira câmera digital da his-
tória ter sido criada num laboratório da
Kodak, ela "perdeu o bonde" e quase foi à
falência insistindo em fabricar filmes foto-
gráficos.
- Escritórios de contabilidade nos EUA con-
tratam contadores na índia, que trabalham
em casa prestando serviços on line, custan-
do 1/3 de um contador americano;
- Empresas chinesas fabricam produtos para
empresas americanas que vendem para bra-
1-
sileiros, europeus e indianos que ganham
dinheiro trabalhando em coll centers pres-
tando serviços para consumidores america-
nos, europeus e asiáticos etc.
- As 10 profissões mais procuradas em 20 I O
não existiam em 2004;
- Estamos preparando alunos para profissões
que ainda não existem, para usar tecnologias
que ainda não foram disponibilizadas, para
resolver problemas que nem sabemos que
são problemas;
- É previsto que um aprendiz de hoje, terá
entre 10 e 14 diferentes empregos/profis-
sões até os 38 anos de idade;
- Devido à rápida obsolência da tecnologia,
um aluno que esteja fazendo um curso su-
perior de alguma das áreas de tecnologia,
terá perdido a metade dos conhecimentos
adquiridos no primeiro ano enquanto esti-
ver fazendo o terceiro ano.
Os autores da área de administração de
empresas, marketing, recursos humanos,
tecnologia da informação etc. repetem à
exaustão: dentre diversas habilidades neces-
sárias para nosso tempo, aptidão ao diferen-
te figura entre as fundamentais. Para isso,
desenvolver tolerância ao diferente e a acei-
tação que, em muitos casos, não é uma ques-
tão de que é bom ou ruim, melhor ou pior,
é simplesmente diferente.
Isso significa viver com a certeza de que não
há certezas nos campos dos negócios, pro-
fissões e conhecimentos. Amanhã será dife-
rente! Caminhamos para termos cada vez
menos estabilidade e previsibilidade. Vive-
mos numa época exponencial onde as pro-
babilidades imperam sobre o determinismo.
E a velocidade? Nada se tornou mais
estressante e fonte de ansiedade do que a
velocidade. O e-rnail, celular e todo o que é
dito "on line" tornaram as comunicações
instantâneas e o "agora" já se tornou "tar-
de". Tudo é para ontem.
Por conta dessa velocidade espantosa entre
ação, reação e decisão, temos que estudar
constantemente e trabalhar o dobro para
não perdermos a atualidade seja na profis-
são, na sociedade ou mesmo na vida famili-
ar. E isso é mais difícil quando já deixamos a
onipotência da juventude para trás.
Não há espaço para continuar detalhando a
Globalização 3.0 aqui, por isso, indico alguns
livros para aprofundamento no assunto.
Quanto à Maçonaria, nossos IIr:. que vive-
ram na Antiguidade, Idade Média e na Idade
Moderna enviaram-nos presentes valiosos:
ideias e conceitos atemporais, representa-
dos por símbolos que contemplam os tem-
pos atuais: o pavimento mosaico e a régua
de24pp: ..
O pavimento mosaico representa a convi-
vência dos diferentes; a aceitação de que o
diferente não é necessariamente bom ou
ruim, é somente diferente. Está em nosso
templo para lembrar que "a humanidade foi
criada para viver na mais perfeita harmonia
e na mais íntima Fraternidade"(*) apesar dos
diferentes princípios que regem diferentes
povos, diferentes religiões e diferentes épo-
cas.
Esse símbolo é uma lição sobre tolerância.
E o que mais precisamos hoje em dia é tole-
rância. Para com os jovens que tanto ansei-
am e nos cobram entendimento; para com
os idosos que enfrentam dificuldades para
compreender os avanços tecnológicos (nós
chegaremos lá!); tolerância consigo próprio,
pois o dia tem somente 24 horas e não dá
para fazer tudo. Enfim, parece-me que a
tolerância é um bom caminho para ser apto
ao diferente.
Não estou falando de tolerância ignorante
que aceita iniquidades, injustiças e falta de
ética. Que aceita o crime como normal, par-
te do cotidiano. Falo da tolerância consci-
ente e inteligente. É nesse ponto que outro
símbolo muito nos ensina: a régua de 24 pp:.
Esse símbolo corresponda à sabedoria do
Ven:. Mest: .. É empregado para medir e
aplainar a obra; representa o conhecimento
que deriva da consciência tríplice: cognição,
emoção e atividade; conhecer, sentir e agir.
Simbolicamente, conhecemos com a régua,
sentimos com o cinzel e agimos com o maço.
Representa a base dos conhecimentos, pois
é um princípio aplicável a todos os setores
da experiência humana. Ciências, artes, fi-
losofia, religião enfim, idéias relativas a ma-
nifestações naturais ou humanas são
cognoscíveis e inelegíveis quando podem ser
medidas e avaliadas de algum modo. Onde
a medição termina, começa a ignorância.
Esse símbolo é alusivo à nossa capacidade
de medir, que é intimamente ligado ao nos-
so saber e nossa capacidade de planejar. Sem
planejamento, nenhuma obra chegará a ter-
mo.
Portanto, respondendo à pergunta que for-
mulei no início desse texto, os tradicionais
conhecimentos maçônicos, moldados des-
de a antiguidade por diversas revoluções e
globalizações, continuam válidos. A tolerân-
cia bem empregada, com inteligência e sede
de saber, parecem-me virtudes adequadas
para que vive em 20 I O e imagina que ama-
nhã será diferente.
Encerro esse pequeno texto com uma ques-
tão para pensar. O Ven:. Mest:. represen-
ta em Loja a sabedoria do Rei Salomão. A
régua de 24 pp:. representa a sabedoria do
Ven:. Mest:., por associação, simboliza
também a sabedoria do Rei Salomão.
O Livro do Eclesiastes, do Antigo Testamen-
to, tem sua autoria ligada ao Rei Salomão.
Há controvérsias em relação a essa autoria,
visto que há fortes evidências que indicam
que foi escrito em torno de 150 A.c., por-
tanto muito depois da época de Salomão.
Alguns estudiosos afirmam que o verdadei-
ro autor do texto induziu a essa crença para
valorizar o texto. Independente disso, esse
livro começa assim: "Palavras do Eclesiastes,
filho de Davi, rei de Jerusalém", logo,
Salomão.
Vamos assumir por tradição que o texto é
de Salomão e representa parte do seu co-
nhecimento. Então, a régua de 24 pp:. é
um símbolo que alude a esse texto também,
pois ele é o puro conhecimento de Salomão.
No capítulo I, versículo 9 está escrito: "O
que foi é o que será: o que acontece é o que
há de acontecer. Não há nada de novo de-
baixo do Sol".
Numa época em que uma das certezas é que
amanhã será diferente, qual é o significado
dessa frase que afirma exatamente o con-
trário?
Bibliografia recomendada
(*) Ritual de Aprendiz Maçom do Rit:. Esc:. Ant:.
Ac:. - GOP - 2007
O Mundo é Plano - Uma Breve História do Século
XXI -Tomaz Friedman -2005
Em Busca da Empresa Quântica- Clemente Nóbrega
- 1996
Livro do Eclesiastes - Antigo Testamento
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