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Volume 1
Belo Horizonte
Escola de Arquitetura da UFMG
2019
Luana Rocha de Souza
Belo Horizonte
2019
FICHA CATALOGRÁFICA
CDD 720.103
À Deus, sou grata por todas as bênçãos que tem concedido em minha vida;
Aos meu pais, pelo apoio emocional e por sempre terem acreditado em mim;
Ao Prof. Frederico Canuto, agradeço não somente por ter sido meu orientador no mestrado,
mas também por todo aprendizado e apoio durante essa jornada. Amadureci muito com suas
orientações;
Aos professores no NPGAU e colegas do curso, por terem me mostrado outras maneiras de
pesquisar, pelos debates enriquecedores, dentro e fora da sala de aula;
Macapá, capital of the state of Amapá, it is located on the banks of the Amazon River
and has its urban perimeter permeated by wetland, locally called "ressacas". Ressacas
are environmentally protected areas, but usually, they are under pressure from
informal occupation by the population. Its spatialization occurs through stilts houses
and wooden walkways, located above water level. Of 398,204 inhabitants, at least 63
thousand live in these areas (IBGE, 2010). Faced with this, the public power acts in a
conflicting way, either through omission, prohibition of occupations, punctual
urbanization or resettlement. With this in mind, the objective of this research is to
describe the practices and sociotechnical relations between direct action and
institutional struggle in the production of informal occupation in the ressaca area of the
district of Congós. The direct action indicate to self-production practices of the
residents and community leaders, and the institutional path, focuses on their struggles
before the Public Power. When investigating sociotechnical practices, we use Bruno
Latour's method (2012) of cartography of controversies, since we understand human
and non-human elements in an inseparable way. With this academic research, we aim
to make it possible for the actors involved to express their views on our common world
and, from this, to rethink other paths against the heteronomy of public power, where a
possible beginning is to recognize and value practices and knowledge of the residents.
We also intend to contribute to the research on the production of urban space that
emphasizes associations between heterogeneous actors.
INTRODUÇÃO .....................................................................................................11
REFERÊNCIAS ...................................................................................................151
APÊNDICE ..........................................................................................................159
11
INTRODUÇÃO
12
O primeiro contanto que tive com as ocupações informais nas ressacas se deu
mediante os trabalhos acadêmicos enquanto era estudante de arquitetura e
urbanismo pela Universidade Federal do Amapá. No final da graduação, fiz meu
trabalho de conclusão de curso sobre a temática, instigada pelas problemáticas que
seus moradores enfrentam, como precariedade e falta de infraestrutura. O trabalho
objetivou projetar um conjunto habitacional considerando o modo de vida dos
moradores e a inserção urbana das habitações. Esse contato teve importância para
começar a compreender a complexidade da temática.
1
O termo denota “áreas de pântano, charco, turfa ou água, natural ou artificial, permanente ou
temporária, com água estagnada ou corrente, doce, salobra ou salgada, incluindo áreas de água
marinha, cuja profundidade na maré baixa não exceda seis metros” (Convenção de Ramsar, 1971).
13
que delineiam a pesquisa: a ação direta e a luta institucional. Para o geógrafo Marcelo
Lopes de Souza (2012), a ação direta designa o conjunto de práticas de luta que são,
basicamente, conduzidas apesar ou contra o Estado, isto é, sem vínculo institucional
ou econômico imediato com canais e instâncias estatais (SOUZA, 2012). Nessa
pesquisa, refere-se à prática de autoconstruir. De sua parte, a luta institucional
significa o uso de canais, instâncias e recursos estatais.
Por sua vez, no Brasil, o tema sobre ocupações informais e autoconstrução, aponta
para uma crítica pelo enfoque da acumulação capitalista e outra, mais entusiasta,
quanto aos seus potenciais (SÁ, 2009).
2
Os ribeirinhos vivem “[...] em agrupamentos comunitários com várias famílias, localizados, como o
próprio termo sugere, ao longo dos rios e seus tributários” (CHAVES, 2001, p. 78).
15
Soma-se a isso a falta de políticas sociais para proporcionar moradia, o que obriga os
cidadãos a valer-se da informalidade. Dessa forma, a ocupação informal é resultado
da falta de opções de diversos indivíduos. O que faz parte do cenário das cidades
brasileiras, uma vez que “é uma regra, e não uma exceção” (Maricato, 2003, p.2).
Nesse pano de fundo, a Amazônia, que detém uma das maiores taxas de crescimento
urbano do mundo, concentra 80% de seu crescimento em ocupações informais
(DAVIS, 2006).
Na TAR, desenvolvida por Bruno Latour, John Law e Michel Callon, os objetos são
tratados de um modo inovador e distinto e, assim, rompem a divisão moderna entre
cultura e natureza, sujeito e objeto ou indivíduo e sociedade. De modo simplista e que
será aprofundado mais a frente, a TAR é uma teoria sobre um modo de investigar as
coisas e de criar espaço para os atores se expressarem.
Para o filósofo Bruno Latour (2012), em seu livro “Reagregando o social: uma
introdução à teoria ator-rede”, grande parte dos cientistas sociais compreendem o
social como um conjunto homogêneo ou com um objeto particular. Em contraponto a
esse prisma, o autor propõe a sociologia das associações e a designa como “um
movimento peculiar de reassociação e reagregação” (idem, p.25). A sociologia é
redefinida de uma “ciência do social” para um traçado de conexão entre elementos
heterogêneos. Nossa tendência consiste em reduzir o social só aos humanos,
esquecendo que sua esfera é mais ampla. Porém, as pessoas não são independentes
da natureza e vice-versa, portanto, é impossível separar o mundo dos homens do
mundo das coisas em si. Diante disso, a TAR não se limita a estudar a agência de
humanos. Com a TAR, os não-humanos também são considerados atores completos,
pois ator consiste em “qualquer coisa que modifique uma situação fazendo a
diferença” (idem, p.108). A própria nomenclatura de “ator” ou “actant”3 traduz o caráter
híbrido da TAR, já que a distinção entre sujeitos e objetos se perde.
A partir de então, o social não é mais explicado a partir de um conjunto de ideias pré-
estabelecidas, como “sociedade”, “estrutura”, “contexto”, “culturas”. O autor critica tais
3
Actante é uma forma neutra de referir-se aos atores humanos e não-humanos.
17
forças ocultas por causarem grandes saltos que mobilizam forças gigantescas para
manipular o ator e controlar diversos acontecimentos. Por consequência, os atores
são, frequentemente, desconsiderados e vistos como se fossem incapazes de
interferir em uma situação.
Nesta pesquisa, seria possível utilizar diversos conceitos para explicar as práticas nas
ocupações informais nas ressacas. Definições preestabelecidas, como cooperação,
cultura, pobreza, necessidade poderiam ser elucidadas de antemão. Como vimos,
pesquisas sobre a temática em Macapá enfatizam a questão da necessidade ou a
questão cultural. Discursos que fomentam na remoção ou na valorização das palafitas
são travados. Pela perspectiva da TAR, o esquema de pesquisa foi, então, modificado.
A ocupação da pesquisa passou a ser a busca de novas associações. O que importa
é descobrir novas instituições, procedimentos e conceitos. Isso posto, ao focar nos
vínculos, torno-me livre de disputar os combates supracitados.
de uma situação espacial para outra foram necessários? Quais atores foram
reunidos? Como se constituíram essas associações e desarticulações? Que ações
foram evocadas? Como determinado ator renovou o agrupamento de laços sociais?
O que querem? Que tipo de mundo seus atores desejam habitar? Em decorrência
dessa mudança, demonstro o que age e como age, torno os vínculos visíveis, revelo
seus argumentos, suas posições distintas e mudanças no decorrer do tempo.
Por fim, o volume dois – ou Atlas – relata visualmente a cartografia das práticas,
actantes e pontos de vista mediante glossário, diagramas e imagens. O intuito foi
facilitar e complementar a leitura do relato escrito. Ele foi dividido nas seguintes
categorias: glossário de actantes (cada vez que uma palavra aparecer sublinhada
significa que consta no glossário); mapa mental; mapas; linha do tempo; fotografia;
diagrama TAR; mídia; e diagrama de cosmos.
21
O autor refuta a ideia do espaço como um mero suporte das práticas. Para Lussault,
em vez da ação ocorrer no espaço, os actantes agem com o espaço, o que propicia
“uma aproximação mais apropriada à dimensão de eventos do espaço, onde o espaço
não é só conceitualizado como uma estrutura absoluta ou relativa, mas como um
elemento efêmero co-construído pela prática”4 (LUSSAULT, 2010, p.14, tradução
nossa). Portanto, o espaço é situacional, efêmero. Já o conceito de situação
corresponde à convergência circunstancial de actantes, cujas ações são mobilizadas
(LUSSAULT, 2010). Agir em determinada situação denota se envolver com essas
entidades convergentes. Para sua abordagem, adota a concepção de associações de
Latour (2012), para o qual as associações possuem vínculos que não são duráveis,
mas frágeis, controvertidos, incertos, continuamente em movimento e estabelecendo
conexões. Isso implica no sistema ser aberto, onde nada é pré-determinado e fixo.
Para Lussault (2010), essa perspectiva possibilita uma investigação na qual as
associações são descontínuas, onde as dimensões do espaço estão continuamente
mudando. Seu estado é transitório.
4
“Permits a more adequate approach of the spatial dimensions of events, where space is not longer
conceptualised as an absolute or relative structure, but as an ephemeral element co-constructed by
practice”.
23
espacial (ideal e/ou material) da sociedade” (idem, p.181, tradução nossa) 5. Todas as
ações são espaciais, assim não há como separá-las de outros tipos de ações que não
o seriam. A espacialidade corresponde às habilidades específicas essenciais para
efetuar e assumir práticas. O conceito é relevante, pois permite unir as atribuições da
ordem do espaço com o que é revelado pelas práticas sociais. Dessa forma, estudar
a espacialidade significa investigar os operadores sociais “fazendo com/na/para a
ressaca”.
5
“Toute activité engage une relation de l’opérateur à la dimension spatiale (idéelle et/ou matérielle) de
la société”.
24
A) O espaço material constitui um suporte dinâmico das ações, mas não oferece a
mesma resposta para distintos atores, pois cada um deve elaborar sua própria
avaliação;
(...) garantir por sua espacialidade sua capacidade de se colocar de tal forma
que seus atos sejam seguidos pelos efeitos desejados e que o controle de
sua ação e seu ambiente seja sempre possível. Não é preciso dizer que isso
é um ideal, pois não deixa de ser conflitante com o desejo equivalente de
outros atores - e a solicitação dos sistemas normativos em situações de
interação se explica pela necessidade de cada indivíduo garantir seu controle
a partir de uma regra "objetiva", supostamente para protegê-lo das
pretensões dos outros. (LUSSAUT, 2014, on-line, tradução nossa)8
6
Chaque spatialité ajoute au monde spatial de l’information supplémentaire, donc contribue au
processus global d’organisation de l’espace. De ce point de vue, il n’y a pas de spatialité inopérante,
sans impact; la moindre spatialité accroît la complexité de la dimension spatiale des sociétés et accroît
même la quantité d’espace en circulation dans l’interaction entre les opérateurs. L’espace des sociétés
humaines augmente donc et se complexifie en permanence, postulat fort, contre-intuitif par rapport à l’
idée commune d’un espace clos, fini car réduit à l’étendue.
7
Consideramos o dispositivo como um mediador nos termos de Latour (2012).
8
“garantir par leur spatialité leur capacité à se placer de manière à ce que leurs actes soient suivis des
effets désirés et que le contrôle de leur action et de son milieu soit toujours possible. Il va de soi qu’il
s’agit là d’un idéal, qui ne laisse pas d’être contredit pas le désir équivalent des autres acteurs - et
l’appel aux systèmes normatifs dans les situations d’interaction s’explique par la nécessité pour chaque
26
individu d’assurer sa maîtrise en se référant à une règle ‘objective’ censée le protéger des prétentions
d’autrui”.
27
A cartografia das controvérsias foi criada por Latour no final da década de 1990, com
o intuito de facilitar a utilização da TAR e, assim, torná-la mais inteligível aos
estudantes (VENTURINI, 2010). O sociólogo Tommaso Venturini, um dos
colaboradores de Latour, afirma que esse método é um processo investigativo
potencial para equacionar conflitos entre os envolvidos em uma controvérsia
(VENTURINI, 2010). Cartografia, pois é composta de técnicas para mapear e rastrear
as controvérsias do social, consiste na melhor maneira de observar a fabricação do
mundo, visto que a partir das controvérsias a vida coletiva é feita e desfeita.
9
“are situations where actors disagree (or better, agree on their disagreement)” (VENTURINI, 2010,
p. 261, grifo do autor).
28
A ação deve ser definida como um nó, como um conjunto de agências. Este último
refere-se ao que participa da ação e induz transformação, contido nos mediadores,
“as agências dão conta da complexidade, diversidade e heterogeneidade da ação. [...]
29
a ação deve permanecer uma surpresa, uma mediação, um evento” (LATOUR, 2012,
p. 45). Tendo em vista que suas múltiplas conexões lhe dão existência, deve-se
manter incertezas quanto à origem da ação.
Primeiro, para haver ação é necessário haver provas, relatos ou informação. Pois uma
ação invisível, que não suscita mudanças, não esteja em meio a um relato, não pode
ser considerada uma ação (LATOUR, 2012).
Segundo, há uma diferença entre a ação e sua figuração. O termo figuração significa
uma imagem, uma roupagem, uma forma à ação. Há distintas figurações para a
mesma ação. Deve-se registrá-las, mas não as filtrar.
Como dito anteriormente, objetos não são passivos ou só projeções simbólicas, nem
simplesmente satisfazem as ordens humanas, eles possuem agência 10. Tal afirmação
não denota que eles façam coisas no lugar dos humanos, mas apenas significa
explorar plenamente o que e quem participa da ação. Outro ponto importante a ser
assinalado: agenciar não é sinônimo de determinar a ação. Não que um martelo
imponha a utilização de pregos. Entre ser apenas passivo e determinar a ação
humana existem diversas possibilidades, como: autorizar, estimular, sugerir,
influenciar, desviar, proibir etc. (idem). E, como complemento, Lussault (2010) diz que
os objetos existentes influenciam as pessoas a agir, locomover-se, apropriar-se,
mostrar-se, identificar-se, demarcar.
O objeto só adquire valor social por meio das relações e, como as ações, precisam
aparecer nos relatos. Eles também são híbridos, pois só são dotados de valores a
partir das ações (LATOUR, 2012; SANTOS, 2006). O geógrafo brasileiro Milton
Santos (2006) no livro “A Natureza do Espaço” elucida a técnica como a socialização
dos não-humanos. O técnico e o social só podem ser explicados de forma conjunta.
Só podemos apreender as ações de determinados atores (técnicos da prefeitura,
moradores, fiscal da empresa) ao associá-los a elementos não-humanos (projeto,
legislação, madeira).
Santos (2006), alicerçado na ideia de híbrido entre objeto e sociedade de Latour, infere
ler o espaço como um híbrido, produzido pela associação indissociável entre sistemas
de objetos e sistemas de ações.
10
Agência em Latour e agenciamento em Lussault são conceitos distintos. No segundo, significa a
forma da dimensão espacial de uma prática qualquer.
31
A noção de urban assemblage na forma plural oferece uma base potente para
compreender a cidade como um objeto que está implacavelmente sendo
montado em locais concretos da prática urbana ou, para colocá-lo
diferentemente, como uma multiplicidade de processos em tornar-se, redes
sociotécnicas de fixação, coletivos híbridos e topologias alternativas. Nessa
perspectiva, a cidade torna-se um objeto difícil e descentrado, que não pode
mais ser dado pelo fato como um objeto claramente delimitado, nem como
um contexto específico ou um local delimitado. A cidade é uma realização
ontológica bastante improvável que requer uma elucidação. (FARIAS e
BENDER, 2012, p. 2, tradução nossa)11
Uma grande mudança permitida pela TAR consiste na ontologia que rege a
compreensão das cidades, “a ANT fornece uma explicação radical do espaço e do
tempo como consequências, efeitos ou, até mesmo, variáveis dependentes das
relações e associações que compõem as redes de atores” (FARIAS e BENDER, 2010,
p. 6). Refletir a cidade a partir da urban assemblage é entendê-la como um processo
relacional de composição, não confinada a limites bem estabelecidos, e com seu
conjunto de associações com entidades heterogêneas (idem; McFARLANE, 2011).
Isso implica em compreendermos que a infraestrutura não se resume a um objeto
estático, que a arquitetura não está finalizada. Portanto, a TAR permite que atores
não-humanos possuam importante papel de mediação no estudo da cidade.
11
The notion of urban assemblages in the plural form offers a powerful foundation to grasp the city
anew, as an object which is relentlessly being assembled at concrete sites of urban practice or, to put it
differently, as a multiplicity of processes of becoming, affixing sociotechnical networks, hybrid collectives
and alternative topologies. From this perspective, the city becomes a difficult and decentred object,
which cannot any more be taken for granted as a bounded object, specific context or delimited site. The
city is rather an improbable ontological achievement that necessitates an elucidation.
33
Farías e Bender (2010) citam três fundamentos para inserir a TAR nos estudos
urbanos: a relacionalidade radical, o princípio de simetria generalizada e a associação.
A partir da relacionalidade radical, os objetos, tecnologias, ferramentas, textos,
instituições e humanos não pertencem a esferas nitidamente diferenciadas, mas
compõem mutualmente uns aos outros. Essa assertiva é baseada no princípio da
simetria generalizada, que sustenta a utilização de um comum repertório conceitual
para descrever e analisar os vínculos entre humanos e não-humanos. Com isso, as
pessoas não terão supremacia sobre edifícios e espaços, nem vice-versa. Porém,
Bender, no pós-escrito, recomenda que a simetria plana deva ser compreendida
somente como ponto inicial de investigação, deixando em aberto a possibilidade
escalar como algo a ser pesquisado. Por fim, desvelar essa cadeia de práticas dos
actantes permite compreender as associações que conformam o social.
A pesquisa utiliza abordagem qualitativa para coleta dos dados empíricos. A ressaca
é analisada como um espaço descontínuo, onde distintos atores associam-se,
transformam-na e são transformados continuamente, nas quais vínculos são
(des)feitos a depender da situação. Na ocupação na ressaca, atentamo-nos do regime
particular para o compartilhável, isto é, tendo como marco a porta da casa à rua. Para
tanto, foram observadas atuações em microssituações na ocupação da ressaca do
35
Venturini (2009) estipula cinco níveis para se rastrear o social (MAPA MENTAL 3, p.
181):
O primeiro nível hábil para se rastrear consiste na leitura da literatura sobre o tema
estudado, “revelando como discursos dispersos são tecidos em literaturas
articuladas12” (idem, p. 266, tradução nossa).
12
“revealing how dispersed discourses are woven into articulated literatures”
13
“whenever you wonder if something is acting in a controversy, just ask yourself if its presence or
absence does make a difference. If it does and if this difference is perceived by other actors, then it is
an actor”.
36
No terceiro nível, deve-se considerar as redes tecidas pelos atores a partir de suas
ações e do incessante trabalho de vincular e desvincular conexões. Ao traçar as
associações feitas entre os atores vinculados à ressaca, consideramos incertezas na
formação de grupos: as contradições internas, a transitoriedade, interesses comuns
entre os grupos, antigrupos. Inicialmente, organizamos a pesquisa tendo como ponto
de partida o delineamento de dois grupos: moradores e poder público. Entretanto,
durante a pesquisa de campo, percebemos uma mescla entre esses dois grupos a
depender da situação, como moradores que já trabalharam na prefeitura, moradores
que se situam contra outros moradores a favor do poder público e tangências de
interesses – o que nos lembra que não devemos prever, a priori, seus papéis.
Tampouco consideramos os moradores e o poder público como grupos homogêneos.
Entre os moradores há diversos grupos formando-se (parte dos moradores da
passarela, da rua, do início da passarela, do final da passarela, do beco), que se unem
ou se separam a depender da situação, com fronteiras não tão bem estabelecidas. Já
o poder público entra em conflitos em suas atuações. Além dos supracitados, outros
grupos surgiram no decorrer do caminho, como ONGS e a associação de bairro, que
também foram seguidos.
O quarto nível concerne aos cosmos, os quais são as estabilidades em que os atores
almejam atingir. Ideologias não são definições de como o mundo está, mas visões de
como o mundo deveria ser no futuro. Essas visões não estabilizam o coletivo atual,
mas pode influenciá-lo. Por conseguinte, deve-se considerar os significados e pontos
de vista que os diversos atores atribuem às controvérsias (idem), o qual o fizemos no
decorrer da pesquisa.
14
“puede que no difiramos nunca sobre opiniones, sino siempre sobre las cosas, sobre el mundo que
habitamos. Y es muy probable que no ocurra nunca que los adversarios lleguen a algún acuerdo sobre
opiniones: más bien comienzan a vivir en un mundo diferente”.
37
construção de um mundo comum. O que não será estável e sem discussões, pois,
para haver um mundo comum, “devemos construí-lo, juntos, com unhas e dentes”
(LATOUR, 2014, p. 50, tradução nossa)15.
15
“deberemos construirlo, juntos, con uñas y dientes.”
38
Observação participante
Os enfoques mais correntes dos estudos sobre o espaço social caracterizam-se pelo
que o antropólogo urbano Magnani (2002) define como “olhar de fora e de longe”.
Esse tipo de abordagem focaliza na análise do alto, à distância, negligencia os atores
sociais como produtores do espaço. Essa percepção é adotada pelo Estado e por
urbanistas, para os quais “a cidade-panorama é um simulacro ‘teórico’” (CERTEAU,
2014, p.158). Onde há o esquecimento e desconhecimento das práticas cotidianas.
Nessa perspectiva, a cidade seria como:
16Em duas ocasiões sai do papel de apenas observar e auxiliei o NRDC e o CASP. A primeira vez foi durante a
construção das passarelas pelo poder público, onde auxiliei o líder do NRDC a compreender o projeto arquitetônico
das passarelas. Quanto ao CASP, auxiliei na divulgação do trabalho que fazem.
39
Foi preciso disciplinar o olhar às visitas. O treino que advém da lente teórica perpassa
autores de diversos campos do conhecimento, como a arquitetura, urbanismo,
geografia, antropologia e sociologia. A partir de então, pude observar: a
espacialização da ocupação, objetos responsáveis pela materialidade das
construções (a técnica utilizada, ferramentas e materiais necessários), objetos que
delimitam e identificam um espaço, a prática de construir a passarela, os usos dos
moradores na cabeça da ponte (ver glossário) e na passarela (como percorrer,
atravessar). Nesse processo, a diretora do CASP tornou-se uma informante chave,
pois permitiu um bom acesso à localidade (WHYTE, 2005) e, durante nossas
conversas, sanou diversas dúvidas.
Essa interação não é simples, apresenta desafios. Angrosino (2009) elenca algumas
habilidades necessárias à imersão do campo: linguística, para facilitar a conversa; boa
memória para futuras anotações; consciência explícita, para observar os detalhes que
a maioria das pessoas filtram em seu cotidiano; ingenuidade cultivada, não temer
questionar o óbvio, estar aberto à desestabilização, para ter novas possibilidades de
pensar a realidade pesquisada, desconfiar de tudo, das respostas fáceis; e habilidade
na escrita.
17 Mesmo publicado em 1943, sua pesquisa ainda é considerada atual, por ser fundamental para aqueles que
fazem “antropologia em casa” e para utilizar métodos qualitativos de observação participante.
40
Por fim, os desafios de se olhar de perto e de dentro, para além das habilidades
requeridas, advêm com riscos ao pesquisador. Como a área que pesquiso possui
venda de drogas, tive certos cuidados. As visitas ocorreram nos horários de 9 horas
da manhã até meio-dia e entre 14 horas até 17 horas – com exceção de dois dias, nos
quais participei de uma reunião com os moradores da décima oitava sobre a
construção da passarela pela prefeitura, e presenciei um dia de festividade no CASP,
ambas as atividades finalizaram à noite. Ainda assim, o cuidado pode não ser
suficiente, pois, como muitos moradores me disseram: é mais perigoso para quem é
de fora.
Entrevistas semiestruturadas
“Se o social é um traço, então pode ser retraçado” (LATOUR, 2012, p.188). As
entrevistas tiveram o intuito de retraçar as práticas feitas pelos distintos atores; e, a
partir de então, contrapor e convergir suas falas, entender suas negociações e
formação de grupos, compreender seus valores e interesses.
uma moradora e com a diretora do CASP. A partir de então, foram feitas 16 entrevistas
em profundidade na décima passarela, sendo 9 moradores de dentro do lago – na
passarela principal e becos – e 7 moradores da cabeça da ponte. Os moradores foram
entrevistados por indicações e houve a preocupação de contemplar toda a passarela
e área já aterrada. As entrevistas ocorreram em janeiro e fevereiro de 2018. Foram
gravadas quando houve a permissão do entrevistado e assinado termo de
consentimento. Teve os seguintes delineamentos: dados gerais, transformações
ocorridas, mudanças na habitação e lote, produção de infraestrutura e saneamento,
relações com a prefeitura, percepção, cotidiano e usos no bairro (ver apêndice).
Na pesquisa de campo, foram utilizadas imagens que tirei a partir das passarelas,
fotografias divulgadas na mídia digital (site da prefeitura, G1 e Diário do Amapá), as
veiculadas no grupo de Whatsapp do bairro19 e as imagens aéreas do Google.
Por sua vez, o diário de pesquisa evoca um estado de aprendiz ao pesquisador, pois,
por nada saber, tudo anota. Como enfatiza Latour (2012, p.195) “tudo são dados”.
Para a TAR, a separação entre observação e descrição é artificial, uma vez que tais
categorias sempre se tornam uma (VENTURINI, 2012). Desdobrar controvérsias não
deve ser separado de ordenar esta complexidade. Não é uma ideia completamente
original, pois os mapas são fabricados mediante o ajuste corrente de observações e
descrições. Acontece o mesmo na cartografia das controvérsias. No início, os mapas,
18
Tentei contato com outras secretarias e com a companhia de energia e água, mas tive insucesso
com a aproximação.
19 Com a devida autorização de utilização da imagem.
43
Quanto aos mapas, utilizei mapas dos instrumentos de planejamento urbano (planos
diretores e zoneamento) e mapas e bases cartográficas utilizadas pelas secretarias.
Esses mapas são compreendidos como mediadores, que inferem na trama de ação –
como veremos na construção das passarelas. Além disso, criei mapas conceituais
para auxiliar na localização e mudanças espaciais.
Outro fato a ser explicitado é que tentei usar mapas durante as entrevistas. Porém,
houve dificuldades em sua compreensão. Estou habituada a utilizar mapas, aprendi
na universidade, e sempre manuseio aplicativos de localização. Mas nem todas as
pessoas estão acostumadas com esse olhar “de cima”. Se, por um lado, os moradores
achavam interessante ver o teto de sua casa, sua rua, por outro, era difícil pontuar as
mudanças espaciais olhando “de cima”. A partir dessa constatação, comecei a refletir
sobre outras maneiras de apreender suas histórias ao observá-los. As entrevistas
quase sempre ocorreram na varanda e os entrevistados, durante suas falas, sempre
apontavam, por vezes andavam para me mostrar o lugar ou objeto a que se referiam
e utilizavam referências como: a casa rosa, ali na frente, até aquele poste, a casa
desse vizinho, a mangueira (a árvore frutífera), o comercinho, falavam o nome do
vizinho etc. Tais informações foram escritas (às vezes desenhadas) no caderno de
campo.
2009). Ainda que seja usado para extensas redes, ajuda-nos a compreender as redes
formadas em torno de uma ação na ocupação informal. Em nossa pesquisa, os nós
representam os actantes e os vértices representam os vínculos (veja as páginas 226-
227)
Por sua vez, a linha do tempo, mostra ações no decorrer do tempo e retraça as etapas
de transformação sócio-espaciais. Por fim, o diagrama do cosmos, ilustra os diversos
pontos de vista. Foi inspirado no diagrama em formato de árvore, citado por Venturini
(2012), e no formato circular exposto no artigo de Morais, Andion e Pinho (2015) sobre
controvérsias em torno da corrupção eleitoral.
O autor ainda afirma que as ressacas são vulneráveis aos processos de inundação
por causa de suas condições naturais somadas ao seu baixo relevo e ao fato de serem
suscetíveis à dinâmica de chuvas e marés. Alerta que o aterro aumenta as chances
de se inundar áreas antes não inundáveis, pois diminui a área disponível à
acumulação de água e sedimentos naturais.
A ressaca possui um ecossistema complexo com rica fauna e flora. São diversas
espécies de vegetação, como chapéu-de-couro, aninga e buriti (TAKYAMA et al.,
2012) – os dois últimos podem ser observados na fotografia 4 (p. 208). Nesse actante,
vivem diversidades de peixes, com predominância do peixe-néon (Hyphessobrycon
sp2). Na área úmida do Congós, também há moreia de água doce, ou poraquê, a qual
é vista com desdém pelos moradores por parecer uma cobra (idem) e pelo receio por
causa do choque elétrico.
Ainda sobre o meio ambiente, a Lei n° 6938/1981, conhecida como Política Nacional
de Meio Ambiente, detém como principal finalidade a preservação da natureza,
melhoria e restauração da qualidade ambiental. Outro ponto inferido é a questão
jurídica: “à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou
indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos
ambientais com fins econômicos” (Art.4º. VII). Também vale destacar:
Sobre regularização fundiária urbana, admite-se com aprovação de projeto, caso seja
núcleo urbano informal consolidado em área de preservação permanente e não
identificado como área de risco (Medida Provisória nº 759, de 2016). Foi revogada
pela nova lei de regularização fundiária (Lei n. 13.465/2017), que instituiu:
trouxe orientações específicas para construir lixeiras coletivas nas entradas das
ressacas ocupadas por habitações (TAKIYAMA et al., 2012).
A ponte, por sua vez, é sinônimo de passarela. É o nome mais utilizado pelos
moradores em suas falas. Porém, dependendo da entonação e frase, pode conotar
negatividade (como área de ponte). No início de minha pesquisa de campo, eu falava
passarela pelo receio da conotação negativa, mas soava desconexo, pois eles, em
geral, respondiam “ponte” – como “aqui na ponte” ou “eu morava no final da ponte”.
20
O governador queria que servissem de modelo à população, mas não aconteceu nas casas
palafíticas.
21
Atual bairro Santo Inês.
54
Esta breve descrição, longe de encontrar uma solução ao problema, é importante para
entendermos como o tema da ocupação das ressacas foi e é tratado nas ações do
Poder Público. Vimos, até então, que as legislações (nas esferas federal, estadual e
59
Desde 1979 (com o plano H.J. COLE, o PDDUAM, ZEEU), elencam o reassentamento
ao tratar a questão habitacional na ressaca. Sobre esse aspecto, vimos que houve
ações higienizadoras na cidade, onde removeram os pobres urbanos para áreas
distantes do centro. Para além disso, até 2007, o Poder Público apenas doava lotes à
população (CARVALHO, 2017)22. A partir de então, o estado aderiu à política nacional
de habitação. O estado e o município realizaram a construção de seis conjuntos
habitacionais na cidade em parceria com o Governo Federal, por meio do Programa
de Aceleração do Crescimento Urbanização de Assentamentos Precários (PAC-UAP),
em 2007, e a partir de 2009 com o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) faixa
1 (MAPA 9, p.190).
Os conjuntos habitacionais feitos até então são insuficientes para suprir a demanda
habitacional em termos quantitativos. A promoção de HIS poder ser compreendida de
forma heterônoma, na qual há “separação institucionalizada entre dirigentes e
dirigidos” (SOUZA, 2016, p.174), dessa forma desconsidera os interesses dos
próprios moradores. Importante elucidar que não se trata de fazer uma análise sobre
22
Para mais detalhes sobre a criação de bairros devido à doação de lotes à população, ler a tese de
Silva (2018).
60
Com base nos autores supracitados, os moradores não acham atraente morar em
HIS, pois os projetos habitacionais desconsideraram as reais necessidades dos
beneficiários e pela distância de suas antigas moradias.
23
Para mais informações sobre o histórico da política de habitação em Macapá, ver Carvalho (2015;
2017); mudança no cotidiano dos beneficiários a partir da remoção, ler Sheibe (2016); preferir viver em
palafitas, Luz et al. (2018).
61
Na linha do tempo 2 (p. 204), veremos um resumo dos diversos valores que norteiam
as ações do Poder Público nas ocupações informais no decorrer do tempo; estão
baseados nas legislações e planos diretores. Esses instrumentos são mediadores
dotados de valores, os quais influenciam na espacialização urbana. Tem função
estratégica dominante. Onde as estratégias “são portanto ações que, graças ao
postulado de um lugar de poder (a propriedade de um próprio), elaboram lugares
teóricos (sistemas e discursos totalizantes), capazes de articular um conjunto de
lugares físicos onde as forças se distribuem” (CERTEAU, 1998, p. 102). São ações
exercidas de forma planejada, de onde impõem limites, exercem constrangimentos e
protegem.
62
Porém, o controle exercido pelo mapa não apreende tudo do espaço-tempo. Dessa
forma, em vez de falarmos em um panóptico, falemos em oligópticos, “por este
neologismo designo as estreitas janelas que permitem relacionar, por certo número
de canais estreitos, alguns aspectos somente dos seres (humanos e não humanos),
cujo conjunto compõe a cidade...” (LATOUR, 2009, p. 2). Portanto, os mapas são
fragmentos de totalização, a partir do qual se vê bem, mas pouco.
Por sua vez, o ZEEU utiliza duas bases, uma enfatiza as ocupações informais nas
ressacas e a outra, a natureza (MAPA 11, p.191).
24
Autores como Portilho (2007), Santos Filho (2011), Aguiar e Silva (2003) denominam essa ressaca de Beirol.
Seguirei com o nome dado pelo ZEEU, que é ressaca do Congós.
64
No mapa 13 (p. 192), observamos que o PDDUAM enquadra essa ressaca como Área
de Interesse Social 1 (AIS 1) e 2 (AIS 2). O mapa nos mostra que AIS 1 engloba as
bordas da ocupação na ressaca do Congós, suas áreas aterradas, e AIS 2 o interior
das ocupações.
a saber: nos bairros Muca, Jardim Marco Zero, Buritizal e Universidade está
consolidada; já no bairro do Congós está consolidada, em processo de ocupação e
sob pressão de ocupação (TAKYAMA et al., 2012). Lembramos que, pelo ZEEU, as
áreas consolidadas são passíveis de serem urbanizadas, não só em suas bordas
como estipula o PDDUAM.
O bairro do Congós possui 4.307 domicílios (IBGE, 2010). É o quinto bairro mais
populoso da cidade, com pouco mais de 18 mil moradores, atrás dos bairros Buritizal,
Novo Horizonte, Novo Buritizal e São Lázaro.
66
25
Veja no volume 2, em mídia 1, imagens e a descrição de parte do vídeo na página 247.
67
A vida, inicialmente, não foi fácil. Mesmo tendo conseguido o lote e uma pequena
casa, a falta de infraestrutura e transporte dificultavam a vida cotidiana dos recentes
moradores27. Os lotes foram entregues sem nenhum tipo de infraestrutura. A prefeitura
abriu novas vias de circulação. Não havia luz elétrica, rede de água ou esgoto, nem
transporte público. Para se locomover de ônibus, as pessoas precisavam caminhar
até o bairro próximo (Buritizal). Depois colocaram uma linha de ônibus até o centro da
cidade. Paulatinamente, a infraestrutura foi feita pela prefeitura, autoconstruída ou em
conjunto – moradores com maior condição financeira compravam fiações que eram
instaladas pela companhia elétrica.
No quadro Fala Comunidade, consta que “o bairro foi criado na década de 1980,
depois de ter parte da área invadida”. O termo “invasão” foi utilizado no jornal para
indicar uma ocupação de terra alheia e sem a devida autorização. Na matéria, é
demonstrado um depoimento de uma moradora antiga:
Dona Marizete Santos. Ela lembra como eram as coisas, antes das mudanças
feitas, e vem acompanhando há 29 anos: "Era só mato e só tinham duas
casas. Aqui tinha a fazenda do Seu Alípio e a do Seu Moraes. Tinha muita
roça de mandioca, mucajazeiro e o campo, somente isso. Foram tendo as
invasões, criando caminhos e assim a direção das ruas" (TV-AP Fala
Comunidade, 2012).
Marcelo28 foi um dos moradores que invadiram a área de terra firme no bairro, próximo
à Décima Passarela. Conseguiram o terreno com ajuda de uma amiga de sua mãe “aí
foi quando aconteceu essa invasão aqui né, aí que pegaram esse terreno pra nós aí
ele, ele nos deram. Aí a gente foi construindo devagar e aí tá aí essa casa aí”.
26
Dados do diário de campo. Visita ao CASP, 13 jan. 2018.
27
Dados do diário de campo. Conversa com líder comunitário NRDC, 13 jan. 2016.
28
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na Décima Passarela em 05 fev. 2018.
68
Joaquim29, aposentado, contou-me que no início “tudo era lago”. Marcos também
lembrou o espaço da mesma maneira. Maria30 mudou-se em 1996 para a Décima
Passarela, descreveu o lugar antigamente como só “serradal” e “mato verde”. Ela
lembra que os primeiros moradores foram tocando fogo, abrindo espaço e invadindo.
Eles comentaram que a passarela não atravessava o outro bairro. Dos entrevistados,
quatro começaram a ocupar pela via de acesso ao bairro do Marco Zero e dois pelo
bairro do Congós. Eram duas passarelas na mesma direção que gradativamente
foram unidas (MAPA 17, p.196).
Casinha
29
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na Décima Passarela em 15 jan. 2018.
30
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 02 fev. 2018.
69
A mãe de Carla31 também invadiu “aí ela pegou, invadiu, e começou a construir, aí a
gente morou embaixo, não tinha ninguém mesmo aqui, foi invasão”, em 1995 ou 1996.
Primeiramente a casa era de lona, depois foi construída em madeira bruta e
posteriormente de “tábua normal” – como costumam ser feitas – com materiais
comprados no canal das Pedrinhas. Atualmente possui o parapeito em alvenaria, o
piso lajotado, colocaram recentemente grade na varanda e não pretendem fazer mais
modificações. O terreno foi delimitado pela sua mãe utilizando pedaços de madeira
para medição. Não mudou desde então.
Havia pessoas que chegavam à área demarcando a largura de vários terrenos, para
depois vender, tanto o lote vazio, como com uma pequena casa. Existe um mercado
imobiliário desde de seu início. Dessa maneira que Joaquim conseguiu sua habitação.
Ele comprou seu lote de um vizinho que detinha vários terrenos. Afirmou que sua nova
habitação era uma “barraquinha”, lembrando que só possuía quatro telhas. O terreno,
à época, dispunha de 10,80 metros de largura, mas sem limite em seu comprimento.
A sua atual dimensão (10,80 x 25 m) foi estabelecida posteriormente por causa de
uma ponte que construíram atrás de sua casa. Parafraseando-lhe: quando tem uma
“pontezinha” é difícil tirar.
A esposa de Marcos32, assim como Joaquim, comprou a casa em que vivem. Quando
ele se mudou, a casa era menor, ela a estava ampliando e era de madeira. Hoje a
área já está aterrada e a casa em alvenaria.
31
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 02 fev. 2018.
32
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 17 jan. 2018.
70
As casas podiam ser trocadas, como aconteceu com Rosana e sua filha Ana33. Há 20
anos, ela desejava sair de sua antiga habitação, pois havia se separado do marido;
por sua vez, sua prima queria se mudar, pois não estava se adaptando a essa
passarela. A negociação foi mediada pela irmã. Rosana só conheceu a nova casa
quando chegaram com as mudanças:
Lá nossa casa era grande e num era no meio da ponte assim como essa,
bem distante da rua. Era bem sequinho também lá, a água batia assim. Aí,
era uma casa grandona. [...] aí, quando ela chegou aqui que ela olhou uma
casinha no meio de um monte de água. Aí, ela quis voltar. Só que aí a gente
conversou já tamo aqui mesmo, não vamo voltar. Nisso a gente tá aqui há 20
anos (Ana).
No início, sentiu decepção, pois sua nova casa era pequena, situada em meio a
passarela. Porém, mãe e filha lembraram-se de pontos positivos, pois o antigo terreno
não detinha área livre, só havia espaço para a edificação. Por outro lado, a nova casa
possuía dois terrenos, cada um com 12 metros de largura e 15 de comprimento,
totalizando 24 x 15m. Ela era pequena, mas tinha uma grande varanda que contornava
três fachadas da casa. Após um tempo, a varanda lateral foi fechada e se tornaram
os quartos. Essa delimitação já existia desde o início e para ela permanece até hoje,
com a diferença de que, além de sua casa, comporta as casas de suas três filhas.
Outro ponto importante a ser notado é que os moradores antigos ao narrarem sobre
como era sua habitação no início a denominavam como bandola, barraquinha ou
casinha. Somente após melhorias e ampliações que as denominaram de casa.
Esses moradores utilizaram o termo invasão em suas falas, o que é dito para indicar
de maneira prática sua ação. Significa ter se apropriado de uma área de ninguém e,
mesmo comprado, não teve respaldo legal. É usado de forma pouco crítica, isto é,
desconsiderando a forte conotação ideológica negativa contida nesse conceito.
Passarela estreita
No início da ocupação, a passarela possuía difícil acesso, pois era estreita, construída
com duas tábuas uma do lado da outra, onde a pessoa “tinha que dar um jeito para
passar”, nas palavras de Joaquim. Eram materializadas para permitir acesso às
residências, na urgência. Logo quando Marcos se mudou, a passarela era “só as
tábuas compridas assim. Não era como essa aí, com frechalzinho bem feito assim”,
33
Dados das entrevistas. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 31 jan. 2018.
71
disse apontando para a passarela atual. A passarela era mais estreita e, de acordo
com ele, só foi alargada posteriormente pela prefeitura.
Joaquim disse que cada morador arranjava sua parte individualmente, por construir a
passarela principal até a direção de sua casa, e construir outra passarela
perpendicular à principal até sua casa. Outro morador ia chegando, puxando a ponte
e ampliando. Só parentes construíam juntos. Dessa forma, as passarelas principais
foram sendo ampliadas até se unirem e se conectarem uma à outra rua.
Infraestrutura
34
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 09 fev. 2018.
72
Quando construíram as primeiras casas no lago, já havia energia elétrica nas áreas
de terra firme. Porém, os recentes moradores das palafitas, enquanto não possuíam
condições de ampliar a rede informalmente, utilizavam lamparina, velas e não
possuíam eletrodomésticos. Carla conta que pediam para colocar alguns mantimentos
nas casas dos outros, de quem morava na rua. Tampouco havia iluminação pública –
como ainda hoje.
35
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 17 jan. 2018.
36
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 19 jan. 2018.
37
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 19 jan. 2018.
38
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 22 jan. 2018.
39
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 26 jan. 2018.
40
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 26 jan. 2018.
75
demoliu-a e construiu outra. Lucas41 antes morava no bairro Jardim Equatorial, mudou
de residência há 7 anos, pois agora mora com a namorada; Vitor42 comprou um lote
e está construindo a casa há 6 meses, mas já morou em 10 avenidas do bairro. A
maioria dos moradores, antigos e recentes, provém doestado do PARÁ, como consta
no mapa 18 (p. 197). Para detalhes das trajetórias desses moradores, veja o glossário.
41
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 07 fev. 2018.
42
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 09 fev. 2018.
76
Foi assim, do mesmo modo que nós cedemos né pro meu irmão, esse senhor
que já vendeu essa casa pra esse outro senhor aí cedeu pro filho dele e ele
fez essa casa aí. Aí aquela senhora ali, só tinha aquela casa lá atrás, ela fez
a outra casa aqui na frente, tá alugada aí, só que ela não mora mais e foi
assim (Carlos)43.
43
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 26 jan. 2018.
77
a casa foram Arthur, que se mudou com sua esposa há 2 anos para a casa própria, e
Fernanda que vive de aluguel.
Outro tipo de transformação está vinculada aos usos. Os lotes de Joaquim, Marcelo e
Suzana são de uso misto, onde antes era apenas residencial. Atrás da casa de
Joaquim há uma oficina com acesso pelo beco; na casa de Marcelo, o salão de sua
irmã é geminado a casa; Suzana converteu a sala de estar de sua recente casa em
minibox. Esses exemplos dos entrevistados, longe de esgotar o assunto, laçam luz
sobre as possibilidades de mudanças. Essas transformações variaram pela
disponibilidade de espaço, a quantidade de pessoas, novas necessidades que
surgiram e seus recursos financeiros (inclusive a busca por maior recurso). Com isso,
elevaram a taxa de ocupação do solo, ou melhor, da água. E nesse pano de fundo, a
densidade se elevou (como pode ser observado nas imagens dos mapas 19 a 21,
p.198).
Outra mudança importante é que a décima detinha duas passarelas que foram
ampliadas, encontraram-se e se transformaram em uma (MAPA 17, p.196). A partir
de sua conexão com mais vias e bairros, aumentou a integração à malha urbana. Isso,
se por um lado facilitou caminhos a comércios e serviços, aumentando as
possiblidades de se caminhar, por outro, aumentou a insegurança quanto à
criminalidade, pois a passarela virou rota de fuga de bandidos.
Microssituações Delimitações
Os primeiros moradores chegaram, limparam o terreno, fizeram seu
tipo de delimitação e construíram uma casa.
Letícia pensa o seguinte sobre as delimitações: “como é alagado
Áreas sem dono assim, aí o pessoal invade. Aqui é tudo mesmo, aqui foi tudo lago. Aí,
o pessoal invade do tamanho que eles querem”. Mas ela não invadiu
e faz essa diferenciação, pois comprou sua casa em 2005 pelo valor
de 400 reais e uma conta de energia.
Quando novos moradores constroem passarelas em áreas ainda
vazias, o terreno de um morador pré-existente (ainda sem limite de
comprimento) diminui, como ocorreu com Joaquim. Ele aceitou o
ocorrido sem brigas.
Limites
Na casa de Marcos, o comprimento de seu terreno diminuiu, pois
relativamente
fizeram uma invasão localizada atrás de sua casa, no meio do
delimitados
quarteirão. O vizinho e ele negociaram pelo terreno da seguinte
maneira: “vizinho deixa eu fazer um pedacinho aqui pra mim e aí... é
só arredar um pouquinho assim”. A partir de uma conversa o acordo
foi firmado.
Atritos na negociação: o antigo vizinho do lote lateral de Marcos mediu
o terreno e notou que faltavam 40cm para ter um valor exato, por isso,
alegou que eles se apossaram de um pedaço do lote. Como Marcos
e a esposa não queriam brigar, cederam.
A casa que Letícia comprou tinha cerca de três metros de
comprimento, na compra, a antiga dona delimitou a largura de 10
metros e ambas calcularam mais ou menos o comprimento do lote.
Limites delimitados Ela não sabe sua dimensão exata, mas afirmou que o comprimento
não mudou. A diferença é que hoje as casas estão mais próximas.
Um mesmo lote engloba uma casa ou várias casas – geminadas ou
separadas – de familiares ou kitnets.
O vendedor da casa de Lucas colocou a dimensão de 25 x 10 metros
no documento do cartório, porém, não é isso que consta na realidade,
mas quando compraram não se preocuparam com essa divergência.
Atualmente, lamentam-se pelo terreno ser menor.
Fonte: a autora, 2018.
Acesso
mercadinhos comuns na cidade. Na décima, a porta dos minibox é fechada por grades
e a compra e venda ocorrem através de uma pequena abertura. Nelas os moradores
conseguem comprar mercadorias fiado quando estão sem dinheiro, com o débito
anotado no caderno. Em outros casos, um ambiente pode ter várias funcionalidades.
A sala da casa de Natália vira área de costura, onde o piso de assoalho é a mesa para
os cortes dos tecidos. Da porta ou da varanda, Letícia vende o chopp para ganhar
renda extra. Fora da ocupação há farmácias, escolas, pontos de ônibus,
supermercados, bares, minibox, lanchonetes, lojas, onde se acessa a pé e se
constroem diversos trajetos. Atualmente, os supermercados entregam as mercadorias
na “cabeça da ponte” (se o valor for elevado), de onde as pessoas carregam suas
próprias compras até suas casas.
Da construção à reconstrução
Nessa parte, mapeamos as ações de reformar pelo Poder Público e de construir, evitar
deterioração, manter, reformar, reconstruir e ampliar pelos moradores. Essas ações
não ocorrem de forma linear, mas estão conectadas entre si, pois os actantes em rede
promovem uma ação que se conecta a outras ações. Vale salientar que o esquema
que mostraremos é limitado, pois “o fluxo social não oferece ao analista uma
existência contínua e substancial, mas assume uma aparência provisória” (LATOUR,
2012, p. 115). Nos diagramas ator-rede 3 e 4 (p. 230 e 231), temos essas diversas
interações.
O Poder Público já construiu a décima passarela três vezes, por volta de 2002, em
2006 e em 2010, próximo à época de eleições. Técnicos aparecem para as medições
antes da construção, como disse Natália44, “eles só vem, fazem a medição, aí veem
quanto de madeira eles têm a base pra levar, depois eles vêm trazer só a madeira”.
Marcos informou que só colocam uma placa avisando que terá reforma. Informações
pouco são compartilhadas. Para construção, a prefeitura fornece madeira e pregos e
designa os moradores a trabalhar na construção em formato de mutirão ou com
remuneração, os quais usam suas próprias ferramentas. Caso contratem os
trabalhadores, há um encarregado de obra. A construção ocorre por etapas, onde
44
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 26 jan. 2018.
81
derrubam uma parte e a constroem. Não há manutenção por parte da prefeitura após
a conclusão das obras.
45
Dados das entrevistas. Pesquisa de campo realizada na décima passarela nos dias 09 e 22 de jan.
e 31 e 02 de fev. de 2018.
82
mesma porque ela continua caindo né e tem, entra governo, sai governo, e eles pouca
coisa fazem aqui por nós, na área de ressaca”. Sua condição de ponte e de
deterioração permanecem.
Para evitar que a passarela se deteriore, Vitor esclarece o papel de cada morador:
“eu tenho consciência que eu preciso que ela teja bem cuidada, aí não, o cara sobe
de moto, vai rápido e vai fazendo com que a ponte fica, fique mais frágil. Aí assim vai
acabando e é a gente que tem que cuidar disso”. Essa maneira de andar é proibida,
o correto é empurrá-la ao seu lado. Para evitar esse uso, os moradores colocam
madeiras salientes (FOTOGRAFIA 13, p. 212) com o intuito de reduzir a velocidade
das motos. Para ele, os que as colocam “é o pessoal que mais se preocupa com a
integridade dos outros moradores também”. Por outro lado, complementa que “quem
tem o veículo, às vezes, vêm e arrancam esses pedaços porque eles querem passar
com velocidade, aí tendo esses obstáculos não, eles precisam passar lentamente”.
46
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 17 jan. 2018.
47
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 22 jan. 2018.
83
né? Aí, quem usa moto, aí vem um ajeitar, que aqui a maioria usam moto, né? Aí, vem
um ajeitar e o outro já vai ajudar e assim que é feito”. Já para Vitor a manutenção
funciona da seguinte maneira:
poucas pessoas que se importam com isso. Querem saber de estar nas suas
casas, tá pra dentro da casa, tá seguro e pra eles tá bom, mas tem muitos
que normalmente se importam e no caso é desses um que colocam
obstáculos, que fazem uma manutenção, esse sim importa com, aí esse são
os que, quando a gente, quando por exemplo quebrou um pedaço da ponte
ali, aí sabe com quem a gente pode contar, chega lá "não, bora levantar", aí
a pessoa "ah, não tenho dinheiro, mas eu vou lá ajudar, com a mão de obra"
(Vitor).
48
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 07 jan. 2018.
84
espaços, conseguiram reaver uma das maiores limitações que enfrentam – a falta de
recursos – e agiram.
Além das passarelas, existem caminhos sem arranjos físicos. Mesmo sem uma
passagem construída, amigos e parentes podem cortar caminho e conseguem sair da
nona para a décima passarela andando e saltando entre varandas e passarelas
“privadas” pelos quintais. As crianças conhecem bem esses caminhos. Criminosos
utilizam à noite como rotas alternativas de fuga da polícia:
85
Porém segregam, pelo tráfico e criminalidade, onde deve haver cuidado em andar
tarde da noite. Por dificultar o acesso aos idosos, que até evitam sair de suas casas,
caso a ponte esteja precária. Por nem todos poderem andar livremente em todas as
passarelas, há portões, grades, portinhas, distância que delimitam fronteiras do lote
e/ou da casa. Os moradores observam forasteiros com mais atenção, seja curiosidade
ou desconfiança. E, mesmo sendo morador, tem que ser conhecido para permitirem
adentrar em certas ramificações e emaranhados de caminhos.
Nessa passarela, há duas grandes varandas abertas, isto é, sem parapeito e sem
cobertura: uma consiste na varanda da igreja e está unida à passarela. Nela, os
evangélicos se encontram antes, durante e depois do culto (FOTOGRAFIA 6, p. 209);
a outra fica diante de uma casa, está afastada 1 metro da passarela e possui um
banco longo. Por não ser delimitada visualmente, havia pensado que era uma área
86
que qualquer pessoa poderia usá-la e que foi construída com o intuito de reunir os
vizinhos. Após entrevistar o dono do imóvel, compreendi que não. A família de Lucas
passaria o natal em sua casa, então, ele desejava um espaço maior e confortável para
reunir a família. Imaginando uma varanda grande e toda coberta, ele começou a
construção, todavia, não teve recursos suficientes para finalizá-la e a obra está
inacabada, aberta. Atualmente, as crianças da passarela brincam nesse espaço e os
moradores a utilizam como espaço de convívio, mas não é qualquer pessoa que pode
transitá-la e usá-la, pois essa varanda pertence àquela família, há uma separação
simbólica. O olhar segue e se espera uma apresentação.
Becos
Indico ver o mapa 22 (p. 199) para acompanhar visualmente as microssituações que
seguem. Sobre o primeiro caso, Maria narrou que o acesso à décima passarela pela
Avenida Netuno era uma passagem larga. Antes até podiam estacionar perto da
entrada, atualmente é um beco e não o fazem mais. Além disso, está mais aterrado e
é estreito para passar. Essa mudança ocorreu entre 5 a 10 anos atrás. Rosana relatou
que antigamente não havia a habitação ao lado do beco, mas o terreno foi vendido e
posteriormente construíram uma casa. Até então, não possuía o muro. O morador
dessa casa queria construir um muro, fechando toda a passagem, e almejava que as
pessoas acessassem somente pela outra rua. Contrários a essa ideia, os habitantes
da passarela conversaram, brigaram, até chamaram a polícia. No desfecho, Carla
87
contou que “foram pela justiça, resolveram e ficou, ficou desse jeito o beco aí, só um
bequinho pa passar”. A passagem ficou com a largura de 2 metros. A solução não os
deixou satisfeitos, pois antes era rua.
O beco 1 é bem estreito. Marcos contou como se formou. Sua mãe morava na casa
que dá acesso à rua. Ela queria fazer um muro e fechar seu terreno, mas os
moradores das casas de trás reclamaram, afirmando que ela não poderia fazer isso,
pois pessoas acessavam suas casas pelo seu terreno. O desenrolar da história:
Aí, minha mãe disse "então bora usar bom senso". Meu vizinho lá dá meio
metro, eu dô meio metro e fica um metro pa eles passarem, hein? Aí, deu
mais. Meu cunhado disse “não, vou deixar mais de meio metro, um metro pra
mim e a vizinha dá mais um pedaço aí”. Deixaram quase dois metros assim,
bem largo. (Marcos)
[...]
Tem gente que gosta de confusão. Aí, "não pode, a gente vai derrubar se fizer
o cercado". Quando meu cunhado era/tinha o coração bom, tinha não, tem
né. Ele disse “ah, vou deixar um pedaço para vocês passarem aí. A vizinha
do lado conversa com a vizinha pa deixar lá um pedaço, eu dô o resto”. Aí
[depois], o cara comprou o terreno da vizinha e fez o muro e já puxou mais
pro... rsrs. Ah, o pessoal parece que quer cada pedaço de terra, o pessoal...
Mas tem passagem, passa uma bicicleta, uma geladeira. Tem como o
pessoal fazer a mudança por aí. (Marcos)
Ainda que tenha ficado mais estreito, deixaram espaço suficiente para permitir
locomoção e passagem de eletrodomésticos. O bom senso foi a partilha. Mas, como
no caso anterior, as disputas não são inteiramente resolvidas, pois a terra é criada e
negociada o tempo inteiro. O que foi pactuado hoje pode mudar amanhã.
Sobre o beco 2, Joaquim narrou que seu vizinho deixou o espaço de 1 metro sobrando
entre suas casas. Novos moradores construíram habitações atrás de suas casas,
onde esse espaço virou uma passagem que, com o passar do tempo, tornou-se um
beco, o que ocasionou a diminuição do terreno de seu vizinho. Joaquim murou sua
casa e seu terreno atual possui 10,80 x 25 m. Seu lote permaneceu com a largura
intacta, mas seu terreno não ficou com 30 metros, pois havia uma ponte atrás
proveniente do beco. Como afirmou, quando tem uma “pontezinha” é difícil tirar.
Nos becos e passarelas, há disputas entre espaço público e privado, pois alguns
moradores almejam terrenos maiores. Também há disputas sobre quem produz e
cuida desses espaços públicos. Essas pequenas controvérsias são negociadas para
além do formal e do papel, costumeiras, não contratuais, decididas pela conversa.
Porém, caso não cheguem a nenhuma decisão, podem ir atrás do respaldo da polícia
ou da justiça.
Energia e iluminação
A rede de energia na décima passarela possui parte instalada pela CEA e outra
autoconstruída. Próximo ao beco, há três postes antigos colocados pela CEA. Do
outro lado da passarela, chega até a cabeceira da ponte. Como na fotografia 20 (p.
215), a partir de seu último poste, os moradores puxam um emaranhado de fios
apoiados em postes de madeira fincados nas águas, são os “gatos”. Para puxar
energia, eles precisam, principalmente, de fios, de ferramentas (como alicate e chave
de teste), de meios de acesso (como a escada). Para Natália e Arthur 49, a maior
dificuldade é subir no poste.
não sei porque, mas porque vai e fica sobrecarregado na cabeceira da ponte
o pessoal tudo novo que mora na ponte tem que puxar energia da cabeceira
da ponte. Na decima segunda não, já é, o poste vai direto, cada um puxa das
suas casas mesmo, da ponte. Porque tem gente que compra duas, três peças
de fio pa poder chegar até na, aí sai caro. (Marcos)
49
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 26 e 19 jan. 2018.
90
50
Para mais detalhes sobre o reassentamento, ler tese de Scheibe (2016).
91
Isso aqui conversou eu, o meu vizinho ali, aí ele falou pra mim que era pra
falar com quem quisesse entrar pra pra gente se reunir pra compar. Só aí que
eu falei né, mas aí deram pra trás. Aí eu falei pra ele: Bruno, não adianta a
gente fazer aqui, fazer eu, tu, a Ana, a Mare, a Carla e a Vera aqui com o
vizinho Manoel, nós botá o poste, aí vem os outros, a maioria, que nós vamos
ser a minoria. Aí, a maioria vem se privilegiar, do nosso. Então, a gente não
vamo fazer. Sei bem que a gente precisa, mas a gente não vamo fazer,
chegar a passar meses pagando. Que a gente vamo ter que pagar os postes,
vamo ter que pagar alguém pra fazer, vamos ter que pagar (Rosana).
Para ela, seria injusto poucos investirem e diversas pessoas se beneficiarem. É difícil
entrar em consenso com vizinhos. Para Rosana, a melhor solução seria a CEA tomar
a iniciativa, pois todos os moradores iriam querer pagar se a energia fosse de boa
qualidade. Ela conhece que há passarelas com posteamento materializado pela
concessionária. Nelas, os postes são altos e os fios não encostam nas casas. Para
Ana, “ficou bonito, todo mundo puxa já energia de frente de sua casa. Aí, não precisa
tá aquele monte de fio embolado um por cima outro, como fica ali nos poste” .
Ainda que na décima essa ideia não tenha seguido adiante, os moradores de outras
passarelas conseguiram materializá-la. A décima primeira possui energia
regularizada, pois os moradores compraram os postes e solicitaram da companhia de
energia. Porém, na décima oitava, compraram os postes, mas não conseguiram a
autorização do diretor para instalação51.
Por outro lado, para Letícia, há moradores que não cobram por melhorias:
Porque era pra CEA vim, ajeitar, colocar mais uns postes praí. Daí, pra lá
ninguém paga. Até em mim que paga né, daqui praí ninguém paga energia.
Aí, se ajeitar, ninguém cobra por causa se ajeitar vai ter que pagar energia,
aí, ninguém quer pagar. Eu reclamei. Um tempo eu fiquei reclamando, mas...
eu reclamei por mim, mas não adiantou nada. O resto, se todo mundo
reclamasse para ajeitar, né? Colocava mais pra frente. Porque tem umas que
tem né? Tem ponte que já está arrumado. Tem essas pontes tudo
arrumadinho, aí o pessoal paga. (Letícia)
51
Dados das visitas de campo.
92
Por um lado, é difícil mobilizar moradores para melhorarem a energia, por outro lado,
existe a ideia do dever da prefeitura que deveria fazê-lo como em outras passarelas.
Por outro lado, alguns moradores não querem ter o gasto mensal e preferem seguir
com “gatos”.
A questão da iluminação da décima passarela não mudou, uma vez que até hoje não
há iluminação pública. Só não fica completamente escuro, pois há ações individuais,
em que os moradores instalam lâmpadas ou refletores na frente de suas casas
(FOTOGRAFIAS 22 e 23, p. 216).
As entradas dos becos não possuem iluminação à noite. Há posteamento na rua, mas
as lâmpadas não costumam funcionar. Assim, mesmo com os postes da CEA, são as
casas que iluminam a rua. Em junho de 2018, colocaram lâmpadas novas. Do outro
lado da passarela, na Avenida Netuno, foram colocados novos postes e novas
luminárias em 2017. Um morador que trabalha na CEA fez a instalação. O motivo para
Marcelo, morador dessa rua, foi “colocou aqui pra clarear, porque a marginalidade
daqui por perto tá demais. Ah, não adianta mentir que assistindo televisão sabe,
né?”52. Com a iluminação, ele se sente mais seguro.
52
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 05 fev. 2018.
93
passarelas com ou sem energia da CEA e, a outra, dos moradores que querem ou
não trocar a energia.
Água
A CAESA fez parte da rede de água cerca de 12 anos atrás. A outra parte foi
autoconstruída, porém não há como saber quais habitações são legalizadas e quais
não são. São duas possibilidades: os moradores podem dar continuidade à rede
existente ou criam redes alternativas desarticuladas da CAESA (DIAGRAMA ATOR-
REDE 8, p. 235).
[...] a ponte, na verdade, era até prali assim, aí aterram né, foram aterrando,
aterrando, aterrando. Aí, os canos ficam bem na frente quase na na ponta da
ponte. Às vezes, vem um carro mais pesado e por ser área de ressaca afunda
um pouco a terra, quebra, acaba quebrando o cano. Inclusive, se você passar
lá, você vê, tem um buraco lá, uma craterazinha assim, de tanto o carro
passar lá. Às vezes, o carro acaba se atolando lá nesse buraco, às vezes a
gente vai lá e faz a manutenção. (Vitor)
Há outra rede de água com poço artesiano construído na calçada da Rua Netuno. A
taxa custa 40 reais ao mês, mas podem doar um pouco de água, como aconteceu
com Mariana. Sua casa ficou 5 dias sem água e precisava buscá-la com baldes ou
então emprestava a bomba da vizinha para encher baldes para fazer a refeição.
isso aí servia também se nós tivesse um bom governo, entendeu? Ele fizesse
aqui pra cima daria pra fazer um poço artesiano, já que a água da CAESA
não é suficiente pra chegar até aqui nós. Dava pra ele fazer um poço
artesiano e liberar pro povo daqui da área da ponte. O que ele faria, ele
cobraria uma taxa mínima nossa que daria para pagar a manutenção desse
poço. Entende, mas nem isso eles não fazem. Eles largam a gente aqui como
se nós não precisa, nem de água e nem de uma boa energia, nem de uma
boa passarela. A gente é que tem que se virar. (Rosana)
Lixo
Enquanto o carro do lixo espera na rua próxima, os entrevistados contam que
recolhem o lixo na “ponte grande” três vezes na semana (segunda, quarta e sexta).
Como vemos nas fotografias 27 e 28 (p. 218), o agente de saúde pública empurra um
carrinho até o final da ponte, retirando o lixo que fica pendurado nos portões, esteios,
baldes ou lixeiras, depois ele deixa na rua, onde o carro passa em seguida. Eles não
entram nos becos, nem em passarelas precárias (tábuas apodrecendo, com grandes
espaçamentos). Carlos afirma que a prática de entrar na ressaca possui cerca de 6
anos. Antigamente não passavam e eles tinham que deixar o lixo na cabeça da ponte
para o carro recolher.
53
Ver mais sobre o assunto: TAKYAMA et. al. (2012); SANTOS (2003); GIRELLI (2009); CARVALHO,
(2015).
96
para os homens, perdem seu encantamento e tornam a ser palha, fibra, madeira”
(CAPORRINO, 2016), são produtos orgânicos, que ao serem jogados na água, os
peixes se aproximam. Já na cidade, os produtos manufaturados passam a ser um
problema.
Em uma rápida caminhada, podemos observar um quintal sem nenhum lixo aparente
e, ao lado, um quintal que possui colchão, geladeira, plásticos (FOTOGRAFIAS 18, p.
214; 24, p. 217; e 27, 28, p. 218). Não é mediante algumas perguntas que conseguiria
entender como a questão do lixo é tratada pelos moradores na ressaca. Creio que não
querem passar uma ideia negativa de que estão sujando o meio ambiente ou sentem
vergonha de morar em cima ou ao lado de tanto lixo. Falar sobre o lixo acaba sendo
um tabu. Foi durante uma entrevista que me fez refletir sobre essa perspectiva. Uma
recente moradora – vive em uma casa onde a frente está aterrada, mas atrás ainda é
lago – não reclamou do lixo, mas sua sobrinha de cerca de 7 anos a interrompeu e
me disse que havia muito lixo atrás de casa, o que deixou sua tia envergonhada. O
que afirmo a partir das entrevistas e das observações é a existência de moradores
que jogam lixo em seu terreno, no dos outros ou embaixo da passarela e há moradores
que não o fazem. Outro ponto a ser notado é que, quando chove, as águas arrastam
o lixo das ruas às ressacas e aos canais.
acreditando que todos sujam e desconsiderando que o lixo também provém da rua,
como Caporrino (2015) mostra em seu artigo intitulado resquícios e resíduos.
Aterrar
João me informou que cada um compra para si individualmente a terra para jogar na
água, a partir da qual cada família aterra na frente de sua casa. Letícia tentou atuar
junto com outros moradores. Ela aluga kitnets em um beco, quando chove fica tudo
alagado, e não quer que seus inquilinos caiam. Assim, pediu a colaboração deles e
de outros moradores. Ela comprou a terra, mas apenas dois ajudaram-na a aterrar.
Há dúvidas sobre qual órgão é responsável pela proibição. Quando lhe perguntei se
sabiam onde denunciava, Letícia disse “acho que é pro ambiental, ambiental que vem,
né, multar ele. Aí, não sei”. Para Marcos, “a maioria do pessoal não querem
[passarela], querem mais aterrar. Só que o pessoal do do, esse pessoal do Ibama?
Né, do ibama, do ambiental que chama. Eles vêm e não deixam aterrar mais”.
localizado na zona norte da cidade, onde é preenchida uma ficha com opção de ser
anônimo. Após a denúncia, a SEMAM embarga o aterro, envia um relatório ao MP, o
qual intima infratores. O morador autuado pode, assim, retirar o aterro ou recuperar o
meio ambiente – não necessariamente onde aterrou, pode doar mudas para praças –
e levar multa. No diagrama ator-rede 10 (p. 237), fica explícito o grupo da SEMAM
com o antigrupo dos moradores que aterram, entre eles, articula-se o morador que
denuncia.
Não pode aterrar, mas a gente aterra, vai jogando assim pra cá, a gente
compra um aterro e joga, aí deixa passar uma semana.
Não, do lado, do lado da casa dele. Não pode aterrar disque. Mas eu vou
aterrar. É porque, mas também, porque ele não comprou uma carrada e
jogava logo. Comprava outro outro dia, deixava passar. Porque ele comprou
duas. Mas é vizinho que denuncia. (Letícia, 2018, moradora)
Aí, disque não pode e tal. Aí, assim mesmo o pessoal joga uma carrada de
manhã e carrega à noite. . ihh, já ajudei a carregar vários carregamentos aí,
do pessoal se juntava três, quatro ou mais pessoas e carregava rapidinho. É
a união faz a força, né, o pessoal aí. Tem muitas casas que foram aterrando
assim. (Marcos)
Para Letícia, a relação entre meio ambiente e degradação ambiental parece distante
face sua vida cotidiana. Já Carlos tenta compreender o porquê do impedimento de
aterrar.
dizem que não pode aterrar área de ressaca, mas pelo menos EU quero ter
uma casa decente, a casa que eu mereço morar. Eu quero ter e eu vou ter e
vai ser aqui. Eu vou aterrar. aaaa... então, me deem uma casa, não quero
[HIS], me deem uma casa bonita, que eu não vou aterrar. Se eu pudesse
morar num lugar melhor, eu tava aqui? Não tava. Não posso comprar uma
casa. (Letícia)
Que salva nessa cidade são as áreas de ressaca, por isso que eles não
gostam, não querem aterrar, né? Porque as águas das ruas corre tudo pras
áreas de ressaca, um funil que chupa a água. (Carlos)
Entre o lago e a terra firme formam-se espaços de transição que estão em constantes
mudanças. Se, por um lado, predominam quase inteiramente construções em madeira
100
Na rua, quando chove, a água escorre à ressaca. Durante o período chuvoso, a rua
se torna escorregadia e chega a inundar, com nível até o meio da perna. Nessa época,
é difícil caminhar e andar de moto. Fernanda, que vive em uma casa diante da rua,
disse “a gente anda assim mesmo, não tem jeito”. Outros encontram alternativas para
sair de casa, como Rosana que sobe e caminha na calçada dos vizinhos. Ana está
grávida e evita sair de casa, “quando é necessário ir praí eu prefiro esperar dar um
101
solzinho, ficar mais seca a rua pra eu poder passar”. Suzana prefere fazer outro
caminho ao sair pelo beco e dar a volta no quarteirão. Já no beco 2, saindo da
passarela, Arthur informou que os moradores colocam tábuas no chão para conseguir
caminhar. Cada um encontra uma maneira de contornar a situação.
No início, quase não havia água no período de chuvas. O nível desse actante ficava
em torno de dois palmos do chão e, na época de seca, o chão rachava. Nessa época,
os moradores nem precisavam caminhar sobre as passarelas.
Durante metade do ano, as áreas secas entre as casas eram aproveitadas como
campinhos para jogar futebol e vôlei. Os moradores do início da rua e da passarela se
reuniam nesses espaços. Para Rosana, “era nossa área de lazer”. Isso também
ocorria em outras passarelas. Vitor lembra que os rapazes chegavam a caminhar até
6 ruas para brincar no meio da mata.
Atualmente, a água não seca mais e possui o nível mais elevado, por isso os
campinhos deixaram de existir. Em minhas visitas às passarelas no final da época de
seca, presenciei somente um campinho no final da décima oitava. A partir de então,
jovens, crianças e adultos jogam somente na rua de terra firme. Com a décima avenida
asfaltada, eles conseguem jogar durante todo o ano. Começam a se reunir a partir
das três da tarde e jogam até anoitecer, no meio e final de semana, com ou sem chuva.
Quando essa avenida não era asfaltada, havia tanta lama e vegetação na via, que
dificultava essas brincadeiras.
Durante o período que o chão rachava, o morador Vitor aproveitava para limpar o
quintal para as crianças brincarem no chão. Já Rosana, além de limpar, plantava
horta, enfatizando que chegou a plantar milho e melancia; atualmente, possui algumas
plantas em sua área de serviço e cuida de animais (cachorro, gato, pássaro e galinha).
Quem lembra e me contou essas histórias foram os moradores antigos (os primeiros
a ocuparem a passarela). Dentre os recentes que entrevistei, apenas uma citou essa
103
situação. Conversávamos sobre o aterro na ressaca, Mariana disse que não tinha
como aterrar, mas citou o vizinho que está aterrando seu terreno e planta bananeira.
Então, ela interligou essas histórias tentando me convencer de sua veracidade:
Ele já plantou bananeira, já colheu foi muito aqui. E tem como, porque, na
verdade, isso aqui, a senhora que eu morava nos quarto dela lá, ela me falou
que quando ela veio morar aqui pra cá nesse bairro, o povo jogava bola lá,
no terreno dela o povo jogava bola, era terra mesmo aqui. (Mariana)
Quando era aqui, eu tenho até hoje sabe o, quando secava aqui, no período
de verão aqui secava e eu capinava, eu varria sabe, ai eu comecei a capinar
de manhã, aí parei almocei e me deitei. Quando eu voltei, que eu fui pra área
de serviço que eu ia descer, eu digo "égua, Paula, minha filha tem algum cano
quebrado por aí". Ela disse "não, mamãe". Eu disse "olha como tá enchendo
de agua". Foi no mesmo dia que eles aterraram lá. (Rosana)
Quem caminha na sétima avenida não consegue ver a manilha, nem imagina que a
água da ressaca corre embaixo da rua. Acertei logo sua localização pela informação
de uma moradora, caso contrário teria sido muito difícil encontrá-la. Há duas manilhas
embaixo da sétima avenida. Uma fica embaixo de um edifício comercial, é antiga,
existe há mais de 10 anos. A outra foi construída recentemente, cerca de 2 anos atrás,
e localiza-se no beco ao lado desse edifício. Esse beco de cerca de 1 metro de largura
se transforma em uma ponte bem construída, onde há casas atrás dos
empreendimentos comerciais (FOTOGRAFIA 32, p. 220). O bueiro visto na calçada é
o único vestígio da mudança. Entre o lado posterior do empreendimento comercial e
a primeira casa de palafita, pude observar a força e velocidade que a água sai da
manilha em dias de chuva. Entendi porque os moradores a comparam com uma
cachoeira. O filho do dono do empreendimento, solícito às minhas perguntas, afirmou
que, mesmo com o nível pluviométrico elevado, nunca alagou o edifício comercial,
nem as casas de trás. Alaga em outros lugares, como no bairro do Muca e no Canal
do Beirol.
Chega perto, mas não chega a alagar. É mais nas casas que são baixa, que
tem umas casa que são muito baixa. Chega assim, um negócio de quatro
dedos pra ir pro fundo. Aqui, graças a Deus, ela enche, mas ela rápido vaza,
por que ela tem vazamento aí. (Ana)
Não chega a alagar mais. Esse ano, a casa alagou lá na casa do meu vizinho,
do comercio ali. Por causa da casa do pai dele, não, tava muito baixo, mandou
até levantar. [...] O pessoal diz que não enche, mas tem época que fica
batendo no assoalho. (Marcos)
Era mais estreita e mais baixinha, aí com, aqui a única casa que era desse
nível era a nossa e da minha irmã, as outras eram baixinhas e como houve
um inverno muito grande, acho que 2000..., nós cheguemos em 2001, eu
acho que em 2009 teve um inverno muito grande que as casas foi a maioria
no fundo, aí os moradores começaram a levantar né, no nível da nossa aqui.
Agora praticamente tão tudo só num nível, aí a ponte suspendeu. Se dá pra
perceber, tem ali ó, um negócio bem ali, ao lado, era daquela altura, bem
baixinha [apontou para os resquícios da antiga passarela]. (Carlos, 2018,
morador).
alguém resolva isso. É uma coisa da natureza e não tem como a gente
resolver. (Vitor, 2018, morador)
Da mesma forma que os moradores sabem que a água vem da sétima, também
conhecem, ainda que não saibam nomes técnicos, sua vazante: se chover à noite
inteira, ela logo vaza, “essa água daqui desce pra gruta aí no barreiro” (Rosana).
Barreiro é como chamam o final do bairro do Congós. De acordo com ela, é onde há
um rio grande que chega à gruta. Antes da formação do bairro, era o nome do lugar
onde as pessoas tomavam banho de rio. Pelo ZEEU, corresponde ao principal canal
do Igarapé da Fortaleza.
Abaixo-assinado
Quem já assinou o documento não sabe exatamente quem organizou e/ou não sabe
para onde entregam. Marcos e Rosana acreditam que a diretora do CASP é quem
costuma organizar; Letícia foi a única que mostrou certeza. Já Suzana conhecia a
pessoa, mas não sabia informar, pois não sabe direito os nomes dos vizinhos.
Arthur e Marcos comentaram que entre três a cinco anos atrás fizeram um abaixo-
assinado pedindo iluminação pública e levaram à CEA.
é eles fizeram tipo um abaixo-assinado. O cara da CEA disse que eles tinham
que fazer um abaixo-assinado e mandar pra lá, já mandaram um, mas nunca
deu resultado. Só quando é político que eles prometem aqui pra gente, que
vão ajeitar, vão ajeitar e não.
[...]
Veio um pessoal aí e disseram só que era área de ressaca que era uma
burocracia e não sei o que mais. Não diz: vai, a gente vem aqui e dá uma
ajeitada e fazer um cronograma e sei lá e, mas acho que é só conversa deles,
nunca vieram aí. (Marcos)
A família de Carlos já organizou dois abaixo-assinados. Um feito pelo pai, outro pelo
irmão. Eles levaram para os outros moradores assinarem e em seguida deixaram na
CEA. Depois de tentarem por ofício com abaixo-assinado, chamaram a imprensa, que
mostrou que havia postes na ponte de trás, isso faz cerca de 5 a 6 anos. A companhia
de energia elétrica alegou que não podem colocar poste de energia na água. Além da
vontade de ter uma boa energia, precisam de um comprovante de endereço, para
provar onde moram. Vale salientar que há entrega de correio, porém quem mora nas
casas dos fundos ou dos becos colocam o endereço das casas da frente. Porém:
Fizemos ofício pra CEA, os morador fizemos abaixo-assinado e pra ... pra
isso que a gente tem direito né, de um comprovante, porque só tem direito
quem tem uma tevê a cabo, alguma linha de telefone, fixo que tem chega
107
Por outro lado, Letícia acredita que os moradores não pressionam mais a CEA, pois
não querem pagar energia. Ela crê que há passarelas com postes de concreto, pois
os moradores são unidos e demandam ao Poder Público.
Até em mim que paga né, daqui praí ninguém paga energia. Aí se ajeitar,
ninguém cobra por causa se ajeitar vai ter que pagar energia, aí ninguém quer
pagar. Eu reclamei um tempo eu fiquei reclamando, mas... eu reclamei por
mim, mas não adiantou nada. O resto, se todo mundo reclamasse para
ajeitar, né. Colocava mais pra frente. Porque tem umas que tem, né, tem
ponte que já está arrumado. Tem essas pontes tudo arrumadinho, aí o
pessoal paga. (Letícia)
Mídia
Famílias que residem na 16ª Avenida do bairro Congós, zona sul de Macapá,
denunciam o abandono do poder público, quanto às obras de reforma da
passarela de madeira, que interliga o Congós ao bairro Zerão. [...] “Nem
mesmo em época de eleições somos lembrados. Não podemos esperar só
pelo poder público, propus uma coleta entre os moradores para fazermos a
manutenção da ponte, mas muitos acham que é obrigação dos políticos fazer
a ponte, e uma andorinha só não faz verão”, desabafou. (SILVA, 2017)
Pela pressão popular, eles conquistaram uma pequena melhoria. Já chamaram para
a passarela:
não, ficou mais de 6 anos sem uma reforma, aí sempre só funciona quando
a imprensa vem, aí a gente chamamos a imprensa, a gente reunimos com os
moradores, aí informando, né, que tinha caído idosos, criança. Exatamente
pra não mentir, o cara quando virou a câmera pra lá, vinha criança indo pra
escola fruuu caiu na hora da entrevista. Aí, a prefeitura falou que com 15 dias,
30 dias iam reformar, aí foi nessa época, né. Fizemos a entrevista mês de
maio e quando foi em agosto eles fizeram. (Carlos)
Carlos acredita que só funciona quando chamam a imprensa. Porém, para Maria, nem
adianta mais chamar a televisão, pois os políticos só fazem na época de eleição. Para
108
CASP
O CASP foi criado em 2016 pela diretora (MÍDIA 2, p. 250). Inicialmente, só ocorria
capoeira a céu aberto. Com o tempo, construíram o empreendimento em madeira e
atualmente está em reforma e possui a metade em alvenaria. A obra ocorreu por meio
de mutirão em três dias nos finais de semana. O material foi doado por um político e
parte foi subsidiada por rifa comunitária.
Para exercer suas atividades, precisam de diversos materiais, como banco, cadeira,
quadro, lanches, papel, lápis, livros. Para produzir uma rifa, precisam pedir auxílios
externos, pois não possuem computador. São exemplos que mostram suas
110
Dos 16 entrevistados, 11 citaram o CASP, não com esse nome, mas o chamam de
centrinho, associaçãozinha, capoeira, uma sala de uma senhora. Quatro citaram as
atividades com crianças e a capoeira; três a vincularam ao abaixo-assinado; três
citaram a reunião com moradores; e Vítor afirmou que caso os moradores precisem
de algo, podem contar com a ajuda do centro. As opiniões foram positivas quanto às
atividades para crianças, afirmando que tiram elas da criminalidade ou que a líder faz
o melhor que pode, mesmo com poucas condições. Apenas uma moradora mostrou
descontentamento pela falta de informações repassadas aos moradores, duvidando
se ela era a líder da rua, pois parecia ter outras prioridades. A dúvida se deu por
acreditar que ela estava priorizando as atividades do CASP em detrimento dos
interesses coletivos e, por morar em área de terra firme, estaria priorizando as
necessidades da rua.
O CASP localiza-se em área de transição da terra firme e alagado, mas não possui
placa em sua fachada, o que dificulta sua identificação. A capoeira é a única atividade
regular, ocorre três vezes por semana. Nesses dias, alguns moradores jogam, outros
ficam na porta observando, conversando entre si. A maioria das atividades que
ocorrem são para as crianças. Há livros, desenhos, cartazes e fotos nas paredes, há
mesas e cadeiras na sala. Essa imagem também contribui em associar as atividades
só para jovens.
Por outro lado, a líder afirmou possuir dificuldades em organizar algo em conjunto com
os moradores, alegando a falta de interesse. Há aqueles que ela sabe que pode
contar. Chegou a comentar que, para ter alguma reunião com moradores, precisa
haver um motivo bem específico, como o peso das crianças, caso contrário não
aparecem.
NRDC
54
Não há estudos que mostrem sua eficácia no bairro.
55
A Feira foi iniciativa da Associação de Produtores da Vila do Valdemar (Aprova) com a parceria do
Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Governo do Estado do Amapá (GEA) e
Prefeitura Municipal de Macapá (PMM).
56
Houve programas socioassistenciais, contação de história, atendimento médico e alguns exames.
Teve parceria da SEMSA, SEMUR, SEMED, Faculdade Fama e farmácia Gaste Menos.
112
enfatiza que apoia melhorias para o coletivo, assim, apoia desde a construção das
passarelas até o reassentamento.
Ele afirma que todos os dias moradores do bairro ligam ou vão à sua casa e pedem
ajudas pontuais e individuais, como conseguir matricular o filho na escola ou ajudar
com doações para construir uma casa. Há uma troca e confiança, um compromisso,
um dever a ser cumprido. De outra forma, é conhecido por suas reivindicações, seus
diálogos e críticas ácidas ao Poder Público. Dessa forma, buscam-no para fazer
reclamações, buscando por melhorias. Alguns requerimentos são postos no grupo de
whatsapp. Ele tenta mostrar serviço, que está trazendo melhorias para o bairro, para
o coletivo. Às vezes, demonstra um poder de decisão maior do que possui (como
veremos na construção da passarela). Fora do bairro, já participou de reunião com a
associação do bairro vizinho sobre o grupo de whatsapp, foi uma forma de trocar
experiências.
Ninguém na décima passarela citou o nome NRDC, mas Rosana e Vítor falaram sobre
o líder e estão no grupo de whatsapp. Ela estava contando sobre a ideia de se ter um
representante por rua, logo comentou sobre o grupo e então sobre seu líder. Perguntei
se ele era o representante do bairro, Rosana respondeu que não, porém “ele se vira
por tudo aqui no bairro. Ele, ele não chega a ser bem o representante, porque na
verdade eu não sei nem quem é que representa aqui o bairro. Eu já perguntei, mas.
Entendeu?”. Para Rosana, ele é a pessoa que toma iniciativa por melhorias no bairro.
Já Vítor disse que há pessoas que ajudam, caso faça algum pedido no grupo.
Nos jornais, o líder é o porta-voz que fornece informações sobre o bairro, mostra suas
críticas aos problemas vivenciados, suas ações e parcerias. Por vezes, o grupo de
whatsapp é exposto como um ator completo na mídia, como no caso “a denúncia no
bairro Congós é feita pelo Grupo “Congós 100% Paz” ou “a ação contou com a
parceria do Grupo Congós 100% Paz”.
Associação de bairro
Não tive contato direto com sua líder. As informações que seguem são de fonte
secundária de jornais, das entrevistas com moradores e conversas com os líderes das
outras entidades. O líder do NRDC me explicou que associação dos moradores do
113
bairro do Congós (AMBC) foi oficializada em 2000, mas não funcionava. Possuem
espaço físico, mas não podem utilizá-lo, pois estão sem energia. Pela falta de uso, a
construção está se deteriorando.
Onde entrevistei, ninguém conhecia a líder da associação, nem sabia seu nome.
Poucos afirmaram onde fica a associação de bairro. Dos que sabiam, disseram que
estava fechada. Não tinham certeza se ainda funcionava. Só três já participaram de
alguma reunião.
O WhatsApp enquadra-se como rede social, o qual é definida como “ambientes que
possibilitam a formação de grupos de interesses que interagem por meio de
relacionamentos comuns” (TOMAÉL, 2005). As três entidades utilizam grupos no
whatsapp e boca a boca como meios para divulgar suas atividades e marcar reuniões.
Dos que entrevistei, quatro participam do grupo do CASP ou do Congós 100%paz.
Como benefício, elencaram a facilidade em conseguir informação, em marcar reunião
e pedir auxílio. Assim, os grupos permitem que vínculos sejam formados e mantidos.
O ator com mais visibilidade na mídia e mais atuante corresponde ao NRDC. Já que
o CASP é focado em atividades de ensino e cultura na rua e a associação pouco se
manifesta. É importante salientar que a líder do CASP também faz parte do NRDC e,
por vezes, seus papéis se cruzam, sobressaem ou entram em conflito (principalmente
por causa de seu pouco tempo livre).
114
Pela via estatal, os moradores podem lutar por melhorias ou, então, não fazer nada e
esperar (mesmo desacreditados) pela ação do Poder Público ou, até mesmo, pelas
eleições. Frente a isso, até então citamos ações do Poder Público com seus
instrumentos de planejamento, legislações e gestão nas ocupações informais da
cidade: proibição da ocupação, tolerância, omissão, reassentamento para HIS e ações
pontuais de urbanização. Nesse tópico, abordaremos atuais ações do Poder Público
no que concerne à gradual urbanização na ressaca do Congós: a construção das
passarelas por emenda parlamentar e a real possibilidade de regularização fundiária.
115
Na omissão, não faz nada: proíbe a ocupação informal, mas não fiscaliza. Lembramos
que a atual equipe para fiscalização é pequena e possui dificuldades em logística.
Para se ter remoção é preciso haver relatório, diagnóstico e fiscalização enviado ao
Ministério Público (MP). Não é atribuição da SEMAM derrubar as habitações, mas
acabam fazendo sozinhos ou ação conjunta com MP, SENDUH e Batalhão Ambiental.
Caso forem sozinhos, há insegurança. De outra forma, há omissão em seus deveres
de promover boas condições de vida a esses moradores. Dessa forma, o Poder
Público tolera essas ocupações, pois acabam sendo admitidas na cidade, mas não
democratiza plenamente a infraestrutura, pouco promove HIS e não oferece soluções
à situação.
De outra forma, há doação de madeira apreendida pelo IBAMA à prefeitura, que são
destinadas à construção de passarelas. Nesse caso, a subprefeitura coordena a obra
(SECSUB). A prefeitura fornece os materiais (madeira e prego) e fiscaliza a obra, e os
moradores costumam ser a mão de obra (pedreiros e carpinteiros) e proveem as
ferramentas. Devido à falta de recursos, às vezes, apenas doam a madeira e os
moradores trabalham sem remuneração. Na execução, podem participar outras
secretarias, como a Secretaria Municipal de Manutenção Urbanística (SEMUR),
responsável em promover a coleta de resíduo sólido e limpeza de vias, e a Secretaria
Municipal de Obras e Infraestrutura Urbana (SEMOB), responsável pela rede de
drenagem pluvial e por coordenar, executar, nortear e vistoriar atividades relacionadas
às obras e serviços públicos. Ambas auxiliam na desobstrução do talvegue – ponto
mais profundo dos canais.
Projeto
O diagrama ator-rede 15 (p. 242), pode ser lido concomitante à descrição para auxiliá-
la. A fase projetual teve várias etapas que englobaram diversas secretarias, técnicos,
documentos, instrumentos e ferramentas. A primeira etapa consistiu no levantamento
físico das passarelas coordenado pela Secretaria das Subprefeituras (SECSUB). As
visitas às passarelas foram exercidas em grupos de 5 técnicos, os quais mediram o
comprimento e largura das passarelas, observaram seu grau de conservação, fizeram
croquis com os dados levantados, mediram a profundidade da água e tiraram 4 fotos
por passarela. Na visita, era importante descobrir se moravam pessoas com
mobilidade reduzida.
De acordo com Mauro, que trabalha há 4 anos nessa secretaria, uma das funções da
SECSUB é a aproximação com moradores. Mesmo assim, essa aproximação foi
tímida a partir de conversas durante as visitas. O técnico afirmou que é comum escutar
críticas e desconfortos dos habitantes que afirmam que a obra “não vai acontecer”,
117
“Para o prefeito, o ideal seria retirar as pessoas dessas áreas, porém, isso
não é mais possível. Aterrar traria outro problema, que são os alagamentos
já vistos em alguns pontos da cidade durante o período de chuvas. A
recuperação das pontes leva melhor condição de moradia às áreas de
ressaca” (GOMES, 2017).
Construção
Durante a construção, um fiscal era responsável pela vistoria de toda a obra. Ele
sempre ia e voltava de uma passarela à outra. Mesmo não sendo formado na área da
construção civil, estava bem informado sobre a quantidade de materiais, detalhes
construtivos, orçamento e trâmites administrativos. Em cada passarela, havia grupos
de cinco trabalhadores (o NRDC conseguiu que na 18ª passarela todos os
trabalhadores fossem moradores). A construção ocorreu por etapas, começava na
“cabeça da ponte”, onde desmontavam aos poucos a ponte antiga e construíam a
57
Informação dada pelos técnicos da SEMAM e da PLANURB.
120
nova (MAPA 25, p. 201). Primeiro fincavam os esteios, depois faziam a amarração
com frechal. Enquanto só havia a amarração, eles colocavam tábuas estreitas para
as pessoas passarem, era difícil caminhar e havia risco de cair. Depois punham o piso
tipo “tabuleiro”, manuseando um gabarito feito de madeira e pregos para deixar as
tábuas com a distância de 0,03 m. Por fim, era feito o contraventamento lateral e
transversal em forma de “X”, o que era distinto das passarelas materializadas pelos
moradores, pois, quando havia, eram apenas as transversais. No decorrer da
construção, havia uma grande preocupação com os pregos que estavam sempre
acabando – um quilo de prego é utilizado em três metros de passarela só para pregar
os frechais – com a seguinte explicação: sem prego, o trabalho paralisa e atrasa a
obra. O entulho era deixado no meio da passarela para ser recolhido ao final da obra.
O material era deixado pelas manhãs e era preciso dois homens para carregar as
peças de madeira, assim, quanto mais avançavam na construção, mais demoravam
para fazer o trajeto com os materiais. Um morador da vigésima comentou comigo que
a empresa deveria disponibilizar carrinho de mão para auxiliar os carpinteiros, pois
eles trabalham no sol quente por horas e ainda precisam carregar aquela madeira
pesada.
e agora consegui, com esta ação, uma oportunidade de garantir uma renda
extra. Moro aqui há quatro meses e vivi de perto as dificuldades. A ponte
estava toda quebrada e cheia de emendas”, ressalta Fábio de Lima
(FONSECA, 2017a). (Leia matéria completa em mídia 4, p. 252).
58
Baseado no trecho de diário de campo, do dia 19 de julho de 2017. Conversa com Francisco, sua
esposa Isabela, e Ronaldo, moradores do braço 1 da vigésima primeira avenida.
122
O conflito entre os moradores era a preocupação com as motos. Afirmam que andar
de moto deteriora a passarela. Esse tema foi posto em pauta por uma moradora na
reunião entre os moradores com o líder comunitário. Uns disseram que ele deveria
resolver o problema, mas ele mostrou resistência ao pedido, afirmando que todos
devem vigiar e conversar com os que não cumprem essa regra. Com o final da
123
Após a construção
Com o término das construções, ficou o cuidado com a passarela a cargo dos
moradores (DIAGRAMA ATOR-REDE 18, p. 245). Placas foram postas enfatizando a
proibição de andar de moto. Em meios de divulgação da prefeitura, foram enfatizados
os deveres dos moradores:
Isso cria um clima de mobilização com os moradores a partir do qual eles se sentem
participantes da obra. Mas isso é uma ilusão. Primeiramente, pois não decidiram a
obra na etapa projetual. Como também, ao pedir para eles cuidarem, é como se não
o fizessem antes. Por fim, esse discurso desloca os deveres do Poder Público de
cuidar da passarela, ou melhor, de proporcionar sua manutenção. Como se não fosse
sua obrigação.
Isaías, técnico da SEMAM, contou que com passarelas de concreto o político quer
dizer “nunca mais vou te tirar daqui”, o que não é interessante por causa das eleições.
Tampouco é de interesse da SEMAM, por causa da degradação do meio ambiente.
Ele não sabe se fazer passarelas melhora a acessibilidade nessas ocupações, pois
essas pessoas seguem vivendo com a qualidade de vida baixa devido à insalubridade.
Por outro lado, afirmou a impossibilidade de retirar todos os moradores devido ao
elevado contingente populacional. Concluiu, então, que outra opção seria urbanizar
parte e reassentar outra parte de uma ocupação.
Com a nova legislação fundiária (lei no. 13.465/2017), para regularizar áreas de
interesse social (REURB-S) em área de proteção ambiental, é preciso aprovação do
projeto de regularização fundiária contendo as seguintes diretrizes:
As invasões nas ressacas não são regularizadas e, por isso, estão isentos a pagar
IPTU. Mesmo assim, por volta de 2009, a prefeitura enviou IPTU para todos os
moradores, mas sem a devida regularização. Boletos chegavam aos moradores com
parcelamento para vários meses, com informações corretas, como o endereço, a
dimensão do terreno, o nome do proprietário e o valor do imóvel, o que gerou
surpresas aos moradores.
A prefeitura cobrou a taxa do IPTU como um dever a ser cumprido pelos moradores,
mas não ofereceu os direitos aos cidadãos, principalmente no que tange à
infraestrutura. Tendo sido, portanto, compreendido pelos moradores de forma injusta.
Sem negociação com a prefeitura, deliberadamente, eles decidiram que não iriam
pagar e assim o fizeram. O que nos aproxima do que Henri Thourou nos fala de
desobediência civil60 – não cumprir uma lei considerada injusta e discordá-la
livremente. Para o autor, essa desobediência é necessária para termos uma
sociedade justa. Dessa forma, não pagar foi uma forma de protestar contra a
prefeitura, onde exerceram um poder político a partir da luta democrática pacífica.
Com isso, demonstraram que almejam seus direitos e seu reconhecimento.
59
Consiste no “processo pelo qual grupos de classe média se apropriam das áreas dos assentamentos
recentemente regularizados para fins residenciais ou mesmo para outros fins, com a consequente
expulsão dos ocupantes tradicionais” (FERNANDES, 2007, p. 46).
60
A desobediência civil do Henri Thourou (1949), ainda que seja antigo, possui caráter atual devido
sua crítica ao governo.
128
Joaquim mora em área aterrada. Foi o único que citou o interesse em regularizar seu
lote, devido à segurança individual quanto a sua propriedade. Foi na prefeitura, mas
não queriam regularizar. Então usou o discurso que se na sétima podia, porque ele
não poderia? A sétima avenida é uma via comercial, asfaltada e aterrada que interliga
vários bairros, é por onde passam as manilhas, nela há edificações de alvenaria, mas
seus quintais ainda são alagados. Para Joaquim, se eles tiveram esse direito, ele
também poderia ter. Dessa forma, toda semana ele ia ao edifício da prefeitura para
saber como estava o andamento da regularização e para pressionar os técnicos.
Afirmou que, como é idoso e não trabalha, dispõe de tempo para fazer isso,
diferentemente de outras pessoas. Mostrou-me orgulhoso a pasta com os papéis do
registro da casa e o mapa com sua localização. Ainda que dentro dos parâmetros do
PDDUAM e do ZEEU, ele teve dificuldade em regularizar o lote, só conseguindo
devido às suas incansáveis visitas para pressioná-los.
129
CAPÍTULO 4 – DELINEAMENTOS
130
Relembrando o primeiro capítulo, vimos que, para Lussault (2010), toda ação é
espacial. O espaço é uma construção social, um recurso e resultado da ação humana
e oferece uma resposta à prática. Está em constante movimento, a fazer-se. É um
híbrido, dotado de valor. O espaço descrito com relação aos actantes constitui a
espacialidade, a qual é marcada pela tensão dinâmica entre a rotina, a reprodução, a
criatividade, a inovação, a mudança, a espontaneidade adaptativa (idem). Está entre
o invariável e o variável. É uma coprodução relacional constante, descontínua. O que
nos auxilia a refletir que durante as práticas espaciais os atores negociam e englobam
conflitos, disputas, auxílios e pactos.
autoconstrutor praticar algo que seria impraticável sem ela. Portanto, o solo e a
madeira não são intermediários, passivos ou neutros. Eles influenciam na ação e
transformam entidades.
61
Baseadas nas entrevistas à PLANURB e à SEMAM.
62
“consecuencia de la falta de medidas posteriores a la aprobación de cada Plan, lo que ha inviabilizado
la implementación de este importante instrumento público”.
132
Quanto ao segundo, os líderes podem apoiar ou mesmo tomar iniciativa às ações dos
moradores apesar do Estado, como na construção da casa de palafita pelo CASP.
Vinculados ao Poder Público, fornecem informações aos moradores, mas de forma
fragmentada e carecem de explicitações de trâmites burocráticos, o que dificulta sua
compreensão e até proposições contestatórias. O NRDC, a associação e o grupo de
whatsapp unem os moradores de diversas passarelas, porém com pouca
representação, pois são poucos moradores que participam de suas reuniões. Ainda
assim, o aplicativo ajuda a desprender informações e os moradores que a leem
espalham para os outros moradores (como ocorreu na construção das passarelas).
133
Por sua vez, a reconstrução da passarela pelo Poder Público mediante emenda
parlamentar baseou-se em projeto decidido de forma heterônoma, sem participação
dos moradores – uma contraposição ao ZEEU. Teve ausência de informações mais
precisas aos moradores durante a etapa construtiva, deixando-os receosos. Essa
estreiteza de abertura e raras informações fornecidas aos moradores não é exceção.
O caminho do início da ocupação até os dias atuais trouxe diversas mudanças. Veio
de forma longa e desgastante, com conflitos, vínculos (des)articulados, aberturas e
fechamentos com Poder Público – mesmo após a legislação que permite a
urbanização na área. Foi lentamente sendo urbanizada (autoconstruída ou pelo Poder
Público), ainda que esse termo se restrinja à universidade e a instrumentos de
planejamento. Se atualmente está bom, vem lembranças de um passado ainda
recente onde imperava a inexistência. Porém, pelo pouco que já foi melhorado, chega
a ser difícil imaginar outro futuro.
Sobre o ponto de vista, quando perguntei a opinião dos entrevistados sobre as práticas
da prefeitura na ressaca, catorze afirmaram que era de péssimo ou ruim, alegando
que o Poder Público pouco atua e/ou demora. Os moradores evocaram alguns pontos:
só fazem na época das eleições; constroem só algumas passarelas; a coleta de lixo é
a única ação regular; há falta de interesse sobre as opiniões dos moradores;
promessas descumpridas – como Lucas se queixou “prometeram que iam dar madeira
para ligar na casa”. Apenas duas entrevistadas afirmaram que as intervenções da
prefeitura eram boas, ainda assim, demoravam a ocorrer.
Por sua vez, as opiniões sobre a autoconstrução divergiram, variavam desde melhor
que a da prefeitura até mal colocada. Em comparação ao que é feito pela prefeitura,
citaram que a autoconstrução: ficava mais precária que a da prefeitura, não era bem-
feita, ficava quase do mesmo jeito que a da prefeitura, era boa, era ótima. Sobre o
papel do morador, disseram que é: uma obrigação, uma tentativa, um quebra-galho;
de outra forma, também citaram que os moradores sabem o que é melhor para eles
mesmos e que a população atua melhor que o governo.
Em seguida, perguntei se havia outra solução além do que era feito. Nas respostas,
desejos por melhorias, reclamações, ideias, vontades, conformismo e silêncio foram
expressos. Para Letícia, “aí tem rua para melhorar, tem esses fios pra melhorar, tem
algumas coisas. Não é muita coisa, mas dava pra fazer um monte de coisa”. Para
Mariana, poderiam colocar poste de concreto – mesmo que digam que não pode – ou,
pelo menos, colocar de madeira com iluminação. Carlos citou a precariedade do
esgoto na cidade e que o Poder Público deveria fazer. Alguns afirmaram que não teria
outra solução, pois nada iria mudar, “nunca vi uma melhora” (Lucas). Para Natália, é
difícil dizer se haveria outra solução, pois estão desacreditados de promessas não
cumpridas. Já para Suzana, a solução seria cada um fazendo sua parte. Por sua vez,
Rosana e Ana sugeriram a ideia de um representante por rua que conhecesse os
principais problemas e levasse ao prefeito. Já Vítor gostaria que ouvissem mais a
população:
aí eles precisam de voto, mas se a gente não votar eles não vão se eleger.
(Vitor).
Ao refletirem sobre o futuro, Joaquim, Carla e Natália tocaram no tema de HIS para
reassentarem moradores das áreas de ressaca. Eles não gostariam de sair de suas
casas. Joaquim reclamou da dimensão pequena do apartamento, da falta de área
externa onde não pode pegar vento e afirmou que não teria condições de pagar as
contas elevadas de energia e água. Disse que o Poder Público afirma que o
apartamento é de graça, mas não é verdade, pois os moradores precisam pagar
condomínio. Dois de seus filhos moram no Conjunto São José, mas sempre o visitam
duas vezes ao dia e ao final de semana. Para ele, o apartamento só é bom se a família
for bem pequena. Já Carla, ao abordar sobre HIS, afirmou que não estaria ali se
pudesse morar em um lugar melhor, mesmo assim, não aceitaria ir para um conjunto
habitacional. Sua principal reclamação foi o tamanho da habitação e dificuldades em
atividades cotidianas.
É muito pequeno. São dois quartos, né? Aí, não tem quintal pra ti, não tem
espaço pra tu colocar tua roupa, não tem pra fazer nadinha. [...] Minha casa
é grandona. Eu prefiro morar aqui, eu sei como é. Eu queria um quintal grande
assim. Eu gosto de planta, eu gosto de bicho. Queria plantar um bocado de
coisa, criar bicho. [...] Eu já tenho uma [casa] aqui. Deixa que pra quem não
tem, tem gente que mora três quatro famílias, né, na casa (Carla).
Natália contou que dizem que vão remover os moradores de área de ressaca, por isso
não sabe sobre o futuro:
Natália: não sei, porque eles dizem que eles vão fazer é, esses conjuntos, né,
pra tirar o povo que mora aqui, só que muitas pessoas não querem sair daqui,
porque aqui é um lugar bom, o povo tá acostumado, vai pra esses conjuntos
aí, é uma dificuldade que só, promete uma coisa e quando é na hora, depois
é tudo diferente.
Eu: Como diferente?
Natália: é porque eles dizem, olha você vai que vai pagar uma taxa disso e
disso e quando é no fim aí vem uma conta de energia alta, vem água, vem
condomínio, vem tudo e aqui a gente ... a gente não paga isso, mas se viesse,
porque tem um projeto disque de passar é poste pra gente pagar energia, eu
falei por mim eu faço questão, eu pago, só que queria uma coisa boa. Mas,
até então nada, eu não sei como é que vai ser daqui pra frente no futuro, né,
136
se a gente vai continuar aqui, porque eles dizem que vão tirar o povo que
mora em área de ressaca, não sei.
Como Joaquim, ela reclamou dos elevados custos de viver nos apartamentos. Além
do supracitado, citou a falta de privacidade dos apartamentos, de não ter onde guardar
bicicleta, com isso ter que subir as escadas empurrando-a, e do medo de deixar a
moto na rua e a roubarem. No final de sua fala, podemos perceber a dualidade entre
as ações da prefeitura de reassentar ou urbanizar, pois caso invistam em melhorias
na ressaca, subentende-se que aceitam os moradores de seguir vivendo na ressaca.
Porém, essas divergências das ações do Poder Público geram confusões nos
moradores no que se refere ao futuro de suas habitações.
Por sua vez, a líder do CASP sugere uma urbanização que não seja apenas pontual
e desarticulada, mas com um projeto que contemple várias passarelas e com a
construção de um canal para escoar as águas existentes. Já o líder do NRDC não me
mostrou uma linha específica de como poderiam atuar nessas áreas, seu interesse é
por uma melhoria coletiva.
137
O material empregado nas passarelas também entra nessa disputa. Os objetos são
híbridos, pois, além da materialidade existente, são dotados de valores a partir das
ações (LATOUR, 2012; SANTOS, 2006; LUSSAULT, 2010). Portanto, não são
neutros, geram impactos sociais. A socialização da passarela de madeira ou de
concreto traz distintos valores e significados que perpassam do temporário ao
permanente.
O limite rígido entre público e privado se mostra insuficiente, pois não há como separá-
los apenas como passarela principal, braços, becos, passarela privada e casa. Há
varandas que podem funcionar como passarelas. De dentro da casa, saem várias
passarelas, um braço que finaliza na varanda de uma casa (então o seu final seria
uma passarela privada?), existem espaços “vazios”. Como irei desenvolver, esses
limites variam. Para entendermos isso, primeiro consideramos como espaço público,
a passarela e o aparente vazio, no qual água e vegetação se encontram.
Já sobre bordas mutáveis e imprecisas entre terra firme e alagado, a separação entre
a rua de terra firme e a passarela é mutável, pois se altera à medida que o lago é
aterrado, e imprecisa, pois a frente pode estar aterrada, mas atrás ainda ser lago. Isso
conforma um espaço de transição, onde há gradação de materiais construtivos no solo
e nas casas. E aqui cabe salientar o orgulho de ter a casa de alvenaria ou o desejo
de terminá-la.
139
Nos mapas usados pelo Poder Público, esses limites são bem marcados, isto é, há
uma linha no software que separa o interior e o exterior da ressaca, o formal e o
informal. Nos instrumentos de planejamento, a linha do mapa delimita o que pode ou
não ser regularizado. Linhas já defasadas que não acompanham as temporalidades.
4.2.3. Adequações
Latour e Yaneva (2012), no artigo “give me a gun and i will make all buildings move”:
an ANT’s view of architecture”, apontam que os edifícios possuem o problema de
parecerem extremamente estáticos, com isso é difícil compreendê-los como
movimento, luta, como uma série de transformações. Porém, a construção possui um
fluxo contínuo, quando é transformado e modificado pelos usuários. Nisso, recai a
imersão do tempo. Para os autores, os edifícios só revelam sua existência ao serem
listados seus movimentos e controvérsias. Seria correspondente ao que faz, a forma
que nega a tentativas de alteração, permite certas ações de visitantes e impede
outras, desafia autoridade.
Claro que não podemos esquecer o controle mediante legislação e fiscalização por
parte do Poder Público e as práticas de subversão dos moradores. Os moradores
atuam taticamente pelo não enfrentamento direto com o Poder Público. São práticas
que ocorrem nas brechas do sistema, mediante omissão da instituição. Aproveitam-
se do controle que não é total, com ações sutis e pulverizadas. Como o ato de ocupar
a ressaca, por ser contra a legislação; de autoconstruir, pois produzem sem técnicos;
de aterrar aos poucos, para fugir de denúncias.
Santos (2006) é outro autor que cita a riqueza de experiência dos pobres urbanos. O
autor considera a prática sócio-espacial das classes populares com elevada
capacidade de adaptação, combinações em permanente movimento, o trabalho e a
plástica, influenciadas por incitações internas e externas.
63
O autor, em seu artigo, discute a construção em assentamentos populares como uma tática
prefigurativa, e mostra que, em conjunto com movimentos sociais, está sendo utilizada para formular
um novo tipo de política urbana.
64
From houses to commercial outlets, from sanitation infrastructures to communal spaces, techno-
popular knowledges transform the act of building into a social and collective practice: learning through
copying, translating experiences and introducing small adaptations, these knowledges accumulate and
circulate through households and neighbourhood networks.
142
No espaço como recurso, temos a ressaca com a água, solo, animais, plantas; os
espaços “vazios”, com seu potencial construtivo; os arranjos existentes na ocupação,
como casa, lote, passarela e passagem; no exterior, possui as ruas e as redes de
infraestruturas pré-existentes. Ao serem vinculadas, a ocupação coordena diversas
aspirações e restrições espaciais e econômicas. Seja a existência de uma passarela
que impede o crescimento do lote, o nível da água que induz o assoalho elevado, a
terra que permite novos usos, os fios que impedem de ter ar-condicionado, a passarela
precária que dificulta a locomoção, a escassez de recurso para comprar material.
O arranjo espacial que segue é fluido e com estabilizações. Lembrando que, após
passar o evento, o espaço situacional não resulta mais ser o mesmo nem é,
dependendo, completamente diferenciado (LUSSAULT, 2010). Suas possibilidades
alteram-se no transpassar do tempo pelas adequações. E suas estabilizações
espaciais necessitam de forças (humanas e não-humanas) que a tornem dessa forma.
Como no esforço dos moradores para a área em torno da passarela permanecer mais
larga ou a passarela existente que resiste a tentativas de remoção.
Um dia, em minhas excursões ao campo, era sábado final de tarde e as crianças não
estavam mais brincando na rua, “que estranho”, pensei. Havia uma tensão no ar. Em
uma varanda, uma mãe chorava e a líder comunitária foi ter com ela. Seu filho havia
sido morto no dia anterior, sendo que semanas atrás seu outro filho tinha saído há
143
A violência não foi uma questão que apareceu a priori. Porém, no decorrer das
entrevistas e de minha vivência na observação participante, por vezes o assunto da
criminalidade e tráfico de drogas foi tangenciado. Dessa forma, ao seguir os atores e
suas práticas, mostrou-se relevante tratar a influência de atores ligados ao tráfico nas
espacialidades e táticas dos moradores em evitar/conviver com a questão.
não, é assim, porque pra gente que é morador daqui é uma coisa normal.
Mas entra alguém "ah, porque essa rua é perigosa", não pra gente, a gente
conhece todo mundo, não é perigoso. É igual quem não mora no Congós,
quem não mora no Congós acha o Congós "a o Congós é um bairro perigoso",
mas pra quem mora aqui não é tão perigoso quanto, quanto falam por aí pela
rua hoje em dia, mas vamos dizer assim, é perigoso rsrs, não tão quanto pra
quem mora aqui, mas pra quem vem pra cá, por exemplo e não conhece é
bastante perigoso. (Vítor)
Na casa na ressaca, há medo do roubo (não são os que moram na mesma passarela
que assaltam, mas de outras). Letícia já foi assaltada duas vezes; já Suzana, que se
mudou do final do bairro, afirma que a décima passarela é tranquila comparada com
seu antigo local de residência. Os moradores tomam medidas de segurança: grades,
câmeras, reforços nas janelas, cadeados, portões. Como qualquer horário é perigoso,
ao caminhar dão passos atentos, saem acompanhados entre as ruas, evitam levar o
celular. E com a falta de iluminação pública, que aumenta a sensação de insegurança,
colocam holofotes ou conseguem luminárias pela prefeitura. Há quem se apegue à
entidade divina como proteção.
partilhar. Tal pergunta aponta para outras duas: qual o desenho político que a TAR
sugere? Qual o lugar para quem toma decisões?
A Teoria ator-rede é alvo de críticas de uma suposta neutralidade política. Mas, para
Latour, a política “não é a revolução, mas a explicitação, ou seja, o desdobramento
dos elementos artificiais que precisávamos para viver, mas até então não sabíamos”
(LATOUR, 2009). Desdobrando e conhecendo os vínculos de forças até então ocultas,
é possível combater suas forças. Isso posto, a relevância política é descrever como o
coletivo é mantido, ou seja, desbravar a coexistência dos elementos heterogêneos
que a compõem. Como um “diplomata incansável” (VIVEIROS DE CASTRO, 2006),
Latour julga que sempre é necessário negociar o comum com os outros (SOULIER,
2016). Para tanto, afirma que outros pontos de vista não podem mais ser
desconsiderados. É preciso reconhecê-los.
O autor também tem sido visto como um teórico radical da democracia, pois amplia o
conceito de política, modernamente oposto à natureza, e a estende aos não-humanos.
A política não é apenas um problema de representação ou de tomada de decisão de
humanos (LATOUR, 2014). O autor propõe que as coisas têm plenos direitos – como
sugere com a democracia das coisas. Considerando isso, “nada de noção espacial
que não seja, por assim dizer, animada, permanentemente modulada pelos mais
heterogêneos agenciamentos do real” (DIA, SZTUTMAN, MARRAS, 2014, p. 501), as
questões de políticas urbanas são composições de objetos, naturezas, tecnologias e
pessoas.
65
Urban politics is thus not about subjects, subjectivities or discourses, but about things, complex
entangled objects, socio-material interminglings. This is what Latour (2005a) calls a Dingpolitik: the
understanding that urban politics can no longer be understood as conflict between human or, better,
class interests, but involves conflicts over different ‘cosmograms’, that is, ways of articulating the
elements of the world and their mutual connections (Latour, 2004b; Tresch, 2007). The consequence of
this object-oriented politics is that new modes of representations are necessary, as well as new
democratic spaces in which complex, controversial and conflictive urban assemblages, instead of
human interests alone, can be represented in all their heterogeneity.
148
A partir do que foi visto, os moradores de áreas de ressaca não precisam só de novos
espaços onde habitam – como construção de infraestrutura ou HIS. Mas ter seus
conhecimentos e práticas reconhecidos, a construção de capacidades – melhorando
a qualidade de articulações, fortalecendo vínculos, novos agenciamentos –, possuir
novos espaços de decisão dentro do Estado. Por sua vez, a ocupação informal
necessita de outras formas de representação. Um caminho e vínculo possível, que
considere os pontos supracitados e aproxime a ação direta com a via institucional,
consiste em uma efetiva participação – ainda que haja desafios, como o risco de
cooptação, consulta e dificuldade de acesso a informações (SOUZA, 2006). Nesse
tipo de relação, as negociações não devem ser entre profissionais com agência e
cidadãos sem, caso contrário os moradores seriam meros intermediários. Mas, de
outra forma, a efetiva participação da população com a instituição parte da “parceria”,
com o compartilhamento de poder de decisão e transparência; e da “delegação de
poder”, a partir do qual o Estado renuncia de co-interferir na decisão (SOUZA, 2006).
66
The political project this perspective involves is connected with a redefinition of democracy towards
participatory practices that might eventually recognize and represent humans and nonhumans as
political actors.
67
“the right to the city involves building capabilities, creating active publics capable of engaging in the
production of knowledge and transformative engagement with the world and public matters”.
149
Aludir a ação direta e luta institucional pela perspectiva da TAR implicou em repensar
a cidade e o planejamento. O relato e os diagramas oportunizaram aos atores
envolvidos expressar as ações, associações e os múltiplos pontos de vista sobre
nosso mundo comum; e, a partir de então, repensar outros caminhos frente à
heteronomia do Poder Público, como a participação. Um possível começo consiste
em revelar os vínculos, seja para combatê-los, transforma-los, ou então, para
requalificá-los, intensifica-los; como também em reconhecer e valorizar as práticas e
conhecimentos dos moradores das áreas de ressaca.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Leidiene Souza de; CHAGAS, Clay Anderson Nunes; RAMOS, Edson
Marcos Leal Soares. Local territorial agents and lethal violent crimes, Macapá-Brazil.
Mercator (Fortaleza) [online]. 2018, vol.17, e17005. Disponível em:
http://www.mercator.ufc.br/mercator/article/view/Rm2018e17005. Acessado em: julho
2018.
________. Lei nº. 0835, de 27 de maio de 2004. Dispõe sobre a ocupação urbana e
Peri urbana, reordenamento territorial, uso econômico e gestão ambiental das áreas
de ressaca e várzeas localizadas no Estado do Amapá e dá outras providências. Diário
Oficial [do] Estado do Amapá, Macapá, n. 3286, 27 mai. 2004.
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159
Nome:
Cidade de nascimento:
Tempo de moradia:
Onde morava antes:
Motivo da mudança:
2. HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO
3. HABITAÇÃO
Como você adquiriu sua habitação? (como soube desse lugar?)
Sua habitação é própria ou alugada?
(Própria) Houve mudanças na habitação? (Como era? Como mudou? Pretende
ampliar?)
(Alugada) Você conhece o proprietário? Ele mora aqui?
Como o terreno foi delimitado? (Como era antes? Como mudou? Qual o tamanho?)
Sempre houve portões (Como era antes? Como mudou?)
Como é o serviço de correspondência? Como era?
4. INFRAESTRUTURA E SANEAMENTO
Como era a passarela quando veio morar aqui? (Já existia? Como a usavam?)
Como construíram a passarela? Como mudou? Qual papel de cada participante?
Quais foram as dificuldades e facilidades de construí-la?
Vocês fazem algum tipo de manutenção na passarela (quando, como?)
Quais os materiais e ferramentas usados? Onde compraram o material?
Recursos financeiros necessários (caso haja abaixo assinado, rifa, doação). Como
ocorreu? Qual papel de cada participante? Como tomaram as decisões?
Sabe se a prefeitura já fez a passarela? Qual parte foi feita? Quando? Como?
Sua casa é abastecida por rede de água energia elétrica e iluminação)? Como era
antes? Quando e como mudou?
(Moradores) Quem fez? Qual o papel de cada participante?
Quais materiais e ferramentas utilizados? Como conseguiram o material?
Houve dificuldades e facilidades?
(Prefeitura) Quando foi feito? Pagam taxa?
Há coleta de lixo? Como funciona? Como era antes? Como vocês faziam?
Há problemas na época de chuva? Como era antes? Quando e como mudou? O que
é feito?
160
5. PODER PÚBLICO
6. PERCEPÇÃO
Como você vê a infraestrutura feita por vocês? Como você vê a infraestrutura feita pela
prefeitura?
Teria outra solução?
Você sabia que outras passarelas foram feitas pela prefeitura? Por que você acha que
não fizeram essa?
Existem outras passarelas com energia pela CEA? Por quê?
Existe alguém ou alguma instituição que você saiba atuando para ajudar a
comunidade? O que eles fazem? O que você acha disso?
Como você acha que será a ocupação no futuro?
Trabalho:
Escola:
Onde faz as compras para a casa? Como é a entrega de produtos?
Onde sai para passear?
Frequenta os espaços públicos do bairro? Quais?
Transporte?
Práticas religiosas?
Participação política?
Costuma caminhar em toda passarela? Costuma ir em outras passarelas?
Idade:
Educação:
Luana Rocha de Souza
Volume 2
Belo Horizonte
Escola de Arquitetura da UFMG
2019
Luana Rocha de Souza
Belo Horizonte
2019
FICHA CATALOGRÁFICA
CDD 720.103
RESUMO DO ATLAS
LISTA DE FIGURAS
SUMÁRIO
Fotografia 206
Mídia 246
Glossário de actantes
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 171
HUMANOS:
terreno pra nós aí ele, ele nos deram. Ai a gente foi construindo devagar e aí tá aí essa casa
aí”. Mora em área de terra firme na av. Netuno.
MORADOR(A) MARCOS: morava no bairro Novo Buritizal, mudou-se quando casou e foi
morar na casa da esposa. Sua esposa, como Joaquim, comprou a casa em que vive. Quan-
do ele chegou, a casa era menor, ela a estava ampliando e era de madeira. Hoje a área já
está aterrada e a casa é de alvenaria.
MORADOR(A) MARIA: passou um período curto em Macapá, voltou para sua cidade natal,
Afuá, e depois retornou definitivamente com o irmão em 1996. Mudou-se, pois a situação
financeira estava difícil. Desde então vive na décima passarela.
MORADOR(A) MARIANA: saiu do Pará em busca de trabalho, chegou em Macapá há 7 anos
e sempre morou na décima avenida. Antes morava de aluguel em uma casa pequena com
mais 23 pessoas da família. Até que em 2017 comprou o terreno com a casa pelo valor de
2000 reais. A casa é pequena (cerca de 4 x 2,5 m), está ampliando lentamente, dependendo
de suas condições financeiras. Possui animais em casa, como cachorro, gato e papagaio. O
restante de sua família quer vir do interior, pois lá é ainda mais difícil de conseguir emprego.
MORADOR(A) NATÁLIA: proveniente do Pará, mudou-se com a família a procura de empre-
go. Ficaram 3 anos morando em casa de amigos, até que souberam de uma invasão que es-
tava tendo em outro bairro e foram também. Em seguida foram removidos, ficaram um tempo
na rua – a mídia chegou a filma-los –, até que ganharam um lote em um loteamento recém
feito pelo poder público. Construíram uma casa, porém, seus filhos estudavam no Congós
e não havia ônibus, tinham que ir a pé. Então ela resolveu trocar de casa e está há 16 anos
morando na décima dos Congós.
MORADOR(A) ROSANA: macapaense, com 48 anos. Há 20 anos atrás, ela desejava sair de
sua antiga habitação, pois havia se separado do marido; por sua vez, sua prima queria se
mudar, pois não estava se adaptando a essa passarela. A negociação foi mediada pela irmã.
Em sua casa há uma estreita varanda na frente e outra grande atrás com lonas para proteger
do sol. Atrás possui o banheiro cimentado, a cozinha, uma grande mesa, um espaço para
seus animais e portões com acesso às casas das filhas.
MORADOR(A) SUZANA: morava em uma casa em área de terra firme no final dos Congós,
ela vendeu e comprou sua atual residência por causa da segurança e da tranquilidade – ha-
via uma grande mangueira na frente de casa e os adolescentes e crianças viviam tirando
manga, o que a incomodava profundamente, não tinha sossego. Nascida em Breves (PA),
migrou com a família para Macapá quando adolescente.
MORADOR(A) VITOR: macapaense, jovem, evangélico, mora na casa desde 2017, mas
sempre morou no bairro do Congós. Já morou em 10 avenidas do bairro. Ele é a esposa
compraram um lote e estão construindo uma casa no beco da décima passarela.
RIBEIRINHO: 1. “... a população constituinte que possui um modo de vida peculiar que a dis-
tingue das demais populações do meio rural ou urbano, que possui sua cosmovisão marcada
pela presença do rio. Para estas populações, o rio não é apenas um elemento do cenário ou
paisagem, mas algo constitutivo do modo de ser e viver do homem” (SILVA e SOUZA FILHO,
2002, p. 27). 2. Vivem “[...] em agrupamentos comunitários com várias famílias, localizados,
como o próprio termo sugere, ao longo dos rios e seus tributários” (CHAVES, 2001, p. 78).
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 173
INSTITUIÇÕES
NÃO-HUMANOS (E HIBRIDOS)
armazenar a água, mas esta não circula) ou aquífugo (impermeável, não armazena, nem
transmite a água).
RESSACA: designa um ecossistema típico do Amapá, que “constituem sistemas físicos flu¬-
viais colmatados, drenados por água doce e ligadas a um curso principal d’água, influencia¬-
dos fortemente pela pluviosidade e possuindo vegetação herbácea” (TAKYAMA, 2012, p.17).
RESSACA DO CONGÓS: Também denominada por Ressaca do Beirol. Situa-se a sudoeste
da capital e está incorporada à Bacia do Igarapé da Fortaleza. Sua área abrange 1.854.750m².
A ressaca se estende em cinco bairros, a saber, Congós, Muca, Universidade, Jardim Marco
Zero e Buritizal (MAPA 2).
RIBEIRINHO: 1. “... a população constituinte que possui um modo de vida peculiar que a dis¬-
tingue das demais populações do meio rural ou urbano, que possui sua cosmovisão marcada
pela presença do rio. Para estas populações, o rio não é apenas um elemento do cenário ou
paisagem, mas algo constitutivo do modo de ser e viver do homem” (SILVA e SOUZA FILHO,
2002, p. 27). 2. Vivem “[...] em agrupamentos comunitários com várias famílias, localizados,
como o próprio termo sugere, ao longo dos rios e seus tributários” (CHAVES, 2001, p. 78).
RIO AMAZONAS: Localiza-se na América do Sul. É um dos maiores rios do mundo. Em sua
foz, encontra-se a cidade de Macapá.
SEMENTE DE AÇAÍ: natural do norte do Brasil, o açaí é uma fruta típica da palmeira açaizei-
ro. Seu fruto é uma semente de cor roxa, semelhante a jabuticaba. É um importante alimento
no norte do país, consumido como suco ou pirão (onde adicionam farinha de mandioca).
SERRADAL: Vegetação que havia na ressaca (Maria).
TÁBUA: 1. Madeira usada “normalmente” nas paredes e assoalhos das casas (Carla). 2.
Usadas para construir a passagem da passarela.
TARUGO: 1. Comprimento de 2,30 a 2,5m. difícil de encontrar com 3m. Muito usado na es-
trutura para fincar casa e passarela. O tarugo desce mais no solo pois é mais fino, já o esteio
precisa fazer uma ponta e bater até onde vai, até o solo ficar duro; 2. “O tarugo é menor
que o esteio”, mais fino, mais barato, é o apoio que fica ao lado. Vende no Canal das Pedri-
nhas. (MARCOS); 3. Possui secção redonda. Na construção, “o esteio vai segurar uma parte
maior, os tarugo vem pra fazer o apoio para não deixar que o frechal arrie” (VÍTOR).
TERRITÓRIO DO AMAPÁ: o Amapá fazia parte do estado do Pará, em 1943 foi desmembra-
do e tornou-se território Federal pelo Decreto-lei n. 5.812. Permaneceu nessa condição até
1988, quando foi transformado em Estado.
VALA: Escavação linear, no caso das áreas aterradas, os moradores a fazem para escoa-
mento das águas pluviais, pode ser de cimento ou madeira.
ZONEAMENTO ECOLÓGICO ECONÔMICO URBANO DE MACAPÁ E SANTANA (ZEEU):
produzido em 2012, com objetivo de mapear e zonear as ocupações nas ressacas de ambas
as cidades e definir proibições, cenários desejados, práticas toleradas e incentivos (TAKYA-
MA et al., 2012).
178 Mapa mental
Mapa mental
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 179
Guiana
Francesa
nas
azo
Am
Rio
Pará
N
Legenda
Centro
Legenda
Congós
Buritizal
Pedrinhas
Elesbão
Início da
ocupação
Burit
Novo B
uritizal
Congós
Muca
Início da
ocupação
Univers
idade Jardim
Marco
Zero
Mapa 17 – Sentido do início da ocupação na décima passarela
Fonte: a autora, 2018.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 197
Beco 1
Beco 2 Beco final
Passagem
da décima
Linha do tempo
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 203
1930 1960 1970 1980 1990 2000 2010
Decreto nº 23.793/34 Decreto nº 4.771/65 Lei nº 6838/81 Lei nº 9.433/97 Decreto nº 9984/00 Lei nº 12.651/2002
Código florestal Novo Política Nacional de Política Nacional Implementação Novo código
código florestal Meio Ambiente de recursos hídricos da PNRH florestal
Esfera Federal
`Decreto nº 24.643/34 Lei nº 6.776/79 Constituição 1988 Lei nº 9.605/98 Decreto nº 3.179/99
Parcelamento do Constituição Lei de crimes Especifica a lei de
Código de águas
solo Federal ambientais crimes ambientais
Decreto nº 0304/91
Regulamentou a
criação da
CEMA
Criação do Estado
do Amapá
Criação do Estado
do Amapá
Lei complementar
nº 030/04
Parcelamento
do solo
Fotografias
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 207
Rio Amazonas
Sétima Avenida
ou Av. Bem-Hur Corrêa
Alves
Décima Avenida
ou Av. Fernando Tor-
quarto de Araújo
Fotografia 2 - Foto aérea da ressaca do Congós
Fonte: Leonel Albuquerque, 2018.
208 Fotografia
Buriti
Aninga
Fotografia 4 - Vegetação da
Lagoa dos Índios
Fonte: Maksuel Martins, 2018.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 209
6
7 5 Passarela principal
Braço
Beco
Passarela privada
210 Fotografia
Fotografia 17 - Beco 1
Fonte: a autora, 2018.
18
17
19
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 215
Fotografia 24 - Canos
Fonte: a autora, 2018.
Fotografia 26 - Canos
Fonte: a autora, 2018.
218 Fotografia
CASP
222 Fotografia
Fotografia 39 - Gabarito
Fonte: a autora, 2017.
224 Diagrama ator-rede
Diagrama ator-rede
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 225
Os diagramas foram feitos a partir do software Ghepi (versão 0.9.2.). Nele, os nós foram distribuí-
Compelo
dos o software Ghepi
algoritmo (versão
“Yifan 0.9.2) os nós foram
Hu proporcional”, distribuídos
pois “esse tipo de pelo algoritmo
distribuição “Yifan os
arruma Hunós,
proporcional”,
de modo
ele distribui os nós de forma homogênea, a partir da dimensão das arestas ou proximidade
homogêneo, a partir do tamanho das arestas ou proximidade de relações criando uma centralida- de
de de conexões”
relações formando(CECCO, BERNARDI,
uma centralidade 2015, p .8).
de conexões (CECCO, BERNARDI, 2015).
Sobre os diagramas:
A linha tracejada une as ações, o que não indica sequência, mas apenas que estão inter-
conectadas;
Cada círculo (nó) representa uma actante (humano ou não-humano) ou uma situação.
A separação entre humanos, não-humanos e situação está representada por distintas cores.
Vale salientar que valores, conceitos, sentimentos e ideias também são não-humanos, mas
optamos por deixá-los com uma cor diferenciada para enfatiza-los.
Cada vértice (linha cinza) representa uma associação (vínculo) entre elementos.
Entre um diagrama e outro, existem nós com distintos tamanhos. Em nossa pesquisa, isso não
representa a intensidade de conexão dos actantes (quanto mais conectado, maior o nó), mas
apenas uma questão de escala e layout.
Conexão
entre grupos
Grupo
Mais conectados
Sobre a disposição dos actantes, os nós tornam-se mais
próximos quanto mais conectados entre si, e quanto menos
conectados, mais distantes se tornam.
Menos conectado
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 227
1 Acessibilidade 2
Trabalhadores
Passarela
Produção de renda
Morador
Acessibilidade
Mídia
...
5 - Em distribuição: escolha do
6 algoritmo Yifan Hu proporcial
6 - Em aparência: edição de
cores e dimensões
5
7 7 - Em configurações de
visualização: ajustes para
exportação.
8 - Atualização para visualização
e, em seguida, utilização do
botão exportação PDF.
8
228 Diagrama ator-rede
Início
Iníciodadaocupação:
ocupação: invadir
invadir
Limpar terreno
Abrir espaço
Tudo era lago
Fogo
Serradal
Construir passarela
Invadir
Lago
Mato verde Rua Comércio de madeira
Caminhar
Morador Casinha
Lona Ferramentas
Passarela estreita Tarugo
Morador Cuidado
Duas tábuas
Início da ocupação:
Início inexistência
da ocupação: inexistênciadedeinfraestrutura
infraestrutura
Velas Escuridão
Eletrodomésticos
Água Coleta
Morador
Solidariedade
Balde
Custo
Rua
Poço
Prefeitura: não fazer infraestrutura Água
Passarela
Grupos: Casas Lote
Área de proteção Necessidade
Grátis
x Moradores
Ocupação informal Ocupação informal Vizinhos Solidariedade
Ressaca
Proteção
Legislação
Federal
Não-humanos
Diagrama ator-rede 2 - Viver sem infraestrutura Humanos conceitos
Fonte: a autora, 2018. Situação Associação
230 Diagrama ator-rede
Antiga
Técnicos passarela
Secretarias Custo
Remuneração Eleição
Prefeitura Ferramentas
Mão-de-obra Material
Medição
técnicos Temporário
Mutirão
Moradores
Orçamento menor
Biodegradável
Maior metragem
Eleições
Madeira
Legitimação
Técnicos
Ocupação
Evitar deterioração: diminuir velocidade de motos
Grupos:
Moradores com
moto Barreiras físicas Madeira
x
Moradores sem
moto
Manutenção da passarela
Materiais Acessibilidade
Passarela Descrédito ao
deteriorada poder público
Água Conhecimento
Conscientização Acessibilidade
Rifa comunitária
Moradores
com moto Moradores
sem moto Planejamento Apoiadores
Moradores Festa
Lanche
Ampliar passarela
Passarela Moradores
Necessidades
Valores, ideias,
Legenda
Não-humanos
Diagrama ator-rede 4 - Práticas em torno da passarela Humanos conceitos
Fonte: a autora, 2018. Situação Associação
232 Diagrama ator-rede
Aumentar terreno
Passagem
Moradores detrás
Passagem
Av. Netuno Acesso
Beco 2
Construir rede
Água
Necessidade
Fios
Ampliar rede
Eletrodomésticos
Necessidade
Moradores Poste de energia
Poste
Eletrodoméstico
Casa nova
Desejo
Fazer manutenção da rede
Queda de energia
Poste velho
Fio velho
Moradores
Rede pré-existente
Fios novos
Queima de eletrodoméstico
Não deixar pegar fogo
Fiação baixa
Vento forte
Homens
Funcionalidade
Casa
Vizinhos unidos
Água
Madeira
Medo
Moradores Fogo
Não-humanos
energia Humanos conceitos
Fonte: a autora, 2018. Situação Associação
234 Diagrama ator-rede
x
Risco de
Rede formal De graça pegar fogo
10ª passarela
Moradores
moradores
Custo
Qualidade
Poste bonito
Autoconstruir iluminação
Elevado custo
Desinteresse
Refletor
poste
Dever da CEA
Segurança
Morador
Refletor
Poste
Prefeitura
Construir rede
Moradores
Caixa de água
Necessidades
Manter
Rede pré-existente
Cano quebrado
Carro
Usar redes alternativa e CAESA/autoconstruída
Grupos:
Rede alternativa
x
Rede Necessidades
Moradores
CAESA/autoconstruída
Morador
Bom serviço
Água
Caixa de água
Rede CAESA/autoconstruída
Pouca vazão
Não-humanos
água Humanos conceitos
Fonte: a autora, 2018. Situação Associação
236 Diagrama ator-rede
Recolher lixo
Grupos:
Moradores
e Moradores
Agente de saúde Local para pendurar lixo
pública
Passarela principal
Lixo
Carro do lixo
Morador
Risco de doença
Inundação Casa
Minimizar a poluição
Grupos:
Insetos Contato com a água
Moradores com
mutirão;
Instituições com Doenças Dejetos
educação ambiental
SEMA
Cartilha
SEMUR
Universidade
Moradores Educação ambiental
Mutirão
Leonardo
Capinagem
Lixo ZEEU
Limpeza
Terreno Morador
delimitado
Aterrar
Rua Querer
terra firme
Destruir passarela
Passarela
Aterro
Morador
Aterro
Rua
Fiscalização
Ponte velha
Cabeça de ponte
SEMAM
Legislação
Proteção ambiental
Valores, ideias,
Legenda
Não-humanos
Diagrama ator-rede 10 - Práticas em torno do aterro Humanos conceitos
Fonte: a autora, 2018. Situação Associação
238 Diagrama ator-rede
Seca
Práticas em torno do transbordamento das águas
Grupos:
morador Antrópico
Manilha
Lixo
x
Natural
Impermeabilização
Aterro
Ressaca Alagamento
Solo ZEEU
Cheia Cheias
Quintal
Aterro
Bananeira
Água
Varanda
Morador
morador
horta
Inundação
Palafitas
Impossível
Moradores
Natural resolver
Lago Normal
Casas baixas
Projeto/recurso
Moradores
Abaixo-assinado
Secsub
Morador organizador Ir na secretaria
Alguma secretaria
Informação
Melhoria
Morador
Ir na mídia Secretaria Passarela
Passarela
Burocracia
Repórter
Moradores
Matéria de jornal
Espectadores
Valores, ideias,
Legenda
Não-humanos
Diagrama ator-rede 12 - Lutas via instituição Humanos conceitos
Fonte: a autora, 2018. Situação Associação
240 Diagrama ator-rede
Práticas
CASPdo CASP
Moradora beneficiada
Mutirão Passarela
Habitação
Materiais
infraestrutura
Parlamentar
Rua
Moradores
Diretoria
Reunião
CASP
Crianças
Espiritualização
Pastoral da criança
Solidariedade
Saúde
Diretora
Horto
Infraestruturas e serviços
Escola
NRDC
Secretarias
Bairro reunião
Associação de bairro
●Atividades culturais;
Mais relacionado:
●Construção de habitação
●Reunião no CASP
●Atividades de sáude
Valores, ideias,
Legenda
Não-humanos ●Espiritualização
Humanos conceitos
●Horto na escola
Situação Associação
●Reunião em secretaria
Diagrama ator-rede 13 - CASP
Fonte: a autora, 2018.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 241
NRDC
Práticas do NRDC
Mídia
Associação de bairro
Secretaria
Infraestruturas
Reunião e serviços
Líder
Poder público
Obras
Diretora do CASP
Rotary club
Fiscalização
Horta
Parlamentares
Necessidades
NRDC SEMSA
Cursos
Moradores do bairro Assistência social e saúde
Faculdade
Farmácia
Doações eAtividades
mutirões culturais
SEMUR
Situações que constam no
diagrama
Congós100%paz
Criminalidade ●Atividades culturais;
●Construção de habitação
Parlamentar ●Reunião no CASP
●Atividades de sáude
Jornalista ●Espiritualização
Policia
●Horto na escola
●Reunião em secretaria
Práticas da Associação
Associação de bairro de bairro
Infraestrutura
Bairro NRDC
Parlamentares
Reunião
Moradores Serviços
CASP
Líder
Secretarias
Plenária
Escola
Associação de bairro
Deputado
Emenda parlamentar
Calha-Norte Recurso
Passarela
Levantamento físico
das passarelas
SECSUB
Abaixo-assinado
Moradores
Falta de acessibilidade PLANURB
Técnicos da visita
Parâmetros técnicos
Passarela
Líder comunitário Ferramentas
Acessibilidade
Projeto arquitetônico
das passarelas
Relatórios NBR
SEMPLA PLANURB Ferramentas Projeto Planilhas
desenho padrão
Técnicos
Projeto
Tempo
Madeira
Memorial Justificativo
Universidade
Qualidade de vida
Elevada quant. Moradores
Diagrama ator-rede 15 - Passarelas subsidiadas por emenda parlamentar: projeto
Fonte: a autora, 2018.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 243
Licenciamento ambiental
ZEEU
Ressaca PDDUAM lei n. 0835/04
em consolidação
Reassentar
Área de preservação
Aprovação
Calha Norte
SEMPLA
Valores, ideias,
Legenda
Não-humanos
Humanos conceitos
Situação Associação
Carro de mão
Construção das
passarelas
Trabalho
Morador/vendedor
FornecedorConstrutora
Orçamento
Ferramentas
Materiais
Projeto
Facilidade
Trabalhadores de policiamento
Líder comunitário
Moradores
Falta de
acessibilidade
Mídia
SECSUB
Lista das passarelas
Abaixo-assinado Whatsapp
Divulgação durante
a construção
Passarela
Trabalhadores
Morador
Mídia
Produção de renda
Acessibilidade
Parlamentares
Sites Cidadania
IBAMAMadeira apreendida Vídeo
Passarelas privadas
Líder comunitário
quintal
Moradores
Após
Após aaconstrução
construção
das passarelas
das passarelas
Moto
MotoMoradoresManeiradecorreta
andar
Maneira correta
de andar
Moradores Cidadania
Cidadania Placa
Moradores
Placa
Parlamentar
Moradores
Passarelas não Falta de acessibilidade
construídas
Parlamentar
Passarelas construídas
Passarelas não Falta de acessibilidade
construídas
Passarelas construídas
Mídia
Morador
Acessibilidade Parlamentares
Mídia Produção de renda
Morador
Trabalhadores
Acessibilidade Parlamentares
Produção de renda
Trabalhadores
Valores, ideias,
Legenda
Não-humanos
Humanos conceitos
Situação Associação
Mídia
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 247
O bairro foi criado na década de 1990, depois de ter parte da área invadida. Apesar de ser
cercado por áreas de ressacas (ocupadas irregularmente), o bairro tem boa infraestrutura:
com escolas, posto de saúde, arena poliesportiva, CIOSP (Centro Integrado de Operações em
Segurança Pública) e partes das avenidas asfaltadas.
O nome “Congós” faz referência ao antigo dono do lugar, Benedito Lino do Carmo, conhecido
popularmente como “Seu Congó”. Descendente de escravos, Seu Congó morou por muito
tempo no bairro, onde vivia da agricultura e criação de gado. Elísia Congó (neta legítima) reve-
la um pouco desta história: “Lá, o bairro hoje que é dos Congós, o nome dele era Araçás e fazia
divisa com a Fazendinha, aquela área todinha era do vô Congó e ele cedia para as pessoas
fazerem roça... e tinha a criação de gado”.
Quem também chegou no bairro para morar com a família foi Dona Marizete Santos. Ela lem-
bra como eram as coisas, antes das mudanças feitas, e vem acompanhando há 29 anos:” só
mato e só tinham duas casas. Aqui tinha a fazenda do Seu Alípio e a do Seu Moraes. Tinha
muita roça de mandioca, mucajazeiro e o campo, somente isso. Foram tendo as invasões,
criando caminhos e assim a direção das ruas.”
Nadison Siqueira, há 15 anos reside no bairro, e recorda das dificuldades de antes e apela
para que os trabalhos de melhorias, em todo o bairro, continuem: “Tinha muita dificuldade; ôni-
bus não entrava; a sétima avenida, ela não tinha asfalto; eram poucas avenidas com asfalto,
era só a principal. Hoje o bairro mudou muito, a maioria das avenidas já estão asfaltadas e
Na sede da Associação do Bairro, os moradores se reúnem para falar dos problemas que são
muitos, mesmo com as mudanças já ocorridas em parte da infraestrutura do bairro.
Com a ocupação das áreas de ressacas existentes no bairro um dos maiores problemas en-
frentados são as passarelas. A maioria estão danificadas e precisando de reformas. Caminhar
pelas pontes se tornou perigo constante.
Para retirar parte das pessoas que moram nessas áreas o Governo do Estado em parceria
com o Governo Federal está construindo um conjunto habitacional para atender 392 famílias.
Enquanto a obra não é concluída e com as passarelas quebradas seu Aristeu, que é cadeiran-
te, tem que fazer um grande esforço para sair e entrar em casa. “Já fiz um abaixo assinado pra
fazer essa ponte aí... só fazem prometer e a minha situação aqui é muito precária como vocês
viram agora, pra mim sair todo dia os vizinhos me empurram, quando eu chego eles me tornam
a passar pelos buracos. Não tem condição, já fizemos umas duas matérias aqui e nada, só
promete que vem fazer as pontes e não vem fazer [...]” [relato de Aristeu].
“[...] O Bairro do Congós é cercado por passarelas e quase 40% da população mora na área de
ressaca e, como há muito tempo não houve reforma nestas passarelas, hoje os moradores têm
dificuldades de se deslocar para seus trabalhos, escola e tem dificuldades também para idosos
e cadeirantes. [...]” (Relato de Raimundo Nonato - Presidente da Associação de Moradores do
Bairro Congós)
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 249
Apesar das dificuldades vividas pelos moradores do Congós, o bairro abriga um importante
trabalho social desenvolvido com jovens. Se Nelson dos Anjos mantem uma academia de boxe
para tirar jovens da situação de risco social. “Eu não tinha dinheiro e resolvi fazer atrás da mi-
nha casa, daí comecei a resgatar os garotos da rua e botar para treinar. Aí o negócio foi dando
certo e até hoje taí o trabalho. Eu me sinto muito feliz porque trabalhando com essas crianças
dou oportunidades que muita gente não dá. Aqui falamos de disciplina [...] eles têm que entrar
nesse padrão aí de treinamento e de disciplina também” (Relato de Nelson dos Anjos).
O Bairro Congós tem suas dificuldades, peculiaridades e sua história. Histórias de gente sim-
ples, humildes, trabalhadoras... alimentando a esperança de dias melhores.
Como acontece todas as sextas-feiras reunimos moradores e autoridades para discutir sobre
alguns desses problemas. Graças ao quadro, diante de nossa câmera e dos moradores, o
governo do estado e a prefeitura de Macapá, assumiram o compromisso de trabalhar para
recuperar os 16 km de passarela.
Diagrama cosmos
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 255
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