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Luana Rocha de Souza

CARTOGRAFIA DAS CONTROVÉRSIAS:


ENTRE AÇÃO DIRETA E LUTA INSTITUCIONAL NA
PRODUÇÃO DE UMA OCUPAÇÃO INFORMAL EM
PALAFITAS NA CIDADE DE MACAPÁ (AP)

Volume 1

Belo Horizonte
Escola de Arquitetura da UFMG
2019
Luana Rocha de Souza

CARTOGRAFIA DAS CONTROVÉRSIAS:


Entre ação direta e luta institucional na produção de uma ocupação informal
em palafitas na cidade de Macapá (AP)

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado


em Arquitetura e Urbanismo da Escola de
Arquitetura da Universidade Federal de Minas
Gerais, como requisito parcial para à obtenção
do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.

Área de concentração: Teoria, produção e


experiência do espaço

Orientador: Prof. Dr. Frederico Canuto

Belo Horizonte
2019
FICHA CATALOGRÁFICA

S719c Souza, Luana Rocha de.


Cartografia das controvérsias [manuscrito]: entre ação direta e luta
institucional na produção de uma ocupação informal em palafitas na cidade
de Macapá (AP) / Luana Rocha de Souza. – 2019.
2 v.: il.

Orientador: Frederico Canuto.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Escola


de Arquitetura.

1. Espaço urbano - Teses. 2. Teoria ator-rede – Teses. 3. Arquitetura –


Aspectos sociais – Teses. I. Canuto, Frederico. II. Universidade Federal de
Minas Gerais. Escola de Arquitetura. III. Título.

CDD 720.103

Ficha catalográfica: Biblioteca Raffaello Berti, Escola de Arquitetura/UFMG


AGRADECIMENTOS

À Deus, sou grata por todas as bênçãos que tem concedido em minha vida;

Aos meu pais, pelo apoio emocional e por sempre terem acreditado em mim;

Ao Prof. Frederico Canuto, agradeço não somente por ter sido meu orientador no mestrado,
mas também por todo aprendizado e apoio durante essa jornada. Amadureci muito com suas
orientações;

Às minhas amigas do NPGAU, em especial à Marina e à Débora, que me acolheram e


minimizaram as saudades de casa;

Ao meu amigo de infância Rodrigo, pela cumplicidade e auxílios;

Ao Jodival, pelos ensinamentos e apoios;

Aos professores no NPGAU e colegas do curso, por terem me mostrado outras maneiras de
pesquisar, pelos debates enriquecedores, dentro e fora da sala de aula;

À CAPES e à Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, pelo apoio


financeiro e infraestrutural que me oportunizou morar em Belo Horizonte e possibilitou a
elaboração desta pesquisa.
RESUMO

Macapá, capital do estado do Amapá, localiza-se à beira do Rio Amazonas e possui


seu perímetro urbano permeado por áreas úmidas, localmente denominadas de
“ressacas”. As ressacas são áreas ambientalmente protegidas, mas, frequentemente,
sofrem pressão por ocupação informal por parte da população. Sua espacialização
dá-se mediante construções em palafitas e passarelas em madeiras, localizadas
acima do nível da água. De 398.204 habitantes, ao menos 63 mil vivem nessas áreas
(IBGE, 2010). Frente a isso, o Poder Público atua de forma conflitante, seja por meio
da omissão, proibição das ocupações, urbanizações pontuais ou realização de
reassentamento. Tendo isso em vista, o objetivo da presente pesquisa consiste em
descrever as práticas e relações sociotécnicas entre ação direta e luta institucional na
produção da ocupação informal na ressaca do Congós. A ação direta aponta para
práticas de autoconstrução dos moradores e líderes comunitários, já a via institucional
focaliza em suas lutas perante o Poder Público. Ao investigarmos as práticas
sociotécnicas, utilizamos o método da cartografia das controvérsias de Bruno Latour
(2012), pois compreendemos os elementos humanos e não-humanos de forma
indissociável. Com essa pesquisa acadêmica, almejamos oportunizar que os atores
envolvidos expressem seus pontos de vista sobre nosso mundo comum e, a partir
disso, repensarmos outros caminhos frente à heteronomia do Poder Público, de onde
um possível começo consiste em reconhecer e valorizar as práticas e conhecimentos
dos moradores. Pretendemos, também, contribuir às investigações sobre produção
do espaço urbano que evidenciem associações entre atores heterogêneos.

Palavras-chave: Teoria Ator-rede. Palafita. Ação direta. Luta institucional.


ABSTRACT

Macapá, capital of the state of Amapá, it is located on the banks of the Amazon River
and has its urban perimeter permeated by wetland, locally called "ressacas". Ressacas
are environmentally protected areas, but usually, they are under pressure from
informal occupation by the population. Its spatialization occurs through stilts houses
and wooden walkways, located above water level. Of 398,204 inhabitants, at least 63
thousand live in these areas (IBGE, 2010). Faced with this, the public power acts in a
conflicting way, either through omission, prohibition of occupations, punctual
urbanization or resettlement. With this in mind, the objective of this research is to
describe the practices and sociotechnical relations between direct action and
institutional struggle in the production of informal occupation in the ressaca area of the
district of Congós. The direct action indicate to self-production practices of the
residents and community leaders, and the institutional path, focuses on their struggles
before the Public Power. When investigating sociotechnical practices, we use Bruno
Latour's method (2012) of cartography of controversies, since we understand human
and non-human elements in an inseparable way. With this academic research, we aim
to make it possible for the actors involved to express their views on our common world
and, from this, to rethink other paths against the heteronomy of public power, where a
possible beginning is to recognize and value practices and knowledge of the residents.
We also intend to contribute to the research on the production of urban space that
emphasizes associations between heterogeneous actors.

Keywords: Actor-Network Theory. Stilts. Direct action. Institutional struggle.


LISTA DE TABELAS E QUADROS

Tabela 01. Crescimento populacional na cidade de Macapá e no Amapá............54

Quadro 01. Microssituações na delimitação entre lote, casa e passarela.............78


LISTA DE SIGLAS

CAESA - Companhia de água e esgoto do Amapá


CASP - Centro de Atividades Sociais na Periferia
CEA - Companhia de energia elétrica do Amapá
HIS – Habitação de interesse social
MP - Ministério público
NRDC - Núcleo Rotariano de Desenvolvimento Comunitário
PDDUAM - Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Macapá
PLANURB - Instituto de Planejamento Urbano
SECSUB - Secretaria das Subprefeituras
SEMA - Secretaria Estadual do Meio Ambiente
SEMAM -Secretaria Municipal do Meio Ambiente
SEMOB - Secretaria municipal de obras e infraestrutura urbana
SEMPLA - Secretaria municipal de planejamento e orçamento geral
SEMUR - Secretaria municipal de Manutenção Urbanística
ZEEU - Zoneamento Ecológico Econômico de Macapá e Santana
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .....................................................................................................11

CAPÍTULO 1. RECORTE TEÓRICO-METODOLÓGICO .....................................21


1.1. Espaço situacional em Lussault ............................................................22
1.2. Cartografando controvérsias em estudos urbanos ..............................27
1.3. Modos de fazer a pesquisa .....................................................................34

CAPÍTULO 2. AS OCUPAÇÕES INFORMAIS NAS RESSACAS DE MACAPÁ E NA


RESSACA DO CONGÓS .....................................................................................46
2.1. Panorama das ocupações nas ressacas de Macapá ............................47
2.1.1. Legislação pertinente às ressacas .............................................................48
2.1.2. Delimitações terminológicas ......................................................................51
2.1.3. Histórico das ocupações informais ............................................................52
2.1.4. Planos diretores ........................................................................................55
2.1.5. Intervenções do Poder Púbico: proibir, controlar, reassentar e urbanizar ..58

2.2. A ocupação na ressaca do Congós .......................................................63


2.2.1. Início da ocupação: limpar terreno e invadir ..............................................66
2.2.2. Aproveitando-se da omissão: autoconstruir passarela e habitação; viver
sem infraestrutura .....................................................................................68

CAPÍTULO 3. A CONSOLIDAÇÃO DA OCUPAÇÃO INFORMAL NA RESSACA DO


CONGÓS .............................................................................................................73
3.1. Actantes em autoconstrução .................................................................75
3.1.1. Seguir passarelas e criar becos.................................................................75
3.1.2. Para existência de redes de energia e de água e coleta de lixo ................88
3.1.3. Construir terra sob os pés .........................................................................97
3.2. A água como actante: sazonalidades e mudanças ...............................101
3.3. Lutas institucionais .................................................................................105
3.4. Entrada de líderes comunitários ............................................................108
3.5. Práticas recentíssimas do poder público na ressaca ...........................114
3.5.1. Emenda parlamentar .................................................................................115
3.5.2. Regularização fundiária .............................................................................124
CAPÍTULO 4 – DELINEAMENTOS ......................................................................129
4.1. (Des)articulações: moradores, líderes comunitários e poder público 130
4.2. A ocupação com a ressaca .....................................................................133
4.2.1. Diversos de pontos de vista.......................................................................134
4.2.2. Delimitação relacional e borda mutável e imprecisa ..................................137
4.2.3. Adequações ..............................................................................................139
4.2.4. Evitar/conviver à criminalidade ..................................................................142
4.3. Ação direta, luta institucional e repensar a política ..............................144
4.4. Considerações finais ..............................................................................149

REFERÊNCIAS ...................................................................................................151
APÊNDICE ..........................................................................................................159
11

INTRODUÇÃO
12

Esta pesquisa insere-se na temática de ocupações informais, com especificidade de


sua localização sobre as águas, em palafitas de madeira. Macapá, capital do estado
do Amapá, localiza-se à beira do Rio Amazonas e apresenta grande parte de seu
perímetro urbano permeado por áreas úmidas 1, regionalmente denominadas de
“ressacas” (MAPA 01, p. 183). Como ecossistema típico do Amapá, “constituem
sistemas físicos fluviais colmatados, drenados por água doce e ligadas a um curso
principal d'água, influenciados fortemente pela pluviosidade e possuindo vegetação
herbácea” (TAKYAMA, 2012, p.17). Essas áreas úmidas são protegidas
ambientalmente por vastas legislações, no entanto sofrem pressão por ocupação
informal por parte da população. O quantitativo populacional que mora em tais áreas
é incerto. De 398.204 habitantes (IBGE, 2010), ao menos 63 mil moradores vivem em
áreas de ressaca (IBGE, 2010). Além disso, estima-se o valor de mais de 80 mil
habitantes, que corresponde a 12% da população, ainda que sem diagnóstico
reconhecido (SCHEIBE, 2018; CARVALHO, 2017). Das 23 áreas de ressaca
existentes no perímetro urbano, 22 sofrem algum processo de antropização. Essas
áreas encontram-se escondidas no cenário central da cidade, ocultas no final de uma
rua estreita, atrás de comércios e residências (SCHEIBE, 2018).

O primeiro contanto que tive com as ocupações informais nas ressacas se deu
mediante os trabalhos acadêmicos enquanto era estudante de arquitetura e
urbanismo pela Universidade Federal do Amapá. No final da graduação, fiz meu
trabalho de conclusão de curso sobre a temática, instigada pelas problemáticas que
seus moradores enfrentam, como precariedade e falta de infraestrutura. O trabalho
objetivou projetar um conjunto habitacional considerando o modo de vida dos
moradores e a inserção urbana das habitações. Esse contato teve importância para
começar a compreender a complexidade da temática.

No início do mestrado, interessava-me compreender as práticas cotidianas dos


moradores ao ocuparem a ressaca e sua relação antagônica com o Poder Público,
por ser área de proteção ambiental. Ainda sem um plano de pesquisa estruturado,
exerci uma aproximação prévia à área de estudo. Esse fato, somado às leituras
bibliográficas e disciplinas cursadas, permitiu a emergência de outras questões e outra
maneira de olhar à ocupação informal. Com isso, observei dois pontos de interesse

1
O termo denota “áreas de pântano, charco, turfa ou água, natural ou artificial, permanente ou
temporária, com água estagnada ou corrente, doce, salobra ou salgada, incluindo áreas de água
marinha, cuja profundidade na maré baixa não exceda seis metros” (Convenção de Ramsar, 1971).
13

que delineiam a pesquisa: a ação direta e a luta institucional. Para o geógrafo Marcelo
Lopes de Souza (2012), a ação direta designa o conjunto de práticas de luta que são,
basicamente, conduzidas apesar ou contra o Estado, isto é, sem vínculo institucional
ou econômico imediato com canais e instâncias estatais (SOUZA, 2012). Nessa
pesquisa, refere-se à prática de autoconstruir. De sua parte, a luta institucional
significa o uso de canais, instâncias e recursos estatais.

As ocupações informais nas ressacas conformam-se pela autoconstrução por seus


moradores. Esse conceito consiste no processo em que os usuários administram os
recursos necessários e tomam as decisões sobre a construção ou reforma. No
processo, não há agentes externos, como prefeitura ou empresas, intermediando a
produção (LOPES, 2015). Sobre as águas ou nas bordas da ressaca, os moradores
autoconstroem suas habitações, passarelas, rede de energia e de água e a terra sob
os pés. Sua espacialização caracteriza-se por construções em palafitas, situadas
acima do nível da água e materializadas, principalmente, em madeira. As casas se
conectam entre si e às ruas de terra firme mediante passarelas de madeira ou
“pontes”. É por meio das passarelas que seus moradores acessam o restante da
cidade, por onde encontram os caminhos para seus afazeres diários. Como nos
mostram as fotografias 1 e 2 (p. 207).

Importa salientar que a autoconstrução é responsável pela maioria de fornecimento


de unidades habitacionais em áreas urbanas na América Latina. No Brasil, representa
cerca de 77% da construção ou reforma de habitações (MORADO NASCIMENTO,
2011). É observada, principalmente, no setor mais pobre da população, concentrado
em ocupações informais.

Durante a aproximação prévia, observei que os moradores também fazem


requerimentos à prefeitura pedindo melhorias espaciais. Por sua vez, o Poder Público
atua de forma conflitante diante da ocupação informal, seja mediante proibição das
ocupações, omissão, urbanizações pontuais ou realização de reassentamento. Em
meio a isso, outros atores se mostraram relevantes à pesquisa, os líderes
comunitários, que se articulam entre os moradores e o Poder Público.

A escolha das disputas (que depois chamaremos de controvérsias) em torno da


ocupação informal na ressaca se deve, pois, as práticas dos atores tornaram-se uma
questão de elevado interesse: é discutida, visível, incerta e controversa. São questões
que mobilizam as entidades que falam sobre o social. Seus debates são quentes,
14

encontrados em meio científico, na mídia, nas ações conflitantes inseridas dentro e a


partir dos grupos de moradores, Poder Público e líderes comunitários.

Grande parte das pesquisas sobre a temática de ocupações informais em Macapá


afirma que a causa de ocupar informalmente é pela necessidade, devido à falta de
acesso ao mercado formal de terras e ineficiência em políticas públicas e
planejamento habitacional (AGUIAR e SILVA, 2003; PORTILHO, 2006; GIRELLI,
2009; CARVALHO, 2015). Por estar atrelada ao setor mais pobre da população, está
comumente associada à precariedade e carência. Outra linha de pesquisa enfatiza o
aspecto cultural (CARVALHO, 2017; CAPORRINO, 2016; ROBACHER, 2013), ao
associarem às moradias em palafitas rurais e seus imigrantes ribeirinhos2.

Por sua vez, no Brasil, o tema sobre ocupações informais e autoconstrução, aponta
para uma crítica pelo enfoque da acumulação capitalista e outra, mais entusiasta,
quanto aos seus potenciais (SÁ, 2009).

Inserida no primeiro caso, a autoconstrução de moradia e bens coletivos é intrínseca


à produção do espaço. O espaço ocorre de ações de atores sociais que o conformam
de acordo com seus interesses. Esse processo torna a cidade dinâmica e desigual.
Devido a isso, nem todos possuem acesso à habitação, serviços, infraestruturas e
consumo (VILLAÇA, 2003), estão excluídos. Dessa forma, a pobreza é fundamental à
manutenção do baixo custo de reprodução da força de trabalho (MARICATO, 1996),
essencial para manutenção do capitalismo contemporâneo.

Em uma crítica pelo enfoque do trabalho na acumulação capitalista, para o sociólogo


Oliveira (2006), a autoconstrução caracteriza-se pelo sobretrabalho (trabalho
adicional e gratuito) e deve ser desencorajada, pois possui o efeito de rebaixar o
salário do trabalhador. A força de trabalho é determinada pela somatória do que é
indispensável para se viver e, por causa da autoconstrução, o custo da habitação é
desconsiderado, o que acarreta na diminuição do valor da força de trabalho.

Em discordância com a afirmação de Oliveira, Ferro (2006) contra-argumenta que a


autoconstrução não é a causa, mas sim o efeito do rebaixamento do salário: o exército
reserva de força de trabalho diminui substancialmente o salário, o que acarreta na
diminuição ainda maior do que sobra para habitação. Em convergência com a análise
do autor supracitado, Maricato (2007, p.61) afirma que “[...] o custo de moradia nunca

2
Os ribeirinhos vivem “[...] em agrupamentos comunitários com várias famílias, localizados, como o
próprio termo sugere, ao longo dos rios e seus tributários” (CHAVES, 2001, p. 78).
15

fez parte do custo de reprodução da força de trabalho”, isto é, o salário do trabalhador


nunca foi calculado para considerar o acesso ou aquisição da moradia de maneira
formal. Dessa forma, as raízes da autoconstrução jazem nos baixos salários.

Soma-se a isso a falta de políticas sociais para proporcionar moradia, o que obriga os
cidadãos a valer-se da informalidade. Dessa forma, a ocupação informal é resultado
da falta de opções de diversos indivíduos. O que faz parte do cenário das cidades
brasileiras, uma vez que “é uma regra, e não uma exceção” (Maricato, 2003, p.2).
Nesse pano de fundo, a Amazônia, que detém uma das maiores taxas de crescimento
urbano do mundo, concentra 80% de seu crescimento em ocupações informais
(DAVIS, 2006).

Ocupar informalmente pode ser considerada como uma prática de resistência


necessária para sobreviver na cidade, baseada na lógica da sobrevivência, por ser a
única possibilidade para habitar a cidade. São nesses espaços que grupos sociais
excluídos convertem-se concretamente em atores modeladores do espaço. Como
aponta Côrrea:

É na produção de favelas, em terrenos públicos ou privados invadidos, que


os grupos sociais excluídos tornam-se efetivamente agentes modeladores,
produzindo seu próprio espaço na maioria dos casos independentemente e a
despeito dos outros agentes. A produção deste espaço é, antes de mais
nada, uma forma de resistência e, ao mesmo tempo, uma estratégia de
sobrevivência. Resistência e sobrevivência às adversidades impostas aos
grupos sociais (...). (Corrêa, 1999, p.30).

Ainda no enfoque da acumulação capitalista, a autoconstrução pode ser


compreendida a partir de suas contradições. Sendo assim, sofre críticas ao ser vista
apenas como precariedade em que vive a população (SÁ, 2009) e como inequação,
“são habitações precárias, é a ‘viração’ como norma” (OLIVEIRA, 2006, p. 70). No
entanto, como nos lembra Sá (2009, p. 30), “a precariedade destes assentamentos
autoconstruídos não resulta tanto da ação da população, mas principalmente da
deficiência de ação estatal, especialmente quanto à infraestrutura e ordenamento do
espaço público”.

Já na outra linha de pesquisa, pesquisadores enfatizam o potencial da


autoconstrução, a partir da manifestação da autonomia dos moradores. O que
consiste na “tomada de decisões sobre a construção de sua própria moradia” (LOPES,
2015, p. 77). Como vantagens, o autoconstrutor não se aliena do produto de seu
trabalho e possui autonomia para exercer a obra nos âmbitos físico, gestão, compra
do material, possível contratação de mão de obra e flexibilidade no tempo para
16

concretização da obra (BONDUKI, 1992). As pesquisas enfatizam seu processo


organizativo.

Em nossa pesquisa, evitamos compreensões deterministas e finalísticas, as quais só


entendem as ocupações informais entre os extremos da desolação da precariedade e
desigualdade ou como causa cultural. Esse enfoque emergiu com minha aproximação
com a teoria ator-rede (TAR), a qual revelou-me que antever os conceitos de leitura
poderia encobrir o inesperado que aparecesse na pesquisa de campo e distorcer sua
leitura. À vista disso, em vez de simplesmente enquadrar as ações dos moradores e
do Poder Público em um ou outro conceito, seria mais interessante descrever as
práticas existentes na produção da ocupação na ressaca. É uma maneira de
evidenciar a ação dos atores.

Na TAR, desenvolvida por Bruno Latour, John Law e Michel Callon, os objetos são
tratados de um modo inovador e distinto e, assim, rompem a divisão moderna entre
cultura e natureza, sujeito e objeto ou indivíduo e sociedade. De modo simplista e que
será aprofundado mais a frente, a TAR é uma teoria sobre um modo de investigar as
coisas e de criar espaço para os atores se expressarem.

Para o filósofo Bruno Latour (2012), em seu livro “Reagregando o social: uma
introdução à teoria ator-rede”, grande parte dos cientistas sociais compreendem o
social como um conjunto homogêneo ou com um objeto particular. Em contraponto a
esse prisma, o autor propõe a sociologia das associações e a designa como “um
movimento peculiar de reassociação e reagregação” (idem, p.25). A sociologia é
redefinida de uma “ciência do social” para um traçado de conexão entre elementos
heterogêneos. Nossa tendência consiste em reduzir o social só aos humanos,
esquecendo que sua esfera é mais ampla. Porém, as pessoas não são independentes
da natureza e vice-versa, portanto, é impossível separar o mundo dos homens do
mundo das coisas em si. Diante disso, a TAR não se limita a estudar a agência de
humanos. Com a TAR, os não-humanos também são considerados atores completos,
pois ator consiste em “qualquer coisa que modifique uma situação fazendo a
diferença” (idem, p.108). A própria nomenclatura de “ator” ou “actant”3 traduz o caráter
híbrido da TAR, já que a distinção entre sujeitos e objetos se perde.

A partir de então, o social não é mais explicado a partir de um conjunto de ideias pré-
estabelecidas, como “sociedade”, “estrutura”, “contexto”, “culturas”. O autor critica tais

3
Actante é uma forma neutra de referir-se aos atores humanos e não-humanos.
17

forças ocultas por causarem grandes saltos que mobilizam forças gigantescas para
manipular o ator e controlar diversos acontecimentos. Por consequência, os atores
são, frequentemente, desconsiderados e vistos como se fossem incapazes de
interferir em uma situação.

Outra crítica se refere a uma estratégia muito utilizada na antropologia e sociologia, a


de identificar inúmeros efeitos suscitados de poucas causas. Por conseguinte, os
conceitos não são debatidos, avaliados e o conceito “apenas repete e tenta transportar
uma força social já composta, sem mostrar do que é feita e sem achar os veículos
extras para ir mais longe” (LATOUR, 2012, p. 191-192). Mas o autor adverte que o
enfoque da pesquisa não deve ser desconstruir conceitos, pois, isto é apenas um
obstáculo a ser superado, não o objetivo.

Nesta pesquisa, seria possível utilizar diversos conceitos para explicar as práticas nas
ocupações informais nas ressacas. Definições preestabelecidas, como cooperação,
cultura, pobreza, necessidade poderiam ser elucidadas de antemão. Como vimos,
pesquisas sobre a temática em Macapá enfatizam a questão da necessidade ou a
questão cultural. Discursos que fomentam na remoção ou na valorização das palafitas
são travados. Pela perspectiva da TAR, o esquema de pesquisa foi, então, modificado.
A ocupação da pesquisa passou a ser a busca de novas associações. O que importa
é descobrir novas instituições, procedimentos e conceitos. Isso posto, ao focar nos
vínculos, torno-me livre de disputar os combates supracitados.

É importante salientar que esse método de pesquisa não omite as diferenças de


classes ou a relação de poder entre os moradores e o Poder Público. Não obstante,
consente que tais desacordos e relações se revelem no desenrolar das controvérsias,
a partir da ação dos atores, não da concepção de que tudo está dado a priori. Isto é,
não interessa saber como os atores se encaixam no sistema, mas atentar ao
movimento, em como as estruturas são engendradas por atores.

Para investigar as práticas dos atores associados com a ressaca, ao compreender os


elementos humanos e não-humanos de forma indissociável, ou como uma
controvérsia sociotécnica, utilizarei o método específico da cartografia das
controvérsias. Portanto, em vez de unicamente enquadrar as práticas dos atores em
determinados conceitos ou considerar que os grupos – moradores, Poder Público e
líderes comunitários – são homogêneos, as perguntas foram descoladas para: como
aconteceu a transformação na ressaca do Congós? Quais procedimentos para mudar
18

de uma situação espacial para outra foram necessários? Quais atores foram
reunidos? Como se constituíram essas associações e desarticulações? Que ações
foram evocadas? Como determinado ator renovou o agrupamento de laços sociais?
O que querem? Que tipo de mundo seus atores desejam habitar? Em decorrência
dessa mudança, demonstro o que age e como age, torno os vínculos visíveis, revelo
seus argumentos, suas posições distintas e mudanças no decorrer do tempo.

Esta pesquisa objetiva descrever as práticas e relações sociotécnicas na produção de


uma ocupação informal com a ressaca à luz da ação direta e via institucional. Como
área de estudo, escolhemos a ressaca do Congós por se tratar de uma ocupação com
distintos estágios de antropização (MAPA 2, p. 184). Como objetivos específicos,
temos:

a) para cartografarmos as atuais intervenções do Poder Público na referida ocupação,


foi importante retraçar os antecedentes históricos das ocupações nas ressacas,
considerando a expansão urbana de Macapá, as legislações e planos diretores;

b) no que tange às transformações na ocupação na ressaca do Congós, separamos


as práticas dos actantes entre o início da ocupação, na década de 1980, e seu
processo de consolidação, até os dias atuais. A partir de então, considerando a ação
direta e a via institucional, descrevemos as principais situações sociais na ocupação,
atentando-nos aos diversos atores envolvidos (humanos e não-humanos), às ações
efetuadas, às associações criadas, aos interesses e à formação de grupos;

c) produzir diagramas para auxiliar na compreensão do fenômeno estudado (contidos


no volume dois).

d) delinear e discutir novas formas de refletir a ocupação informal na ressaca e a


política a partir da TAR.

Para estudarmos a produção da ocupação informal, os principais conceitos usados


nesta investigação consistem em: ação direta, luta institucional, espaço situacional,
atores heterogêneos e relações sociotécnicas.

A cartografia mostrou-se como um potente método pela possibilidade de mapear e


rastrear as associações e criações cotidianas. Com a cartografia das controvérsias,
pretendemos contribuir às investigações sobre produção do espaço urbano que
evidenciem associações entre atores heterogêneos e oferecer oportunidade para os
diversos atores expressarem seus pontos de vista. O resultado desta pesquisa
19

consiste em um relato da cartografia, que está exposta neste volume e no volume


dois.

No primeiro capítulo, submergiremos no referencial teórico-metodológico a partir da


produção do espaço com o geógrafo Michel Lussault. Sua perspectiva vai de encontro
com teorias deterministas, onde concebem o espaço como um simples reflexo da
sociedade. O autor defende que “l’espace est (en) action(s)”, isto é, está em
movimento, em transformações, e é simultaneamente um recurso e resultado da ação
humana. O referido autor nos auxilia com a abordagem de espaço situacional para
compreendermos as práticas dos atores heterogêneos associados na produção da
ocupação na ressaca. Em seguida, demonstraremos o método de pesquisa com a
cartografia das controvérsias de Latour. Por fim, elucidaremos as técnicas e
procedimentos utilizados na coleta de dados.

No segundo capítulo, abordaremos as ressacas na cidade de Macapá e


apresentaremos a ressaca de Congós. Aludiremos às características físicas das
ressacas, às legislações pertinentes e a nomenclatura comumente usada para essas
áreas. Demonstraremos uma breve historiografia do início das ocupações informais
nas ressacas até os dias atuais. Discutiremos os planos diretores e as mudanças das
ações e interesses por parte do Poder Público e seus mapas utilizados. Por fim, dentre
as diversas ressacas ocupadas, apresentaremos nossa área de pesquisa, a ressaca
do Congós, e o início da ocupação de sua décima passarela a partir da
autoconstrução.

Já no terceiro capítulo, ao abordarmos a consolidação da ocupação da ressaca do


Congós, descreveremos as práticas dos moradores da décima passarela com a
autoconstrução, e suas lutas via Poder Público. No primeiro caso, trataremos dos
temas: passarelas, becos, energia elétrica, água encanada, aterro e a água como
actante. No segundo, as lutas por melhorias pela via institucional, mediante abaixo-
assinado e mídia. Finalizaremos com as articulações com líderes comunitários e as
recentíssimas ações do poder público ao urbanizar a ocupação da ressaca.

Destinamos o último capítulo à discussão dos dados levantados no decorrer dos


capítulos anteriores. Evidenciaremos as contribuições da TAR ao estudarmos as
associações entre os atores em estudos urbanos. Nesse ponto, não desejamos
encerrar a discussão sobre o assunto, mas delinear novas maneiras de refletir sobre
20

a ocupação com a ressaca. Por fim, terminaremos em repensar a autoconstrução, a


luta institucional e a política.

Por fim, o volume dois – ou Atlas – relata visualmente a cartografia das práticas,
actantes e pontos de vista mediante glossário, diagramas e imagens. O intuito foi
facilitar e complementar a leitura do relato escrito. Ele foi dividido nas seguintes
categorias: glossário de actantes (cada vez que uma palavra aparecer sublinhada
significa que consta no glossário); mapa mental; mapas; linha do tempo; fotografia;
diagrama TAR; mídia; e diagrama de cosmos.
21

CAPÍTULO 1 – RECORTE TEÓRICO-METODOLÓGICO


22

Neste capítulo, explanaremos o referencial teórico-metodológico desta pesquisa. Na


primeira parte, explicaremos o conceito de espaço e espacialidade de Lussault. Em
seguida, elucidaremos a cartografia das controvérsias de Latour. Por fim,
demonstraremos as técnicas e procedimentos adotados para alcançar os objetivos
deste trabalho durante a pesquisa empírica.

1.1. Espaço situacional em Lussault

Michel Lussault é geógrafo e professor na École Normale Supériere de Lyon. Em seu


livro L’homme Spatial, propõe uma noção do espaço que articula a dimensão espacial
na análise de situações sociais e de práticas dos atores. Para o autor, toda ação é
espacial. O espaço, além de ser uma construção social, também é compreendido
como um recurso social híbrido – composto, por um lado, de formas físicas e
estruturas em várias escalas, de outro, de ideias abstratas –, situacional e com
potenciais de estratégias.

O autor refuta a ideia do espaço como um mero suporte das práticas. Para Lussault,
em vez da ação ocorrer no espaço, os actantes agem com o espaço, o que propicia
“uma aproximação mais apropriada à dimensão de eventos do espaço, onde o espaço
não é só conceitualizado como uma estrutura absoluta ou relativa, mas como um
elemento efêmero co-construído pela prática”4 (LUSSAULT, 2010, p.14, tradução
nossa). Portanto, o espaço é situacional, efêmero. Já o conceito de situação
corresponde à convergência circunstancial de actantes, cujas ações são mobilizadas
(LUSSAULT, 2010). Agir em determinada situação denota se envolver com essas
entidades convergentes. Para sua abordagem, adota a concepção de associações de
Latour (2012), para o qual as associações possuem vínculos que não são duráveis,
mas frágeis, controvertidos, incertos, continuamente em movimento e estabelecendo
conexões. Isso implica no sistema ser aberto, onde nada é pré-determinado e fixo.
Para Lussault (2010), essa perspectiva possibilita uma investigação na qual as
associações são descontínuas, onde as dimensões do espaço estão continuamente
mudando. Seu estado é transitório.

Sua teoria do espaço apoia-se no conceito de espacialidade, o qual designa à


descrição do conjunto de relações dos actantes com o espaço como um recurso. O
autor postula que “toda atividade engaja uma relação do operador à dimensão

4
“Permits a more adequate approach of the spatial dimensions of events, where space is not longer
conceptualised as an absolute or relative structure, but as an ephemeral element co-constructed by
practice”.
23

espacial (ideal e/ou material) da sociedade” (idem, p.181, tradução nossa) 5. Todas as
ações são espaciais, assim não há como separá-las de outros tipos de ações que não
o seriam. A espacialidade corresponde às habilidades específicas essenciais para
efetuar e assumir práticas. O conceito é relevante, pois permite unir as atribuições da
ordem do espaço com o que é revelado pelas práticas sociais. Dessa forma, estudar
a espacialidade significa investigar os operadores sociais “fazendo com/na/para a
ressaca”.

Os operadores da espacialidade podem ser humanos (individuais e coletivos), não


humanos (como objetos técnicos, animais) e híbridos (como agenciamento espacial
ou coletivos). Lussault utiliza o termo operador ou actant para não restringir à ideia de
humanos e, assim, englobar elementos heterogêneos. Com inspiração no uso feito
por Latour, denomina de operador aquele que age, é definível e distinguível possuindo
a capacidade de contribuir na organização espacial e na dinâmica de uma trama de
ação. Sua função se aproxima do que Latour (2012) denomina de mediador: para os
mediadores o que entra nunca é o que sai, sua especificidade sempre precisa ser
levada em consideração, tendo em vista que “os mediadores transformam, traduzem,
distorcem e modificam o significado ou os elementos que supostamente veiculam”
(LATOUR, 2012, p.65).

Diferentemente do actant, o agente de acordo com Lussault é privado de suas


capacidades de escolha e intencionalidade estratégica (LUSSAULT, 2007). Sua
função se aproxima de intermediários, pois estes transportam elementos (significado,
força, dados etc.), entretanto não os transformam (LATOUR, 2012). Ninguém nasce
actant, pois ser actant é circunstancial. Portanto, durante a pesquisa, há sempre
incerteza quanto à natureza das entidades. Ser actant ou agente – ou ter função de
mediador ou intermediário – depende da situação. Dessa forma, os moradores da
ressaca, compreendidos como intermediários, seriam apenas um meio para forças
ocultas atuarem. Entretanto, ao agirem e modificarem uma trama de ação, são
considerados como mediadores.

Entre o espaço geográfico e operadores humanos, Lussault (2010) estipula três


modalidades de relações:

5
“Toute activité engage une relation de l’opérateur à la dimension spatiale (idéelle et/ou matérielle) de
la société”.
24

A) O espaço material constitui um suporte dinâmico das ações, mas não oferece a
mesma resposta para distintos atores, pois cada um deve elaborar sua própria
avaliação;

B) O espaço também é um instrumento da prática, pois implica em significados para


implementação midiatizada das ações políticas. Tendo em vista que é um material
para se estabelecer um regime de visibilidade – disposições espaciais que o tornam
visíveis aos indivíduos e aos grupos – à construção de legitimidade;

C) Por fim, o espaço é um recurso dotado de valor, que concerne às qualidades


socialmente apreciadas de um espaço. O solo urbano tem valor porque nele, ou em
torno dele, existe investimento de trabalho que o valoriza. Esses investimentos se
relacionam às melhorias necessárias ao uso do solo urbano, como infraestrutura,
asfalto, arborização, entre outros (GONZALES, 1985). A localização é outro fator que
influencia no valor do solo urbano, devido aos deslocamentos espaciais entre pontos
da cidade e pela sua predominância sobre a infraestrutura (VILLAÇA, 1997). Os
valores do solo urbano são variáveis e uma maneira de expressá-los é mediante o
preço. Entretanto, o valor não se reduz à sua expressão imobiliária e funcional.
Também há de ser interessante atentar-se aos protocolos de avaliação e valorização,
construídos e aceitos (LUSSAULT, 2010). A ação espacial sempre aborda um jogo do
operador com os valores do espaço e, a partir da ação, valores são atualizados.

À vista disso, o operador é suscetível a explorar dois tipos de potenciais espaciais


para agir em uma situação, que são considerados como ferramentas de estratégias
espaciais: o potencial do capital espacial e o potencial do agenciamento pré-existente.
O capital espacial consiste no que o ator apreende do recurso espacial, em identificar
seus significados e suas competências práticas – o que fornece a possibilidade de
entender e de atuar em uma realidade. Aproxima-se do simbólico.

Agenciamento espacial é uma associação espacializada, circunstancial e inconstante,


de operadores configurados na situação de uma ação (LUSSAULT, 2010). Na forma
material pré-existente, anterior à situação onde ocorre a ação espacial, há um
agenciamento (matéria, imagem e mensagem) que preexiste à ação. Ela é um recurso
prático que se incorporará pelo operador. O agenciamento preexistente é sintoma e
instrumento das ações e oferece ora mais, ora menos, potencial à ação. O operador
deve encontrar boas distâncias e bons lugares a partir da relação de todas as
realidades copresentes (MAPA MENTAL 01, p.179).
25

Novas práticas se amparam no espaço pré-existente e contribuem para modificá-lo.


O espaço situacional, após passar o evento, não resulta mais ser o mesmo, mas
dependendo, não é completamente distinto. A partir de passada a situação, espera
nova ocorrência de sua atividade e da vinculação de um novo agenciamento.

Cada espacialidade agrega informação adicional ao mundo espacial, assim


contribui ao processo global de organização do espaço. Deste ponto de vista,
não há espacialidade inoperante, sem impacto; a menor espacialidade
aumenta a complexidade da dimensão espacial das sociedades e até mesmo
aumenta a quantidade de espaço em circulação na interação entre os
operadores. O espaço das sociedades humanas, portanto, aumenta e se
torna permanentemente complexo. Um forte postulado, contra-intuitivo à ideia
comum de um espaço fechado, finito à medida que é reduzido à superfície.
(LUSSAULT, 2007, p.6-7, tradução nossa)6

Para a espacialidade, deve-se considerar que cada ator, dotado de um capital


espacial, conforma o agenciamento correspondente à cada situação. A partir desses
dois fatores e de uma modalidade constante de adaptação e de ajustes, os atores
agenciam os espaços em que vivem e organizam suas realidades (i)materiais em um
dispositivo7 de distâncias relativas (idem). O sistema é aberto, tendo em vista que
propicia novas possibilidades.

A forma como o recurso oferece inventibilidade e colabora à organização de cada


agenciamento ao operador, que opera mediante o jogo de significado e do
investimento do actante, tendo em vista os sistemas normativos, modos legítimos de
práticas, comportamentos e relações autorizadas. Para o autor, os operadores
buscam:

(...) garantir por sua espacialidade sua capacidade de se colocar de tal forma
que seus atos sejam seguidos pelos efeitos desejados e que o controle de
sua ação e seu ambiente seja sempre possível. Não é preciso dizer que isso
é um ideal, pois não deixa de ser conflitante com o desejo equivalente de
outros atores - e a solicitação dos sistemas normativos em situações de
interação se explica pela necessidade de cada indivíduo garantir seu controle
a partir de uma regra "objetiva", supostamente para protegê-lo das
pretensões dos outros. (LUSSAUT, 2014, on-line, tradução nossa)8

6
Chaque spatialité ajoute au monde spatial de l’information supplémentaire, donc contribue au
processus global d’organisation de l’espace. De ce point de vue, il n’y a pas de spatialité inopérante,
sans impact; la moindre spatialité accroît la complexité de la dimension spatiale des sociétés et accroît
même la quantité d’espace en circulation dans l’interaction entre les opérateurs. L’espace des sociétés
humaines augmente donc et se complexifie en permanence, postulat fort, contre-intuitif par rapport à l’
idée commune d’un espace clos, fini car réduit à l’étendue.
7
Consideramos o dispositivo como um mediador nos termos de Latour (2012).
8
“garantir par leur spatialité leur capacité à se placer de manière à ce que leurs actes soient suivis des
effets désirés et que le contrôle de leur action et de son milieu soit toujours possible. Il va de soi qu’il
s’agit là d’un idéal, qui ne laisse pas d’être contredit pas le désir équivalent des autres acteurs - et
l’appel aux systèmes normatifs dans les situations d’interaction s’explique par la nécessité pour chaque
26

Os operadores humanos procuram, continuamente, o controle espacial, o qual é


permeado de disputas. Está baseado em capacidades cognitivas e práticas, que
correspondem às competências elementares da espacialidade, que são de: medir
distâncias, localizar-se, percorrer, atravessar limites, delimitar, medir escalas. Todas
são complementares e interligadas.

A produção espacial das sociedades pela espacialidade é um processo impur,


mutidirecional e onde: múltiplas divergências convivem; desacordos ocorrem com
regularidade; os controles são parciais, não há total regulação; a desordem não
sucumbe à ordem. A espacialidade é marcada pela tensão dinâmica entre a rotina, a
reprodução, a criatividade, a inovação, a mudança, a espontaneidade adaptativa. Está
entre o invariável e o variável. O que nos auxilia a refletir que moradores, durante a
produção do espaço, englobam conflitos, disputas, auxílios, pactos. Essas
negociações também abarcam outros atores, como o poder público e apoiadores.

Entre o compartilhável e o regime particular existem negociações, que variam de


acordo com o contexto. Os operadores definem o que podem compartilhar – como
experiências, relação, posição e delimitação –, fazem-no de forma implícita ou
explícita, pacífica ou com atritos. Para isso, são englobados conhecimentos sobre
regras e normas que auxiliam a compreender as modalidades possíveis que podem
ser realizadas. O espaço pessoal e comum é relevante para observar os diversos atos
possíveis e a configuração do conjunto de realidades copresentes.

Essas negociações aproximam-se do conceito de táticas e estratégias do sociólogo


Michel de Certeau. No livro “A Produção do Cotidiano”, o autor denomina de táticas
as ações que abarcam o inconformismo daqueles que não detém poder diante dos
poderes disciplinadores, são subversões, astúcias, inventibilidades (CERTEAU,
2014). Já as estratégias constituem ações exercidas de forma planejada, por um
poder, que objetiva criar lugares mediante modelos abstratos.

Descrever as ações com o espaço corresponde compreender as espacialidades no


decorrer do tempo. Para tanto, os atores – a partir do capital espacial e de sua
vinculação à forma como recurso – agenciam no espaço pré-existente em

individu d’assurer sa maîtrise en se référant à une règle ‘objective’ censée le protéger des prétentions
d’autrui”.
27

determinada situação. Com isso, os operadores ordenam seus espaços, negociam


entre si, em contínuas adequações.

1.2. Cartografando controvérsias em estudos urbanos

Para investigar as práticas dos atores com/na/para a ressaca, incorporamos o método


da cartografia das controvérsias de Bruno Latour (2012). Sua teoria e a aplicação
serão expostas neste tópico, assim como a corrente de pesquisa que a emprega em
estudos urbanos, a urban assemblage. Esse método nos auxiliará a acompanhar as
associações (des)feitas nas situações, no que concerne à ação direta e à luta
institucional na ocupação informal na ressaca do Congós.

A cartografia das controvérsias foi criada por Latour no final da década de 1990, com
o intuito de facilitar a utilização da TAR e, assim, torná-la mais inteligível aos
estudantes (VENTURINI, 2010). O sociólogo Tommaso Venturini, um dos
colaboradores de Latour, afirma que esse método é um processo investigativo
potencial para equacionar conflitos entre os envolvidos em uma controvérsia
(VENTURINI, 2010). Cartografia, pois é composta de técnicas para mapear e rastrear
as controvérsias do social, consiste na melhor maneira de observar a fabricação do
mundo, visto que a partir das controvérsias a vida coletiva é feita e desfeita.

As controvérsias correspondem a “situações onde os atores discordam (ou melhor,


concordam com o desacordo)” (idem, p. 261, tradução nossa)9. Começam quando os
atores notam que não podem se evitar mutuamente e finalizam quando os atores
conseguem definir um compromisso concreto de conviverem juntos. É um espaço de
tensões e negociações entre atores que de outra maneira se ignorariam. Como
exemplos, na ressaca há controvérsias entre: os moradores e o poder público, devido
à ilegitimidade de morar em área de proteção ambiental; entre os moradores, quanto
às delimitações dos espaços compartilháveis e espaços privados; entre o poder
público, com suas atuações conflitantes às ocupações.

Cartografar controvérsias é “aprender a alimentar-se de incertezas, em vez de decidir


de antemão como deve ser a aparência do conjunto de equipamentos do mundo”
(idem, p. 169). Com ela, deve-se desdobrar a realidade, mantendo incertezas, para

9
“are situations where actors disagree (or better, agree on their disagreement)” (VENTURINI, 2010,
p. 261, grifo do autor).
28

não as reagregar prematuramente. Em decorrência disso, a investigação consiste na


explicação da “sólida realidade objetiva” a partir da mobilização de diversas entidades
(LATOUR, 2012). Um resumo da cartografia das controvérsias pode ser visto no mapa
mental 2 (p. 180).

Na cartografia das controvérsias, não há grupos, somente formação de grupos. O que


implica na unidade de análise não ser o indivíduo ou a sociedade, mas as associações
realizadas entre os atores. As associações são frágeis, pois as entidades precisam
ser reagregadas a cada nova circunstância, estando em mutação (LATOUR, 2012).
Os grupos formados não são homogêneos, silenciosos ou pacíficos, ao contrário, são
engendrados por diversas vozes contraditórias que ilustram do que é formado e de
quem o pertence. Grupos difundem pistas durante sua formação e dissolução, que
devem ser seguidas. Por conseguinte, na delimitação de um grupo, sempre há
aqueles que falam sobre o assunto, sempre é mostrado o que o grupo não é
(antigrupos), fronteiras são estabelecidas e estudos sobre o assunto são
materializados (LATOUR, 2012).

O termo ator-rede procura ressaltar que a ação sempre é partilhada. Os atores, na


rede, não agem segundo uma força social que os predeterminam, “as causas não
pressupõem os efeitos porque propiciam apenas ocasiões, circunstâncias e
precedentes” (idem, p. 92). Contra a noção de causalidade às ações, o autor utiliza a
noção de subdeterminação da ação. Há “subdertememinação da ação, das incertezas
e controvérsias em torno de quem e o que está agindo quando ‘nós’ entramos em
ação” (LATOUR, 2012, p.74). A causa das ações, então, é trocada por uma série de
atores, que sempre são combinados por componentes em rede, o que representa uma
perspectiva relacional do que seja o ator. Os atores inter-agem, moldam e são
moldados por relações, “ao falarmos de ator, deveremos sempre acrescentar a vasta
rede de vínculos que o levam a atuar” (idem, p.313). Em decorrência, o ator nunca
está sozinho ao atuar.

A própria teoria da ação é diferente, pois agora estamos interessados em


mediadores que induzam outros a fazer coisas. “Induzir” não é o mesmo que
“causar” ou “fazer”: há em seu âmago uma duplicação, um deslocamento,
uma translação que modifica simultaneamente todo o argumento. (LATOUR,
2012, p.311-312, grifo do autor)

A ação deve ser definida como um nó, como um conjunto de agências. Este último
refere-se ao que participa da ação e induz transformação, contido nos mediadores,
“as agências dão conta da complexidade, diversidade e heterogeneidade da ação. [...]
29

a ação deve permanecer uma surpresa, uma mediação, um evento” (LATOUR, 2012,
p. 45). Tendo em vista que suas múltiplas conexões lhe dão existência, deve-se
manter incertezas quanto à origem da ação.

O princípio básico da TAR é que um ator pode se dissolver em diversos elementos


em conflito e uma constelação de atores pode se solidificar em uma única fonte de
ação. Como a prefeitura que pode se dissolver em suas diversas secretarias em
conflitos e se unir para um único objetivo.

No caminho da pesquisa, há o desafio metodológico de olhar e ouvir: o que e como


fazê-los? Latour (2012) coloca quatro fatores ao considerar as palavras enunciadas
pelos operadores sobre a ação:

Primeiro, para haver ação é necessário haver provas, relatos ou informação. Pois uma
ação invisível, que não suscita mudanças, não esteja em meio a um relato, não pode
ser considerada uma ação (LATOUR, 2012).

Segundo, há uma diferença entre a ação e sua figuração. O termo figuração significa
uma imagem, uma roupagem, uma forma à ação. Há distintas figurações para a
mesma ação. Deve-se registrá-las, mas não as filtrar.

Terceiro, é comum os atores criticarem outras ações recriminando-as como absurdas,


falsas, erradas. “Relatos de ação acrescentam constantemente novas entidades e
eliminam outras como ilegítimas” (idem, p.89, grifo do autor). Dessa maneira,
extinguem entidades, mapeiam os grupos que estão formados e seus anti-grupos.

Quarto, não é suficiente restringir os atores à função de simples informantes de tipos


de caso populares. É necessário permitir-lhes a habilidade de conceber suas devidas
teorias, “não devemos presumir que os atores possuam uma linguagem enquanto os
analistas dispõem de uma metalinguagem na qual a primeira está “inserida”
(LATOUR, 2012, p.79). Eles possuem uma metateoria sobre como ocorre a ação.
Portanto, como pesquisadora, é importante deixar as explicações de como e o porquê
de uma ação aos próprios participantes.

não devemos afirmar pressurosamente que os atores talvez não saibam o


que fazem enquanto nós, os cientistas sociais, conhecemos a existência de
uma força social capaz de “obrigá-los” a fazer coisas sem querer (Latour,
2012, p.76)
30

Como dito anteriormente, objetos não são passivos ou só projeções simbólicas, nem
simplesmente satisfazem as ordens humanas, eles possuem agência 10. Tal afirmação
não denota que eles façam coisas no lugar dos humanos, mas apenas significa
explorar plenamente o que e quem participa da ação. Outro ponto importante a ser
assinalado: agenciar não é sinônimo de determinar a ação. Não que um martelo
imponha a utilização de pregos. Entre ser apenas passivo e determinar a ação
humana existem diversas possibilidades, como: autorizar, estimular, sugerir,
influenciar, desviar, proibir etc. (idem). E, como complemento, Lussault (2010) diz que
os objetos existentes influenciam as pessoas a agir, locomover-se, apropriar-se,
mostrar-se, identificar-se, demarcar.

Os objetos, ao não deixar traços, não proporcionar informação ao observador ou não


causar efeito visível em outros agentes, o objeto fica em silêncio e cessa sua atuação
como ator: “uma vez construído, o muro de tijolos não pronuncia uma palavra”
(LATOUR, 2012, p.118). Dessa forma, os objetos auxiliam a rastrear conexões sociais
de forma intermitente e facilmente deixam de ser mediadores para se tornarem
intermediários.

O objeto só adquire valor social por meio das relações e, como as ações, precisam
aparecer nos relatos. Eles também são híbridos, pois só são dotados de valores a
partir das ações (LATOUR, 2012; SANTOS, 2006). O geógrafo brasileiro Milton
Santos (2006) no livro “A Natureza do Espaço” elucida a técnica como a socialização
dos não-humanos. O técnico e o social só podem ser explicados de forma conjunta.
Só podemos apreender as ações de determinados atores (técnicos da prefeitura,
moradores, fiscal da empresa) ao associá-los a elementos não-humanos (projeto,
legislação, madeira).

Santos (2006), alicerçado na ideia de híbrido entre objeto e sociedade de Latour, infere
ler o espaço como um híbrido, produzido pela associação indissociável entre sistemas
de objetos e sistemas de ações.

Sistemas de objetos e sistemas de ações interagem. De um lado, os sistemas


de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o
sistema de ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos
preexistentes. É assim que o espaço encontra a sua dinâmica e se
transforma. (SANTOS, 2006, p.39)

10
Agência em Latour e agenciamento em Lussault são conceitos distintos. No segundo, significa a
forma da dimensão espacial de uma prática qualquer.
31

Essa relação é solidária e contraditória, e não deve ser considerada isoladamente.


Porém, deve ser inserida em um período histórico, tendo em vista que um período de
tempo traz novas associações de objetos, novos padrões e novos modos de ação.
Quanto à forma dos objetos:

A cada evento, a forma se recria. Assim, a forma-conteúdo não pode ser


considerada, apenas, como forma, nem, apenas, como conteúdo. Ela
significa que o evento, para se realizar, encaixa-se na forma disponível mais
adequada a que se realizem as funções de que é portador. Por outro lado,
desde o momento em que o evento se dá, a forma, o objeto que o acolhe
ganha uma outra significação, provinda desse encontro. Em termos de
significação e de realidade, um não pode ser entendido sem o outro, e, de
fato, um não existe sem o outro. Não há como vê-los separadamente.
(SANTOS, 2006, p.66)

A partir do conceito forma-conteúdo, o autor une o processo e o produto, a forma e a


função e distintos períodos de tempo. Os valores e significados adotados são
importantes para refletirmos sobre a socialização dos não-humanos na espacialidade.

Na junção de elementos heterogêneos, do natural e do social, da técnica e da política,


há similaridade entre a noção de espaço geográfico de Santos e coletivos de Latour.
Em ambos os atores, são de todos os tipos: indivíduos e grupos de humanos;
elementos naturais, como peixe, cupim, plantas; elementos biológicos, como água,
chuva, lama; elementos industriais, como carros, asfalto; econômicos, como
orçamento; instituições, como prefeitura, ONGs; e artefatos técnicos e científicos.

A difusão da TAR encontra campos e temáticas de difícil penetrabilidade, tal como no


caso dos estudos urbanos (ROCHA, 2013). Nesse panorama, estabelece-se o livro
“Urban assemblages: how actor-network theory changes urban studies”, organizado
pelo sociólogo Ignácio Farías e pelo historiador Thomas Bender. O objetivo geral do
livro consiste em avaliar diversas maneiras de incorporar a TAR para estudos urbanos.
O livro é um experimento coletivo que reúne uma coletânea de artigos escritos por
autores que provêm de instituições de oito países distribuídos em três continentes, os
quais atentam-se para como a teoria muda estudar a cidade, suas vantagens e
desvantagens e como compreender a cidade incorporando ferramentas da TAR. Para
os estudos urbanos, o livro é:

como uma forma de abordar seus tradicionais objetos de uma maneira


sofisticada e despojada de uma série de posturas teóricas, metodológicas e
epistemológicas encaradas pelos autores como verdadeiros pecados
capitais: a incorporação de uma ontologia fechada, estável e homogênea da
cidade; a mobilização de metas-narrativas estruturais para explicar a vida
citadina; a desconsideração da complexidade do urbano, entre outras.”
(ROCHA, 2013, p.261).
32

Para Farias e Bender (2010), a diversidade e multidisciplinaridade de estudos


urbanos, que definem a cidade como forma espacial, como unidade econômica ou
como lugar de formação cultural, convergem ao compreendê-la como um produto de
limites e fronteiras bem claras, como entidade estável e delimitada passível de
identificação. Mesmo os estudos contemporâneos mais radicais seguem baseados
em concepções binárias. Em alternativa, os autores afirmam que a urban assemblage:

A noção de urban assemblage na forma plural oferece uma base potente para
compreender a cidade como um objeto que está implacavelmente sendo
montado em locais concretos da prática urbana ou, para colocá-lo
diferentemente, como uma multiplicidade de processos em tornar-se, redes
sociotécnicas de fixação, coletivos híbridos e topologias alternativas. Nessa
perspectiva, a cidade torna-se um objeto difícil e descentrado, que não pode
mais ser dado pelo fato como um objeto claramente delimitado, nem como
um contexto específico ou um local delimitado. A cidade é uma realização
ontológica bastante improvável que requer uma elucidação. (FARIAS e
BENDER, 2012, p. 2, tradução nossa)11

Uma grande mudança permitida pela TAR consiste na ontologia que rege a
compreensão das cidades, “a ANT fornece uma explicação radical do espaço e do
tempo como consequências, efeitos ou, até mesmo, variáveis dependentes das
relações e associações que compõem as redes de atores” (FARIAS e BENDER, 2010,
p. 6). Refletir a cidade a partir da urban assemblage é entendê-la como um processo
relacional de composição, não confinada a limites bem estabelecidos, e com seu
conjunto de associações com entidades heterogêneas (idem; McFARLANE, 2011).
Isso implica em compreendermos que a infraestrutura não se resume a um objeto
estático, que a arquitetura não está finalizada. Portanto, a TAR permite que atores
não-humanos possuam importante papel de mediação no estudo da cidade.

Para McFalane (2009; 2011), a urban assemblage permite enfatizar a profundidade e


a potencialidade das conexões do social no que concerne suas histórias, o trabalho
imprescindível para produzi-los e sua capacidade em extrapolar o montante de suas
conexões. Sobre a história, o autor considera as trocas de ideias, conhecimentos,
práticas, materiais e recursos em espaços-tempo na pesquisa. Em distintos
momentos, podem ser necessários trabalhos distintos, ora mais, ora menos
vulneráveis ao desmantelamento ou à remontagem das relações efetuadas. O que

11
The notion of urban assemblages in the plural form offers a powerful foundation to grasp the city
anew, as an object which is relentlessly being assembled at concrete sites of urban practice or, to put it
differently, as a multiplicity of processes of becoming, affixing sociotechnical networks, hybrid collectives
and alternative topologies. From this perspective, the city becomes a difficult and decentred object,
which cannot any more be taken for granted as a bounded object, specific context or delimited site. The
city is rather an improbable ontological achievement that necessitates an elucidation.
33

importa é o processo e, a partir dele, vislumbrar suas diversas possibilidades de


conexões e temporalidades.

Essa corrente de pesquisa altera a noção da crítica pela de investigação, porém a


investigação não se torna contra a crítica, somente com aquelas mais interessadas
com a teoria do que com a prática. Portanto, o empirismo torna-se a principal
ferramenta em seus métodos. Entretanto, essa perspectiva herda críticas efetuadas à
própria TAR. As principais acusações consistem em cair no “objetivismo ingênuo” ou
na ideologia. Ingenuidade, por simplesmente descrever a realidade como aparece e
desconsiderar assimetrias de poder, desigualdades e injustiças, o que a tornaria
ideológica. Farías (2011) contra-argumenta que a urban assemblage pretende
desvelar as práticas e processos que concebem as estruturas ocultas e, ao revelá-las,
conjectura a capacidade de combater as forças dominantes.

Farías e Bender (2010) citam três fundamentos para inserir a TAR nos estudos
urbanos: a relacionalidade radical, o princípio de simetria generalizada e a associação.
A partir da relacionalidade radical, os objetos, tecnologias, ferramentas, textos,
instituições e humanos não pertencem a esferas nitidamente diferenciadas, mas
compõem mutualmente uns aos outros. Essa assertiva é baseada no princípio da
simetria generalizada, que sustenta a utilização de um comum repertório conceitual
para descrever e analisar os vínculos entre humanos e não-humanos. Com isso, as
pessoas não terão supremacia sobre edifícios e espaços, nem vice-versa. Porém,
Bender, no pós-escrito, recomenda que a simetria plana deva ser compreendida
somente como ponto inicial de investigação, deixando em aberto a possibilidade
escalar como algo a ser pesquisado. Por fim, desvelar essa cadeia de práticas dos
actantes permite compreender as associações que conformam o social.

Já para McFarlane (2009), não há um consenso na corrente urban assemblage de


como manejar a TAR. As tangências consistem em considerar as interações entre
matérias heterogêneas – baseado na prática, de forma emergente e processual – e o
poder como múltiplas coexistências – o qual não conota um poder central, tampouco
um poder distribuído igualitariamente, mas o poder como pluralidade em
transformação.

E aqui voltamos ao geógrafo Lussault. O autor não se autointitula um pesquisador


dessa corrente, mas podemos perceber tangências teóricas com a urban assemblage.
Sua proposição sobre o espaço parte de uma perspectiva hiperrelacional e utiliza
34

alguns preceitos teóricos da TAR, como as relações entre elementos heterogêneos e


as associações que conformam o espaço co-construído.

No tocante ao Brasil, são poucas pesquisas que se enquadram nessa corrente.


Santos, Bizzotto e Nascimento (2015) analisaram trabalhos acadêmicos sobre
estudos urbanos feitos com arcabouço teórico a TAR. As autoras enfatizam o espectro
restrito no país, onde a maioria das pesquisas são da área da sociologia, antropologia,
educação, comunicação e engenharia. Por sua vez, no âmbito da arquitetura e
urbanismo e geografia o espectro é ainda menor. Desses trabalhos, as autoras
expõem dois elementos: no primeiro constatam que “a investigação das associações
que ocorrem no espaço urbano, entre atores humanos e não-humanos, é uma
metodologia que complementa os estudos que pretendem entender os processos que
engendram a produção do espaço” (SANTOS, BIZZOTTO, NASCIMENTO, 2015, p.
12); no segundo, constatam que a fragmentação em diversas disciplinas não é capaz
de apreender a totalidade dos estudos urbanos, de forma que a interdisciplinaridade
presente nessas pesquisas a partir da TAR é uma maneira de tentar atingir essa
totalidade.

1.3. Modos de fazer a pesquisa

O intuito desta é investigar as práticas e relações sociotécnicas entre distintos


actantes na produção da ocupação na ressaca à luz da ação direta e luta institucional.
Considerando o arcabouço teórico-metodológico de Latour e Lussault, iremos: listar
as principais situações espaciais (dividimos entre início da ocupação e sua
consolidação), seguir as associações (e redes), acompanhar a formação de grupos,
apontar os atores humanos e não-humanos, suas ações e consultar seus interesses
e valores (o cosmos). No percurso de desdobrar as práticas dos atores com a ressaca,
serão mantidas incertezas para, só depois, reagregá-las.

A pesquisa utiliza abordagem qualitativa para coleta dos dados empíricos. A ressaca
é analisada como um espaço descontínuo, onde distintos atores associam-se,
transformam-na e são transformados continuamente, nas quais vínculos são
(des)feitos a depender da situação. Na ocupação na ressaca, atentamo-nos do regime
particular para o compartilhável, isto é, tendo como marco a porta da casa à rua. Para
tanto, foram observadas atuações em microssituações na ocupação da ressaca do
35

Congós, com ênfase na décima passarela. As microssituações são melhores


maneiras para se observar a fábrica do(s) espaço(s) pelos atores durante a ação
(LUSSAULT, 2007). Por sua vez, as práticas em microssituações estão atreladas aos
agenciamentos pré-existentes e ao espaço com recurso que influenciam nas decisões
dos moradores, em suas negociações, a ordenarem e adequarem a ocupação na
ressaca.

Um grande auxílio para explorar as controvérsias foi a partir de Venturini (2009) no


artigo “Diving on magna”. O autor comenta que a afirmação de Latour (2012) de
apenas “seguir os atores” e descrever as ações aparenta simplicidade, porém gera
algumas consequências. Na primeira consequência, a TAR não requer uma teoria e
metodologia específicas. Não se deve restringir a obtenção dos dados a uma única
metodologia, mas combiná-las. Na segunda, é preciso considerar a maior parte de
pontos de vista possíveis para revelar toda a extensão de desacordos. E, dessa
multiplicidade de vozes, haverá objetividade e noções e métodos serão contrastados.
Na terceira, e última, é preciso ouvir os atores.

Venturini (2009) estipula cinco níveis para se rastrear o social (MAPA MENTAL 3, p.
181):

O primeiro nível hábil para se rastrear consiste na leitura da literatura sobre o tema
estudado, “revelando como discursos dispersos são tecidos em literaturas
articuladas12” (idem, p. 266, tradução nossa).

O segundo consiste em seguir os atores, tanto humanos quanto não-humanos. Para


tanto, o autor sugere um teste prático: “sempre que você se perguntar se algo está
agindo em uma controvérsia, pergunte-se se a presença ou a ausência dele faz
diferença. Se isso acontece e se essa diferença é percebida por outros atores, então
é um ator13” (idem, p. 266, tradução nossa). Então, perguntamo-nos, optar pela
madeira na construção da passarela mudou o curso da ação de outro agente? Caso
o faça, há evidencias nas quais possamos detectar essa modificação? Na pesquisa,
ao repararmos nos relatos de ação, procuramos identificar os não-humanos naturais
(água, solo, ar), econômicos (como uma rifa comunitária) e os objetos técnicos
responsáveis pela materialidade das construções (materiais e tecnologias), meios de

12
“revealing how dispersed discourses are woven into articulated literatures”
13
“whenever you wonder if something is acting in a controversy, just ask yourself if its presence or
absence does make a difference. If it does and if this difference is perceived by other actors, then it is
an actor”.
36

divulgação e os valores atribuídos. No caso específico do poder público, também


consideramos os objetos atuantes na elaboração de projetos à ressaca (ferramentas
de desenho, de imagens, planilhas e mapas).

No terceiro nível, deve-se considerar as redes tecidas pelos atores a partir de suas
ações e do incessante trabalho de vincular e desvincular conexões. Ao traçar as
associações feitas entre os atores vinculados à ressaca, consideramos incertezas na
formação de grupos: as contradições internas, a transitoriedade, interesses comuns
entre os grupos, antigrupos. Inicialmente, organizamos a pesquisa tendo como ponto
de partida o delineamento de dois grupos: moradores e poder público. Entretanto,
durante a pesquisa de campo, percebemos uma mescla entre esses dois grupos a
depender da situação, como moradores que já trabalharam na prefeitura, moradores
que se situam contra outros moradores a favor do poder público e tangências de
interesses – o que nos lembra que não devemos prever, a priori, seus papéis.
Tampouco consideramos os moradores e o poder público como grupos homogêneos.
Entre os moradores há diversos grupos formando-se (parte dos moradores da
passarela, da rua, do início da passarela, do final da passarela, do beco), que se unem
ou se separam a depender da situação, com fronteiras não tão bem estabelecidas. Já
o poder público entra em conflitos em suas atuações. Além dos supracitados, outros
grupos surgiram no decorrer do caminho, como ONGS e a associação de bairro, que
também foram seguidos.

O quarto nível concerne aos cosmos, os quais são as estabilidades em que os atores
almejam atingir. Ideologias não são definições de como o mundo está, mas visões de
como o mundo deveria ser no futuro. Essas visões não estabilizam o coletivo atual,
mas pode influenciá-lo. Por conseguinte, deve-se considerar os significados e pontos
de vista que os diversos atores atribuem às controvérsias (idem), o qual o fizemos no
decorrer da pesquisa.

O quinto e último nível corresponde à cosmopolítica. Toda realidade coletiva chegou


com discussões, “pode ser que nunca diferimos sobre opiniões, mas sempre sobre as
coisas, sobre o mundo em que habitamos. E é muito provável que nunca ocorra que
os adversários cheguem a algum acordo de opiniões: mas fácil começarem a viver em
um mundo diferente” (LATOUR, 2014, p. 49)14. Para Latour, a cosmopolítica remete à

14
“puede que no difiramos nunca sobre opiniones, sino siempre sobre las cosas, sobre el mundo que
habitamos. Y es muy probable que no ocurra nunca que los adversarios lleguen a algún acuerdo sobre
opiniones: más bien comienzan a vivir en un mundo diferente”.
37

construção de um mundo comum. O que não será estável e sem discussões, pois,
para haver um mundo comum, “devemos construí-lo, juntos, com unhas e dentes”
(LATOUR, 2014, p. 50, tradução nossa)15.

No primeiro nível da pesquisa bibliográfica e documental, lemos sobre o tema das


ocupações nas ressacas. Na segunda etapa, seguimos os atores a partir da
observação participante e entrevistas semiestruturadas, em que utilizamos
instrumentos de apoio às informações, com diário de campo, fotografias e mapas. E,
ao seguir os atores, atentamo-nos às redes formadas e aos cosmos. Já na análise
dos dados, escrevemos relatos de risco e produzimos diagramas, no qual foram
sistematizados as situações, os atores, as redes, os cosmos, até chegarmos à
cosmopolítica.

Pesquisa bibliográfica e documental

Primeiramente começamos com a primeira etapa citada por Venturini. Foram


mapeadas as primeiras referências sobre a ocupação nas ressacas – em teses,
dissertações e artigos publicados em periódicos –, com o objetivo de coletar
informações e os discursos proferidos na literatura (VENTURINI, 2010). Essa etapa
também foi imprescindível para fomentar a capacidade de levantar questões
pertinentes sobre a pesquisa, pois não adianta ir ao campo como uma página em
branco para ali se informar (URIARTE, 2012). A leitura seguiu concomitante à
pesquisa de campo.

Foram verificados documentos de fontes primárias que abordassem a temática das


ressacas, como legislações, Plano Diretor de Macapá e Zoneamento Ecológico
Econômico de Macapá e Santana (ZEEU); e de fonte secundária a partir de notícias
veiculadas em mídias digitais – site da Prefeitura, G1 e Diário do Amapá. Os arquivos
em mídias digitais foram agrupados nos seguintes temas para facilitar análise:
incêndio, iluminação pública, passarela, reassentamento, criminalidade e outros.

15
“deberemos construirlo, juntos, con uñas y dientes.”
38

Observação participante

Os enfoques mais correntes dos estudos sobre o espaço social caracterizam-se pelo
que o antropólogo urbano Magnani (2002) define como “olhar de fora e de longe”.
Esse tipo de abordagem focaliza na análise do alto, à distância, negligencia os atores
sociais como produtores do espaço. Essa percepção é adotada pelo Estado e por
urbanistas, para os quais “a cidade-panorama é um simulacro ‘teórico’” (CERTEAU,
2014, p.158). Onde há o esquecimento e desconhecimento das práticas cotidianas.
Nessa perspectiva, a cidade seria como:

[...] uma entidade à parte de seus moradores: pensada como resultado de


forças econômicas transnacionais, das elites locais, de lobbies políticos,
variáveis demográficas, interesse imobiliário e outros fatores de ordem
macro; parece um cenário desprovido de ações, atividades, pontos de
encontro, redes de sociabilidade. (MAGNANI, 2002, p.14)

Em contraponto ao “olhar de longe e de fora”, Magnani sugere “o olhar de perto e de


dentro”. Esse olhar, por meio da perspectiva etnográfica, é capaz de identificar as
práticas cotidianas existentes. O que permite observar a diversidade existente na
cidade – compreendidos aquém de grupos fragmentados e atômicos – e que
demonstra a “possibilidade de sistemas de trocas de outra escala, com parceiros até
então impensáveis, permitindo arranjos, iniciativas e experiências de diferentes
matizes” (MAGNANI, 2002, p.16). Vale salientar que a perspectiva “de perto” deve ser
realizada sem perder de vista o contexto mais amplo no qual os fenômenos ocorrem.

Proponho uma aproximação da realidade cotidiana dos moradores da ressaca


inspirada na etnografia, mediante observação participante, como uma forma de “olhar
de perto e de dentro” e observar as microssituações. A observação participante
consiste em assumir funções dentro do grupo, participar do que está acontecendo e,
além disso, significa “a possibilidade de captar as ações e os discursos em ato”
(GOLDMAN, 2006, p.170). Esta ocorreu por meio de visitas locais, diálogos e reuniões
com os moradores e com líderes comunitários do Centro de Atividades Sociais na
Periferia (CASP) e do Núcleo Rotariano de Desenvolvimento Comunitário (NRDC)16.
As visitas ocorreram das seguintes maneiras: a) acompanhei nos meses de julho e
outubro de 2017 a construção de cinco passarelas construídas pela prefeitura (décima
oitava, vigésima, braço da vigésima e dois braços da vigésima-primeira), com elevada

16Em duas ocasiões sai do papel de apenas observar e auxiliei o NRDC e o CASP. A primeira vez foi durante a
construção das passarelas pelo poder público, onde auxiliei o líder do NRDC a compreender o projeto arquitetônico
das passarelas. Quanto ao CASP, auxiliei na divulgação do trabalho que fazem.
39

aproximação do NRDC. b) visitei o CASP aos sábados e em dias de festividade entre


os meses de novembro de 2017 a janeiro de 2018; c) nos meses novembro e
dezembro, visitei onze passarelas na ocupação; a partir da decisão de entrevistar
somente na décima passarela, restringi as visitas a essa passarela nos meses de
janeiro à primeira semana de fevereiro.

Foi preciso disciplinar o olhar às visitas. O treino que advém da lente teórica perpassa
autores de diversos campos do conhecimento, como a arquitetura, urbanismo,
geografia, antropologia e sociologia. A partir de então, pude observar: a
espacialização da ocupação, objetos responsáveis pela materialidade das
construções (a técnica utilizada, ferramentas e materiais necessários), objetos que
delimitam e identificam um espaço, a prática de construir a passarela, os usos dos
moradores na cabeça da ponte (ver glossário) e na passarela (como percorrer,
atravessar). Nesse processo, a diretora do CASP tornou-se uma informante chave,
pois permitiu um bom acesso à localidade (WHYTE, 2005) e, durante nossas
conversas, sanou diversas dúvidas.

Essa interação não é simples, apresenta desafios. Angrosino (2009) elenca algumas
habilidades necessárias à imersão do campo: linguística, para facilitar a conversa; boa
memória para futuras anotações; consciência explícita, para observar os detalhes que
a maioria das pessoas filtram em seu cotidiano; ingenuidade cultivada, não temer
questionar o óbvio, estar aberto à desestabilização, para ter novas possibilidades de
pensar a realidade pesquisada, desconfiar de tudo, das respostas fáceis; e habilidade
na escrita.

Vale salientar que pela observação participante não se aplica na transformação do


pesquisador em nativo. Já que a diferença cultural continua, seguirei sendo uma
forasteira. Foote-White17 (2005 [1972]) afirma que os nativos não esperam que você
haja como eles, por isso deve mostrar-se diferente. Outro ponto, o pesquisador não
conhece sua própria imagem pelo grupo pesquisado, ele observa e está sendo
observado. Durante minha pesquisa de campo, sentia olhares duvidosos por eu ser
uma forasteira e havia dúvidas se eu era uma fiscal. Pude ouvir alguns moradores
conversando sobre o meu papel ali, quando alguém perguntava, outro respondia
“acho que ela só está observando” ou “ela está fazendo uma pesquisa”.

17 Mesmo publicado em 1943, sua pesquisa ainda é considerada atual, por ser fundamental para aqueles que
fazem “antropologia em casa” e para utilizar métodos qualitativos de observação participante.
40

Por fim, os desafios de se olhar de perto e de dentro, para além das habilidades
requeridas, advêm com riscos ao pesquisador. Como a área que pesquiso possui
venda de drogas, tive certos cuidados. As visitas ocorreram nos horários de 9 horas
da manhã até meio-dia e entre 14 horas até 17 horas – com exceção de dois dias, nos
quais participei de uma reunião com os moradores da décima oitava sobre a
construção da passarela pela prefeitura, e presenciei um dia de festividade no CASP,
ambas as atividades finalizaram à noite. Ainda assim, o cuidado pode não ser
suficiente, pois, como muitos moradores me disseram: é mais perigoso para quem é
de fora.

Entrevistas semiestruturadas

“Se o social é um traço, então pode ser retraçado” (LATOUR, 2012, p.188). As
entrevistas tiveram o intuito de retraçar as práticas feitas pelos distintos atores; e, a
partir de então, contrapor e convergir suas falas, entender suas negociações e
formação de grupos, compreender seus valores e interesses.

Durante a fase exploratória, realizei entrevistas informais com 30 moradores de 9


passarelas que vivem sobre o alagado ou na “cabeça da ponte” e com 2 líderes
comunitários (MAPA 3, p. 184). A entrevista foi constituída segundo as seguintes
direções: trajetória de aquisição de moradia; processo de construção de moradia e da
passarela; transformações no espaço; infraestrutura atual; participação comunitária.
O objetivo era compreender o processo de transformação da ocupação e participação
comunitária dos moradores. Esses moradores foram escolhidos de forma aleatória,
englobando todo o comprimento das passarelas. Além dos moradores, entrevistei os
líderes do NRDC e do CASP para descobrir se havia alguma atuação em relação à
ressaca. As perguntas tiveram os seguintes delineamentos: tempo de moradia no
bairro, história de liderança do bairro e atuações exercidas no bairro. Essa fase foi
crucial para refinar as perguntas da entrevista semiestruturada para a segunda fase
de pesquisa de campo e manter contato com os líderes comunitários.

Na segunda fase da pesquisa de campo, fiz observação participante no CASP aos


sábados. Crianças e moradores já haviam me visto, mas como o CASP fica em área
aterrada, não tive contato intenso com os moradores que moravam na passarela.
Portanto, antes das entrevistas, fiz dois passeios pela décima passarela junto com
41

uma moradora e com a diretora do CASP. A partir de então, foram feitas 16 entrevistas
em profundidade na décima passarela, sendo 9 moradores de dentro do lago – na
passarela principal e becos – e 7 moradores da cabeça da ponte. Os moradores foram
entrevistados por indicações e houve a preocupação de contemplar toda a passarela
e área já aterrada. As entrevistas ocorreram em janeiro e fevereiro de 2018. Foram
gravadas quando houve a permissão do entrevistado e assinado termo de
consentimento. Teve os seguintes delineamentos: dados gerais, transformações
ocorridas, mudanças na habitação e lote, produção de infraestrutura e saneamento,
relações com a prefeitura, percepção, cotidiano e usos no bairro (ver apêndice).

Como não se trata de uma pesquisa quantitativa, não há necessidade de realizá-la


em um elevado número de pessoas. As entrevistas em profundidade efetuadas
demonstram um relato das ações desses moradores e suas dificuldades enfrentadas.

É importante esclarecer algumas dificuldades transitadas que limitaram a pesquisa de


campo. Inicialmente, tive a intenção de entrevistar moradores em todas as passarelas
para dispor de um panorama geral das transformações da ocupação. A aproximação
dos moradores era em etapas: eu visitava, conversava e só depois entrevistava. A
intenção era deles me conhecerem ao mínimo. Mas a cada nova passarela, uma nova
aproximação era necessária, o que tardava um longo tempo. Somada a isso, havia a
questão da segurança. Há discrepâncias entre passarelas mais perigosas e outras
mais tranquilas. Portanto, por conta do tempo restrito de uma pesquisa de mestrado
para englobar entrevistas em todas as passarelas e pela segurança da pesquisadora,
foi escolhida apenas uma passarela para serem feitas as entrevistas: a décima
passarela, também conhecida como Rua Fernando Torquarto. Mesmo que as
entrevistas tenham sido aplicadas em apenas uma passarela, essa pesquisa engloba
a ressaca do Beirol no Bairro do Congós como um todo – as primeiras entrevistas que
fiz, somada à observação participante auxiliaram nos dados obtidos. A escolha da
décima passarela ocorreu por conta de já ter mais contato com os moradores, pela
existência do CASP, pela segurança e pela passarela não ter sido contemplada pelas
obras recentes da prefeitura.

Como já havia entrevistado os líderes do bairro, apenas as complementei caso fosse


necessário. Em seus discursos, levei em consideração: seu histórico, suas
implicações na ressaca, seus vínculos com os moradores e poder público, seus
enunciados sobre suas atuações, objetos utilizados (como grupo de Whatsapp) em
42

suas divulgações. Dessa forma, pude compreender sua influência em melhorias


espaciais, seus limites e contradições.

Por fim, entrevistei técnicos de secretarias (SECSUB, SEMAM, PLANURB,


SEMPLA)18 do poder público com atribuições na ressaca (entre outubro de 2017 a
fevereiro de 2018). As perguntas envolveram compreender quais eram suas
atribuições quanto às ressacas, seus vínculos com outros atores (outras secretarias,
os moradores, os líderes comunitários), como as atuações eram exercidas, quais
objetos influenciavam nas decisões, o discurso proferido sobre as ações da prefeitura
e divulgação de informações à população.

Instrumentos: fotografia, diário de pesquisa e mapas

A fotografia foi utilizada para auxiliar na compreensão e análise de dados da


ocupação. A imagem fotográfica é aqui compreendida como uma forma de
documentar. Mas é importante destacar que nela não há neutralidade, pois há uma
intenção ao fotografar. Como afirma Martins (2008, p.36) “se a fotografia nada
acrescenta à precisão da observação sociológica, muito acrescenta à indagação
sociológica na medida em que a câmera e a lente permitem ver o que por outros meios
não pode ser visto”. É, portanto, um documento de tensão entre ocultação e revelação
do que é fotografado (idem).

Na pesquisa de campo, foram utilizadas imagens que tirei a partir das passarelas,
fotografias divulgadas na mídia digital (site da prefeitura, G1 e Diário do Amapá), as
veiculadas no grupo de Whatsapp do bairro19 e as imagens aéreas do Google.

Por sua vez, o diário de pesquisa evoca um estado de aprendiz ao pesquisador, pois,
por nada saber, tudo anota. Como enfatiza Latour (2012, p.195) “tudo são dados”.
Para a TAR, a separação entre observação e descrição é artificial, uma vez que tais
categorias sempre se tornam uma (VENTURINI, 2012). Desdobrar controvérsias não
deve ser separado de ordenar esta complexidade. Não é uma ideia completamente
original, pois os mapas são fabricados mediante o ajuste corrente de observações e
descrições. Acontece o mesmo na cartografia das controvérsias. No início, os mapas,

18
Tentei contato com outras secretarias e com a companhia de energia e água, mas tive insucesso
com a aproximação.
19 Com a devida autorização de utilização da imagem.
43

notas, desenhos serão difíceis e incoerentes. Entretanto, esses esboços iniciais


ampararão a observação e auxiliarão em sua futura alteração (idem).

Anotei no caderno de campo as entrevistas, observações, dúvidas, estado de ânimo


e reflexões sobre o lugar. Também desenhei croquis e diagramas. Como a autocrítica
é importante durante o campo (WHITE, 2005), atentei-me e anotei o porquê de um
silêncio, de uma recusa, as primeiras lacunas do questionário, para, a partir de então,
rearranjar o encadeamento de minhas futuras ações em campo.

Em cada anotação, havia um cabeçalho com os seguintes dados: o lugar visitado, o


horário, o que foi observado ou quem foi entrevistado e a data. Palavras-chave foram
postas ao final de cada anotação para facilitar na futura utilização das informações.

Quanto aos mapas, utilizei mapas dos instrumentos de planejamento urbano (planos
diretores e zoneamento) e mapas e bases cartográficas utilizadas pelas secretarias.
Esses mapas são compreendidos como mediadores, que inferem na trama de ação –
como veremos na construção das passarelas. Além disso, criei mapas conceituais
para auxiliar na localização e mudanças espaciais.

Outro fato a ser explicitado é que tentei usar mapas durante as entrevistas. Porém,
houve dificuldades em sua compreensão. Estou habituada a utilizar mapas, aprendi
na universidade, e sempre manuseio aplicativos de localização. Mas nem todas as
pessoas estão acostumadas com esse olhar “de cima”. Se, por um lado, os moradores
achavam interessante ver o teto de sua casa, sua rua, por outro, era difícil pontuar as
mudanças espaciais olhando “de cima”. A partir dessa constatação, comecei a refletir
sobre outras maneiras de apreender suas histórias ao observá-los. As entrevistas
quase sempre ocorreram na varanda e os entrevistados, durante suas falas, sempre
apontavam, por vezes andavam para me mostrar o lugar ou objeto a que se referiam
e utilizavam referências como: a casa rosa, ali na frente, até aquele poste, a casa
desse vizinho, a mangueira (a árvore frutífera), o comercinho, falavam o nome do
vizinho etc. Tais informações foram escritas (às vezes desenhadas) no caderno de
campo.

Compor relatos e diagramas

Para Latour (2012), ao esboçarmos conexões sociais estamos constituindo relatos. O


bom relato é aquele que tece uma rede, isto é, quando os participantes são tratados
44

como atores completos numa trama de ações. O conteúdo escrito contém o


quantitativo de atores que o escritor consegue abarcar como mediadores e até que
ponto o pesquisador alcança reagregar o social (idem).

Um bom relato ANT é uma narrativa, uma descrição ou uma proposição na


qual todos os atores fazem alguma coisa e não ficam apenas observando.
Em vez de simplesmente transportar efeitos sem transformá-los, cada um dos
pontos no texto pode se tornar uma encruzilhada, um evento ou a origem de
uma nova translação. Tão logo sejam tratados, não como intermediários, mas
como mediadores, os atores tornam visível ao leitor o movimento do social
(LATOUR, 2012, p.189).

Ao escrever os relatos de ação (e de risco), consideramos os quatro fatores abordados


por Latour (2012): a) consideramos que uma ação (de humano ou objeto) na/para/com
a ressaca precisa aparecer no relato; b) quanto à figuração, as frases “a prefeitura irá
remanejar famílias de áreas de ressaca” ou “o secretário de obras afirmou que é
necessário demolir e reassentar as famílias de áreas de ressaca”, são distintas
maneiras de representar um ator ou actante para a mesma ação – no primeiro, uma
entidade, no segundo, uma pessoa. Uma não é menos concreta que outra, mas
apenas fortalecem grupos distintos. Na pesquisa, foram utilizadas figuração de um
mesmo actante, desde que não prejudicasse a qualidade da análise. Então, ao
mencionarmos uma ação do NRDC, pode ter sido originalmente figurada pelo líder do
grupo; c) atentamo-nos às críticas dos atores às ações. E complemento com Lussault
(2007), os atores na situação enunciam sobre o agenciamento espacial legítimo,
informam proposições e o qualificam. Nesse jogo de linguagem, visões e valores são
confrontados; d) deixamos as explicações de como e por que aos próprios atores
envolvidos na ação.

Após finalizar as entrevistas e observação participante, listei os diversos actantes


envolvidos, a partir do qual criei um glossário para auxiliar na identificação dos
mesmos – pode ser lido no volume 2. Por sua vez, criei três tipos de diagramas para
facilitar a compreensão do relato: ator-rede, linha do tempo e cosmos.

Os diagramas ator-rede mostram as associações entre actantes nas situações sócio-


espaciais. Inspiram-se: na dissertação de Santos (2015), sobre autoconstrução de
infraestrutura utilizando a TAR; no artigo de Venturini (2012), sobre representações
de controvérsias; e no artigo de Yaneva e Heaphy (2012) sobre cartografar o social
em torno da construção do estádio olímpico em Londres. Inicialmente, desenhei os
diagramas à mão, até ter contato com o Gephi (versão 0.9.2). Esse software é usado
para análise de redes e possui fonte aberta (BASTIAN, HEYMANN e JAYCOMY,
45

2009). Ainda que seja usado para extensas redes, ajuda-nos a compreender as redes
formadas em torno de uma ação na ocupação informal. Em nossa pesquisa, os nós
representam os actantes e os vértices representam os vínculos (veja as páginas 226-
227)

Para inserir dados nesse programa, primeiramente, listei as principais situações na


produção da ressaca e as ações exercidas. Para cada ação, criei uma tabela no Excel
com duas colunas contendo os actantes que se relacionam (source e target). Em
seguida, os dados foram exportados para o Gephi. No software, os nós foram
distribuídos pelo algoritmo “Yifan Hu proporcional”, pois “esse tipo de distribuição
arruma os nós, de modo homogêneo, a partir do tamanho das arestas ou proximidade
de relações criando uma centralidade de conexões” (CECCO, BERNARDI, 2015, p
.8).

Por sua vez, a linha do tempo, mostra ações no decorrer do tempo e retraça as etapas
de transformação sócio-espaciais. Por fim, o diagrama do cosmos, ilustra os diversos
pontos de vista. Foi inspirado no diagrama em formato de árvore, citado por Venturini
(2012), e no formato circular exposto no artigo de Morais, Andion e Pinho (2015) sobre
controvérsias em torno da corrupção eleitoral.

Latour (2012) afirma que os diagramas contêm as desvantagens de não capturarem


movimentos e de serem visualmente frágeis. Por outro lado, também há vantagens,
pois demonstram uma fiel imagem das associações e pela debilidade da
representação gráfica propiciar “ao pesquisador não confundir sua infralinguagem
com os ricos objetos pintados: o mapa não é o território”. (LATOUR, 2012, p.194). Por
conseguinte, o diagrama deve ser menos confuso e complicado que as disputas
coletivas. Sua função não é ser um espelho da complexidade das controvérsias, mas
tornar tal complexidade legível (VENTURINI, 2012).
46

CAPÍTULO 2 – AS OCUPAÇÕES INFORMAIS NAS RESSACAS DE MACAPÁ E A


RESSACA DO CONGÓS
47

Para este capítulo, seguimos e descrevemos a atuação de diversos actantes


(LATOUR, 2012). Tendo isso como base, veremos as legislações pertinentes às áreas
de ressaca, a pressão por ocupação informal nessas áreas na cidade de Macapá e
sua articulação com planos diretores. Notaremos as mudanças das ações e interesses
por parte do Poder Público quanto às ocupações nessas áreas, que passam entre:
preservar, omitir, proibir, reassentar, impedir crescimento e urbanizar. Nesse
processo, o Poder Público não se mostra como uma entidade homogênea, mas possui
diversas vozes contraditórias que dizem como se deve atuar nas ocupações informais.
Por fim, apresentaremos a ressaca do Congós em bairro homônimo, nossa área de
estudo, e o início de sua ocupação na décima passarela.

2.1. Panorama das ocupações nas ressacas de Macapá

A cidade de Macapá possui duas bacias hidrográficas: a Bacia do Igarapé da


Fortaleza, localizada na região centro-sul da cidade, com superfície de
aproximadamente 194.500 km²; e a Bacia do Rio Curiaú, situada na zona norte da
cidade, com área de aproximadamente 185.000 km² (NERI, 2004). A partir de suas
microbacias de drenagem, surgem as ressacas, que totalizam 23 áreas localizadas
no perímetro urbano de Macapá (MAPA 4, p. 185).

As ressacas são actantes e possuem diversas funções e valores, como: beleza


cênica, turismo, recreação, permanência do microclima da cidade, manutenção da
biodiversidade, drenagem urbana, alimentação dos reservatórios de água subterrânea
(TAKYAMA et al., 2012). Imagem pode ser observada na fotografia 3 (p. 208).

As ressacas dispõem como característica o solo hidromórfico (solos muito jovens e


submetidos à influência de chuvas e marés, com origem no período quaternário).
Possuem uma intricada rede de canais interconectando as diversas ressacas e
também pequenos canais conectados às áreas de várzea do Rio Amazonas
(TAKIYAMA, 2012). O nível da água sofre influência pelas águas pluviais e,
dependendo da ressaca, pela maré (como a do Congós). Seu nível varia de acordo
com o período sazonal, na época do período chuvoso (janeiro a junho):

a rede de drenagem meandrante que perpassa por dentro dos


sistemas de ressacas demonstra que longe de ser um sistema inativo
de águas paradas permite um fluxo que se conecta das cabeceiras
passando por dentro dos sistemas de ressacas e alcançando os braços
48

de drenagem que se conectam com o Igarapé Fortaleza. (TAKYAMA


et al., 2012, p.51)

O autor ainda afirma que as ressacas são vulneráveis aos processos de inundação
por causa de suas condições naturais somadas ao seu baixo relevo e ao fato de serem
suscetíveis à dinâmica de chuvas e marés. Alerta que o aterro aumenta as chances
de se inundar áreas antes não inundáveis, pois diminui a área disponível à
acumulação de água e sedimentos naturais.

A ressaca possui um ecossistema complexo com rica fauna e flora. São diversas
espécies de vegetação, como chapéu-de-couro, aninga e buriti (TAKYAMA et al.,
2012) – os dois últimos podem ser observados na fotografia 4 (p. 208). Nesse actante,
vivem diversidades de peixes, com predominância do peixe-néon (Hyphessobrycon
sp2). Na área úmida do Congós, também há moreia de água doce, ou poraquê, a qual
é vista com desdém pelos moradores por parecer uma cobra (idem) e pelo receio por
causa do choque elétrico.

2.1.1. Legislação pertinente às ressacas

Veremos, brevemente, um panorama das legislações em que as ressacas se


enquadram e suas mudanças ocorridas no decorrer do tempo. As primeiras
legislações são de âmbito federal, já a partir da criação do estado do Amapá, foram
criadas leis específicas para as áreas de ressaca. Um resumo que mostra as diversas
leis pode ser visto na linha do tempo 1 (p. 203).

Primeiramente, temos o Decreto Federal n° 24.643 de 1934, designado de Código de


Águas, que estipulou a água pública de uso comum no Brasil. No mesmo ano, o
primeiro código florestal do Brasil considerava as florestas existentes como bem de
interesse comum a todos os habitantes, mas não versava sobre proteção do meio
ambiente. Tal apreensão veio com sua substituição pela Lei nº. 4771/1965, que
instituiu como área de preservação permanente as florestas e outras variedades de
vegetação natural que estejam localizadas, dentre outras, ao longo de rios ou de
qualquer curso d’água (art.2º). Posteriormente, essa lei foi revogada em 2012 pelo
novo código florestal.

A respeito do parcelamento do solo urbano, a lei federal nº 6.766/79 impede o


parcelamento em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações (antes de promover e
49

garantir o escoamento das águas) e em áreas de preservação ecológica ou onde haja


poluição que impeça condições sanitárias suportáveis, até sua reparação (art. 3º).

Ainda sobre o meio ambiente, a Lei n° 6938/1981, conhecida como Política Nacional
de Meio Ambiente, detém como principal finalidade a preservação da natureza,
melhoria e restauração da qualidade ambiental. Outro ponto inferido é a questão
jurídica: “à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou
indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos
ambientais com fins econômicos” (Art.4º. VII). Também vale destacar:

Art.2º- A Política Nacional de Meio Ambiente tem por objetivo a preservação,


melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando a
assegurar no país, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos
interesses da segurança nacional e a proteção da dignidade da vida humana,
atendido os seguintes princípios:
I – Ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando
o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente
assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo.
[...]
VII - Acompanhamento do estado da qualidade ambiental;
VIII – Recuperação de áreas degradadas.
IX – Proteção de áreas ameaçadas de degradação. (BRASIL, 1981)

Também na esfera federal, a Política Nacional de Recursos Hídricos (n° 9.433/1997


só foi implementada em 2000), visa à prevenção de usos inadequados nos recursos
hídricos, no qual se enquadram as ressacas. Já a Lei n° 9.605/98, regulamentada pelo
Decreto 3.179/99 e denominada Lei dos Crimes Ambientais ou Lei da Natureza,
dispõe sanções penais e administrativas para indivíduos que degradem o meio
ambiente.

Sobre regularização fundiária urbana, admite-se com aprovação de projeto, caso seja
núcleo urbano informal consolidado em área de preservação permanente e não
identificado como área de risco (Medida Provisória nº 759, de 2016). Foi revogada
pela nova lei de regularização fundiária (Lei n. 13.465/2017), que instituiu:

Na Reurb-S dos núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de


Preservação Permanente, a regularização fundiária será admitida por meio
da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da lei específica
de regularização fundiária urbana. (Lei 13.465/2017)

A Constituição Federal de 1988 estipula que é competência dos estados e municípios


preservar e conservar o meio ambiente. Após sua transformação para estado, em
1988, sua constituição visou proteger o ecossistema natural, estipulando as terras
adjacentes aos cursos d’água como áreas de preservação permanente e o zelo pela
50

preservação dos corpos aquáticos. Nessa época, a atribuição de proteger as ressacas


passou à Coordenadoria Estadual do Meio Ambiente (CEMA). Criada em 1989 e
regulamentada dois anos depois, sua finalidade era orientar a política de meio
ambiente do estado. Em 1996, foi extinta e substituída pela Secretaria de Estado do
Meio Ambiente (SEMA), a qual objetiva elaborar e coordenar as políticas de meio
ambiente estaduais.

No âmbito estadual, o código de proteção ao meio ambiente do estado (lei nº 005/94)


trouxe orientações específicas à criação de instrumentos ao planejamento ambiental
e à proteção permanente de áreas ou vegetação localizadas ao redor de lagos
temporários ou permanentes e reservatórios de água.

Em 1999, as ressacas foram tombadas como áreas de proteção ambiental mediante


a Lei Estadual n. 0455/99, que dispõe sobre a proibição da implantação de indústrias
poluidoras, depósitos de lixo, terraplanagem, aterros, uso de pesticidas e realização
de atividades que ameacem as espécies bióticas. Ela foi revogada pela lei estadual
nº 0835/2004, que dispõe sobre a ocupação urbana, uso econômico e gestão
ambiental e que promoveu a necessidade de criação do Zoneamento Ecológico
Econômico Urbano (ZEEU). Até essa lei vigente, o Poder Público não poderia
urbanizar essas áreas do ponto de vista legislativo, o que mudou como afirma no art.4
“constatando-se que a ocupação urbana de uma área é irreversível do ponto de vista
ambiental, fica essa área priorizada no ordenamento urbano e paisagístico, para
melhoria da qualidade de vida dos habitantes da mesma” (AMAPÁ, 2004).

Já na esfera municipal, em 1998, foi sancionado o Código Municipal Ambiental de


Macapá (Lei n. 948/98), regulamentado em 2014, o qual dispõe sobre proteção,
controle, conservação e melhoria do meio ambiente do referido município. É
importante salientar que, mesmo com essa lei, não havia um órgão municipal
específico para executar essa política. Havia apenas “uma secretaria municipal que
agregava as questões ambientais às de turismo, a Secretaria Municipal de Meio
Ambiente e Turismo – SEMAT” (JUAREZ, 2008). Atualmente é atribuição da
Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMAM), materializada em 2005. Entretanto,
ainda existe fraqueza institucional, que só é abrandada com vínculos com
organizações estaduais mais desenvolvidas (idem).

Apenas em 2000, o poder executivo foi autorizado a coletar e oferecer um destino


apropriado ao lixo nas áreas de ressaca, devido à lei municipal n. 1.054/00. Esta
51

trouxe orientações específicas para construir lixeiras coletivas nas entradas das
ressacas ocupadas por habitações (TAKIYAMA et al., 2012).

A ressaca como instrumento da prática (LUSSAULT, 2010) do poder público atrela-se


à ideia de preservação do meio ambiente nas diversas esferas de poder para
implementar ações políticas que impedem sua ocupação. Porém, verificam-se
dificuldades institucionais para impedir a pressão por ocupação informal e fiscalizar
sua expansão. De outra forma, legislações mais recentes possibilitaram a urbanização
de ocupações consolidadas, partindo do pressuposto da melhoria da qualidade de
vida desses moradores.

2.1.1. Delimitações terminológicas

É importante entendermos como as palavras são usadas ao abordar as palafitas nas


ressacas, pois como Venturini (2009) sugere, é importante compreendermos como os
discursos são tecidos na literatura. Em Macapá, as áreas úmidas com palafitas são
conhecidas por distintos termos pelo poder público, mídia, pesquisadores e
moradores: ocupação informal na ressaca, ocupação na ressaca, baixada, área de
ponte, passarela, invasão e, em raros casos, favela.

Instrumentos de planejamento a denominam como ocupação em áreas de ressaca ou


em áreas protegidas. A denominação enfatiza tanto o estabelecimento de moradia,
como também a condição de proteção dessas áreas. Mas importa salientar que o
termo “ocupação” é distinto de “ocupação urbana (organizada)” – visto em outras
cidades no país, como em Belo Horizonte –, que consiste em uma prática organizada
e “estruturada por um ou vários movimentos sociais, com discursos e finalidades que
ultrapassam a questão da moradia e pretendem uma oposição política mais ampla ao
status quo” (LOURENÇO, 2014, p. 34). Já em Macapá, a terra ou a água é ocupada
paulatinamente, sem vínculos com movimentos sociais.

Na mídia, parlamentares utilizam o termo ocupação ou invasão nas ressacas. Após o


termo ocupação, podem ser acrescentadas as palavras “desordenada” ou “irregular”,
enfatizando o crescimento sem planejamento. De outro modo, invasão, aponta para a
inexistência de autorização exigida de órgãos competentes.
52

Um ponto importante é que o termo favela não é utilizado nos instrumentos de


planejamento, pelos gestores, mídia, nem pelos moradores. Não podemos determinar
o peso da imagem da palavra favela com relação à sua configuração em alvenaria e
becos estreitos, ao morro e ao tráfico. Pesquisas científicas, de outro modo, fazem
analogias das ocupações nas ressacas às favelas. O primeiro a abordar esse assunto,
repercutindo em pesquisas futuras, foi o diagnóstico de Aguiar e Silva (2002). Os
autores veem similaridades entre favela e as palafitas em Macapá, devido à baixa
condição socioeconômica, pouca estrutura física das casas, exclusão social e
violência; entretanto, “a história de ocupação e percepção das populações em relação
ao ambiente em que vivem são diferentes” (AGUIAR E SILVA, 2002, p.174). Já
Carvalho (2015), em sua tese sobre habitação na cidade de Macapá, afirma que as
favelas existem em diferentes tipologias arquitetônicas adaptadas às características
geográficas e físicas de cada lugar, sendo assim, considera as áreas de palafitas
como favelas. Por sua vez, baixada e área de ponte exercem estigmas análogos ao
“favelado” em outras regiões do Brasil (SCHEIBE, 2018).

A ponte, por sua vez, é sinônimo de passarela. É o nome mais utilizado pelos
moradores em suas falas. Porém, dependendo da entonação e frase, pode conotar
negatividade (como área de ponte). No início de minha pesquisa de campo, eu falava
passarela pelo receio da conotação negativa, mas soava desconexo, pois eles, em
geral, respondiam “ponte” – como “aqui na ponte” ou “eu morava no final da ponte”.

A utilização do termo ocupação informal no Brasil apresenta distintas e divergentes


conotações, como terrenos que não possuem a posse formal da terra, onde não são
pagos impostos governamentais, os quais não estão ou estão de forma incompleta
em cadastros urbanos, que não seguem normas urbanísticas previstas ou estão sem
regulamentação pelo poder público (OLIVEIRA, 2011). A denominação, carrega um
valor marginal, mas também remete ao ato de habitar, ocupar um espaço (idem).
Nessa pesquisa, seguimos, principalmente, com a expressão ocupação informal para
diferenciar das ocupações organizadas.

2.1.2. Histórico das ocupações informais nas ressacas de Macapá

Atualmente, das 23 ressacas no perímetro urbano de Macapá 22 sofrem pressão por


ocupação informal. A ocupação informal nas ressacas – também denominadas de
53

“baixadas” ou “áreas de ponte” – não é uma prática recente e está atrelada às


dinâmicas de grandes empresas e de atuações estatais. Para entendermos esse
processo de ocupação, faz-se necessário considerar a dinâmica da cidade e do
estado do Amapá. Também é relevante considerar os planos diretores antigos e a
atuação do poder público, para podermos compreender como a questão era tratada,
seus discursos e suas mudanças.

Em 1943, a região do Amapá foi desmembrada do estado do Pará e tornou-se


Território Federal a partir do Decreto-lei n. 5.812, que também criou os territórios do
Guaporé, de Ponta Porã, do Iguaçu e do Rio Branco (PORTO, 2000). Com isso,
Macapá converte-se como a capital do território. A cidade, nessa época, não detinha
serviços básicos de infraestrutura e saneamento (SANTOS, 1998) e a ocupação
urbana não chegava a exceder o bairro Central atual (MAPA 5, p. 186).

A partir da década de 1940, o Poder Público tornou-se o principal ator na


transformação da configuração urbana da cidade (PORTILHO, 2006). O governo de
Janary Nunes teve suas atuações embasadas no ideal de modernização que a
recente capital do território federal deveria demonstrar (idem). Foram construídas
casas para funcionários públicos20, prédios públicos e remanejamento da população
com menor poder aquisitivo do centro às áreas periféricas, o que separou a cidade
em áreas de trabalhadores e outras para populações com maior poder aquisitivo.

Nas décadas de 1950 e 1960, houve a expressiva exploração de recursos naturais


por empresas de capital internacional inseridas no contexto da implantação de
grandes projetos na Amazônia, que “faz parte da construção de uma economia
planetária por corporações transnacionais” (BECKER, 1990, p.62). A partir desse
período, houve rápida expansão da cidade. O bairro Central permaneceu como maior
área de atração de imigrantes, entretanto também houve espraiamento urbano e o
surgimento dos seguintes bairros: Beirol, Laguinho, Igarapé das Mulheres (no atual
Perpétuo Socorro), Santa Rita, aglomerado Vacaria, Buritizal, Jesus de Nazaré,
Pacoval. A maior parte das casas construídas eram edificadas em madeira, por conta
de seu custo mais baixo (GRUMBILF, 1960). Nessa época, principiou o processo de
ocupação das áreas úmidas, a partir do surgimento do aglomerado no Igarapé do
Elesbão próximo à orla da cidade21 (NERI, 2004) – ver mapa 5 (p.186).

20
O governador queria que servissem de modelo à população, mas não aconteceu nas casas
palafíticas.
21
Atual bairro Santo Inês.
54

Na década de 1970, houve ações de embelezamento da cidade e construções de


obras públicas em áreas ocupadas por populações mais abastadas (SILVA, 2017).
Foram feitos mais projetos de higienização da cidade, em razão do remanejamento
de pobres urbanos à periferia.

Na década de 1970, as duas maiores áreas de ocupação espontâneas, a


baixada do Perpétuo Socorro, conhecida como baixada do Igarapé das
Mulheres, e a baixada do Elesbão tiveram seus ocupantes removidos para
uma área situada a leste do Quartel General do 3º Batalhão de Infantaria de
Selva (BIS), originando o bairro Nova Esperança a oeste da cidade. A
transferência das famílias das baixadas ocorreu em função do projeto de
urbanização destinado a essas duas áreas localizadas às margens do rio
Amazonas, em frente à cidade (ANDRADE, 1995, apud PORTILHO, 2006).

Em 1988, o Território do Amapá foi transformado em estado, inserido em um contexto


nacional de reorganização administrativa dos territórios, onde se impuseram decisões
políticas de forma heterônoma, sem debater com a população (PORTILHO, 2006). Em
1991, foi criada a Área de Livre Comércio de Macapá e Santana (ALCMS). Ambos os
fatos desencadearam nova leva de imigração, intensificando sobremaneira a
ocupação em áreas úmidas (COHRE, 2006). As ressacas Chico Dias, Sá Comprido e
parte do Lago do Pacoval começam a ser intensamente ocupadas (PORTILHO, 2006).

Tabela 01. Crescimento populacional na cidade de Macapá e no Amapá


Estado do Amapá Macapá
Ano População População População População
% ** % **
total urbana total urbana
1950* 37.477 13.900 37,09 20.594 10.068 48,89
1960* 68.520 33.279 48,57 36.214 8.654 23,90
1970 114.359 62.451 54,61 86.097 54.740 63,58
1980 175.257 103.735 59,19 137.451 93.132 67,76
1991 289.397 234.131 80,9 179.777 154.063 85,7
2000 477.032 423.581 88,8 283.308 270.628 95,52
2010 665.630 597.827 89,81 396.514 379.582 95,72
Fonte: Dados censitários do IBGE
Nota: *dados do Governo do Estado do Amapá citados por Portilho (2006); **taxa de urbanização.

Todos esses fatores contribuíram demasiadamente para o aumento da migração na


capital e consequente crescimento populacional. Pode-se observar o elevado
crescimento populacional na tabela 01, a partir do qual a população urbana de Macapá
quadriplicou em 1980. Os migrantes foram atraídos pela perspectiva de emprego e de
melhores condições de vida, mas sem recursos para adquirir um lote em área de terra
firme, acabaram ocupando as áreas alagadas, sendo mais expressivo a partir da
década de 1980 (PORTILHO, 2006). De outro modo, há o aspecto cultural, pois ainda
que minoritário, não deve ser desprezado. De acordo com o antropólogo Caporrino
55

(2016), os ribeirinhos e caboclos migraram para Macapá a partir da década de 1950


e tiveram que adaptar seu modo de vida tradicional à cidade.

2.1.3. Planos diretores

O planejamento urbano em Macapá iniciou em 1960. O planejamento – em um breve


parêntese conceitual – consiste em “tentar simular os desdobramentos de um
processo, com o objetivo de melhor precaver-se contra prováveis problemas ou,
inversamente, com o fio de melhor tirar partido de prováveis benefícios” (SOUZA,
2016, p.46). De natureza distinta e complementar, a gestão significa “administrar uma
situação dentro dos marcos dos recursos presentemente disponíveis e tendo em vista
as necessidades imediatas” (SOUZA, 2016, p.46). Seus conceitos e suas diferenças
são importantes para compreendermos a reverberação dos planos executados para a
cidade.

Então, em 1960, a empresa GRUMBILF DO BRASIL elaborou o primeiro plano


urbanístico para Macapá. A necessidade procedeu pela preocupação de distribuição
de energia e com o crescimento desordenado na cidade (GRUMBILF, 1960). O plano
estipulou área para expansão urbana da cidade e outra adjacente para produção
hortigranjeira (MAPA 6, p. 187). O plano citou a topografia peculiar da cidade,
abrangida por numerosos igarapés e “lagos” (as ressacas) interligados ao Rio
Amazonas. Com preocupações ambientais, afirmou que tais áreas deveriam ser
conservadas, baseando-se na ideia que estas representaram aspecto típico de
Macapá, de serem pulmões verdes e de funcionarem como filtros de ar. Sugeriu a
construção de barragens para controlar o nível da água e estipulou manter a
vegetação nativa. Também propôs usá-las como um ponto de lazer na cidade, onde
os lagos poderiam ser aproveitados para práticas de esportes aquáticos. O plano
considerava Macapá como uma cidade-jardim privilegiada, pois “os lagos circundados
por farta vegetação, já por si mesmo, representam extensos parques, formando uma
verdadeira cidade-jardim” (GRUMBILF, 1960, p.27, grifo do autor).

Após 13 anos da criação do Plano Grumbilf, em 1973, a Fundação João Pinheiro


elaborou o Plano de Desenvolvimento Urbano de Macapá (PDUM), tendo como
principal objetivo “orientar o desenvolvimento urbano municipal” (TOSTES, 2006,
56

p.93). Vale destacar como objetivos específicos a preocupação com a infraestrutura,


com as condições de moradia e com as áreas de expansão urbana. Nele, as ressacas
foram citadas como “sério obstáculo à expansão urbana” (FUNDAÇÃO JOÃO
PINHEIRO, 1973, p.65). Destarte, o plano sugeriu o aterro de alguns braços, com a
finalidade de liberar novas áreas à urbanização e melhorar a drenagem superficial.
Recomendou a ocupação de áreas de terra firme que se localizavam entre ressacas,
como a do Chico Dias e do Beirol, onde já havia expansão espontânea. Propôs o
desenho de arruamento às áreas de expansão, onde as vias iriam até a borda das
ressacas. Entretanto, alguns eixos viários – compreendidos como indutores de
expansão – cortariam as ressacas (MAPA 07, p. 188). A Fundação João Pinheiro teve
preceitos antagônicos comparados ao plano anterior, se o primeiro plano discorria
sobre uma cidade-jardim e valorizava as ressacas, o segundo detinha preceitos
racionais, priorizando a expansão da cidade.

Em seguida, a Centrais Elétricas do Amapá contratou a empresa H. J. Cole e


Associados, entre 1976 a 1979, devido à preocupação de expansão urbana da cidade.
Sua atuação foi adaptar e complementar o plano anterior – por vezes modificando
radicalmente, como no que concerne às ressacas. Esse plano proibiu a construção
nas áreas úmidas, baseado na justificativa de não comprometer a qualidade da água.
Propôs remanejamento da baixada do Elesbão. Disponibilizou áreas da cidade para
suprir a demanda de habitação: do Congós (englobando Buritizal), da Lagoa dos
Índios, do Elesbão e das Pedrinhas (MAPA 8, p. 189). De acordo com seus
elaboradores, “a área dos Congós (Buritizal) teria capacidade de praticamente
eliminar o déficit habitacional de Macapá para o período estudado” (PORTILHO, 2006,
p.108). Esses planos, mesmo com suas fragilidades, não foram postos em prática pelo
Poder Público.

Já em 2001, foi aprovado o Estatuto da Cidade, o qual estabeleceu normas para


regular o uso da propriedade urbana relacionando-as ao bem coletivo, à segurança,
ao bem-estar da população e ao equilíbrio ambiental (BRASIL, 2001). Por exigência
do Estatuto da Cidade, em 2004, foi aprovado o atual Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Macapá (PDDUAM), pela lei complementar
n. 026/04. Consiste no atual plano da cidade e contempla, dentre outras: o
ordenamento territorial, a questão habitacional – elencando as áreas prioritárias para
intervenção – e a proteção do meio ambiente. O plano estipula o compromisso do
município em sanar o déficit habitacional a partir da promoção de políticas
57

habitacionais. O PDDUAM considera as ressacas como patrimônio ambiental do


Município de Macapá, orienta práticas para sua proteção – contendo usos e atividades
que venham ocasionar degradação – e estipula diretrizes à questão habitacional nas
áreas de ressaca: complementar a urbanização e adequar as condições de moradia
em áreas aterradas e próximas ao centro da cidade; minimizar o impacto ambiental e
oferecer serviços públicos, enquanto não puder reassentar os moradores; priorizar o
reassentamento, considerando como critérios a localização, grau de degradação e
riscos socioambientais; realocar para terrenos vazios próximos; ter participação da
população na escolha do terreno; proibir novas ocupações e oferecer alternativas
habitacionais em locais adequados. O que demonstra uma preocupação com essas
áreas.

Em 2012, o Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá,


em cooperação com o Ministério Público do Estado do Amapá, elaborou o
Zoneamento Ecológico Econômico Urbano de Macapá e Santana (ZEEU). Esta
ferramenta complementa o PDDUAM e, na teoria, opera como alicerce ao
ordenamento das atividades de uso e de ocupação de solo das ressacas que integram
o Igarapé da Fortaleza. Seu objetivo foi mapear e zonear as ocupações nas ressacas
de ambas as cidades e definir proibições, cenários desejados, práticas toleradas e
incentivos (TAKYAMA et al., 2012). Dividiu as ressacas em sete zonas, dentre elas:
Zona Industrial e Empresarial, Zona Destinada à Proteção Ambiental (Z1), Zona Sob
Pressão da Ocupação Urbana (Z2), Zona em Processo de Ocupação Urbana (Z3) e
Ocupação Urbana Consolidada (Z4). Baseada em:

As zonas foram definidas preferencialmente de acordo com as necessidades


de proteção, conservação e recuperação dos recursos naturais e do
desenvolvimento sustentável, sendo que nas áreas de urbanização
consolidada as propostas visam à melhoria das condições de vida da
população residente (idem, p.68).
Zona Sob Pressão da Ocupação Urbana é formada por áreas sem ocupação
dentro das ressacas, mas que se encontram sob pressão devido à ocupação
urbana e oferta de serviços em seu entorno.
Zona em Processo de Ocupação Urbana é formada por áreas com médio
adensamento populacional e de construções dentro e no entorno das
ressacas, apresentando indícios de ocupação recente ou em processo de
ocupação atual.
Zona com Ocupação Urbana Consolidada é formada por áreas com médio a
alto adensamento populacional e de construções dentro e no entorno das
ressacas, apresentando paisagens altamente antropizadas, alto grau de
poluição sanitária e uma multiplicidade de usos e ocupação.
Zona Industrial e Empresarial é formada por áreas onde estão instalados
empreendimentos produtivos e/ou serviços diversos. Esta Zona é formada
por quatro subzonas:
I. Subzona destinada a atividades de aquicultura;
II. Subzona destinada à atividade oleiro-cerâmica;
58

III. Subzona destinada a atividades de agricultura;


IV. Subzona destinada a atividades de comércio e serviços.
(idem, p.68)

Baseado em relatórios de diversos campos do conhecimento, resultou em uma


ferramenta interdisciplinar para dar conta da complexidade das ressacas e protegê-
las. O ZEEU foi um avanço por enquadrar as ressacas em diversos estágios de
ocupação, indo além de compreendê-las como um sistema homogêneo. Entretanto, a
questão habitacional ficou restrita apenas às áreas consolidadas, onde permitiram
urbanização.

O processo de ocupação nas ressacas não ocorreu devido à falta de planejamento,


pois vimos que os diversos planos diretores tiveram preocupação sobre a ocupação
nessas áreas. O problema, então, foi a pouca aplicabilidade desses instrumentos no
decorrer do tempo e dificuldades em fiscalização, a partir do qual ficou perceptível a
omissão do Poder Público em tratar essa questão. Assim, mesmo com tanta legislação
protegendo as ressacas, não há total regulação, visto que os controles são parciais.
As ocupações informais não sucumbem ao ordenamento imposto.

Nesse processo, as ocupações informais cresceram indo além do que estava


predisposto nos planos e zoneamentos. Não é um fato que gere surpresas. Afinal, o
espaço é descontínuo, está sempre mudando. Mas isso não diminui a importância
desses instrumentos. O planejamento é um importante instrumento a ser utilizado na
gestão urbana e desconsiderá-lo seria seguir um caminho errático (SOUZA, 2016).
Mas possui limites. O desafio é compreender a complexidade existente entre
determinação e indeterminação, níveis de condicionamento e graus de liberdade,
regras e circunstâncias, onde o esperável é, amiúde, boicotado pelo inesperado
(idem). Tendo em vista que o espaço não é uma matéria inerte modelada e controlada
passivamente pelo Poder Público, o processo de autocriação da dimensão espacial é
co-construído pelas práticas de diversos actantes, gerado por complexas interações
(LUSSAULT, 2010), nunca completamente previsível e manipulável (SOUZA, 2016).

2.1.4. As ações do Poder Púbico: proibir, controlar, reassentar e urbanizar

Esta breve descrição, longe de encontrar uma solução ao problema, é importante para
entendermos como o tema da ocupação das ressacas foi e é tratado nas ações do
Poder Público. Vimos, até então, que as legislações (nas esferas federal, estadual e
59

municipal) e planos diretores (Grumbilf, H.J. Cole e PDDUAM) elencam a preservação


ao meio ambiente. A partir da H.J. COLE vemos a proibição das ocupações informais.
Já a partir de 1999 (lei estadual nº 455/99, lei estadual nº 0835/04, PDDUAM, ZEEU)
também citam o controle dessas ocupações informais para impedir seu crescimento.

Desde 1979 (com o plano H.J. COLE, o PDDUAM, ZEEU), elencam o reassentamento
ao tratar a questão habitacional na ressaca. Sobre esse aspecto, vimos que houve
ações higienizadoras na cidade, onde removeram os pobres urbanos para áreas
distantes do centro. Para além disso, até 2007, o Poder Público apenas doava lotes à
população (CARVALHO, 2017)22. A partir de então, o estado aderiu à política nacional
de habitação. O estado e o município realizaram a construção de seis conjuntos
habitacionais na cidade em parceria com o Governo Federal, por meio do Programa
de Aceleração do Crescimento Urbanização de Assentamentos Precários (PAC-UAP),
em 2007, e a partir de 2009 com o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) faixa
1 (MAPA 9, p.190).

Entretanto, mais de 10 anos desde a adesão à política habitacional, o município ainda


não possui o Plano Habitacional de Interesse Social, que possui o objetivo de
conhecer as especificidades locais, a demanda por habitação e efetuar diretrizes para
o planejamento no âmbito habitacional. Por conta disso, o Poder Público desconhece
a atual dimensão do problema habitacional e dados primordiais se mostram ambíguos,
como o quantitativo do déficit habitacional no município. Há dificuldades em encontrar
esses dados. Serrão e Lima (2013) alegam que, segundo o Governo do Estado do
Amapá (2011), o município de Macapá apresenta um déficit habitacional de 42 mil
unidades habitacionais. Já o Ministério das Cidades menciona que esse déficit está
em 25 mil unidades habitacionais e o IBGE (2010) declara um déficit de 17 mil
unidades habitacionais. Logo, não existe um consenso sobre os dados, nem há como
inferir a dimensão do déficit no município.

Os conjuntos habitacionais feitos até então são insuficientes para suprir a demanda
habitacional em termos quantitativos. A promoção de HIS poder ser compreendida de
forma heterônoma, na qual há “separação institucionalizada entre dirigentes e
dirigidos” (SOUZA, 2016, p.174), dessa forma desconsidera os interesses dos
próprios moradores. Importante elucidar que não se trata de fazer uma análise sobre

22
Para mais detalhes sobre a criação de bairros devido à doação de lotes à população, ler a tese de
Silva (2018).
60

a aplicação da política de habitação em Macapá e de sua qualidade projetual 23, mas


de entender como as ocupações nas ressacas são tratadas pelo Poder Público e
demonstrar o ponto de vista dos moradores das ressacas a respeito.

Ao notar que diversos moradores de áreas de ressaca não querem viver em um


conjunto habitacional, Luz et al. (2018) tentam compreender a motivação para as
famílias terem essa opinião. Baseados em suas entrevistas, afirmaram que:

63% se contrapõem a se inscreverem perante à falta de interesse, que se


justifica através do tamanho e qualidade dos apartamentos, pois segundo os
moradores, os mesmos são insuficientes para a acomodação e conforto das
famílias, pois nas áreas de ressaca encontram-se com casas maiores, além
disso, é levado em conta a localização dos conjuntos habitacionais, como o
que está situado na zona norte da capital, afastado do centro urbano da
cidade, e o fato das pessoas não quererem se responsabilizar com às tarifas
que lhe são atribuídas como: taxa de condomínio e conta de energia. (LUZ et
al., 2018, p. 09)

Com base nos autores supracitados, os moradores não acham atraente morar em
HIS, pois os projetos habitacionais desconsideraram as reais necessidades dos
beneficiários e pela distância de suas antigas moradias.

Atualmente, para além do reassentamento, pondera-se em urbanizar as ocupações


informais nas ressacas. A partir de 2004, a legislação estadual (lei no. 0835/04)
permitiu o ordenamento urbano nessas áreas e, assim, ofereceu abertura às ações
urbanizadoras. O ponto de vista da urbanização começou a ser admitido pelo Poder
Público em Macapá. Contudo, há conflitos entre onde pode ser urbanizado, pois a
legislação n. 0835/04 citou urbanizar as áreas mais consolidadas, mas o PDDUAM
restringiu às áreas aterradas e próximas ao Centro. Só em 2012, o ZEEU delimitou
claramente as áreas consolidadas para urbanização e, até, regularização fundiária.
Houve um avanço. Temos uma mudança no discurso e nas legislações, por se
reconhecer essas ocupações como parte da cidade e até permitir sua regularização.

Ao falarmos de aberturas à urbanização de ocupações informais na cidade, não há


como desconsiderar o pano de fundo das urbanizações de favelas no Brasil, pois estas
tiveram implicações em Macapá. Em breve retrospectiva, a erradicação de favelas foi
a alternativa mais adotada até a década de 1960 no país. A admissão de urbanizar
favelas veio a partir da década de 1970 com programas alternativos, “de pequena
abrangência e desligados do eixo estrutural da política habitacional e das estruturas

23
Para mais informações sobre o histórico da política de habitação em Macapá, ver Carvalho (2015;
2017); mudança no cotidiano dos beneficiários a partir da remoção, ler Sheibe (2016); preferir viver em
palafitas, Luz et al. (2018).
61

institucionais” (DENALDI et al., 2016, p. 102). A urbanização de favelas só entrou para


agenda federal na década de 1990, quando formularam o programa “Habitar Brasil” –
o qual encaminhou recursos para urbanizar favelas e financiar moradias. Após um
período de investimentos irrisórios, a partir de 2003, retomaram os investimentos em
habitação no país, com os principais programas habitacionais PAC-UAP, em 2007, e
PMCMV, em 2009 (DENALDI et al., 2016). Macapá aderiu ao PAC-UAP, no qual teve
uma proposta arquitetônica (no mapa 9 corresponde ao ícone 7, p. 190).

Importa salientar que o termo urbanização só aparece nos atuais instrumentos de


planejamento urbano. A fala “urbanizar” não é citada nos meios jornalísticos. O que é
construído pelo Poder Público, seja rede de energia, rede de água ou passarelas, é
mostrado de forma pontual (como veremos ao seguirmos a construção das passarelas
no bairro do Congós).

Atualmente, as ocupações possuem mais visibilidade ao começarem a ser


reconhecidas como parte da cidade. Por outro ponto de vista, ainda há invisibilidade
na fala de seus moradores, pois não possuíram voz na tomada de decisões, isto é,
não houve participação; e tiveram suas práticas desconsideradas nas legislações.
Um exemplo é quando o ZEEU tenta incentivar a “elevação dos padrões sanitários e
estéticos” (TAKYAMA et al., 2012, p. 72) – é incontestável que há um grande problema
quanto aos dejetos jogados diretamente na água –, mas quanto à estética, pergunto-
me a qual parâmetro se referem. Outro ponto é quando estipulam como cenário
desejado “área residencial com ordenamento urbano”. Dessa forma, prevalece a
noção das moradias e passarelas na ressaca como uma ocupação desordenada,
onde impera o caos. Isso oblitera as práticas de outro tipo de ordenamento, o qual é
feito pelos próprios moradores, onde decisões e articulações são feitas na situação.

Na linha do tempo 2 (p. 204), veremos um resumo dos diversos valores que norteiam
as ações do Poder Público nas ocupações informais no decorrer do tempo; estão
baseados nas legislações e planos diretores. Esses instrumentos são mediadores
dotados de valores, os quais influenciam na espacialização urbana. Tem função
estratégica dominante. Onde as estratégias “são portanto ações que, graças ao
postulado de um lugar de poder (a propriedade de um próprio), elaboram lugares
teóricos (sistemas e discursos totalizantes), capazes de articular um conjunto de
lugares físicos onde as forças se distribuem” (CERTEAU, 1998, p. 102). São ações
exercidas de forma planejada, de onde impõem limites, exercem constrangimentos e
protegem.
62

Secretarias, planos e mapas

Os mapas são enunciados bidimensionais para contar narrativas em espaços-tempos.


Como objeto, não são reflexos pacíficos e neutros do mundo, mas são mediadores
que agenciam os atores envolvidos, “diz algo sobre o real e sobre este produz efeitos”
(ACSERALD, COLI, 2008, p. 13). Tem função estratégica. São dotados de valores,
imbuídos de “verdade, em que o crer se localiza no ver” (BALANDIER, 1987, apud
ACSERALD e COLI, 2008), isto é, apresentam valores que criam realidades. São
quase entendidos como uma entidade divina, a partir do qual sua aceitação como
enunciado técnico-científico é inquestionável.

Porém, o controle exercido pelo mapa não apreende tudo do espaço-tempo. Dessa
forma, em vez de falarmos em um panóptico, falemos em oligópticos, “por este
neologismo designo as estreitas janelas que permitem relacionar, por certo número
de canais estreitos, alguns aspectos somente dos seres (humanos e não humanos),
cujo conjunto compõe a cidade...” (LATOUR, 2009, p. 2). Portanto, os mapas são
fragmentos de totalização, a partir do qual se vê bem, mas pouco.

Apenas a visão subjetiva, personalizada, individualizada seria, no fim das


contas, objetiva, e aquela dos mapas, das salas de controle, das listas e dos
anuários não pode oferecer mais que uma abstração do espaço e da vida na
cidade. Não faltam escritores, sociólogos, psicólogos, e mesmo urbanistas
para afirmar, com efeito, que a cidade só pode ser apreendida in
concreto por um indivíduo que se desloca dentro da moldura que ela oferece.
(LATOUR, 2009, p. 3)

Fundamentado no supracitado, elucidamos disputas cartográficas manejadas nas


secretarias e planos diretores e em distintos regimes de visibilidades, ambos
articulados às controvérsias sócio-espaciais das ocupações nas ressacas. À vista
disso, notamos distintas bases cartográficas utilizadas pelas secretarias e pelos
instrumentos de planejamento – uns mais atualizados que outros – e que nos mostram
distintas maneiras de perceber a espacialização das ocupações na ressaca.

No PDDUAM, ruas e quarteirões da terra firme estão bem desenhados, já as


ocupações informais nas ressacas são manchas – nos planos antigos nem isso
aparece, como nos mostram os mapas 5, 6, 7 e 8 – que não mostram seus arranjos
espaciais. De outro modo, as áreas adensadas, onde já se formaram “quarteirões
informais”, são desenhadas da mesma maneira que do restante da cidade, sem
diferença de sua configuração (MAPA 10, p. 191). Além do mais, sua base é de 2006.
63

Por sua vez, o ZEEU utiliza duas bases, uma enfatiza as ocupações informais nas
ressacas e a outra, a natureza (MAPA 11, p.191).

De outra forma, existe fragilidade de troca de informações entre as secretarias, no


qual conhecimentos ficam retidos. São bases cartográficas que não são repassadas
para outras secretarias, com mapas mais atualizados que outros. A SEMA é a única
secretaria com base mapeada atualizada. Dentre as outras secretarias, vale destacar
que a PLANURB atualizou o desenho de parte de ocupações informais, a partir do
cadastramento fundiário exercido pela prefeitura. Parte da ocupação na ressaca está
com parcelamento dos lotes de seus moradores. O mapa, então, oferece outro tipo de
visibilidade e legitima a ocupação informal como parte da cidade (MAPA 12, p.191).

Com essas observações, importa compreendermos que o mapa ressalta apenas


certos aspectos da realidade, são enunciados de distintos tempos e é uma maneira
de “olhar de fora e de longe” (MAGNANI, 2002). Pelo ZEEU e, principalmente, pelo
mapa ainda não finalizado da PLANURB, temos um reconhecimento das ocupações
informais, isto é, de manchas, tornaram-se linhas que representam arranjos. De outra
forma, mapas também protegem o actante ressaca. Lembremos que tais dados
importam para tomada de decisões, ao colocar em movimento diversos atores e os
engajar no processo de mediação.

2.2. A ocupação na ressaca do Congós

A ressaca do Beirol, também conhecida como ressaca do Congós 24, situa-se a


sudoeste da capital e está incorporada à Bacia do Igarapé da Fortaleza. Sua área
abrange 1.854.750m², onde, ao menos, 23% sofre processo de antropização
(SANTOS FILHO, 2011). A ressaca se estende em cinco bairros, a saber, Congós,
Muca, Universidade, Jardim Marco Zero e Buritizal (MAPA 2, p. 184).

Em termos quantitativos, em 2003, possuía 1630 domicílios (AGUIAR E SILVA, 2003).


Nessa época, 67% da população eram migrantes com pouca qualificação profissional
oriundos de outros estados, com média de 5 anos de residência no local (idem). Não
há dados oficiais atuais sobre o quantitativo de residências, por essa razão foi
necessário verificar o número total de habitações por meio da ferramenta Google

24
Autores como Portilho (2007), Santos Filho (2011), Aguiar e Silva (2003) denominam essa ressaca de Beirol.
Seguirei com o nome dado pelo ZEEU, que é ressaca do Congós.
64

Earth. A contagem revelou o total de 5166 habitações, distribuídas do seguinte modo:


1700 no bairro do Congós, 850 no Muca, 670 no Buritizal, 1725 no Marco Zero e 221
no Universidade.

No mapa 13 (p. 192), observamos que o PDDUAM enquadra essa ressaca como Área
de Interesse Social 1 (AIS 1) e 2 (AIS 2). O mapa nos mostra que AIS 1 engloba as
bordas da ocupação na ressaca do Congós, suas áreas aterradas, e AIS 2 o interior
das ocupações.

Art 128. As Áreas de Interesse Social – AIS - são as prioritariamente


destinadas à implementação da política habitacional do Município de Macapá,
e de programas habitacionais voltados para a população de baixa renda,
incluindo os previstos nesta lei, reguladas por normas próprias de
parcelamento, uso e ocupação do solo.
I - Áreas de Interesse Social 1 - AIS 1 são aquelas constituídas em locais já
ocupados por população de baixa renda, apresentando irregularidades
urbanísticas e precariedade de infra-estrutura e de equipamentos públicos;
II - Áreas de Interesse Social 2 - AIS 2 são aquelas destinadas à promoção
da habitação popular, prioritariamente para população reassentada das
ressacas, inseridas em programas municipais, estaduais ou federais que
visem à ocupação de imóveis vazios ou subutulizados. (MACAPÁ, 2004)

O PDDUAM (2004) infere que o “ato do Poder Executivo estabelecerá parâmetros


específicos de urbanização, parcelamento, uso e ocupação do solo urbano para cada
Área de Interesse Social 1 [...]” (art. 130). Contendo, quando for o caso: parâmetros
urbanísticos quanto ao parcelamento, uso e ocupação do solo e constituição de
infraestrutura urbana; condicionantes para remembramento de lotes; participação
quanto à implementação e gestão de intervenções; e apoio técnico para regularização
fundiária, fornecendo projetos executivos e informações. Para AIS 2, estipula a
progressiva recuperação da ressaca, com reassentamento. No mapa 13 (p. 192), são
enfatizadas áreas prioritárias para reassentamento. No que tange a ressaca do
Congós, correspondem às passarelas interconectadas.

Em AIS 1, também englobam ocupações com estudos que comprovem sua


irreversibilidade do ponto de vista ambiental, especialmente feito pelo Instituto de
Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA). O que nos traz ao
ZEEU, tendo em vista que o IEPA foi uma das entidades organizadoras. O ZEEU
complementa o plano, mas como já vimos, por vezes, diverge deste. No mapa 14
(p.193), podemos verificar a classificação da ressaca do Congós pelo Zoneamento:
Zona Sob Pressão de Ocupação (Z2), Zona em Processo de Ocupação Urbana (Z3),
Zona com Ocupação Urbana Consolidada (Z4) e Zona Industrial e Empresarial (Z7).
Por essa classificação, a ressaca do Congós está em três estágios de consolidação,
65

a saber: nos bairros Muca, Jardim Marco Zero, Buritizal e Universidade está
consolidada; já no bairro do Congós está consolidada, em processo de ocupação e
sob pressão de ocupação (TAKYAMA et al., 2012). Lembramos que, pelo ZEEU, as
áreas consolidadas são passíveis de serem urbanizadas, não só em suas bordas
como estipula o PDDUAM.

Como dito anteriormente, a ressaca faz parte de um sistema interconectado por


canais. Mesmo assim, observando os mapas 4, 14 e mediante observação in loco, é
perceptível que a ressaca do Congós está fragmentada no tecido urbano por conta
das ruas que a cortam. Nesse caso, as águas se interligam mediante manilhas
localizadas embaixo das vias aterradas, o que nem sempre é perceptível ao pedestre.

Para além das etapas de consolidação e dessa fragmentação no tecido urbano, a


ocupação com a ressaca não é homogênea e está em constantes mudanças. Há de
becos a passarelas largas, casas pequenas a grandes de dois andares, áreas com ou
sem aterro e diversos usos. Seus usos são, predominantemente, residenciais e, em
menor quantidade, usos mistos de habitações com igrejas, mercantis, vendas de açaí
e de chope de frutas, costuras, panificadora, oficinas. Caso seja de uso misto, a
habitação pode situar-se ao lado, no andar superior, atrás do empreendimento ou
dividir o mesmo ambiente – como quando os produtos estão na sala de casa e a venda
ocorre a partir da janela ou da porta.

A ressaca do Congós, inserida em bairro homônimo – foco dessa pesquisa –, está


próxima ao centro da cidade, acerca de 4,5 km. A principal via de interligação do bairro
dá-se pela avenida arterial Claudomiro de Moraes – seu final é denominado de Rua
Benedito Limo do Carmo –, a qual reparte o bairro do Congós em dois e influencia nas
menções ditas pelos moradores, por exemplo: moro do lado esquerdo ou direito do
bairro. O PDDUAM considera essa via como Eixo de Atividade 2, onde engloba
diretrizes de atividades comerciais e de serviços (MACAPÁ, 2011). Nela há serviços,
como escolas, um terminal de ônibus, uma praça na via principal que está depredada
(MAPA 15, p. 194). Há diversos pontos comerciais – como o Mercantil Congós, grande
ponto de referência do bairro. Nessa via, passam 5 linhas de ônibus, interligando às
zonas central, norte e sul da cidade.

O bairro do Congós possui 4.307 domicílios (IBGE, 2010). É o quinto bairro mais
populoso da cidade, com pouco mais de 18 mil moradores, atrás dos bairros Buritizal,
Novo Horizonte, Novo Buritizal e São Lázaro.
66

2.2.1. Início da ocupação: limpar terreno e invadir

Antes de continuarmos, algumas considerações terminológicas precisam ser


esclarecidas. Vá no volume 2, na parte glossário, e leia “nomenclatura das vias”. Os
moradores construíram seus próprios vocabulários para denominar as vias que
caminham e isso costuma estar presentes em suas narrativas. Seguirei com essa
nomenclatura, em vez da dotada pelo Poder Público, pois é uma forma de valorizar
suas visões sobre o bairro onde residem.

O que havia antes da ocupação na ressaca do Congós situada em bairro homônimo?


Como ocorreu o início da ocupação na décima passarela? São algumas perguntas
que pretendo responder neste tópico no que concerne à situação socio-espacial do
início da ocupação informal. Para tanto, descrevo as associações entre os moradores
nas microssituações (suas negociações e disputas com o espaço no início da
ocupação), a agência dos objetos (como a água, o solo, a madeira), as ações dos
actantes (como conseguiam a habitação, as delimitações efetuadas, como faziam a
passarela nesse primeiro momento), seus interesses e pontos de vista, e a técnica
construtiva utilizada.

O bairro do Congós e a posterior ocupação na ressaca estão relacionados ao


processo de ocupação da cidade. Até a década de 1980, havia uma estrada onde hoje
é a via principal e fazendas nessa região, com agricultura e criação de gado, como
conta a neta do antigo dono do local, Elísia: "o nome do bairro era Araçás e fazia divisa
com a Fazendinha, aquela área todinha era do vô Congó e ele cedia para as pessoas
fazerem roça... e tinha a criação de gado" (TV-AP Fala Comunidade, 2012)25. Não
havia quarteirões, só poucas casas espalhadas. As pessoas tomavam banho na
ressaca nos finais de semana, no lugar conhecido como Barreiro (para mais detalhes,
ver o glossário). Na década de 1980, parte da gleba foi desmembrada em loteamentos
pelo governo, a partir do qual construíram o Conjunto Barcelos – destinado aos
servidores do Poder Público e de empresas privadas.

Concomitante a isso, cerca de 600 famílias ocuparam informalmente onde hoje é


conhecido como Laurindo Banha. Em dois dias, construíram casinhas de lona, de
papelão, de restos de madeira do tamanho de um banheiro, bem próximas umas das
outras. Depois de um ano, foram reassentadas pelo Poder Público para próximo do

25
Veja no volume 2, em mídia 1, imagens e a descrição de parte do vídeo na página 247.
67

loteamento recém-criado26. Os reassentados ganharam lote, suas habitações foram


desmontadas e os materiais transportados. As casas eram palafitas, pois mesmo
locadas em área de terra firme, a região ficava em meio a mata e a distância de 70cm
do solo prevenia o contato com animais silvestres. Na época, diversos animais
vagavam nas redondezas, como: tatu, tamanduá, garças e cobra. Alguns moradores
que conseguiram lotes nas esquinas construíram baiucas ou pequenos comércios que
vendiam itens básicos. O pão era vendido por vendedor ambulante ou mesmo em
mercantis.

A vida, inicialmente, não foi fácil. Mesmo tendo conseguido o lote e uma pequena
casa, a falta de infraestrutura e transporte dificultavam a vida cotidiana dos recentes
moradores27. Os lotes foram entregues sem nenhum tipo de infraestrutura. A prefeitura
abriu novas vias de circulação. Não havia luz elétrica, rede de água ou esgoto, nem
transporte público. Para se locomover de ônibus, as pessoas precisavam caminhar
até o bairro próximo (Buritizal). Depois colocaram uma linha de ônibus até o centro da
cidade. Paulatinamente, a infraestrutura foi feita pela prefeitura, autoconstruída ou em
conjunto – moradores com maior condição financeira compravam fiações que eram
instaladas pela companhia elétrica.

No quadro Fala Comunidade, consta que “o bairro foi criado na década de 1980,
depois de ter parte da área invadida”. O termo “invasão” foi utilizado no jornal para
indicar uma ocupação de terra alheia e sem a devida autorização. Na matéria, é
demonstrado um depoimento de uma moradora antiga:

Dona Marizete Santos. Ela lembra como eram as coisas, antes das mudanças
feitas, e vem acompanhando há 29 anos: "Era só mato e só tinham duas
casas. Aqui tinha a fazenda do Seu Alípio e a do Seu Moraes. Tinha muita
roça de mandioca, mucajazeiro e o campo, somente isso. Foram tendo as
invasões, criando caminhos e assim a direção das ruas" (TV-AP Fala
Comunidade, 2012).

Marcelo28 foi um dos moradores que invadiram a área de terra firme no bairro, próximo
à Décima Passarela. Conseguiram o terreno com ajuda de uma amiga de sua mãe “aí
foi quando aconteceu essa invasão aqui né, aí que pegaram esse terreno pra nós aí
ele, ele nos deram. Aí a gente foi construindo devagar e aí tá aí essa casa aí”.

A ocupação informal na ressaca do Congós começou após a criação do bairro. Vale


salientar que principiou anteriormente nos bairros Muca e Buritizal, na década de 1980

26
Dados do diário de campo. Visita ao CASP, 13 jan. 2018.
27
Dados do diário de campo. Conversa com líder comunitário NRDC, 13 jan. 2016.
28
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na Décima Passarela em 05 fev. 2018.
68

(CARVALHO, 2015). Especificamente a Décima Passarela começou a ser ocupada a


partir início da década de 1990 pelas bordas da ressaca (MAPA 16, p.195).
Atualmente, ainda permanecem 8 famílias mais antigas, que moram há mais de 20
anos no local, dos quais entrevistei 6, que foram Marcelo, Joaquim, Marcos, Maria,
Rosana (e sua filha Ana) e Carla – vá ao glossário de actantes e saiba um pouco mais
sobre as histórias de cada um desses atores e dos outros moradores. Durante as
entrevistas, eles afirmaram que houve uma grande rotatividade de moradores até
hoje. Assim, parte da história da ocupação informal e de suas lutas se perde, pois os
moradores recentes e inquilinos de casas alugadas possuem uma relação mais frágil
com as famílias antigas e não vivenciaram muitas mudanças espaciais.

Joaquim29, aposentado, contou-me que no início “tudo era lago”. Marcos também
lembrou o espaço da mesma maneira. Maria30 mudou-se em 1996 para a Décima
Passarela, descreveu o lugar antigamente como só “serradal” e “mato verde”. Ela
lembra que os primeiros moradores foram tocando fogo, abrindo espaço e invadindo.
Eles comentaram que a passarela não atravessava o outro bairro. Dos entrevistados,
quatro começaram a ocupar pela via de acesso ao bairro do Marco Zero e dois pelo
bairro do Congós. Eram duas passarelas na mesma direção que gradativamente
foram unidas (MAPA 17, p.196).

2.2.2. Aproveitando-se da omissão: construir passarela e habitação; viver sem


infraestrutura

As pessoas iniciaram a invasão na Décima Avenida a partir da delimitação de terrenos


e da autoconstrução de habitações e passarelas. As passarelas são feitas para
acessar a área onde a residência é construída. Por isso, importa esclarecer que são
construídas antes ou concomitantemente à habitação e, por isso, não são os espaços
que sobram das edificações. As diversas maneiras de fazê-las serão explanadas
nesse tópico.

Casinha

A invasão na décima passarela já havia começado quando Maria mudou-se


definitivamente para Macapá. Na época, havia apenas três casas, sua família chegou

29
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na Décima Passarela em 15 jan. 2018.
30
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 02 fev. 2018.
69

ao local, delimitou seu terreno e construiu a habitação. Hoje os moradores antigos


saíram e duas dessas habitações tornaram-se a casa de seu irmão e do sobrinho. Na
época, sua residência era uma “bandola”, a qual foi aumentada aos poucos. Seu
terreno permaneceu com a mesma largura, com cerca de 12m de largura e não soube
dizer o comprimento exato. Atualmente há outros familiares que moram em outras
habitações em seu quintal, mas o terreno continua com a mesma dimensão. Sua casa
possui uma grande varanda com acesso lateral, há redes, ora atadas nos altos, ora
soltas, um longo banco para sentar e um pano para proteger do sol da manhã. Sua
família é numerosa e as crianças brincam na varanda. Nunca teve problemas com
vizinhos sobre a delimitação do terreno.

A mãe de Carla31 também invadiu “aí ela pegou, invadiu, e começou a construir, aí a
gente morou embaixo, não tinha ninguém mesmo aqui, foi invasão”, em 1995 ou 1996.
Primeiramente a casa era de lona, depois foi construída em madeira bruta e
posteriormente de “tábua normal” – como costumam ser feitas – com materiais
comprados no canal das Pedrinhas. Atualmente possui o parapeito em alvenaria, o
piso lajotado, colocaram recentemente grade na varanda e não pretendem fazer mais
modificações. O terreno foi delimitado pela sua mãe utilizando pedaços de madeira
para medição. Não mudou desde então.

Havia pessoas que chegavam à área demarcando a largura de vários terrenos, para
depois vender, tanto o lote vazio, como com uma pequena casa. Existe um mercado
imobiliário desde de seu início. Dessa maneira que Joaquim conseguiu sua habitação.
Ele comprou seu lote de um vizinho que detinha vários terrenos. Afirmou que sua nova
habitação era uma “barraquinha”, lembrando que só possuía quatro telhas. O terreno,
à época, dispunha de 10,80 metros de largura, mas sem limite em seu comprimento.
A sua atual dimensão (10,80 x 25 m) foi estabelecida posteriormente por causa de
uma ponte que construíram atrás de sua casa. Parafraseando-lhe: quando tem uma
“pontezinha” é difícil tirar.

A esposa de Marcos32, assim como Joaquim, comprou a casa em que vivem. Quando
ele se mudou, a casa era menor, ela a estava ampliando e era de madeira. Hoje a
área já está aterrada e a casa em alvenaria.

31
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 02 fev. 2018.
32
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 17 jan. 2018.
70

As casas podiam ser trocadas, como aconteceu com Rosana e sua filha Ana33. Há 20
anos, ela desejava sair de sua antiga habitação, pois havia se separado do marido;
por sua vez, sua prima queria se mudar, pois não estava se adaptando a essa
passarela. A negociação foi mediada pela irmã. Rosana só conheceu a nova casa
quando chegaram com as mudanças:

Lá nossa casa era grande e num era no meio da ponte assim como essa,
bem distante da rua. Era bem sequinho também lá, a água batia assim. Aí,
era uma casa grandona. [...] aí, quando ela chegou aqui que ela olhou uma
casinha no meio de um monte de água. Aí, ela quis voltar. Só que aí a gente
conversou já tamo aqui mesmo, não vamo voltar. Nisso a gente tá aqui há 20
anos (Ana).

No início, sentiu decepção, pois sua nova casa era pequena, situada em meio a
passarela. Porém, mãe e filha lembraram-se de pontos positivos, pois o antigo terreno
não detinha área livre, só havia espaço para a edificação. Por outro lado, a nova casa
possuía dois terrenos, cada um com 12 metros de largura e 15 de comprimento,
totalizando 24 x 15m. Ela era pequena, mas tinha uma grande varanda que contornava
três fachadas da casa. Após um tempo, a varanda lateral foi fechada e se tornaram
os quartos. Essa delimitação já existia desde o início e para ela permanece até hoje,
com a diferença de que, além de sua casa, comporta as casas de suas três filhas.

Outro ponto importante a ser notado é que os moradores antigos ao narrarem sobre
como era sua habitação no início a denominavam como bandola, barraquinha ou
casinha. Somente após melhorias e ampliações que as denominaram de casa.

Esses moradores utilizaram o termo invasão em suas falas, o que é dito para indicar
de maneira prática sua ação. Significa ter se apropriado de uma área de ninguém e,
mesmo comprado, não teve respaldo legal. É usado de forma pouco crítica, isto é,
desconsiderando a forte conotação ideológica negativa contida nesse conceito.

Passarela estreita

No início da ocupação, a passarela possuía difícil acesso, pois era estreita, construída
com duas tábuas uma do lado da outra, onde a pessoa “tinha que dar um jeito para
passar”, nas palavras de Joaquim. Eram materializadas para permitir acesso às
residências, na urgência. Logo quando Marcos se mudou, a passarela era “só as
tábuas compridas assim. Não era como essa aí, com frechalzinho bem feito assim”,

33
Dados das entrevistas. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 31 jan. 2018.
71

disse apontando para a passarela atual. A passarela era mais estreita e, de acordo
com ele, só foi alargada posteriormente pela prefeitura.

Para sua construção, os moradores compravam as madeiras no Canal das Pedrinhas,


onde o custo é menor. Algumas madeiras citadas pelos moradores na construção
foram: pracuúba, angelim e macacaúba. Dependendo do tipo usado, demoram, no
mínimo, dois anos para apodrecer. A madeira possui distintos nomes e dimensões,
conforme sua função. Na época, utilizavam “tarugo” para função estrutural e, menos
frequente, esteio como atualmente. Tarugo, também conhecido como esteiote, é
diferente do esteio, pois é mais estreito, mais barato, menor e para Vítor34 “tarugo é
aquele redondo assim, já esteio é um quadrado assim” demonstrando a dimensão
com suas mãos. O tarugo era fincado no chão e localizado nas bordas da ponte. A
passarela era construída da seguinte maneira:

Só travejava a ponte e faziam, só butavam só as tabuas assim meio, quando


tinham condições faziam de frechal como eles faziam agora de... Quase todo
dia era uma casa aí que tavam construindo, foi, foi até atravessar aí. Tinham
bem poucos moradores que ainda tinham, do tempo que eu estou por aqui,
bem poucos que ainda tão aí. Tem uns que foram embora. Todo dia aparece
uma mudança diferente aqui. (Marcos)

Joaquim disse que cada morador arranjava sua parte individualmente, por construir a
passarela principal até a direção de sua casa, e construir outra passarela
perpendicular à principal até sua casa. Outro morador ia chegando, puxando a ponte
e ampliando. Só parentes construíam juntos. Dessa forma, as passarelas principais
foram sendo ampliadas até se unirem e se conectarem uma à outra rua.

Como visto anteriormente, quando ocupavam já delimitavam, ao menos, a frente do


lote. Desde o início, as construções já eram afastadas da passarela principal. Havia
poucas casas e eram distantes entre si.

Infraestrutura

Inicialmente o Poder Público tolerava essa ocupação, pois não reassentaram os


moradores, nem houve a tentativa de fazê-lo. Todavia, não executavam nenhum tipo
de infraestrutura e, até ser autoconstruída, os recentes habitantes tiveram que viver
com a inexistência. É importante salientar que ainda hoje há passarelas com
deficiência em algum tipo de infraestrutura ou saneamento, o que ocorre
independentemente de estar ora mais, ora menos consolidada.

34
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 09 fev. 2018.
72

Quando construíram as primeiras casas no lago, já havia energia elétrica nas áreas
de terra firme. Porém, os recentes moradores das palafitas, enquanto não possuíam
condições de ampliar a rede informalmente, utilizavam lamparina, velas e não
possuíam eletrodomésticos. Carla conta que pediam para colocar alguns mantimentos
nas casas dos outros, de quem morava na rua. Tampouco havia iluminação pública –
como ainda hoje.

Na ausência de saneamento básico, os moradores empregavam outros artifícios para


resolver a situação. Sobre a coleta de lixo, há divergências nas informações. Marcelo
afirmou que não havia coleta de lixo e por isso o jogavam na água. Os outros
moradores antigos afirmaram que havia coleta na rua. Até hoje há problemas quanto
ao esgotamento sanitário, pois os dejetos são jogados na água, com ou sem fossa
séptica construída em tábuas de madeira.

Sem abastecimento de água, sobreviviam a partir de doações dos vizinhos. Há mais


de 10 anos atrás havia um poço amazonas na rua, onde os moradores pegavam água
livremente, sem custo. Joaquim conta que no final da tarde eles se reuniam na rua de
terra firme e se arranjavam em fila indiana para encher seus baldes com água. Nesse
mesmo período, havia um antigo vizinho de Marcos que cedia água para três a quatro
famílias, cada um ajudava somente a pagar energia pelo uso da bomba.

No início da ocupação, constatamos que, na omissão do poder público, a ressaca foi


sendo paulatinamente ocupada mediante autoconstrução dos moradores. Os
diagramas ator-rede 01 e 02 (p. 228 e 229) sintetizam as práticas e relações entre
actantes na autoconstrução e em maneiras de viver sem infraestrutura, ambas
inseridas na situação do primeiro estágio da ocupação informal. Nesse processo, a
infraestrutura como sistema sociotécnico configura-se como “agência das ausências”
(AMIM, 2014). Isto é, mesmo com sua inexistência, influencia os actantes. Além disso,
os moradores tomam soluções que advém com outros tipos de presenças e situações.
73

CAPÍTULO 3 – A CONSOLIDAÇÃO DA OCUPAÇÃO INFORMAL NA RESSACA DO


CONGÓS
74

Foram muitas as transformações na ocupação informal. Em 15 anos, o quantitativo de


habitações aumentou em 31,55%, adensando a área. Com o passar dos anos, a
ressaca continuou a ser ocupada e, atualmente, a décima passarela se insere na Zona
com Ocupação Urbana Consolidada (TAKYAMA et al., 2012). Essa zona engloba
áreas com médio a alto adensamento populacional, construções ao redor e dentro da
ressaca, multiplicidades de usos e paisagens muito antropizadas.

Com as práticas e relações de diversos actantes, a ocupação informal se transforma.


Seguimos os atores e o resultado deste capítulo consiste em um relato de práticas na
consolidação da ocupação, a partir de duas situações: via direta e via institucional. No
primeiro caso, temos a autoconstrução, a partir da qual abordaremos a ampliação das
passarelas e o surgimento de becos; trataremos as práticas para a existência da
energia elétrica, água encanada e coleta de lixo; elucidaremos o aterro, com suas
áreas de transição, e as novas demandas. Em seguida, demonstraremos a água como
actante e suas implicações nos usos e na autoconstrução dos moradores. Por sua
vez, pela via institucional, evidenciaremos a luta por melhorias pelo caminho do poder
público. Por fim, atualmente, outros atores ou novas práticas entram em cena e foram
seguidos. Ilustraremos, então, a entrada de novas entidades – ONGs e associação de
bairro – e as recentíssimas ações do poder público, as quais são contra ou a favor
das lutas e autoconstrução dos moradores.

No capítulo anterior, conhecemos sete moradores antigos, que moram há mais de 20


anos na décima passarela. Além deles, contatei mais nove durante as entrevistas.
Letícia35, que morou por 7 anos de favor até que comprou sua atual casa. Fernanda36,
que mora em casa alugada em área de terra firme. Arthur37, que é recentíssimo
morador da passarela. Suzana, que se mudou há 2 anos de uma casa em terra firme
no mesmo bairro por falta de segurança e tranquilidade. Mariana38, que morava de
aluguel na mesma passarela, até ter comprado seu atual terreno com sua casa que
está ampliando lentamente; Natália39 e família, que trocaram uma casa em área de
terra firme pela do Congós por causa da proximidade da escola dos filhos, há 16 anos.
Nessa mesma época Carlos40 comprou a casa em que reside de 4 x 4 metros,

35
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 17 jan. 2018.
36
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 19 jan. 2018.
37
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 19 jan. 2018.
38
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 22 jan. 2018.
39
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 26 jan. 2018.
40
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 26 jan. 2018.
75

demoliu-a e construiu outra. Lucas41 antes morava no bairro Jardim Equatorial, mudou
de residência há 7 anos, pois agora mora com a namorada; Vitor42 comprou um lote
e está construindo a casa há 6 meses, mas já morou em 10 avenidas do bairro. A
maioria dos moradores, antigos e recentes, provém doestado do PARÁ, como consta
no mapa 18 (p. 197). Para detalhes das trajetórias desses moradores, veja o glossário.

3.1. Actantes em autoconstrução

3.1.1. Seguir passarelas e criar becos

As passarelas ou “pontes” são objetos sociotécnicos que dão prosseguimento às ruas


de terra firme e permitem passagem de pessoas, bicicletas e motos. Os moradores, a
partir delas, acessam suas casas e o restante da cidade. Nesse tópico, veremos as
configurações das passarelas e apresentaremos as ações dos moradores quanto às
passarelas (usar, construir, evitar deterioração, manter, reconstruir, desfazer,
ampliar), os atores (humanos e não-humanos), suas associações (disputas, acordos,
negociações), como a fazem (a técnica construtiva) e seus valores.

Com configurações diferenciadas, as passarelas caracterizam-se como principais,


braços, “privadas” e becos (FOTOGRAFIAS 5, 6 e 7, p. 209). Os moradores e a
prefeitura denominam as passarelas que propiciam prosseguimento às ruas de
“principais”. A principal da décima passarela possui 1,5m de largura, cerca de 165
metros de comprimento e está distanciada das casas. Por sua vez, os braços são
ramificações das principais e conectam diversas casas (na fotografia 6, o braço
conecta quatro casas e uma de uso misto à principal). As pontes “privadas” são como
a prefeitura denomina as que permitem o acesso direto às casas, possuem
comprimentos variados, dependendo da dimensão e locação das casas. Já os becos
são como braços estreitos, com pouco afastamento das casas. Porém, essa divisão
não é tão simples. Por vezes, misturam-se, transpõem-se e confundem-se, como
veremos adiante.

41
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 07 fev. 2018.
42
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 09 fev. 2018.
76

Negociações entre os moradores com casas, lotes e passarelas

Quando perguntava sobre como a ocupação era antigamente e como transcorreram


suas mudanças, os moradores de no mínimo 6 anos vivendo na passarela
respondiam: havia menos casas, eram menores, estavam mais espaçadas entre si e
a passarela era mais extensa. Com o passar do tempo, os moradores expandiram
suas casas, confeccionaram melhorias construtivas, aterraram, construíram novas
moradias, ergueram “kitnets” ou quartos para aluguel, o que envolveu tanto a venda
de todo ou parte do lote, quanto pessoas cedendo espaço para parentes construírem.
Carlos, há 17 anos nessa rua, conta como ocorreram as transformações:

Foi assim, do mesmo modo que nós cedemos né pro meu irmão, esse senhor
que já vendeu essa casa pra esse outro senhor aí cedeu pro filho dele e ele
fez essa casa aí. Aí aquela senhora ali, só tinha aquela casa lá atrás, ela fez
a outra casa aqui na frente, tá alugada aí, só que ela não mora mais e foi
assim (Carlos)43.

Desde o início da ocupação, os moradores compram, vendem ou alugam, assim,


existe um mercado imobiliário na autoconstrução. Porém, isso não significa afirmar
que essas ações sejam sempre baseadas no lucro, mas que essa ação pode estar
presente durante a invasão, construção e uso do espaço. Contra “ao funcionamento
eventual da economia capitalista, não é valor de troca que estimula a produção de
valores de uso, mas valores de uso excedentes são empregados como valor de troca”
(FERRO, 2006, p. 65). É produzido algum excedente para trocar no mercado.

Sobre as transformações exercidas pelos moradores em suas habitações, catorze dos


entrevistados vivem em casa própria e já haviam feito alguma modificação, como
ampliação, reforma ou reconstrução. Joaquim, Rosana, Carla, Maria são os
moradores antigos que ampliaram a casa e também cederam parte de seu terreno
para parentes construírem outra habitação. Moradores mais recentes também o
fazem, como Carlos, Letícia e Lucas. As novas residências foram construídas em
espaços livres nos lotes – atrás, na frente ou ao lado da primeira casa – e, em menor
caso, em seu andar superior. Por sua vez, Vitor e Mariana moravam de aluguel em
área de ressaca até comprarem parte do terreno de outra pessoa. Ele está construindo
uma casa de dois andares e ela está ampliando aos poucos. Os que não modificaram

43
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 26 jan. 2018.
77

a casa foram Arthur, que se mudou com sua esposa há 2 anos para a casa própria, e
Fernanda que vive de aluguel.

Outro tipo de transformação está vinculada aos usos. Os lotes de Joaquim, Marcelo e
Suzana são de uso misto, onde antes era apenas residencial. Atrás da casa de
Joaquim há uma oficina com acesso pelo beco; na casa de Marcelo, o salão de sua
irmã é geminado a casa; Suzana converteu a sala de estar de sua recente casa em
minibox. Esses exemplos dos entrevistados, longe de esgotar o assunto, laçam luz
sobre as possibilidades de mudanças. Essas transformações variaram pela
disponibilidade de espaço, a quantidade de pessoas, novas necessidades que
surgiram e seus recursos financeiros (inclusive a busca por maior recurso). Com isso,
elevaram a taxa de ocupação do solo, ou melhor, da água. E nesse pano de fundo, a
densidade se elevou (como pode ser observado nas imagens dos mapas 19 a 21,
p.198).

Outra mudança importante é que a décima detinha duas passarelas que foram
ampliadas, encontraram-se e se transformaram em uma (MAPA 17, p.196). A partir
de sua conexão com mais vias e bairros, aumentou a integração à malha urbana. Isso,
se por um lado facilitou caminhos a comércios e serviços, aumentando as
possiblidades de se caminhar, por outro, aumentou a insegurança quanto à
criminalidade, pois a passarela virou rota de fuga de bandidos.

Ao caminhar na passarela ou mesmo lendo mapas, observamos um vazio construtivo


localizado entre a passarela principal até as fachadas das habitações ou seus portões.
É um afastamento relativamente linear, onde as distâncias variam entre 2 a 1 metro
de cada lado (próximo à rua Netuno as casas estão mais próximas à passarela). Já
nos becos, o afastamento é menor, por vez inexistente. Essas distâncias marcam
limites entre público e privado, os quais também são limitados com madeira, portões,
garrafas pet e a fachada da habitação, como mostram as fotografias 8, 9 e 10 (p. 210).

Em torno das associações entre lote, casa e passarela, observamos três


microssituações nos quais são negociadas: inicialmente, quando existiam áreas sem
dono; quando os limites não estão óbvios ou relativamente delimitados; e quando
estão bem delimitados.
78

Quadro 01 – Microssituações nas delimitações entre lote, casa e passarela

Microssituações Delimitações
Os primeiros moradores chegaram, limparam o terreno, fizeram seu
tipo de delimitação e construíram uma casa.
Letícia pensa o seguinte sobre as delimitações: “como é alagado
Áreas sem dono assim, aí o pessoal invade. Aqui é tudo mesmo, aqui foi tudo lago. Aí,
o pessoal invade do tamanho que eles querem”. Mas ela não invadiu
e faz essa diferenciação, pois comprou sua casa em 2005 pelo valor
de 400 reais e uma conta de energia.
Quando novos moradores constroem passarelas em áreas ainda
vazias, o terreno de um morador pré-existente (ainda sem limite de
comprimento) diminui, como ocorreu com Joaquim. Ele aceitou o
ocorrido sem brigas.
Limites
Na casa de Marcos, o comprimento de seu terreno diminuiu, pois
relativamente
fizeram uma invasão localizada atrás de sua casa, no meio do
delimitados
quarteirão. O vizinho e ele negociaram pelo terreno da seguinte
maneira: “vizinho deixa eu fazer um pedacinho aqui pra mim e aí... é
só arredar um pouquinho assim”. A partir de uma conversa o acordo
foi firmado.
Atritos na negociação: o antigo vizinho do lote lateral de Marcos mediu
o terreno e notou que faltavam 40cm para ter um valor exato, por isso,
alegou que eles se apossaram de um pedaço do lote. Como Marcos
e a esposa não queriam brigar, cederam.
A casa que Letícia comprou tinha cerca de três metros de
comprimento, na compra, a antiga dona delimitou a largura de 10
metros e ambas calcularam mais ou menos o comprimento do lote.
Limites delimitados Ela não sabe sua dimensão exata, mas afirmou que o comprimento
não mudou. A diferença é que hoje as casas estão mais próximas.
Um mesmo lote engloba uma casa ou várias casas – geminadas ou
separadas – de familiares ou kitnets.
O vendedor da casa de Lucas colocou a dimensão de 25 x 10 metros
no documento do cartório, porém, não é isso que consta na realidade,
mas quando compraram não se preocuparam com essa divergência.
Atualmente, lamentam-se pelo terreno ser menor.
Fonte: a autora, 2018.

Os primeiros moradores chegavam à ressaca e delimitavam seus terrenos,


negociando apenas com o espaço pré-existente da água e vegetação. Aqueles que
chegavam depois também deveriam negociar com os moradores e suas casas já
existentes. A negociação pode ocorrer a partir de uma conversa ou com documento
estipulando a dimensão do lote, mas a numeração no papel, ao menos no ato da
compra, não detém tanta importância quanto a dimensão material. Nessas
negociações, Marcos foi o único morador que alegou problemas com vizinhos. Os
outros moradores não o tiveram, entretanto poderia ser como Joaquim, que só
mostrou aceitação ao ocorrido.
79

E assim, a distribuição das habitações na ocupação se (trans)forma, a passarela dá


prosseguimento à rua, as distancias das casas mudam, as passarelas são
ramificadas. A partir de então, é possível a conformação de quarteirões, como o mapa
da prefeitura já o considera (lembremos dos mapas 10 e 12, na página 191).

Acesso

Como passagem de pedestres, a passarela principal é suficiente para duas pessoas


caminharem lado a lado. Em bom estado físico, as pessoas olham para frente, sem
se preocupar com seus passos. Porém, se estão precárias (tábuas espaçadas,
quebradas, soltas, deterioradas), a consequente falta de acessibilidade gera riscos
em cair na água. Os moradores, então, indicam pisar no meio da tábua para diminuir
esse risco, e o tempo de deslocamento torna-se maior, pois o caminhar torna-se lento.

Em relação aos veículos, o morador que possui carro estaciona-o na cabeceira da


ponte (FOTOGRAFIAS 11 e 12, p. 211). Aqueles que se locomovem de ônibus,
precisam caminhar até as paradas na Rua Claudomiro de Morais ou na sétima
avenida. Já os que possuem moto geram conflitos com os moradores que não
possuem o veículo. Andar de moto torna instável a passarela, pois provoca a frouxidão
dos pregos e quebra algumas tábuas. Os moradores solicitam uma maneira correta
de usar esse veículo, que consiste em caminhar e empurrá-lo ao seu lado. Quem anda
de bicicleta, por sua vez, não enfrenta esses problemas, nem essas regras, pois o
peso e a velocidade são menores do que a moto.

Por serem estreitas e, consequentemente, dificultarem a passagem de veículos, as


pessoas se locomovem mais a pé, o que favorece encontros e convívios entre os
moradores. Porém, quando estão precárias, com passos dados no meio das tábuas,
influenciam andar em fila indiana dificultando conversas e caminhadas concomitantes.

As passarelas permitem acesso às residências e aos diversos usos no interior e fora


da ocupação. A diversidade auxilia a dinamizar os usos dos espaços (JACOBS, 2010)
e favorece caminhadas para realização das atividades desejadas (GAMBIM, 2007).
Sobre os usos, quase todas as construções são residenciais e algumas de uso misto.
Há uma igreja, dois minibox, uma venda de açaí, vendas de produtos de beleza, uma
oficina, uma lanchonete que funciona aos finais de semana. Os minibox são pequenos
80

mercadinhos comuns na cidade. Na décima, a porta dos minibox é fechada por grades
e a compra e venda ocorrem através de uma pequena abertura. Nelas os moradores
conseguem comprar mercadorias fiado quando estão sem dinheiro, com o débito
anotado no caderno. Em outros casos, um ambiente pode ter várias funcionalidades.
A sala da casa de Natália vira área de costura, onde o piso de assoalho é a mesa para
os cortes dos tecidos. Da porta ou da varanda, Letícia vende o chopp para ganhar
renda extra. Fora da ocupação há farmácias, escolas, pontos de ônibus,
supermercados, bares, minibox, lanchonetes, lojas, onde se acessa a pé e se
constroem diversos trajetos. Atualmente, os supermercados entregam as mercadorias
na “cabeça da ponte” (se o valor for elevado), de onde as pessoas carregam suas
próprias compras até suas casas.

Da construção à reconstrução

Nessa parte, mapeamos as ações de reformar pelo Poder Público e de construir, evitar
deterioração, manter, reformar, reconstruir e ampliar pelos moradores. Essas ações
não ocorrem de forma linear, mas estão conectadas entre si, pois os actantes em rede
promovem uma ação que se conecta a outras ações. Vale salientar que o esquema
que mostraremos é limitado, pois “o fluxo social não oferece ao analista uma
existência contínua e substancial, mas assume uma aparência provisória” (LATOUR,
2012, p. 115). Nos diagramas ator-rede 3 e 4 (p. 230 e 231), temos essas diversas
interações.

O Poder Público já construiu a décima passarela três vezes, por volta de 2002, em
2006 e em 2010, próximo à época de eleições. Técnicos aparecem para as medições
antes da construção, como disse Natália44, “eles só vem, fazem a medição, aí veem
quanto de madeira eles têm a base pra levar, depois eles vêm trazer só a madeira”.
Marcos informou que só colocam uma placa avisando que terá reforma. Informações
pouco são compartilhadas. Para construção, a prefeitura fornece madeira e pregos e
designa os moradores a trabalhar na construção em formato de mutirão ou com
remuneração, os quais usam suas próprias ferramentas. Caso contratem os
trabalhadores, há um encarregado de obra. A construção ocorre por etapas, onde

44
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 26 jan. 2018.
81

derrubam uma parte e a constroem. Não há manutenção por parte da prefeitura após
a conclusão das obras.

Para a construção desse objeto sociotécnico, tanto a prefeitura quanto os moradores


usam bate-estaca para fincar os esteios, frechais para fazer a armação, tábuas para
o assoalho. Pode ser necessário entrar na água. Algumas madeiras citadas pelos
moradores na construção foram pracuúba, angelim e macacaúba, as quais são
compradas nas Pedrinhas ou então em pouca quantidade em pequenas madeireiras
em áreas próximas.

Na autoconstrução, um grande problema enfrentado pelos moradores para se


construir com boa qualidade é a falta de recurso. Mesmo assim, como acredita
Rosana, o Poder Público, mesmo com muito recurso, não o faz tão bem. Outra
dificuldade é o medo de tomar choque quando precisam entrar na água, devido ao
peixe poraquê. Seguem algumas considerações dos moradores:
A gente faz o quebra-galho né, que é o quebra-galho pra gente, que é o que
a gente pode fazer, que eu acho que se a gente pudesse fazer o melhor
serviço, aquele que a gente não pudesse, não precisasse tá fazendo
manutenção, a gente faria. Às vezes, falta dinheiro, falta material, aí tem
coisas que a gente não consegue comprar. (Vitor)
A gente que faz aqui, que é nós que tamo precisando mesmo. Se a gente não
fizer, se a gente não meter a cara pra fazer, eles não vêm fazer, que não
aparece ninguém pra vir aqui saber o que a gente precisa, o que a gente
necessita, aí, os moradores [...]. Nunca vieram perguntar, aí os moradores...
cê vê a situação que... a gente quer uma coisa melhor né, não tem quem faça,
é obrigação, é obrigado a pessoa fazer. (Mariana)
Ixi! Faz muito tempo já [que a prefeitura fez], nem lembro, faz muito tempo.
Aqui, essa ponte, é o pessoal que tão construindo pra ela não cair já, é a
população. (Carla)
Bem, porque nós sabe né, aonde aperta, o que é bom e o que é ruim pra nós.
Então se nós for fazer, nós vamo fazer de boa qualidade se a gente tiver
material, entendeu? (Rosana)
Olha, eles [moradores] tentam um, é, preservar o pouco que dá né, porque
se largar de mão mesmo, esperar pelo poder público fazer aí complica tudo.
Se a gente não ajeitar pra fazer aí, esperar por eles, é complicado. (Natália) 45

Por um lado, os moradores e a prefeitura, transformam as passarelas quando


ampliam, reconstroem, reformam, alargam, elevam seu nível e criam novas. Mas, para
Arthur, não houve mudanças, pois continua a existência da ponte normal,
independentemente de ser nova ou velha. Rosana, moradora antiga, pensa da mesma
maneira e acrescenta “não, não mudou, porque a ponte, é eu digo assim, a ponte é a

45
Dados das entrevistas. Pesquisa de campo realizada na décima passarela nos dias 09 e 22 de jan.
e 31 e 02 de fev. de 2018.
82

mesma porque ela continua caindo né e tem, entra governo, sai governo, e eles pouca
coisa fazem aqui por nós, na área de ressaca”. Sua condição de ponte e de
deterioração permanecem.

É comum ver passarelas tortas, com tábuas faltando, demasiadamente espaçadas,


podres. A madeira é biodegradável, deteriora-se. A durabilidade da passarela varia de
acordo com o tipo de madeira usado, a qualidade e função. Marcos 46 acredita que
dura “uns cinco anos uma ponte dessa. Aí dura menos, porque tem madeira que vem
estragada, frechal que vem oco, aí não demora e apodrece tudo”. Suzana47, que mora
há 4 anos na área, disse que “quando tá podre, tem que trocar, né? Esses pedacinhos
de pau, tipo assoalho, tem que trocar. Os esteios até que duram, né? Até bem, esses
tarugos, mas as madeiras de cima não”.

Para evitar que a passarela se deteriore, Vitor esclarece o papel de cada morador:
“eu tenho consciência que eu preciso que ela teja bem cuidada, aí não, o cara sobe
de moto, vai rápido e vai fazendo com que a ponte fica, fique mais frágil. Aí assim vai
acabando e é a gente que tem que cuidar disso”. Essa maneira de andar é proibida,
o correto é empurrá-la ao seu lado. Para evitar esse uso, os moradores colocam
madeiras salientes (FOTOGRAFIA 13, p. 212) com o intuito de reduzir a velocidade
das motos. Para ele, os que as colocam “é o pessoal que mais se preocupa com a
integridade dos outros moradores também”. Por outro lado, complementa que “quem
tem o veículo, às vezes, vêm e arrancam esses pedaços porque eles querem passar
com velocidade, aí tendo esses obstáculos não, eles precisam passar lentamente”.

Quando a passarela começa a se deteriorar, para Marcos, os moradores devem ter


“a consciência de ir lá e fazer um reparo. Tem gente que vai quebrando e não tá nem
aí”, pois se não for feita a manutenção, acresce a velocidade de deterioração. Suzana,
ao apontar a passarela próxima a sua casa, afirmou que “tá baixa, né? Tava saindo,
porque os motoqueiros passam aí com tudo e aí vão quebrando, né? Aí, fica difícil.
Um cuida, o outro não cuida, né? E, aí, vai se acabando”. Rosana contou um pouco
como funciona a manutenção “aí ela vai quebrando, nós vamos remendando, vamos
ajeitando daqui, vamo alevantando”. De acordo com ela, geralmente, um morador
observa o outro consertando e vai auxiliá-lo. Quem o faz “é mais quem usa a moto,

46
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 17 jan. 2018.
47
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 22 jan. 2018.
83

né? Aí, quem usa moto, aí vem um ajeitar, que aqui a maioria usam moto, né? Aí, vem
um ajeitar e o outro já vai ajudar e assim que é feito”. Já para Vitor a manutenção
funciona da seguinte maneira:

poucas pessoas que se importam com isso. Querem saber de estar nas suas
casas, tá pra dentro da casa, tá seguro e pra eles tá bom, mas tem muitos
que normalmente se importam e no caso é desses um que colocam
obstáculos, que fazem uma manutenção, esse sim importa com, aí esse são
os que, quando a gente, quando por exemplo quebrou um pedaço da ponte
ali, aí sabe com quem a gente pode contar, chega lá "não, bora levantar", aí
a pessoa "ah, não tenho dinheiro, mas eu vou lá ajudar, com a mão de obra"
(Vitor).

Para fazer sua manutenção, os moradores “remendam” a ponte, pregam a estrutura


para reforçar a passarela, pregam as tábuas que estão soltas, reorganizam as tábuas
existentes ou colocam novas tábuas por cima das velhas (FOTOGRAFIA 14, p. 212).
São táticas exercidas por esses moradores. Para tanto, moradores doam tábuas
usadas de suas casas, pregos ou dinheiro para subsidiar a compra de material.
Rosana disse que “uns dá umas perna-manca, uns dá o prego, outros vêm com
martelo, outros vêm com a mão de obra e assim que a gente faz”. Lucas 48 afirma que
as ferramentas necessárias são as de carpinteiro. Além do martelo supracitado, ele
incluiu a maquita, o serrote e a serra.

Diante de uma ponte demasiadamente danificada, os moradores já se organizaram


para reformá-la em 2010. Como a reforma é onerosa, pois necessita de mais material,
os vizinhos se reuniram, planejaram estrategicamente e fizeram uma rifa comunitária
para subsidiar a compra de materiais que foi complementada com doações. Dessa
forma, refletiram sobre o quadro atual de precariedade da passarela, tomaram a
iniciativa de mudança e imaginaram seu resultado. Mariana lembra que “fizeram um
acordo com os moradores. Aqueles que não podiam cooperar com dinheiro
cooperavam no trabalho, né? Aí, foram que fizeram essa outra ponte”. Eles
construíram juntos. Lucas lembrou que a construção ocorreu no sábado. Ele não pode
ir, mas doou prego e seu filho ajudou. Participaram mais de 10 pessoas. Além da
construção, teve lanche e suco. Foi autoconstruída apenas metade da passarela. Os
moradores da outra metade, próximos ao beco, arranjaram outra reunião, mas não
deram prosseguimento. No mesmo ano, a prefeitura construiu uma passarela por cima
dessa (FOTOGRAFIA 15, p. 213). As madeiras em bom estado foram aproveitadas
pelos moradores. Com essa prática, os moradores tomaram decisões sobre seus

48
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 07 jan. 2018.
84

espaços, conseguiram reaver uma das maiores limitações que enfrentam – a falta de
recursos – e agiram.

Acima, citei um exemplo de partilha de responsabilidades com horizontalidade na


tomada de decisões, entretanto existe divergência de opiniões e dificuldades.
Perguntemo-nos: Quem é responsável por cuidar de uma passarela que possui várias
kitnets? São as pessoas que moram ou o(s) dono(s) dos imóveis? É uma questão
ainda sem solução entre os interessados na passarela proveniente do beco 2. Os
moradores, ao mostrar empenho em reformar ou aterrar juntos, acreditam que cabe à
dona dos imóveis pagar uma porcentagem maior ou fazer tudo sozinha. Por outro
lado, ela acredita que não, que deve pagar a mesma porcentagem já que é apenas
mais uma dentre os outros. À vista disso, construir, negociar, fazer acordos
coletivamente não é tarefa simples.

A passarela também é desfeita ao decidirem criar novos caminhos. Esteios antigos


sem nada sustentar ainda são visíveis, mostrando suas ruínas e mudanças. No caso
da fotografia 16 (p. 213), reformaram a casa, modificaram seu acesso principal, mas
deixaram os esteios e alguns frechais velhos.

Emaranhado de caminhos entre a casa e a passarela principal

A passarela segue sendo ampliada a partir da construção de novas casas ou reformas


– a família aumenta, uma parte do terreno é vendida a um novo morador, constroem
kitnets. Como exemplos dessa espacialização, temos: da passarela principal uma
nova passarela lateral pode conectar várias casas ou kitnets; outras passarelas
podem sair das secundárias; da varanda posterior de uma casa podem sair várias
passarelas que conectam a outras casas (o que ocorre na casa de Rosana e de suas
três filhas). Dessa maneira, os habitantes acrescentam ramificações que formam um
emaranhado de caminhos, por vezes imperceptíveis ao olhar forasteiro e de onde nem
todos podem passar livremente.

Além das passarelas, existem caminhos sem arranjos físicos. Mesmo sem uma
passagem construída, amigos e parentes podem cortar caminho e conseguem sair da
nona para a décima passarela andando e saltando entre varandas e passarelas
“privadas” pelos quintais. As crianças conhecem bem esses caminhos. Criminosos
utilizam à noite como rotas alternativas de fuga da polícia:
85

Nós tamo em relação à segurança pública aqui é muito precária, entendeu?


Pra ti ter uma ideia, tá com umas duas noites, malandro passa correndo por
aqui. A gente tem que ficar calado aqui, aqui dentro de casa. Vem por aí,
varando pelo lado. A gente tem que ficar calado dentro de casa e os cachorro
latindo pra gente não sair, que a gente pode até servir de refém pra eles,
entendeu? (Rosana, 2018, moradora).

Ademais de sua função de passagem, as passarelas agregam e segregam. Agregam


pelo encontro e descontração. Nelas, os vizinhos conversam. Nelas, as crianças
brincam e sentam, elas parecem conhecer cada parte da passarela, sabendo onde é
melhor pisar, correndo e simultaneamente olhando para o céu atrás de uma pipa. E,
aos finais de tarde, as passarelas são mais movimentadas, com os jovens voltando
da escola e os adultos de seus trabalhos.

Porém segregam, pelo tráfico e criminalidade, onde deve haver cuidado em andar
tarde da noite. Por dificultar o acesso aos idosos, que até evitam sair de suas casas,
caso a ponte esteja precária. Por nem todos poderem andar livremente em todas as
passarelas, há portões, grades, portinhas, distância que delimitam fronteiras do lote
e/ou da casa. Os moradores observam forasteiros com mais atenção, seja curiosidade
ou desconfiança. E, mesmo sendo morador, tem que ser conhecido para permitirem
adentrar em certas ramificações e emaranhados de caminhos.

Ao caminhar da passarela principal e dobrar em uma “privada”, chega-se à varanda


de alguma residência. Nas varandas é onde as crianças brincam, os moradores ficam
sentados observando o movimento, onde atam e deitam e se embalam na rede,
guardam as motos, pegam um vento, conversam com conhecidos, soltam os
cachorros, estendem as roupas. A casa abre-se para a área externa. Quando um
conhecido passa na passarela gritam “ei, vizinho” e obtém uma resposta. Conversas
rápidas ocorrem durante seu caminhar. Conversações mais longas podem ocorrer
entre a varanda e a janela do vizinho, entre varandas ou um convite para sentar na
mesma varanda. Há cadeiras, bancos longos, de balanço. Por vezes, são fechadas
com grades, pelo medo de assalto. E, nas casas sem varanda, as crianças brincam
sentadas entre a porta aberta de casa e a passarela.

Nessa passarela, há duas grandes varandas abertas, isto é, sem parapeito e sem
cobertura: uma consiste na varanda da igreja e está unida à passarela. Nela, os
evangélicos se encontram antes, durante e depois do culto (FOTOGRAFIA 6, p. 209);
a outra fica diante de uma casa, está afastada 1 metro da passarela e possui um
banco longo. Por não ser delimitada visualmente, havia pensado que era uma área
86

que qualquer pessoa poderia usá-la e que foi construída com o intuito de reunir os
vizinhos. Após entrevistar o dono do imóvel, compreendi que não. A família de Lucas
passaria o natal em sua casa, então, ele desejava um espaço maior e confortável para
reunir a família. Imaginando uma varanda grande e toda coberta, ele começou a
construção, todavia, não teve recursos suficientes para finalizá-la e a obra está
inacabada, aberta. Atualmente, as crianças da passarela brincam nesse espaço e os
moradores a utilizam como espaço de convívio, mas não é qualquer pessoa que pode
transitá-la e usá-la, pois essa varanda pertence àquela família, há uma separação
simbólica. O olhar segue e se espera uma apresentação.

As passarelas principais seguem o traçado da rua de terra firme, a partir do qual é


possível delimitar quarteirões. Já os miolos desses quarteirões podem apresentar
diversas ramificações. Neles, quanto mais adentramos, mais confinados, subdivididos
e densos se tornam.

Becos

Além das passarelas largas e suas ramificações, há os becos. Observei três na


décima passarela/via (FOTOGRAFIAS 17, 18 e 19, p. 214). Um corresponde à
continuação da passarela principal, os outros são perpendiculares à principal e dão
acesso as casas localizadas no interior dos quarteirões. Pelas microssituações dos
becos, tentei compreender: sempre foi um beco? Caso contrário, como ocorreu essa
transformação? Quais negociações foram feitas? Quais vínculos foram formados?

Indico ver o mapa 22 (p. 199) para acompanhar visualmente as microssituações que
seguem. Sobre o primeiro caso, Maria narrou que o acesso à décima passarela pela
Avenida Netuno era uma passagem larga. Antes até podiam estacionar perto da
entrada, atualmente é um beco e não o fazem mais. Além disso, está mais aterrado e
é estreito para passar. Essa mudança ocorreu entre 5 a 10 anos atrás. Rosana relatou
que antigamente não havia a habitação ao lado do beco, mas o terreno foi vendido e
posteriormente construíram uma casa. Até então, não possuía o muro. O morador
dessa casa queria construir um muro, fechando toda a passagem, e almejava que as
pessoas acessassem somente pela outra rua. Contrários a essa ideia, os habitantes
da passarela conversaram, brigaram, até chamaram a polícia. No desfecho, Carla
87

contou que “foram pela justiça, resolveram e ficou, ficou desse jeito o beco aí, só um
bequinho pa passar”. A passagem ficou com a largura de 2 metros. A solução não os
deixou satisfeitos, pois antes era rua.

O beco 1 é bem estreito. Marcos contou como se formou. Sua mãe morava na casa
que dá acesso à rua. Ela queria fazer um muro e fechar seu terreno, mas os
moradores das casas de trás reclamaram, afirmando que ela não poderia fazer isso,
pois pessoas acessavam suas casas pelo seu terreno. O desenrolar da história:

Aí, minha mãe disse "então bora usar bom senso". Meu vizinho lá dá meio
metro, eu dô meio metro e fica um metro pa eles passarem, hein? Aí, deu
mais. Meu cunhado disse “não, vou deixar mais de meio metro, um metro pra
mim e a vizinha dá mais um pedaço aí”. Deixaram quase dois metros assim,
bem largo. (Marcos)
[...]
Tem gente que gosta de confusão. Aí, "não pode, a gente vai derrubar se fizer
o cercado". Quando meu cunhado era/tinha o coração bom, tinha não, tem
né. Ele disse “ah, vou deixar um pedaço para vocês passarem aí. A vizinha
do lado conversa com a vizinha pa deixar lá um pedaço, eu dô o resto”. Aí
[depois], o cara comprou o terreno da vizinha e fez o muro e já puxou mais
pro... rsrs. Ah, o pessoal parece que quer cada pedaço de terra, o pessoal...
Mas tem passagem, passa uma bicicleta, uma geladeira. Tem como o
pessoal fazer a mudança por aí. (Marcos)

Ainda que tenha ficado mais estreito, deixaram espaço suficiente para permitir
locomoção e passagem de eletrodomésticos. O bom senso foi a partilha. Mas, como
no caso anterior, as disputas não são inteiramente resolvidas, pois a terra é criada e
negociada o tempo inteiro. O que foi pactuado hoje pode mudar amanhã.

Sobre o beco 2, Joaquim narrou que seu vizinho deixou o espaço de 1 metro sobrando
entre suas casas. Novos moradores construíram habitações atrás de suas casas,
onde esse espaço virou uma passagem que, com o passar do tempo, tornou-se um
beco, o que ocasionou a diminuição do terreno de seu vizinho. Joaquim murou sua
casa e seu terreno atual possui 10,80 x 25 m. Seu lote permaneceu com a largura
intacta, mas seu terreno não ficou com 30 metros, pois havia uma ponte atrás
proveniente do beco. Como afirmou, quando tem uma “pontezinha” é difícil tirar.

Às vezes, um quintal também dá acesso a outras casas. É frequente um terreno ter


uma passarela ou passagem que conecta várias casas da mesma família ou casas
alugadas. Porém, a área livre lateral da casa do Marcos é lugar para estacionar o carro
e passagem para uma casa que existe atrás da sua, onde não são consanguíneos.
Ele afirma que por isso não podem murar na frente do terreno.
88

Há um caso de um caminho desfeito. A décima passarela não possui acesso para


outras passarelas. Entretanto, Marcos lembra que antigamente os moradores da
décima primeira “varavam por aqui pelo quintal da vizinha”. Onde era passagem, está
murado e construíram uma casa. Atualmente, para acessar a outra rua, precisam
rodar o quarteirão.

Nos becos e passarelas, há disputas entre espaço público e privado, pois alguns
moradores almejam terrenos maiores. Também há disputas sobre quem produz e
cuida desses espaços públicos. Essas pequenas controvérsias são negociadas para
além do formal e do papel, costumeiras, não contratuais, decididas pela conversa.
Porém, caso não cheguem a nenhuma decisão, podem ir atrás do respaldo da polícia
ou da justiça.

No diagrama ator-rede 5 (p. 232), observamos as distintas organizações dos


moradores na formação dos becos. No caso do beco no final da décima avenida, os
humanos (morador da frente, polícia e moradores da passarela) se vinculam e deles
não-humanos se conectam e conformam dois grupos. Por sua vez, no beco 1, dois
grupos estão enfatizados (moradores da frente e moradores detrás). Já, na formação
do beco 2, todos se conectam, não houve um antigrupo.

3.1.2. Para existência de energia, água e coleta de lixo

Como vimos, no início da ocupação não havia eletricidade, nem encanamento de


água. Com isso, os moradores viviam com sua inexistência ou emprestavam dos
outros. No transcorrer do tempo, os habitantes começam a autoconstruí-los e,
posteriormente, o Poder Público também, ainda que parcialmente. Nesse tópico,
abordaremos as ações de autoconstruir (construir, ampliar e manter) as redes de
distribuições de energia, iluminação e água, como lidam com o lixo e as ações do
Poder Público. Seguindo o que predispomos no primeiro capítulo para cartografar as
práticas, no qual elencaremos os atores, as práticas, as técnicas, os materiais
necessários, os vínculos formados e seus pontos de vista.
89

Energia e iluminação

A rede de energia na décima passarela possui parte instalada pela CEA e outra
autoconstruída. Próximo ao beco, há três postes antigos colocados pela CEA. Do
outro lado da passarela, chega até a cabeceira da ponte. Como na fotografia 20 (p.
215), a partir de seu último poste, os moradores puxam um emaranhado de fios
apoiados em postes de madeira fincados nas águas, são os “gatos”. Para puxar
energia, eles precisam, principalmente, de fios, de ferramentas (como alicate e chave
de teste), de meios de acesso (como a escada). Para Natália e Arthur 49, a maior
dificuldade é subir no poste.

Nesse actante autoconstruído, os moradores fazem reparos e manutenções. Cabos


velhos precisam ser trocados. Como Letícia exemplificou, “às vezes arrebenta, os
meninos entendem bem, aí remenda”. Já aconteceu o rompimento de um cabo que
caiu na água e os moradores ficaram com medo pelo risco de choque elétrico. A sorte
é que era um cabo neutro. Também há a questão dos postes de madeira, pois alguns
estão apodrecidos e precisam ser trocados.

Essa ocupação já está consolidada. Ainda assim, a rede é constantemente ampliada,


pois novas casas são construídas e novas necessidades surgem em casas já
existentes. Mariana trocou os fios logo após comprar a casa em que mora, pois a rede
de energia era compartilhada com outra casa e havia muitas quedas de energia devido
à elevada quantidade de eletrodomésticos. De outra forma, às vezes, a energia é
insuficiente para funcionar um eletrodoméstico, assim, freezers ficam parados sem
funcionar ou não conseguem gelar o suficiente. Rosana conta que para suprir a
fragilidade da rede e conseguir ter uma central de ar puxou outra ligação direto do
poste da rua, o que saiu caro.

não sei porque, mas porque vai e fica sobrecarregado na cabeceira da ponte
o pessoal tudo novo que mora na ponte tem que puxar energia da cabeceira
da ponte. Na decima segunda não, já é, o poste vai direto, cada um puxa das
suas casas mesmo, da ponte. Porque tem gente que compra duas, três peças
de fio pa poder chegar até na, aí sai caro. (Marcos)

Os moradores enfrentam dificuldades e riscos com a rede de energia existente. Há


medo de suas casas pegarem fogo. A fiação é baixa, o que facilita encostar nas casas,
e, como são de madeira, pegam fogo rapidamente. Os habitantes já viram faíscas,

49
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 26 e 19 jan. 2018.
90

mas nunca houve um incêndio na décima passarela. Todavia, já aconteceu na


vizinhança, na rua no qual residem e na oitava passarela. Na rua, um curto-circuito
virou o incêndio de uma casa em 2015. Enquanto esperavam os bombeiros, os
moradores tentaram apagar o fogo e impedir que se alastrasse ao jogar água na
parede da casa. Após esse incidente, Vitor contou que “aí, passou uns dois, três
meses, a gente viu de novo, o circuito de novo, da mesma maneira que começou o
outro incêndio, mas o pessoal conseguiram ajeitar antes que pegasse fogo de novo,
senão ia pegar fogo de novo a casa do homem”. Na oitava, as chamas se alastraram
e chegaram na nona avenida. Os bombeiros foram acionados e tiveram ajuda dos
moradores para apagar o fogo. Sobre o medo:
Aí, esse, esse poste aqui, olha. Era para terem trocado, era para terem
arrumado ... de vez em quando pega fogo aí. Aí, eu fico só olhando aqui de
casa. Meu Deus, tomara que não venha pra cá para minha casa. [...] ninguém
se arrisca a subir ai. Aí nada. (Letícia)
Quando venta, a gente fica com medo, porque faísca pega fogo mesmo. [...]
A gente, graças a Deus, aqui é uma boa vizinhança, nós somo bem unidos.
Se tá faiscando fogo no poste de um, o vizinho vem e avisa: olha o teu fio tá
pegando fogo ou vai lá bate pa pa parar. Graças a deus somos tudo unido
aqui, nessa parte. (Rosana)

Outras áreas de palafitas na cidade já sofreram incêndios de grandes proporções


(FOTOGRAFIA 21, p. 215). O mais recente ocorreu no bairro do Beirol. Após o
incêndio, os moradores atingidos desejaram voltar aonde viviam, mas o MP os proibiu
e seguem morando na casa de amigos e familiares. O incêndio de maior proporção
foi no bairro do Perpétuo Socorro, em 2013, que queimou 250 casas. Suas famílias
foram reassentadas para um conjunto habitacional na periferia da cidade 50.

Outra dificuldade enfrentada corresponde às quedas de energia, que podem


ocasionar a queima dos poucos eletrodomésticos que possuem. O que ocorre tanto
no lago, como na área de terra firme e para Marcelo “a poca coisa que a gente tem
numa casa, uma televisão, uma geladeira né e cai, às vezes queimava. Às vezes, a
pessoa tem e não tem uma renda muita alta, né?”. Fernanda mora há dois anos com
sua família na casa de madeira alugada na cabeça da ponte. Nesse tempo, afirmou
que as quedas de energia ocorriam mais à noite, na frequência de duas em duas
semanas, mas agora melhorou.

50
Para mais detalhes sobre o reassentamento, ler tese de Scheibe (2016).
91

Frente a essas problemáticas, alguns moradores já tentaram comprar novos postes


por conta própria e pedir auxílio da CEA para instalar novas fiações. A ideia sugerida
por Rosana foi trocar um poste de madeira e adicionar mais dois até próximo a sua
casa. De acordo com ela, os moradores da outra metade da passarela poderiam se
reunir para colocar o restante. Entretanto, houve entraves em materializar sua ideia:

Isso aqui conversou eu, o meu vizinho ali, aí ele falou pra mim que era pra
falar com quem quisesse entrar pra pra gente se reunir pra compar. Só aí que
eu falei né, mas aí deram pra trás. Aí eu falei pra ele: Bruno, não adianta a
gente fazer aqui, fazer eu, tu, a Ana, a Mare, a Carla e a Vera aqui com o
vizinho Manoel, nós botá o poste, aí vem os outros, a maioria, que nós vamos
ser a minoria. Aí, a maioria vem se privilegiar, do nosso. Então, a gente não
vamo fazer. Sei bem que a gente precisa, mas a gente não vamo fazer,
chegar a passar meses pagando. Que a gente vamo ter que pagar os postes,
vamo ter que pagar alguém pra fazer, vamos ter que pagar (Rosana).

Para ela, seria injusto poucos investirem e diversas pessoas se beneficiarem. É difícil
entrar em consenso com vizinhos. Para Rosana, a melhor solução seria a CEA tomar
a iniciativa, pois todos os moradores iriam querer pagar se a energia fosse de boa
qualidade. Ela conhece que há passarelas com posteamento materializado pela
concessionária. Nelas, os postes são altos e os fios não encostam nas casas. Para
Ana, “ficou bonito, todo mundo puxa já energia de frente de sua casa. Aí, não precisa
tá aquele monte de fio embolado um por cima outro, como fica ali nos poste” .

Ainda que na décima essa ideia não tenha seguido adiante, os moradores de outras
passarelas conseguiram materializá-la. A décima primeira possui energia
regularizada, pois os moradores compraram os postes e solicitaram da companhia de
energia. Porém, na décima oitava, compraram os postes, mas não conseguiram a
autorização do diretor para instalação51.

Por outro lado, para Letícia, há moradores que não cobram por melhorias:

Porque era pra CEA vim, ajeitar, colocar mais uns postes praí. Daí, pra lá
ninguém paga. Até em mim que paga né, daqui praí ninguém paga energia.
Aí, se ajeitar, ninguém cobra por causa se ajeitar vai ter que pagar energia,
aí, ninguém quer pagar. Eu reclamei. Um tempo eu fiquei reclamando, mas...
eu reclamei por mim, mas não adiantou nada. O resto, se todo mundo
reclamasse para ajeitar, né? Colocava mais pra frente. Porque tem umas que
tem né? Tem ponte que já está arrumado. Tem essas pontes tudo
arrumadinho, aí o pessoal paga. (Letícia)

51
Dados das visitas de campo.
92

Por um lado, é difícil mobilizar moradores para melhorarem a energia, por outro lado,
existe a ideia do dever da prefeitura que deveria fazê-lo como em outras passarelas.
Por outro lado, alguns moradores não querem ter o gasto mensal e preferem seguir
com “gatos”.

Já na rua, os moradores pagam energia e reclamam de seu preço elevado. Se antes


pagava no máximo 250 reais, agora já chegou conta de quase 500 reais.

A questão da iluminação da décima passarela não mudou, uma vez que até hoje não
há iluminação pública. Só não fica completamente escuro, pois há ações individuais,
em que os moradores instalam lâmpadas ou refletores na frente de suas casas
(FOTOGRAFIAS 22 e 23, p. 216).

As entradas dos becos não possuem iluminação à noite. Há posteamento na rua, mas
as lâmpadas não costumam funcionar. Assim, mesmo com os postes da CEA, são as
casas que iluminam a rua. Em junho de 2018, colocaram lâmpadas novas. Do outro
lado da passarela, na Avenida Netuno, foram colocados novos postes e novas
luminárias em 2017. Um morador que trabalha na CEA fez a instalação. O motivo para
Marcelo, morador dessa rua, foi “colocou aqui pra clarear, porque a marginalidade
daqui por perto tá demais. Ah, não adianta mentir que assistindo televisão sabe,
né?”52. Com a iluminação, ele se sente mais seguro.

A rede de distribuição de energia elétrica insere-se no sistema elétrico, após a geração


de energia e de sua transmissão. A distribuição subdivide-se em redes de distribuição
de média tensão e de baixa tensão. Na primeira, chegam até os transformadores
fixados nos postos, com função de rebaixar o nível de tensão elétrica, e, na segunda,
chega até os consumidores. Os gatos exercidos pelos moradores da ressaca estão
interligados à rede pré-existente da CEA, é uma continuação dessa rede. Dessa
forma, não há como isolá-los do sistema de distribuição.

Nos diagramas ator-rede 6 e 7 (p. 233-234), visualizamos os diversos atores humanos


e não-humanos (naturais, técnicos, valores e necessidades). Dependendo da ação,
esses actantes se transformam. Em específico, nas práticas de “usar rede de energia
formal e informal” e “tentar trocar postes e fiação”, no diagrama 7, fica explícito as
separações em grupos e antigrupos – formados pelos próprios moradores –, seja das

52
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na décima passarela em 05 fev. 2018.
93

passarelas com ou sem energia da CEA e, a outra, dos moradores que querem ou
não trocar a energia.

Água

A CAESA fez parte da rede de água cerca de 12 anos atrás. A outra parte foi
autoconstruída, porém não há como saber quais habitações são legalizadas e quais
não são. São duas possibilidades: os moradores podem dar continuidade à rede
existente ou criam redes alternativas desarticuladas da CAESA (DIAGRAMA ATOR-
REDE 8, p. 235).

Em ações individuais, os moradores ampliam e ramificam o encanamento. Às vezes,


surgem problemas e fazem sua manutenção. Vitor alega que solucionam problemas
simples e quando falta água já suspeitam do dano e já sabem onde transcorreu: na
cabeceira da ponte, em área já aterrada, onde carros estacionam. Como o solo é frágil
e o encanamento fica próximo à superfície, é fácil quebrar ou rachar com o peso do
automóvel.

[...] a ponte, na verdade, era até prali assim, aí aterram né, foram aterrando,
aterrando, aterrando. Aí, os canos ficam bem na frente quase na na ponta da
ponte. Às vezes, vem um carro mais pesado e por ser área de ressaca afunda
um pouco a terra, quebra, acaba quebrando o cano. Inclusive, se você passar
lá, você vê, tem um buraco lá, uma craterazinha assim, de tanto o carro
passar lá. Às vezes, o carro acaba se atolando lá nesse buraco, às vezes a
gente vai lá e faz a manutenção. (Vitor)

A distribuição da água é um sério problema, devido à possibilidade de contaminação


e de ser fraca. Como nas fotografias 24, 25 e 26 (p. 217), os canos estão localizados
embaixo das passarelas, muitas vezes dentro da água. O encanamento entra em
contato com a água contaminada do lago, às vezes há furos e as águas se misturam.
Para Mariana, quem tem condição financeira compra água mineral. A maioria de seus
vizinhos o fazem. Em relação a vazão da água, aqueles que possuem bomba
conseguem puxar a água com mais facilidade e armazená-la em caixas d’ água, como
na fotografia 25 (p. 217). Para Carlos, antes era pior, mas, há cerca de 10 anos, a
CAESA trocou o cano por outro mais largo. Na área de terra firme, pagam taxa de
água se são legalizados. Nela, é difícil faltar água, mas, às vezes, a vazão fica muito
fraca. Caso não tenham bomba e caixa d’água, Marcos diz “tem que se levantar cedo
pra, pra encher uma caixa d'agua se eles tiverem balde, alguma coisa, pra negócio de
94

tratar, de tomar banho, de fazer alimentação”. Bem cedo ou de madrugada é o horário


em que as bombas dos outros vizinhos estão desligadas e que a água possui pressão
para chegar à torneira. É um trabalho contínuo exercido pelos moradores.

Pela ineficiência do Poder Público, alternativas desarticuladas da CAESA aparecem,


como o mercado informal de água. Enquanto não havia encanamento pela CAESA,
Marcelo conta que seu pai possuía um poço amazonas e que começou a vender água
aos moradores de toda extensão da décima dos Congós, em torno dos anos 2000.
Nesse período, seu pai era vice-líder comunitário. Os moradores pediam para
conectar suas casas à rede e compravam a tubulação. Em seguida, ele levava seus
materiais (tarraxa, alicate de pressão, chave americana, cola de tubo) e fazia o serviço
de instalação da rede. Ele acredita que os moradores pagavam uma taxa. Após a
construção da rede pela CAESA, eles isolaram essas tubulações. Não obstante, esse
tipo de situação ainda acontece, algumas pessoas começaram a fazer poço artesiano
para vender água, devido à precariedade da rede oficial de água. Encontrei duas redes
alternativas de água. Esses poços ficam em área de terra firme, um localizado em
quintal, outro na calçada. Uma delas é usada por Rosana. Desde 2017, começou a
comprar água, ela e suas filhas se reúnem e pagam 80 reais por mês. A rede provém
do bairro Marco Zero e funciona bem. O responsável pela rede de água trabalha com
isso. Ele emprestou uma parte do quintal do vizinho para fazer o poço artesiano e
colocar caixa d’ água. Ele é encarregado de fazer o cano principal que fica embaixo
da passarela e os moradores puxam o encanamento para suas casas. Quando é
época de fazer manutenção na caixa (trocar a caixa, fazer a limpeza na caixa ou na
tubulação), eles avisam com um dia de antecedência para os beneficiários encherem
suas caixas d’água. Ela afirma que nunca mais teve problema com a água.

É de poço artesiano, porque água na verdade eu só passei a comprar, porque


eu já passei até de 15 dias sem água aqui e logo que eu me mudei pra cá eu
perdi, perdi uma criança carregando água lá da outra rua, porque tinha
encanação, mas água não tinha. E como tá agora, tá aí, maioria daqui pra cá
sofre com falta de água. (Rosana)

Há outra rede de água com poço artesiano construído na calçada da Rua Netuno. A
taxa custa 40 reais ao mês, mas podem doar um pouco de água, como aconteceu
com Mariana. Sua casa ficou 5 dias sem água e precisava buscá-la com baldes ou
então emprestava a bomba da vizinha para encher baldes para fazer a refeição.

O que poderia ser feito a respeito:


95

isso aí servia também se nós tivesse um bom governo, entendeu? Ele fizesse
aqui pra cima daria pra fazer um poço artesiano, já que a água da CAESA
não é suficiente pra chegar até aqui nós. Dava pra ele fazer um poço
artesiano e liberar pro povo daqui da área da ponte. O que ele faria, ele
cobraria uma taxa mínima nossa que daria para pagar a manutenção desse
poço. Entende, mas nem isso eles não fazem. Eles largam a gente aqui como
se nós não precisa, nem de água e nem de uma boa energia, nem de uma
boa passarela. A gente é que tem que se virar. (Rosana)

Essas divergências da (in)existência de rede de energia e água nas passarelas não


ocorre apenas no Congós. No diagnóstico socioeconômico feito pelo ZEEU, em que
aplicaram entrevistas em 13 ressacas da cidade de Macapá, declara que 59% dos
entrevistados possuem o fornecimento de rede de energia elétrica cadastrada pela
CEA e que 53% possuem abastecimento de água pela CAESA. Ambas as
companhias “se veem na obrigatoriedade do fornecimento de estrutura para
atendimento à população nessas áreas alagadas, pelo simples motivo de que se trata
de cidadãos com direitos e deveres” (TAKYAMA et al, 2012, p. 43).

Lixo
Enquanto o carro do lixo espera na rua próxima, os entrevistados contam que
recolhem o lixo na “ponte grande” três vezes na semana (segunda, quarta e sexta).
Como vemos nas fotografias 27 e 28 (p. 218), o agente de saúde pública empurra um
carrinho até o final da ponte, retirando o lixo que fica pendurado nos portões, esteios,
baldes ou lixeiras, depois ele deixa na rua, onde o carro passa em seguida. Eles não
entram nos becos, nem em passarelas precárias (tábuas apodrecendo, com grandes
espaçamentos). Carlos afirma que a prática de entrar na ressaca possui cerca de 6
anos. Antigamente não passavam e eles tinham que deixar o lixo na cabeça da ponte
para o carro recolher.

Diversas pesquisas e relatórios demonstram que o lixo nas ressacas desencadeia a


precariedade socioambiental53. Em sua tese, Carvalho afirma que “los residentes de
origen ribereño en las zonas rurales de la región están acostumbrados a tirar la basura
en el río Amazonas, lo que está causando un desastre ecológico en los humedales”
(2015, p.138). Porém, para ribeirinhos há uma percepção distinta nos ribeirinhos, pois
“não é de lixo que se trata, mas de objetos descartados que, por deixarem de ter uso

53
Ver mais sobre o assunto: TAKYAMA et. al. (2012); SANTOS (2003); GIRELLI (2009); CARVALHO,
(2015).
96

para os homens, perdem seu encantamento e tornam a ser palha, fibra, madeira”
(CAPORRINO, 2016), são produtos orgânicos, que ao serem jogados na água, os
peixes se aproximam. Já na cidade, os produtos manufaturados passam a ser um
problema.

Em uma rápida caminhada, podemos observar um quintal sem nenhum lixo aparente
e, ao lado, um quintal que possui colchão, geladeira, plásticos (FOTOGRAFIAS 18, p.
214; 24, p. 217; e 27, 28, p. 218). Não é mediante algumas perguntas que conseguiria
entender como a questão do lixo é tratada pelos moradores na ressaca. Creio que não
querem passar uma ideia negativa de que estão sujando o meio ambiente ou sentem
vergonha de morar em cima ou ao lado de tanto lixo. Falar sobre o lixo acaba sendo
um tabu. Foi durante uma entrevista que me fez refletir sobre essa perspectiva. Uma
recente moradora – vive em uma casa onde a frente está aterrada, mas atrás ainda é
lago – não reclamou do lixo, mas sua sobrinha de cerca de 7 anos a interrompeu e
me disse que havia muito lixo atrás de casa, o que deixou sua tia envergonhada. O
que afirmo a partir das entrevistas e das observações é a existência de moradores
que jogam lixo em seu terreno, no dos outros ou embaixo da passarela e há moradores
que não o fazem. Outro ponto a ser notado é que, quando chove, as águas arrastam
o lixo das ruas às ressacas e aos canais.

Há proliferação de doenças nas áreas ocupadas. A característica de área úmida,


somada ao acúmulo de lixo e dejetos humanos, propicia “condições para o
desenvolvimento de insetos e animais transmissores de doenças” (AGUIAR E SILVA,
2003). Quando há inundação e a residência em contato com a água, as pessoas ficam
expostas à contaminação de leptospirose, hepatite e verminoses (TAKYAMA, 2012).
Para Neri (2004), as pessoas mais atingidas por doenças, principalmente aquelas
transmitidas de causa hídrica, ocorre onde o saneamento básico é mais precário.

Várias pesquisas elencam a importância de educação ambiental nessas áreas


(GIRELLI, 2009; SOUZA, 2003; LUZ et al., 2018; CARVALHO, 2017). O ZEEU
incentiva projetos desse tipo. A SEMA é responsável por políticas de educação
ambiental no estado. A SEMUR chegou a fazer cartilhas para os moradores das
ressacas. Mesmo assim, o Poder Público não dispõe de programas de educação
ambiental como uma maneira de reduzir a contaminação (CARVALHO, 2017). Ainda
assim, deve-se ter cuidado com a imagem depreciativa que se tem dos moradores,
97

acreditando que todos sujam e desconsiderando que o lixo também provém da rua,
como Caporrino (2015) mostra em seu artigo intitulado resquícios e resíduos.

Os moradores, então, convivem no desconforto, com cheiro e proliferação de


doenças. Uma maneira de eles minimizarem essa situação é por meio da delimitação
do lote com tábuas ou garrafas pet, para o lixo flutuante não atingir seu quintal, e por
limpezas periódicas. A limpeza pode ocorrer de forma individual ou mediante mutirões.
Leonardo, morador na área de terra firme, toma a iniciativa de organizar esses
mutirões de limpeza da água e/ou capinagem na via e convida a vizinhança para
ajudar. Um resumo das ações em torno do lixo pode ser visto no diagrama ator-rede
9 (p. 236).

Há leis que defendem a necessidade de acesso à infraestrutura urbana e saneamento


feito pelo Poder Público. O Estatuto da Cidade estipula a promoção de programas de
melhoria das condições de saneamento em conjunto nas três esferas de poder. Ainda
alude às cidades sustentáveis de onde é garantido, dentre outras: o acesso ao
saneamento, à infraestrutura, ao transporte, aos serviços públicos, à terra e à moradia.
A Lei nº 11.445/2007 institui diretrizes ao saneamento básico. Possui como princípios
fundamentais: a universalização do acesso ao saneamento, sobretudo para
populações de baixa renda; o saneamento realizado de maneira adequada à saúde
pública e à proteção do meio ambiente; o emprego de métodos, técnicas e processos
que levem em consideração as peculiaridades locais e regionais (BRASIL, 2007).
Aborda, também, a ampliação gradual do saneamento básico e incentiva a promoção
de políticas para “priorizar planos, programas e projetos que visem à implantação e
ampliação dos serviços e ações de saneamento básico nas áreas ocupadas por
populações de baixa renda” (Art. 49, inc II).

3.1.3. Construir a terra sob os pés

No último estágio da ocupação, a ressaca é gradativamente aterrada pelos próprios


moradores e, com o passar do tempo, a terra sob os pés é feita em toda extensão da
passarela, com maior incidência na cabeça da ponte. Com o aterro, parte da passarela
é desfeita e novos problemas se destacam, como: o escoamento das águas pluviais,
a lama e o asfalto. Entretanto, a passarela não desaparece completamente. Nesse
98

tópico, abordarei as ações de aterrar e remover a passarela, e novas demandas que


surgem. Vale salientar que os entrevistados que forneceram mais detalhes sobre o
aterro são aqueles com residência própria em áreas de terra firme.

Aterrar

O aterro começa embaixo da ponte e posteriormente é expandido aos lotes, variando


de acordo com o morador (FOTOGRAFIAS 29, 30 e 31, p. 219). Porém, as áreas
aterradas preponderantes se localizam na cabeça da ponte e, quanto mais se aterra,
menor fica a passarela. Como sintetiza Marcos, “cada ano o pessoal ia aterrando um
pedaço e a ponte foi deteriorando, a ponte foi diminuindo”. Para Arthur, antes era
ponte, agora todos estão aterrando.

João me informou que cada um compra para si individualmente a terra para jogar na
água, a partir da qual cada família aterra na frente de sua casa. Letícia tentou atuar
junto com outros moradores. Ela aluga kitnets em um beco, quando chove fica tudo
alagado, e não quer que seus inquilinos caiam. Assim, pediu a colaboração deles e
de outros moradores. Ela comprou a terra, mas apenas dois ajudaram-na a aterrar.

Os moradores conhecem a proibição do aterro e os próprios são responsáveis pelas


denúncias: “o vizinho comprou bem ali pra terceira casa, o vizinho comprou, acho que
ele comprou dois daquelas caçambas... jogou bem aqui. Denunciaram ele, aí a polícia,
ele tá pagando não sei o que, uma pena aí por causa disso” (Letícia). O que mostra
que nem todos são a favor do aterro.

Há dúvidas sobre qual órgão é responsável pela proibição. Quando lhe perguntei se
sabiam onde denunciava, Letícia disse “acho que é pro ambiental, ambiental que vem,
né, multar ele. Aí, não sei”. Para Marcos, “a maioria do pessoal não querem
[passarela], querem mais aterrar. Só que o pessoal do do, esse pessoal do Ibama?
Né, do ibama, do ambiental que chama. Eles vêm e não deixam aterrar mais”.

Pelo ZEEU, a décima passarela enquadra-se na Zona de Consolidação Urbana, onde


é proibido aterro descontrolado. A entidade responsável pela fiscalização consiste na
SEMAM. Entretanto, de acordo com o técnico, a secretaria dispõe de recursos e
trabalhadores insuficientes para cumprir bem essa atribuição, por isso só vistoriam
mediante denúncias. Para denunciar, a pessoa precisa ir ao edifício da SEMAM,
99

localizado na zona norte da cidade, onde é preenchida uma ficha com opção de ser
anônimo. Após a denúncia, a SEMAM embarga o aterro, envia um relatório ao MP, o
qual intima infratores. O morador autuado pode, assim, retirar o aterro ou recuperar o
meio ambiente – não necessariamente onde aterrou, pode doar mudas para praças –
e levar multa. No diagrama ator-rede 10 (p. 237), fica explícito o grupo da SEMAM
com o antigrupo dos moradores que aterram, entre eles, articula-se o morador que
denuncia.

O aterro não ocorre de qualquer maneira, há determinados materiais e um jeito de


aterrar. Os materiais utilizados são terra, entulho, sementes de açaí e até lixo. O aterro
precisa ser feito aos poucos, sem chamar atenção, para não ser denunciado, de forma
sub-reptícia. É uma tática. Letícia e Marcos contam como os moradores aterram:

Não pode aterrar, mas a gente aterra, vai jogando assim pra cá, a gente
compra um aterro e joga, aí deixa passar uma semana.
Não, do lado, do lado da casa dele. Não pode aterrar disque. Mas eu vou
aterrar. É porque, mas também, porque ele não comprou uma carrada e
jogava logo. Comprava outro outro dia, deixava passar. Porque ele comprou
duas. Mas é vizinho que denuncia. (Letícia, 2018, moradora)

Aí, disque não pode e tal. Aí, assim mesmo o pessoal joga uma carrada de
manhã e carrega à noite. . ihh, já ajudei a carregar vários carregamentos aí,
do pessoal se juntava três, quatro ou mais pessoas e carregava rapidinho. É
a união faz a força, né, o pessoal aí. Tem muitas casas que foram aterrando
assim. (Marcos)

Para Letícia, a relação entre meio ambiente e degradação ambiental parece distante
face sua vida cotidiana. Já Carlos tenta compreender o porquê do impedimento de
aterrar.

dizem que não pode aterrar área de ressaca, mas pelo menos EU quero ter
uma casa decente, a casa que eu mereço morar. Eu quero ter e eu vou ter e
vai ser aqui. Eu vou aterrar. aaaa... então, me deem uma casa, não quero
[HIS], me deem uma casa bonita, que eu não vou aterrar. Se eu pudesse
morar num lugar melhor, eu tava aqui? Não tava. Não posso comprar uma
casa. (Letícia)

Que salva nessa cidade são as áreas de ressaca, por isso que eles não
gostam, não querem aterrar, né? Porque as águas das ruas corre tudo pras
áreas de ressaca, um funil que chupa a água. (Carlos)

Ao falarem sobre aterro, sempre usam o verbo intransitivo, o pretérito imperfeito ou


gerúndio, enfatizando a ação de aterrar, o qual ainda não está terminada.

Entre o lago e a terra firme formam-se espaços de transição que estão em constantes
mudanças. Se, por um lado, predominam quase inteiramente construções em madeira
100

na passarela, na terra firme, predomina a de alvenaria. Na transição, há materiais


mistos, como a frente da casa com calçada de cimento, mas com sua parte posterior
ainda alagada (FOTOGRAFIA 29 e 30, p. 219). No quintal e entre as casas
parcialmente alagadas, via de regra, lixo, água e aterro se misturam.

Nessa passarela, os espaços de transição são bem movimentados, com diversos


ruídos e cheiros, brincadeiras, conversas entre vizinhos, crianças andando de carrinho
de brinquedo, de bicicleta, mães passeando com seus filhos, jovens empinando pipa.
Como na fotografia 31 (p. 219), jovens, crianças e adultos brincam de futebol e vôlei
no meio da rua às tardes, com maior intensidade aos finais de semana. Crianças
brincam sem adultos, duas crianças de uns dois anos correndo sozinha pela rua.
Fiquei tão preocupada, mas os moradores não, continuaram seus afazeres, mas
estavam vigilantes. Mediante varandas e aberturas, as casas voltam-se às passarelas.
E o olhar segue atento. Nos finais de semana, há churrasco na varanda diante da
casa, músicas altas como tecnobrega, carrinho de pamonha sendo empurrado na
passarela e na rua. Do outro lado, o beco é usado apenas como passagem, mas
também é bem movimentado com bicicletas, motos e pessoas. Em sua esquina,
voltado à Rua Netuno, há um mercantil onde os vizinhos sentam para conversar.

São também espaços de conflitos, pois veículos e pessoas o disputam. Os carros e


motos passam e as crianças se afastam para deixá-los passar, os veículos ficam
estacionados nas calçadas, entre a calçada e a rua ou mesmo na rua próxima à ponte.
As motos são guardadas dentro de casa ou na varanda das casas. Além disso, há
conflitos à noite devido a pouca iluminação e o perigo nas esquinas alegado pelos
entrevistados.

Novos focos nas demandas

Na rua, quando chove, a água escorre à ressaca. Durante o período chuvoso, a rua
se torna escorregadia e chega a inundar, com nível até o meio da perna. Nessa época,
é difícil caminhar e andar de moto. Fernanda, que vive em uma casa diante da rua,
disse “a gente anda assim mesmo, não tem jeito”. Outros encontram alternativas para
sair de casa, como Rosana que sobe e caminha na calçada dos vizinhos. Ana está
grávida e evita sair de casa, “quando é necessário ir praí eu prefiro esperar dar um
101

solzinho, ficar mais seca a rua pra eu poder passar”. Suzana prefere fazer outro
caminho ao sair pelo beco e dar a volta no quarteirão. Já no beco 2, saindo da
passarela, Arthur informou que os moradores colocam tábuas no chão para conseguir
caminhar. Cada um encontra uma maneira de contornar a situação.

Os moradores constroem individualmente valas na frente de suas casas para auxiliar


no escoamento das águas pluviais. Podem ser de cimento, como na fotografia 31 (p.
219), ou em madeira. Com a parte de trás da casa ainda alagada, pode haver valas
que conduzem a água para a parte posterior da residência, mas caso seja desfeito, a
água escoa para a rua, como ocorreu com o vizinho de Letícia. Depois disso, ela se
sentiu obrigada a agir: ”vou ter que fazer tudinho aí, aí a vizinha tem que fazer. Aí, vão
ter que ir fazendo ou então cavar para entrar pra cá pro lado”. São ações individuais,
mas que se conectam e se influenciam.

Quando perguntava sobre as mudanças no lugar, quinze se referiram ao asfalto da


rua. A via foi asfaltada em 2016, no período de eleições, como lembrou Carlos. Os
moradores assinaram um abaixo-assinado que a líder comunitária do CASP organizou
e levou à prefeitura. Para Vitor, a rua asfaltada “foi uma coisa muito esperada por toda
população. Porque era sempre cheia de mato, muito esburacada mesmo, não tinha
nem como as crianças brincarem”. Atualmente, é diferente, as crianças saem, brincam
na rua e para ele as pessoas possuem mais conforto para se locomover. Antes de o
asfalto chegar, só havia boatos de sua construção, como lembrou Vítor. Os técnicos
fizeram o levantamento várias vezes, “eles faziam planta e nunca saía do papel”, os
moradores já estavam desacreditados. Quando perguntei se os técnicos davam
alguma informação, ele respondeu:

A gente perguntava "quando é q vai ser feito?", aí o pessoal "não, isso tá na


mão do secretário de obras, é o secretário de obras". Todos falavam que era
o secretário de obras que ia dá a ordem de de de fazer o trabalho. Aí
demorava, demorava e nada. Aí todo mundo já tava desacreditado já, que
não acontecia. Pra falar a verdade, a gente viu as máquinas aí pessoal
falando "ah, eles só vão fazer uma raspagem, vão jogar, vão deixar aquela
lama aí". Aí não, fizeram o trabalho direitinho. (Vitor)

Atualmente a rua asfaltada está em péssimas condições. Para Joaquim e Marcos, a


culpa é da prefeitura, pois só jogaram uma “borra”, “jogaram um asfaltozinho”, isto é,
não fizeram um trabalho bom. Com outro ponto de vista, Vitor acredita que “hoje em
dia não tá bem porque a população não cuida muito, aí se deteriora rápido”.
102

3.2. A água como actante: sazonalidades e mudanças

Denomino de sazonalidades as influências das cheias das águas nos usos e


autoconstrução dos moradores. E, considerando as mudanças em alusão ao passado
e ao presente, abordarei, primeiro, a seca com áreas de lazer e plantação de horta, e,
em seguida, as cheias e sua implicação no assoalho das casas e nas passarelas. O
diagrama ator-rede 11 demostra tais associações (p. 238).

No início, quase não havia água no período de chuvas. O nível desse actante ficava
em torno de dois palmos do chão e, na época de seca, o chão rachava. Nessa época,
os moradores nem precisavam caminhar sobre as passarelas.

aí no caso começava a secar em abril, ai ele já ia começar a encher em


dezembro, porque no natal ele tava, tava lama só, não tava lago ainda, tava
lama no natal. Passava quase o ano todo sabe? Aqui, graças a Deus, o
inverno não dura muito, né, aqui no Amapá. Aí, passava bastante tempo seco
mesmo. (Ana)

Durante metade do ano, as áreas secas entre as casas eram aproveitadas como
campinhos para jogar futebol e vôlei. Os moradores do início da rua e da passarela se
reuniam nesses espaços. Para Rosana, “era nossa área de lazer”. Isso também
ocorria em outras passarelas. Vitor lembra que os rapazes chegavam a caminhar até
6 ruas para brincar no meio da mata.

Atualmente, a água não seca mais e possui o nível mais elevado, por isso os
campinhos deixaram de existir. Em minhas visitas às passarelas no final da época de
seca, presenciei somente um campinho no final da décima oitava. A partir de então,
jovens, crianças e adultos jogam somente na rua de terra firme. Com a décima avenida
asfaltada, eles conseguem jogar durante todo o ano. Começam a se reunir a partir
das três da tarde e jogam até anoitecer, no meio e final de semana, com ou sem chuva.
Quando essa avenida não era asfaltada, havia tanta lama e vegetação na via, que
dificultava essas brincadeiras.

Durante o período que o chão rachava, o morador Vitor aproveitava para limpar o
quintal para as crianças brincarem no chão. Já Rosana, além de limpar, plantava
horta, enfatizando que chegou a plantar milho e melancia; atualmente, possui algumas
plantas em sua área de serviço e cuida de animais (cachorro, gato, pássaro e galinha).
Quem lembra e me contou essas histórias foram os moradores antigos (os primeiros
a ocuparem a passarela). Dentre os recentes que entrevistei, apenas uma citou essa
103

situação. Conversávamos sobre o aterro na ressaca, Mariana disse que não tinha
como aterrar, mas citou o vizinho que está aterrando seu terreno e planta bananeira.
Então, ela interligou essas histórias tentando me convencer de sua veracidade:

Ele já plantou bananeira, já colheu foi muito aqui. E tem como, porque, na
verdade, isso aqui, a senhora que eu morava nos quarto dela lá, ela me falou
que quando ela veio morar aqui pra cá nesse bairro, o povo jogava bola lá,
no terreno dela o povo jogava bola, era terra mesmo aqui. (Mariana)

Para Rosana, a transformação da área seca para lago foi inesperada:

Quando era aqui, eu tenho até hoje sabe o, quando secava aqui, no período
de verão aqui secava e eu capinava, eu varria sabe, ai eu comecei a capinar
de manhã, aí parei almocei e me deitei. Quando eu voltei, que eu fui pra área
de serviço que eu ia descer, eu digo "égua, Paula, minha filha tem algum cano
quebrado por aí". Ela disse "não, mamãe". Eu disse "olha como tá enchendo
de agua". Foi no mesmo dia que eles aterraram lá. (Rosana)

Para os moradores, a causa da cheia foi o bueiro (manilha) construído na sétima


avenida há cerca de 5 a 7 anos. Todos os moradores que citaram a diferença das
cheias vincularam esse actante com o fato do lago nunca mais secar e do nível da
água elevar. Marcelo: “tem a área de ressaca que a agua vai pra lá, né. Esse tempo
aqui, esse lago aqui era tudo seco, chão mesmo. Aí no, depois que alagava pra lá,
pro outro lado aí fizeram um bueiro aí na sétima, aí que a agua vem pra cá direto”.

Quem caminha na sétima avenida não consegue ver a manilha, nem imagina que a
água da ressaca corre embaixo da rua. Acertei logo sua localização pela informação
de uma moradora, caso contrário teria sido muito difícil encontrá-la. Há duas manilhas
embaixo da sétima avenida. Uma fica embaixo de um edifício comercial, é antiga,
existe há mais de 10 anos. A outra foi construída recentemente, cerca de 2 anos atrás,
e localiza-se no beco ao lado desse edifício. Esse beco de cerca de 1 metro de largura
se transforma em uma ponte bem construída, onde há casas atrás dos
empreendimentos comerciais (FOTOGRAFIA 32, p. 220). O bueiro visto na calçada é
o único vestígio da mudança. Entre o lado posterior do empreendimento comercial e
a primeira casa de palafita, pude observar a força e velocidade que a água sai da
manilha em dias de chuva. Entendi porque os moradores a comparam com uma
cachoeira. O filho do dono do empreendimento, solícito às minhas perguntas, afirmou
que, mesmo com o nível pluviométrico elevado, nunca alagou o edifício comercial,
nem as casas de trás. Alaga em outros lugares, como no bairro do Muca e no Canal
do Beirol.

O aumento do nível da água gera riscos de inundar as casas:


104

Chega perto, mas não chega a alagar. É mais nas casas que são baixa, que
tem umas casa que são muito baixa. Chega assim, um negócio de quatro
dedos pra ir pro fundo. Aqui, graças a Deus, ela enche, mas ela rápido vaza,
por que ela tem vazamento aí. (Ana)

Não chega a alagar mais. Esse ano, a casa alagou lá na casa do meu vizinho,
do comercio ali. Por causa da casa do pai dele, não, tava muito baixo, mandou
até levantar. [...] O pessoal diz que não enche, mas tem época que fica
batendo no assoalho. (Marcos)

Declarações como essas foram comuns. A partir delas e de observações, elenquei


quatro microssituações: A) Ao caminhar pela décima passarela observei uma casa
que estão ampliando, elevando o assoalho e a usando. Registrei distintos períodos
que podem ser observados nas fotografias 33 e 34 (p. 220). As duas fotografias tecem
uma história da ampliação da habitação, que não nos mostra a permanência, mas
mudanças. Na segunda foto, ainda é visível parte da antiga casa, seu antigo nível,
suas paredes vermelhas, seus usos do interior. Vemos que segue inacabada, ainda
há materiais estocados e muito a ser feito; B) Marcos suspendeu diversas vezes o
assoalho de sua habitação, e mesmo atualmente vivendo em área já aterrada, seu
quintal ainda alaga; C) A casa da Mariana não alagou, pois havia suspendido o
assoalho em 2017, mas o antigo nível sim; D) Às vezes, falta um palmo para alagar
as casas.

Dessas microssituações, importa elucidar que os moradores são enfáticos ao afirmar


que não há alagamento, mas depois se lembram de algum vizinho que teve a casa
submersa e que prestaram auxílio. Quando isso ocorre, alegam que é devido a casa
ser muito baixa. As habitações já são construídas mais altas por conta da água,
mesmo assim, com o passar do tempo, aumentaram seu nível. Para Carlos, a causa
foi a seguinte:

Era mais estreita e mais baixinha, aí com, aqui a única casa que era desse
nível era a nossa e da minha irmã, as outras eram baixinhas e como houve
um inverno muito grande, acho que 2000..., nós cheguemos em 2001, eu
acho que em 2009 teve um inverno muito grande que as casas foi a maioria
no fundo, aí os moradores começaram a levantar né, no nível da nossa aqui.
Agora praticamente tão tudo só num nível, aí a ponte suspendeu. Se dá pra
perceber, tem ali ó, um negócio bem ali, ao lado, era daquela altura, bem
baixinha [apontou para os resquícios da antiga passarela]. (Carlos, 2018,
morador).

Para Vitor, a enchente em área alagada é uma ação normal da natureza:

não, enche muito as coisas, mas é normal da natureza, né? A gente tá


vivendo numa área que que era, como dizer, uma área que era lago e o nível
da água subir, é normal as enchentes, mas, as pessoas querem que a, que
105

alguém resolva isso. É uma coisa da natureza e não tem como a gente
resolver. (Vitor, 2018, morador)

Durante as entrevistas, só um morador ponderou sobre o lixo jogado na água como


causador do alagamento, citando o entupimento da manilha. Outras causas, não
citadas pelos moradores, mas abordadas no ZEEU, são a impermeabilização do solo
e o aterramento. Os aterramentos diminuem o espaço para acumulação de água e
sedimentos naturais, o que eleva as chances de inundação de áreas antes não
inundáveis (TAKYAMA et al., 2012). Portanto, devido às influencias das cheias e
vazões naturais das águas das ressacas e às ações antrópicas que a modificam, o
nível da água torna-se um híbrido.

Da mesma forma que os moradores sabem que a água vem da sétima, também
conhecem, ainda que não saibam nomes técnicos, sua vazante: se chover à noite
inteira, ela logo vaza, “essa água daqui desce pra gruta aí no barreiro” (Rosana).
Barreiro é como chamam o final do bairro do Congós. De acordo com ela, é onde há
um rio grande que chega à gruta. Antes da formação do bairro, era o nome do lugar
onde as pessoas tomavam banho de rio. Pelo ZEEU, corresponde ao principal canal
do Igarapé da Fortaleza.

3.3. Lutas institucionais

Primeiro os moradores construíram a casa e a passarela, após, autoconstruíram a


infraestrutura. Durante a consolidação, podem continuar com a ação direta no espaço,
mediante reforma, ampliação e manutenção dos objetos sociotécnicos
autoconstruídos ou seguir o caminho da via estatal. Não são ações excludentes. Com
essa última opção, os moradores requerem melhorias espaciais ao poder público. São
pedidos pontuais. Fazem-no, individualmente ou em grupo, das seguintes maneiras:
vão às secretarias, reclamam em redes televisivas e em jornais, produzem abaixo-
assinado (DIAGRAMA ATOR-REDE 12, p. 239). Além do mais, alguns participam de
ONGs e da associação de bairro, que será discutido no tópico 3.5.

Pelas entrevistas, há relatos de moradores que foram individualmente em secretarias


reclamar e pressioná-los por melhorias. Como retorno, complicações e informações
avulsas são respondidas.
106

Abaixo-assinado

Os moradores já enviaram abaixo-assinados reivindicando a reforma da passarela,


demandando o asfalto na rua e postes de energia. O documento torna-se uma
composição de interesses comuns de pessoas que não querem ser simples agentes
passivos, mas influenciar o curso da ação.

Quem já assinou o documento não sabe exatamente quem organizou e/ou não sabe
para onde entregam. Marcos e Rosana acreditam que a diretora do CASP é quem
costuma organizar; Letícia foi a única que mostrou certeza. Já Suzana conhecia a
pessoa, mas não sabia informar, pois não sabe direito os nomes dos vizinhos.

Todos os abaixo-assinados entregues às secretarias das prefeituras são


encaminhados à SECSUB. Os documentos referentes às passarelas são levados em
consideração quando a secretaria supracitada recebe material para doação ou
quando um parlamentar consegue recursos e deixa a escolha das passarelas à
SECSUB pedindo apenas que reformem onde está mais precário.

Arthur e Marcos comentaram que entre três a cinco anos atrás fizeram um abaixo-
assinado pedindo iluminação pública e levaram à CEA.

é eles fizeram tipo um abaixo-assinado. O cara da CEA disse que eles tinham
que fazer um abaixo-assinado e mandar pra lá, já mandaram um, mas nunca
deu resultado. Só quando é político que eles prometem aqui pra gente, que
vão ajeitar, vão ajeitar e não.
[...]
Veio um pessoal aí e disseram só que era área de ressaca que era uma
burocracia e não sei o que mais. Não diz: vai, a gente vem aqui e dá uma
ajeitada e fazer um cronograma e sei lá e, mas acho que é só conversa deles,
nunca vieram aí. (Marcos)

A família de Carlos já organizou dois abaixo-assinados. Um feito pelo pai, outro pelo
irmão. Eles levaram para os outros moradores assinarem e em seguida deixaram na
CEA. Depois de tentarem por ofício com abaixo-assinado, chamaram a imprensa, que
mostrou que havia postes na ponte de trás, isso faz cerca de 5 a 6 anos. A companhia
de energia elétrica alegou que não podem colocar poste de energia na água. Além da
vontade de ter uma boa energia, precisam de um comprovante de endereço, para
provar onde moram. Vale salientar que há entrega de correio, porém quem mora nas
casas dos fundos ou dos becos colocam o endereço das casas da frente. Porém:

Fizemos ofício pra CEA, os morador fizemos abaixo-assinado e pra ... pra
isso que a gente tem direito né, de um comprovante, porque só tem direito
quem tem uma tevê a cabo, alguma linha de telefone, fixo que tem chega
107

correspondência conhecido como de endereço, pra tirar uma coisa na loja,


hospital e alegaram que era área de ressaca, não pode colocar postes, mas
se você reparar aí atrás nessa outra rua tem poste de energia e chega
correspondência normal da CEA lá. (Carlos)

Por outro lado, Letícia acredita que os moradores não pressionam mais a CEA, pois
não querem pagar energia. Ela crê que há passarelas com postes de concreto, pois
os moradores são unidos e demandam ao Poder Público.

Até em mim que paga né, daqui praí ninguém paga energia. Aí se ajeitar,
ninguém cobra por causa se ajeitar vai ter que pagar energia, aí ninguém quer
pagar. Eu reclamei um tempo eu fiquei reclamando, mas... eu reclamei por
mim, mas não adiantou nada. O resto, se todo mundo reclamasse para
ajeitar, né. Colocava mais pra frente. Porque tem umas que tem, né, tem
ponte que já está arrumado. Tem essas pontes tudo arrumadinho, aí o
pessoal paga. (Letícia)

Mídia

Em jornais, rede televisiva e rádio, o tema predominante é sobre violência e


criminalidade nas ressacas. Quando são feitas reclamações, os habitantes expõem
suas dificuldades e o abandono do Poder Público, o que ocorre tanto pelos contatos
que os moradores já possuem, quanto por iniciativa do meio jornalístico. Letícia diz
que sempre reclama, mas não é sempre que seus pedidos são atendidos. Na pauta
das reclamações, a passarela é o carro-chefe. Segue um exemplo de notícia
característica:

Famílias que residem na 16ª Avenida do bairro Congós, zona sul de Macapá,
denunciam o abandono do poder público, quanto às obras de reforma da
passarela de madeira, que interliga o Congós ao bairro Zerão. [...] “Nem
mesmo em época de eleições somos lembrados. Não podemos esperar só
pelo poder público, propus uma coleta entre os moradores para fazermos a
manutenção da ponte, mas muitos acham que é obrigação dos políticos fazer
a ponte, e uma andorinha só não faz verão”, desabafou. (SILVA, 2017)

Pela pressão popular, eles conquistaram uma pequena melhoria. Já chamaram para
a passarela:

não, ficou mais de 6 anos sem uma reforma, aí sempre só funciona quando
a imprensa vem, aí a gente chamamos a imprensa, a gente reunimos com os
moradores, aí informando, né, que tinha caído idosos, criança. Exatamente
pra não mentir, o cara quando virou a câmera pra lá, vinha criança indo pra
escola fruuu caiu na hora da entrevista. Aí, a prefeitura falou que com 15 dias,
30 dias iam reformar, aí foi nessa época, né. Fizemos a entrevista mês de
maio e quando foi em agosto eles fizeram. (Carlos)

Carlos acredita que só funciona quando chamam a imprensa. Porém, para Maria, nem
adianta mais chamar a televisão, pois os políticos só fazem na época de eleição. Para
108

Letícia, os moradores unidos conseguem melhorias, por isso acredita que há


passarelas melhores que outras. Rosana e sua filha creem que falta um representante
de rua para trazer melhorias.

Nas transformações do local, os moradores enfatizam as conquistas, de hoje estar


bom em comparação com antigamente. Há melhorias da habitação, mas também da
água que falta menos, da luz que cai menos, das proximidades de comércios, de ter
mais linhas de ônibus.

A luta institucional é uma busca de melhorias sócio-espaciais centralizada no papel


do estado, refletindo em seu dever como provedor, regulador e ordenador. Por outro
ponto de vista, por esse meio de luta, os moradores também nos mostram que estão
à procura de visibilidade, de reconhecimento de sua cidadania perante o poder público
e de legitimidade de se viver sobre as águas.

3.4. Entrada de líderes comunitários

Serão apresentadas três entidades atuantes no bairro: CASP, NRDC e associação de


bairro. Auxiliará na compreensão dos vínculos formados com os moradores, a ressaca
e o Poder Público e, assim, sua influência em melhorias espaciais para a ocupação,
seus limites e contradições. Para tanto, leva-se em consideração: seu histórico, seus
vínculos formados, seus enunciados, objetos utilizados (como grupo de whatsapp),
meios de divulgação, como atuam.

CASP

O Centro de Atividades Sociais da Periferia (CASP), também conhecido como


“centrinho”, está localizado na décima avenida, em área atualmente aterrada, na
frente da residência de sua diretora (FOTOGRAFIA 35 e 36, p. 221). Os membros que
estão na diretoria do centro são vizinhos, amigos e familiares, que moram na rua de
terra firme, com exceção do líder da capoeira, que vive em outro bairro. Eles
participam de reuniões mensais para decidir sua programação. No CASP, ocorrem
atividades para crianças, jovens e adultos, como aulas de reforço, capoeira, cursos,
turmas de espiritualização, rodas de conversa e reunião com moradores. Costuma,
109

também, propiciar festas nas férias e em dias comemorativos. Em julho, há


brincadeiras, competições, música, lanches e até piscina de plástico, ocorre na rua e
reúne pessoas de diversas faixas etárias que brincam ou simplesmente olham de suas
varandas. Em dias comemorativos, pode-se comemorar a festa junina, onde a
quadrilha da rua se apresenta, e, no dia das mães, na qual podem fechar o final da
rua e fazer sorteio de brindes, jogar vôlei, ter conversas e brincadeiras. Há dias em
que suas portas ficam abertas, como um convite para entrar. Os adolescentes ou
adultos colocam a cadeira na calçada, conversam e assistem às brincadeiras. O
CASP já apareceu na mídia, onde mostraram suas atividades e pediram contribuições.
Veja as associações decorrentes de várias de suas atividades no diagrama ator-rede
13 (p. 240).

Está vinculado a ideias cristãs de solidariedade, pela história da diretora em trabalhar


há mais de 10 anos na Pastoral da Criança e por ter atividades em conjunto com essa
entidade – como o acompanhamento nutricional de crianças pequenas.

O CASP foi criado em 2016 pela diretora (MÍDIA 2, p. 250). Inicialmente, só ocorria
capoeira a céu aberto. Com o tempo, construíram o empreendimento em madeira e
atualmente está em reforma e possui a metade em alvenaria. A obra ocorreu por meio
de mutirão em três dias nos finais de semana. O material foi doado por um político e
parte foi subsidiada por rifa comunitária.

Além das atividades supracitadas, o CASP organiza abaixo-assinado e leva às


secretarias, oferece o espaço físico para reuniões de moradores e já construíram uma
habitação em palafita para uma moradora. A líder também participa de reuniões com
secretarias, como sobre iluminação pública e passarelas.

Enquadra-se na categoria de ONG, mas ainda não conseguiram o registro, por


dificuldades burocráticas e pela falta de recursos financeiros. Por conta disso, não
conseguem recursos de editais públicos, muitos cursos não podem ser exercidos no
lugar e há dificuldade na divulgação do centro. Então, as atividades ocorrem mediante
doações, rifas, bingos comunitários e investimento da diretora. Tais fatos diminuem a
quantidade de atividades no local.

Para exercer suas atividades, precisam de diversos materiais, como banco, cadeira,
quadro, lanches, papel, lápis, livros. Para produzir uma rifa, precisam pedir auxílios
externos, pois não possuem computador. São exemplos que mostram suas
110

dificuldades. Os que ajudam são voluntários e muitas situações dependem do tempo


dos outros, o que pode demorar.

Dos 16 entrevistados, 11 citaram o CASP, não com esse nome, mas o chamam de
centrinho, associaçãozinha, capoeira, uma sala de uma senhora. Quatro citaram as
atividades com crianças e a capoeira; três a vincularam ao abaixo-assinado; três
citaram a reunião com moradores; e Vítor afirmou que caso os moradores precisem
de algo, podem contar com a ajuda do centro. As opiniões foram positivas quanto às
atividades para crianças, afirmando que tiram elas da criminalidade ou que a líder faz
o melhor que pode, mesmo com poucas condições. Apenas uma moradora mostrou
descontentamento pela falta de informações repassadas aos moradores, duvidando
se ela era a líder da rua, pois parecia ter outras prioridades. A dúvida se deu por
acreditar que ela estava priorizando as atividades do CASP em detrimento dos
interesses coletivos e, por morar em área de terra firme, estaria priorizando as
necessidades da rua.

O CASP localiza-se em área de transição da terra firme e alagado, mas não possui
placa em sua fachada, o que dificulta sua identificação. A capoeira é a única atividade
regular, ocorre três vezes por semana. Nesses dias, alguns moradores jogam, outros
ficam na porta observando, conversando entre si. A maioria das atividades que
ocorrem são para as crianças. Há livros, desenhos, cartazes e fotos nas paredes, há
mesas e cadeiras na sala. Essa imagem também contribui em associar as atividades
só para jovens.

Por outro lado, a líder afirmou possuir dificuldades em organizar algo em conjunto com
os moradores, alegando a falta de interesse. Há aqueles que ela sabe que pode
contar. Chegou a comentar que, para ter alguma reunião com moradores, precisa
haver um motivo bem específico, como o peso das crianças, caso contrário não
aparecem.

A líder acredita que poderiam transformar as ressacas em canais, pois antigamente o


Canal da Mendonça Júnior, no bairro Central, ou o Canal do Beirol, em bairro
homônimo, eram áreas alagadas. Dessa forma, quem mora na ressaca poderia morar
em terra firme e permaneceria o espaço para a água passar.
111

NRDC

Os Núcleos Rotary de Desenvolvimento Comunitário (NRDCs) estão vinculados ao


Rotary Club. São grupos que planejam e implementam ações locais com o intuito de
mobilizar as pessoas e atender às necessidades locais. A primeira atuação do NRDC
do bairro Congós foi tentar minimizar o índice de violência do bairro, mediante criação
do grupo de whatsapp denominado “Congós100%paz”54. Seu objetivo consiste em
publicar denúncias de assaltos e assim auxiliar a polícia na procura de suspeitos.
Porém, também são publicadas diversas ações e reclamações do bairro. Participam
moradores, jornalistas, policiais e alguns parlamentares. Dentre outras atuações do
NRDC, vale salientar: a criação do horto comunitário no bairro; cursos para o mercado
de trabalho; campanha de limpeza; festas, como a comemoração de criação do bairro;
interlocução junto à prefeitura com o intuito de solucionar os problemas da
comunidade (como a participação com a secretaria para escolher as vias que
ganhariam iluminação pública); fiscalização nas ações da prefeitura; presta auxílios
pontuais aos moradores (como mutirão para reforma de uma casa de palafita, doação
de roupa e alimentos); e organização de reunião com moradores. Não possui espaço
físico, assim, as reuniões ocorrem na escola Irineu.

A entidade trabalha com parcerias, como na feira itinerante 55 e na ação de assistência


social e de saúde56. Possui parceria com o CASP – já atuaram juntos com a horta na
escola. Veja suas associações no diagrama ator-rede 14 (p. 241).

O participante mais influente da entidade se expressa bem, trabalha na área da


construção, estudou um tempo arquitetura e urbanismo e se envolveu em ativismos e
manifestações quando viveu em São Paulo. Essa sua experiência em São Paulo foi
importante para motivá-lo a se articular e fazer algo pela cidade. Ele deseja que o
bairro vire um exemplo de mudanças para a cidade e imagina as ocupações nas
ressacas do bairro limpas, sem esgoto ou lixo, para também servir de exemplo. Ele

54
Não há estudos que mostrem sua eficácia no bairro.
55
A Feira foi iniciativa da Associação de Produtores da Vila do Valdemar (Aprova) com a parceria do
Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Governo do Estado do Amapá (GEA) e
Prefeitura Municipal de Macapá (PMM).
56
Houve programas socioassistenciais, contação de história, atendimento médico e alguns exames.
Teve parceria da SEMSA, SEMUR, SEMED, Faculdade Fama e farmácia Gaste Menos.
112

enfatiza que apoia melhorias para o coletivo, assim, apoia desde a construção das
passarelas até o reassentamento.

Ele afirma que todos os dias moradores do bairro ligam ou vão à sua casa e pedem
ajudas pontuais e individuais, como conseguir matricular o filho na escola ou ajudar
com doações para construir uma casa. Há uma troca e confiança, um compromisso,
um dever a ser cumprido. De outra forma, é conhecido por suas reivindicações, seus
diálogos e críticas ácidas ao Poder Público. Dessa forma, buscam-no para fazer
reclamações, buscando por melhorias. Alguns requerimentos são postos no grupo de
whatsapp. Ele tenta mostrar serviço, que está trazendo melhorias para o bairro, para
o coletivo. Às vezes, demonstra um poder de decisão maior do que possui (como
veremos na construção da passarela). Fora do bairro, já participou de reunião com a
associação do bairro vizinho sobre o grupo de whatsapp, foi uma forma de trocar
experiências.

Ninguém na décima passarela citou o nome NRDC, mas Rosana e Vítor falaram sobre
o líder e estão no grupo de whatsapp. Ela estava contando sobre a ideia de se ter um
representante por rua, logo comentou sobre o grupo e então sobre seu líder. Perguntei
se ele era o representante do bairro, Rosana respondeu que não, porém “ele se vira
por tudo aqui no bairro. Ele, ele não chega a ser bem o representante, porque na
verdade eu não sei nem quem é que representa aqui o bairro. Eu já perguntei, mas.
Entendeu?”. Para Rosana, ele é a pessoa que toma iniciativa por melhorias no bairro.
Já Vítor disse que há pessoas que ajudam, caso faça algum pedido no grupo.

Nos jornais, o líder é o porta-voz que fornece informações sobre o bairro, mostra suas
críticas aos problemas vivenciados, suas ações e parcerias. Por vezes, o grupo de
whatsapp é exposto como um ator completo na mídia, como no caso “a denúncia no
bairro Congós é feita pelo Grupo “Congós 100% Paz” ou “a ação contou com a
parceria do Grupo Congós 100% Paz”.

Associação de bairro

Não tive contato direto com sua líder. As informações que seguem são de fonte
secundária de jornais, das entrevistas com moradores e conversas com os líderes das
outras entidades. O líder do NRDC me explicou que associação dos moradores do
113

bairro do Congós (AMBC) foi oficializada em 2000, mas não funcionava. Possuem
espaço físico, mas não podem utilizá-lo, pois estão sem energia. Pela falta de uso, a
construção está se deteriorando.

Há moradores vinculados para pagar contribuição, tendo direito à voz e voto em


assembleias. Porém, já passou a época de se ter novas eleições. Portanto, o grupo
está irregular.

Até onde as entrevistas me permitiram, há pouca atuação da associação dos


moradores. Em suas atuações explícitas na mídia, há articulação com secretarias,
com reivindicações por melhorias, já organizaram uma audiência pública para discutir
os problemas em serviços e infraestruturas do bairro e encaminharam ao Poder
Público e fizeram festas em dias comemorativos, como o das mães. Veja tais vínculos
no diagrama ator-rede 14 (p. 241).

Onde entrevistei, ninguém conhecia a líder da associação, nem sabia seu nome.
Poucos afirmaram onde fica a associação de bairro. Dos que sabiam, disseram que
estava fechada. Não tinham certeza se ainda funcionava. Só três já participaram de
alguma reunião.

Ambiguidades, potencialidades e desafios

O WhatsApp enquadra-se como rede social, o qual é definida como “ambientes que
possibilitam a formação de grupos de interesses que interagem por meio de
relacionamentos comuns” (TOMAÉL, 2005). As três entidades utilizam grupos no
whatsapp e boca a boca como meios para divulgar suas atividades e marcar reuniões.
Dos que entrevistei, quatro participam do grupo do CASP ou do Congós 100%paz.
Como benefício, elencaram a facilidade em conseguir informação, em marcar reunião
e pedir auxílio. Assim, os grupos permitem que vínculos sejam formados e mantidos.

O ator com mais visibilidade na mídia e mais atuante corresponde ao NRDC. Já que
o CASP é focado em atividades de ensino e cultura na rua e a associação pouco se
manifesta. É importante salientar que a líder do CASP também faz parte do NRDC e,
por vezes, seus papéis se cruzam, sobressaem ou entram em conflito (principalmente
por causa de seu pouco tempo livre).
114

Sobre os vínculos formados, os líderes do CASP e do NRDC conhecem as


secretarias, técnicos, parlamentares e suas atribuições. O que acarreta
responsabilidades para com os moradores, que podem se informar e exercer suas
reclamações para eles. Além do mais, dispõem de associações com a mídia, abaixo-
assinado e grupo de whatsapp para alcançar seus objetivos. De outra forma, há
dificuldades em conseguir vínculos como materiais, recursos financeiros e parceiros
para suas ações diretas. Vale salientar que um vínculo inexistente consiste nos
instrumentos de planejamento urbano.

Convidados pela SECSUB, O NRDC e o CASP já participaram de reuniões na


secretaria para fornecerem informações do bairro. Informaram sobre as vias mais
escuras, as passarelas mais precárias (a associação também participou), e assim
auxiliaram onde ganharia o benefício ou onde o Poder Público agiria primeiro. Mas
sua influência, a posição que oferece o poder de afetar as ações de outros atores
(VENTURINI, 2012), com o poder público é pouca. Pois depende da vontade dos
técnicos e parlamentares para tal.

Caracterizados pelo bairrismo, restringem-se à escala microlocal, com tímidas


articulações para além do bairro. Quanto às passarelas, esses grupos exercem ações
pontuais de reivindicação pela via institucional e algumas atuações pela ação direta.
O foco são as situações que surgem, dessa forma, não chegam a problematizar de
forma mais complexa as ações do Poder Público.

3.5. Práticas recentíssimas do poder público na ressaca do Congós

Pela via estatal, os moradores podem lutar por melhorias ou, então, não fazer nada e
esperar (mesmo desacreditados) pela ação do Poder Público ou, até mesmo, pelas
eleições. Frente a isso, até então citamos ações do Poder Público com seus
instrumentos de planejamento, legislações e gestão nas ocupações informais da
cidade: proibição da ocupação, tolerância, omissão, reassentamento para HIS e ações
pontuais de urbanização. Nesse tópico, abordaremos atuais ações do Poder Público
no que concerne à gradual urbanização na ressaca do Congós: a construção das
passarelas por emenda parlamentar e a real possibilidade de regularização fundiária.
115

Na omissão, não faz nada: proíbe a ocupação informal, mas não fiscaliza. Lembramos
que a atual equipe para fiscalização é pequena e possui dificuldades em logística.
Para se ter remoção é preciso haver relatório, diagnóstico e fiscalização enviado ao
Ministério Público (MP). Não é atribuição da SEMAM derrubar as habitações, mas
acabam fazendo sozinhos ou ação conjunta com MP, SENDUH e Batalhão Ambiental.
Caso forem sozinhos, há insegurança. De outra forma, há omissão em seus deveres
de promover boas condições de vida a esses moradores. Dessa forma, o Poder
Público tolera essas ocupações, pois acabam sendo admitidas na cidade, mas não
democratiza plenamente a infraestrutura, pouco promove HIS e não oferece soluções
à situação.

Quanto às ações de urbanização, o Poder Público instala redes de luz e de água e


constrói passarelas. São ações pontuais, desarticuladas e que geram controvérsias
sobre sua legitimidade. Além do mais, tais práticas urbanizadoras podem ter
interesses eleitoreiros. Nas entrevistas, os moradores citaram a troca de favores, onde
um político doou a madeira e os moradores autoconstruíram a passarela. Temos o
clientelismo político.

De outra forma, há doação de madeira apreendida pelo IBAMA à prefeitura, que são
destinadas à construção de passarelas. Nesse caso, a subprefeitura coordena a obra
(SECSUB). A prefeitura fornece os materiais (madeira e prego) e fiscaliza a obra, e os
moradores costumam ser a mão de obra (pedreiros e carpinteiros) e proveem as
ferramentas. Devido à falta de recursos, às vezes, apenas doam a madeira e os
moradores trabalham sem remuneração. Na execução, podem participar outras
secretarias, como a Secretaria Municipal de Manutenção Urbanística (SEMUR),
responsável em promover a coleta de resíduo sólido e limpeza de vias, e a Secretaria
Municipal de Obras e Infraestrutura Urbana (SEMOB), responsável pela rede de
drenagem pluvial e por coordenar, executar, nortear e vistoriar atividades relacionadas
às obras e serviços públicos. Ambas auxiliam na desobstrução do talvegue – ponto
mais profundo dos canais.

Nesse último caso, o técnico da SECSUB me informou que os abaixo-assinados


influenciam quando precisam escolher as passarelas beneficiadas. Os abaixo-
assinados são usados como consulta, a partir do qual permite a própria população ser
ouvida (SOUZA, 2006). Se utilizados, são úteis ao informar sobre as passarelas mais
116

precárias. Porém, não existem garantias de que serão incorporados na tomada de


decisão.

3.1.1. Emenda parlamentar

Desde 2017, diversas emendas foram destinadas à construção de passarelas na


cidade. Três delas contemplaram o bairro do Congós e duas a ressaca do Congós. O
relato que segue está dividido em três etapas de ação (projeto, construção, após a
construção) sobre uma emenda parlamentar de 2017. 1,253 milhão foi destinado à
produção de 3.749,88 metros de passarela em madeira no bairro do Congós e na
ressaca homônima, abarcando 19 passarelas (MAPAS 23 e 24, p. 200 e 201;
FOTOGRAFIA 37, 38 e 39, p. 222-223). Essas passarelas se inserem em áreas já
consolidadas – pelo ZEEU é passível de ser urbanizada –, e com partes em processo
de consolidação (TAKYAMA et. al, 2012). As etapas correspondem aos preceitos para
o projeto, a construção e após a construção. Isso nos auxiliará a compreender os
diversos atores acionados, os vínculos formados (entre humanos e não-humanos),
formação de grupos, enunciados discursivos e sua divulgação.

Projeto

O diagrama ator-rede 15 (p. 242), pode ser lido concomitante à descrição para auxiliá-
la. A fase projetual teve várias etapas que englobaram diversas secretarias, técnicos,
documentos, instrumentos e ferramentas. A primeira etapa consistiu no levantamento
físico das passarelas coordenado pela Secretaria das Subprefeituras (SECSUB). As
visitas às passarelas foram exercidas em grupos de 5 técnicos, os quais mediram o
comprimento e largura das passarelas, observaram seu grau de conservação, fizeram
croquis com os dados levantados, mediram a profundidade da água e tiraram 4 fotos
por passarela. Na visita, era importante descobrir se moravam pessoas com
mobilidade reduzida.

De acordo com Mauro, que trabalha há 4 anos nessa secretaria, uma das funções da
SECSUB é a aproximação com moradores. Mesmo assim, essa aproximação foi
tímida a partir de conversas durante as visitas. O técnico afirmou que é comum escutar
críticas e desconfortos dos habitantes que afirmam que a obra “não vai acontecer”,
117

pois já mediram a passarela diversas vezes e não houve nenhuma melhoria.


Defendeu-se comigo afirmando que é necessário medir várias vezes, antes e depois
do recurso ser aprovado, pois as passarelas podem ter sido ampliadas ou aterradas.
Nessa etapa, afirmou que os abaixo-assinados dos moradores foram levados em
consideração. Por fim, o entrevistado deixou claro que não falam em construção, mas
em revitalização de passarelas.

Para etapa do projeto arquitetônico, os materiais resultantes das visitas foram


entregues ao Instituto de Planejamento Urbano (PLANURB), que é uma
coordenadoria da Secretaria Municipal de Planejamento e Orçamento Geral
(SEMPLA) e possui as seguintes atribuições: coordena o planejamento urbano, onde
se engloba a atualização do PDM, e, de acordo com a técnica de arquitetura, é
responsável pela elaboração dos projetos de emendas federais. Na PLANURB, o
croqui serviu para atualizar o comprimento das passarelas no software Autocad e as
fotografias foram transformadas em relatório fotográfico. Com os documentos
supracitados somados ao projeto padrão de passarela (de um metro e meio de
largura) que possui orçamento por metro linear de R$316,24 (materiais e mão de
obra), e estimativa da metragem total, a arquiteta responsável estipulou as passarelas
que deveriam ser beneficiadas. No desfecho, o projeto determinou a substituição das
antigas, por outras com 1,5m de largura, em madeira de lei, localizadas em nível
superior às passarelas existentes, sem guarda-corpo e acima do nível da rua de terra
firme.

No diagrama ator-rede 15 (p. 242), vemos os diversos não-humanos articulados com


os técnicos responsáveis ao projeto. É importante salientar que não há uma
associação entre moradores e esses técnicos. A consulta aos moradores na etapa
anterior – a partir de conversas e abaixo-assinados – não foi repassada diretamente
à arquiteta. O que obliterou suas vozes.

Dúvidas quanto ao comprimento da passarela eram elucidadas pela arquiteta


mediante Google Earth. A disposição do mapa via satélite permitiu aproximar e
observar de forma cômoda detalhes da ocupação na ressaca. Porém, essas imagens
são datadas, não estão no “tempo real”, ou melhor, atual. O que se vê é a ocupação
de dois anos atrás, é uma apreensão abstrata a partir da qual muito já mudou.
118

No estudo preliminar e memorial descritivo intitulado “Construção de passarelas de


madeira em áreas de ressaca no município de Macapá – AP”, consta que o projeto
“visa criar condições adequadas a esses moradores residentes facilitando a
locomoção e acesso para as atividades cotidianas dos usuários, hoje prejudicados
pela má conservação e intempéries” (Macapá, 2016, p.3). Objetiva a acessibilidade
aos moradores para “passarelas de passagem coletivas e não residenciais” (idem,
p.3). Sua justificativa parte dos dados de elevado contingente habitacional nas
ressacas, baseando-se na impossibilidade de reassentar todos seus moradores. O
documento cita o ponto de vista de um arquiteto e urbanista:

“Demoramos bastante para ter investimentos em habitações formais. Na


década de 1990, houve um elevado crescimento migratório de pessoas de
outros estados para o Amapá, acarretando a demanda por habitação na
cidade. A alternativa foram as áreas de ressaca. Atualmente, não tem como
retirar essas pessoas porque é um volume populacional muito grande”,
explicou Tostes. (MACAPÁ, 2016, p.03)

O diagrama 15 (p. 242), enfatiza o grupo da universidade com o grupo da secretaria.


A distância entre a universidade e os outros actantes do projeto, mostra-nos seu
pequeno vínculo com esse processo. Afinal, sua articulação se dá, apenas, com o
memorial justificativo.

Na divulgação do projeto, a prefeitura enfatiza a impossibilidade de reassentar, mas


com um contraponto com o meio ambiente. Vale salientar que não foram ditos por
técnicos, mas por parlamentares. Nesta fala, o discurso finaliza com a importância das
condições de moradia às áreas palafíticas (leia matéria completa em mídia 3, p. 251):

“Para o prefeito, o ideal seria retirar as pessoas dessas áreas, porém, isso
não é mais possível. Aterrar traria outro problema, que são os alagamentos
já vistos em alguns pontos da cidade durante o período de chuvas. A
recuperação das pontes leva melhor condição de moradia às áreas de
ressaca” (GOMES, 2017).

No projeto, diversos atores humanos (entidade ou indivíduo), actantes e híbridos


foram acionados, como: SINAP, excel, custo, projeto modelo, autocad, tempo, NBR,
madeira, água, excel, orçamento, solo, altura da água, nível da rua, licitação, etc.
(DIAGRAMA ATOR-REDE 15, p. 242). O vínculo com os moradores foi ínfimo, pois
apesar dos técnicos conversarem com eles, não havia garantias de suas falas serem
levadas em consideração e tampouco havia informações sobre isso no relatório.
Assim, a vontade dos moradores não foi repassada diretamente à projetista. As
119

decisões foram heterônomas, que é quando existe a “separação institucionalizada


entre dirigentes e dirigidos” (SOUZA, 2002, p.174).

Construção

Após o projeto, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SEMAM) cedeu o


licenciamento (DIAGRAMA ATOR-REDE 16, p. 243). Vale salientar que o ZEEU não
foi utilizado como parâmetro decisório57. O ZEEU permite a urbanização em zonas
consolidadas, onde não é mais passível de recuperar ambientalmente, e, de outra
forma, indica o reassentamento nas zonas em “processo de consolidação”. O projeto
dessas passarelas contemplou áreas consolidadas e em processo de consolidação,
portanto, desconsiderou as diretrizes do plano.

Em seguida, os documentos foram enviados ao financiador da emenda, o Programa


Calha Norte, onde teve aprovação. Posteriormente à licitação da obra, a empresa
começou rapidamente a construção das passarelas.

O responsável pela fiscalização desse tipo de obra consiste na Secretaria Municipal


de Obras e Infraestrutura Urbana (SEMOB), que não exerceu sua função. A entidade
que lida com situações adversas que possam surgir é a SECSUB, tendo em vista que
a empresa não resolve eventuais problemas. Eles pedem a colaboração dos
moradores, o técnico citou o seguinte exemplo: às vezes, há fios de energia baixos
que impedem a passagem de material, por isso, pedem aos moradores para ajeitarem.
Outro ator consiste no líder comunitário do Núcleo Rotariano de Desenvolvimento
Comunitário (NRDC), que fazia vistoriais e divulgação de notícias no grupo de
whatsapp. Ele auxiliou na decisão sobre a ordem de construção das passarelas e
como seria a contratação da mão da obra local.

Durante a construção, um fiscal era responsável pela vistoria de toda a obra. Ele
sempre ia e voltava de uma passarela à outra. Mesmo não sendo formado na área da
construção civil, estava bem informado sobre a quantidade de materiais, detalhes
construtivos, orçamento e trâmites administrativos. Em cada passarela, havia grupos
de cinco trabalhadores (o NRDC conseguiu que na 18ª passarela todos os
trabalhadores fossem moradores). A construção ocorreu por etapas, começava na
“cabeça da ponte”, onde desmontavam aos poucos a ponte antiga e construíam a

57
Informação dada pelos técnicos da SEMAM e da PLANURB.
120

nova (MAPA 25, p. 201). Primeiro fincavam os esteios, depois faziam a amarração
com frechal. Enquanto só havia a amarração, eles colocavam tábuas estreitas para
as pessoas passarem, era difícil caminhar e havia risco de cair. Depois punham o piso
tipo “tabuleiro”, manuseando um gabarito feito de madeira e pregos para deixar as
tábuas com a distância de 0,03 m. Por fim, era feito o contraventamento lateral e
transversal em forma de “X”, o que era distinto das passarelas materializadas pelos
moradores, pois, quando havia, eram apenas as transversais. No decorrer da
construção, havia uma grande preocupação com os pregos que estavam sempre
acabando – um quilo de prego é utilizado em três metros de passarela só para pregar
os frechais – com a seguinte explicação: sem prego, o trabalho paralisa e atrasa a
obra. O entulho era deixado no meio da passarela para ser recolhido ao final da obra.
O material era deixado pelas manhãs e era preciso dois homens para carregar as
peças de madeira, assim, quanto mais avançavam na construção, mais demoravam
para fazer o trajeto com os materiais. Um morador da vigésima comentou comigo que
a empresa deveria disponibilizar carrinho de mão para auxiliar os carpinteiros, pois
eles trabalham no sol quente por horas e ainda precisam carregar aquela madeira
pesada.

No decorrer da construção, os moradores sentavam em suas varandas para observar


e conversar sobre o trabalho feito. Curiosidade, dúvida, felicidade transparecia. Às
vezes, ofereciam água, café e lanche aos trabalhadores. Alguns guardavam os
materiais em seus quintais para protegê-los. Caso houvesse alguma paralisação na
obra, sentiam o medo de não terem a passarela toda construída – como ocorreu na
oitava e seus braços. Boatos falsos foram divulgados no grupo de whatsapp,
afirmando a paralisação das obras, isso resultou em uma reunião entre moradores e
o líder comunitário.

E o que a prefeitura expôs sobre as construções? As notícias divulgadas em seu site


informam sobre o recurso, os bairros beneficiados, a empresa responsável e as obras.
Enfatizam a facilidade na mobilidade, contra a antiga precariedade e risco em cair, e
a contratação de trabalhadores locais. Utilizam mais o termo reforma do que
construção de passarelas. Quando há visita do prefeito ou parlamentar, é a parte mais
chamativa.

Além de garantir segurança e mobilidade aos habitantes da área de ressaca,


a ação proporciona oportunidade de renda extra por meio da inclusão de
moradores na construção das obras das passarelas. “Estava desempregado
121

e agora consegui, com esta ação, uma oportunidade de garantir uma renda
extra. Moro aqui há quatro meses e vivi de perto as dificuldades. A ponte
estava toda quebrada e cheia de emendas”, ressalta Fábio de Lima
(FONSECA, 2017a). (Leia matéria completa em mídia 4, p. 252).

As matérias na mídia exibem as emendas, os parlamentares envolvidos, os bairros


beneficiados, o processo das obras. Os termos utilizados são: construção de
passarelas, recuperação de passarelas, obras, ação, serviços de revitalização,
reconstrução e reforma. É importante salientar que o termo urbanização não aparece.
Vale salientar que por vezes reproduzem os discursos que constam no site da
prefeitura. Outro meio de divulgação foi mediante um vídeo feito pelo parlamentar para
se autopromover.

O que não divulgaram foram as controvérsias entre múltiplos atores durante a


construção: prefeitura e moradores, moradores e empresa, projeto e moradores,
moradores e moradores, criminosos e passarela, entidades locais com moradores,
empresa e prefeitura. Mostraremos, em seguida, os atritos e também os auxílios nos
vínculos formados entre esses atores (DIAGRAMA ATOR-REDE 17, p. 244).

A SEMOB e a SECSUB praticamente não dialogaram com os moradores sobre quais


passarelas foram beneficiadas. Houve apenas uma reunião no bairro, que só ocorreu
depois do início das obras devido à pressão dos líderes comunitários. O líder divulgou
a lista dada pelo poder público das passarelas contempladas pelo whatsapp, mas esta
possuía algumas inconsistências como coordenadas erradas. Os moradores
permaneceram com descrença e dúvidas durante a construção. Afinal, relatam a
frequência de promessas de políticos e de visitas dos técnicos da prefeitura, mas sem
nenhuma materialização. Devido a essa situação, alguns se mobilizaram para chamar
atenção do Poder Público, como os moradores dos “braços” da vigésima primeira
avenida. Esses braços foram contemplados no projeto e estavam na lista divulgada
no grupo de whatsapp, mas o receio fez com que Francisco 58, um morador de idade
avançada, fizesse um abaixo-assinado e levasse à SEMOB, outro morador chamou a
rede televisiva. Ambos pediram a construção de sua passarela, mas mesmo com a
confirmação dos técnicos, a dúvida permaneceu até o dia da construção. Vale
salientar que os técnicos só mostraram o projeto aos moradores um dia antes das
obras começarem.

58
Baseado no trecho de diário de campo, do dia 19 de julho de 2017. Conversa com Francisco, sua
esposa Isabela, e Ronaldo, moradores do braço 1 da vigésima primeira avenida.
122

O conflito entre os moradores e empresa sucedeu devido: a) Durante a reunião com


os moradores e conversas nas varandas, diversos moradores alegaram que a madeira
não era de lei, pois algumas possuíam veio branco e por isso estragaria rápido. Por
outro lado, a empresa alegou que a madeira é de lei, de qualidade, algumas são mais
brancas, pois foram retiradas muito verdes, mas iriam escurecer com o passar do
tempo. Mesmo assim, os moradores experientes em carpintaria afirmaram que nesses
casos perdem um pouco de sua resistência. Durante as conversas, alguns moradores
já refletiram sobre o futuro e citaram a demora do Poder Público para reformá-las e
que precisariam se organizar para trocá-las em cerca de dois anos; b) Um morador
da décima oitava brigou com os trabalhadores da construção da passarela, pois não
pôde passar com seu carrinho de venda para trabalhar na rua de terra firme; c)
Roubaram madeira em três passarelas. Alguns moradores capturaram um “culpado”
e o jogaram na água para que recuperasse o material.

Houve divergência entre projeto e o que os moradores queriam. A vigésima primeira


e a passarela sol não tiveram a passarela construída até o final, o que causou
descontentamento. Na primeira, os próprios moradores terminaram a reforma da parte
não contemplada com restos de madeiras em bom estado. Na outra situação, o projeto
estipulava a construção das passarelas localizadas acima das existentes, mas os
moradores do braço 2 da vigésima primeira queriam localizá-la em outro lugar.
Desejavam afastar a nova passarela das fachadas de suas casas, alegando que
queriam ter mais segurança e maior separação entre espaço público e o privado (dois
exemplos dados: batiam nas paredes da casa de madrugada, incomodando-os, e não
queriam que uma pessoa bêbada caísse na frente de sua casa). Os trabalhadores
solicitados afirmaram que não poderiam tomar essa decisão. Depois dos moradores
conversarem com o fiscal, a solicitação foi acatada – ele alegou que o importante era
a metragem final para a Calha Norte. Porém, teve a condição dos moradores entrarem
na água e fincarem os esteios.

O conflito entre os moradores era a preocupação com as motos. Afirmam que andar
de moto deteriora a passarela. Esse tema foi posto em pauta por uma moradora na
reunião entre os moradores com o líder comunitário. Uns disseram que ele deveria
resolver o problema, mas ele mostrou resistência ao pedido, afirmando que todos
devem vigiar e conversar com os que não cumprem essa regra. Com o final da
123

construção, o deputado colocou placas com sua caricatura mostrando a maneira


correta de andar de moto.

Os criminosos proibiram a construção de toda décima sexta passarela. Os moradores


dizem que essa passarela funciona como rota de fuga e estando em bom estado
facilita o policiamento. No fim, a empresa conseguiu terminar a construção.

E as entidades locais? O diálogo do NRDC com a SEMOB seguiu por meio de


pressões do primeiro. O diálogo fora finalizado, após a reclamação de que os técnicos
da prefeitura não fiscalizavam a obra. A partir de então, a SEMOB começou a dialogar
com a associação de bairro. Houve disputa entre ambos os grupos sobre quem
poderia falar e decidir sobre as passarelas. Além disso, o NRDC jogava em várias
direções, por um lado manipulava os moradores junto com a empresa e mostrava um
poder de decisão que não possuía aos moradores (por exemplo, na reunião com
moradores alegou que a empresa havia ligado perguntando qual era o lado para
construir as passarelas). Por outro lado, auxiliava os moradores em problemas
pontuais decorrentes da construção da passarela (por exemplo, a empresa quebrou
um frechal da passarela de um morador e precisam ajeitá-la). Também incentivava os
moradores para limparem seus quintais, pois o prefeito havia prometido em vídeo que
quem o fizesse ganharia madeira apreendida para sua passarela residencial, o que
não foi cumprido. Os moradores sabiam do vínculo que esses grupos possuíam com
secretarias e a empresa e tentavam extrair informações, mas, por outro lado, ficavam
com um pé atrás por eles não serem moradores de ressaca.

Após a construção

Com o término das construções, ficou o cuidado com a passarela a cargo dos
moradores (DIAGRAMA ATOR-REDE 18, p. 245). Placas foram postas enfatizando a
proibição de andar de moto. Em meios de divulgação da prefeitura, foram enfatizados
os deveres dos moradores:

[...] ele [prefeito] reforçou o compromisso com os moradores de garantir


fiscalização das obras e o cuidado do ambiente onde vivem. “Criamos um
clima de mobilização para que a comunidade fiscalize a obra e depois cuide
da passarela e do entorno, pois sabemos que as áreas de ressaca são os
nossos corredores de circulação de dentro da cidade”, explicou o prefeito
(FONSECA, 2017b). (Leia matéria completa em mídia 5, p. 253)
124

Isso cria um clima de mobilização com os moradores a partir do qual eles se sentem
participantes da obra. Mas isso é uma ilusão. Primeiramente, pois não decidiram a
obra na etapa projetual. Como também, ao pedir para eles cuidarem, é como se não
o fizessem antes. Por fim, esse discurso desloca os deveres do Poder Público de
cuidar da passarela, ou melhor, de proporcionar sua manutenção. Como se não fosse
sua obrigação.

Há passarelas que não foram beneficiadas, o que deixou indignados os moradores da


passarela Fernando Torquarto ou décima passarela. Para Rosana, “tem a décima
primeira, pra lá já tem um bocado feita, tem a oitava aqui, já foi feita também. Aí, não
sei porque pularam essa daqui, que é a decima... eu acho que eles acharam que a
nossa tava melhor de todas”. Arthur me informou que técnicos foram lá e garantiram
que sua passarela estava no projeto, o que não ocorreu “tem umas que estão sendo
feitas, indo lá. Eles falaram que tava no projeto pra fazer, depois vêm aqui. O técnico
da prefeitura veio e falou isso quatro meses atrás”. Os entrevistados da décima
desconheciam informações sobre os projetos, ignoravam quais passarelas foram
beneficiadas. O pouco que sabiam era devido a algum amigo que morava em uma
passarela beneficiada e informava terem visto enquanto caminhavam, vizinhos que
contaram, terem assistido no jornal. Apenas um morador sabia sobre a emenda
parlamentar, mas não conhecia as passarelas beneficiadas. Em meio às dúvidas,
segue o receio sobre o futuro de sua passarela. Para a líder do CASP, a décima não
foi escolhida, pois estava em bom estado, já que havia passarelas que estavam quase
caindo.

Recentemente construíram 1070 metros de passarelas em concreto armado na


ressaca Chico Dias mediante emendar parlamentar. A placa das obras está na
principal avenida do bairro, onde qualquer um consegue observá-la. Sobre a
possibilidade de a passarela ser construída em concreto, os entrevistados afirmaram
que é melhor, pois dura mais. Uma moradora disse que a líder do CASP afirmou que
as próximas passarelas só seriam de concreto; há boatos de que não fizeram a décima
em madeira, pois seria feita em concreto; e que as pessoas se reúnem no CASP estão
lutando para conseguir de concreto. A escolha do material foi uma condição do
parlamentar quando obteve a verba. De uma forma, abriu precedentes para construir
outras passarelas com esse material, de outra, o licenciamento foi de difícil obtenção.
125

Para consegui-lo, houve uma reunião entre trabalhadores de diversas secretarias e


do MP para decidir sobre o assunto.

Isaías, técnico da SEMAM, contou que com passarelas de concreto o político quer
dizer “nunca mais vou te tirar daqui”, o que não é interessante por causa das eleições.
Tampouco é de interesse da SEMAM, por causa da degradação do meio ambiente.
Ele não sabe se fazer passarelas melhora a acessibilidade nessas ocupações, pois
essas pessoas seguem vivendo com a qualidade de vida baixa devido à insalubridade.
Por outro lado, afirmou a impossibilidade de retirar todos os moradores devido ao
elevado contingente populacional. Concluiu, então, que outra opção seria urbanizar
parte e reassentar outra parte de uma ocupação.

Em comparação com a passarela de madeira, a de concreto é mais fácil de caminhar,


pois não há pequenos desníveis, e detém maior durabilidade, pois a madeira é
biodegradável. Sob outra perspectiva, sua construção é mais onerosa, com isso,
menos passarelas são beneficiadas com um mesmo orçamento; causa mais impacto
ao meio ambiente, por seu maior tempo de decomposição; e por esse mesmo motivo,
eleva a impressão de legitimação da ocupação.

3.1.2. Regularização fundiária

A ocupação informal em áreas de ressacas são invasões, no sentido de ocupar a terra


alheia. Não é que haja falta de terras em áreas de terra firme na cidade, mas parte da
população não consegue se inserir no mercado formal de terras. À vista disso, os
moradores de áreas de ressaca vivem na informalidade e, por isso, não possuem lotes
regularizados. Entendemos como regularização fundiária:

Art. 46 – A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas,


urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de
assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a
garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções
sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado (BRASIL, 2009).

Primeiramente, lembraremos o que o PDDUAM e o ZEEU estipulam sobre


regularização fundiária às ressacas. Pelo PDDUAM, a regularização restringe-se às
áreas aterradas e próximas ao centro, atribuindo que “o Município promoverá apoio
126

técnico para a regularização fundiária de pessoas de baixa renda ocupantes de Áreas


de Interesse Social 1, através do fornecimento de projetos executivos e informações
disponíveis” (MACAPÁ, 2004 Art. 131). Já o ZEEU predispôs o ordenamento urbano
e regularização fundiária de áreas consolidadas (TAKYAMA et al., 2012). No capítulo
2, vimos os mapas com as demarcações na ressaca do Congós. Nesse tópico,
veremos a real possibilidade de regularização e o que os moradores pensam a
respeito.

Com a nova legislação fundiária (lei no. 13.465/2017), para regularizar áreas de
interesse social (REURB-S) em área de proteção ambiental, é preciso aprovação do
projeto de regularização fundiária contendo as seguintes diretrizes:

§ 1o O projeto de regularização fundiária de interesse social deverá incluir


estudo técnico que demonstre a melhoria das condições ambientais em
relação à situação anterior com a adoção das medidas nele preconizadas.
§ 2o O estudo técnico mencionado no § 1 o deverá conter, no mínimo, os
seguintes elementos:
I - caracterização da situação ambiental da área a ser regularizada;
II - especificação dos sistemas de saneamento básico;
III - proposição de intervenções para a prevenção e o controle de riscos
geotécnicos e de inundações;
IV - recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de
regularização;
V - comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-
ambiental, considerados o uso adequado dos recursos hídricos, a não
ocupação das áreas de risco e a proteção das unidades de conservação,
quando for o caso;
VI - comprovação da melhoria da habitabilidade dos moradores propiciada
pela regularização proposta; (Lei 13.465/2017)

O ZEEU e o PDDUAM estipulam a regularização nas áreas consolidadas e aterradas,


mas pela irrisória influência nesse quesito e pelo raro debate a respeito, não parece
ser um interesse da prefeitura. Um projeto de regularização fundiária com as
especificidades da legislação supracitada, principalmente no que concerne à questão
ambiental, sanitária e habitacional, geraria um interessante debate a respeito da
legitimidade das palafitas em áreas consolidadas e sua integração socioespacial à
cidade. Entretanto, esse tipo de promoção implica consequências, “muitos
pesquisadores veem os programas de regularização como fatores intensificadores
dos processos de ‘mercantilização’ dos mecanismos socioeconômicos já existentes
127

nas áreas de assentamentos informais” (FERNANDES, 2007, p. 46), existe a


possibilidade de gentrificação59.

As invasões nas ressacas não são regularizadas e, por isso, estão isentos a pagar
IPTU. Mesmo assim, por volta de 2009, a prefeitura enviou IPTU para todos os
moradores, mas sem a devida regularização. Boletos chegavam aos moradores com
parcelamento para vários meses, com informações corretas, como o endereço, a
dimensão do terreno, o nome do proprietário e o valor do imóvel, o que gerou
surpresas aos moradores.

Como relatou Ana, os vizinhos conversavam entre si sobre o assunto, muitos


começaram a pagar, pois acreditavam que viriam melhorias para onde viviam. Já
Letícia temia as consequências judiciárias da desobediência. Elas e outros moradores
pagaram inicialmente, mas ao perceber que a prefeitura pouco fazia, pararam, “a
ponte toda quebrada, a gente sem água e vinha IPTU pra ela! ”, disse Ana referindo-
se à sua mãe. Na papelada, havia taxa de iluminação pública, o que revoltou Letícia,
pois como pagarão algo que não possuem? Ela conversou com outros moradores
sobre o assunto, os quais responderam que não estavam pagando, pois, a área é
alagada, então ela também o fez.

A prefeitura cobrou a taxa do IPTU como um dever a ser cumprido pelos moradores,
mas não ofereceu os direitos aos cidadãos, principalmente no que tange à
infraestrutura. Tendo sido, portanto, compreendido pelos moradores de forma injusta.
Sem negociação com a prefeitura, deliberadamente, eles decidiram que não iriam
pagar e assim o fizeram. O que nos aproxima do que Henri Thourou nos fala de
desobediência civil60 – não cumprir uma lei considerada injusta e discordá-la
livremente. Para o autor, essa desobediência é necessária para termos uma
sociedade justa. Dessa forma, não pagar foi uma forma de protestar contra a
prefeitura, onde exerceram um poder político a partir da luta democrática pacífica.
Com isso, demonstraram que almejam seus direitos e seu reconhecimento.

59
Consiste no “processo pelo qual grupos de classe média se apropriam das áreas dos assentamentos
recentemente regularizados para fins residenciais ou mesmo para outros fins, com a consequente
expulsão dos ocupantes tradicionais” (FERNANDES, 2007, p. 46).
60
A desobediência civil do Henri Thourou (1949), ainda que seja antigo, possui caráter atual devido
sua crítica ao governo.
128

Os boletos foram entregues a todas habitações que estavam com parcelamento do


solo registrados pela prefeitura, mas os moradores de áreas de ressaca não eram
obrigados a pagar (o que não estava explícito). No mapa utilizado pela PLANURB no
projeto das passarelas, vemos o parcelamento do solo da área de ressaca no Congós.

Joaquim mora em área aterrada. Foi o único que citou o interesse em regularizar seu
lote, devido à segurança individual quanto a sua propriedade. Foi na prefeitura, mas
não queriam regularizar. Então usou o discurso que se na sétima podia, porque ele
não poderia? A sétima avenida é uma via comercial, asfaltada e aterrada que interliga
vários bairros, é por onde passam as manilhas, nela há edificações de alvenaria, mas
seus quintais ainda são alagados. Para Joaquim, se eles tiveram esse direito, ele
também poderia ter. Dessa forma, toda semana ele ia ao edifício da prefeitura para
saber como estava o andamento da regularização e para pressionar os técnicos.
Afirmou que, como é idoso e não trabalha, dispõe de tempo para fazer isso,
diferentemente de outras pessoas. Mostrou-me orgulhoso a pasta com os papéis do
registro da casa e o mapa com sua localização. Ainda que dentro dos parâmetros do
PDDUAM e do ZEEU, ele teve dificuldade em regularizar o lote, só conseguindo
devido às suas incansáveis visitas para pressioná-los.
129

CAPÍTULO 4 – DELINEAMENTOS
130

Entendemos a impossibilidade de aclarar todas as práticas dos moradores com a


ressaca e as associações com outras entidades, pois estão em contínua
transformação. À vista disso, tentamos tatear suas ações e, por vezes, de forma
inacabada e fragmentada, apontar suas amplitudes, dificuldades, mudanças e
potências. Neste capítulo, não almejamos findar a discussão, ao contrário,
pretendemos levar as ponderações dos capítulos anteriores a possíveis caminhos,
ainda em percurso. Em função disso, abordaremos as (des)articulações entre
moradores, líderes comunitários e o Poder Público. Em seguida, traçaremos quatro
perspectivas para refletirmos sobre ocupação informal: multiplicidade de pontos de
vista, limites relacionais e bordas mutáveis, adequações e práticas de evitar/conviver
com a criminalidade. Por fim, aludiremos à ação direta e à luta institucional a partir da
TAR para repensarmos a política.

4.1. (Des)articulação: moradores, líderes comunitários e Poder Público

Relembrando o primeiro capítulo, vimos que, para Lussault (2010), toda ação é
espacial. O espaço é uma construção social, um recurso e resultado da ação humana
e oferece uma resposta à prática. Está em constante movimento, a fazer-se. É um
híbrido, dotado de valor. O espaço descrito com relação aos actantes constitui a
espacialidade, a qual é marcada pela tensão dinâmica entre a rotina, a reprodução, a
criatividade, a inovação, a mudança, a espontaneidade adaptativa (idem). Está entre
o invariável e o variável. É uma coprodução relacional constante, descontínua. O que
nos auxilia a refletir que durante as práticas espaciais os atores negociam e englobam
conflitos, disputas, auxílios e pactos.

A Teoria Ator-Rede estuda o traçado de conexão entre elementos heterogêneos, no


qual humanos e não-humanos são considerados atores completos. Os não-humanos
não são apenas elementos passivos, mas possuem agência e interferem no curso da
ação (LATOUR, 2012). Dessa forma, o técnico e o social só podem ser explicados de
forma conjunta (LATOUR, 2012; SANTOS, 2006), onde a técnica é a socialização dos
não-humanos. Como notamos na mutabilidade do solo, a partir das novas áreas
aterradas, o chão permite o jogo de futebol, possibilita o carro de estacionar, auxilia
no acúmulo de água. Da forma similar, a madeira influencia na autoconstrução, pois
mesmo sendo um objeto, “fez-fazer”, na expressão de Latour (2012), isto é, fez o
131

autoconstrutor praticar algo que seria impraticável sem ela. Portanto, o solo e a
madeira não são intermediários, passivos ou neutros. Eles influenciam na ação e
transformam entidades.

Ao seguir as pistas das práticas dos actantes com a ressaca, empregamos a


cartografia das controvérsias. Com ela, constatamos a complexidade à volta da
ocupação informal e tentamos não pressupor a priori os efeitos das associações, mas
descobrir como uma entidade está conectada à outra e como é influenciada por essa
conexão. No estudo das tramas de práticas espaciais entre humanos e não-humanos
na ressaca do Congós, vimos as diversas entidades e seus vínculos formados na
produção da ocupação com a ressaca. Na perspectiva da sociologia de associações,
um ator não está sozinho ao atuar, mas se vincula para mobilizar uma mediação.
Dessa maneira, a água, a madeira, o Poder Público, as casas, a passarela, os
moradores, acessibilidade, líderes comunitários, rifa, influenciaram na prática de
construir a passarela. A cada situação, as entidades se transformam pela mediação
nas associações.

No que concerne à aplicabilidade do planejamento nas ressacas, o Poder Público


produziu planos diretores como instrumentos de planejamento à cidade de Macapá
em décadas distintas, aos quais consideraram as ressacas, porém pouco ou nada foi
aplicado. Na ressaca do Congós, o PDDUAM e o ZEEU não foram citados como
parâmetro durante as decisões de construção das passarelas ou para fornecer o
licenciamento ambiental61. Além de desconsiderado, o ZEEU foi contrariado pelas
passarelas produzidas em zona em processo de ocupação.

Observamos fragilidades institucionais para remediar a problemática da ocupação nas


ressacas:

A) Contradições entre instrumentos de planejamento dificultam sua aplicação;

B) Dificuldades de aplicação das diretrizes dos planos diretores em Macapá, dos


antigos ao atual, por “consequência da falta de medidas posteriores à aprovação de
cada plano, o que tem inviabilizado a implementação deste importante instrumento
público (CARVALHO, 2015, p.140, tradução nossa) 62; por não definir a estrutura
administrativa do Poder Público, sua gestão, nem os vínculos com a população

61
Baseadas nas entrevistas à PLANURB e à SEMAM.
62
“consecuencia de la falta de medidas posteriores a la aprobación de cada Plan, lo que ha inviabilizado
la implementación de este importante instrumento público”.
132

(TOSTES, 2011; CARVALHO, 2015). Soma-se a isso a falta de preparo técnico e


financeiro nas secretarias para exercer a legislação estabelecida, como a dificuldade
em fiscalização da SEMAM;

C) A pulverização das ações e recursos financeiros voltados às ocupações, tendo


pouco diálogo entre as secretarias, gera pouca efetividade para resolver o problema
de degradação ambiental (TAKYAMA et al., 2012) e, acrescento, à melhoria de
condições de vida dos residentes nas ressacas;

D) A prefeitura, longe de ser homogênea, possui vozes contraditórias com interesses


conflitantes. Temos, nessas disputas, as secretarias ambientais, legislações e outros
órgãos locais. Isso dificulta intervenções, seja para preservar ou urbanizar;

E) A base cartográfica utilizada pelas secretarias é distinta – umas mais atualizadas


que outras – e nos mostram a fragilidade de troca de informações entre as secretarias
e suas distintas maneiras de perceber a espacialização das ocupações na ressaca;

F) O conhecimento da informação técnica contida em instrumentos de planejamento


restringe-se aos técnicos da prefeitura e à universidade, porém não há conhecimento
por parte dos moradores ou dos líderes comunitários.

Nesse processo, os líderes comunitários situam-se entre o Poder Público e os


moradores. Quanto ao primeiro, os líderes possuem vínculos frágeis com as
secretarias. Há pequenas aberturas quanto à troca de informações e decisões
pontuais. Porém, está sujeito à agenda do Poder Público e o diálogo pode ser
encerrado. Além do mais, o pouco diálogo, nesses casos, não está aberto à
participação da população.

Quanto ao segundo, os líderes podem apoiar ou mesmo tomar iniciativa às ações dos
moradores apesar do Estado, como na construção da casa de palafita pelo CASP.
Vinculados ao Poder Público, fornecem informações aos moradores, mas de forma
fragmentada e carecem de explicitações de trâmites burocráticos, o que dificulta sua
compreensão e até proposições contestatórias. O NRDC, a associação e o grupo de
whatsapp unem os moradores de diversas passarelas, porém com pouca
representação, pois são poucos moradores que participam de suas reuniões. Ainda
assim, o aplicativo ajuda a desprender informações e os moradores que a leem
espalham para os outros moradores (como ocorreu na construção das passarelas).
133

Os líderes comunitários, por vezes, embarcam em disputas de poder entre si sobre a


representatividade dos moradores. O que, eventualmente, emperra e fragmenta as
lutas por melhorias no bairro.

Por sua vez, a reconstrução da passarela pelo Poder Público mediante emenda
parlamentar baseou-se em projeto decidido de forma heterônoma, sem participação
dos moradores – uma contraposição ao ZEEU. Teve ausência de informações mais
precisas aos moradores durante a etapa construtiva, deixando-os receosos. Essa
estreiteza de abertura e raras informações fornecidas aos moradores não é exceção.

As passarelas já finalizadas melhoraram a acessibilidade e mobilidade dos


moradores. A prática provinda da emenda foi uma ação pontual de melhorias
desarticuladas que pouco levam para discussões maiores sobre as ocupações com
as ressacas da cidade.

Entre a prefeitura e moradores existe pequena parceria de repasse de conhecimento,


pois alguns moradores são contratados para construir a passarela, mas o
conhecimento restringe-se à técnica na etapa de construção, não na tomada de
decisões projetuais. Portanto, o Poder Público poderia reconhecer de maneira mais
efetiva os conhecimentos dos moradores.

4.2. A ocupação com a ressaca

O caminho do início da ocupação até os dias atuais trouxe diversas mudanças. Veio
de forma longa e desgastante, com conflitos, vínculos (des)articulados, aberturas e
fechamentos com Poder Público – mesmo após a legislação que permite a
urbanização na área. Foi lentamente sendo urbanizada (autoconstruída ou pelo Poder
Público), ainda que esse termo se restrinja à universidade e a instrumentos de
planejamento. Se atualmente está bom, vem lembranças de um passado ainda
recente onde imperava a inexistência. Porém, pelo pouco que já foi melhorado, chega
a ser difícil imaginar outro futuro.

A partir de então, apresentaremos aspectos para refletirmos sobre os vínculos entre


atores com a ocupação: multiplicidade de pontos de vista, os limites relacionais entre
o público e privado e as bordas mutáveis entre a terra firme e o alagado; adequações
contínuas e arranjos fluidos; e práticas de evitação/convívio à criminalidade.
134

4.2.1. Diversos pontos de vista

Sobre o ponto de vista, quando perguntei a opinião dos entrevistados sobre as práticas
da prefeitura na ressaca, catorze afirmaram que era de péssimo ou ruim, alegando
que o Poder Público pouco atua e/ou demora. Os moradores evocaram alguns pontos:
só fazem na época das eleições; constroem só algumas passarelas; a coleta de lixo é
a única ação regular; há falta de interesse sobre as opiniões dos moradores;
promessas descumpridas – como Lucas se queixou “prometeram que iam dar madeira
para ligar na casa”. Apenas duas entrevistadas afirmaram que as intervenções da
prefeitura eram boas, ainda assim, demoravam a ocorrer.

Por sua vez, as opiniões sobre a autoconstrução divergiram, variavam desde melhor
que a da prefeitura até mal colocada. Em comparação ao que é feito pela prefeitura,
citaram que a autoconstrução: ficava mais precária que a da prefeitura, não era bem-
feita, ficava quase do mesmo jeito que a da prefeitura, era boa, era ótima. Sobre o
papel do morador, disseram que é: uma obrigação, uma tentativa, um quebra-galho;
de outra forma, também citaram que os moradores sabem o que é melhor para eles
mesmos e que a população atua melhor que o governo.

Em seguida, perguntei se havia outra solução além do que era feito. Nas respostas,
desejos por melhorias, reclamações, ideias, vontades, conformismo e silêncio foram
expressos. Para Letícia, “aí tem rua para melhorar, tem esses fios pra melhorar, tem
algumas coisas. Não é muita coisa, mas dava pra fazer um monte de coisa”. Para
Mariana, poderiam colocar poste de concreto – mesmo que digam que não pode – ou,
pelo menos, colocar de madeira com iluminação. Carlos citou a precariedade do
esgoto na cidade e que o Poder Público deveria fazer. Alguns afirmaram que não teria
outra solução, pois nada iria mudar, “nunca vi uma melhora” (Lucas). Para Natália, é
difícil dizer se haveria outra solução, pois estão desacreditados de promessas não
cumpridas. Já para Suzana, a solução seria cada um fazendo sua parte. Por sua vez,
Rosana e Ana sugeriram a ideia de um representante por rua que conhecesse os
principais problemas e levasse ao prefeito. Já Vítor gostaria que ouvissem mais a
população:

acho que se se a prefeitura, ou qualquer órgão que trabalhe nessas áreas,


ouvisse mais a população e trabalhasse em cima daquilo que a população
precisa, porque nem sempre também o que a população precisa eles podem
fazer né, mas eles podem ouvir o que a população tem, quem sabe eles não
conseguiriam resolver o problema que, às vezes o, por exemplo tem a gente
tem o problema, mas se ninguém ouvir a gente não vão conseguir resolver,
135

aí eles precisam de voto, mas se a gente não votar eles não vão se eleger.
(Vitor).

A pergunta sobre a ocupação no futuro era a indagação que costumava gerar um


silêncio antes de ser respondida e em quase metade das respostas os entrevistados
ficaram calados ou disseram “não sei”. Dos que responderam, Letícia acredita que
continuará do jeito que está. Já para Arthur, será tudo aterrado. Uma citou a
possibilidade do asfalto, um imaginou um lugar mais seguro, outra com posto de saúde
funcionando. Rosana acredita que se em 20 anos a prefeitura não fez quase nada,
não é agora que irá fazer.

Ao refletirem sobre o futuro, Joaquim, Carla e Natália tocaram no tema de HIS para
reassentarem moradores das áreas de ressaca. Eles não gostariam de sair de suas
casas. Joaquim reclamou da dimensão pequena do apartamento, da falta de área
externa onde não pode pegar vento e afirmou que não teria condições de pagar as
contas elevadas de energia e água. Disse que o Poder Público afirma que o
apartamento é de graça, mas não é verdade, pois os moradores precisam pagar
condomínio. Dois de seus filhos moram no Conjunto São José, mas sempre o visitam
duas vezes ao dia e ao final de semana. Para ele, o apartamento só é bom se a família
for bem pequena. Já Carla, ao abordar sobre HIS, afirmou que não estaria ali se
pudesse morar em um lugar melhor, mesmo assim, não aceitaria ir para um conjunto
habitacional. Sua principal reclamação foi o tamanho da habitação e dificuldades em
atividades cotidianas.

É muito pequeno. São dois quartos, né? Aí, não tem quintal pra ti, não tem
espaço pra tu colocar tua roupa, não tem pra fazer nadinha. [...] Minha casa
é grandona. Eu prefiro morar aqui, eu sei como é. Eu queria um quintal grande
assim. Eu gosto de planta, eu gosto de bicho. Queria plantar um bocado de
coisa, criar bicho. [...] Eu já tenho uma [casa] aqui. Deixa que pra quem não
tem, tem gente que mora três quatro famílias, né, na casa (Carla).

Natália contou que dizem que vão remover os moradores de área de ressaca, por isso
não sabe sobre o futuro:

Natália: não sei, porque eles dizem que eles vão fazer é, esses conjuntos, né,
pra tirar o povo que mora aqui, só que muitas pessoas não querem sair daqui,
porque aqui é um lugar bom, o povo tá acostumado, vai pra esses conjuntos
aí, é uma dificuldade que só, promete uma coisa e quando é na hora, depois
é tudo diferente.
Eu: Como diferente?
Natália: é porque eles dizem, olha você vai que vai pagar uma taxa disso e
disso e quando é no fim aí vem uma conta de energia alta, vem água, vem
condomínio, vem tudo e aqui a gente ... a gente não paga isso, mas se viesse,
porque tem um projeto disque de passar é poste pra gente pagar energia, eu
falei por mim eu faço questão, eu pago, só que queria uma coisa boa. Mas,
até então nada, eu não sei como é que vai ser daqui pra frente no futuro, né,
136

se a gente vai continuar aqui, porque eles dizem que vão tirar o povo que
mora em área de ressaca, não sei.

Como Joaquim, ela reclamou dos elevados custos de viver nos apartamentos. Além
do supracitado, citou a falta de privacidade dos apartamentos, de não ter onde guardar
bicicleta, com isso ter que subir as escadas empurrando-a, e do medo de deixar a
moto na rua e a roubarem. No final de sua fala, podemos perceber a dualidade entre
as ações da prefeitura de reassentar ou urbanizar, pois caso invistam em melhorias
na ressaca, subentende-se que aceitam os moradores de seguir vivendo na ressaca.
Porém, essas divergências das ações do Poder Público geram confusões nos
moradores no que se refere ao futuro de suas habitações.

Em meio a isso, os moradores, a partir de suas lutas institucionais, requerem


melhorias perante o Poder Público, para o exercício de seus deveres. Porém, no caso
dos abaixo-assinados, depois de entregues às secretarias, disputam entre si por
atenção. No fim, alguns são contemplados, mas outros não.

Um resumo sobre atuações e pontos de vista pode ser observado no diagrama de


cosmos 1 (p. 255). Importa salientar que embates discursivos com híbridos
influenciam na espacialização da ressaca. A ressaca como instrumento da ação no
discurso do Poder Público (material e ideacional) é visível como meio de proteção
ambiental, o que implica na legitimação de ações de remoção e na falta de
investimento em infraestrutura em ocupações iniciais. Nesse caso, os moradores são
desconsiderados na omissão ou vistos a partir da cidadania e reassentados. De outro
modo, a ressaca com ocupação consolidada ou em consolidação com seus
habitantes, implica em significados que apontam à cidadania, que pressionam pela
necessidade de reconstruir passarelas ao Poder Público. Nesse caso, há detrimento
do ambiente em favor da cidadania.

O ZEEU e o PDDUAM apontam para as duas alternativas supracitadas, o que


depende do nível de consolidação. Outro possível caminho consiste em meio termo,
ao unir os dois pontos de vista, isto é, urbanizar uma parte e reassentar a outra da
mesma ressaca, como sugeriu o técnico da SEMAM.

Por sua vez, a líder do CASP sugere uma urbanização que não seja apenas pontual
e desarticulada, mas com um projeto que contemple várias passarelas e com a
construção de um canal para escoar as águas existentes. Já o líder do NRDC não me
mostrou uma linha específica de como poderiam atuar nessas áreas, seu interesse é
por uma melhoria coletiva.
137

O material empregado nas passarelas também entra nessa disputa. Os objetos são
híbridos, pois, além da materialidade existente, são dotados de valores a partir das
ações (LATOUR, 2012; SANTOS, 2006; LUSSAULT, 2010). Portanto, não são
neutros, geram impactos sociais. A socialização da passarela de madeira ou de
concreto traz distintos valores e significados que perpassam do temporário ao
permanente.

4.2.2. Delimitação relacional e borda mutável e imprecisa

O limite rígido entre público e privado se mostra insuficiente, pois não há como separá-
los apenas como passarela principal, braços, becos, passarela privada e casa. Há
varandas que podem funcionar como passarelas. De dentro da casa, saem várias
passarelas, um braço que finaliza na varanda de uma casa (então o seu final seria
uma passarela privada?), existem espaços “vazios”. Como irei desenvolver, esses
limites variam. Para entendermos isso, primeiro consideramos como espaço público,
a passarela e o aparente vazio, no qual água e vegetação se encontram.

O espaço público é encontro, diálogo, separação e possui barreiras. Entre as


passarelas e as casas, interpõem-se fronteiras. É uma separação, porém uma
“separação que une” (MAYOL, 1997). É isolamento, transição, conexão entre áreas.
São barreiras físicas, como portas, janelas, parede, portões, trinca, varandas, que
impedem efetivamente o adentrar na área da casa. São sinais visuais como a distância
e simbólicas como a vegetação e o olhar.

Para Lussault (2010), os atores exercem negociações entre o compartilhável e o


regime particular, que depende do contexto. Desse modo, definem o que podem
compartilhar no que concerne às experiências, atitudes, atenção, relação, posição e
delimitação. Fazem-no de forma implícita ou explícita, pacífica ou com fricções. Para
tanto, são englobados conhecimentos sobre regras e normas, os quais auxiliam na
compreensão das modalidades possíveis a serem realizadas. Esses itens
supracitados nos auxiliam a refletir sobre as gradações de acesso existentes na
ocupação. Nessa gradação, não deixo de me recordar da noção de “pedaço”
estipulada por Magnani sobre as favelas em morros, que consiste no:

espaço intermediário entre o privado (a casa) e o público, onde se desenvolve


uma sociabilidade básica, mais ampla que a fundada nos laços familiares,
138

porém mais densa, significativa e estável que as relações formais e


individualizadas impostas pela sociedade. (MAGNANI, 2003, p. 116).

A passarela principal é de domínio de conhecidos e estranhos. Na vizinhança, os


moradores se reconhecem mutualmente e como há pouca diversidade de transeuntes,
sabem quando um forasteiro a penetra, há olhares curiosos ou duvidosos.
Diferentemente, são as varandas abertas ou fechadas e as passarelas que conectam
diretamente às casas. Nelas, reúnem-se ou caminham as pessoas mais próximas ou
quando é permitido essa proximidade. Caso um forasteiro acesse, perguntam ou
olham esperando saber quem você é, o que quer. Nesses espaços, os moradores
exercem atividades de cunho doméstico, como lavar ou estender roupas. Por fim, na
casa, no espaço privado, está ligada ao íntimo, ao convite. Dessa maneira, a
passarela seria como expansão da casa e com aberturas variáveis. Sua divisão, não
tão rígida, depende da relação com o espaço e com as pessoas.

Ao abordar sobre as dificuldades em estabelecer o público e o privado, reflito sobre a


quem cabe a responsabilidade de construir e cuidar da passarela? Nas principais,
becos e ramificações vimos que cabe a todos os moradores, aos donos dos imóveis
e/ou ao Poder Público. Não sem conflito, nem contradições de opiniões. Por outro
lado, a casa e a varanda, são responsabilidades do dono do imóvel ou da família. E a
passarela intermediária? É seu morador que o faz, conecta a casa à passarela
principal. Mesmo quando constroem um portão delimitando seu lote, sua passarela
construída o ultrapassa e abeira-se à passarela principal. O que nos traz às seguintes
perguntas e proposições: não cabe ao Poder Público construir, ao menos, parte das
passarelas que interligam às casas? Ou então, se há espaço “livre” entre a passarela
e os portões, o Poder Público não poderia fazer passarelas mais largas? Desejo que
vejam essas perguntas não como as soluções definitivas, mas como uma tentativa de
outras maneiras de refletir sobre a passarela. Nesse entremeio, a promessa de
doação de madeira para essas passarelas “privadas” pelo prefeito foi vista como um
favor, não um direito.

Já sobre bordas mutáveis e imprecisas entre terra firme e alagado, a separação entre
a rua de terra firme e a passarela é mutável, pois se altera à medida que o lago é
aterrado, e imprecisa, pois a frente pode estar aterrada, mas atrás ainda ser lago. Isso
conforma um espaço de transição, onde há gradação de materiais construtivos no solo
e nas casas. E aqui cabe salientar o orgulho de ter a casa de alvenaria ou o desejo
de terminá-la.
139

Nos mapas usados pelo Poder Público, esses limites são bem marcados, isto é, há
uma linha no software que separa o interior e o exterior da ressaca, o formal e o
informal. Nos instrumentos de planejamento, a linha do mapa delimita o que pode ou
não ser regularizado. Linhas já defasadas que não acompanham as temporalidades.

Ademais dos limites físicos, os moradores de dentro da ressaca e os da rua se


relacionam por relações familiares, proximidade de copresença, o tempo de
coexistência, participação em atividades festivas, desejos e reclamações que se
tangenciam (como a rifa e o asfalto na rua). No mínimo, reconhecem-se ao dizer “ei,
vizinho”. Contudo, há diferenciações, como quando alegam que a líder não busca
suas melhorias por viver na rua ou de quem mora no início ou cabeça da ponte não
querer andar para o final da passarela. Seria interessante entender como funciona
detalhadamente essa relação entre os de fora, os de dentro e entre aqueles que
aterraram recentemente (nesse espaço intermediário).

4.2.3. Adequações

Nesse ponto, para entendermos as adequações, primeiro relembraremos o conceito


de espaço situacional. Para Lussault (2010), situação corresponde às ações
mobilizadas de forma circunstancial por entidades heterogêneas. Desse modo, o
espaço está em movimento, é descontínuo. E pensemos na ocupação, há passarelas
sendo feitas e desfeitas, rede de energia sendo ampliada e mantida, ligações de água
surgem ou são destruídas, a terra sob os pés é feita. É variante no tempo. Cada ação
supracitada mobiliza diversas entidades. Quando a situação cessa, espera-se uma
ocorrência nova de sua atividade e da associação de novo agenciamento. Podemos
citar que para construir a passarela, vincularam-se madeiras novas para distintas
finalidades construtivas (esteio, frechal, tábua), prego, serrote, rifa comunitária,
lanche, água, orçamento, acessibilidade, passarela deteriorada. De outra forma, para
preservá-la, associaram-se moradores, pedaços de madeira, prego, martelo, serrote,
motos, passarela em bom estado físico. Vale salientar que não são necessariamente
os mesmos moradores que participaram de ambas as ações. Portanto, esses vínculos
são frágeis, eles mudaram, desfizeram-se e outros atores se reagregaram. Estão
estabelecendo e reestabelecendo conexões. E, com isso, vários grupos de elementos
heterogêneos se formam e se desfazem.
140

Latour e Yaneva (2012), no artigo “give me a gun and i will make all buildings move”:
an ANT’s view of architecture”, apontam que os edifícios possuem o problema de
parecerem extremamente estáticos, com isso é difícil compreendê-los como
movimento, luta, como uma série de transformações. Porém, a construção possui um
fluxo contínuo, quando é transformado e modificado pelos usuários. Nisso, recai a
imersão do tempo. Para os autores, os edifícios só revelam sua existência ao serem
listados seus movimentos e controvérsias. Seria correspondente ao que faz, a forma
que nega a tentativas de alteração, permite certas ações de visitantes e impede
outras, desafia autoridade.

Voltando-nos à ressaca, se olharmos uma fotografia da ocupação, não há como


percebermos suas transformações, como foram construídas, nem sua gestão. Para
além da arquitetura do edifício como no artigo, podemos adicionar a própria passarela,
os espaços vazios, as redes de água e iluminação (formal ou informal), o chão, a rua
asfaltada. Suas existências contêm movimentos e disputas. Essas materialidades são
recorrentes adequações às situações, onde seus vínculos são (des)feitos. Na
ocupação, a adequação varia, por um lado, por valores, normas, desejos,
necessidades, conhecimento e recurso financeiro dos moradores. Por outro, pelo
espaço como recurso. Tais elementos implicam em possibilidades e restrições.

Em meio à passarela, há comportamentos e regras próprias dos moradores. Cito como


exemplos as responsabilidades de construir as passarelas e suas diferenciações. Os
moradores entendem a construção de habitações próximas à passarela principal
como proibida, não querem beco. Delimitam (parcialmente) os lotes em dimensões
regulares. Já nos becos, deve ser suficiente para acesso de pessoas e móveis, assim,
o direito de passagem é reconhecido. É preciso respeitar as passarelas existentes.
Não podem simplesmente fechar um caminho, mesmo estando em seu lote. Quanto
ao ato de caminhar, é proibido dirigir moto. E caso esteja precária, é melhor andar no
meio da passarela e se duas pessoas se cruzam, uma deve ir para o lado ou para
uma passarela intermediária para a outra passar. Portanto, a ocupação não é
concretizada de forma aleatória e caótica, mas exercida nas negociações cotidianas
dos moradores com a ressaca. Esses comportamentos e regras fazem um controle
espacial e influenciam em um ordenamento próprio da ocupação. Os próprios
moradores manejam esse sistema de regras e comportamentos, o que não oblitera
desordens e transgressões.
141

Claro que não podemos esquecer o controle mediante legislação e fiscalização por
parte do Poder Público e as práticas de subversão dos moradores. Os moradores
atuam taticamente pelo não enfrentamento direto com o Poder Público. São práticas
que ocorrem nas brechas do sistema, mediante omissão da instituição. Aproveitam-
se do controle que não é total, com ações sutis e pulverizadas. Como o ato de ocupar
a ressaca, por ser contra a legislação; de autoconstruir, pois produzem sem técnicos;
de aterrar aos poucos, para fugir de denúncias.

Os desejos e necessidades variam de acordo com os moradores e a temporalidade.


Como o aumento da família, um morador novo, um casamento, uma separação,
querer aumentar a renda, o desejo de aterrar, limitar o espaço privado, ter ar-
condicionado. Vale salientar que a falta de recurso financeiro é um grande empecilho
para conseguir os materiais para construção. Um exemplo é que madeira de lei não é
material barato, mas sua durabilidade é maior do que outro tipo de madeira. Comprar
madeira de lei sai mais caro que comprar tijolos.

Nesse processo, há os saberes construtivos. Minuchin (2016), ao abordar o uso de


materiais em assentamentos populares63, afirma que os conhecimentos próprios se
consolidam mediante repetição em virtude da união de procedimentos e percursos
que são contextualizados e vinculados de acordo com restrições espaciais e
econômicas. E esse processo vai além do domínio técnico:

Das casas aos estabelecimentos comerciais, das infraestruturas de


saneamento aos espaços comunitários, os saberes tecnopopulares
transformam o ato de construir em uma prática social e coletiva: aprendendo
copiando, traduzindo experiências e introduzindo pequenas adaptações,
esses saberes se acumulam e circulam por meio de domicílios e redes de
vizinhança (MINUCHIN, 2016, p.10, tradução nossa)64

Santos (2006) é outro autor que cita a riqueza de experiência dos pobres urbanos. O
autor considera a prática sócio-espacial das classes populares com elevada
capacidade de adaptação, combinações em permanente movimento, o trabalho e a
plástica, influenciadas por incitações internas e externas.

63
O autor, em seu artigo, discute a construção em assentamentos populares como uma tática
prefigurativa, e mostra que, em conjunto com movimentos sociais, está sendo utilizada para formular
um novo tipo de política urbana.
64
From houses to commercial outlets, from sanitation infrastructures to communal spaces, techno-
popular knowledges transform the act of building into a social and collective practice: learning through
copying, translating experiences and introducing small adaptations, these knowledges accumulate and
circulate through households and neighbourhood networks.
142

Sobre o conhecimento na autoconstrução da ressaca, os moradores com casa própria


conhecem os materiais mais adequados e as ferramentas empregadas na
autoconstrução de passarelas, redes de energia e água. Não são todos que
trabalham, só os homens, e, dentre esses, os que não são carpinteiros ou pedreiros
sabem o básico do ramo. Veem como uma prática fácil de exercer. Na dúvida, homens
ou mulheres conhecem alguém que trabalha com isso.

Essa aprendizagem é diluída no tempo, pois as autoconstruções estão sendo feitas


desde o início da ocupação na décima passarela, no início da década de 1990. As
melhorias e conquistas foram sendo autoconstruídas aos poucos. Porém, há pouca
valorização de suas práticas e de seu conhecimento empírico.

No espaço como recurso, temos a ressaca com a água, solo, animais, plantas; os
espaços “vazios”, com seu potencial construtivo; os arranjos existentes na ocupação,
como casa, lote, passarela e passagem; no exterior, possui as ruas e as redes de
infraestruturas pré-existentes. Ao serem vinculadas, a ocupação coordena diversas
aspirações e restrições espaciais e econômicas. Seja a existência de uma passarela
que impede o crescimento do lote, o nível da água que induz o assoalho elevado, a
terra que permite novos usos, os fios que impedem de ter ar-condicionado, a passarela
precária que dificulta a locomoção, a escassez de recurso para comprar material.

O arranjo espacial que segue é fluido e com estabilizações. Lembrando que, após
passar o evento, o espaço situacional não resulta mais ser o mesmo nem é,
dependendo, completamente diferenciado (LUSSAULT, 2010). Suas possibilidades
alteram-se no transpassar do tempo pelas adequações. E suas estabilizações
espaciais necessitam de forças (humanas e não-humanas) que a tornem dessa forma.
Como no esforço dos moradores para a área em torno da passarela permanecer mais
larga ou a passarela existente que resiste a tentativas de remoção.

4.2.4. Evitar/conviver com a criminalidade

Um dia, em minhas excursões ao campo, era sábado final de tarde e as crianças não
estavam mais brincando na rua, “que estranho”, pensei. Havia uma tensão no ar. Em
uma varanda, uma mãe chorava e a líder comunitária foi ter com ela. Seu filho havia
sido morto no dia anterior, sendo que semanas atrás seu outro filho tinha saído há
143

pouco tempo de uma operação devido a um ferimento provindo de vingança. Os


vizinhos conversavam sobre o assunto à distância, parafraseando um morador: o filho
veio errado e quem sofre é a mãe, semana passada eu disse “cuidado, você está
assaltando muito”, ele respondeu “estou tranquilo”.

A violência não foi uma questão que apareceu a priori. Porém, no decorrer das
entrevistas e de minha vivência na observação participante, por vezes o assunto da
criminalidade e tráfico de drogas foi tangenciado. Dessa forma, ao seguir os atores e
suas práticas, mostrou-se relevante tratar a influência de atores ligados ao tráfico nas
espacialidades e táticas dos moradores em evitar/conviver com a questão.

Enquanto caminham, é na terra firme que os moradores possuem medo de serem


assaltados, seja na esquina, na outra rua, na parada de ônibus, na praça. Na
passarela em que moram, não. Não são assaltados na frente de casa, afinal,
conhecem os vizinhos. Porém, onde moram, podem ver ou ouvir bandidos em fuga, o
que causa medo. Isso é diferente para moradores e para forasteiros, onde os primeiros
sofrem estigmas e os segundos sofrem mais risco.

não, é assim, porque pra gente que é morador daqui é uma coisa normal.
Mas entra alguém "ah, porque essa rua é perigosa", não pra gente, a gente
conhece todo mundo, não é perigoso. É igual quem não mora no Congós,
quem não mora no Congós acha o Congós "a o Congós é um bairro perigoso",
mas pra quem mora aqui não é tão perigoso quanto, quanto falam por aí pela
rua hoje em dia, mas vamos dizer assim, é perigoso rsrs, não tão quanto pra
quem mora aqui, mas pra quem vem pra cá, por exemplo e não conhece é
bastante perigoso. (Vítor)

Os criminosos ficam na cabeceira da ponte observando, reunidos em pontos de


encontro, como uma panificadora ou uma varanda. Podem morar no decorrer da
passarela, no beco ou na cabeça da ponte. Só as pessoas que residem sabem. Para
os moradores, impera a lei do silêncio, pois há medo de denunciarem caso vejam algo.
Entre os criminosos, há disputas que podem acabar em morte. A passarela, se está
em boa condição física, aumenta a velocidade de fugas mediante motos e bicicletas.
Mas, por outro lado, facilita no policiamento. As conexões entre diversas passarelas
elevam as possibilidades de rotas de fuga. E, caso inexista passarela, os criminosos
podem se jogar na água, sumir na vegetação, saltar entre quintais.

Almeida e Chaga (2018), em um artigo sobre agentes territoriais e crimes violentos na


cidade de Macapá, selecionaram para a investigação os seis bairros com maior
letalidade, no qual o Congós se destaca pelo índice mais elevado. Eles afirmam que
“os autores e vítimas da criminalidade letal são, predominantemente, os adolescentes
144

e jovens do sexo masculino, em virtude de conflitos advindos do não pagamento de


dívidas relativas ao comércio de drogas” (idem, p.19), o que segue a lógica da
criminalidade de outras capitais do país. Concluem que esse tipo de violência se
distribui de forma distinta no espaço urbano e tem gerado medo e insegurança na
população.

A violência e a sensação de insegurança influenciam no cotidiano, em modos de


caminhar no espaço e na maneira de viver da população (SOUZA, 2008; CALDEIRA,
2010). A violência e a insegurança são elementos que se constituem “como fatores
de condicionamento das relações sociais e de modelagem do espaço nas cidades”
(SOUZA, 2008, p. 13). Caldeira, ao investigar as casas na cidade de São Paulo,
observou que estas “passaram por processos de enclausuramento em resposta ao
medo do crime” (CALDEIRA, 2010, p.291) e para os pobres urbanos o
enclausuramento é percebido com negatividade, está ligado à ideia de prisão e nutre
a sensação de perda (idem).

Na casa na ressaca, há medo do roubo (não são os que moram na mesma passarela
que assaltam, mas de outras). Letícia já foi assaltada duas vezes; já Suzana, que se
mudou do final do bairro, afirma que a décima passarela é tranquila comparada com
seu antigo local de residência. Os moradores tomam medidas de segurança: grades,
câmeras, reforços nas janelas, cadeados, portões. Como qualquer horário é perigoso,
ao caminhar dão passos atentos, saem acompanhados entre as ruas, evitam levar o
celular. E com a falta de iluminação pública, que aumenta a sensação de insegurança,
colocam holofotes ou conseguem luminárias pela prefeitura. Há quem se apegue à
entidade divina como proteção.

4.3. Ação direta, luta institucional e repensar a política

Entendemos que os moradores, compreendidos como atores completos, são capazes


de agência, isto é, podem influenciar em uma trama de ação. Seja na ação direta,
agindo diretamente no espaço mediante autoconstrução, ou pela luta institucional, ao
fazer requerimentos ao poder público.

Suas práticas diretas com o espaço permitem a construção, manutenção,


administração e mudanças com o intuito de atender, em curto prazo, às demandas da
145

vida cotidiana. A autoconstrução permite que conhecimentos sejam trocados e redes


tecidas. Além do mais, proporciona aos moradores ocuparem e circularem no espaço
urbano. Para além de conquistas pontuais, a autoconstrução vista como um
contrapeso democrático às instituições, isto é, contra a ideia de que o Poder Público
é a única fonte de provisão de serviços e infraestruturas, mostra-nos a realização por
outra fonte de cidadania, uma insurgente, que insere na cidade “novas identidades e
práticas que perturbam histórias estabelecidas” (HOLSTON, 1996, p. 250).

Na décima passarela, os moradores não correspondem a um grupo homogêneo com


interesses e ações sempre comuns. Durante suas práticas de autoconstrução, há
desde relações cooperativas, a conflitos, troca de favores, disputas, desavenças,
imposições, regras, boa vizinhança, fiscalização. Os grupos são formados e refeitos a
depender da situação. Suas associações atendem a demandas imediatas, como
também possibilidades de mudanças ou permanências futuras, mediante suas regras,
valores e adequações.

De outra forma, os moradores podem atuar sozinhos, como na construção de uma


vala diante da calçada. Mas isso não significa que não façam parte de uma rede, pois,
lembremos, uma ação sempre está vinculada a diversas entidades. Em específico
nessa ação, rua, materiais, calçada, ressaca, chuva e morador se vincularam. Além
do mais, construir a vala mediou outras ações e valores para os vizinhos. Dessa
maneira, os objetos criados – sejam inventivos, rudimentares ou improvisados,
mesmo os degradados –, são permeados por agências e significados.

E as articulações entre moradores, entre ação direta e luta institucional, de distintas


passarelas? Eles trabalham separadamente, isto é, cada grupo luta pela sua
passarela. Porém, não estão completamente desarticulados, pois se influenciam ao
observar passarelas melhores, com mais infraestruturas, construídas com outros
materiais ou por conhecer as articulações e melhorias alcançadas por outros
moradores. Com isso, novas ideias surgem, tentam agir como no outro lugar, sentem-
se indignados pela diferença e/ou desejam essas melhorias.

Com a consolidação da ocupação, o Poder Público começou a urbanizar


pontualmente a ocupação informal, mas de forma heterônoma, sem diálogo com a
população, o que desconsidera e desmobiliza os vínculos dos moradores na ação
direta. Ainda assim, a urbanização pontual abriu brechas para requerimentos dos
moradores pela via institucional. Os moradores acreditam que é (ou deveria ser) dever
146

do Poder Público fornecer, ao menos, passarelas e asfalto. Dessa forma, mediante


suas reclamações políticas pontuais, os moradores procuram ter visibilidade e
legitimidade como moradores da cidade. E nos revelam, que o direito dos pobres
urbanos em reivindicar a cidade é possível.

Uma maneira de refletirmos as negociações entre os actantes a partir da ação direta


ou luta institucional consiste nos termos controle e autonomia. Os moradores da
ressaca vivem na relação entre um e outro. Com a TAR, entendemos que não vivemos
em via única do controle, pois os atores estabelecem entre si múltiplas conexões em
redes mais sutis que causa e efeito; nem tampouco da autonomia, pois a formação de
vínculos é inevitável. A liberdade, nesse sentido, não consiste na ausência de
vínculos. A TAR postula que alguém desvinculado mostra uma situação de
empobrecimento, pois, caso não tenha vínculos, não se move; já com poucos vínculos
possui movimentos limitados. De outra forma, com muitos vínculos, ocorre a crescente
complexidade de sua prática. Isto posto, em vez de lutar contra certa entidade ou
contra a ideia de que precisam passar por algum projeto de capacitação emancipador,
deve-se melhorar a qualidade de articulações, fortalecer seus vínculos e refletir sobre
novos agenciamentos com dispositivos como instrumentos e ferramentas.

Um exemplo consiste na falta de vínculos dos moradores e líderes comunitários com


as legislações na luta institucional. O plano diretor e o ZEEU são instrumentos que
poderiam ser apropriados para legitimar os discursos nas lutas por melhorias frente
ao Poder Público. Na décima avenida/passarela, serviria como um embasamento –
legitimado pelo próprio Poder Público – para reforma das passarelas ou instalação de
energia. Contestaria a resposta institucional da impossibilidade de atuar por ser “área
de ressaca”. Não obstante, deve-se ter cuidado com a assertiva, pois, ademais da
criação do vínculo entre moradores e líderes com os instrumentos de planejamento, é
preciso atentar-se para sua qualidade – para não ser um contato superficial e
desconectado das realidades cotidianas. Então, uma questão em aberto a futuras
pesquisas seria como criar dispositivos que facilitem a compreensão de termos
técnicos desses planos.

Questionar as intervenções do Poder Público nas ocupações informais na ressaca


também é conjecturar sobre suas intervenções em toda cidade, ao refletir sobre como
a investigamos, e também ao repensar outras possibilidades de planejamento urbano.
Como desdobramento de nossa pesquisa, perguntamo-nos que mundo queremos
147

partilhar. Tal pergunta aponta para outras duas: qual o desenho político que a TAR
sugere? Qual o lugar para quem toma decisões?

A Teoria ator-rede é alvo de críticas de uma suposta neutralidade política. Mas, para
Latour, a política “não é a revolução, mas a explicitação, ou seja, o desdobramento
dos elementos artificiais que precisávamos para viver, mas até então não sabíamos”
(LATOUR, 2009). Desdobrando e conhecendo os vínculos de forças até então ocultas,
é possível combater suas forças. Isso posto, a relevância política é descrever como o
coletivo é mantido, ou seja, desbravar a coexistência dos elementos heterogêneos
que a compõem. Como um “diplomata incansável” (VIVEIROS DE CASTRO, 2006),
Latour julga que sempre é necessário negociar o comum com os outros (SOULIER,
2016). Para tanto, afirma que outros pontos de vista não podem mais ser
desconsiderados. É preciso reconhecê-los.

O autor também tem sido visto como um teórico radical da democracia, pois amplia o
conceito de política, modernamente oposto à natureza, e a estende aos não-humanos.
A política não é apenas um problema de representação ou de tomada de decisão de
humanos (LATOUR, 2014). O autor propõe que as coisas têm plenos direitos – como
sugere com a democracia das coisas. Considerando isso, “nada de noção espacial
que não seja, por assim dizer, animada, permanentemente modulada pelos mais
heterogêneos agenciamentos do real” (DIA, SZTUTMAN, MARRAS, 2014, p. 501), as
questões de políticas urbanas são composições de objetos, naturezas, tecnologias e
pessoas.

A política urbana não é, portanto, sobre sujeitos, subjetividades ou discursos,


mas sobre coisas, objetos complexos e entrelaçados, misturas
sociomateriais. Isso é o que Latour (2005a) chama de Dingpolitik: o
entendimento de que a política urbana não pode mais ser entendida como
conflito entre interesses humanos ou, melhor, de classe, mas envolve
conflitos sobre diferentes 'cosmogramas', isto é, formas de articular os
elementos de o mundo e suas conexões mútuas (Latour, 2004b; Tresch,
2007). A consequência dessa política orientada a objetos é que novos modos
de representação são necessários, assim como novos espaços democráticos
nos quais conjuntos urbanos complexos, controversos e conflitantes, em vez
de apenas interesses humanos, podem ser representados em toda a sua
heterogeneidade” (FARIAS, 2011, p. 371-372).65

65
Urban politics is thus not about subjects, subjectivities or discourses, but about things, complex
entangled objects, socio-material interminglings. This is what Latour (2005a) calls a Dingpolitik: the
understanding that urban politics can no longer be understood as conflict between human or, better,
class interests, but involves conflicts over different ‘cosmograms’, that is, ways of articulating the
elements of the world and their mutual connections (Latour, 2004b; Tresch, 2007). The consequence of
this object-oriented politics is that new modes of representations are necessary, as well as new
democratic spaces in which complex, controversial and conflictive urban assemblages, instead of
human interests alone, can be represented in all their heterogeneity.
148

Como estudos da TAR têm mostrado e são evidenciados na urban assemblage, “o


projeto político que esta perspectiva envolve está ligado a uma redefinição da
democracia em relação a práticas participativas que reconheçam humanos e não
humanos como atores políticos”66 (FARÍAS, 2011, p. 371). Para tal afirmativa, os
teóricos desta corrente baseiam-se no “direito à cidade” de Lefebvre e o
compreendem como direito de acesso à participação, para se tornar um Estado do
direito à cidadania para todos, o direito de regular e de influenciar. Dessa forma, “o
direito à cidade envolve a construção de capacidades, a criação de públicos ativos
capazes de se engajar na produção de conhecimento e no envolvimento
transformativo com o mundo e assuntos públicos”67 (idem, p. 372).

A partir do que foi visto, os moradores de áreas de ressaca não precisam só de novos
espaços onde habitam – como construção de infraestrutura ou HIS. Mas ter seus
conhecimentos e práticas reconhecidos, a construção de capacidades – melhorando
a qualidade de articulações, fortalecendo vínculos, novos agenciamentos –, possuir
novos espaços de decisão dentro do Estado. Por sua vez, a ocupação informal
necessita de outras formas de representação. Um caminho e vínculo possível, que
considere os pontos supracitados e aproxime a ação direta com a via institucional,
consiste em uma efetiva participação – ainda que haja desafios, como o risco de
cooptação, consulta e dificuldade de acesso a informações (SOUZA, 2006). Nesse
tipo de relação, as negociações não devem ser entre profissionais com agência e
cidadãos sem, caso contrário os moradores seriam meros intermediários. Mas, de
outra forma, a efetiva participação da população com a instituição parte da “parceria”,
com o compartilhamento de poder de decisão e transparência; e da “delegação de
poder”, a partir do qual o Estado renuncia de co-interferir na decisão (SOUZA, 2006).

4.4. Considerações finais

Essa pesquisa teve como objetivo descrever as práticas de produção de uma


ocupação informal em palafita à luz das práticas e relações sociotécnicas que a

66
The political project this perspective involves is connected with a redefinition of democracy towards
participatory practices that might eventually recognize and represent humans and nonhumans as
political actors.
67
“the right to the city involves building capabilities, creating active publics capable of engaging in the
production of knowledge and transformative engagement with the world and public matters”.
149

configuram. Teve como estudo a ocupação informal da ressaca do Congós e tomou


como delineamento e discussão as ações diretas e lutas institucionais entre os
actantes envolvidos. Como método de pesquisa, aplicamos a cartografia das
controvérsias.

A partir da crítica das práticas dos moradores com ideias preestabelecidas, de um


lado a pobreza, passividade, necessidade; de outro, extremamente organizados,
cultura. A pesquisa procurou se desviar de ideias imbuídas, a priori, focando em
descrever suas práticas e associações. As pistas foram seguidas e tentou-se explicitar
os diversos pontos de vista, reconhecendo a capacidade de agência das entidades.
O resultado foi o relato das práticas dos atores, onde, para além de opiniões,
conhecimentos e valores, pode demonstrar diferenças entre mundos em que almejam
partilhar.

Na discussão entre as relações entre atores humanos e não-humanos na urbanização


de ocupações informais, a cartografia das controvérsias mostrou potencialidades em
complementar o arcabouço teórico em estudos urbanos, por permitir identificar a
complexidade das práticas, as associações entre os elementos heterogêneos, os
grupos formados e seus interesses. Com esse arcabouço, observamos a mutabilidade
dos vínculos formados no decorrer do processo. Com ela, além de dar visibilidade a
atores comumente excluídos das narrativas, agrega os não-humanos como atores
completos, o que traz uma nova perspectiva à pesquisa.

Seguir as pistas a partir da observação participante foi crucial para observar os


entraves e tangências dos vínculos formados durante a reconstrução das passarelas
pela prefeitura, sanar dúvidas com informantes, observar as situações no momento
da ação. Por outro lado, apenas com entrevistas não conseguimos elencar a
intensidade e qualidade dos vínculos entre diversas entidades.

Evidencia-se a complexidade das práticas de autoconstrução e reinvindicação


exercidas pelos moradores, na qual diversos atores se vincularam. Suas dificuldades
foram explicitadas – como recursos necessários e informações burocráticas – e suas
potências adaptativas elencadas. Também se evidencia a origem incerta de suas
ações – com moradores contra ou a favor do aterro, de iluminação formal, de
autoconstruir coletivamente ou não a passarela –, a partir do qual se deve ter cuidado
ao não definir posicionamentos a priori.
150

Constataram-se controvérsias do Poder Público sobre como atuar nessas áreas, os


quais variam entre omissão, fiscalização, reassentamento e urbanizações. Nas quais
suas ações pontuais de melhorias são um paliativo, desarticuladas, que pouco levam
para discussões maiores quanto às ocupações com as ressacas da cidade,
envolvendo políticas públicas eficazes ou urbanizações articuladas com diversas
infraestruturas e regularização fundiária.

Neste último capítulo, registramos outras perspectivas sobre a ocupação na ressaca,


a partir de diversos pontos de vista, limites relacionais, bordas mutáveis, adequações
e práticas de evitação/convívio à criminalidade. Fica claro que a ocupação informal
não é homogênea, mas plural, e está em constante transformação, a partir do qual
vários fatores – como recurso financeiro, o espaço como recurso, conhecimento,
necessidades e desejos, comportamentos e normas – contribuem para tal.

Aludir a ação direta e luta institucional pela perspectiva da TAR implicou em repensar
a cidade e o planejamento. O relato e os diagramas oportunizaram aos atores
envolvidos expressar as ações, associações e os múltiplos pontos de vista sobre
nosso mundo comum; e, a partir de então, repensar outros caminhos frente à
heteronomia do Poder Público, como a participação. Um possível começo consiste
em revelar os vínculos, seja para combatê-los, transforma-los, ou então, para
requalificá-los, intensifica-los; como também em reconhecer e valorizar as práticas e
conhecimentos dos moradores das áreas de ressaca.

Por fim, espera-se contribuir, com a pesquisa, às investigações de estudos urbanos


que utilizam a Teoria Ator-Rede, a urban assemblage. Uma vez que a TAR propõe
uma modificação ao que se compreende por “social”, progredindo para uma sociologia
de associações, na qual não-humanos e humanos exercem poder de agência na
política.
151

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APÊNDICE – ROTEIRO DE ENTREVISTA

1. DADOS D(A) ENTREVISTADO (A)

 Nome:
 Cidade de nascimento:
 Tempo de moradia:
 Onde morava antes:
 Motivo da mudança:

2. HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO

 Como era a ressaca quando você veio morar aqui?


 Como se transformou?

3. HABITAÇÃO
 Como você adquiriu sua habitação? (como soube desse lugar?)
 Sua habitação é própria ou alugada?
 (Própria) Houve mudanças na habitação? (Como era? Como mudou? Pretende
ampliar?)
 (Alugada) Você conhece o proprietário? Ele mora aqui?
 Como o terreno foi delimitado? (Como era antes? Como mudou? Qual o tamanho?)
 Sempre houve portões (Como era antes? Como mudou?)
 Como é o serviço de correspondência? Como era?

4. INFRAESTRUTURA E SANEAMENTO

 Como era a passarela quando veio morar aqui? (Já existia? Como a usavam?)
 Como construíram a passarela? Como mudou? Qual papel de cada participante?
 Quais foram as dificuldades e facilidades de construí-la?
 Vocês fazem algum tipo de manutenção na passarela (quando, como?)
 Quais os materiais e ferramentas usados? Onde compraram o material?
 Recursos financeiros necessários (caso haja abaixo assinado, rifa, doação). Como
ocorreu? Qual papel de cada participante? Como tomaram as decisões?
 Sabe se a prefeitura já fez a passarela? Qual parte foi feita? Quando? Como?

 Sua casa é abastecida por rede de água energia elétrica e iluminação)? Como era
antes? Quando e como mudou?
 (Moradores) Quem fez? Qual o papel de cada participante?
Quais materiais e ferramentas utilizados? Como conseguiram o material?
Houve dificuldades e facilidades?
 (Prefeitura) Quando foi feito? Pagam taxa?

 Há coleta de lixo? Como funciona? Como era antes? Como vocês faziam?

 Há problemas na época de chuva? Como era antes? Quando e como mudou? O que
é feito?
160

5. PODER PÚBLICO

 Já foram feitas reclamações pelos moradores por melhorias? Como? Quem?


 Eles compartilham informações com vocês? A prefeitura perguntou a opinião de vocês?

6. PERCEPÇÃO

 Como você vê a infraestrutura feita por vocês? Como você vê a infraestrutura feita pela
prefeitura?
 Teria outra solução?
 Você sabia que outras passarelas foram feitas pela prefeitura? Por que você acha que
não fizeram essa?
 Existem outras passarelas com energia pela CEA? Por quê?
 Existe alguém ou alguma instituição que você saiba atuando para ajudar a
comunidade? O que eles fazem? O que você acha disso?
 Como você acha que será a ocupação no futuro?

7. COTIDIANO E DADOS DO(A) ENTREVISTADO (A)

 Trabalho:
 Escola:
 Onde faz as compras para a casa? Como é a entrega de produtos?
 Onde sai para passear?
 Frequenta os espaços públicos do bairro? Quais?
 Transporte?
 Práticas religiosas?
 Participação política?
 Costuma caminhar em toda passarela? Costuma ir em outras passarelas?
 Idade:
 Educação:
Luana Rocha de Souza

CARTOGRAFIA DAS CONTROVÉRSIAS:


ENTRE AÇÃO DIRETA E LUTA INSTITUCIONAL NA
PRODUÇÃO DE UMA OCUPAÇÃO INFORMAL EM
PALAFITAS NA CIDADE DE MACAPÁ (AP)

Volume 2

Belo Horizonte
Escola de Arquitetura da UFMG
2019
Luana Rocha de Souza

CARTOGRAFIA DAS CONTROVÉRSIAS:


Entre ação direta e luta institucional na produção de uma ocupação informal
em palafitas na cidade de Macapá (AP)

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado


em Arquitetura e Urbanismo da Escola de Arqui-
tetura da Universidade Federal de Minas Gerais,
como requisito parcial para à obtenção do título
de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.
Área de concentração: Teoria, produção e expe-
riência do espaço
Orientador: Prof. Dr. Frederico Canuto

Belo Horizonte
2019
FICHA CATALOGRÁFICA

S719c Souza, Luana Rocha de.


Cartografia das controvérsias [manuscrito]: entre ação direta e luta
institucional na produção de uma ocupação informal em palafitas na cidade de
Macapá (AP) / Luana Rocha de Souza. – 2019.
2 v.: il.
Orientador: Frederico Canuto.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de


Arquitetura.

1. Espaço urbano - Teses. 2. Teoria ator-rede – Teses. 3. Arquitetura –


Aspectos sociais – Teses. I. Canuto, Frederico. II. Universidade Federal de
Minas Gerais. Escola de Arquitetura. III. Título.

CDD 720.103

Ficha catalográfica: Biblioteca Raffaello Berti, Escola de Arquitetura/UFMG


Volume 2 | Cartografia das controvérisas

RESUMO DO ATLAS

A presente pesquisa tem como objetivo descrever as práticas e relações sociotécni-


cas entre ação direta e luta institucional na produção da ocupação informal na ressaca
do Congós, situada na cidade de Macapá (AP). Para tanto, utilizamos o método da
cartografia das controvérsias de Bruno Latour (2012), pois compreendemos humanos
e não-humanos de forma indissociável.
Partindo da função do Atlas como um registro espacial e considerando que toda ação
social é espacial (LUSSAULT, 2010), este atlas é um registro gráfico de narrativas so-
cio-espaciais, a partir de imagens, diagramas e um glossário. Sua finalidade é tornar
a complexidade das controvérsias em torno do objetivo desta dissertação legível. Este
volume, conecta-se com a narrativa escrita contida no volume 1, complementando-a,
e, também, mostra nuances que a sobrepassam – como detalhes e informações adi-
cionais.
Buscamos que cada seção apresente distintas perspectivas sobre a ocupação infor-
mal com a ressaca:
• Concebemos o glossário para auxiliar na identificação dos actantes, pois al-
guns termos são desconhecidos para moradores de fora das ressacas de Macapá,
como também, para moradores de fora da região norte do país. A primeira vez que um
ator não-humano aparecer sublinhado, significa que consta no glossário.
• O mapa mental, objetiva mapear graficamente e facilitar a compreensão teó-
rico-metodológica. Aproveitei esse recurso no decorrer da pesquisa e, espero, que
também os auxilie. Esse tipo de mapa mental corresponde a diagramas que compõem
informações hierarquizadas, a partir dos quais conformam relações. Tal técnica auxilia
a clarificar e organizar diversos conceitos (BOVO e HERMANN, 2005).
• A seção de mapas, na qual também engloba projetos das passarelas, consta
mapas de instrumentos de planejamento urbano (planos diretores e zoneamentos) e
mapeamentos e bases cartográficas utilizadas pelas secretarias. Além do mais, ex-
põe mapas conceituais para auxiliar na localização e mudanças espaciais, feitos pela
autora. Na pesquisa, os mapas são compreendidos como mediadores, que inferem
na trama de ação (LATOUR, 2010); dotados de valores (ACSERALD e COLI, 2008);
contam narrativas de distintos espaços-tempos (idem); e ressaltam apenas certos as-
pectos da realidade.
• A linha do tempo elucida transformações de controvérsias institucionais de le-
gislações e discursos no decorrer do tempo, os quais influenciam transformações
sócio-espaciais.
• A fotografia é usada para documentar a ocupação informal. Como os mapas,
não são neutras. Na pesquisa, nós a compreendemos como um documento de tensão
entre ocultação e revelação do que é fotografado (MARTINS, 2008, p.36).
• O diagrama TAR fornece visibilidade às associações entre elementos hetero-
gêneos. Sua função é tornar a complexidade das controvérsias legível, por isso deve
ser menos confuso e complicado que as disputas coletivas (VENTURINI, 2012).
• Em mídia, expomos as matérias completas dos excertos midiáticos usados no
volume 1.
• Por fim, o diagrama cosmos mostra-nos os pontos de vista dos diversos actan-
tes, suas divergências e onde podem se sobrepor (VENTURINI, 2010).
Volume 2 | Cartografia das controvérisas

LISTA DE FIGURAS

Mapa mental 1 - Conceito de espaço situacional de Lussault............................... 179


Mapa mental 2 - Cartografia das controvérsias de Latour..................................... 180
Mapa mental 3 - Como rastrear o social ............................................................... 181
Mapa 1 - Localização das ressacas de Macapá.................................................... 183
Mapa 2 - Ressaca do Congós................................................................................ 184
Mapa 3 - Entrevistas realizadas na aproximação prévia........................................ 184
Mapa 4 - Denominação das ressacas localizadas nas cidades de Macapá e Santa-
na........................................................................................................................... 185
Mapa 5 - Evolução urbana da cidade de Macapá e localização do Elesbão......... 186
Mapa 6 - Proposta de Zoneamento pela Fundação João Pinheiro........................ 187
Mapa 7 - Proposta de sistema viário...................................................................... 188
Mapa 8 - Áreas destinadas à habitação................................................................. 189
Mapa 9 - Localização de HIS e suas articulações entre governo e prefeitura....... 190
Mapa 10 - Detalhe mapa plano diretor................................................................... 191
Mapa 11 - Detalhe mapa ZEEU.............................................................................. 191
Mapa 12 - Detalhe mapa usada na SECSUB........................................................ 191
Mapa 13 - Área de Interesse Social 1 pelo PDDUAM............................................ 192
Mapa 14 - Zoneamento na ressaca do Congós..................................................... 193
Mapa 15 - Equipamentos comunitários.................................................................. 194
Mapa 16 - Evolução urbana e ocupação das ressacas......................................... 195
Mapa 17 - Sentido do início da ocupação na décima passarela............................ 196
Mapa 18 - Cidade ou estado natal de entrevistados.............................................. 197
Mapa 19 - Imagem da ocupação em 2003............................................................. 198
Mapa 20 - Imagem da ocupação em 2014............................................................. 198
Mapa 21 - Imagem da ocupação em 2016............................................................. 198
Mapa 22 - Transformações em becos e passagens.............................................. 199
Mapa 23 - Passarelas construídas pela Emenda Parlamentar.............................. 200
Mapa 24 - Planta baixa e cortes da passarela....................................................... 201
Mapa 25 - Etapa construtiva de uma passarela de madeira.................................. 201
Linha do tempo 1 - Legislações aplicadas às ressacas......................................... 203
Linha do tempo 2 - Discurso em legislação e planejamento às ressacas......... 204
Fotografia 1 - Ocupação em área de ressaca........................................................ 207
Fotografia 2 - Foto aérea da ressaca do Congós................................................... 207
Fotografia 3 - Foto aérea da ressaca da Lagoa dos Índios.................................... 208
Fotografia 4 - Vegetação da Lagoa dos Índios....................................................... 208
Fotografia 5 - Passarela principal........................................................................... 209
Fotografia 6 - Braço da passarela principal e igreja em vermelho......................... 209
Fotografia 7 - Passarela “privada”.......................................................................... 209
Fotografia 8 - Delimitando lote: garrafa ................................................................. 210
Fotografia 9 - Delimitando lote: portão................................................................... 210
Fotografia 10 - Delimitando lote: madeira............................................................. 210
Fotografia 11 - Área de transição........................................................................... 211
Fotografia 12 - Cabeça da ponte............................................................................ 211
Fotografia 13 - Prevenir degradação: madeiras salientes...................................... 212
Fotografia 14 - Manutenção: colocar madeiras em cima de outras....................... 212
Fotografia 15 - Resquícios da passarela................................................................ 213
Fotografia 16 - Destruir passarela.......................................................................... 213
Fotografia 17 - Beco 1............................................................................................ 214
Fotografia 18 - Beco 2............................................................................................ 214
Fotografia 19 - Beco final da décima...................................................................... 214
Fotografia 20 - Poste autoconstruído..................................................................... 215
Fotografia 21 - Incêndio no bairro do Beirol........................................................... 215
Fotografia 22 - Iluminação autoconstruída............................................................. 216
Fotografia 23 - Iluminação na décima avenida; ao fundo, a passarela.................. 216
Fotografia 24 – Canos............................................................................................ 217
Fotografia 25 - Ligações de canos......................................................................... 217
Fotografia 26 – Canos............................................................................................ 217
Fotografia 27 - Recolhimento do lixo na vigésima passarela................................. 218
Fotografia 28 - Lixo atrás das casas...................................................................... 218
Fotografia 29 - Na frente cimento e terra............................................................... 219
Fotografia 30 - Aterro próximo à passarela............................................................ 219
Fotografia 31 - Brincadeiras e águas pluviais........................................................ 219
Fotografia 32 - A manilha....................................................................................... 220
Fotografia 33 - O processo de ampliação e elevação do assoalho....................... 220
Volume 2 | Cartografia das controvérisas

Fotografia 34 - Mesma casa, um ano depois......................................................... 220


Fotografia 35 - CASP: capoeira............................................................................. 221
Fotografia 36 - CASP: fachada após reforma........................................................ 221
Fotografia 37 - Vigésima passarela antes da reforma pela prefeitura.................... 222
Fotografia 38 - Início da vigésima após a reforma................................................. 223
Fotografia 39 – Gabarito........................................................................................ 223
Diagrama ator-rede 1 – Invadir.............................................................................. 228
Diagrama ator-rede 2 - Viver sem infraestrutura.................................................... 229
Diagrama ator-rede 3 - Práticas em torno da passarela........................................ 230
Diagrama ator-rede 4 - Práticas em torno da passarela........................................ 231
Diagrama ator-rede 5 - Práticas em torno dos becos............................................ 232
Diagrama ator-rede 6 - Práticas em torno da rede de energia............................... 233
Diagrama ator-rede 7 - Práticas em torno da rede de energia e iluminação......... 234
Diagrama ator-rede 8 - Práticas em torno das redes de água............................... 235
Diagrama ator-rede 9 - Práticas em torno do lixo.................................................. 236
Diagrama ator-rede 10 - Práticas em torno de aterro............................................ 237
Diagrama ator-rede 11 - Práticas em torno das cheias.......................................... 238
Diagrama ator-rede 12 - Lutas via instituição......................................................... 239
Diagrama ator-rede 13 - CASP.............................................................................. 240
Diagrama ator-rede 14 - NRDC e associação de bairro........................................ 241
Diagrama ator-rede 15 – Passarelas subsidiadas por emenda parlamentar: projeto
.............................................................................................................................. 242
Diagrama ator-rede 16 – Passarelas subsidiadas por emenda parlamentar: constru-
ção.......................................................................................................................... 243
Diagrama ator-rede 17 – Passarelas subsidiadas por emenda parlamentar: constru-
ção.......................................................................................................................... 244
Diagrama ator-rede 18 – Passarelas subsidiadas por emenda parlamentar: após a
construção.............................................................................................................. 245
Mídia 1 - Imagens e transcrição do vídeo Fala Comunidade................................. 247
Mídia 2 - Divulgação da inauguração do CASP..................................................... 250
Mídia 3 - Imagens e transcrição do vídeo Fala Comunidade................................. 251
Mídia 4 - Segurança e mobilidade aos habitantes................................................. 252
Mídia 5 - Deveres dos moradores.......................................................................... 253
Diagrama Cosmos 1 - Práticas e pontos de vista.................................................. 255
Volume 2 | Cartografia das controvérisas

SUMÁRIO

Glossário de actantes 170


Morador 171
Instituição 173
Não-humano (e híbridos) 173

Mapa mental 178

Mapa e projeto vinculado 182

Linha do tempo 202

Fotografia 206

Diagrama TAR 224

Mídia 246

Diagrama Cosmos 254


170 Glossário de Actantes

Glossário de actantes
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 171

HUMANOS:

JANARY NUNES: primeiro governador do recém território do Amapá.


MERCADO INFORMAL DE ÁGUA: alternativa de rede de água, feita apesar da CAESA. A
partir de um poço localizado em área de terra firme, um morador fornece água para as casas
palafíticas. Recebe uma taxa mensal pelo serviço.
MORADOR(A) ANA: jovem, filha de Rosana, mora em uma casa ao lado da de sua mãe. O
acesso de sua casa ocorre por duas pontes, uma que dá para a varanda posterior da casa
de sua mãe e outra para a passarela principal.
MORADOR(A) ARTHUR: jovem, macapaense, atualmente é ajudante de pedreiro. Mudou-se
a dois anos para casa própria, pois se casou. Antes, vivia em uma casa próxima. Mora em
um beco e a correspondência não chega em sua casa, somente na frente, isto é, na rua.
MORADOR(A) CARLA: 25 anos, nasceu em Gurupá (PA) e mudou-se ainda criança com
a família. Sua mãe invadiu a ressaca, pois não havia ninguém morando ali. A casa era de
lona, depois foi construída em madeira bruta e, por fim, em tábua normal. Na época, só havia
quatro casas distantes umas das outras, a passarela era “um pedaço de pau”, feita só com
um frechal, difícil de caminhar.
MORADOR(A) CARLOS: nasceu no interior do Pará, é jovem, está cursando ensino supe-
rior. Foi morar para Macapá com parte de sua família por causa da saúde de sua mãe. Há
16 anos, compraram a casa de 4 x 4 metros por 800 reais, com terreno de dimensão de 10
x 25 metros. Demoliram e construíram outra. Já fizeram várias ampliações. Moram em área
alagada, mas na frente está aterrada.
MORADOR(A) FERNANDA: imigrou de Mazagão (AP) a procura de trabalho. Faz diárias,
mas está parada atualmente. Mora em casa alugada com sua irmã e sobrinhas. Sua irmã
conheceu o proprietário e indicou o local para morarem. Mora próximo à cabeça da ponte, a
frente de sua casa é aterrada, mas atrás ainda é lago.
MORADOR(A) JOAQUIM: aposentado, sempre senta na varanda de sua casa no fim da
tarde quando há sombra projetada pelas casas do outro lado da rua. Chegou em Macapá
procurando melhorias e pensando nos estudos dos filhos e vive desde 1993 na décima rua.
Possui filhos que vivem ou trabalham na passarela.
MORADOR(A) LETÍCIA: paraense, tem 49 anos, foi para Macapá a procura de trabalho,
morou por 7 anos de favor até que comprou sua atual casa. No início, a casa era pequenina,
com cerca de três metros de comprimento. Por fora era de madeira e por dentro era de com-
pensado. Na compra, a antiga dona delimitou a largura de 10 metros e ambas calcularam
mais ou menos seu comprimento. Ela não sabe a dimensão exata do lote, mas o comprimen-
to não mudou, a diferença é que hoje as casas estão mais próximas.
MORADOR(A) LUCAS: nasceu em uma vila no município de Macapá. Há 22 anos que mora
na cidade, queria voltar, mas é caro. Antes morava no Jardim Equatorial, mudou de residên-
cia a 7 anos atrás, pois agora mora com a namorada.
MORADOR(A) MACEDO: sua família advém de Monte Dourado (Pará). Mudaram-se em
1992, pois seu pai conseguiu trabalho em uma empresa em Macapá. Logo quando chega-
ram na nova cidade, moravam de aluguel. Depois conseguiram o terreno com ajuda de uma
amiga de sua mãe “aí foi quando aconteceu essa invasão aqui né, aí que pegaram esse
172 Glossário de Actantes

terreno pra nós aí ele, ele nos deram. Ai a gente foi construindo devagar e aí tá aí essa casa
aí”. Mora em área de terra firme na av. Netuno.
MORADOR(A) MARCOS: morava no bairro Novo Buritizal, mudou-se quando casou e foi
morar na casa da esposa. Sua esposa, como Joaquim, comprou a casa em que vive. Quan-
do ele chegou, a casa era menor, ela a estava ampliando e era de madeira. Hoje a área já
está aterrada e a casa é de alvenaria.
MORADOR(A) MARIA: passou um período curto em Macapá, voltou para sua cidade natal,
Afuá, e depois retornou definitivamente com o irmão em 1996. Mudou-se, pois a situação
financeira estava difícil. Desde então vive na décima passarela.
MORADOR(A) MARIANA: saiu do Pará em busca de trabalho, chegou em Macapá há 7 anos
e sempre morou na décima avenida. Antes morava de aluguel em uma casa pequena com
mais 23 pessoas da família. Até que em 2017 comprou o terreno com a casa pelo valor de
2000 reais. A casa é pequena (cerca de 4 x 2,5 m), está ampliando lentamente, dependendo
de suas condições financeiras. Possui animais em casa, como cachorro, gato e papagaio. O
restante de sua família quer vir do interior, pois lá é ainda mais difícil de conseguir emprego.
MORADOR(A) NATÁLIA: proveniente do Pará, mudou-se com a família a procura de empre-
go. Ficaram 3 anos morando em casa de amigos, até que souberam de uma invasão que es-
tava tendo em outro bairro e foram também. Em seguida foram removidos, ficaram um tempo
na rua – a mídia chegou a filma-los –, até que ganharam um lote em um loteamento recém
feito pelo poder público. Construíram uma casa, porém, seus filhos estudavam no Congós
e não havia ônibus, tinham que ir a pé. Então ela resolveu trocar de casa e está há 16 anos
morando na décima dos Congós.
MORADOR(A) ROSANA: macapaense, com 48 anos. Há 20 anos atrás, ela desejava sair de
sua antiga habitação, pois havia se separado do marido; por sua vez, sua prima queria se
mudar, pois não estava se adaptando a essa passarela. A negociação foi mediada pela irmã.
Em sua casa há uma estreita varanda na frente e outra grande atrás com lonas para proteger
do sol. Atrás possui o banheiro cimentado, a cozinha, uma grande mesa, um espaço para
seus animais e portões com acesso às casas das filhas.
MORADOR(A) SUZANA: morava em uma casa em área de terra firme no final dos Congós,
ela vendeu e comprou sua atual residência por causa da segurança e da tranquilidade – ha-
via uma grande mangueira na frente de casa e os adolescentes e crianças viviam tirando
manga, o que a incomodava profundamente, não tinha sossego. Nascida em Breves (PA),
migrou com a família para Macapá quando adolescente.
MORADOR(A) VITOR: macapaense, jovem, evangélico, mora na casa desde 2017, mas
sempre morou no bairro do Congós. Já morou em 10 avenidas do bairro. Ele é a esposa
compraram um lote e estão construindo uma casa no beco da décima passarela.
RIBEIRINHO: 1. “... a população constituinte que possui um modo de vida peculiar que a dis-
tingue das demais populações do meio rural ou urbano, que possui sua cosmovisão marcada
pela presença do rio. Para estas populações, o rio não é apenas um elemento do cenário ou
paisagem, mas algo constitutivo do modo de ser e viver do homem” (SILVA e SOUZA FILHO,
2002, p. 27). 2. Vivem “[...] em agrupamentos comunitários com várias famílias, localizados,
como o próprio termo sugere, ao longo dos rios e seus tributários” (CHAVES, 2001, p. 78).
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 173

INSTITUIÇÕES

ASSOCIAÇÃO DE BAIRRO: a sede localiza-se na sétima avenida do Congós, mas, atual-


mente, está fechada.
CAESA: Companhia de água.
CASP: Centro de Atividades Sociais na Periferia. Localizado na décima passarela.
CEA: Companhia de energia elétrica do Amapá.
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO: instituição de pesquisa e ensino vinculada ao Governo de
Minas Gerais, criada em 1969. Prestadora de serviços.
GRUMBILF DO BRASIL: empresa contratada para fazer o primeiro plano urbanístico de
Macapá.
H.J. COLE E ASSOCIADOS: escritório de projetos que desenvolveu diversos projetos urba-
nísticos no Brasil na década de 1970.
IBAMA: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Criado
pela Lei nº 7.735 de 22 de fevereiro de 1989.
IEPA: Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá.
MÍDIA: na pesquisa, refere-se ao site da Prefeitura, G1 e Diário do Amapá.
MP: Ministério público.
NRDC: Núcleo Rotariano de Desenvolvimento Comunitário. Está atrelado ao Rotary Club.
PDDUAM: Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Macapá, feito em 2009.
PLANURB: Instituto de Planejamento Urbano. Coordena planejamento urbano. Faz projetos
de emendas federais. Faz parte da SEMPLA.
SECSUB: Secretaria das Subprefeituras.
SEMA: Secretaria Estadual do Meio Ambiente.
SEMAM: Secretaria Municipal do Meio Ambiente. Proporciona, agencia e desenvolve polí-
ticas de meio ambiente para a sua proteção. Protege, controla, averigua seu cumprimento.
SEMOB: Secretaria municipal de obras e infraestrutura urbana. Instala e conserva rede de
drenagem pluvial; coordena, promove e inspecionar atividades relacionadas às obras e ser-
viços públicos do Município, como a construção das passarelas.
SEMPLA: Secretaria municipal de planejamento e orçamento geral.
SEMUR: Secretaria municipal de Manutenção Urbanística. Promove a coleta de resíduo só-
lido. Limpeza de vias.
ZEEU: Zoneamento Ecológico Econômico de Macapá e Santana, feito em 2012.

NÃO-HUMANOS (E HIBRIDOS)

ABAIXO-ASSINADO: solicitação coletiva feita em documento.


ANGELIM: Madeira usada na construção com boa durabilidade (Moradores).
ANIMAIS SILVESTRES: tatu, tamanduá, cobras e garças viviam no início da implantação do
bairro do Congós (NRDC).
ANINGA: vegetação comum nas ressacas.
ÁREA DE LAZER: 1. As ressacas poderiam ser pontos de lazer, com a utilização de esportes
174 Glossário de Actantes

aquáticos (Plano GRUMBILF, 1960). 2. Área de jogos e brincadeiras (Rosana).


ÁREA DE LIVRE COMÉRCIO DE MACAPÁ E SANTANA: Criada para promover o desenvol-
vimento da cidade, oferecendo benefícios fiscais, como Imposto sobre Produtos Industria-
lizados (IPI) e Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS).
Criada em 1991 e regulamentada em 1992, a Área de Livre Comércio de Macapá e Santana
só foi oficialmente implantada em 1993.
ÁREA DE PONTE: denominação feita pela mídia, moradores das ocupações informais e do
restante da cidade para ocupação em área de ressaca. Pode exercer estigmas análogos ao
“favelado” em outras regiões do Brasil (SCHEIBE, 2018).
ÁREA ÚMIDA: “áreas de pântano, charco, turfa ou água, natural ou artificial, permanente ou
temporária, com água estagnada ou corrente, doce, salobra ou salgada, incluindo áreas de
água marinha, cuja profundidade na maré baixa não exceda seis metros” (Convenção de
Ramsar, 1971).
BACIA DO IGARAPÉ DA FORTALEZA: localizada na região centro-sul da cidade, com su-
perfície de aproximadamente 194.500 km² (NERI, 2004).
BACIA DO RIO CURIAÚ: situada na zona norte da cidade, com área de aproximadamente
185.000 km² (NERI, 2004).
BAIRRO DO CONGÓS: 1. Possui 4.307 domicílios (IBGE, 2010). É o quinto bairro mais po-
puloso da cidade. 2. Criado na década de 1980 (PORTILHO, 2010); 3. Loteamento feito pelo
poder público na década de 1980 (Líder do CASP); 4. O bairro foi sendo criado a partir de
invasões e criações de caminhos (Dona Marizete, no quadro “Fala Comunidade”)
BAIXADA: denominação feita pela mídia e moradores da cidade para ocupação em área de
ressaca. Exerce estigmas análogos ao “favelado” em outras regiões do Brasil (SCHEIBE,
2018).
BANDOLA: residência bem pequena, logo após ser construída na ocupação informal na
ressaca (Maria).
BARRAQUINHA: casa recém adquirida na ressaca, pequena, possuindo apenas quatro te-
lhas (Joaquim).
BARREIRO: Estava localizado no final do Congós. Área onde a ressaca encontrava a terra
firme. Antigamente, quando só havia fazendas na região, as pessoas limpavam a vegeta-
ção de parte da borda da ressaca e usavam o espaço para tomar banho na água (Líder do
CASP).
BECO: espaço estreito de passagem coletiva (Moradores).
BIODIVERSIDADE: diversidade biológica, como plantas, animais e microorganismos.
BRAÇO: ramificação da passarela principal (Prefeitura).
BUEIRO: Manilha (Moradores).
BURITI: espécie de palmeira que costuma bordear áreas alagadas (ZEEU).
CABEÇA-DA-PONTE: início da ponte; área de transição entre área de terra firme e ponte
(Moradores).
CANAL DAS PEDRINHAS: área conhecida por vender madeira na cidade de Macapá. Nela,
há casas de madeira com frente para rua, com parte posterior para o canal que funcionam
como ancoradouros para os barcos que chegam com as madeiras.
CANAL DO BEIROL: extensão do canal das Pedrinhas. Suas bordas são naturais e localiza-
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 175

-se entre duas vias.


CASINHA: 1. Casa pequena, precária, de restos de materiais (Carmem); 2. Casa pequena
(Ana).
CHAPÉU-DE-COURO: Possui propriedades medicinais. Presente do sul do México ao Brasil.
CONGÓS 100% PAZ: grupo de whatsapp do bairro do Cóngós em Macapá.
CONJUNTOS HABITACIONAIS: aglomerado de habitações, no caso da pesquisa, são reali-
zadas pelo poder público para interesse social.
DÉCIMA PASSARELA: dá prosseguimento à décima avenida, também denominada de ave-
nida Torquarto de Araújo.
DRENAGEM URBANA: gerenciamento das águas da chuva que flui no meio urbano .
EMENDA PARLAMENTAR: instrumento garantido aos senadores e deputados federais e em
relação ao orçamento da União.
ENTULHO: fragmentos provenientes do desperdício da construção civil, como restos de tijo-
lo, concreto, argamassa.
ESTADO DO AMAPÁ: localizado na região norte do Brasil. O estado foi criado em 1988.
ESTATUTO DA CIDADE: criado em 2001, estabeleceu normas para regular o uso da proprie-
dade urbana relacionando-as ao bem coletivo, à segurança, ao bem-estar da população e ao
equilíbrio ambiental (BRASIL, 2001).
ESTEIO: Usado na estrutura de edificações como pilares. Possui secção retangular, mais
grosso e longo que o tarugo (Marcos e Vitor).
ESTEIOTE: ver tarugo.
FALA COMUNIDADE: Um quadro televisivo que mostrava a história dos bairros da cidade.
Veja parte da transcrição e imagens referentes ao bairro do Congós na seção Mídia do Atlas.
FAVELA: 1. as favelas existem em diferentes tipologias arquitetônicas adaptadas às carac-
terísticas geográficas e físicas de cada lugar, sendo assim, considera as áreas de palafitas
como favelas (CARVALHO, 2015). 2. baixa condição socioeconômica, pouca estrutura física
das casas, exclusão social e violência; entretanto, “a história de ocupação e percepção das
populações em relação ao ambiente em que vivem são diferentes” (AGUIAR E SILVA, 2002,
p.174).
FILTRO DE AR: capacidade da vegetação em amenizar índices de poluição atmosférica .
FOSSA SÉPTICA: utilizada para tratamento de esgoto em domicílio.
FRECHAL: usado na estrutura de edificações como vigas ou na tesoura do telhado.
GATOS: rede de energia feita de forma informal.
HORTA: 1. Cultivo de legumes e hortaliças. 2. Quando a ressaca secava durante parte do
ano, as pessoas plantavam no chão (Rosana). 3 Quem possui horta na ressaca, o faz na
varanda de sua casa.
INVASÃO: 1. Ocupar terra alheia sem autorização (Mídia); 2. Os primeiros a ocuparem terra
alheia, sem compra e venda, sem documentação (Letícia). 3. Pegar um terreno (Marcelo); 4.
Começar a construir em terreno de ninguém (Carla, Maria)
LAGO: 1. Ressaca (GRUMBILF, 1960; Joaquim); 2. Alagado (Letícia).
LONA: material usado nas paredes da casa, logo quando Carla invadiu a ressaca.
MACACAÚBA: 1. Madeira usada na construção com boa durabilidade (Moradores);
MADEIRA BRUTA: 1. Madeira sem estar lixada, mais barata que a com acabamento. 2. Di-
176 Glossário de Actantes

ferente da “tábua normal”, que é comumente usada na construção (Carla).


MANILHA: 1. Bueiro (moradores da décima); 2. Canos usados para escoar esgoto e águas
(termo técnico na mídia e prefeitura)
MICROCLIMA: condições climáticas em área reduzida que difere de zona exterior.
MINIBOX: Pequeno mercado, comum na cidade de Macapá, nele o próprio dono atende
seus clientes. Vende um pouco de tudo.
NUMERAÇÃO DAS VIAS NO CONGÓS: Os moradores do bairro do Congós não se locali-
zam pelos nomes oficiais das avenidas, mas por numerações – da primeira até a vigésima
quarta avenida. O governo loteou a área, mas demorou a denominar as vias. Os próprios
moradores, então, o fizeram e é essa nomenclatura falada cotidianamente. Nesse âmbito, a
passarela por dar continuidade à via, também o faz ao seu nome.
OCUPAÇÃO INFORMAL: A utilização do termo ocupação informal no Brasil apresenta dis-
tintas e divergentes conotações, como terrenos que não possuem a posse formal da terra,
onde não são pagos impostos governamentais, os quais não estão ou estão de forma incom-
pleta em cadastros urbanos, que não seguem normas urbanísticas previstas ou estão sem
regula¬mentação pelo poder público (LOBOSCO, 2011). A denominação, carrega um valor
marginal, mas também remete ao ato de habitar, ocupar um espaço (idem).
OCUPAÇÃO NA RESSACA: a denominação enfatiza o ato de ocupar, estabelecer moradia.
PALAFITA: genericamente são construções em áreas alagadas.
PASSARELA: 1.A via construída em palafita que conecta às casas. 2. Em Macapá, também
é denominada de ponte. 3. Em Belém, é denominada de estiva.
PASSARELA PRINCIPAL: Passarela que dá continuidade à rua (Moradores e prefeitura).
PASSARELA PRIVADA: Passarela que conecta à casa (Prefeitura).
PLANO DE DESENVOLVIMENTO URBANO DA CIDADE DE MACAPÁ: Plano para orientar
o desenvolvimento urbano feito em 1973, feito pela Fundação João Pinheiro.
PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO URBANO E AMBIENTAL DE MACAPÁ (PDDU-
AM): datado de 2004, com lei complementar de 2011 modificando alguma de suas atribui-
ções, como o zoneamento.
PLANO URBANÍSTICO PARA MACAPÁ: realizado pela empresa GRUMBILF do Brasil, foi o
primeiro plano urbanístico da cidade de Macapá.
POÇO AMAZONAS: Poço raso, construído manualmente, capta o lençol freático, precisa de
bomba para puxar a água.
POÇO ARTESIANO: Poço profundo, construído com empresa, a água sobe devido a diferen-
ça de pressão, não necessitando bomba.
PONTE: sinônimo de passarela. É o nome mais utilizado pelos moradores em suas falas.
Porém, dependendo da entonação e frase, pode conotar negatividade (ver área de ponte).
PULMÃO VERDE: vegetações que purificam o ar.
PURAQUÉ: peixe elétrico. É visto com desdém pelos moradores, por lembrar uma cobra. Em
épocas de chuvas, quando a água enche, os moradores sentem medo em adentrar na água
e levarem choque.
RESERVATÓRIO DE ÁGUA SUBTERRÂNEA: podem a formação geológica definidos como:
aquíferos (possui capacidade de armazenar e transmitir a água, sendo a exploração rentável
economicamente), aquitardo (pode armazenar a água, mas não é rentável), aquicludo (pode
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 177

armazenar a água, mas esta não circula) ou aquífugo (impermeável, não armazena, nem
transmite a água).
RESSACA: designa um ecossistema típico do Amapá, que “constituem sistemas físicos flu¬-
viais colmatados, drenados por água doce e ligadas a um curso principal d’água, influencia¬-
dos fortemente pela pluviosidade e possuindo vegetação herbácea” (TAKYAMA, 2012, p.17).
RESSACA DO CONGÓS: Também denominada por Ressaca do Beirol. Situa-se a sudoeste
da capital e está incorporada à Bacia do Igarapé da Fortaleza. Sua área abrange 1.854.750m².
A ressaca se estende em cinco bairros, a saber, Congós, Muca, Universidade, Jardim Marco
Zero e Buritizal (MAPA 2).
RIBEIRINHO: 1. “... a população constituinte que possui um modo de vida peculiar que a dis¬-
tingue das demais populações do meio rural ou urbano, que possui sua cosmovisão marcada
pela presença do rio. Para estas populações, o rio não é apenas um elemento do cenário ou
paisagem, mas algo constitutivo do modo de ser e viver do homem” (SILVA e SOUZA FILHO,
2002, p. 27). 2. Vivem “[...] em agrupamentos comunitários com várias famílias, localizados,
como o próprio termo sugere, ao longo dos rios e seus tributários” (CHAVES, 2001, p. 78).
RIO AMAZONAS: Localiza-se na América do Sul. É um dos maiores rios do mundo. Em sua
foz, encontra-se a cidade de Macapá.
SEMENTE DE AÇAÍ: natural do norte do Brasil, o açaí é uma fruta típica da palmeira açaizei-
ro. Seu fruto é uma semente de cor roxa, semelhante a jabuticaba. É um importante alimento
no norte do país, consumido como suco ou pirão (onde adicionam farinha de mandioca).
SERRADAL: Vegetação que havia na ressaca (Maria).
TÁBUA: 1. Madeira usada “normalmente” nas paredes e assoalhos das casas (Carla). 2.
Usadas para construir a passagem da passarela.
TARUGO: 1. Comprimento de 2,30 a 2,5m. difícil de encontrar com 3m. Muito usado na es-
trutura para fincar casa e passarela. O tarugo desce mais no solo pois é mais fino, já o esteio
precisa fazer uma ponta e bater até onde vai, até o solo ficar duro; 2. “O tarugo é menor
que o esteio”, mais fino, mais barato, é o apoio que fica ao lado. Vende no Canal das Pedri-
nhas. (MARCOS); 3. Possui secção redonda. Na construção, “o esteio vai segurar uma parte
maior, os tarugo vem pra fazer o apoio para não deixar que o frechal arrie” (VÍTOR).
TERRITÓRIO DO AMAPÁ: o Amapá fazia parte do estado do Pará, em 1943 foi desmembra-
do e tornou-se território Federal pelo Decreto-lei n. 5.812. Permaneceu nessa condição até
1988, quando foi transformado em Estado.
VALA: Escavação linear, no caso das áreas aterradas, os moradores a fazem para escoa-
mento das águas pluviais, pode ser de cimento ou madeira.
ZONEAMENTO ECOLÓGICO ECONÔMICO URBANO DE MACAPÁ E SANTANA (ZEEU):
produzido em 2012, com objetivo de mapear e zonear as ocupações nas ressacas de ambas
as cidades e definir proibições, cenários desejados, práticas toleradas e incentivos (TAKYA-
MA et al., 2012).
178 Mapa mental

Mapa mental
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 179

Mapa mental 1 - Conceito de espaço situacional de Lussault


Fonte: a autora, 2018.
Mapa mental

Mapa mental 2 - Cartografia das controvérsias de Latour


Fonte: a autora, 2018.
180
Volume 2 | Cartografia das controvérisas

Mapa mental 3 - Como rastreamos o social


Fonte: a autora, 2018.
181
182 Mapa e projeto vinculado

Mapa e projeto vinculado


Volume 2 | Cartografia das controvérisas 183

Guiana
Francesa

nas
azo
Am
Rio

Pará
N

Legenda Áreas de ressaca Perímetro urbano


Eixos de estruturação urbana
Rodovia

Mapa 1  –  Localização das ressacas de Macapá


Fonte: a autora, 2017.
184 Mapa e projeto vinculado

Mapa 2  –  Ressaca do Congós


Obs.: Em vermelho: décima passarela
Fonte: a autora, 2017.

Mapa 3  –  Entrevistas informais realizadas durante à aproximação prévia


Fonte: a autora, 2017.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 185

Mapa 4  –  Denominações das ressacas localizadas nas cidades de Macapá e Santana


Fonte: SEMA, 2007.
186 Mapa e projeto vinculado

Legenda

Mapa 5  –  Evolução urbana da cidade de Macapá e localizaçao do Igarapé do Elesbão


Obs.: Em 1 temos a localização do centro, onde se deu o início da ocupação da cidade. Em 2 localiza-se a Fortaleza de
São José de Macapá, construídas pelos portugueses no século XVIII para protejer a foz do rio Amazonas.
Fonte: Fundação João Pinheiro (1973).
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 187

Centro

Legenda

Mapa 6  –  Proposta de Zoneamento e principais vias pela Fundação João Pinheiro


Fonte: Editado de Fundação João Pinheiro (1973).
188 Mapa e projeto vinculado

Mapa 7  –  Proposta de sistema viário


Fonte: Editado de Fundação João Pinheiro (1973).
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 189

Lagoa dos índios

Congós

Buritizal

Pedrinhas

Elesbão

Mapa 8  –  Áreas destinadas à habitação


Fonte: editado de H.J. COLE, 1979.
190 Mapa e projeto vinculado

Mapa 9  –  Localização de HIS e sua articulações entre o governo ou a prefeitura


Fonte: Carvalho (2015).
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 191

Mapa 10  –  Detalhe do mapa do plano diretor


Obs.: o mapa 13 corresponde ao completo.
Fonte: PDDUAM, 2004.

Mapa 11  –  Detalhe mapa ZEEU


Obs.: o mapa 14 corresponde ao completo.
Fonte: ZEEU, 2012.

Mapa 12  –  Detalhe do mapa usado na SECSUB


Obs.: o mapa 23 corresponde ao completo.
Fonte: SECSUB, 2017.
Base cartográfica: CEA, 2006. Editado pela PLANURB.
Mapa e projeto vinculado
Mapa 13  –  Área de Interesse Social 1 pelo PDDUAM
Fonte: PDDUAM, 2009.
192
Volume 2 | Cartografia das controvérisas

Mapa 14  –  Zoneamento na ressaca do Congós


Fonte: ZEEU, 2012
193
194 Mapa e projeto vinculado

Mapa 15  –  Equipamentos comunitários


Fonte: a autora, 2018.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 195

Mapa 16  –  Evolução urbana e ocupação das ressacas


Fonte: SILVA, 2016.
196 Mapa e projeto vinculado

Início da
ocupação

Burit
Novo B
uritizal

Congós
Muca

Início da
ocupação

Univers
idade Jardim
Marco
Zero
Mapa 17  –  Sentido do início da ocupação na décima passarela
Fonte: a autora, 2018.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 197

Mapa 18  –  Cidade ou estado natal dos entrevistados


Fonte: a autora, 2018.
198 Mapa e projeto vinculado

Mapa 19  –  Imagem da ocupação em 2003


Fonte: Google Earth, 2003.

Mapa 20  –  Imagem da ocupação em 2014


Fonte: Exército, 2014.

Mapa 21  –  Imagem da ocupação em 2016


Fonte: Google Earth, 2016.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 199

Beco final da 10ª passarela


Beco 1
Beco 2
Passagem pelo terreno do
vizinho

Beco 1
Beco 2 Beco final
Passagem
da décima

Mapa 22  –  Transformações em becos e passagens


Fonte: a autora, 2018.
200 Mapa e projeto vinculado

Mapa 23  –  Passarelas construídas pela Emenda Parlamentar


Fonte: projeto arquitetônico das passarelas, editado pela autora.
Base cartográfica: Mapa CEA, 2006, editada pela PLANURB e editada pela autora.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 201

Mapa 24  –  Planta baixa e cortes da passarela


Fonte: SECSUB, 2017. Editado pela autora, 2018.

Mapa 25  –  Etapa construtiva de uma passarela de madeira


Fonte: a autora, 2018.
202 Linha do tempo

Linha do tempo
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 203
1930 1960 1970 1980 1990 2000 2010

Decreto nº 23.793/34 Decreto nº 4.771/65 Lei nº 6838/81 Lei nº 9.433/97 Decreto nº 9984/00 Lei nº 12.651/2002

Código florestal Novo Política Nacional de Política Nacional Implementação Novo código
código florestal Meio Ambiente de recursos hídricos da PNRH florestal
Esfera Federal

`Decreto nº 24.643/34 Lei nº 6.776/79 Constituição 1988 Lei nº 9.605/98 Decreto nº 3.179/99
Parcelamento do Constituição Lei de crimes Especifica a lei de
Código de águas
solo Federal ambientais crimes ambientais

Decreto nº 0304/91
Regulamentou a
criação da
CEMA

Lei nº 0267/96 Lei nº 0682/02


Constituição 1991
Constituição Pólítica estadual de
Criou a SEMA
Estadual Gerenciamento dos
Recursos Hídricos
Esfera Estadual

Criação do Estado
do Amapá

Lei nº 005/94 Lei nº 0455/99 Lei nº 0835/04


Código de proteção Tombamento das Dispõe sobre ocupa-
ao meio ambiente áreas de ressaca ção urbana, uso
econômico e gestão
ambiental e que
promove o ZEEU

Lei nº 1054/00 L.C. nº 033/05, art. 29


Lixeiras coletivas nas Dispões sobre estru-
entradas das ressacas tura administrativa
SEMAM
Esfera Municipal

Criação do Estado
do Amapá

Lei nº 948/98 Lei complementar ZEEU 2012


Lei ambiental do nº 026/04 Zoneamento Ecoló-
Município de Plano diretor gico Econômico
Macapá Urbano das Áreas de
Ressaca de Macapá
e Santana
Lei complementar
nº 029/04
Uso e ocupação do
solo

Lei complementar
nº 030/04
Parcelamento
do solo

Linha do tempo 1 - Legislações aplicadas às ressacas


Fonte: a autora, 2018.
204 Linha do tempo

Linha do tempo 2 - Discurso contido em legislação e lanos diretores


sobre às ressacas
Fonte: a autora, 2018.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 205
206 Fotografia

Fotografias
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 207

Fotografia 1 - Ocupação em área de ressaca


Fonte: a autora, 2017.

Rio Amazonas

Sétima Avenida
ou Av. Bem-Hur Corrêa
Alves

Décima Avenida
ou Av. Fernando Tor-
quarto de Araújo
Fotografia 2 - Foto aérea da ressaca do Congós
Fonte: Leonel Albuquerque, 2018.
208 Fotografia

Fotografia 3 - Foto aérea da


ressaca Lagoa dos Índios
Fonte: Batalhão ambiental, 2010.

Buriti

Aninga

Fotografia 4 - Vegetação da
Lagoa dos Índios
Fonte: Maksuel Martins, 2018.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 209

Fotografia 5 - Passarela principal


Fonte: a autora, 2016.

Fotografia 6 - Braço da passarela principal


e igreja em vermelho
Fonte: a autora, 2016.

Fotografia 7 - Passarela “privada”


Fonte: a autora, 2018.

6
7 5 Passarela principal
Braço
Beco
Passarela privada
210 Fotografia

Fotografia 8 - Delimitando lote: garrafa Fotografia 9 - Delimitando lote: portão


Fonte: a autora, 2016. Fonte: a autora, 2018.

Fotografia 10 - Delimitando lote: ma-


deira
Fonte: a autora, 2018.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 211

Fotografia 11 - Área de transição


Fonte: a autora, 2018.

Fotografia 12 - Cabeça da ponte


Fonte: a autora, 2018.
212 Fotografia

Fotografia 13 - Prevenir degradação: ma-


deiras salientes
Fonte: a autora, 2018.

Fotografia 14 - Manutenção: colocar ma-


deiras em cima de outras
Fonte: a autora, 2018.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 213

Passarela feita pela prefeitura

Passarela feita por mutirão com a rifa

Fotografia 15 - Resquícios da passarela


Fonte: a autora, 2018.

Fotografia 16 - Destruir passarela


Fonte: a autora, 2018.
214 Fotografia

Fotografia 17 - Beco 1
Fonte: a autora, 2018.

Fotografia 18 - Beco 2 Fotografia 19 - Beco final da décima


Fonte: a autora, 2018. Fonte: a autora, 2017.

18
17
19
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 215

Fotografia 20 - Poste auto- Fotografia 21 - Incêndio no bairro do Beirol


construído Fonte: Diário do Amapá, 2017.
Fonte: a autora, 2017.
216 Fotografia

Fotografia 22 - Iluminação Fotografia 23 - Iluminação na décima avenida; ao


autoconstruída fundo, a passarela
Fonte: a autora, 2018. Fonte: a autora, 2018.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 217

Fotografia 24 - Canos
Fonte: a autora, 2018.

Fotografia 25 - Ligações de canos


Fonte: a autora, 2018.

Fotografia 26 - Canos
Fonte: a autora, 2018.
218 Fotografia

Fotografia 27 - Recolhimento do lixo


na vigésima passarela
Fonte: a autora, 2017.

Fotografia 28 - Lixo atrás das casas


Fonte: a autora, 2018.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 219

Fotografia 29 - Na frente, cimento, e


ao lado e atrás, água
Fonte: a autora, 2018.

Fotografia 30 - Aterro próximo à pas-


sarela
Fonte: a autora, 2018.

Fotografia 31 - Brincadeiras e águas


pluviais
Fonte: a autora, 2018.
220 Fotografia

Fotografia 32 - A manilha encontra-se


embaixo do beco
Fonte: a autora, 2018.

Fotografia 33 - O processo de amplia-


ção e elevação do assoalho
Fonte: a autora, 2017.

Fotografia 34 - Mesma casa, um ano


depois
Fonte: a autora, 2018.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 221

Fotografia 35 - CASP: capoeira.


Nessa época, a sede ainda era em
madeira
Fonte: Cartilha CASP, 2018

Fotografia 36 - CASP: fachada após


reforma
Fonte: Catilha CASP, 2018

CASP
222 Fotografia

Fotografia 37 - Vigésima passarela


antes da reforma pela prefeitura
Fonte: a autora, 2017.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 223

Fotografia 38 - Início da vigésima


após a reforma
Fonte: a autora, 2017.

Fotografia 39 - Gabarito
Fonte: a autora, 2017.
224 Diagrama ator-rede

Diagrama ator-rede
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 225

Resumo desta seção: as situações com suas respectivas ações

Início da ocupação informal

Invasão Inexistência de infraestrutura

Limpar terreno Viver sem luz em casa


Construir primeira casa Viver sem rede de energia elétrica
Construir passarela estreita Viver sem coleta de lixo dentro da ocupação
Caminhar Viver sem rede de água
Prefeitura: não fazer infraestrutura

Consolidação da ocupação informal

Práticas em torno da passarela Práticas em torno da passarela

Construção da passarela pela prefeitura Manter passarela


Construção pela prefeitura: madeira x concreto Refazer passarela
Evitar deterioração: proibir andar de moto Desfazer passarela privada
Evitar deterioração: diminuir velocidade de Ampliar passarela
motos

Práticas em torno dos becos Práticas em torno da rede de energia

Formação do beco final da 10ª passarela Construir rede de energia


Formação do beco 1 Ampliar rede de energia
Formação do beco 2 Fazer manutenção da rede de energia
Pegar fogo na rede de energia

Práticas em torno da rede de energia Práticas em torno das redes de água

Ter rede energia formal ou informal Construir rede de água


Tentar trocar postes e fiação Manter rede de água
Iluminação autoconstruída Usar redes da CAESA/autocontruída ou alter -
Iluminação feita pelo poder público nativa

Práticas em torno do lixo Práticas em torno de aterro

Prefeitura: recolher lixo Aterrar


Prefeitura: não recolher lixo Desfazer passarela
Jogar lixo na água x não jogar

Práticas em torno das cheias Lutas via instituição

Práticas em época de cheia e seca Fazer abaixo-assinado


Práticas em épocas de transbordamento das Ir na secretaria
águas Ir na mídia

ONG’s e Associação e bairro Construção de passarelas por Emendar


Parlamentar

CASP Etapa projetual


NRDC Etapa construção
Associação de bairro Após a construção
226 Diagrama ator-rede

Os diagramas foram feitos a partir do software Ghepi (versão 0.9.2.). Nele, os nós foram distribuí-
Compelo
dos o software Ghepi
algoritmo (versão
“Yifan 0.9.2) os nós foram
Hu proporcional”, distribuídos
pois “esse tipo de pelo algoritmo
distribuição “Yifan os
arruma Hunós,
proporcional”,
de modo
ele distribui os nós de forma homogênea, a partir da dimensão das arestas ou proximidade
homogêneo, a partir do tamanho das arestas ou proximidade de relações criando uma centralida- de
de de conexões”
relações formando(CECCO, BERNARDI,
uma centralidade 2015, p .8).
de conexões (CECCO, BERNARDI, 2015).

Sobre os diagramas:

A linha tracejada une as ações, o que não indica sequência, mas apenas que estão inter-
conectadas;

Cada círculo (nó) representa uma actante (humano ou não-humano) ou uma situação.

A separação entre humanos, não-humanos e situação está representada por distintas cores.
Vale salientar que valores, conceitos, sentimentos e ideias também são não-humanos, mas
optamos por deixá-los com uma cor diferenciada para enfatiza-los.

Cada vértice (linha cinza) representa uma associação (vínculo) entre elementos.

Entre um diagrama e outro, existem nós com distintos tamanhos. Em nossa pesquisa, isso não
representa a intensidade de conexão dos actantes (quanto mais conectado, maior o nó), mas
apenas uma questão de escala e layout.

Deixo algumas indicações de leitura:

Grupo Grupos: agrupamentos de atores heterogêneos; no diagrama,


estão mais vinculados entre si do que em relação à rede como
um todo;

Conexão
entre grupos

Grupo

Sobre a forma dos diagramas, o formato circular indica que


todos os actantes, ou quase todos, estão conectados entre si;

Mais conectados
Sobre a disposição dos actantes, os nós tornam-se mais
próximos quanto mais conectados entre si, e quanto menos
conectados, mais distantes se tornam.

Menos conectado
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 227

Etapas da produção dos diagramas Ator-Rede

1 Acessibilidade 2
Trabalhadores
Passarela
Produção de renda
Morador
Acessibilidade
Mídia
...

1 - Lista dos atores 2 - Relações entre atores no excel

No software GEPHI, na aba


‘Laboratório de Dados’:
3 4
3 - Importação da planilha e
seleção de tipo de grafo ‘não
dirigido’ (significa que será
representado por uma linha e
não por uma seta);
4 - Criação de coluna de
categorias (humanos, não-
humanos e valores), isso
também pode ser feito no excel.

No GEPHI, na aba ‘Visão Geral’:

5 - Em distribuição: escolha do
6 algoritmo Yifan Hu proporcial
6 - Em aparência: edição de
cores e dimensões
5

No GEPHI, na aba ‘Visualização’:

7 7 - Em configurações de
visualização: ajustes para
exportação.
8 - Atualização para visualização
e, em seguida, utilização do
botão exportação PDF.

8
228 Diagrama ator-rede

Início
Iníciodadaocupação:
ocupação: invadir
invadir

Limpar terreno

Abrir espaço
Tudo era lago

Fogo

Serradal
Construir passarela
Invadir

Morador Água Acesso

Lago
Mato verde Rua Comércio de madeira

Construir primeira casa Passarela já existente Ferramentas

Vendedor Bandola Parentes Madeira bruta

Terreno delimitado Casa existentes Morador

Recurso financeiro Casa própria

Caminhar

Morador Casinha

Risco de cair Acesso

Madeira bruta Água

Lona Ferramentas
Passarela estreita Tarugo

Morador Cuidado

Duas tábuas

Diagrama ator-rede 1 - Invadir


Fonte: a autora, 2018.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 229

Início da ocupação:
Início inexistência
da ocupação: inexistênciadedeinfraestrutura
infraestrutura

Viver sem luz em casa

Velas Escuridão

Não ter eletrodoméstico Lamparina


Viver sem rede de energia elétrica
Grupos:
Casas com energia
x
Casas sem energia
Morador Casa com energia
Vizinhos

Casa sem energia


Mantimentos
Viver sem coleta de lixo dentro da ocupação Terra firme

Eletrodomésticos
Água Coleta

Morador
Solidariedade

Terra firme Lixo


Viver sem rede de água
Grupos:
Poço grátis
Bomba
x
Poço pago
Prefeitura Morador

Balde
Custo
Rua

Poço
Prefeitura: não fazer infraestrutura Água

Passarela
Grupos: Casas Lote
Área de proteção Necessidade
Grátis
x Moradores
Ocupação informal Ocupação informal Vizinhos Solidariedade

Ressaca

Proteção

Legislação

Federal

Estado recém criado


Valores, ideias,
Legenda

Não-humanos
Diagrama ator-rede 2 - Viver sem infraestrutura Humanos conceitos
Fonte: a autora, 2018. Situação Associação
230 Diagrama ator-rede

Consolidação da ocupação: práticas em torno da passarela

Construção pela prefeitura

Antiga
Técnicos passarela
Secretarias Custo

Remuneração Eleição

Prefeitura Ferramentas

Construção pela prefeitura: madeira x concreto


Placa IBAMA Ocupação informal

Mão-de-obra Material

Medição
técnicos Temporário
Mutirão
Moradores
Orçamento menor
Biodegradável
Maior metragem

Eleições
Madeira

Evitar deterioração: Proibir andar de moto


Grupos:
Moradores com
moto
x
Moradores sem
moto Passarela

Modo errado de andar


Tábuas danificadas

Moradores Moradores com moto


sem moto Emenda parlamentar
Acessibildiade
Parlamentar
Moradores
Concreto
Impacto ao meio ambiente
Passarela
Técnico SEMAM
Moto Durabilidade
Orçamento elevado
Modo correto de andar Menor metragem Permanente

Legitimação
Técnicos
Ocupação
Evitar deterioração: diminuir velocidade de motos
Grupos:
Moradores com
moto Barreiras físicas Madeira
x
Moradores sem
moto

Velocidade Modo errado de andar


Moto
Moradores sem moto

Moradores com moto Passarela

Diagrama ator-rede 3 - Práticas em torno da passarela


Fonte: a autora, 2018.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 231

Consolidação da ocupação: práticas em torno da passarela

Manutenção da passarela
Materiais Acessibilidade

Passarela Descrédito ao
deteriorada poder público

Água Conhecimento

Custo Obrigação Refazer passarela

Conscientização Acessibilidade
Rifa comunitária
Moradores
com moto Moradores
sem moto Planejamento Apoiadores

Passarela precária Custo

Desfazer passarela privada Mutirão Ferramentas

Moradores Festa
Lanche

Passarela "privada" Casa reformada

Ampliar passarela

Novo acesso Morador Água Acessibilidade

Valores Espaço disponível

Passarela Moradores

Necessidades

Valores, ideias,
Legenda

Não-humanos
Diagrama ator-rede 4 - Práticas em torno da passarela Humanos conceitos
Fonte: a autora, 2018. Situação Associação
232 Diagrama ator-rede

Consolidação da ocupação: práticas em torno de becos

Beco final da 10ª passarela


Grupos:
Morador da frente
x
Moradores da
passarela

Aumentar terreno

Ter outro acesso


Novo morador da frente Beco 1
Muro Décima avenida
Grupos:
Moradores da frente
x
Polícia Moradores da passarela Eletrodoméstico Moradores de trás
Acesso
Passarela

Passagem
Moradores detrás
Passagem
Av. Netuno Acesso

Casa Moradores da frente

Beco 2

Acesso Morador da frente Ampliar casa

Muro na casa de Joaquim


Morador detrás

Passagem Ausência de muro em uma casa

Diagrama ator-rede 5 - Práticas em torno dos becos


Fonte: a autora, 2018.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 233

Consolidação da ocupação: práticas em torno da rede de energia

Construir rede

Água
Necessidade

Poste da CEA já existente

Fios
Ampliar rede
Eletrodomésticos

Necessidade
Moradores Poste de energia
Poste
Eletrodoméstico

Casa nova

Desejo
Fazer manutenção da rede
Queda de energia
Poste velho
Fio velho
Moradores
Rede pré-existente

Fios novos

Queima de eletrodoméstico
Não deixar pegar fogo

Fiação baixa
Vento forte
Homens
Funcionalidade
Casa

Vizinhos unidos

Água

Madeira
Medo

Moradores Fogo

Diagrama ator-rede 6 - Práticas em torno da rede de Valores, ideias,


Legenda

Não-humanos
energia Humanos conceitos
Fonte: a autora, 2018. Situação Associação
234 Diagrama ator-rede

Consolidação da ocupação: práticas em torno da rede de energia

Fazer rede formal ou informal


Grupos: Fios velhos Rede
Rede informal autoconstruída

x
Risco de
Rede formal De graça pegar fogo

10ª passarela

Moradores

Tentar trocar postes e fiação


Custo
Grupos: final da
Moradores que Autorização 10ª passarela
Fiação
almejam trocar
CEA
x 11ª passarela
Moradores que Energia de qualidade
não almejam Postes novos
11ª passarela Postes velhos
Poucos moradores
Rede CEA
Organização

moradores
Custo

Qualidade
Poste bonito

Maioria dos moradores

Autoconstruir iluminação
Elevado custo

Desinteresse
Refletor
poste
Dever da CEA
Segurança

Morador

Prefeitura: colocar iluminação

Luz Líderes comunitários


Lâmpada
Rua
Cabeça da ponte

Refletor
Poste

Prefeitura

Diagrama ator-rede 7 - Práticas em torno da rede de energia e iluminação


Fonte: a autora, 2018.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 235

Consolidação da ocupação: práticas em torno das redes de água

Construir rede

Moradores

Caixa de água

Necessidades

Manter

Cano Cabeça de ponte Terra

Rede pré-existente

Cano quebrado
Carro
Usar redes alternativa e CAESA/autoconstruída
Grupos:
Rede alternativa
x
Rede Necessidades
Moradores
CAESA/autoconstruída

Morador
Bom serviço

Terra firme Poço


Bomba
Custo mensal
Rede alternativa
Fornecedor

Água
Caixa de água

Rede CAESA/autoconstruída
Pouca vazão

Canos Sem custo mensal


Dificuldades
Moradores

Diagrama ator-rede 8 - Práticas em torno das redes de Valores, ideias,


Legenda

Não-humanos
água Humanos conceitos
Fonte: a autora, 2018. Situação Associação
236 Diagrama ator-rede

Consolidação da ocupação: práticas em torno do lixo

Recolher lixo
Grupos:
Moradores
e Moradores
Agente de saúde Local para pendurar lixo
pública

Passarela principal
Lixo

Não recolher lixo


Grupos:
Agente de saúde pública Cabeça da ponte
Cabeça da ponte Carrinho Carro do lixo
Agente de saúde pública e
Lixo
Beco e passarela
Rua
precária
Rua Cabeça da ponte

Carro do lixo
Morador

Jogar lixo na água


Beco Passarela precária
Grupos:
Problema
Ribeirinhos
x Lixo
Produtos manufaturados
Moradores de Impossibildiade de passagem
áreas de ressaca Desastre ecológico
Cidade
Moradores de áreas
de ressaca
Carrinho

Risco de doença

Ribeirinhos Moradores Alagado


Produtos orgânicos
Rio
Lixo Animais
Objetos Zonas rurais
descartados
Peixes

Inundação Casa

Minimizar a poluição
Grupos:
Insetos Contato com a água
Moradores com
mutirão;
Instituições com Doenças Dejetos
educação ambiental
SEMA
Cartilha
SEMUR
Universidade
Moradores Educação ambiental
Mutirão
Leonardo
Capinagem
Lixo ZEEU
Limpeza

Terreno Morador
delimitado

Diagrama ator-rede 9 - Práticas em torno do lixo


Fonte: a autora, 2018.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 237

Consolidação da ocupação: práticas em torno do aterro

Aterrar

Rua Querer
terra firme

Morador Caçamba Entulho

Destruir passarela
Passarela
Aterro

Morador

Aterro

Rua

Morador que denuncia

Fiscalização
Ponte velha
Cabeça de ponte

SEMAM
Legislação

Proteção ambiental

Valores, ideias,
Legenda

Não-humanos
Diagrama ator-rede 10 - Práticas em torno do aterro Humanos conceitos
Fonte: a autora, 2018. Situação Associação
238 Diagrama ator-rede

Consolidação da ocupação: práticas em torno das cheias

Práticas em épocas de cheia e seca


Grupos:
Secas
x
Cheias Esportes
Lote
Área de lazer
Terra
Moradores
Horta

Seca
Práticas em torno do transbordamento das águas
Grupos:
morador Antrópico
Manilha
Lixo
x
Natural

Impermeabilização
Aterro
Ressaca Alagamento
Solo ZEEU

Cheia Cheias

Quintal
Aterro
Bananeira
Água
Varanda
Morador
morador

horta
Inundação

Palafitas
Impossível
Moradores
Natural resolver

Lago Normal
Casas baixas

Diagrama ator-rede 11 - Práticas em torno das cheias


Fonte: a autora, 2018.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 239

Consolidação da ocupação: lutas via instituição

Fazer abaixo assinado

Projeto/recurso
Moradores

Abaixo-assinado

Secsub
Morador organizador Ir na secretaria

Alguma secretaria
Informação
Melhoria

Morador
Ir na mídia Secretaria Passarela

Passarela
Burocracia

Repórter
Moradores
Matéria de jornal
Espectadores

Valores, ideias,
Legenda

Não-humanos
Diagrama ator-rede 12 - Lutas via instituição Humanos conceitos
Fonte: a autora, 2018. Situação Associação
240 Diagrama ator-rede

Consolidação da ocupação: ONG’s e associação de moradores

Práticas
CASPdo CASP

Moradora beneficiada
Mutirão Passarela
Habitação

Materiais
infraestrutura
Parlamentar

Rua

Moradores
Diretoria
Reunião

Whatsapp Atividades culturais

CASP

Crianças

Espiritualização
Pastoral da criança

Solidariedade
Saúde

Diretora

Horto

Infraestruturas e serviços
Escola
NRDC
Secretarias

Bairro reunião

Associação de bairro

Situações que constam no


diagrama
à diretora ao CASP

●Atividades culturais;
Mais relacionado:

●Construção de habitação
●Reunião no CASP
●Atividades de sáude
Valores, ideias,
Legenda

Não-humanos ●Espiritualização
Humanos conceitos
●Horto na escola
Situação Associação
●Reunião em secretaria
Diagrama ator-rede 13 - CASP
Fonte: a autora, 2018.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 241

Consolidação da ocupação: ONG’s e associação de moradores

NRDC
Práticas do NRDC

Mídia

Associação de bairro

Secretaria

Infraestruturas
Reunião e serviços

Líder

Poder público

Obras
Diretora do CASP
Rotary club

Fiscalização
Horta
Parlamentares
Necessidades

Escola Reuniões SEMED

NRDC SEMSA

Cursos
Moradores do bairro Assistência social e saúde
Faculdade

Farmácia
Doações eAtividades
mutirões culturais
SEMUR
Situações que constam no
diagrama
Congós100%paz
Criminalidade ●Atividades culturais;
●Construção de habitação
Parlamentar ●Reunião no CASP
●Atividades de sáude
Jornalista ●Espiritualização
Policia
●Horto na escola
●Reunião em secretaria

Práticas da Associação
Associação de bairro de bairro

Infraestrutura
Bairro NRDC
Parlamentares
Reunião
Moradores Serviços
CASP
Líder
Secretarias
Plenária
Escola

Associação de bairro

Situações que constam no


Festas diagrama
Mídia
Sede
●Plenária
●Reunião em secretaria
●Reclamações na mídia

Diagrama ator-rede 14 - NRDC e Associação dos Moradores


Fonte: a autora, 2018.
242 Diagrama ator-rede

Prefeitura Conseguir recurso


Contrapartida

Deputado

Emenda parlamentar
Calha-Norte Recurso

Passarela

Levantamento físico
das passarelas

SECSUB
Abaixo-assinado

Moradores
Falta de acessibilidade PLANURB
Técnicos da visita
Parâmetros técnicos
Passarela
Líder comunitário Ferramentas
Acessibilidade

Moradores com mobilidade reduzida

Projeto arquitetônico
das passarelas
Relatórios NBR
SEMPLA PLANURB Ferramentas Projeto Planilhas
desenho padrão
Técnicos
Projeto
Tempo
Madeira

Memorial Justificativo

Universidade

Qualidade de vida
Elevada quant. Moradores
Diagrama ator-rede 15 - Passarelas subsidiadas por emenda parlamentar: projeto
Fonte: a autora, 2018.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 243

Licenciamento ambiental

Projeto Ressaca consolidada


Infraestrutura
SEMAM
Licença ambiental

ZEEU
Ressaca PDDUAM lei n. 0835/04
em consolidação

Reassentar
Área de preservação

Legislação fed. Estad. Munic.

Aprovação Calha Norte

Aprovação
Calha Norte
SEMPLA

Valores, ideias,
Legenda

Não-humanos
Humanos conceitos
Situação Associação

Diagrama ator-rede 16 - Passarelas subsidiadas por emenda parlamentar: cnstrução


Fonte: a autora, 2018.
244 Diagrama ator-rede

Carro de mão
Construção das
passarelas
Trabalho

Morador/vendedor

FornecedorConstrutora

Orçamento

Ferramentas

Fiscal Passarelas Boa


Tempo acessibilidade
Comércio de drogas

Materiais
Projeto
Facilidade
Trabalhadores de policiamento

Líder comunitário
Moradores
Falta de
acessibilidade

Mídia

SECSUB
Lista das passarelas

Abaixo-assinado Whatsapp

Divulgação durante
a construção
Passarela
Trabalhadores

Morador
Mídia
Produção de renda

Acessibilidade

Parlamentares

Sites Cidadania
IBAMAMadeira apreendida Vídeo
Passarelas privadas

Poluição do meio ambiente


Lixo Whastapp

Líder comunitário
quintal
Moradores

Diagrama ator-rede 17 - Passarelas subsidiadas por emenda parlamentar: construção


Fonte: a autora, 2018.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 245

Após
Após aaconstrução
construção
das passarelas
das passarelas

Moto
MotoMoradoresManeiradecorreta
andar
Maneira correta
de andar
Moradores Cidadania
Cidadania Placa
Moradores
Placa
Parlamentar
Moradores
Passarelas não Falta de acessibilidade
construídas
Parlamentar
Passarelas construídas
Passarelas não Falta de acessibilidade
construídas
Passarelas construídas

Mídia

Morador
Acessibilidade Parlamentares
Mídia Produção de renda

Morador
Trabalhadores
Acessibilidade Parlamentares
Produção de renda

Trabalhadores

Valores, ideias,
Legenda

Não-humanos
Humanos conceitos
Situação Associação

Diagrama ator-rede 18 - Passarelas subsidiadas por emenda parlamentar: pós construção


Fonte: a autora, 2018.
246 Mídia

Mídia
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 247

Transcrição da primeira parte da matéria Fala Comunidade

O bairro foi criado na década de 1990, depois de ter parte da área invadida. Apesar de ser
cercado por áreas de ressacas (ocupadas irregularmente), o bairro tem boa infraestrutura:
com escolas, posto de saúde, arena poliesportiva, CIOSP (Centro Integrado de Operações em
Segurança Pública) e partes das avenidas asfaltadas.

O nome “Congós” faz referência ao antigo dono do lugar, Benedito Lino do Carmo, conhecido
popularmente como “Seu Congó”. Descendente de escravos, Seu Congó morou por muito
tempo no bairro, onde vivia da agricultura e criação de gado. Elísia Congó (neta legítima) reve-
la um pouco desta história: “Lá, o bairro hoje que é dos Congós, o nome dele era Araçás e fazia
divisa com a Fazendinha, aquela área todinha era do vô Congó e ele cedia para as pessoas
fazerem roça... e tinha a criação de gado”.

Quem também chegou no bairro para morar com a família foi Dona Marizete Santos. Ela lem-
bra como eram as coisas, antes das mudanças feitas, e vem acompanhando há 29 anos:” só
mato e só tinham duas casas. Aqui tinha a fazenda do Seu Alípio e a do Seu Moraes. Tinha
muita roça de mandioca, mucajazeiro e o campo, somente isso. Foram tendo as invasões,
criando caminhos e assim a direção das ruas.”

Nadison Siqueira, há 15 anos reside no bairro, e recorda das dificuldades de antes e apela
para que os trabalhos de melhorias, em todo o bairro, continuem: “Tinha muita dificuldade; ôni-
bus não entrava; a sétima avenida, ela não tinha asfalto; eram poucas avenidas com asfalto,
era só a principal. Hoje o bairro mudou muito, a maioria das avenidas já estão asfaltadas e

Mídia 1 - Imagens e transcrição do vídeo Fala Comunidade


Fonte: TV-AP em 7, 8 e 10/03/2012
248 Mídia

faltam ainda coisas para o Poder Público concluir no nosso bairro”.


Transcrição da segunda parte da matéria Fala Comunidade

Na sede da Associação do Bairro, os moradores se reúnem para falar dos problemas que são
muitos, mesmo com as mudanças já ocorridas em parte da infraestrutura do bairro.

Com a ocupação das áreas de ressacas existentes no bairro um dos maiores problemas en-
frentados são as passarelas. A maioria estão danificadas e precisando de reformas. Caminhar
pelas pontes se tornou perigo constante.

Para retirar parte das pessoas que moram nessas áreas o Governo do Estado em parceria
com o Governo Federal está construindo um conjunto habitacional para atender 392 famílias.
Enquanto a obra não é concluída e com as passarelas quebradas seu Aristeu, que é cadeiran-
te, tem que fazer um grande esforço para sair e entrar em casa. “Já fiz um abaixo assinado pra
fazer essa ponte aí... só fazem prometer e a minha situação aqui é muito precária como vocês
viram agora, pra mim sair todo dia os vizinhos me empurram, quando eu chego eles me tornam
a passar pelos buracos. Não tem condição, já fizemos umas duas matérias aqui e nada, só
promete que vem fazer as pontes e não vem fazer [...]” [relato de Aristeu].

“[...] O Bairro do Congós é cercado por passarelas e quase 40% da população mora na área de
ressaca e, como há muito tempo não houve reforma nestas passarelas, hoje os moradores têm
dificuldades de se deslocar para seus trabalhos, escola e tem dificuldades também para idosos
e cadeirantes. [...]” (Relato de Raimundo Nonato - Presidente da Associação de Moradores do
Bairro Congós)
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 249

Apesar das dificuldades vividas pelos moradores do Congós, o bairro abriga um importante
trabalho social desenvolvido com jovens. Se Nelson dos Anjos mantem uma academia de boxe
para tirar jovens da situação de risco social. “Eu não tinha dinheiro e resolvi fazer atrás da mi-
nha casa, daí comecei a resgatar os garotos da rua e botar para treinar. Aí o negócio foi dando
certo e até hoje taí o trabalho. Eu me sinto muito feliz porque trabalhando com essas crianças
dou oportunidades que muita gente não dá. Aqui falamos de disciplina [...] eles têm que entrar
nesse padrão aí de treinamento e de disciplina também” (Relato de Nelson dos Anjos).

O Bairro Congós tem suas dificuldades, peculiaridades e sua história. Histórias de gente sim-
ples, humildes, trabalhadoras... alimentando a esperança de dias melhores.

Transcrição do início da terceira parte da matéria Fala Comunidade

Como acontece todas as sextas-feiras reunimos moradores e autoridades para discutir sobre
alguns desses problemas. Graças ao quadro, diante de nossa câmera e dos moradores, o
governo do estado e a prefeitura de Macapá, assumiram o compromisso de trabalhar para
recuperar os 16 km de passarela.

Parte da transcrição disponível no site http://casteloroger.blogspot.com.


Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VeS3RXF5hfo
Mídia
Mídia 2 - Divulgação da inauguração do CASP
250 Fonte: A Gazeta, janeiro, 2016; fotografia: Carmem Duarte.
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 251

Mídia 3 - Imagens e transcrição do vídeo Fala Comunidade


Fonte: http://macapa.ap.gov.br/1498-área-de-ressaca-prefeitura-recupera-pontes-constru-
ídas-há-mais-de-20-anos?tmpl=component&print=1&layout=default&page=
252 Mídia

Mídia 4 - Segurança e mobilidade aos habitantes


Fonte: http://macapa.ap.gov.br/1341-novas-passarelas-ser%C3%A3o-entregues-%C3%A0-comunidade-nes-
te-fim-de-semana
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 253

Mídia 5 - Deveres dos moradores


Fonte: http://macapa.ap.gov.br/1773-em-visita-%C3%A0s-obras-de-passarelas-no-cong%C3%B3s,-prefeito-cl%-
C3%A9cio-anuncia-novos-recursos
254 Diagrama cosmos

Diagrama cosmos
Volume 2 | Cartografia das controvérisas 255

que o poder pú melhor


Sabem o que é
Pro

blico
ble
ma

ua

ção
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Diagrama Cosmos 1 - Práticas e pontos de vista


Fonte: a autora, 2018.

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