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Temas Básicos em Psicologia Ambiental

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Desenvolvimento sustentável

Ariane Kuhnen

Entendimento geral

Conciliando questões relacionadas à natureza e questões relativas à


sociedade, as quais, por muito tempo, foram consideradas completamente
independentes entre si, o conceito de desenvolvimento sustentável tem
servido como referência às políticas públicas em diversos setores. Ele prevê:
1) a promoção da proteção ambiental; 2) a adoção de uma visão mundial
(distribuição das riquezas entre os países mais e os menos desenvolvidos); 3)
a preocupação com o equilíbrio entre presente e futuro; 4) a busca de
integração entre diferentes componentes do desenvolvimento econômico; 5)
a afirmação do desenvolvimento sustentável como uma metacaracterística
inerente a qualquer projeto. Aliam-se a esta proposta uma forte carga de
mudanças no comportamento individual e social, bem como ações de gestão
e educação ambiental (sobretudo sensibilização para questões ambientais e
disponibilização de recursos que levem ao desenvolvimento de hábitos e
habilidades) direcionadas para se atingirem valores sociais compartilhados.

Evolução do conceito

A palavra “desenvolver” sugere significados como crescer, progredir,


adiantar, aumentar, melhorar ou tornar mais forte (SCHEIBE, 2004;
SCHEIBE; BUSS, 1993). Levada ao campo da economia, observa-se que se
alia à ideia de crescimento. Neste campo, entretanto, o desafio parece estar
em equilibrar crescimento econômico equitativo entre as nações e
conservação do meio ambiente — tarefa das mais difíceis para a humanidade.
Passo a passo, o conflito entre desenvolvimento, pobreza, meio ambiente e
paz transforma-se em evidência das dificuldades de convívio dos seres
humanos entre si e com a natureza.
Vieira (2005) afirma que “a harmonização das relações que os seres
humanos mantêm com a natureza e a luta obstinada pela pacificação das
relações entre os seres humanos constituem as duas faces de uma mesma
moeda” (p. 333). Sendo otimistas, podemos também repensar nossos modos
de vida e, assim, passar a vislumbrar o termo desenvolvimento como “a
elevação de todos os humanos sobre o plano de sua humanidade global,
incluindo as dimensões econômicas, biológicas, psicológicas, sociais,
culturais, ideológicas, espirituais, místicas e transcendentais” (GOULET, 1971:
207, apud WAAUB, 1991: 48).
Diante destas possibilidades, há os que apregoam a necessidade de uma
mudança paradigmática nos conceitos, seja pela via das catástrofes, seja a
partir da participação efetiva dos cidadãos no entendimento e solução dos
mais diversos processos que envolvem a crise planetária em que nos

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encontramos (CATTANI, 2003). Esta segunda visão ancora-se num projeto de


sociedade que se vincula a novos valores. “A essência desta orientação é mais
política que econômica; nela, desenvolver e crescer rimam com envolver e
melhorar, enquanto aumentar rima com sustentar”.

Foi tentando responder a estas questões que surgiu o conceito de


desenvolvimento sustentável. Dadas as inúmeras dificuldades de defini-lo,
Zaccai (2002) propõe uma definição operacional a partir da indicação de
cinco características que podem qualificar a noção: 1) promoção da proteção
ambiental; 2) visão mundial (distribuir as riquezas entre os países ricos e os
menos desenvolvidos); 3) preocupação com o equilíbrio entre presente e
futuro; 4) busca de integração entre diferentes componentes do
desenvolvimento; 5) afirmação da novidade do projeto de desenvolvimento
sustentável como uma meta, eliminando “externalidades negativas”
responsáveis pelo desgaste dos recursos naturais e pela degradação do meio
ambiente.
No prefácio ao livro de Zaccai (2002), Marc Mormont adverte que o
desenvolvimento sustentável (DS) é um conceito político que serve de
referência às políticas públicas. Mesmo sendo ambíguo, ele obriga a
humanidade a justificar sua forma de pensar e de agir Como tal, originou-se
do cruzamento de questões tidas como independentes — natureza e
sociedade. Vem sendo pensado como possibilidade de ultrapassar tal divisão,
aproximando noções como 1) local e planetário, 2) natureza como recurso e
natureza como sistema ou 3) tempo das necessidades imediatas e tempo das
necessidades das gerações futuras. Assim, o DS destaca a adoção de uma
perspectiva de longo prazo das consequências das ações atuais, de uma
cooperação mundial entre países na busca de soluções viáveis para os
problemas emergentes. Tais elementos colocam o DS com um objetivo-chave
na formulação de políticas nacionais e regionais e de relações internacionais
entre os países (GODARD, 1997).
Historicamente, o Clube de Roma, como ficou conhecida a reunião de
cientistas e industriais que buscou estudar a abrangência de tal problemática
mundial, editou pela primeira vez em 1972 um documento no qual se
expõem criticas ao modelo de desenvolvimento adotado pela sociedade que
pressupunha a infinitude dos recursos naturais e o desenvolvimento
científico-tecnológico como recurso mitigador. Indica a estabilidade do capital
e do crescimento da população como saídas equilibrantes — conhecido como
Relatório Meadows, Relatório do Clube de Roma ou, ainda, Limites do
Crescimento.

Ao mesmo tempo, o conceito de DS advém tanto do conceito de


ecodesenvolvimento quanto dos princípios colocados pelas estratégias
mundiais para a conservação, conduzidos por Maurice Strong na União
Internacional pela Conservação da Natureza (Uicn)! durante os anos 1980.
Apesar de indicar a utilização do meio ambiente e dos recursos naturais
dentro de uma visão mais física do que humana, pressupunha a estratégia do
desenvolvimento sustentável, tendo seus alicerces nos três princípios caros a
este conceito: o caráter limitado dos recursos naturais, a capacidade de
suporte dos ecossistemas e o respeito às gerações futuras.

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Caracterização

O Desenvolvimento Sustentável prevê limites territoriais para a economia,


ligados e dependentes de seus próprios recursos, assim como de uma
Planificação participativa e equilibrada entre papéis do mercado, do Estado e
da sociedade civil. Assim, as “estratégias de ecodesenvolvimento constituem,
em última instância, experimentações locais que traduzem objetivos globais”
(VIEIRA, 2005: 339).
Os princípios básicos do ecodesenvolvimento foram formulados por Ignacy
Sachs (1993), tendo como pressuposto a existência de cinco dimensões: 1) a
sustentabilidade social, 2) a sustentabilidade econômica, 3) a
sustentabilidade ecológica, 4) a sustentabilidade espacial e 5) a
sustentabilidade cultural.
O ecodesenvolvimento denomina-se desenvolvimento durável ou viável.
Algo muito próximo desta concepção de harmonização de objetivos sociais,
ambientais e econômicos esteve no centro das resoluções firmadas durante a
Cúpula da Terra, bem como da Agenda 21 que dela resultou por ocasião da
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano em 1992, no
Brasil.
Neste campo delinea-se a ideia de que, na sociedade atual, erguida sobre o
ideal do consumo, o que se tem é a insustentabilidade de tal modelo e,
portanto, autores vêm entendendo que a saída está em ampliar a noção de
sustentabilidade para além do desenvolvimento (BECKER et al., 1997).
Entretanto, não se pode perder de vista, como bem adverte Bell (2000), que a
preocupação com a proteção ambiental é um elemento da sustentabilidade,
mas não esgota seu significado. É um novo modelo que propõe um novo
paradigma para os processos decisórios dos setores públicos e privados e
também de nossa existência pessoal. O que o autor indica ser uma “mutação
cultural”, ideia que organiza em torno do que chamou de quatro
relacionamentos-chave: com a natureza, com o tempo, com os outros e com a
autoridade e o Estado.
Como enfatiza Pol (2002), o que se possa entender por sustentabilidade
implica uma forte carga de mudança de comportamento individual e social e,
portanto, requer conhecimento de processos sociais e psicossociais
envolvidos. Por esta razão, vem sendo emergente a inclusão desta temática
na agenda da Psicologia Ambiental. Em 1996, Gardner e Stern (apud POL,
2002) mostraram a importância dos valores e das crenças no comportamento
pró-ambiental. Além de desenvolver ações de gestão e educação ambiental
(sensibilização e disponibilização de recursos que levem ao desenvolvimento
de hábitos e habilidades), faz-se necessário referendar programas que visem à
promoção de mudanças de comportamentos (POL, 2002). Esta orientação
visualizada por Pol pode ser verificada em vários artigos publicados nos
periódicos da área e em alguns dos artigos do Handbook of Environmental
Psychology (BECHTEL; CHURCHMAN, 2002), assim como em obra dedicada
ao assunto editada por Schmuck e Schultz (2002).

Mais recentemente, temos a publicação em língua hispânica do livro


Psicologia de la sustentabilidade, de Corral- Verdugo (2010), que aborda as
dimensões psicológicas da sustentabilidade e indica a importância de se

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conhecerem os fatores cognitivos, emocionais e comportamentais que afetam


a conduta sustentável. Entre os determinantes situacionais de ações
sustentáveis, o autor ressalta os contextos físicos, o desenho dos ambientes e
os fatores normativos que promovem ou inibem a conduta pró-ambiental.

Referências

BECHTEL, R.B.; CHURCHMAN, A. (orgs.) (2002). Handbook of Environmental


Psychology. Nova York: Wiley.

BECKER, E. et al. (1997). Sustainability: A Cross-disciplinary Concept for Social


Transformations. Paris: Unesco/Institut fiir sozialÔkologische Forschung [Policy
Papers, n. 6).

BELL, D.VJ. (2000). A cultura da sustentabilidade. In: KRISCHKE, P Ecologia,


juventude e cultura política: a cultura da juventude, a democracia e a ecologia nos
países do Cone Sul. Florianópolis: EdUFSC, p. 27-58.

CATTANI, A.D. (2003). A outra economia. Porto Alegre: Veraz.

CORRAL-VERDUGO, V (2010). Psicologia de la sustentabilidad — Un analisis de lo que


nos hace pro-ecologico y pro-sociales. México: Trilhas.

GODARD, O. (1997). O desenvolvimento sustentável: paisagem intelectual. In:


CASTRO, E.; PINTON, E Faces do trópico úmido — Conceitos e questões sobre
desenvolvimento e meio ambiente. Belém: Cejup, p. 107-132.

POL, E. (2002). Retos y aportaciones de la psicologia ambiental para un desarrollo


sostenible — La detección de impactos sociales como muestra. In: GEVARA, J.;
MERCADO, S. Temas selectos de Psicologia Ambiental. México: Unam/Greco/Fundacion
Unilibre, p. 291-326.

SACHS, 1. (1993). Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio


ambiente. São Paulo: Estúdio Nobel/Fundação do Desenvolvimento Administrativo.

SCHEIBE, L.F (2004). Desenvolvimento sustentável, desenvolvimento durável. In:


ZAKRZEVSKI, 8.B.; BARCELOS, V Educação ambiental e compromisso social:
pensamentos e ações. Erechim: Edifapes, p. 317-336.

SCHEIBE, L.F; BUSS, M.D. (1993). Mineração, meio ambiente e caráter paradoxal do
conceito de des(-)envolvimento. Congresso Brasileiro de Geologia, 37. São Paulo: SBG,
p. 607-608.
SCHMUCK, B; SCHULTZ, BW. (orgs.) (2002). Psychology of Sustainable Development.
Norwell, MA: Kluwer.

VIVIEN, FE (2005). Le développement soutenable. Paris: La Découverte.

VIEIRA, PE (2005). Gestão de recursos comuns para co ecodesenvolvimento. In:


VIEIRA, PF; BERKES, G.; SEIXAS, C.S. Gestão integrada e participativa de recursos
naturais: conceitos, métodos e experiências. Florianópolis: Secco, p. 333-377.

WAAUB, J. (1991). Croissance économique et développement durable: vers um


nouveau paradigme du développement. In: PRADES, J. et al. Environnement et
développement: questions éthiques et problêmes socio-politiques. [s.1.]: Fides, p. 47-72.

ZACCAÍ, E. (2002). Le développement durable: Dynamique et constitution d'un projet.


Bruxelas: PIE Lang.

Leia também, neste volume, os capítulos 10) Comportamento ecológico; 12)


Compromisso próecológico; 16) Gestão ambiental; 25) Valores ecológicos.

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1. Em 1968, a Unesco promoveu a Intergovernamental Conference for Rational Use


and Conservation of Biosphere. No mesmo ano a Assembleia Geral da ONU aprovou a
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, que se realizou em
Estocolmo no ano de 1972, sob o slogan “Uma só Terra”. Ao final decidiu-se criar um
organismo específico junto à ONU, o Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (Pnuma) sob encargo de Maurice Strong (VIVIEN, 2005).

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