Município de São Paulo Zona Leste Vila Bela
CASAS DA SAÚDE
O espraiamento de ocupações nas
periferias de São Paulo é realidade do espaço
urbano como disputa pelo seu território, e,
consequentemente, geradora de desigualdades
socioespaciais. Desigualdades decorrentes
de processos também desiguais, regidos pelo
poder público e pela ação de agentes privados
pois sabe-se que, na história do Brasil urbano, a
propriedade e seu caráter patrimonialista tiveram
papel fundamental para instaurar tal desigualdade
(SCHWARCZ, 2019), à revelia da constituição
de vida cidadã capaz de buscar “o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantir o bem-estar de seus habitantes” definido
constitucionalmente nos artigos 182 e 183. O que
parece importante constatar é que esta situação
não se apresenta como ato excepcional, mas como
operação do dia a dia de quem pouco acesso tem
ao direito à vida. É, portanto, violência como regra
e elemento de articulação da própria configuração
do território.
A expulsão dos mais pobres para as
periferias, sendo estas “produto do processo pelo
qual os trabalhadores urbanizam eles mesmos a
cidade” (CALDEIRA, 2013, s/p) parece esclarecer
tal desigualdade. Essa realidade não é uma
exceção. Aqui falamos da regra. A mesma que nos
permite compreender que, se as pessoas não têm
onde morar, pensar em espaços coletivos é um
vislumbre. A igualdade urbana não depende apenas
da distribuição de renda, mas fundamentalmente
da distribuição de cidade, de políticas inclusivas
e de planejamento na busca de uma hipótese de
constituição do comum (DARDOT; LAVAL, 2017).
É preciso constituir a cidadania através de ações
capazes de transformar a cidade em espaço de
experiência política. Cabe destacar a relação
entre política e cidade em suas raízes. A palavra
política deriva do grego polis, cidade entendida
como agrupamento ordenado dos cidadãos livres e
diferentes, que se auto-organizam na política para
atuar no mundo.
Intertício urbano de vale
A escolha de um território frágil,
bruto e apartado de infraestrutura e direitos
mínimos de qualidade urbana propiciou outros
enfoques, representações e registros, na busca
de novos paradigmas não só de práticas sociais,
mas de memórias coletivas, no apontamento
para posicionamentos de resistência capazes de
costurar, também, novas relações com o espaço
construído e natural. Entre o bom senso, o senso
comum e o consenso reconhecido pela história, o
estudo proposto busca refletir sobre a problemática
da origem humana e sua relação intrínseca de
sociabilidade na luta incansável da constituição por
uma cidadania.
O trabalho tem como estudo de caso o
território conhecido como Vila Bela, assentamento
informal que surge como ocupação em meados
da década de 1990 em propriedade única privada,
situado próximo ao encontro das avenidas
Sapopemba - estruturadora da urbanização de
bairros próximos ao limite sudeste do município
de São Paulo- e Jacu-Pêssego -conectora de
importantes regiões da porção periférica leste
da região metropolitana de São Paulo-, na divisa
dos distritos de São Rafael e Iguatemi, Zona Leste
2. Tal área é constituída por aproximadamente
80ha, rasgada por dois corpos d’água marcantes
- os Córregos Caguaçu e dos Machados -, cuja
geomorfologia se baseia em duas zonas de vale e
uma cumeada central, com diferenças de altura que
alcançam 40 metros e geram índices acentuados
de declividade, de até 35%.
O diagnóstico de contextualização urbana da Vila
Bela é de desconexão e isolamento, fator que assola,
atualmente, cerca de 16 mil pessoas residentes no
bairro. Inseridos em uma região que, dentro do que
foi possível conquistar com muita luta pela classe
trabalhadora, aparentemente se encontra cada
vez mais bem servida de mobilidade - próximo
a grandes vias estruturadoras, além do Terminal
de Ônibus e, futuramente, o Monotrilho de São
Mateus -, o território se instala de forma apartada
a esses sistemas, prejudicado pela violência das
tentativas impulsivas e pífias de resolver o problema de
grandes massas. Isolamento também encontrado nas
infraestruturas básicas, sendo sentida nas condições
mínimas de saneamento básico, na carência absoluta
de equipamentos de educação, saúde e de lazer que,
por se tratar de área privada, não recebe nenhuma
infraaestutura pública. Temos uma situação atípica de
uma muralha de poucos equipamentos que margeiam
o bairro sem nunca conseguirem dar conta de suas
demandas reais. Faltam escolas e creches, espaços
públicos qualificados, postos de saúde, calçamento
mínimo acessível para deslocamentos, coleta de lixo e
a água e esgoto tratados. Luz pública chegou na área
no final de 2016, água encanada em 2010. Conquista
esta conseguida depois de enorme pressão popular por
conta de morte por leptospirose da líder comunitária da
Vila Bela.
O projeto Casas da Saúde busca a inversão de
paradigmas através da procura da conexão do eu com o
mundo - relação que transcende o atributo e a atribuição,
na luta pela defesa da vida - por meio de programa de
acerto essencial de contas, desenhado com a finitude da
matéria cotidiana encontrada ao seu redor. Como ação
no mundo, o projeto busca a dualidade da precariedade
da subsistência subvertida em contra-proposta para
uma outra (e possível) espacialidade. É, portanto,
artifício e artefato em trânsito constante. Arte-facto do
lugar feito por quem dali é, a partir da ideia efetiva do
valor da produção da construção coletiva, atributo do
que é e do que faz cultura, como artifício - arte-ofício -
do pensamento humano.
CALDEIRA, Teresa. A cidade, as periferias e o direito de circular.
Palestra realizada na FAU USP, em agosto de 2013, na AUH – Encontros.
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade de São Paulo. São
Paulo. Disponível em: <http://intermeios.fau.usp.br/midia/79225504>.
Acesso em: 09 jun. 2018.
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. Comum: ensaio sobre a revolução no
século XXI. São Paulo: Boitempo editorial. 2017.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre o Autoritarismo Brasileiro. São Paulo:
Companhia das Letras, 2019.
01/08
interstício existente
Córrego Caguaçú
Córrego dos Machados
fluxo existente de pedestres
Equipamentos de saúde localizados
dentro do território urbano analisado:
Unidades Básicas de
Saúde existentes e área de
abrangência
Unidade Básica de Sáude da
Mulher proposta e área de
abrangência
Remanescentes de Mata
Atlântica e mata ciliar dos rios e
córregos existentes.
Localizadas 25 metros abaixo
da linha de cume, estão as duas
linhas de vale, a 745 metros em
relação ao nível do mar. Nelas,
são marcantes os dois cursos
d’água principais: o Córrego dos
Machados, localizado à nordeste,
e o Córrego Caguaçú,
à sudoeste, ambos afluente do
Rio Aricanduva.
Localizada na bacia hidrográfica
do Rio Aricanduva, afluente do
Rio Tietê e uma das principais
bacias urbanas da cidade de São
Paulo, a Vila Bela tem seu ter-
ritório marcado por três linhas
geomorfológicas estruturadoras:
duas inhas de vale e uma linha
de cumeada. É a partir dessas
duas linhas que o espaço é ocu-
pado.
INSTERCTÍCIO DE VALE PARA
DESENVOLVIMENTO DO PROJETO
interfaces existentes praças, parques e pátios a partir de interstícios e interfaces
conexões propostas
existentes
A hipótese de redefinição de vazios
residuais como espaços públicos de uso coletivo, da
escala da vizinhança, reconhece e garante os vazios
como espaços livres que, ao serem qualificados,
podem configurar microssistemas de infraestrutura
- cisternas coletivas, tratamentos alternativos
de esgoto, bebedouros públicos, banheiros,
cozinhas e lavanderias também coletivas e outros,
consolidando-os como instrumento de garantia e
legitimidade dos espaços públicos.
A rua é elegida como elemento articulador
da interação social e da noção de comum, lugar de
instrumento de luta e legitimidade de mudança,
dentro de um contexto de relações híbridas. A
Vias existentes rua passa a não ser só caminho, mas lugar de
(não asfaltadas) sociabilidade com interfaces ambientais, uma
vez que a compreensão de abrigo e de comum se
expandem e se interconectam, ao mesmo tempo que
Vias informais formadas a noção de casa. Assim, a cidade se transforma em
pelo constante fluxo de grande lugar para circuitos de afeto (SAFATLE, 2016).
pedestres Para tanto ilumina e reconhece a água como força
motora para mudança urbana, como instrumento
que costura o céu em seu chão, por reflexo e reflexão,
na procura por um espaço contínuo que transborde
o seu bordo. A natureza da construção do lugar
levou à ancoragem do projeto nos restos de espaços
urbanos transformando suas sobras ali presentes
entre as construções existentes, respeitando e
interstício de vale e entorno aprendendo com seu território e com as pessoas sem
próximo perder de vista seus momentos e circunstâncias,
em eixo condutor de transformação, construindo
espaço público de vivência comum, como princípio
e ferramenta de poder emancipatório capaz de
contribuir para mudanças culturais, em contexto
onde cuidar do outro se faz necessariamente
presente. Surge daí o encontro com a beleza de
pátios, praças e parques que existem ainda somente
em desejos coletivos, para a proposição de rede de
espaços como símbolo de proteção, desenhados
com o desejo de que cada casa da história possa ser
um mundo para, como designo, servir de base para
lutas de vir a ser, à procura de um vislumbre de um
futuro melhor, justo, comum e público.
A partir desta tomada de decisão, o
projeto repara, no sentido do olhar atento para
os espaços de maneira não impositiva e redutora
frente às ações dos lugares, e procura se inserir em
processo participativo, partindo da aproximação
com lideranças políticas atuantes na Vila Bela
desde seu início. A evidência da contraposição
entre público x privado parte da premissa da Casa
Comum, entendendo programas domésticos como
infraestruturas públicas: banheiros, chuveiros,
cozinhas, lavanderias e varais coletivos.
proposta de implantação a partir de praças, parques
e pátios
Esse bairro, assim como toda periferia, se
caracteriza por áreas densamente construídas, cujos
entremeios são frestas, vazios remanescentes que
ainda não foram ocupados, muitas vezes por suas
elevadas declividades. Esses vazios são a chave para
a ressignificação das periferias através da criação de
uma rede de espaços comuns que podem se tornar
referencias locais, polos de cidadania, pontos de
encontro, cuidado e troca.
Três perguntas norteiam as tomadas
de decisão do trabalho: 1. como trabalhar as
oportunidades urbanas latentes do “espaço entre” e
como esse próprio vazio pode preencher as lacunas
do direito à saúde das comunidades da periferia?
2. como projetar, procurando um devir na busca da
constituição de cidadania, no meio tanta urgência
por sobrevivência? 3. é possível pensar a arquitetura
como instrumento de ação capaz de transformar
a cidade em espaço de experiência política ou,
ao menos, de discutir a cidadania, enquanto
transitoriedade permanente, como elemento de
apoio para sua revisão de direitos para todos?
A partir do desenho das interfaces
preexistentes e da proposta de caminhos de
encontro e troca onde paisagem, arquitetura e
meio ambiente trocam continuamente de lugar,
pequenas represas e edificações são desenhadas,
promovendo a criação de praças, pátios e parques
capazes de propiciar pontos de encontro a partir
de passarelas que conectam todo o projeto com seu
entorno imediato, fortalecendo as relações sociais
e identitárias do Bairro. É no estabelecimento da
ideia da experiência da rua, primeira instituição da
cidade, como espaço estratégico de contestação, luta
e conquista política festiva, por sua vocação para a
liberdade que o trabalho se ancora, na medida em
que amplifica e transforma as contradições sociais
a partir da vontade de festejar o espaço urbano
como abrigo coletivo, através da observação da vida
como atividade cotidiana, no desejo de pensar a
cidade como chamamento que incita a reflexão e a
ação, à procura de um mundo justo para todos, por
meio do pensamento dual entre ação e pensamento,
construção e desejo, constructo e desenho, prática e
teoria.
SAFATLE, Vladimir. O circuito dos afetos: Corpos políticos,
desamparo e o fim do indivíduo. São Paulo: Ed. Autêntica.
2016.
Vista
Vale do Córrego dos Machados
02/08
 IMPLANTAÇÃO

Implantação
Escala 1:500

Perspectiva Isométrica Perspectiva Isométrica 03/08

Casas de Consulta e Casa de Banho Lavanderia e Cozinha
 LEGENDA

1. Lavanderia
2. Depósito lavanderia
3. WC Lavanderia
4. Depósito Cozinha
5. Depósito área externa
6. Cozinha
7. Ateliê
8. Wetland

Vista 04/08
Cozinha e passarela Planta - Diagrama de Sombras para Solstício de Verão (10:00 - 18:00)
 LEGENDA
9. Banho 23. Consultório com sanitário anexo
10. Banho 24. Sala de observação/ procedimentos/ coleta
11. Banho 25. Sala de reunião/ atividades coletivas
12. Banho 26. Sala de recepção/ espera
13. WC 27. WC P.N.E.
14. Piscina ecológica 28. WC
15. Piscina ecológica (crianças) 29. Consultório odontológico
16. Piscina ecológica (crianças) 30. Expurgo 2
17. Vestiário 1 31. Almoxarifado
18. Vestiário 2 32. Depósito de resíduos comuns
19. WC Consultório 33. Depósito de resíduos contaminados
20. WC Consultório 34. Depósito de resíduos recicláveis
21. Copa
22. Administração

50

Vista - Casas de Consulta

Planta - Diagrama de Sombras para Solstício de Inverno (10:00- 18:00 horas)

05/08
 35. Consultório indiferenciado 44. WC
36. Consultório indiferenciado 45. WC P.N.E.
37. Sala de Vacinas 46. Depósito de Resíduos Comuns
38. Sala de curativos 47. Depósito de Resíduos Contaminados
39. Sala de inalação coletiva 48. Depósito de resíduos reclicláveis
40. Estocagem de medicamentos 49. Cisterna Cozinha
41. Sala de recepção e espera 50. Wetlands
42. Expurgo 1
43. Sala de esterelização e guarda de materiais
esterelizados

50

Vista - Casas de Consulta

Planta - Sistema de tratamento de águas

06/08
 01 02 03
A MÉTODO CONSTRUTIVO
C
PLACA DE MADEIRA OSB
D IMPERMEABILIZADA
B

Após a execução das fundações, inicia-se a estrutura
porticada, formada por um módulo mínimo estrutural
de 3,50x3,50m, composta por vigas (A) e pilares (B) de
madeira em sistema de encaixe.
04
O módulo mínimo é expandido de acordo com a necessidade
A cobertura transforma-se então no abrigo para o
de projeto, seguido pela execução da estrutura da cobertura:
canteiro de obra, permitindo a organização de materiais
caibros de dimensões 7x5cm (C) e chapas de madeira OSB
e a produção de placas cimentícias.
impermeabilizado (D).
CAIBROS 7X5CM
05 06

E G

Inicia-se a instalação de caibro para apoio às placas
cimentícias que compõe o piso (E). O piso elevado à
50cm do terreno permite a circulação de ar na parte
inferior do edificio, evitando infiltração e permitindo a
troca constante de temperatura.
VIGAS DE MADEIRA
(cada viga é composta
As divisórias, compostas por placas cimentícias (3,00x0,90x0,02m) Instala-se o piso externo formado por tábuas de 15x2cm por 2 vigas de 20x5cm)
e módulos de venezianas, são fixadas em caibros posicionados (G), que permitem o escoamento de água e e a ventilação
verticalmente entre as vigas e seguindo a modulação entre entre terreno e edificio. O escoamento também é feito
pilares, evitando recorte e perda de material. através de calhas metálicas (F) posicionadas nas vigas
entre piso interno e externo. FORRO EM PLACA DE
MADEIRA OSB

FECHAMENTO SUPERIOR
EM VENEZIANA DE
MADEIRA

VIGAS DE MADEIRA
(cada viga é composta
por 2 vigas de 20x5cm)

GUARDA-CORPO
(sarrafo Pinus 5x2cm)

A possibilidade de reformas e ampliações em
construções precárias no bairro vai de encontro à
outra forma de pensar, capaz de ajudar os espaços
de fragilidades sociais a se emanciparem. Para tanto,
propõe-se, no próprio espaço do projeto, a criação de
oficinas técnicas e de assessoramento de uma busca coletiva do
melhor viver espacial, pautada na educação e capacitação do
saber fazer. Os componentes propostos devem ser inseridos nas
demais construções da Vila Bela trazendo conformo espacial em
cada casa que assim precisar, tornando-se eles também agentes
transformadores, que retomam o espaço de direito
em direção a relações de solidariedade, justiça social
e compromisso cívico. Propõe-se assim uma nova BANCO EM CHAPA DE
perspectiva de cidade através de uma constelação de COMPENSADO NAVAL
espaços cidadãos que acolhem, produzem e trocam.

PLACA
CIMENTÍCIA
(300x90x2cm)

MÓDULO
PORTA
(80x280cm)

MÓDULO JANELA
CAMARÃO VENEZIANA
(90x280cm)
MÓDULO PORTA ALTO FLUXO
(165x280cm)
07/08
Vista Frontal - Módulo mínimo e expansão Vista Lateral - Módulo mínimo Vista Lateral - Módulo mínimo
 Corte Esquemático - Escadaria em Gabião Corte Esquemático - Sistema de tratamento de esgoto negro com tanque de
Escala 1:10 evapotranspiração
Escala 1:10

Corte Esquemático - Sistema de tratamento de água fluvial com piscina ecológica

Escala 1:10

Corte Parcial- Casa de Consulta II

Escala 1:25 Corte Esquemáico- Sistema de Tratamento de esgoto cinza com wetland.
Escala 1:25

Corte Perspectiva - Casa de Consulta I Corte Perspectiva - Casa de Consulta II

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