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A psicologia em diálogo com o SUS

prática profissional e produção acadêmica


Mary Jane Paris Spink
(Organizadora)

A psicologia em diálogo com o SUS


prática profissional e produção acadêmica

m
Casa do Psicólogo®
© 2007 Casapsi Livraria. Editora e Gráfica Ltda.
É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, para qualquer finalidade,
sem autorização por escrito dos editores.
1ª Edição
2007

1ª Reimpressão Revisada
2010
Editores
Ingo Bernd Giintert e Juliana de Villemor A. Giintert

Assistente Editorial
Aparecida Ferraz da Silva

Capa
Renata Vieira Nunes

Editoração Eletrônica
Helen Winkler

Produção Gráfica
Fabio Alves Melo

Revisão Final
Jerome Vonk e Lucas Torrisi Gomediano

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

A Psicologia em diálogos com o SUS : prática profissional e


produção acadêmica / Mary Jane Paris Spink (organizadora) .
— São Paulo : Casa do Psicólogo®, 2010.

Vários autores.
1ª reimpr. da 1. ed. de 2007.
Bibliografia.
ISBN 978-85-7396-535-3

I. Psicologia clínica 2. Saúde pública - Brasil - Aspectos


psicológicos 3. Serviço Único de Saúde. SUS (Brasil) 4. Serviços
de saúde - Administração - Brasil I. Spink. Mary Jane Paris.

10-02434 CDD-362.1019

Índices para catálogo sistemático:


1. Psicologia e Sistema Único de Saúde. SUS :
Bem-estar social 362.1019

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Sumário

Apresentação ................................................................... 11
Referências Bibliográficas .................................................... 18

Prefácio: A atenção dos psicólogos ao SUS e às


políticas públicas............................................................. 19
Marcos Ferreira

Capítulo 1. A prática profissional Psi na Saúde


Pública: configurações históricas e desafios
contemporâneos. ............................................................. 25
Mary Jane Spink e Gustavo Corrêa Mattel 1

1. Os repertórios históricos adquiridos na interface


entre Psicologia e Saúde Pública ......................................... 30
2. O SUS no contexto histórico da atenção à saúde
no Brasil. .............................................................................. 36
3. A reorientação da assistência: a era da promoção
da saúde................................................................................ 39
4. Sobre a ressignificação exigida para pensar a saúde
na perspectiva coletiva: contrastando Saúde Pública e
Saúde Coletiva. .................................................................... 41
5. Os desafios da prática psicológica no SUS ..................... 43
Referências Bibliográficas. .................................................. 48
Capítulo 2. A inserção de psicólogos em serviços de
saúde vinculados ao SUS: subsídios para entender
os dilemas da prática e os desafios da formação
profissional. ...................................................................... 53
Mary Jane Paris Spink, Jefferson de Souza Bernardes, Liliana
Santos e Estêvão André Cabestré Gamba

1. Sobre os psicólogos que atuam em serviços de


saúde: aproximações que sempre deixam a desejar.............. 55
2. Somos muitos, porém ainda poucos: a presença de
psicólogos em serviços de saúde vinculados ao SUS
nas diferentes regiões do país. .............................................. 58
3. Profissionais da Saúde, ou da Saúde Mental? A
inserção da Psicologia em serviços de saúde
vinculados ao SUS................................................................ 61
4. Sobre as múltiplas formas de estar no SUS: os
dados das entrevistas. ........................................................... 64
5. Todos os caminhos levam a Roma? Os psicólogos
e as psicólogas falam sobre sua inserção no SUS................ 68
6. Considerações (não necessariamente finais) sobre
os dilemas e desafios da inserção de psicólogos em
serviços de saúde vinculados ao SUS ................................... 74
Referências Bibliográficas.................................................... 79

Capítulo 3. O psicólogo no SUS: suas práticas e as


necessidades de quem o procura. ..................................81
Florianita Coelho Braga Campos e Elza Lauretti Guando 1

1. A inserção do psicólogo .................................................. 8 1


2. A oferta da atenção psicológica: as atividades
desenvolvidas ....................................................................... 84
3. As demandas reconhecidas ............................................. 86
4. Os modelos de atenção e o fazer dos psicólogos. ............ 88
5. Refletindo sobre a prática................................................ 91
6. Considerações finais....................................................... 98
Referências Bibliográficas. ................................................ 100

Capítulo 4. A Psicologia no SUS 2006: alguns


desafios na formação. .................................................. 105
Jefferson de Souza Bernardes

1. Sobre a formação profissional. ...................................... 106


2. A Formação em Psicologia e o SUS ............................. 109
3. Abordagens Teóricas e Campos de Interface -
predomínios........................................................................ 116
4. Considerações Finais - alguns desafios ......................... 121
Referências Bibliográficas. ................................................ 125

Capítulo 5. O processo saúde-doença como foco


da Psicologia: as tradições teóricas ............................ 129
Gustavo Corrêa Matta e Kenneth Rochel de Camargo Jr.

1. A Biomedicina............................................................... 130
2. Psicossomática e Psicologia Médica. ............................ 133
3. A Psicologia Social ....................................................... 136
Referências Bibliográficas. ................................................ 139

Capítulo 6. Contribuições da Psicologia para a Saúde


Pública: onde publicamos, a quem endereçamos e
que efeitos podemos ter ................................................ 141
Mary Jane Spink, Vera Sônia Mincoff Menegon, Estêvão André
Cabestré Gamba e Milena Silva Lisboa

1. Sobre todos que são parcelados: a produção da


Psicologia que enfoca o campo da Saúde .......................... 142
2. Sobre os bancos de dados e seu papel na circulação
e legitimação de conhecimento. ......................................... 145
3. Procedimentos de busca na BVS .................................. 148
4. Procedimentos de análise: o poder das categorias
na construção social da realidade........................................150
5. A produção na perspectiva da temporalidade ................ 152
6. A processualidade do mercado editorial de livros
e periódicos científicos ...................................................... 154
7. O diálogo da Psicologia com a Saúde Pública ............... 160
8. Sobre endereçamentos e legitimações de posições. ....... 167
9. Afinal, que efeitos podemos ter? (ou. quem lê
tudo isso?). ......................................................................... 171
Referências Bibliográficas. ................................................ 172

Capítulo 7. Psicologia e sua inserção no sistema


público de saúde: um painel longitudinal de temas-foco
publicados em periódicos brasileiros .......................... 175
Vera Sonia Mincoff Menegon e Angela Elizabeth Lapa Coêlho

1. Temas-foco como práticas discursivas situadas ........... 176


2. Inserção incipiente da Psicologia no serviço de saúde
pública (1955-1984).......................................................... 178

3. Transição da inserção da Psicologia na Saúde Pública


(1985-1994)........................................................................ 185
4. Inserção plena da Psicologia no Sistema Único de
Saúde (1995-2006). ............................................................ 190
5. Considerações finais...................................................... 197
Referências Bibliográficas ................................................. 200

Capítulo 8. Desafios para o fortalecimento da


Psicologia no SUS: a produção referente à
formação e inserção profissional ................................ 207
Magda Dimenstein e João Paulo Macedo

1. O SUS e as novas demandas para formação e


inserção profissional do psicólogo. .................................... 207
2. Produção Científica em Psicologia no campo da
Saúde.................................................................................. 215
3. Por que a produção científica é um desafio para o
fortalecimento da Psicologia no SUS?. .............................. 225
Referências Bibliográficas. ................................................ 232

Sobre os autores 235


Apresentação

Todo livro tem uma história que pode ser contada a partir de
vários pontos de vista: do despertar de um interesse, de uma curio-
sidade ou, ainda, de uma demanda que induz ações. No caso de
uma coletânea que envolve uma diversidade de autores, essa histó-
ria é atravessada por outras tantas decorrentes de posicionamentos
e relacionamentos em teias, que se entrelaçam na rede multiforme
de nossas relações sociais. Laços que incluem a sociabilidade de
nossas práticas profissionais e acadêmicas, assim como o
compartilhamento de ideais políticos e as relações de amizade, que
se fortalecem (ou enfraquecem) por causa de material idades varia-
das - no caso deste livro, não apenas os papéis impressos e as
bases de dados, mas também as tecnologias de comunicação, como
o skype, sem as quais o trabalho à distância teria sido infinitamente
mais árduo. Por isso mesmo, ao pensar numa história “em rede”
tomamo-la no sentido que lhe dá Bruno Latour (2000): “A palavra
rede indica que os recursos estão concentrados em poucos locais -
nas laçadas e nos nós - interligados - fios e malhas. Essas cone-
xões transformam os recursos esparsos numa teia que parece se
estender por toda parte” (p. 924).
Estendendo-se por toda parte, não há como dizer que tal his-
tória em rede tem um começo preciso. Somos nós que definimos
esse ponto de partida aleatório que provavelmente logo se mostra-
rá insuficiente. Assim, diriamos, para facilitar, que a história deste
livro tem início com o convite feito por Marcos Ferreira, então pre-
sidente da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP).
a Mary Jane Spink para que esta coordenasse uma pesquisa que
seria desenvolvida no marco de um acordo de cooperação entre a
ABEP e o Ministério de Saúde (MS)/Organização Pan-americana
de Saúde (OPAS).
O referido acordo tinha por norte a política de educação
para o SUS (AprenderSUS), desenvolvida em parceria pelos
Ministérios da Saúde e Educação, coordenada pelo Ministério
da Saúde por meio do Departamento de Gestão da Educação na
Saúde (DEGES), na Secretaria de Gestão do Trabalho e da Edu-
cação na Saúde (SGTES). Uma das estratégias dessa política é a
mobilização e cooperação política com as instituições de ensino
superior que tem como um dos principais atores o Fórum Nacio-
nal de Educação das Profissões da Área da Saúde (FNEPAS).
Sua missão é potencializar a mudança na graduação a partir da
reflexão coletiva sobre as diretrizes curriculares, incluindo aí a
realização de oficinas regionais (por profissão e entre profissões),
para análise crítica e compartilhamento das experiências de im-
plantação do ensino da integralidade na graduação das profissões
de saúde.
Essas oficinas constituíam um dos dois eixos contemplados no
acordo de cooperação entre a ABEP e o MS/OPAS. O segundo
eixo visava à realização de pesquisa que fomentasse e impulsionas-
se os processos de mudança na formação profissional em Psicologia
para a atuação específica na área da Saúde, sistematizando, por
meio de pesquisa nacional, as experiências da Psicologia em diálo-
go com o SUS.
A pesquisa realizada, que deu origem a esta coletânea,
reinterpretou esse esforço de sistematização em duas direções com-
plementares: (1) a presença dos(as) psicólogos(as) no SUS, com
base em análise do Cadastro de Estabelecimentos de Saúde
(CNES), do Ministério da Saúde, e por meio de pesquisa comple-
mentar com uma amostra estratificada desses(as) psicólogos(as) e
(2) o conhecimento derivado da Psicologia relacionado à promo-
ção de saúde, prevenção de doenças e seu tratamento, publicado
em artigos e livros que constam da Base de Dados da Biblioteca
Virtual de Saúde.
Esse evento disparador, numa perspectiva de rede, não pode
ser tomado como ponto isolado na malha complexa de sociabilida-
des e materialidades em que se insere. De um lado, o acordo de
cooperação havia sido firmado na gestão anterior da ABEP, presidi-
da por Inara Leão, e, como tal, tem sua própria história. De outro
lado, o convite se deu a partir de conexões que envolvem a passa-
gem de Marcos Ferreira pela Pós-Graduação da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo e sua familiaridade com o traba-
lho de Mary Jane Spink, professora da referida instituição, que em
outras laçadas dessa rede, dialoga com a Saúde Coletiva.
Contudo, uma pesquisa desse porte demanda participação de
muitas outras pessoas que colaboram direta ou indiretamente, do-
ando seu tempo, compartilhando seus saberes e dando apoio técnico.
Cada uma delas faz parte de outras laçadas da rede, fios longos
que se estendem no tempo, assim como novas tramas nessa re-
configuração da rede. E é assim que o projeto tomou forma, chegou
a um primeiro patamar de conclusão - no caso, o relatório já publi-
cado (Spink, Bernardes, & Menegon, 2006) - e se desdobrou em
outros produtos como este livro escrito a muitas mãos.
A proposta desta coletânea é de tomar as informações resul-
tantes da pesquisa realizada para a ABEP como ponto de partida
e aprofundar diferentes aspectos relacionados à formação e à
prática de profissionais da Psicologia em serviços de saúde, ques-
tionando, sempre, até que ponto tais ações estão em consonância
com os princípios do SUS e que novos aportes são necessários
para garantir uma formação afinada com tais princípios. Ou seja,
todos os textos aqui incluídos partem da premissa que é preciso
fortalecer a proposta do SUS e que a Psicologia tem muito a con-
tribuir para a redefinição das práticas, sua humanização e a
possibilidade de trabalhar na perspectiva da integralidade. A cole-
tânea, espelhando a dupla proposta da pesquisa realizada para a
ABEP. está organizada em oito capítulos, quatro dos quais volta-
dos à prática de psicólogos em serviços de saúde e, os demais,
reportando-se a diferentes aspectos da produção de conhecimento
psicológico voltado à área da Saúde. Os dois eixos organizadores
iniciam com um capítulo contextual, seguem com uma visão de con-
junto dos procedimentos adotados e dos dados coletados e com
capítulos que aprofundam aspectos específicos da pesquisa.
O capítulo um, de autoria de Mary Jane Spink e Gustavo Corrêa
Matta, tem por objetivo recuperar as configurações históricas da
inserção da Psicologia e, à luz desses repertórios históricos, abor-
dar os dilemas contemporâneos que se colocam para a prática de
psicólogos no SUS. Sua função, neste primeiro eixo da coletânea,
é fornecer o contexto histórico e contemporâneo para propiciar a
compreensão da discussão dos dados resultantes da pesquisa rea-
lizada para a ABEP.
O capítulo dois, de autoria de Mary Jane Spink. Jefferson
Bernardes, Liliana Santos e Estêvão Cabestré, detalha os procedi-
mentos da pesquisa sobre a inserção da Psicologia em serviços de
saúde, tendo por base as informações constantes do Cadastro
de Estabelecimentos de Saúde (CNES), do Ministério da Saúde, e
aquelas obtidas a partir das entrevistas realizadas por telefone, com
uma amostra de psicólogos definida de modo a ter representatividade
por tipo de estabelecimento de saúde e região do país. Tem por
objetivo, também, dar uma visão de conjunto das principais dimen-
sões da inserção da Psicologia em serviços de saúde, considerando
o total de psicólogos cadastrados no sistema de Conselhos de Psi-
cologia e de tipos de serviço constantes no CNES.
Um dos temas candentes das entrevistas foi a questão da de-
manda e do tipo de atuação desses psicólogos. Esse é o foco do
capítulo três, de autoria de Florianita Braga Campos e Elza Guarido,
que discute as práticas atuais dos psicólogos no Sistema Único de
Saúde, segundo a pesquisa realizada para a ABEP, à luz de uma
reflexão histórica sobre a inserção da Psicologia na Saúde Pública:
a emergência das práticas na Saúde Coletiva, as dificuldades dos
psicólogos em corresponder às novas exigências com sua formação
acadêmica profissional e o descompasso entre o desenvolvimento
da Psicologia na Saúde Pública e as políticas públicas de Saúde e
Saúde Mental.
O capítulo quatro, de autoria de Jefferson Bernardes, volta-se
aos aspectos relacionados à formação que propiciam (ou não) a
relação entre a Psicologia e o SUS. Aborda a diversidade de estra-
tégias de formação, na graduação e pós-graduação (no lato e estrito
senso), assim como a variedade de abordagens teóricas que, se-
gundo os e as entrevistadas dão suporte a sua prática. Conclui que
a formação em Psicologia, ao submeter-se às demandas delimita-
das pela lógica (neo)liberal, não somente atende a uma pequena
parcela da população, mas, também, o faz de forma que fecha,
ainda mais, as muitas e criativas possibilidades do próprio saber/
fazer psicológico. Arrola uma série de desafios que se colocam se
tomarmos como objetivo uma formação aberta ao diálogo com as
comunidades, orientada pelo princípio da participação e do con-
trole social preconizado pelo SUS.
Servindo de marco divisório para a segunda parte da coletâ-
nea, voltada à produção de conhecimento relacionada com as
questões da saúde, o capítulo cinco, de autoria de Gustavo Matta e
Kenneth Camargo Jr„ busca identificar algumas tradições teóricas
que produziram discursos sobre o processo saúde/doença e possi-
bilitaram a inserção da Psicologia no campo científico heterogêneo
e competitivo da Saúde, propiciando o diálogo com outras discipli-
nas que aí atuam. Com esse intuito, o texto aborda inicialmente as
bases da concepção biomédica do processo saúde-doença, uma
vez que as tradições da Psicologia mais voltadas à Saúde ergueram
seus discursos a partir da crítica ao universalismo do saber médico
moderno. A seguir, apresenta, sucintamente, os percursos teóricos
dos discursos da Psicossomática/Psicologia Médica e da Psicolo-
gia Social na interface com o campo da Saúde.
O capítulo seguinte, de autoria de Mary Jane Spink, Vera
Menegon, Estêvão Cabestré e Milena Lisboa e, tem por missão a
apresentação dos procedimentos e principais resultados do eixo da
pesquisa voltado à produção sobre saberes e práticas psicológicas
que enfocam a saúde, derivada da academia e serviços de saúde.
Tendo por base a postura construcionista, preocupa-se, também,
em problematizar as redes de transmissão de conhecimentos que
geram bases de dados e os processos de acesso e análise dos mes-
mos. Fugindo de posturas naïve, compreende essas bases e bancos
como formas de construção da realidade social. A partir desse viés
crítico, o capítulo aborda três dimensões da pesquisa sobre a pro-
dução: descreve os resultados da primeira busca, voltada mais
genericamente à produção que aborda questões da saúde na interface
com a Psicologia; aponta as especificidades da produção mais di-
retamente voltada à Saúde Pública e busca verificar a existência de
vozes consoantes nesse diálogo com a Saúde Pública, tomando as
referências bibliográficas como indicadores de redes de interlocução
no campo heterogêneo da Saúde.
O capítulo sete, de autoria de Vera Menegon e Angela Coêlho,
aborda os temas-foco dos 993 artigos localizados na pesquisa. To-
mando por base a análise das referências de artigos publicados em
periódicos brasileiros que discutem Psicologia e Saúde, as autoras
mapeiam a trajetória de inserção da Psicologia no sistema público de
saúde a partir de três grandes períodos: inserção incipiente da Psico-
logia no serviço público de saúde (1955-1984); período de transição
dessa inserção (1985-1994) e inserção plena da Psicologia no Siste-
ma Único de Saúde - SUS (1995-2006). Três temáticas apresentam
as maiores frequências ao longo de todos os períodos analisados:
Prática profissional. Formação profissional: Prática clínica/Clínica/
Métodos clínicos e Reflexões Teóricas e Metodológicas. O desta-
que desses temas ao longo do período analisado, principalmente a
partir do final da década de 1980, reflete os esforços de adequação
e busca de novos caminhos para a organização dos serviços no cam-
po da Saúde, principalmente após a criação do SUS, referendado
pela Constituição Brasileira de 1988. Todavia, fica patente que o
sentido de inserção plena não se aplica a todas as regiões do país, em
especial, quando se trata da inserção da Psicologia na rede básica de
saúde, uma vez que na rede hospitalar, essa vinculação mostra-se um
pouco mais sedimentada.
Encerrando esta segunda parte, referente ainda à produção
associada ao conhecimento psi, o capítulo oito, de autoria de Mag-
da Dimenstein e João Paulo Macedo, objetiva discutir a produção
científica referente à formação e à inserção profissional no SUS.
Entendendo que esta produção é aspecto fundamental da forma-
ção e, consequentemente, do fortalecimento da presença da
Psicologia no SUS, a análise focaliza três das várias dimensões
levantadas pela pesquisa: formas de atuação, local de atuação e
ferramentas teóricas/conceituais, articulando-as aos demais eixos
da pesquisa (tema-foco, população, tipos de atenção à saúde, pro-
gramas, formação e aspectos políticos). Com isso, busca discutir
os desafios presentes na proposta de fortalecimento da presença
da Psicologia nesse âmbito, reiterando a necessidade de mudanças
no modelo acadêmico hegemônico para que esteja em consonân-
cia com o seu ideário.
Em seu conjunto, os oito textos se complementam e buscam
contribuir, cada um a seu modo, para a reformulação da formação
em Psicologia, na graduação e na diversidade de especializações pós-
graduadas, de modo a contemplar as dimensões da prática psi
voltadas à prestação de serviços que tenha a dimensão coleti- va do
processo saúde-doença por foco. Mesclando trajetórias históricas (que
precisam ser conhecidas para poder com elas rom- per), o
mapeamento de algumas dimensões da situação atual quanto à
prática e conhecimentos psi e projeções futuras (com base em desafios
e prioridades associados à proposta de integralidade, humanização e
trabalho em equipe), os autores desta coletânea esperam contribuir
para a maior abertura ao diálogo entre uma Psicologia ético-política e
os serviços de atenção à saúde, com- prometidos com a proposta do
SUS.

Referências Bibliográficas
Latour. B. (2000). Ciência em ação. São Paulo: Editora UNESP.
Spink, M. J.. Bernardes, J. S.. & Menegon. V.S.M. (2006). A Psicologia
em diálogo com o SUS: prática profissional e produção acadêmica.
(Relatório de pesquisa). Disponível em: www.bvs-psi.org.br
Prefácio
A atenção dos psicólogos ao
SUS e às políticas públicas

A presença qualificada da Psicologia no SUS. Esta foi a ban-


deira adotada pela ABEP na implementação das iniciativas voltadas
ao incremento da atenção ao SUS por parte dos cursos de forma-
ção de psicólogos no Brasil.
Este livro compõe um conjunto de iniciativas adotadas pela
ABEP ao longo do ano de 2006. Como parte dessas iniciativas,
foram realizados 37 eventos regionais e uma oficina nacional para
definir propostas de linhas de conduta para incremento de atenção
ao SUS. Durante o primeiro semestre de 2006, cerca de sete mil
pessoas atenderam ao convite da ABEP para debater a formação
de psicólogos de forma geral e, em especial, a formação de psicó-
logos para as políticas públicas de saúde.
Este público era formado por pessoas que participaram de
alguma dessas 37 oficinas realizadas em cidades de diferentes re-
giões do Brasil, desde Macapá até Porto Alegre e desde Natal até
Cuiabá. Em cada oficina regional aconteceram debates sobre as-
suntos relacionados à interface entre Psicologia e Saúde Pública/
Coletiva.
Nesses debates, grupos de trabalho elaboraram propostas
que incluíram indicações sobre dimensões gerais da formação de
psicólogos; indicativos sobre a atuação da ABEP junto aos movi-
mentos sociais relacionados à saúde e propostas concretas de
aproximação da formação dos psicólogos em relação ao SUS e à
Saúde Pública/Coletiva.
Na Oficina Nacional, reuniram-se representantes de cada uma
das oficinas regionais e alguns convidados de estados onde elas
não puderam ser realizadas. As propostas de todas as oficinas fo-
ram sistematizadas e debatidas e, a partir disso, foi elaborado um
texto com as deliberações da plenária que pode ser encontrado no
endereço: www.abepsi.org.br
A decisão de promover oficinas foi tomada ainda na gestão da
Presidente Nara Leão, com a participação da psicóloga Ana Lima.
A atual diretoria pareceu uma iniciativa acertada, pois o SUS é uma
experiência única no mundo, em termos de racionalidade,
abrangência e tamanho. Além disso, atentar ao SUS representa uma
oportunidade importante para realizar um anelo dos mais antigos
dos formadores de psicólogos: trazer a realidade brasileira para
dentro dos cursos de Psicologia.
A atenção ao SUS não significa dar ênfase a alguma subárea da
profissão. Do nosso ponto de vista, no SUS cabem todas as contri-
buições que a Psicologia tenha conseguido estabelecer como típicas
de sua atuação. De fato, uma das maiores necessidades do SUS nos
dias atuais (assim como dos serviços de saúde em grande parte do
mundo) refere-se exatamente à capacitação do pessoal que presta
serviços. Sabemos que esse é um tipo de atividade tradicionalmente
atribuído em nossa profissão à Psicologia Organizacional.
O SUS significa mercado de trabalho hoje e amanhã. São
mais de quinze mil profissionais inseridos nos dias atuais e uma
infinidade de possibilidades a serem exploradas num futuro próxi-
mo. Uma presença tão forte da profissão em um espaço tão cla-
ramente definido merece ser alvo de qualificação.
Acima de toda virtude em incrementar a atenção ao SUS, con-
vém chamar a atenção para o fato de que não se pretende uniformizar
o SUS como objeto de atenção em todos os cursos de Psicologia.
Nossa pretensão é de que as competências e habilidades impor-
tantes para que psicólogos atuem no SUS sejam efetivamente
trabalhadas nos cursos de Psicologia. Na verdade, as habilidades e
competências para que psicólogos que atuem em políticas públicas
precisam ser alvo de atenção. Do nosso ponto de vista, a atenção a
políticas públicas de saúde é um capítulo de uma qualificação mais
geral que consiste em elaborar e operar política públicas.
No caminho da construção de uma relação forte entre a Psi-
cologia e as política públicas, o SUS ganha relevância. Trata-se de
um espaço de atuação do Estado onde as políticas públicas estão
refinadamente elaboradas. Um espaço onde a Psicologia mantém
um papel importante, apesar da sua dificuldade de assumir como
profissão que atua na área da Saúde. Por exemplo, a tese do mo-
mento no desenvolvimento do SUS é exatamente a da integralidade,
cuja formulação contou fortemente com as perspectivas defendi-
das por psicólogos.
Nesse contexto é que ganha clareza a grande quantidade de
virtudes do livro que agora vem a público. Trata-se de uma visão
sistemática e discutida da atuação de psicólogos numa área de grande
importância para a Psicologia e para a população brasileira.
Nas duas etapas da sua produção (tanto na pesquisa sobre a
atuação dos psicólogos, quanto na organização deste volume), con-
tamos com a preciosa colaboração da Dra. Mary Jane Spink. Para
nós, da diretoria da ABEP, poder contar com a colaboração dessa
colega foi uma honra e um prazer. A pertinácia de suas conside-
rações e encaminhamentos só não foi maior do que o carinho com
que agasalhou nossa solicitação. Mary Jane fez todo esse esforço
(desde a definição da equipe que trabalharia com ela, passando
pelo convite aos diversos colaboradores para que escrevessem
capítulos, até as definições últimas da publicação), na condição de
filiada e colaboradora da ABEP. A professora Spink deu a todos
nós um exemplo de capacidade de identificação de oportunidade
para oferecer uma contribuição efetiva à história da formação de
psicólogos no país e o fez com brilhantismo.
Todos os autores que estão incluídos neste volume, e em es-
pecial os colegas Jefferson e Vera (que forma chamados por Mary
Jane para contribuir na realização do projeto de pesquisa) fizeram
algo semelhante. Sua única retribuição é a expectativa de resulta-
dos que advirão de seu esforço.
No caderno que contém as proposta sistematizadas na Ofici-
na Nacional, foi incluída uma poesia que vale a pena reproduzir
aqui. por desvelar muito do ímpeto dos autores deste livro (em
especial de sua organizadora), da diretoria da ABEP, dos coorde-
nadores de núcleos em todo o país e dos mais de quatrocentos
gestores de núcleos da ABEP em todo o país.

Marcos Ferreira
Presidente da Associação Brasileira de Ensino da Psicologia, ABEP
Humano direito
por Ana Lúcia Cortegoso

O que antes parecia


não mais que um problema alheio
foi se fazendo desejo de menos sangue no dia,
um tanto mais de alegria.
Compromisso cidadão com humanas necessidades,
direito de ser inteiro corpo são, sábios sentimentos.
Inteiros se dando ao projeto de um jeito brasileiro
de limpar a mão da história com gestos sujos de empenho
Como quem espalha vento,
uns tantos desbravadores
sopraram provocação,
construíram estandartes,
pavimentaram trajetos.
Acordou a Psicologia.
Hoje já é um levante,
por saúde todos os dias.
Há um sonho bailando no vento,
que é de branco tormento,
suave desafio.
Para cada um ter o sono
que pensamos merecer,
só se tivermos todos,
o mesmo humano direito,
de acolhimento sincero,
competente e generoso,
do viver e do adoecer.
Capítulo 1

A prática profissional Psi na


Saúde Pública: configurações
históricas e desafios
contemporâneos
Mary Jane Spink
Gustavo Corrêa Matta

Podemos falar dessa relação delicada entre Psicologia e Saúde


Pública a partir de muitos pontos de vista. Um deles é o histórico
da Saúde Pública como mercado de trabalho para psicólogos, as-
pecto abordado, no Brasil, em estudos realizados pelo sistema de
Conselhos de Psicologia. Inclui-se nesse esforço, a pesquisa so-
bre o perfil do Psicólogo no Estado de São Paulo, publicada pelo
Sindicato dos Psicólogos no Estado de São Paulo e Conselho Re-
gional de Psicologia da 6a Região. CRP-06 (1984); sobre a prática
profissional, realizada pelo Conselho Federal de Psicologia (1988);
sobre a inserção do psicólogo nas unidades básicas de saúde, es-
tudo realizado pelo CRP-06 (Jackson & Cavallari, 1991) - um
marco no que concerne à preocupação com a prática em serviços
de saúde; a coletânea de textos sobre as práticas emergentes e
desafios para formação (CFP, 1994) e as estatísticas sobre for-
mação, atuação profissional e mercado de trabalho, publicadas
pelo CRP- 06 (1995).
Poderiamos, portanto, nos atermos à evolução histórica da
inserção de psicólogos em serviços de saúde e discorrer sobre as-
pectos quantitativos e qualitativos da prática psi. Sem dúvida, esse
caminho geraria um certo tipo de contexto para subsidiar os capítu-
los dois, três e quatro desta coletânea, que discutirão os dados da
pesquisa realizada em 2006. como colaboração para a discussão
que a Associação Brasileira de Psicologia vinha fazendo sobre a
formação para atuação no Sistema Único de Saúde (SUS).
Mas não será este o objetivo do presente capítulo. Como pes-
quisadores afiliados às correntes discursivas que têm por foco a
compreensão dos processos de produção de sentidos no cotidiano
(Spink, 1999; 2004), a contribuição possível é fazer algumas con-
siderações sobre a prática psicológica a partir da análise dos
repertórios linguísticos disponíveis para dar sentido a esses eventos
cotidianos.
Os repertórios linguísticos são os termos, figuras de lingua-
gem, imagens e demais apoios utilizados para falar sobre nossas
experiências nos processos dialógicos das interações cotidianas -
ou seja. no tempo curto das trocas dialógicas. É nesse tempo que
se presentificam as diferentes vozes, ativadas pela memória cultural
de tempo longo ou pela memória afetiva do tempo vivido.
O tempo longo da história é o espaço de construção social
dos conteúdos culturais que formam os discursos de uma dada con-
juntura, mas continuam como possibilidades de sentido em outras
épocas históricas. Como sugerem Spink e Medrado (1999), é o
conjunto dos conhecimentos produzidos ao longo da história e
reinterpretados por diferentes domínios do saber: religião, ciência,
assim como os conhecimentos e tradições do senso comum. Essas
produções cumulativas são sempre ressignificadas no tempo vivi- do-
o tempo de vida de cada um de nós, de nossos processos de
socialização. Ou seja, tempo da memória, traduzida em afetos, no
qual enraizamos nossas narrativas pessoais e identitárias.
No caso da Psicologia, esse tempo vivido nos leva a pensar a
formação e a prática tanto na perspectiva das “tradições” teóricas,
como naquela das pressões conjunturais por novas formas de atu-
ação. Se a questão que nos mobiliza é a introdução de novas formas
de atuação compatíveis com os princípios do SUS, toma-se ne-
cessário romper com aquilo que foi historicamente constituído.
Para entender as possibilidades de ruptura, numa abordagem
construcionista (Iñiguez, 2004; Hacking, 1999), é importante ter
familiaridade com o que veio a ser instituído no tempo longo da
relação entre Psicologia e Saúde Pública como resposta, pelo me-
nos em um dado momento histórico, às demandas disciplinares
associadas à governamentalidade.
O conceito foucaultiano de governamentalidade (Foucault,
1986) nos parece fundamental para entender as estratégias de
governo voltadas à saúde, delineadas, em um primeiro momento,
a partir da emergência dos Estados-nação na modernidade clás-
sica e, a seguir, no século XIX, como decorrência das demandas
sanitárias associadas à sociedade industrial. Segundo Foucault. trata-
se do

(...) conjunto constituído pelas instituições, procedimen-


tos, análises e reflexões, cálculos e táticas que permitem
exercer esta forma bastante específica e complexa de po-
der que tem por alvo a população, por forma principal de
saber a economia política e por instrumentos técnicos es-
senciais os dispositivos de segurança. (1986, p. 291)

A imbricação entre Psicologia e Saúde Pública tem por base


as formas específicas que essas instituições, procedimentos, cálcu-
los e táticas e seu movimento histórico assumiram no âmbito da
sociedade disciplinar quando o que estava em pauta era a gestão
da vida diante das ameaças da progressiva urbanização e das precá-
rias condições sanitárias e laborais. Segundo reflexões delineadas
no livro A Vontade de Saber (Foucault, 1977), essas estratégias
disciplinares, no que concerne à saúde, assumiram dupla face. A pri-
meira, desenvolvida a partir do século XVII, centrou-se no corpo-
máquina constituindo os dispositivos disciplinares. A outra, um
pouco mais tardia, desenvolvendo-se por volta de meados do século
XVIII. centrou-se no corpo-espécie e englobou as técnicas de
governo das populações. E no âmbito dessas últimas que se cons-
tituíram os biopoderes essenciais para a moderna gestão dos riscos.
O poder disciplinar, fundamental para o desenvolvimento
do capitalismo industrial, tinha por objetivo o controle dos corpos,
tomando-os dóceis e fortalecidos para o trabalho produtivo. An-
corava-se duplamente na organização da massa indiferenciada
mediante sistemas classificatórios e nas estratégias de vigilância
continuada.
O principal mecanismo nesse tipo de gestão por meio de siste-
mas classificatórios era a norma e mais precisamente aquela definida
a partir das distribuições de frequência. E nesse contexto que se de-
senvolve uma das mais poderosas ferramentas da Psicologia: o teste
psicológico. Também a vigilância dependia de dois mecanismos. De
um lado, apoiava-se nas “disciplinas”, saberes específicos produzi­
dos por e produtores das instituições de vigilância: a escola, a prisão,
por exemplo. De outro lado, para que essas ordenações fossem
internalizadas, dependia de um regime disciplinar exercido no espaço
privado dos lares e das subjetividades: a higiene.
Já os biopoderes voltam-se ao governo do corpo-espécie e
têm por objetivo a segurança, estratégia de governo que implica o
aperfeiçoamento da coleta e uso da informação. E importante, nessa
perspectiva, entender os riscos à saúde e seus correlatos. É igual-
mente necessário que se desenvolvam instituições especializadas na
análise dessas séries quantitativas. Obviamente, é nessa vertente que
se ancoram as modernas estratégias de gestão dos riscos associados
à morbidades e mortalidade.
No final do século XIX passam a ser adotadas outras estraté-
gias que igualmente têm o cálculo do risco por base e que serão
aperfeiçoadas no decorrer do século XX - a definição de perfis de
risco, calculados com base em escalas geradas a partir da definição
de fatores de risco. Foram elas o foco do clássico estudo de Robert
Castel (1987) sobre a gestão dos riscos. Desenvolvidas com base
na definição de grupos de risco para fins de intervenção preventiva,
marcam uma primeira transição na equação entre direitos e deveres
na direção de esvaziamento da responsabilidade estatal pela saúde
e crescente responsabilização de cada cidadão pelo seu estado de
bem estar.
Mais recentemente, a “era da genética” trouxe novas mudan­
ças de foco nas estratégias regulatórias que irão levar à substituição
do discurso sobre grupos de risco pelo das suscetibilidades indivi-
duais (Rose, 2001, p. 11). E, na modalidade de suscetibilidade
genética, o risco biomédico toma-se progressivamente individua-
lizado e clinico.
A crescente molecularização da saúde, baseada em vigilância
continuada de indicadores (clínicos e genéticos), por parte de cada
um de nós, é consequência de fatores diversos, entre eles o próprio
avanço da tecnologia médica e a tendência neoliberal à minimização
das funções do Estado. Todavia aponta igualmente para mudanças
na forma como o Estado se posiciona perante a saúde: no dizer de
Rose (2001), a biopolítica se transforma em bioeconomia.

Hoje, porém, o argumento para o interesse político na saúde


da população já não se coloca mais em termos das
consequências da falta de saúde (unfitness) da popula-
ção como um todo orgânico para a luta entre nações. Ao
invés disso, é colocado em termos econômicos - os cus-
tos da doença (ill-health) em termos de dias perdidos de
trabalho ou aumento das contribuições previdenciárias -
ou em termos morais - o imperativo de reduzir as desi-
gualdades em saúde1, (p. 6)

Com base nesta breve introdução teórica e histórica, traba-


lharemos, neste capítulo, três eixos de discussão: (1) os repertórios
historicamente adquiridos na interface entre Psicologia e atenção à
saúde; (2) a ressignificação exigida para pensar saúde na perspec-
tiva coletiva (contrastando, portanto, Saúde Pública e Saúde
Coletiva) e (3) os desafios que a Reforma Sanitária e o SUS colo-
cam para a Psicologia.

1. Os repertórios históricos adquiridos


na interface entre Psicologia e Saúde
Pública
Partimos do pressuposto que a história da atenção à saúde
não pode ser contada a partir de uma perspectiva única. Há traje-
tórias específicas da Medicina Clínica - como relata Foucault (1977)
em o Nascimento da Clinica -, da criação e modernização dos
hospitais, da Medicina Sanitária (por exemplo, Rosen, 1994), da
atenção aos problemas relacionados à saúde mental (Szasz, 1978;
Pessotti, 1996), da puericultura, da gravidez e parto (Ehrenreich &
English, 1979:Oakley, 1979; Spink. 2003) e daí por diante. Como
a Psicologia é uma arena de diversidade, em cada um desses con-
textos há inserções singulares de práticas psi. Consequentemente, 1

1 No Brasil, a Constituição Federal de 1988. assegurou direitos sociais compatíveis

com o Estado de Bem-Estar Social. Esse processo em nosso país apresenta, portanto,
contradições inerentes à pressão neoliberal de redução do aparelho estatal e dos
benefícios sociais. (Ver Baptista, T.W.F. Dilemas e consensos: um estudo das
microrrelações polílico-institucionais da seguridade social brasileira na Assembléia
Nacional Constituinte de 1987/88. Dissertação de Mestrado. IMS/UERJ, 1997).
haverá heterogeneidade, também, no que diz respeito aos repertó-
rios historicamente instituídos a respeito do que vem a ser a prática
psi diretamente voltada à Saúde Pública.
Temos, pelo menos, as seguintes trajetórias históricas que fo-
ram paulatinamente ressignificadas e integradas, no caso brasileiro,
à proposta do SUS:

Figura I: Contextos históricos da inserção da Psicologia na Saúde


Pública

Não cabe, neste capítulo, detalhar os aspectos históricos da


inserção da Psicologia como coadjuvante das estratégias discipli-
nares e dos biopoderes na gestão da saúde tendo em vista que,
reiteramos, trata-se de muitas histórias de saberes e fazeres especí-
ficos. Nossa proposta é apenas apontar para algumas vertentes de
ação que se fizeram possíveis na confluência dessas muitas histórias
com a estruturação do campo da Saúde Pública, que se dá, na
historização feita por Foucault (1986), em três momentos distintos.
Em primeiro lugar, temos a Medicina de Estado da Alemanha
do começo do século XVIII. sistema que tem dupla base: a observa-
ção detalhada da morbidade da população e a normatização da prática
médica. A seguir, já em meados do século dezoito, formata-se a
Medicina Urbana desenvolvida na França que busca alcançar três
objetivos: analisar tudo que, no espaço urbano, pode causar doença;
controlar a circulação de pessoas e elementos, como a água e o ar e
organizar a distribuição das sequências - separar água e esgoto, por
exemplo. Trata-se, como aponta Foucault, de uma Medicina das coisas
e não propriamente de corpos e organismos humanos.
Como terceira vertente histórica, ao final do século XIX. te-
mos a Medicina da força de trabalho, intimamente relacionada à
Revolução Industrial, que Foucault analisa a partir do exemplo in-
glês. Esse modelo, desenvolvido concomitantemente nos vários
países industrializados, foi exportado para os países em desenvol-
vimento. Sua missão é tríplice: controle da vacinação; organização
e registro de epidemias e doenças epidêmicas; localização e elimi-
nação de foco de insalubridade. Dessa maneira, o modelo inglês
possibilita unir três ordens distintas de atenção à saúde: assistência
médica ao pobre; controle da saúde da força de trabalho e esqua-
drinhamento da saúde pública.
É importante apontar, como registro histórico, que o modelo
inglês permite a realização de três sistemas superpostos de atenção
à saúde: uma Medicina assistencial voltada aos pobres; uma Medi-
cina administrativa encarregada de problemas mais gerais como
vacinação, epidemias e saneamento e uma Medicina privada para
quem dela pudesse se beneficiar. Herdamos, assim, duas cisões;
entre Medicina de pobre e de rico, de um lado, e Medicina sanitá-
ria e assistencial, de outro.
Se estivermos falando do final do século dezenove, estamos
tratando, também, da consolidação da sociedade disciplinar e pas-
sagem para a biopolítica. Essa tensão é de fundamental importância
para a compreensão da inserção da Psicologia na Saúde Pública.
Lembremos que, como discute Foucault (1987) em As palavras
e as coisas, a Psicologia, a Sociologia, a Antropologia - as Ciên-
cias Humanas em geral - são produtos da estruturação da
sociedade disciplinar. Funcionam como estratégias auxiliares de
disciplina de corpos e almas.
Seguindo a tese foucaultiana, Rose (1992) argumenta que du-
rante muito tempo a individualidade permaneceu abaixo do limiar
da descrição. Foram os métodos disciplinares, produtos das ne-
cessidades de gestão decorrentes da evolução do capitalismo
industrial no final do século XIX e começo do XX, que forneceram
as técnicas que permitiram a descrição e subsequente controle des-
sas individualidades.
Dito de outra forma, o capitalismo avançado, organizado
a partir de instituições setoriais - o hospital, a fábrica, a escola, a
prisão, etc. - impôs a necessidade de administrar um crescente
número de áreas da vida humana, inclusive, ou até especialmente, o
aparelho psicofísico dos seres humanos. A gestão das massas
setorialmente distribuídas exigiu a criação de uma diversidade de
novos instrumentos. Demandou, antes de tudo, a criação de uma
linguagem que possibilitasse pensar sobre e falar de um setor espe-
cífico. Citando o autor,

Essas ciências, de um lado, proveram o mecanismo para


a tradução da subjetividade humana em termos das no-
vas linguagens de gestão de escolas, prisões, fábricas,
mercados de trabalho e economia. De outro lado, elas
constituíram o território da subjetividade como objeto de
uma administração racional de tal forma que se tornou
possível conceber os objetivos desejáveis - a autorida-
de, tranquilidade, sanidade, virtude, eficiência - como
sendo passíveis de serem conseguidos através da ges-
tão sistemática da subjetividade. (Rose, 1992, p. 121)

Não basta, entretanto, ser capaz de pensar ou falar sobre esses


domínios. É preciso, também, poder explicitar suas condições de fun-
cionamento; levantar dados e informações que permitam fazer
diagnósticos. Isso requer evidenciar as diferenças, ou seja poder indi-
vidualizar. No caso da Psicologia sua configuração como ciência da
individualização decorre do uso de técnicas rotineiras, que respondiam
às necessidades de registro e sua organização posterior como técnicas
de inscrição das diferenças. Técnicas essas que, num primeiro momen-
to, tomam como dado a superfície do corpo onde a diferença, a
patologia e o desvio se inscrevem e se tomam visíveis. Daí o sucesso
primeiramente da “fisiognomia” e mais tarde da frenologia.
Contudo, essas técnicas se mostraram eventualmente inefi-
cazes, seja na tarefa de individualização de grandes grupos, seja
no estudo de indivíduos que não portam as marcas da patologia.
Os atributos da alma, responsáveis pelo sucesso ou insucesso
de sujeitos institucionais, não estão necessariamente inscritos na
superfície do corpo. E aqui que emerge uma das principais contri-
buições da Psicologia ao projeto de individualização: o teste
psicológico. Este, nas mais diversas formas de psicodiagnóstico,
no dizer de Rose (1992), são práticas de produção da diferença
ordenada, especialmente quando aliados à normatização estatís-
tica. Eles efetivamente transformaram a subjetividade humana em
objeto passível de estudo científico.
Assim, considerando as vertentes delineadas por Foucault
(1986), não seria na Medicina da força de trabalho, nem na vertente
administrativo-sanitária que a Psicologia encentraria seu primeiro
nicho. Seu arsenal de técnicas e saberes foi chamado à ação (e até
mesmo se desenvolveu e aperfeiçoou) na vertente da Medicina
assistencial, especialmente aquela voltada aos pobres. E, se volta-
da aos pobres, incluiu, sem dúvida, um elemento educativo, assim
como uma tecnologia de esquadrinhamento.
Esta Medicina assistencial que alia atenção à saúde e educa-
ção terá dois principais focos: a saúde do trabalhador (que nos
levará eventualmente à Medicina Previdenciária) e a saúde mater- no-
infantil. Talvez tenham sido esses os primeiros nichos da Psicologia na
Saúde Pública: o psicodiagnóstico e a atenção à ges- tante e às
crianças, que continuam a ser importantes áreas de aplicação e
desenvolvimento de conhecimentos psi.
Será na vertente da Medicina curativa individual, especial-
mente na assistência médica especializada, que se configurará um
outro tipo de prática psicológica, de caráter mais clínico, voltado
às aplicações psicoterapêuticas nas diversas modalidades de te-
rapias breves passíveis de aplicação, por exemplo, no contexto
hospitalar. Ou seja, na perspectiva da prática psicológica, o las-
tro histórico traz mais uma cisão, contrapondo perspectivas de
cunho mais individualista, baseada no modelo médico-normativo,
com aquelas formatadas na missão disciplinadora no enquadre da
Medicina Social.
A partir da grande guerra - um importante divisor das sensi-
bilidades sociais quanto aos direitos humanos -o cenário da Saúde
Pública se altera e se torna cada vez mais globalizado. Por isso
mesmo, para entender as novas configurações de atenção à saú-
de, toma-se imprescindível acompanhar os desdobramentos desta
nos discursos das agências internacionais. Considerando esses
novos discursos e a especificidade da prática psi em serviços
de saúde públicos, abandonaremos, a partir deste momento, a
vertente sanitária - das medidas coletivas para garantia da saúde
da população - assim como o foco na Medicina curativa indivi-
dual (que nos levaria à estruturação da atenção médico-hospitalar)
e voltaremos a atenção à organização dos serviços de saúde no
Brasil, a estruturação do Sistema Único de Saúde (SUS) e os
dilemas que este traz para a Psicologia.

2. O SUS no contexto histórico da


atenção à saúde no Brasil
A atenção à saúde de âmbito público leva tempo para se orga-
nizar no país. Por muitos anos - ou séculos - tal atenção era relegada
às Santas Casas ou a serviços voluntários de várias naturezas. A pri-
meira organização estatal de serviços de saúde no Brasil data de
1923 (Lei Eloy Chaves) e trata, sobretudo, da seguridade social para
trabalhadores de setores organizados: são as "Caixas", uma estraté-
gia governamental para minimizar potenciais conflitos com as classes
trabalhadoras (Malloy, 1975; Donnangelo, 1976). Entretanto, sendo
estes basicamente mecanismos de seguridade social, a atenção mé-
dica, embora fornecida, era objetivo secundário. Várias tentativas
foram feitas de unificação e reorganização das Caixas, primeiramente
em um modelo verticalizado por setor de produção (os Institutos de
Aposentadoria e Pensão) e, a seguir, já em 1966, por meio da unifi-
cação da atenção médica no modelo do Instituto Nacional de
Previdência e Saúde, o INPS. Essa vinculação entre aposentadoria e
saúde também abre espaço para a atuação de psicólogos, mas ainda
na vertente do psicodiagnóstico e orientação vocacional para a
reinserção profissional no caso dos acidentes de trabalho.
Vale apontar, a título de informação histórica, que o INPS her-
dou uma estrutura de atenção à saúde bastante incipiente, tanto que
se viu obrigado a fazer convênios com empresas e instituições
de saúde que, por meio de seus planos de saúde ou de formas de
pagamento de serviços terceirizados, criaram o germe dos atuais
planos de saúde e de mais uma cisão na atenção à saúde: entre
assistência pública e assistência conveniada.
Muita água rolou por debaixo dessa ponte até chegarmos ao
SUS. Em termos de organização dos serviços de saúde, especial-
mente na década de 1970 (quando se tomou óbvia a falência do
modelo curativo), vamos assistir à expansão e consolidação da assis-
tência médica individualizada como componente dominante do setor
saúde. Porém, observamos, também, uma recuperação da Saúde
Pública, incorporando, agora, em seu campo de práticas, medidas
de atenção individualizada médico-sanitárias, resultando numa
revitalização do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais de
Saúde, executoras das diretrizes fixadas por esse Ministério.
Segundo Sonia Fleury Teixeira, uma das poucas psicólogas
que refletem sobre as políticas de saúde nesse período, desde os
anos de 1970 acentuaram-se algumas tendências quanto à organi-
zação dos serviços de saúde no país, entre elas: a extensão da
cobertura previdenciária de modo a incluir toda a população urba-
na e parte da rural; a reorientação para uma prática médico-curativa
individual, em detrimento de medidas de Saúde Pública de caráter
preventivo e de interesse coletivo; a alocação preferencial de re-
cursos previdenciários para a compra de serviços de prestadores
privados, propiciando a mercantilização e empresariamento da
Medicina e a expansão da base tecnológica da rede de serviços e
de consumo de medicamentos (Teixeira, 1989, p. 202).
No final da década de 1970, esse modelo já demonstrava sua
inadequação em relação à realidade sanitária do país. Igualmente, a
partir de 1975 (com a vitória do partido oposicionista nas elei-
ções), começavam a ser visíveis os primeiros sinais do esgotamento
do modelo econômico dos governos militares. Tiveram início as
crescentes mobilizações visando à redemocratização do país que,
no que concerne à reformulação do modelo de saúde, encontrarão
um nicho importante no Movimento Sanitário, envolvendo: pro-
fissionais de saúde, intelectuais, organizações populares e membros
da própria burocracia estatal. Como rede organizadora de ações,
em 1976, foi criado o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
(CEBES), que passou a organizar publicações e realizar eventos
agregadores da discussão sobre o modelo de saúde que pudessem
responder às questões sanitárias do país. Pouco mais tarde, em
1979, foi criada a Associação Brasileira de Saúde Coletiva
(ABRASCO), que agregou o debate acadêmico de crítica ao mo-
delo assistencial e propor formas de construção do Sistema Único
de Saúde.
Esses debates e a crescente aceitação dos problemas do mo-
delo vigente de atenção à saúde levaram a uma série de medidas
intermediárias. Em 1975, buscando dar maior racionalidade aos
serviços de saúde, foi promulgada a Lei 6.229 que criou o Sistema
Nacional de Saúde, definindo-o como o complexo de serviços
(do setor público e privado) voltados às ações de interesse da
Saúde, abrangendo ações de promoção, proteção e recuperação
da saúde (embora mantendo a separação organizacional entre o
Ministério da Saúde e o da Previdência e Assistência Social). Em
1983/1984 foi formulado o projeto de Ações Integradas de Saú-
de que adotou os princípios de universalização, descentralização e
integração dos serviços de saúde, estabelecendo convênios entre
União, estados e municípios na perspectiva dos ideais da consti-
tuição de um sistema único e descentralizado. Em 1986 foi realizada
a 8a Conferência Nacional de Saúde, resultante de longo processo
de preparação e discussão sobre a questão da saúde envolvendo
profissionais de saúde, intelectuais, centrais de trabalhadores, mo-
vimentos populares e partidos políticos. Seu relatório final serviu
como subsídio para os deputados constituintes elaborarem o arti-
go 196 da Constituição Federal sobre a Saúde.
A Constituição de 1988, que muito deve ao Movimento Sani-
tário, reconhece a saúde como direito de todas as pessoas e dever
do Estado. Promove, ainda, a perspectiva de organização descen-
tralizada que possibilita que os diversos municípios elaborem políticas
pertinentes à realidade local. O texto constitucional referenda os
princípios básicos do SUS: universalidade, gratuidade, integralidade
e organização descentralizada. E, com base no texto constitucional,
em 1999 foi aprovada a Lei 8080 que dispõe sobre as condições
para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização
e o funcionamento dos serviços correspondentes.

3. A reorientação da assistência: a era


da promoção da saúde
Essa longa trajetória coincide com as transformações ocorri-
das na economia mundial que levaram do capitalismo clássico ao
neoliberal. A saúde, nessa perspectiva, é onerosa, especialmente
na vertente da recuperação após a doença. O sanitarismo do final
do século XIX e começo do XX, com sua ênfase na higiene, pas-
sou a ser reconfigurado como “preventivismo”. A chave para a
economia da saúde neoliberal contemporânea, obviamente, é
minimizar os custos da recuperação da saúde por meio da promo-
ção da saúde e prevenção do surgimento de doenças.
Coerentemente, os discursos sobre promoção à saúde pre-
sentes nos fóruns e documentos (internacionais e nacionais), desde
1970, anunciam uma importante reorientação da assistência, com
ênfase cada vez maior nos serviços básicos de saúde - uma dimen-
são de assistência simplificada que contou com o endosso da
Organização Mundial de Saúde (OMS). Vale apontar alguns mar-
cos desta reorientação. discutidos por Paim e Almeida Filho (1998):

- A definição de serviços básicos da OMS data de 1953.


- A Assembleia Mundial de Saúde realizada em 1977 ...
lançou a diretriz “Saúde para todos nos anos 2000” e,
na visão dos autores, assumiu, consequentemente, “uma
proposta política de cobertura dos serviços básicos de
saúde com base em sistemas simplificados de assistên-
cia à saúde” (p. 304).
No ano seguinte, em Alma Ata, na conferência Interna-
cional sobre Atenção Primária à Saúde, a saúde é
reafirmada “como direito do homem, sob a responsa-
bilidade política dos governos, e reconhece a sua
determinação intersetorial” (p. 305).

O documento essencial desta última Conferência, a Declara-


ção de Alma-Ata, define as atividades primárias que devem compor
o conceito de cuidados primários incluindo: a educação sanitária, a
assistência nutricional, o saneamento básico, a assistência matemo-
infantil, o planejamento familiar, as imunizações e a assistência
curativa para os problemas mais comuns.
A ênfase na promoção da saúde e prevenção da doença abre
uma nova dimensão na compreensão dos fenômenos da saúde e da
doença: a da determinação social da doença. O social se faz pre-
sente não apenas na explicação do processo saúde-doença, como
também na esfera do comportamento, trazendo para a discussão a
reflexão sobre a cultura de classe e significados do adoecimento. O
atendimento em nível primário, dependendo da aderência ao servi-
ço e/ou ao tratamento, torna premente a questão dos sentidos
polissêmicos da saúde e da doença e dos papéis desempenhados
por diferentes profissionais. A saúde toma-se multidisciplinar. Ob-
viamente, a noção de integralidade, assim, como a organização de
serviços básicos de saúde com base em equipe multiprofissional,
abre as portas desses serviços para a Psicologia, que passou a
integrar as equipes profissionais que atuavam nos centros de saúde
e nas unidades básicas de saúde.
Na década seguinte, o debate sobre saúde volta-se mais es-
pecificamente à promoção, com expansão progressiva dos
componentes da saúde que, para além dos aspectos biológicos do
adoecimento e das ações voltadas à prevenção, cura e recupera-
ção, passa a incluir na agenda o ambiente (físico, psicológico e
social), assim como o estilo de vida. São documentos-chave desta
proposta a Carta de Ottawa (1986) e o Projeto Cidades Saudá-
veis da OMS (1986/1995).
Nesse enquadre, abrem-se novas perspectivas para a pesqui-
sa e intervenção de caráter psicossocial que têm por fundamento
conceitos como risco, vulnerabilidade, coconstrução de sentidos;
por foco, a violência e a exclusão social e como prática, o uso de
estratégias diversificadas (como grupos e rodas de conversa) defi-
nidas em diálogo com a população atendida e com os demais
profissionais da saúde. De modo geral, entretanto, as novas inser-
ções criam tensões, uma vez que as ferramentas psi, de certo modo.
continuaram as mesmas.

4. Sobre a ressignificação exigida para


pensar a saúde na perspectiva coletiva:
contrastando Saúde Pública e Saúde
Coletiva
Birman (2005) propõe que Saúde Pública e Saúde Coletiva
constituíram-se como campos não homogêneos. A Saúde Pública
que se formata no final do século XVIII marca o “investimento po­
lítico da medicina e a dimensão social das enfermidades” (p. 11).
Tem como estratégia básica o esquadrinhamento do espaço urba-
no, adotando medidas sanitárias para combater as epidemias e
endemias, e toma impulso com as descobertas bacteriológicas de
Pasteur, “que representaram um avanço fundamental no conheci­
mento biológico das infecções” (p. 12). Em suma, para o autor, a
Saúde Pública encontrou seu solo fundador na Biologia e no
esquadrinhamento estatístico da epidemiologia que começava a se
formalizar nessa época.
Em direção oposta, a Saúde Coletiva “(...) se constituiu atra­
vés da crítica sistemática do universalismo naturalista do saber
médico” (Birman, 2005, p. 12). Está, portanto, intimamente asso­
ciada à entrada das Ciências Humanas na Saúde que passam a
criticar as categorias universalizantes da Saúde Pública; é, conse-
quentemente, campo aberto à multidisciplinaridade. incluindo aí a
Psicologia - especialmente a Psicologia Social.
Paim e Almeida Filho (1998), discutindo essa possível dife-
rença, tomam a Saúde Coletiva como campo científico e de práticas.
Como campo científico, nele “se produzem saberes e conhecimen-
tos acerca do objeto ‘saúde’ e operam distintas disciplinas que o
contemplam sob vários ângulos” (p. 308); como campo de práti­
cas, “(...) se realizam ações em diferentes organizações e instituições
por diversos agentes (especializados ou não) dentro e fora do es-
paço convencional mente conhecido como ‘setor saúde'” (p. 308).
Como campo de conhecimento, a Saúde Coletiva certamente
pode estabelecer um diálogo profícuo com a Psicologia, especial-
mente nas dimensões relacionadas com a compreensão das práticas
de saúde; da maneira como a população identifica suas necessi-
dades de saúde, as explica e se organiza para lhes dar solução e,
ainda, como se dão os processos de comunicação social em saú-
de. Ou seja, a Psicologia contribui retomando na Saúde a
problemática do sujeito e, contanto que as pesquisas e teorizações
sejam definidas de forma crítica, contrapondo-se às tendências
universalizantes e biologizantes da Saúde Pública, enriquece o cam-
po da Saúde Coletiva.
Como campo de práticas, uma das principais características
da Saúde Coletiva é sua multidisciplinaridade. Essa modalidade de
prática envolve uma ampliação dos objetos de intervenção,
extrapolando as noções clássicas de prevenção e atenção primária
e passando a pautar-se, também, por conceitos como promoção à
saúde e qualidade de vida. Extrapola, ainda, a inserção institucional
em serviços de atenção à saúde, pois é prática compatível com a
ação em comunidades e em outros espaços de sociabilidade que
algumas vertentes da Psicologia transitam há muito tempo.

5. Os desafios da prática psicológica no SUS


O primeiro desafio que se impõe, não só para os psicólogos
mas para todos os trabalhadores de saúde e a sociedade brasileira,
é a consolidação do Sistema Único de Saúde. Após mais de quinze
anos de sua implantação o SUS ainda sofre com problemas como
acesso, financiamento, descentralização, participação popular,
iniquidade do sistema em relação às demandas regionais, oferta de
serviços e insumos, além da gestão e formação para o trabalho em
saúde.
Diversas tentativas vêm sendo realizadas para fazer avançar o
SUS e numerosos estudos têm sido publicados para compreender
as dificuldades de fazer avançar os ideais da reforma sanitária, como
por exempl, Lima et al. (2006).
Entre alguns exemplos de estratégias atualmente em anda-
mento, que visam à reformulação da formação e do trabalho em
Saúde, com o intuito de produzir um maior alinhamento com os
princípios e objetivos do SUS, estão: a expansão do Programa
Saúde da Família (PSF), compreendido como a principal estraté-
gia de reorientação do modelo assistencial, que tenta superar o
modelo hospitalocêntrico e fazer chegar algum tipo de atenção à
saúde a uma população historicamente excluída; a criação da
Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde
(SGTES), no âmbito do Ministério da Saúde, desenvolvendo
iniciativas como os polos de educação permanente; o Ensina-SUS
e o fortalecimento das Escolas Técnicas do SUS. Nessa pers-
pectiva, é importante ressaltar que o desafio de formar profissionais
mais alinhados aos ideais e às demandas do SUS não é exclusivi-
dade da Psicologia, constituindo-se como preocupação para a
maioria das profissões do campo da Saúde.
Esse esforço se deve, também, aos mecanismos de indução
financeira e à expansão do mercado de trabalho em Saúde para
reorientação do sistema através do PSF e dos dispositivos assis-
tenciais da Reforma Psiquiátrica, como é o caso dos Centros de
Atenção Psicossocial (CAPS) e das equipes matriciais2.
Existe uma clara tendência política de incentivar a formação e
a organização de equipes de saúde, para ampliação do acesso e
para a reorientação do modelo assistencial a partir da atenção bá-
sica. Nesse sentido, diversas profissões têm voltado sua atenção
para a expansão desse “novo” mercado, mais identificado com os
discursos da Saúde Pública, Saúde Coletiva e com os ideais de
democratização e socialização das questões da saúde. Assim, pre-
tende-se substituir o enfoque centrado no indivíduo e no modelo
médico-curativo para redescrever suas teorias e práticas numa
perspectiva coletiva e voltada à integralidade.
Portanto, para pensar a possibilidade de formação e atua-
ção profissional, a partir do SUS, é fundamental reafirmar os seus
princípios:
1) Da saúde como um direito (universalidade).
2) De reduzir as desigualdades do sistema, que espelham as
desigualdades sociais e regionais pior meio da distribuição equânime
dos serviços, dos profissionais e dos recursos (equidade).

2As equipes matriciais constituem grupos de profissionais especializados, que visam


fornecer suporte às equipes de atençào básica, entre eles profissionais de saúde mental,
na condução de demandas específicas.
3) Da organização das ações, a partir das demandas de saúde
da população, as quais são produzidas nas lutas pela interpretação
daquilo que se convencionou chamar de “necessidades de saúde”
(Camargo Jr., 2005).
Esses princípios, articulados com as diretrizes de descen-
tralização, regionalização, hierarquização e participação popular,
constituem uma base doutrinária e organizacional que impõem aos
que se intitulam profissionais de saúde, pensar e entrar em contato
com problemáticas tais como: gestão do sistema; participação e
autonomização dos usuários e dos movimentos sociais, na formula-
ção de políticas e ações de saúde e de direitos sociais, entre outros.
No momento em que reconhecemos a luta por projetos políti-
cos e científicos no interior das universidades e agências de fomento,
não é difícil identificar o primeiro grande desafio que a Psicologia
tem pela frente, a partir de sua história e complexidade de teorias,
práticas e ideologias, para construir saberes e práticas mais alinha-
das aos valores e ideais do SUS, em que todos os profissionais de
saúde são atores privilegiados no que concerne ao compromisso
constitucional de construir o sistema de saúde em nosso país.
E aqui, situa-se o segundo desafio que identificamos para a Psi-
cologia no SUS: a noção de indivíduo. A prática privada dos
psicólogos e sua identificação histórica com o modelo médico-
normativo, como discutido anteriormente, formaram a identidade
cultural do psicólogo, que identificamos com o tempo vivido. A pers-
pectiva diagnóstica e clínica, que tem sido produzida nas unidades de
saúde do SUS por meio de práticas dissociadas dos contextos só- cio-
sanitários e da integralidade. trazem a marca do enorme desafio de
formação, pesquisa e organização do trabalho que a Psicologia tem
pela frente. Não é incomum encontrarmos psicólogos em ativi- dades
prioritariamente ambulatoriais, em hospitais e unidades de atenção
básica.
Ao mesmo tempo, diversas atividades do campo da Saúde
Mental, historicamente contra-hegemônico no que diz respeito à prá-
tica psicológica, avançaram na compreensão ampliada do processo
saúde-doença, identificando os atravessamentos políticos, sociais,
institucionais e discursivos presentes nas traduções sobre o chamado
louco e sobre a loucura (Amarante, 2000). Nesse particular, a influên-
cia da Psicologia Social e da abordagem institucionalista foram
fundamentais para a denúncia da medicalização do campo da Psiqui-
atria e na formulação de propostas para sua crítica e superação.
Por outro lado, essa mesma perspectiva, ao se debruçar so-
bre o campo da Saúde Pública, procura identificar exatamente
aqueles fenômenos que circunscrevem a possibilidade de patologia
mental, como os transtornos de humor, a dependência química e as
psicoses.
Esse se constituiu como o terceiro desafio, que é instituir um
diálogo profícuo entre a Saúde Mental e a Saúde Publica, e não
mais tratá-los como “universos paralelos” (Vasconcelos, 2004). Para
atingir os objetivos da Reforma Sanitária é necessário expandir seu
campo de interpretação e ação, incorporando os desafios da Re-
forma Psiquiátrica, a partir da integralidade das ações de saúde.
A integralidade, como um princípio do SUS, tinha como
preocupação inicial dar organicidade ao sistema, articulando ações
de prevenção e ações curativas, antes separadas, política e admi-
nistrativamente, nos Ministério da Saúde e da Previdência. Ou
seja, as políticas e serviços do SUS devem se organizar a partir
da integralidade das ações de saúde, compreendendo articulada-
mente ações de prevenção, tratamento e reabilitação. Como
aponta Mattos (2001). alguns sentidos de integralidade foram se
construindo para além de seu sentido constitucional, focalizando
a atenção à pessoa como um todo e não somente sua descrição
biológica, compreendendo o processo saúde-doença como cons-
tituído a partir dos registros social, econômico, político e também
psicológico. Ressignifica, portanto, o paciente como um sujeito
de direitos, que deve ser atendido a partir de suas necessidades,
dando origem a discursos e práticas como a Medicina Integral, a
Psicologia Médica e a Bioética.
Nessa acepção, a integralidade torna-se também uma ética;
um valor que pretende construir as políticas, os processos de traba-
lho e as ações propriamente ditas, a partir da centralidade do usuário
e dos sujeitos envolvidos na ação. Trata-se de uma micropolítica
dos processos de atenção à saúde ou, para usar uma terminologia
de Mehry (2005), das tecnologias leves, que são os dispositivos de
relações entre profissionais e usuários. Essas seriam as tecnologias
mais utilizadas no sistema de saúde e que, bem organizadas, trariam
maior qualidade e efetividade a essas ações.
Dessa compreensão, decorre também uma das políticas que
tem sido a bandeira de luta de muitos psicólogos da Saúde, princi-
palmente daqueles que exercem sua atividade em hospitais. Os
programas de humanização hospitalar, que recentemente, resulta-
ram na Política Nacional de Humanização, apontam para a
necessidade que toda política e ação de saúde devam ter como eixo
a humanização. Apesar da polêmica em tomo do nome humanização,
essa ênfase explicita a crítica e a superação da concepção de doen-
te identificada com o modelo anátomo-fisiológico da Medicina
moderna, elevando-o à condição de sujeito, apresentando necessi-
dades que vão além dos cuidados com a doença e com o corpo.
Em torno desse discurso, muitos psicólogos têm construído
sua inserção nas Unidades de Saúde, contudo, muitas vezes, sem
realizar articulações com os princípios e diretrizes do SUS. Huma-
nizar, no sentido proposto pelo Ministério da Saúde, é mais que
reorganizar os espaços sanitários; é reorganizar os processos de
trabalho, formar e qualificar trabalhadores, garantir os direitos e a
cidadania dos usuários por meio do controle e da participação
popular; é instituir práticas fundadas na integralidade (Benevides,
2005). Os atores da Saúde Coletiva foram partícipes importantes
do movimento de Reforma Sanitária que levou à aprovação e im-
plantação do SUS. Não surpreende, pois, que, nos princípios
básicos do SUS, estejam incluídas: a regionalização - enfatizando
o nível local da atenção à saúde; a integralidade - enfatizando a
perspectiva transdiciplinar da atenção à saúde; e a participação
popular % enfatizando o necessário envolvimento de todos na
implementação plena do SUS.
Se pensarmos a atenção à saúde a partir da perspectiva
transdisciplinar, de junção de forças para consecução do ideal de
universalização e integralidade da atenção à saúde, temos, sem dú-
vida, que repensar o lugar possível da Psicologia nesse novo
enquadre. Isso não é difícil quando refletimos a partir da ótica da
Psicologia Social, em que a transdisciplinaridade e a subversão dos
espaços tradicionais de atuação há muito tempo são praticadas.
Assim, não é por acaso, que há um diálogo confortável entre mem-
bros da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO)e
da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO).
Em suma, quando contrapomos as vertentes históricas das fer-
ramentas Psi aplicadas à atenção à saúde, que são mais voltadas
aos processos de individualização, com as necessidades decorren-
tes do enquadre coletivo, temos desafios políticos consideráveis no
que concerne à formação dos psicólogos para atuação no SUS.

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Capítulo 2

A inserção de psicólogos em
serviços de saúde vinculados ao
SUS: subsídios para entender os
dilemas da prática e os desafios
da formação profissional
Mary Jane Paris Spink
Jefferson de Souza Bernardes
Liliana Santos
Estêvão André Cabestré Gamba

O primeiro capítulo desta coletânea forneceu o contexto


histórico da inserção da Psicologia nos serviços públicos de atendi-
mento à saúde, assim como os dilemas contemporâneos com os
quais se defronta a prática psi pensada no enquadre dos princípios
e estruturação atual do SUS. No presente capítulo, assim como
nos dois que o seguem, serão discutidos aspectos diversos da prá-
tica e da formação de psicólogos que, em 2006. atuavam no SUS.
Apresentaremos informações derivadas do Cadastro Nacional de
Estabelecimentos de Saúde (CNES), cotejadas com dados sobre
o quantitativo de profissionais registrados no sistema de Conselhos
de Psicologia e complementados com dados obtidos por meio de
entrevistas com uma amostra de psicólogos que atuavam nesses
estabelecimentos.
Várias pesquisas haviam sido realizadas visando entender a
inserção da Psicologia em serviços de saúde na ótica das entida-
des de classe e do mercado de trabalho para psicólogos, entre
elas: o estudo sobre o perfil do Psicólogo no Estado de São Pau-
lo, publicado em 1984 pelo Sindicato dos Psicólogos no Estado
de São Paulo e Conselho Regional de Psicologia de São Paulo - 6-
' Região - (CRP/06); o levantamento sobre prática profissional
realizado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) e publica-
do em 1988; o estudo sobre a inserção do psicólogo nas unidades
básicas de saúde, realizado pelo CRP/06 e publicado em 1991
(Jackson & Cavallari, 1991); a coletânea de textos sobre as prá-
ticas emergentes e desafios paia formação, organizada por Achcar
e publicada pelo CFP cm 1994 e as estatísticas sobre formação,
atuação profissional e mercado de trabalho publicadas pelo CRP/
06 em 1995.
Embora apenas o estudo do CRP/06, datado de 1991. abor-
dasse especificamente a prática em serviços de saúde, a
importância da Saúde Pública como campo de trabalho e o
descompasso entre formação no nível da graduação e demandas
da atuação nesses serviços, há muito tempo, vem sendo foco de
debate entre os psicólogos. A contribuição do estudo realizado
para a Associação Brasileira de Ensino da Psicologia (ABEP),
portanto, está na inversão do olhar: partimos dos dados dos ser-
viços para entender a inserção da Psicologia no SUS,
considerando as diferenças regionais relacionadas ao quantitativo
de profissionais da área psi, o tipo de estabelecimento em que
atuam, as formas de atuação (aspecto que será discutido no capí-
tulo três) e a formação (tema do capítulo quatro), tendo por pano
de fundo a oferta (ou seja, o número de psicólogos cadastrados
nos Conselho da referida região).
Entretanto, considerando que as informações cadastradas em
bancos de dados contam apenas parte da história, usamos uma
tática complementar de modo a ouvir os próprios psicólogos. Para
isso, foi realizada uma enquête por telefone com uma amostra de
psicólogos localizados a partir do CNES. Desta forma, a discussão
sobre a inserção da Psicologia no SUS feita neste capítulo triangula
as várias fontes de informação: os dados do CNES, a pesquisa por
telefone, as informações obtidas no sistema de Conselhos e os da-
dos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

1. Sobre os psicólogos que atuam em


serviços de saúde: aproximações que
sempre deixam a desejar
Na perspectiva construcionista (Ibañez 1993; Spink & Frezza,
1999), nunca se tem acesso direto à “realidade”. Mais grave, aban­
dona-se a ilusão de que há uma realidade não problemática. Fala-se,
ao invés, de construções sociais da realidade, propondo que aqui-
lo que chamamos de “real” é produto de nossas práticas sociais:
ferramentas linguísticas e materialidades diversas, como as fichas
cadastrais, os computadores, os sistemas de classificação e códi-
gos usados para transportar tais informações para algum banco de
dados que, por sua vez, terá funções variadas: servir de base para
ações, como controle e centralidade das informações, pagamento
ou, mesmo, dar apoio a pesquisas.
Em suma, aquilo que tomamos como dados do real são, a
bem dizer, cadeias de práticas, cada elo com seus problemas espe-
cíficos. Por exemplo, nem sempre as fichas (ou questionários) são
preenchidas de modo a atender os objetivos a que se prestam,
pois, na maior parte das vezes, não há compartilhamento entre quem
define tais objetivos e quem preenche as informações. Também não
migram com tranquilidade do ponto de origem (alguém que fornece
as informações) para os outros tantos pontos de passagem: de um
serviço específico para uma administração regional, desta para uma
unidade central e daí para usuários diversos: unidades de paga-
mento, gestores, pesquisadores, etc.
Essas vicissitudes das cadeias de práticas em redes organiza-
cionais complexas - intrínsecas a qualquer sistema de informação -
suscitam um alerta: os dados aqui discutidos têm que ser tomados
com cautela. Isso se aplica, sobretudo, às informações colhidas no
CNES1, seja pela complexidade desse sistema de informação, seja
pela tradução que se fez necessária para que tais dados pudessem
ser processados para os objetivos da pesquisa aqui relatada.
O CNES, criado pela Portaria n° 403 de 20 de outubro de
2000. do Ministério da Saúde, faz parte do DATASUS e tem por
função principal o Registro dos Estabelecimentos de Saúde de todo
o país. Esse banco de dados é alimentado por meio do preenchi-
mento das Fichas Cadastrais de Estabelecimentos de Saúde
(FCES). Geralmente esse processo é realizado de forma manual e
encaminhado ao gestor da Regional de Saúde que introduz as in-
formações no sistema.
O CNES faz parte da política da Secretaria de Assistência a
Saúde do Ministério da Saúde e, como parte das estratégias de
descentralização, busca responder à necessidade de modernizar
os instrumentos de gestão, planejamento e autorização, permitin-
do uma maior qualidade e controle dos procedimentos realizados
pelo SUS. O registro do Estabelecimento de Saúde é obrigatório
e não implica em vínculo com o SUS. Sua atualização, também é
obrigatória para os representantes estaduais e municipais, sendo
estabelecidos cronogramas de atualização periódicas por meio
de Portarias Ministeriais. *

¹ Para esta pesquisa foi liberado, pelo Ministério da Saúde, o Banco de Dados do CNES.
em arquivo Excel, constando: nome do profissional em psicologia; CPF; endereço;
CEP; estado; município; nome do estabelecimento de saúde; número do registro do
estabelecimento no CNES; tipo de estabelecimento; município do estabelecimento;
telefone do estabelecimento; fax do estabelecimento; e-mail do estabelecimento; carga
horária do vínculo (hospitalar, ambulatorial e outros); tipo dc vínculo SUS e não SUS.
Não havia endereços eletrônicos pessoais no cadastro, o que levou à decisão de realizar
as entrevistas por telefone.
O registro dos estabelecimentos de saúde orienta, também, o
pagamento dos estabelecimentos e dos profissionais a eles vincu-
lados. Configura-se. portanto, como o principal banco de dados
do Ministério da Saúde no que diz respeito aos estabelecimentos e
profissionais de saúde.
O CNES é público e está acessível no endereço eletrônico
http://cnes.datasus.gov.br. A acessibilidade ao cadastro se dá de
várias formas, com destaque a três, que se estabelecem por con-
sultas: primeiro, por unidade de estabelecimento, ou seja, o
usuário consegue consultar um estabelecimento por vez. A partir
deste estabelecimento, é possível identificar os profissionais que
possuem vínculos com o mesmo e uma série de informações a
respeito daquela instituição. Em segundo lugar, a busca pode ser
feita por profissionais que possuem vínculos com o SUS. As-
sim, digita-se o nome do profissional e sua ficha reduzida surge na
tela. Fornece, ainda, o número total de profissionais envolvidos
com o SUS que, atualmente, ultrapassa 1,5 milhão de pessoas.
Por último, por mantenedora, ou seja, digitando-se o nome da
mantenedora do estabelecimento de saúde, serão abertas janelas
para todos os estabelecimentos ali registrados2.

2 No menu superior da página do CNES existe ainda o termo Indicadores. Ali estão

presentes muitos dados e informações sobre o SUS. Um deles é o Especialidades


Profissionais (CBO). Esse indicador apresenta informações sobre o número de
profissionais em várias atividades, por Estado da federação. Acredita-se que esse
indicador não possua um filtro específico relacionado aos profissionais, de forma que
o registro de profissionais contenha outros elementos estranhos ao que foi solicitado.
Dessa maneira, quando selecionado o descritor psicólogo — em geral, por exemplo, o
resultado é o total de vezes que esse descritor aparece em todo o sistema, incluindo:
profissionais que já não possuam mais vínculos, estabelecimentos, endereços etc. Isso
pode levar a leituras inflacionadas do número de psicólogos(as) com vínculos no
Sistema Único de Saúde.
2. Somos muitos, porém ainda poucos:
a presença de psicólogos em serviços de
saúde vinculados ao SUS nas diferentes
regiões do país
O número de psicólogos(as) registrados no Cadastro do
CNES no início de 2006 era de 18.3553, com 3.948 nomes de
profissionais duplicados (pois possuíam vínculos em mais de um
local da rede de saúde). Dessa forma, na época em que foi reali-
zada a pesquisa, 14.407 profissionais da Psicologia trabalhavam
na rede de serviços de saúde4.
A distribuição desses profissionais variava segundo a região
do país, refletindo diferenças no número de habitantes por região,
assim como no número de psicólogos registrados nos Conselhos
Regionais de Psicologia. Considerando, primeiramente, a relação
entre número de habitantes em cada região e o número de profissi-
onais da Psicologia (Tabela 1), verifica-se que a Região Sudeste
tem a melhor proporção, com 780 habitantes por psicólogo. A pior
relação ocorre na Região Norte do país, com 3.194,8 habitantes
para cada profissional em Psicologia. A média no país é de 1.187,8
habitantes por profissional em Psicologia.

Tabela 1: Relação entre número de habitantes por regiões e número de


psicólogos registrados no Sistema Conselhos de Psicologia

* Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000.


** Fome: Banco de Dados do Sistema Conselhos de Psicologia - CFP. 2006.

³ Os números correspondem ao arquivo Excel enviado, pelo Ministério da Saúde, no


dia 06/04/2006.
4 Abrangendo vínculos diversos, incluindo 898 registros de estabelecimentos catego-

rizados como não SUS.


A proporção entre o número de psicólogos(as) que possuem
vínculos com o SUS e o número de psicólogos(as) registrados no
Sistema Conselhos de Psicologia, varia de 7,97% dos psicólogos
da Região Centro-Oeste a 14,76% dos psicólogos da Região Nor-
deste. A média no país é de 10,08% do número total de psicólogos,
que possuem algum tipo de vínculo com o SUS. Tais diferenças
podem ser visualizadas na Figura 1 que contrapõe o número de
psicólogos inscritos nos Conselhos com o número total de psicólo-
gos em serviços de saúde vinculados ao SUS, por região.

Figura 1: Proporção entre número de psicólogos inscritos e ativos do


CFP e número de psicólogos na rede de Saúde Pública, por Região

* Fonte: Banco de Dados do Sistema Conselhos de Psicologia - CFP. 2006.

** Fonte: Banco de Dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. 2006.

Contudo, as regiões não são homogêneas: há estados com uma


melhor proporção entre psicólogos registrados nos Conselhos e os
que atuam na rede pública. Tomando o Nordeste como exemplo,
verifica-se, na Tabela 2, uma variação de 8% a 29% na relação entre
número de psicólogos e aqueles inseridos na rede de Saúde. Os es-
tados da Paraíba e do Rio Grande do Norte possuem o maior
percentual. Em contraste, os de Pernambuco e Ceará, contam com a
menor proporção de psicólogos atuando na rede de Saúde.
Tabela 2: Proporção entre número de psicólogos inscritos no Sistema
Conselhos de Psicologia e número atuando na rede de Saúde vinculada
ao SUS, por estado da Região Nordeste

* Fonte: Banco de Dados do Sistema Conselhos de Psicologia - CFP. 2006.


** Fonte: Banco de Dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. 2006.

Essa relação, por sua vez, depende das diferenças regionais e


intrarregionais quanto ao número de estabelecimentos para aten-
dimento à saúde, conforme detalhado na Tabela 3.

Tabela 3: Proporção entre o número de estabelecimentos de Saúde e


aqueles com psicólogos, por região

* Fonte: Banco de Dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. 2006.


** Fonte: Banco de Dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. 2006 - página na Web:
hltp://cnes.datasus.gov.br/Lisla_Tol_Es_Estado.asp. coletado no dia 31/08/2006.

Percebe-se que, embora o total de psicólogos atuantes na rede


de Saúde vinculada ao SUS pareça ser grande (N= 14.407), quando
se considera o número de estabelecimentos, a presença do profis-
sional da Psicologia na Rede de Saúde brasileira é ainda bastante
incipiente. A média no país de estabelecimentos de saúde que têm
profissionais de Psicologia com vínculos no SUS é de apenas 6,55%.

3. Profissionais da Saúde, ou da Saúde


Mental? A inserção da Psicologia em
serviços de saúde vinculados ao SUS
A listagem de estabelecimentos de saúde apresentada nas Ta-
belas 4,5 e 6 teve por base a classificação utilizada pelo Ministério
da Saúde. Entretanto, considerando que as 20 categorias empre-
gadas dificultavam a compreensão da inserção dos profissionais da
Psicologia, optamos por reduzir o número de categorias de tipos
de estabelecimentos de Saúde. Para fins de análise, utilizamos 13
categorias distribuídas em quatro modalidades de atendimento: saúde
geral, saúde mental, programas especiais e uma categoria ampla
abrangendo uma variedade de serviços que não se encaixavam nas
modalidades anteriores.

Tabela 4: Percentual de estabelecimentos com psicólogos por tipo de serviço


Verifica-se, na Tabela 4, que os três tipos de estabeleci-
mento que congregam o maior número de psicólogos são os
Centros de Saúde/Unidades Básicas de Saúde (39%), os am-
bulatórios especializados (12%) e os Centros de Atenção
Psicossocial/CAPS (11%). Há, ainda, uma proporção significa-
tiva de psicólogos atuando em consultórios que atendem a
clientela encaminhada pelo SUS.
Na direção oposta, são poucos os psicólogos inseridos
em hospitais psiquiátricos, aspecto certamente relacionado à
Reforma Psiquiátrica e à diretiva de dês-hospitalização e aten-
dimento em serviços substitutivos.
Surpreende a baixa proporção de psicólogos em progra-
mas especiais relacionados às doenças sexualmente transmitidas
(0,95%), embora tal dado possa estar relacionado a erros do
próprio sistema de informação, estando eles classificados nos
estabelecimentos de tipo ambulatório especializado.
De forma complementar, considerando o total de psicólo-
gos por tipo de estabelecimento (Tabela 5), verifica-se que os
profissionais estão inseridos, sobretudo, em três modalidades
de atendimento: 29,9% em Unidades Básicas de Saúde, 31,6%
em ambulatórios e hospitais (gerais e especializados) e outros
18.6% em serviços voltados à saúde mental (CAPS e hospitais
psiquiátricos). Em contraste com os dados sobre os estabeleci-
mentos, verifica-se que há uma proporção maior de psicólogos
atuando em hospitais, assim como uma proporção menor atuan-
do a partir de consultórios.
Tabela 5: Percentual de psicólogos por tipo de estabelecimento de
saúde

Essa distribuição mantém-se quando analisamos os dados


por região do país (Tabela 6), embora com pequenas variações
regionais. Tomando a porcentagem de cada tipo de atendimento
como parâmetro, verifica-se que a proporção de psicólogos em
Unidades Básicas de Saúde é maior no sul do que nas demais
regiões. Na região Norte, há maior presença de psicólogos em
ambulatórios e hospitais. O Nordeste é a região com a maior pro-
porção de psicólogos em CAPS e, em contraste, o Sudeste tem a
maior proporção de psicólogos em hospitais psiquiátricos. Prova-
velmente há razões variadas para essas discrepâncias associadas à
história da Saúde Pública nas diversas regiões do país, assim como,
na militância relacionada à Reforma Sanitária e Reforma Psiquiá-
trica. Tais aprofundamentos, por mais instigantes que sejam,
extrapolam os objetivos do presente texto. 5

5 Optamos por manter o número total de registros de profissionais em Psicologia constante no

CNES, sem retirar os registros duplicados, pois um mesmo psicólogo pode estar em mais de
um tipo de estabelecimento e não teríamos como decidir qual registro seria excluído.
Tabela 6: Proporção entre o número de psicólogos no SUS por tipo de
estabelecimento de Saúde em cada região

4. Sobre as múltiplas formas de estar no


SUS: os dados das entrevistas
A partir do arquivo do CNES, foram realizadas as estratifi-
cações para o cálculo da amostra de profissionais que seriam
entrevistados. A estratificação foi definida por meio de duas vari-
áveis: o Estado da Federação e o Tipo de Estabelecimento,
utilizando as categorias desenvolvidas pela equipe de pesquisa
com base na classificação adotada pelo Ministério da Saúde. A
amostra incluiu 375 profissionais em Psicologia na rede de Saúde
Pública brasileira. O nível de confiança foi de 95% e a margem de
erro de 5%.
A Empresa MQI/IBOPE, sediada em Curitiba (PR), foi con-
tratada para a realização das entrevistas com base em questionário
desenvolvido conjuntamente com a equipe de pesquisa. Para a
realização desta etapa, foi feito o treinamento da equipe de
entrevistadores, em maio de 2006.
Foram utilizadas várias estratégias para o controle da quali-
dade dessas entrevistas, tais como: teste do questionário quanto à
abordagem, aplicação, consistência e preenchimento antes do iní-
cio do campo; abordagem padrão, com texto de apoio para
possíveis dúvidas do entrevistado; acompanhamento on-line das
ligações e produtividade da equipe; checagem de 20% dos
questionários de cada entrevistador em áudio e vídeo no momen-
to da realização das entrevistas; definição de equipes com 10
entrevistadores e um supervisor para o controle da qualidade do
serviço, esclarecendo, checando in loco e acompanhando on-
line as entrevistas. Para auxílio ao trabalho dos entrevistadores,
foi desenvolvido um glossário com os principais autores, escolas,
teorias, conceitos e termos em Psicologia que poderíam surgir
durante a entrevista.
O MQI/IBOPE realizou 342 entrevistas telefônicas entre 18
de maio e 16 de junho de 2006 com profissionais da Psicologia que
atuavam em serviços de saúde vinculados ao SUS. O tempo médio
de cada pesquisa realizada foi de 13 minutos e 46 segundos. Entre-
tanto, existiram dificuldades operacionais tendo em vista a
desatualização do cadastro do CNES. Consequentemente, foram
necessários 38 contatos por entrevista realizada (considerando so-
mente as ligações que conseguiram falar com alguém)6; em 912
casos o telefone era do local indicado na base, porém o psicólogo
não trabalhava mais no local; em 1.995 casos o telefone constante
do cadastro não conferia.
Em síntese, as dificuldades em relação ao banco de dados
provocaram sucessivas reposições de amostras de profissionais
a serem entrevistados. Mesmo assim não foi possível completar a
6Ao considerar o número de ligações por pesquisa realizada, esse número aumenta e
corresponde a 88.09 ligações por pesquisa, totalizando 30.129 ligações. Ou seja. esse
foi o número total de telefonemas para a realização de 346 entrevistas. A título de
comparação, a média de telefonemas, para fins de pesquisas, que a MQI/IBOPE
realiza é de 7 a 8 telefonemas para cada entrevista realizada.
cota amostral estratificada inicialmente prevista, resultando no en-
cerramento da pesquisa com o preenchimento de 342 profissionais
de psicologia. Estatisticamente ocorreu um aumento na margem de
erro de 5,0% iniciais para 5,3%.
Destacaremos, na sequência, alguns aspectos contemplados
nas entrevistas realizadas com profissionais de Psicologia, de cujo
total 11% eram homens e 89% mulheres.
A Figura 2. produzida a partir da distribuição por faixa etária,
permite visualizar que a maior concentração de profissionais entre-
vistados encontrava-se na faixa entre 26 a 30 anos e entre 41 a 45
anos.

Faixa Bária

Figura 2: Faixa etária dos profissionais entrevistados

Com relação ao cargo ou à função que exerce naquele esta-


belecimento, 91 % respondeu que é a de psicólogo. Somente 8%
afirmaram exercer a função de Coordenação de Área e apenas 1 %
a de Diretoria. Já no que se refere aos vínculos do profissional com
o SUS, verifica-se, na Figura 3 que somente 47% dos profissionais
entrevistados são estatutários.
Vncuios

Figura 3: Vínculos do Profissional em Psicologia com o SUS

Esses dados são compatíveis com a forma de ingresso no ser-


viço de Saúde: a maioria dos profissionais ingressou através de
concurso público (38%) ou por meio de contrato terceirizado (24%).
Os demais ingressaram por meio de estágios, remunerados (5%)
ou não (8%). Um pequeno número ocupa cargos de confiança (2%)
e os demais se aproximaram do serviço por meio de trabalhos vo-
luntários (2%) ou acadêmicos (1 %).
Um outro aspecto contemplado nas entrevistas foi o tempo
em que o profissional trabalha naquele local. Conforme pode ser
visualizado na Figura 4, observa-se que a maior concentração de
tempo de trabalho no local de vínculo atual está entre 2 e 5 anos.
Terrpo ôe Trabalho

Figura 4: Tempo de Trabalho do Profissional no Local

Com relação à carga horária semanal (Tabela 7), observa-se


que há predominância de contratos nas faixas de 11 a 20 horas
(34%), 21 a 30 horas (30%) e 31 a 40 horas (29%).

Tabela 7: Carga Horária Semanal

5. Todos os caminhos levam a Roma? Os


psicólogos e as psicólogas falam sobre
sua inserção no SUS
Uma das perguntas da entrevista, realizada por telefone, refe- ria-
se aos motivos que levaram esses psicólogos e psicólogas a ingressar
em serviços de saúde vinculados ao SUS. Era possível dar mais de
uma resposta de modo que os diversos motivos foram categorizados,
obtendo-se a distribuição constante da Tabela 8.
Tabela 8: Motivos que o levaram a ingressar no SUS

Obviamente, por termos permitido mais de uma resposta7, não


há como diferenciar prioridades. Contudo, vemos na distribuição
na Tabela 8, que há dois conjuntos de respostas que se destacam.
O primeiro, abarcando 39% das respostas, concerne aos motivos
relacionados com a necessidade de emprego e com as caracterís-
ticas dos cargos de servidor público: os desafios profissionais, a
estabilidade, a realização de concursos e, mesmo, a melhor remu-
neração se comparado com o mercado privado. Por exemplo,

- Ahh! Eu acabei de me formar, fiquei sabendo do con-


curso, passei e tô aqui.
- Na verdade minha vida sempre foi de trabalho, passei
no concurso e entrei.
7 A maioria dos entrevistados (79%) forneceu apenas um motivo para ingresso em
serviços de saúde. Dos demais, 9% apresentou dois motivos e 12% três ou mais razões
para a inserção profissional atual.
- Pelo fato de morar em (nome da cidade) e ser uma
cidade extremamente pequena, um consultório não teria
muito retorno; então resolvi prestar concurso.
- Uma grande oportunidade oferecida no processo de
seleção. Logo após minha formação, eu não sabia que
trabalharia no serviço público.

Ou ainda,
- Necessidade de trabalhar.
- Necessidade financeira.
- Oportunidade para começar.

O segundo conjunto, correspondendo a 27% das respostas,


está relacionado à identificação com a proposta do SUS e à militância
política. Por exemplo,

- Eu estudei e sou apaixonada pelo que estudei e gosto


da área.
- Foi minha primeira opção profissional. E hoje porque
tenho afeto. Não pela necessidade financeira.
- Foi o desejo mesmo de trabalhar com a saúde pública.
- Me apaixonei pelo desafio de trabalhar com pessoas
com problemas sérios.
- Oportunidade de fazer um trabalho que eu acredito,
junto à rede, de uma doença que tá englobada na saúde
mental.
- Paixão, pelo compromisso com a população.
- Por motivos particulares, me interesso, gosto e me iden-
tifico, e para expandir meu conhecimento nessa área.
- Sempre gostei da área da saúde, fiz um concurso e
passei.
Outras respostas de cunho mais político,

- Compromisso com o SUS e uma formação na área


social.
- Eu gosto do Sistema Público de Saúde. Eu gosto de
atender essa demanda por vários motivos, primeiro por-
que gosto, acho que tenho habilidade para isso; quando
a gente trabalha no serviço público temos muito mais
informação do que no serviço particular.
- Militância no campo da Saúde Pública e Mental.
- O desejo de um trabalho em equipe, a identificação
com o trabalho social, a convicção de que o psicólogo
tem muito a contribuir com a Saúde Pública; também a
busca de uma estabilidade e poder ter um tipo de víncu-
lo que garanta a continuidade do trabalho.
- Questão ideológica: acredito em um bom serviço público.
- Transformar, contribuir com a evolução do SUS. Va-
mos dizer assim, o amor pela saúde mental; eu gosto de
trabalhar com a loucura.
- Uma questão pessoal, por vir de uma classe desfa-
vorecida.

Ou, ainda, de caráter mais assistencialista, como nas seguintes


respostas,

- E também pela população carente e você pode fazer


muito por eles, e eu tenho muita vontade de ajudar o
próximo.
- Me identifico porque a população alvo é carente.
- Olha, assim, eu gosto de trabalhar com a comunidade,
gosto de ajudar.
- Sempre gostei da ideia de fazer trabalho social, e pos-
so fazer isso.

Associado a este conjunto, embora mais relacionado à traje-


tória singular do profissional, há algumas respostas que remetem à
experiência ou contatos anteriores. Os exemplos a seguir referem-
se mais especificamente à experiência anterior na rede de saúde
propiciada, sobretudo, pelos estágios:

- A minha especialização que fiz, por isso comecei a tra-


balhar no hospital.
- Desde a época da faculdade já tô nessa área: comecei
com estágio no hospital do servidor, depois ingressei numa
especialização em um outro hospital e aí comecei a tentar
concursos para efetiva como profissional formada.
- Eu comecei fazendo meus estágios na área da Saúde e
consegui um emprego. Mas não era nada pensado, nada
planejado.
- Olha. eu já trabalhava, antes de me formar, no serviço
público, o que me facilitou, porque quando eu passei no
concurso consegui uma vaga na Psicologia.
- Porque fui estagiária e voluntária.

Mas há também formas de ingressar em serviços de saúde


que resultam de contatos e amizades, por exemplo:

- Acompanhando meu marido levei um currículo à pre-


feitura e me contrataram.
- Eu trabalhava em uma clínica particular para um políti-
co, ele ganhou a candidatura e arrumou uma vaga prá
mim no serviço público.
- Foi um convite que recebi de uma amiga.
- Fui convidada porque eu já trabalhava na prefeitura e
também porque atuamos em equipe multidisciplinar, não
fico atuando sozinha e aqui é um modelo integrado onde o
trabalho é total mente em conjunto.
- Havia uma necessidade grande de psicólogos nesta
unidade de saúde, me convidaram e resolvi aceitar.

Em contraste, há um conjunto de respostas, compreendendo


o segundo maior percentual de categorias isoladas de motivos
(14%)s que vai na direção oposta e nos diz da falta de horizontes e
de oportunidades no mercado de trabalho:

-Ai, não teve uma escolha, estava procurando emprego


e consegui aqui.
- Foi a oportunidade que surgiu, porque o nosso merca-
do está péssimo, né, de Psicologia.
- Não escolhi trabalhar na Saúde: não fui eu quem quis.
- Olha, acho que por alternativa de trabalho, consultório
particular seria inviável.
- Pelas coisas que foram acontecendo na minha vida,
por nenhum motivo em específico.

Em suma, os caminhos que levam ao SUS são bastante


diversificados; há aqueles que ingressam nos serviços de saúde
por vocação, paixão, desejo de ajudar a população carente ou,
ainda, por projeto político pessoal. E, paralelamente, há quem o
faça simplesmente por ser esta a opção que lhes apareceu em
um mercado de trabalho sabidamente precário. Entretanto,

* O primeiro, com 18% das respostas, concerne à afinidade e à identificação com a


proposta do SUS.
diferentemente do que acontecia nos idos de 1980, quando as
portas dos serviços básicos foram abertas aos psicólogos (Spink.
2003), atualmente os profissionais da área psi parecem contar
com o respaldo tanto de outros profissionais da Saúde como da
população usuária. Na entrevista por telefone perguntamos a
respeito do reconhecimento do trabalho do psicólogo (Tabela
9). Somando as respostas positivas, 77% dos entrevistados
concordam (totalmente ou em parte) que há reconhecimento do
seu trabalho por parte de outros profissionais; 91 % consideram
(e 62% concordam totalmente) que há reconhecimento por parte
da população.

Tabela 9: Percepção de reconhecimento do trabalho dos psicólogos por


outros profissionais e pela população

6. Considerações (não necessariamente


finais) sobre os dilemas e desafios da
inserção de psicólogos em serviços de
saúde vinculados ao SUS
Os dados da pesquisa realizada para a ABEP confirmam o que
estudos anteriores, realizados pelas entidades da área - os Conse-
lhos e Sindicatos assim como as muitas pesquisas desenvolvidas
para obtenção de títulos de pós-graduação, já vinham anunciando.
Os serviços de saúde, privados e públicos, mas especialmente aque-
les conveniados com o SUS, tomaram-se opções para a inserção
profissional de psicólogos. De um lado. essa conjuntura está relacio-
nada às mudanças na organização dos serviços públicos de saúde a
partir da Lei N° 8.080 de 1990 que instituiu o SUS. Porém, remete
igualmente a outra ordem de fatores associados às transformações
em nossas sensibilidades quanto ao que conta como “saúde”.
Em relação ao primeiro aspecto, vale apontar que alguns prin-
cípios que nortearam a Reforma Sanitária, tomando-se amálgamas
da proposta do SUS, propiciaram o olhar multidisciplinar e, por-
tanto, a ampliação da equipe estruturante dos serviços tradicionais,
constituída por profissionais da Medicina e da Enfermagem. Tal
ampliação responde, certamente, ao desejo de integralidade, um
dos princípios fundamentais da política do SUS. Mas decorre, tam-
bém, da progressiva complexificação do próprio conceito de saúde
que demanda, como propõem os textos da Organização Mundial
de Saúde (OMS) e Organização Pan-americana de Saúde (OPAS),
uma ampliação do foco na doença de modo a incluir as múltiplas
dimensões de bem-estar compatíveis com o que Norberto Bobbio
(1996) chama de “era dos direitos”.
Consequentemente, o ideal de atenção à saúde passou a abar-
car dimensões provenientes de movimentos históricos confluentes
como: o foco na atenção básica e na promoção da saúde; a pos-
tura multidisciplinar associada, no Brasil, às reflexões sobre Saúde
Coletiva; o princípio da integralidade das ações como ideário do
SUS e a aceleração (ou mesmo proliferação) dos direitos sociais.
Sem pretender detalhar todos esses movimentos que con-
fluem de modo a propiciar a abertura ao olhar psi, compete
reiterar que, da Conferência de Alma Ata, realizada na Rússia
em 1978, ao lançamento do programa Cidades Saudáveis pela
Organização Mundial de Saúde em 1986, evoluímos da visão
que pontuava a importância da atenção primária à saúde como
forma de evitar a ocorrência de agravos à saúde para outra que
coloca explicitamente a opção pela saúde nas mãos de cada
cidadão, sob a égide dos estilos de vida saudáveis.
Seria ingênuo pensar que tal progressão se dá apenas no
âmbito da organização de serviços da saúde. Há relações íntimas
entre esse ideário e os movimentos voltados à preservação do
patrimônio comum da humanidade (Santos, 2006), extrapolando
a perspectiva individualista de bem-estar de pessoas ou comuni-
dades para pensar que nossos estilos de vida afetam, e muito, o
próprio planeta.
É nessa confluência entre saúde individual - com o ônus fi-
nanceiro que seu oposto, a doença, traz para os governos nacionais
- e a saúde do planeta, que o debate sobre estilos de vida tem
que ser compreendido. Ou seja, transitamos da segunda geração
de direitos, na tipologia proposta por Bobbio (1996), para uma
terceira - relativa aos direitos de coletivos (definidos por raça,
gênero e idade) e de não humanos (incluindo outros seres vivos e
o ambiente).
Quanto às novas sensibilidades sobre o que conta como saú-
de, o cenário que se desdobra inclui, igualmente, aspectos
associados à nova geração de direitos associada ao desenvolvi-
mento de novas tecnologias que afetam, direta ou indiretamente,
nossas identidades como seres humanos. O horizonte das próteses,
das clonagens, das terapias baseadas na manipulação do DNA
traz em seu rastro desejos e angústias diretamente relacionadas
aos processos contemporâneos de subjetivação.
Cabe aos psicólogos novas inserções nesse cenário que, de
certo modo, explicam sua inclusão em equipes de hospitais, ambu-
latórios, centros de saúde e demais modalidades de serviço, não
mais circunscritos às tarefas tradicionais de psicodiagnóstico
e psicoterapia mas, também, como “pastores da alma”, numa
sociedade em que as relações se tornam cada vez mais bidirecio-
nais. No dizer de Nikolas Rose (2001), nessa nova conjuntura, a
função do Estado abandona a imagem do bom-pastor que lhe ser-
via de base na estruturação da modernidade clássica (ou sociedade
industrial). Assume, contemporaneamente, o pré-requisito do bom
comunicólogo: informar para cumprir os requisitos éticos (vide, por
exemplo, os consentimentos informados de assinatura obrigatória
em muitos procedimentos na atenção à saúde); além disso, infor-
mar como maneira de transferir parte da responsabilidade pela
manutenção da saúde a cada cidadão individual. Nesse afã, o que
se entendia por equipe básica de saúde necessariamente se amplia,
abrindo espaço, inclusive, para a atuação de psicólogos.
Ao recortarmos as muitas informações obtidas na pesquisa
realizada para a ABER optamos, no presente capítulo, por criar
uma linha de argumento baseada em dilemas e desafios. A guisa de
conclusão - adotando a visão da águia que paira no ar (sem adentrar,
portanto, os meandros do dia a dia que a pesquisa por telefone
propiciou, pela oportunidade de coleta de dados qualitativos, ou
que uma pesquisa de tipo etnográfico possibilitaria) - diriamos que
os dilemas estão associados a dois aspectos abordados neste tex-
to. Primeiramente, referem-se a onde atuam esses psicólogos. Será
preciso desconstruir a visão historicamente hegemônica de que a
cada tipo de serviço cabe um tipo de prática - a psicologia hospi-
talar, a comunitária, a clínica adequada ao nível de atenção - para
pensá-la de maneira matricial. Possibilitar, assim, que competên-
cias específicas possam ser chamadas na resolução de problemas
peculiares, de modo a atender o pré-requisito da integralidade e de
inversão do foco, dos serviços para cada pessoa tomada como
entidade complexa e singular. A análise das demandas e atuação,
foco do capítulo três, certamente trará subsídios para a reflexão
sobre esta questão.
Mas, esses desafios concernem, também, as diferenças re-
gionais quanto à inserção de psicólogos em serviços de saúde
vinculados ao SUS. Se o fortalecimento do SUS depende da con-
sideração das diferenças entre as regiões (e estados e municípios
de cada uma dela), então a inserção da Psicologia nos serviços a
ele vinculados também terá que ser pautada na análise das necessi-
dades loco-regionais.
Quanto aos desafios que se colocam para a formação, as-
pecto que será discutido e aprofundado no capítulo quatro, temos
uma pista importante quando consideramos as motivações para in-
gresso em serviços de saúde. Como vimos, apenas uma parcela
dos psicólogos entrevistados ingressaram nos serviços de saúde
movidos por motivações associadas às políticas do SUS e, mesmo
nesses casos, temos que extrapolar de respostas do tipo “Foi o
desejo mesmo de trabalhar com a saúde pública” para inferir uma
sintonia com tal proposta. Dentre estas, encontramos muitas res-
postas de caráter assistencialista, relacionadas à vontade de ajudar
a população mais carente, que certamente não se coadunam com o
ideário da Reforma Sanitária. Além do mais, as respostas mais fre-
quentes concernem motivações oportunistas relacionadas à
ocorrência de concursos ou resultantes da falta de horizontes no
mercado de trabalho tradicionalmente associado à prática psi.
Ou seja, temos muito a fazer de maneira a levar a proposta do
SUS à atenção dos formadores em cursos de graduação, clínicas
escolas e supervisão de estágios. Para que a saúde da população
seja, de fato, uma prioridade, temos que batalhar para que o in-
gresso de psicólogos em serviços de saúde deixe de ser uma opção
paliativa diante do desejo da prática terapêutica em consultório, ou
em cargos sedutores da área de recursos humanos de empresas
multinacionais.
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sentido: a perspectiva da Psicologia Social. In: M. J. P. Spink (Org.).
Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano:
aproximações teóricas e metodológicas (pp. 17-40). São Paulo: Cortez.
Capítulo 3

O psicólogo no SUS: suas


práticas e as necessidades de
quem o procura
Florianita Coelho Braga Campos
Elza Lauretti Guarida

1. A inserção do psicólogo
Quase 15 mil psicólogos atuam no Sistema Único de Saúde
(SUS) nos mais diferentes serviços: nas Unidades Básicas de Saú-
de (UBS); nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); em
Centros de Convivência, Cooperativa e Cultura: Ambulatórios de
Saúde Mental; em Hospitais-Dia; em Centros de Reabilitação Físi-
ca; em Centros de Referência à Saúde do Trabalhador; Centros de
Apoio e Orientação sobre DST/AIDS; Equipes de Atenção a Pre-
sidiários; Hospitais Gerais e Hospitais Psiquiátricos. Isto sem contar
os serviços internos ao SUS: Centros de Formação e Educação do
Trabalhador de Saúde; apoio técnico aos programas da mulher,
idoso, criança e adolescente, saúde mental; serviços de epidemio-
logia, de hemoterapia, de práticas alternativas em saúde e outros
de acordo com a organização da gestão local.
No Brasil, o atendimento psicológico faz parte dos serviços
públicos há pelo menos três décadas. Muita coisa mudou neste
período, tanto a oferta como a demanda.
O trabalho do psicólogo acompanhou o desenvolvimento da
Saúde Pública no país. Na década de 1970 o psicólogo tinha
papel secundário em hospitais e na atenção ambulatorial (Spink,
1992). O ambulatório caracterizava-se como um serviço público
de especialidades ligado ao INAMPS (Instituto Nacional de As-
sistência Médica e Previdência Social) que existia em cada região
do país, sendo seus usuários apenas os trabalhadores celetistas.
A proliferação dos hospitais psiquiátricos e da população de in-
ternos não correspondeu ao aumento de profissionais universitários
no atendimento.
Na década de 1980, foi desencadeada a atenção integral à
saúde, resultado da pressão do movimento dos profissionais de
saúde e da crise financeira do INAMPS e as universidades públi-
cas e as prefeituras puderam celebrar convênios com o organismo
federal e prestar serviços de assistência e promoção à saúde para
as populações locais. Assim começaram a surgir as equipes míni-
mas de saúde mental nas UBS, compostas por psicólogo, psiquiatra
e assistente social. Foram criados também os ambulatórios de saú-
de mental, estaduais e municipais, bem como as unidades de hospital-
dia (Cesarino, 1990).
A década de 1990, pós Constituição brasileira, caracterizou-se
pela afirmação da Saúde como direito de todo cidadão, traduzido na
implantação do SUS cujos princípios básicos são a universalização
do acesso, a integralidade da atenção e a equidade.
Este cenário trouxe alterações no perfil de trabalho exigido do
psicólogo. Até então o modelo transmitido na sua formação - do
que ele entendia, portanto - era o da clínica privada, individual,
tendo sido este o funcionamento transposto, sem tradução, para os
serviços de saúde pública (Braga Campos, 1992), fazendo apenas
repetir o consultório particular. Já em 1983 (SES/SP), com a crise
do INAMPS, esta prática foi condenada, seja para o médico, o
psicólogo, o nutricionista etc., tendo a crítica se acentuado após a
Constituição, quando passa a prevalecer o conceito da atenção
integral oferecida num Sistema de Saúde do qual cada profissional
deveria fazer parte. Tal proposta descredenciou as práticas do
consultório particular/ clínica individual como carros chefe da ativi-
dade do psicólogo.
Nestes tempos de Saúde da Família como estratégia para
melhorar a integralidade no SUS, universalizar o acesso à aten-
ção básica e com equidade de resultados (Heimann e Mendonça,
2005), a Psicologia é obrigada a novas adaptações (Lancetti,
2000). O que fazer no território dos conflitos, onde as crises acon-
tecem e onde as pessoas se inserem para trabalhar, morar e se
divertir? Como trabalhar e ouvir o sujeito inserido e não mais
apartado da realidade sócio-familiar, isolado em um consultório
com sua verdade única?
Esta é, também, a década de um forte movimento social con-
tra o confinamento das pessoas: “trancar não é tratar”, lema do
movimento antimanicomial brasileiro, ganha força internacional, apoio
no congresso brasileiro, luta dos profissionais da área, de usuários,
de familiares; busca-se uma lei que consiga desmontar a hegemonia
do Hospital Psiquiátrico (Braga Campos, 2000). Conseguiu-se
aprovação da lei em 2001. De novo o que aprendemos na escola
está em cheque: como tratar as pessoas sem retirá-las para espaço
protegido? Como tratá-las sem a hierarquia profissional que delega
a avaliação primeira e principal ao psiquiatra, antes da intervenção
de outros profissionais?
Postos estes desafios, este capítulo analisa as respostas dos
profissionais à consulta feita na pesquisa realizada para a Associa-
ção Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP), identificando
mudanças favoráveis às novas práticas na saúde bem como focos
de resistência. Busca ainda compreender tal situação à luz dos
modelos de atenção em disputa no SUS, assim como refletir sobre
a prática clínica no contexto da Reforma Psiquiátrica propondo uma
organização conceituai do campo que dê subsídios para a forma-
ção dos psicólogos para a Saúde Pública.
2. A oferta da atenção psicológica: as
atividades desenvolvidas
Quando perguntados sobre as atividades desenvolvidas, as
respostas espontâneas dos psicólogos que atuam na saúde pública
estão, na sua maioria, afeitas a ações clínicas voltadas diretamente
ao usuário. Quase na totalidade (Figura 1), as respostas reafirmam
como a atividade principal o atendimento individual da clínica em
consultório.
Todavia, se comparadas com pesquisas realizadas anterior-
mente (Lo Bianco e outros, 1994), nota-se um elenco mais
diversificado, que inclui atividades grupais terapêuticas, de
aconselhamento e orientação, oficinas, visitas, entre outras, mos-
trando que houve, durante este tempo, efetiva transformação na
prática clínica exercida por profissionais que se dedicam à atuação
no SUS. Conforme as falas dos entrevistados:

- Atendimento em grupo por patologia, nos programas...


- Atendimento individual, comunitário, domiciliar, terapia
breve
- Atendimento em grupo e oficina terapêutica
- Atenção a crises, oficinas de arte, atendimento às
famílias
- Acolhimento, apoio ao PSF, viabilização de atendimen-
to extramuros
- Atenção às famílias e interligação com assistência social

Como mostram mais de 80% das respostas, concentrando


suas atividades no atendimento, seja qual for, diretamente no usu-
ário, muitas ações que seriam necessárias para a plena realização
da sua tarefa estão menos representadas. Incluem-se aí todas as
tarefas ligadas ao planejamento e gestão do trabalho, nas quais todos
os profissionais devem estar envolvidos, como, por exemplo, o
conhecimento das demandas do território, dos recursos públicos e
comunitários de que este dispõe e o trabalho conjunto com o gestor
para administrar e otimizar o seu aproveitamento.
Não mencionam também a organização de cadastros e regis-
tros que permitam acompanhar e, principalmente, avaliar
constantemente o trabalho realizado. Ainda de fora, ou muito
incipientes, estão as ações intersetoriais e com a comunidade, na
perspectiva do trabalho de promoção em saúde, do fomento das
redes sociais de apoio, convivência e solidariedade, do trabalho de
geração de renda. Também estão pouco apontadas as atividades
nas equipes de Saúde da Família e o Apoio Matricial.
Embora surjam nas respostas dos pesquisados afirmações
como “acolhimento, apoio ao PSF, viabilização de atendimento
extramuros; atenção às famílias e interligação com assistência so-
cial”, esta gama de ações citadas no parágrafo anterior é realizada,
mas não foi mencionada com maior frequência por um viés de não
considerá-las como “clínica”? Ou não é realizada, porque se man­
têm ainda grandes amarras aos modelos tradicionais?
Tais questões surgem também quando se nota a diferença
da resposta de psicólogos que estão em serviços ambulatoriais
mais tradicionais (como: atendimento individual, psicodiagnóstico,
encaminhamentos; aconselhamento, avaliação psicológica, nos
programas; atendimento em grupo por patologia, em programas;
tanto individual quanto em grupo, ludoterapia”) e dos que estão
nos serviços abertos comunitários da rede de cuidados em saúde
mental - CAPS, Centros de Convivência e Oficinas para geração
de renda - e que compõem uma equipe de trabalho (por exem-
plo, atendimento em grupo e oficina terapêutica; atenção à crises
e oficinas de arte, atendimento às famílias; acolhimento, apoio ao
PSF, viabilização de atendimento extramuros; coordenação da
equipe, de grupos e da assembléia geral de usuários; reunião da
equipe multidisciplinar. estudos clínicos, apoio aos profissionais
de outra formação).
Esta situação expõe a própria evolução do SUS: transição da
assistência, saindo do foco no serviço e ofertas exclusivamente pro-
gramadas para uma aproximação com o usuário e com a família em
comunidade.

Figura 1: Atividades desenvolvidas pelos psicólogos em serviços de saúde

3. As demandas reconhecidas
As respostas apresentam itens de diferentes naturezas, sendo
mais da metade relacionando queixas ou quadros clínicos (Figura 2).
É o império das classificações internacionais da doença (CID), da
Epidemiologia e do sofrimento transformado em “transtornos”. Não
há aqui nenhuma afirmação de que o CID e a epidemiologia não
sejam necessários. Há, sim, a constatação da importância de que o
psicólogo perceba as demandas que lhe são postas na Saúde Pública
também por outros prismas, e que possa distinguir diagnóstico de
queixa e de demanda.
São demandas com grande peso as situações de violência, abu-
so, maus tratos e negligência, a proteção da família e as relações
familiares, a inclusão social, todas mencionadas pelos entrevistados
mas em menor frequência, sugerindo que boa parte dos profissionais
não separa o que são demandas para a atuação das equipes de saú-
de dos quadros clínicos com que se deparam.
De novo, neste aspecto, a pesquisa mostra as resposta dos
que trabalham em diferentes modelos de atenção; fica claro princi-
palmente “quem demanda” nos diferentes modelos. Outros
profissionais (médicos, enfermeiros, professores, juizes, etc.) e ins-
tituições (conselho tutelar, escola, asilos, presídios, etc.) demandam
a atenção tradicional:

- toda natureza de demanda da saúde mental;


- são vários não vou nem especificar...;
- vários, todos patológicos, escolares, do conselho tute-
lar; todos pacientes encaminhados pelo psiquiatra;
- todas, crianças e adultos, idosos...de médicos, de esco-
las...;
- a maior demanda é depressão em idosos e problemas
de aprendizagem e comportamento em criança;
- a gente recebe de tudo, abre o CID-10 e tem lá
tudo...depressão, falta de limites, aprendizagem..;
- é bem ampla, bastante variada... diversificado.

E o psicólogo agenda, formando filas desmedidas, sem ques-


tionar ou rediscutir a necessidade das pessoas encaminhadas.
Numa rede de cuidados, do PSF aos CAPS, o usuário e seu
familiar têm maior peso como demandante:
- crise aguda de paciente psicótico;
- delírio, surto psicótico, com alucinações cinestésicas, meu
trabalho é de acordo com cada paciente;
- na realidade são todos psicóticos e neuróticos graves.

Nota-se bem que o psicólogo parece ainda não questionar o


que outros profissionais ou instituições, enfim o que culturalmente é
visto como seu papel - resolver tudo e que, para todo sofrimento/
queixa, é necessária a ajuda especializada.

Figura 2: as demandas mencionadas por psicólogos que atuam em


serviços de saúde

4. Os modelos de atenção e o fazer dos


psicólogos
Não é propósito deste texto discutir os modelos de atenção
do SUS e sim pontuar os temas e mudanças essenciais que nestes
últimos anos têm influenciado o trabalho do psicólogo na saúde
pública.
No Brasil, o setor Saúde tem um divisor de águas no ano
de 1988 com a Constituição que afirma ser a saúde um direito
de todo cidadão e dever do Estado supri-la. Foi um processo
histórico de lutas por uma Reforma Sanitária que culminou com
o capítulo sobre Saúde na Carta Magna e na Lei 8080, que cria
o Sistema Único de Saúde, o SUS: de acesso universal, com
atenção respeitando a integralidade e a equidade (Silva Jr.,
1998).
Neste percurso, já existiam experiências (Merhy, 1997) com
um Modelo de Atenção que levava em conta a atenção integral à
saúde do indivíduo e que, para alcançar esse objetivo, organizava
o sistema em níveis de atenção, com serviços de Atenção Primá-
ria, Secundária e Terciária. A oferta de uma atenção integral estava
baseada na hierarquização dos serviços, conforme complexidade
tecnológica e financeira, e o resultado era avaliado com base no custo-
benefício do investimento. O perfil epidemiológico da po- pulação de
uma área era compreendido como “necessidades” e determinava a
oferta de procedimentos nos serviços daquela região.
Tratava-se de modelo que centrava sua organização nos ser-
viços de forma hierarquizada, onde a complexidade estava no tipo
de serviço para atender uma necessidade normatizada - “ne­
cessidade do serviço” - a partir do qual se ofertavam ações
programadas para a prevenção e promoção, deixando às
corporações a oferta das especialidades. Neste modelo de aten-
ção, não somente a Psicologia, mas outras profissões podiam
definir sua oferta e programá-la de acordo com seu saber técni-
co. A psicoterapia individual ou grupal passou a ser oferecida como
especialidade na atenção primária, isolada do profissional que
solicitou e ainda mais isolada da necessidade subjetiva do usuá-
rio. Assim era a oferta do psicólogo:

- palestras e grupos na comunidade e escolas;


- triagens e avaliação para encaminhamentos;
- grupos de orientação na UBS;
- grupos terapêuticos e psicoterapias individuais;
- plantão, terapias breves e encaminhamento.

Segundo Campos (2006. p. 64) “o modelo de atenção bra­


sileiro passa por um período de transição, em que ainda
predominam restos do antigo modo de organizar a atenção (...)
centrado em hospitais, especialistas, com pequeno grau de co-
ordenação e de planejamento da assistência”.
Na avaliação dos modos de fazer saúde leva-se em conta
tanto o alcance de componentes tais como a acessibilidade e o
tempo de espera, a composição tecnológica escolhida e a
resolubilidade, como também fatores subjetivos, principalmente
o vínculo da relação com o usuário (Paim, 2002).
Desta forma, ao considerar mudanças no modelo, a preo-
cupação primeira foi obrigatoriamente ter como referência o
usuário e sua necessidade. E essa necessidade que irá “prescre­
ver” a oferta e a tecnologia a ser utilizada, onde o trabalho deve
ser necessariamente multidisciplinar, potencializando o saber
corporativo e caminhando para uma atenção que tem por base
a integralidade do sujeito inserido num território de vida. das
relações e dos conflitos (Kinoshita, 1996).
Enfim, um modelo que exige do psicólogo saber compor
uma equipe multiprofissional e multidisciplinar, que trabalhe a
inclusão do usuário, se inclua buscando constituição de rede de
cuidado intersetorial e permita a invasão de seu fazer clínico
pelas necessidades do sujeito (Braga Campos, 1992).
5. Refletindo sobre a prática
A seguir são destacados alguns tópicos conceituais sobre os
quais se assenta o fazer do psicólogo da Saúde Pública, e que de-
vem ser objeto de reflexão ao pensar a formação deste profissional.
São tópicos inter-relacionados que, juntos, alinham o fazer diferen-
ciado que é objeto deste texto.

5.1. A Saúde Coletiva


A prática de que se fala aqui acontece como parte do traba-
lho em Saúde Coletiva, o qual apresenta uma configuração própria,
peculiar, pois tem como objeto a relação dos indivíduos no terri-
tório, sendo seu sujeito um indivíduo inserido, em relação, nesta
coletividade que habita este território. Seu processo de trabalho
é necessariamente multiprofissional. A gestão do cotidiano de-
manda saberes de várias ordens, portanto com caráter
interdisciplinar e até transdisciplinar.
A formação do psicólogo, embora algumas mudanças já te-
nham sido introduzidas, ainda constrói um profissional que lida
com a queixa, com a patologia, com o cliente e sua verdade. O
consultório, o setting e o ato psicológico... Esta configuração
estabelece uma dicotomia para o psicólogo na Saúde Pública,
pois o cliente lhe apresenta a vida, em toda a sua complexidade,
com todo o seu entorno; na prática este profissional fica entre a
formação recebida e a vida, entre o que a Universidade lhe ofere-
ceu e o que a prática cotidiana lhe traz, entre a técnica e a política,
entre o modelo e o mercado, e principalmente, na clínica, entre as
escolas e corporações.
O paradigma da Saúde Pública coloca, além disso, outras
ambiguidades, já que ela é, quase que por excelência, normativa;
deve cuidar da vida, da coletividade. Tome-se. por exemplo, as
notificações compulsórias, para os casos de moléstias infecciosas,
riscos, e, mais atualmente, casos de violência e maus tratos, tentativas
de suicídios e suicídios. O psicólogo, perplexo, fica entre a discri-
ção que protege o cliente, que lhe foi ensinada na escola, e a
notificação à Vigilância de Saúde, que protege o direito dos indiví-
duos na política pública. A notificação de violência doméstica expõe
quem é atendido, quem o trás e busca ajuda. Porém a notificação é
importante para proteção destes mesmos indivíduos e do coletivo
onde vivem. É função do psicólogo e de quem o forma encontrar
maneiras de fazê-la: quantas pessoas deverão ser envolvidas, que
fato serão narrados, que ações serão empreendidas. É este o cená-
rio da possibilidade de encontro entre o sigilo em respeito ao
envolvido/vítima, e o respeito ao dever político com o coletivo. Aqui
as considerações passam pelo indivíduo - em cada caso haverá
uma melhor solução - e pelas obrigações do coletivo.
O exemplo acima é apenas uma das muitas situações em que a
formação acadêmica e a prática diária trazem conflitos. Com
frequência, em casos como este, vê-se o psicólogo esconder-se
atrás do código de ética, que prevê o sigilo. Ou recusar atendimen-
to a uma criança, vítima de violência, alegando não ter formação
para atender essa faixa etária, quando se trata também, na verda-
de, de uma família, de adultos. Nesta situação conflituosa, aquela
máxima da profissão - “cada um é um” - é completamente válida.
A singularidade está presente - como aquela pessoa está inserida
no serviço, como será atendida, como chegou até o psicólogo, tudo
deverá ser discutido e avaliado; não adianta só a formação, não é
para chegar aquela resposta do não fazer que estuda-se cinco anos.

5.2. Clínica ampliada: do Sujeito em relação


A exigência da Saúde Coletiva é uma clínica que se amplia, e
amplia o objeto. O psicólogo tem sempre estudado as relações,
mas acaba delineando o seu fazer e estabelecendo prognósticos a
partir da doença, da patologia. Tem-se aqui um paradoxo, já que a
formação acadêmica em Psicologia enfatiza a importância da vida
de relação; critica-se a Psiquiatria por trabalhar somente com sin-
tomas e medicações, mas o psicólogo, com frequência, constrói a
proposta terapêutica enredado na doença, na queixa, restrito ao
espaço subjetivo do indivíduo em sofrimento.
Já “a clínica ampliada leva em conta toda a interação, o con­
flito e o convívio, todo o entorno do paciente, mobilizando-se
para a busca de resultados no contexto social em que ele vive”
(Guarido e Braga Campos, 2001, p. 41). Como afirma Bezerra
(1996, p. 141) “fazer clínica não é apenas lidar com a interioridade
psicológica do sujeito, mas lidar com a rede de subjetividade que
o envolve”.
Ao percorrer o caminho do consultório para a instituição
e para este amplo espaço social, o psicólogo abre mão de seu
trabalho protegido, de paradigmas técnicos estabelecidos, e
se lança para um pensar psicológico que se torna possível sem-
pre que as relações se constroem (Sousa. Padilha & Guarido,
2004).
O foco do trabalho é o sujeito integral, e não apenas a aten-
ção integral. Ele é ponto de partida, é quem busca ou necessita de
cuidado. O psicólogo tem uma oferta, um saber que trouxe da es-
cola, mas o que permite o ponto de encontro é compreender a
necessidade do sujeito em toda a sua extensão; compreender a sua
procura e valer-se de todos os recursos que a rede de serviços e a
comunidade podem oferecer.

5.3. Apoio matricial e equipe multiprofissional:


troca de saberes
O apoio matricial relaciona-se com a noção de matriz (o
lugar de onde se gera). Podemos arriscar dizer: apoio
matricial é a oferta de conhecimentos, saberes, propostas
de ações, práticas conjuntas. (...) historicamente reco-
nhecidos como inerentes a determinados profissionais,
aos profissionais de categorias diferentes envolvidos na
construção dos projetos terapêuticos singulares”. (Braga
Campos e Nascimento, 2003, p. 141 )

A saúde mental deve ser objeto de envolvimento de todo


profissional da área da Saúde; todos tem que pensar a respeito e
atuar nessa área, pois faz parte dessa visão de sujeito integral. E a
clínica invadida - permitir que o meu saber, no qual investi anos,
gastei bastante energia, tempo e dinheiro, a partir da necessidade
de um usuário possa ser discutido e até questionado -é o encontro
do saber técnico com a necessidade e desejo do usuário.
O apoio matricial e a participação numa Equipe de Referên-
cia, especialmente na atenção básica, constituem uma forma de
trabalho que se aparta radicalmente do fazer tradicional do psicó-
logo. Implica um desprendimento: poder ofertar a uma equipe de
trabalho, multiprofissional, multi-interdisciplinar, o conhecimento
adquirido. Não significa que o parceiro de equipe vai reproduzir a
formação acadêmica adquirida pelo psicólogo, mas, com esse co-
nhecimento, precioso, o outro pode dar conta de melhorar sua
relação com o usuário, conseguir ouvir melhor, potencializar suas
ações. E o psicólogo também vai receber conhecimentos dos cole-
gas de outra área.
Sombini (2004) distingue o matriciamento autorreferente,
onde o profissional de saúde mental apenas “discute casos” com
a equipe de referência, do matriciamento compartilhado, no qual
há uma efetiva troca de saberes, com ganhos para todos os envol-
vidos no processo, especialmente os usuários.
A seguir estão reproduzidos trechos selecionados de tese re-
cente (Sousa. 2006) que ilustram o desenvolvimento e as dificuldades
vividas pelo psicólogo diante dessa nova tarefa. Embora colhidas
de depoimentos de estagiários de último ano de graduação, refle-
tem certamente a vivência de profissionais formados que se deparam
com essa forma diferente de trabalhar:

Surpresa por descobrir uma prática em psicologia des-


conhecida. Sentir-se inexperiente para o trabalho em
equipe, questionando-se quanto a capacidade em aju-
dar seus membros. Insegurança frente a expectativa da
equipe.

Pertencer a uma equipe de saúde diz respeito a uma re-


lação de diálogo, de ajuda, onde não há julgamentos entre
as pessoas. Construção de segurança ao longo do tra-
balho. O trabalho com outros profissionais de saúde
possibilita uma oportunidade única para descobrir habi-
lidades pessoais.

Senso crítico em relação ao distanciamento entre a aca-


demia e a realidade do Centro de Saúde.

Por que ali não tinha só o papel de ser uma psicóloga, eu


tinha o papel de pertencer a uma equipe, porque ali eu
percebi que todo mundo sabe um pouco de Psicologia.

Multiplicidade de funções, o trabalho em equipe causa


transformações profundas na prática clínica: o acompa-
nhamento, a responsabilidade pelas decisões, e as
informações sobre os usuários, acontecem de forma co-
letiva. Isto auxilia no esclarecimento de possíveis dúvidas,
para uma atenção mais resolutiva as pessoas.
Percepção da necessidade de uma maior flexibilidade pro-
fissional. Percebe as mudanças como algo que favorece a
atenção à saúde das famílias, como uma clínica coletiva,
bem mais próxima da comunidade e resolutiva

Senso crítico diante da sua formação clínica. Sentimento


de decepção e de frustração em virtude da descontinui-
dade dos atendimentos. Culpabilização da população,
pela não adesão ao serviço.

Autonomia e responsabilidade.

Através das equipes multidisciplinares, há uma mudança


na condução dos atendimentos, supera-se a prática da
clínica individualizada e solitária, para uma prática mais
ampliada, que leva em conta o saber de cada profissio-
nal da equipe, para compreensão da realidade social dos
usuários e elaboração de um projeto planejado coletiva-
mente, que traga maiores vantagens para as pessoas. Esta
organização a partir das equipes, faz com que os casos
individuais alavanquem projetos que interfiram na aten-
ção à saúde de toda a comunidade. Este movimento cria
um senso de responsabilidade coletiva e compartilhada
dos profissionais em relação aos usuários para o acom-
panhamento da saúde da população, e autoriza os
membros da equipe a práticas clínicas diferenciadas.

Na Saúde Pública, aprendeu que toda atitude profissio-


nal, mesmo que ocorra em um contexto particular, sempre
terá um impacto no entorno da comunidade, na direção
das várias possibilidades de vínculos para inserção social
do usuário no seu contexto. Trata-se de uma prática que
valoriza o lado saudável das pessoas, apesar de existir
uma cultura que identifica o Centro de Saúde como um
local de cuidado da doença. Trata-se de um desafio a
ser enfrentado também pelo profissional da Psicologia,
através da mudança da própria prática clínica, para uma
prática que leve em conta sua participação e inserção no
convívio com a comunidade.

5.4. Adesão, responsabilização e vínculo


É queixa frequente dos psicólogos a falta de adesão dos usuá-
rios ao tratamento proposto, especialmente as psicoterapias
individuais e grupais. O abandono do tratamento mereceu a aten-
ção de Bezerra já em 1987, que o analisa sob várias perspectivas:
da doença, da expectativa quanto ao tratamento e do processo
terapêutico. Tal abandono vai sempre para a conta do usuário -
ele que não aderiu. Eu sou psicólogo, eu oferto isso, não deu
certo para ele porque não aderiu, desistiu antes do tratamento
surtir resultados.
O conceito implícito nesta ideia é a de alguém em sofrimento
que busca o especialista com esse sofrimento, recebe uma reco-
mendação para aliviá-lo e a recusa. O profissional cumpriu o seu
dever, e se aborrece com a recusa.
A concepção de ajuda na Saúde Pública passa por outros ca-
nais, na medida em que se atribui ao serviço a responsabilidade pela
saúde de uma dada população. Seja a Unidade Básica, seja o CAPS,
espera-se que a equipe assuma o compromisso de cuidar inte-
gralmente da saúde destes usuários, acompanhando o perfil de
morbidade, conhecendo os fatores de risco e de proteção presentes
naquela comunidade ou grupo populacional, promovendo a saúde e
intervindo para tratar. A efetivação deste compromisso constrói-se
pelo desenvolvimento de vínculos, que vão desde os mais gerais,
do serviço com a comunidade em geral, aos mais individualizados,
de um profissional com uma família ou usuário da população adscrita.
A partir desta metodologia de trabalho, o abandono perde o
significado de recusa do tratamento, e passa a ser visto como um
elemento da trajetória do cuidado; a forma de lidar com a não ade-
são do usuário ao projeto que lhe foi proposto será determinada
pela avaliação conjunta do risco, gravidade e recursos disponíveis.
Especialmente quando se trabalha com o conceito de rede, a
responsabilização pelo paciente é permanente; se um serviço não
está tendo sucesso no trabalho, outros serão envolvidos, novos vín-
culos serão estabelecidos, refazendo, em conjunto com o paciente,
o Projeto Terapêutico.

6. Considerações finais
Vamos trazer para ajudar nesta reflexão dois sanitaristas de
dedicação diversa que discutem os princípios do SUS: universali-
dade do acesso, integralidade e equidade da atenção: Luiz Cecílio
(2001), da área do Planejamento e Gestão, e Domingos Sávio Alves
(2001), da área da Reforma Psiquiátrica. Ambos compartilham o
desafio que a mudança de paradigma traz para os trabalhadores de
saúde que devem desempenhar novas ações, para as quais não
teve formação.
Cecílio (2001) coloca quatro conjuntos de necessidade de
saúde para ajudar “trabalhadores/equipes/serviços/rede de servi­
ços a melhor buscar o ‘cuidado em saúde””: o primeiro conjunto
diz respeito a se ter “boas condições de vida”, implicando que a
maneira como se vive configura diferentes necessidades de saúde:
o segundo conjunto diz respeito a “se ter acesso e se poder consu­
mir toda tecnologia de saúde capaz de melhorar e prolongar a vida”;
o terceiro conjunto fala da “insubstituível criação de vínculos
(a)efetivos” tanto nos profissionais, quanto nos serviços; e o último
conjunto “diz respeito a cada pessoa ter graus crescentes de auto­
nomia no seu modo de levar a vida” (Cecílio, 2001, p. 113-114).
O que se vê na proposição é que os dois primeiros blocos
fazem parte da formação sanitarista, ou seja todo profissional que
se dedica a uma carreira na Saúde Pública tem na sua formação
primeira as bases para a análise da organização dos serviços e pro-
cessos de trabalho, planejamento, gestão, políticas de saúde e
diversas tecnologias (Epidemiologia, vigilâncias, construção de no-
vos saberes e práticas). Esta formação, infelizmente, nossa profissão
de psicólogo não tem; não se dedica, nem sequer pontua como um
caminho a ser trilhado no mundo do trabalho em Saúde. Esse es-
paço não é resguardado no currículo ficando a oferta de estágios
na área a cargo da organização e experiência de seus professores-
supervisores.
Ao contrário disto, os dois últimos blocos fazem parte de nos-
sa formação básica sendo até princípios caros ao psicólogo adepto
de qualquer abordagem teórica: o vínculo e a autonomia. Não ensi-
nam na escola, que o alcance de nossa ajuda acontecerá se o
indivíduo desejar, se vincular, investir a buscar o caminho próprio?
Isto nos traz um alento e estímulo no cotidiano da prática. Se esta
prática for em equipe multiprofissional, se ela tiver espaços de tro-
cas e abertura, se ela for intersetorial, aí sim os psicólogos da Saúde
Pública terão contribuições importantes e fundamentais para a cons-
trução dos novos saberes e novas práticas do cuidado em Saúde.
Domingos (2001, p. 167). por sua vez, lembra da intenciona-
lidade na substituição do termo “tratar”, que pressupõe uma
nomeação diagnostica, por “cuidar”, termo que incorpora “vários
‘problemas’ a serem superados”. Lembra, ainda, que a Saúde Mental
foi o primeiro campo da Medicina que trabalhou “intensivamente e
obrigatoriamente com a interdisciplinaridade e intersetorial idade”.
Lidar com as premissas da Reforma Psiquiátrica do cuidar em li-
berdade, da responsabilidade territorial e oferta diversificada de
programas (p. 169), que incluem, além da assistência, a reinserção,
lazer, trabalho e hospitalidade, apresenta aos profissionais da Saú-
de, em especial ao psicólogo, novas frentes de trabalho com
valorização de diferentes saberes específicos para a construção de
novas formas de cuidado. Antes da Reforma Psiquiátrica o psicó-
logo não “tratava” os “pacientes graves” pois estes ficavam aos
cuidados da Psiquiatria, tratados com internação, medicamentos e
outras técnicas mais agressivas como o ECT. Hoje, com essas pre-
missas estabelecidas, cada profissão tem que construir, na troca de
saberes, um campo de ação que responda a problemas tão com-
plexos que surgem da necessidade do usuário, que pode ser um
esquizofrênico, um portador de transtorno de bipolar ou um neuró-
tico grave.
Vivemos uma grande revolução no fazer do psicólogo: incluí-
do em uma equipe multidiciplinar, hoje o profissional não mais vê
um esquizofrênico, mas encontra subitamente uma pessoa, com
nome, sobrenome, endereço, familiares, amigos, projetos, desejos.
Com a doença mental entre parênteses (Basaglia, 2005), o sujeito
deixa de ser reduzido à doença; surgem assim necessidades outras,
novas, que antes os profissionais de saúde mental não conseguiam
vislumbrar” (Amarante e Lancetti, 2006). O ato psicológico, assim
como o ato médico ou de qualquer profissional isolado, incluí-se
em um projeto terapêutico singular de um sujeito inserido e em re-
lação em um território. Está posto o fim do “paciente”.

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Capítulo 4

A Psicologia no SUS 2006:


alguns desafios na formação1
Jefferson de Souza Bernardes

O objetivo deste capítulo é dialogar sobre uma das questões


centrais da relação entre a Psicologia e o Sistema Único de Saúde
(SUS): a formação profissional. Formação esta que, em 44 anos pós-
regulamentação da profissão, se viu em grande parte respon- sabilizada
por alguns problemas da prática profissional. Podemos citar alguns
autores, dentre outros, em que a formação é criticada: por suas
carências em função de um modelo clínico hegemônico (Spink,
2003a); suas deficiências pelo distanciamento da realidade social do
país, ou um fazer reprodutivo e alienado (Ozella, 1997); pela
aglutinação de forma acrítica de diferentes abordagens teóri- cas,
com a suposição de uma unidade constitutiva, que se manifesta em
cursos fragmentados, repetitivos e reforçadores de subje- tividades
intimistas (Jacó-Vilela, 1999); enfim, a formação é responsabilizada
por ser produtora de um profissional liberal e pouco comprometido
com as transformações sociais, principalmente, no campo da Saúde.
A partir desse diálogo, apresentaremos algumas questões re-
lativas à formação e suas articulações com o trabalho na rede pública
de saúde. Levaremos em consideração, também, alguns dados
coletados na pesquisa descrita no Capítulo 2, sobre as relações
entre a Psicologia e o Sistema Único de Saúde.

1 Agradeço a Cristina Camelo de Azevedo, professora do Curso de Psicologia da

Universidade Federal de Alagoas (UFAL), pela colaboração nesse capítulo.


Mas, em primeiro lugar, de que Psicologia falamos? Que psi-
cólogos formamos? Como se produz a formação que aí está? Que
grupos, relações de poder e redes se constituem? Obviamente
estamos falando de um campo plural, complexo e historicamente
constituído.

1. Sobre a formação profissional


Sem a pretensão de esgotarmos a definição de formação pro-
fissional, a compreendemos como parte do campo das práticas
discursivas e sociais, ou seja, são produtos e produtoras de cultura.
Como afirma Veiga-Neto (1995), atualmente, muitos estudos auxi-
liam na compreensão da escola e, consequentemente, da formação,
mais como “máquinas de produção” e não propriamente de repro­
dução social e econômica.
Dessa forma, como desvincular a formação profissional em
Psicologia da própria história da Psicologia brasileira? Da cultura
psi, produzida no país? Conforme ilustram Coimbra (1995), Fi-
gueira (1988), Mancebo (1997) e outros autores2.
Como desvincular
a formação em Psicologia do contexto sociopolítico e econômico
brasileiro? Da lógica neoliberal hegemônica nas últimas décadas da
política nacional? Ou das reformas educacionais de 19683? E da
nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 19964?
Em contraposição, outros acontecimentos tiveram efeitos tí-
midos na formação do psicólogo(a), por exemplo, as tentativas de
articulações com as Reformas Sanitária e Psiquiátrica e a perspec-
tiva da Saúde Coletiva. Efeitos esses que vêm se desdobrando e

2 Cultura psi compreendida como as práticas psi que foram difundidas nas camadas
médias urbanas da sociedade brasileira, após os anos 1960. "a partir da consolidação
de um ‘ethos’ individualista e 'intimista', no qual os especialistas ‘psi’ são um efeito
e mais um dispositivo difusor, com grande potencial de intervenção no espaço social”
(Mancebo. 1997: 20).
³ Lei da Reforma Educacional n° 5.540/68 de 28 de novembro de 1968.
4 Lei 9.394/96. de 20 de dezembro de 1996.
ganhando força nos últimos anos. Claro, o objetivo deste capítulo
não é apresentar esse debate, mas alertar para a impossibilidade de
sua desvinculação, visto que, boa parte do que presenciamos hoje
da inserção do(a) psicólogo(a) no SUS é fruto desse processo.
Antes mesmo da regulamentação da profissão, a formação
em Psicologia já era produtora de um profissional liberal. Para
alguns autores, à época, por exemplo, Azzi (1964/1965), as carac-
terísticas da profissão atestariam isso: pode ser exercida com
independência, sem vinculações hierárquicas; é livre; predomínio
do exercício das faculdades intelectuais e conhecimentos técnicos
(“tal como a atividade do médico, advogado, engenheiro etc.”);
com pretensões de neutralidade, serviu aos interesses da lógica li-
beral capitalista.
Em função do empobrecimento das camadas médias da so-
ciedade brasileira, o mercado de trabalho do(a) psicólogo(a), visto
como profissional liberal começa a se fechar. De acordo com pes-
quisa realizada pelo Conselho Federal de Psicologia5, no ano de
2000, junto aos psicólogos(as) do país, o número de profissio-
nais com a condição de assalariado começa a se ampliar.
Conforme vimos no capítulo 2, quando perguntado sobre os
motivos que levaram o profissional a ingressar no SUS, pouco mais
de 27,49% dos psicólogos entrevistados identificam-se, de alguma
forma, com a área da Saúde Pública. Em contraste, quanto aos
demais, suas respostas variam entre questões relacionadas à car-
reira ou à inserção laboral (39,09%); falta de horizontes em outras
perspectivas (14,45%); ou trajetórias pessoais e convites realiza-
dos para ingresso no SUS (12,32%).
O mercado autônomo, principalmente centrado no modelo
clínico, começa a se fechar, também, em função do crescimento

5 Conselho Federal de Psicologia. (2000). Pesquisa feita junto aos Associados do

Conselho Federal de Psicologia. Relatório Final. Brasília: CFP.


ano a ano do número de profissionais formados pelos cursos de
Psicologia. É necessário, portanto, a reorientação da formação (ao
menos parte dela) para o setor público, além do direcionamento
aos movimentos populares. Mas, a estrutura de formação dos cur-
sos de Psicologia não é preparada para tal mudança de foco. Já em
1984, Bock identificava tal questão:

O mercado de trabalho atual precisa de gente que en-


tenda de Saúde Pública, Saúde Mental, e a Universidade
ainda está formando os profissionais liberais.
A desqualificação existe pelo nível de ensino, mas é
fundamentalmente uma desqualificação porque o tipo
de profissional que esta saindo das escolas não é aquele
que o mercado precisa. (Bock et al, 1984, p. 32)

Dessa forma, atualmente, parece haver considerável distân-


cia entre as vivências proporcionadas pela formação em Psicologia
e as características político-culturais próprias do mundo social.
Mundo esse, transformado pela emergência de novos movimen-
tos sociais, pela afirmação de identidades culturais subjugadas,
pelas lutas contra o patriarcado, pelos conflitos entre os poderes
imperialistas e resistências pós-coloniais, pelo processo de
globalização e pela generalização dos novos meios e técnicas
de comunicação (Silva, 1995). Para vários autores, essas trans-
formações - que configuram novos mapas culturais - parecem
estar distantes da formação institucionalizada, dos currículos, pois
estes continuam seguindo os critérios e os parâmetros de um mun-
do social já inexistente.
Spink (2003b) também relaciona algumas alterações nas rela-
ções de trabalho no último século, com consequências diretas no
trabalho dos profissionais em saúde: tendência crescente ao
assalariamento do profissional; novas condições técnicas do traba-
lho, em específico, as novas importações de tecnologia, que
prescindem de mão de obra qualificada e transformam o profis-
sional de nível superior em mero aplicador de tecnologia;
transformações no ensino superior em resposta às condições exis-
tentes no seio da produção que, em última análise retiram das
universidades as demandas da produção do conhecimento a nível
nacional. Ou seja, ainda segundo a autora, paulatinamente as uni-
versidades correm o risco de transformarem-se em instituições de
repasse de informações.

2. A Formação em Psicologia e o SUS


Uma das perguntas realizadas aos profissionais em Psicologia
na pesquisa, apresentada no Capítulo 2, foi a seguinte: “que forma­
ção o(a) sr(a) recebeu para atuar na área da Saúde Pública além da
graduação em Psicologia?”
Como se tratava de uma questão aberta, produzimos um pro-
cesso de categorização que privilegiou uma leitura diacrônica na
formação de cada entrevistado, ou seja, o que o profissional fez
durante toda sua formação. O processo de categorização foi a
posteriori, ou seja. produzido a partir das respostas emitidas nas
entrevistas. A partir daí, as categorias foram organizadas partindo-
se da graduação, passando pelas capacitações (treinamento em
serviço), cursos de aperfeiçoamento e formação, especializações,
mestrados e doutorados.
Assim, de acordo com esse processo de categorização, encon-
tramos a seguinte situação:
Tabela 1: Formação

Em termos de formação, a maior parte dos profissionais em


Psicologia realizou, no máximo, especializações (48%). Outra grande
parte realizou graduação, cursos de capacitação (realizados no lo-
cal de trabalho) e aperfeiçoamento/formação, sendo que o somatório
dessas modalidades de qualificação chega a 47% dos profissio-
nais. Por outro lado, somente 5% dos psicólogos com vínculos com
o SUS delineiam uma trajetória com pós-graduação strictu sensu,
ou seja, mestrados e doutorados.
Esses números são próximos aos encontrados pela pesquisa, já
citada anteriormente, realizada com os(as) psicólogos(as) no país,
pelo Conselho Federal de Psicologia: 46,5% dos entrevistados havi-
am cursado uma especialização: 5,2% mestrado; e 3,4% doutorado.
Em relação à área de concentração das especializações (com
48% dos profissionais entrevistados), encontramos a seguinte dis-
tribuição:
Tabela 2: Área de Concentração da Especialização

A figura está retratada a seguir:

Figura 1: Área de Concentração da Especialização


6Os cursos de especialização em Saúde, de acordo com os entrevistados, são os seguintes:
Saúde Mental, Gestão de Saúde. Saúde Pública, Saúde Coletiva e PSF, Residência,
Psiquiatria Social, Psicologia Médica, Programa de Saúde da Família, Doenças Tropicais,
Saúde Hospitalar.
7 Os cursos de especialização em Psicologia Clínica envolvem: Terapia Familiar, Família,
Psicologia Analítica, Psicoterapia, Psicoterapia de Casais e de Família, Psicologia Clínica
e Hospitalar, Psicologia Clínica, Psicopatologia, Terapia Comportamental, Cognitiva e
Neuropsicologia, Psicanálise, Gestalt, Existencial Humanista, Dependência Química,
Infância e Adolescência, Transtorno e Desenvolvimento da Infância, Psicodrama,
Psicossomática, Desenvolvimento Infantil, Psico-oncologia, Terapia em Grupo.
Mary Jane Paris Spink (Org.)

Ou seja, em termos de área de concentração da especializa-


ção, quase 30% dos profissionais psicólogos(as) do SUS, possuem,
atualmente, especialização em saúde. Deve-se levar em considera-
ção que boa parte destas especializações é recente, por exemplo,
oriundas dos movimentos da Reforma Psiquiátrica (Saúde Mental,
Residências), ou dos movimentos da Saúde Coletiva (PSF, Gestão
de Saúde, Saúde Coletiva).
Em contrapartida, o dado da concentração das especializa-
ções na Saúde é seguido de perto pela Psicologia Clínica (27,2%),
especializações na Educação (15,4%), em Psicologia Hospitalar
(8,7%) e na área de Recursos Humanos e Administração (5,1 %).
Também surpreende a informação da especialização no cam-
po da Educação, com 15,4% dos profissionais, a maior parte
realizando especializações em Psicopedagogia. Possivelmente em
função das Escolas Especiais, como APAE e Instituto Pestalozzi.
À primeira vista, no nível das especializações, impera a diver-
sidade da formação. Enquanto, por um lado, ganha a possibilidade
de sermos plural, por outro, o quadro encontrado parece remontar
às origens da fragmentação do saber/fazer em Psicologia. A forma-
ção em Psicologia é fortemente marcada pela Psicologia Aplicada.
Vários autores argumentam nessa direção, por exemplo, Mancebo
(1999), Martins (1999), Bemardes (2004). Segundo esses auto-
res, nossos currículos e formações são heranças da Psicologia
Aplicada, responsável pela fragmentação da Psicologia e pela
hegemonia de um modelo único de atuação, centrado na interven-
ção individual, intimistae individualizante.
Grosso modo é o modelo que a maioria de nós se formou:
estágios obrigatórios em Psicologia Clínica, Escolar ou Orga-
nizacional. Excetuando-se a saúde, são as áreas de especializações
que mais estão presentes, com destaque ao crescimento da Psico-
logia Hospitalar. Esse crescimento pode ser alvo de estudos futuros.
visto que o modelo de atenção à saúde tem como princípio básico
o atendimento em rede, escapando não do hospital, mas sim de sua
centralidade como campo de intervenção.
A distribuição das especializações dos profissionais em Psico-
logia na rede pública de saúde parece replicar o modelo formativo
da própria graduação, pois este promove uma especialização pre-
coce do profissional psicólogo, levando Mello (1975) a afirmar que
o curso de Psicologia não forma psicólogos clínicos, mas transfor-
ma psicólogos em clínicos. A concepção de formação herdada da
Psicologia Aplicada fragmenta o saber psi, indo na contramão de
princípios básicos do SUS, por exemplo, o da integralidade.
Para melhor compreendermos a movimentação dos profissio-
nais psi nas áreas de concentração de suas especializações é
interessante recorrermos ao cruzamento de dados realizado entre
Modalidade de Qualificação versus Tipo de Estabelecimento.
De acordo com a Tabela 3, o maior percentual de psicólogos(as)
está em Centros de Saúde, Unidades Básicas e Ambulatórios
Especializados (45,7%). Os(As) psicólogos(as) que trabalham em
Hospitais (Gerais, Especializados e Psiquiátricos) somam 23,9% do
total de profissionais. O número de profissionais psicólogos(as) em
CAPS está em tomo de 16,7%, e em Programas Especiais (PSF,
Hemoterapias/AIDS) está em 3,8%.
Ao analisarmos somente os especialistas, de acordo com a
Tabela 3, quase 20% dos psicólogos(as) são especialistas e estão
em Centros ou Unidades Básicas de Saúde. Outros 6,7%, também
especialistas estão em ambulatórios especializados e, por fim, ou-
tros 6,4% estão em CAPS.
Claro, não podemos esquecer que não é o lugar que define a
postura de um profissional, e sim, “a capacidade de refletir critica­
mente sobre teorias, métodos e práticas, avaliando resultados e
pensando acerca das necessidades do país em que nos encontra-
mos" (Eizerick, 1988, p. 33).
Outro aspecto interessante a ser destacado é o cruzamento
entre a modalidade de qualificação por Regiões do país. Nessa
relação, encontramos a seguinte Tabela:

Tabela 4: Modalidade de Qualificação por Região


Em função da alta concentração de programas de pós-
graduação nas regiões Sudeste e Sul do país, não causa surpresa
o dado de que praticamente todos os psicólogos da amostra
estratificada com mestrado e doutorado (ou cursando um dos
dois), sejam destas regiões. Além disso, a grande concentra-
ção de especialistas também se dá nessas regiões.

3. Abordagens Teóricas e Campos de


Interface - predomínios
Nesse item, algumas indagações são importantes para o cam-
po da relação entre cultura e formação, conforme argumentamos
inicialmente: que conhecimentos são mais importantes que outros?
Como selecionar tais conhecimentos? Quem selecionará? A inda-
gação não é nova: “Quem determina o que o aluno deve saber? A
Universidade, a comunidade científica, o Ministério da Educação
ou o Conselho da categoria? A questão da formação do psicólogo
já vem passando por diversos questionamentos nos últimos anos”
(Holanda, 1997, p. 5).
Dessa forma, apresentamos a seguinte pergunta aos
entrevistadosa(as): “considerando a seguir os fundamentos teóricos
e metodológicos do seu trabalho, o(a) sr(a) considera que eles es-
tão apoiados predominantemente”:
Dois tipos de respostas eram possíveis: a primeira, apoiados
em Teorias da Psicologia, respondida por 73% dos(as) entrevis-
tados(as); já a segunda, apoiadas por Teorias em Campos de
Interface, foi respondida por 27% dos(as) profissionais.
Caso a resposta à questão anterior, fosse Teorias em Psico-
logia, solicitava-se ao entrevistado que desse um exemplo de uma
Teoria em Psicologia que fosse importante em seu trabalho. O pro-
cesso de categorização seguiu os mesmos passos que o de
modalidade de qualificação, ou seja, foi a posteriori, sendo
permitido o enunciado de mais de uma resposta.
Muitos entrevistados!as) forneceram respostas que incluíam
abordagens teóricas conflituosas, embora consideravam ambas
importantes para seu trabalho. O resultado para as Abordagens
Teóricas foi o seguinte:

Tabela 5: Abordagens Teóricas

A abordagem Psicanalítica sobressai para 32,8% dos entre-


vistados. Sugere, portanto, um predomínio teórico de uma
abordagem eminentemente individualizante-intimista. Embora, re-
petimos, trata-se de uma sugestão, visto que a abordagem

* A categoria "Outras” recebeu um número expressivo de respostas. Ilustrando, podem


ser citadas as seguintes respostas: Teoria de Formação do Caráter, Psicossomática,
Psico-oncologia, dentre outras.
Psicanalítica não é um bloco homogêneo, nem monolítico. Claro, é
necessário um maior aprofundamento desse dado com novas pes-
quisas. A abordagem Psicanalítica é seguida pela abordagem
Experimental-Cognitiva com 14,8%.
Surgiram algumas respostas que poderiamos nomear de
“ecléticas”, ou seja, aquelas em que o profissional forneceu mais de
uma abordagem teórica como importante em seu trabalho. Destas,
6,8% dos profissionais responderam ao menos três das seguintes
abordagens: Psicanalítica, Gestalt, Comportamental, Humanistas,
Psicossocial ou Outras. Ilustrando:

- Ai meu Deus. todas, é muito relativo porque depende da


demanda, Teoria Comportamental se há muito transtor-
no obsessivo ou compulsivo, Psicanálise se for histeria e
Psicofarmacologia em casos de saúde mental.
- Éhh, veja eu gosto muito do Behaviorismo, gosto do
Gestalt que trabalha aqui e agora eu acredito e utilizo
uma abordagem psicanalítica, mas uso também a compor-
tamental. Como sou psicólogo tenho que me adequar a
demanda, tenho uma visão dialética, utilizo também no
contato com adolescentes arte terapia.
- Eu uso muito a Teoria Comportamentalista, uso a Teoria
da Psicanálise, a minha abordagem no consultório é o
Psicodrama, eu uso mais a psicoterapia breve focal.
- Psicanálise, Cognitiva e alguma coisa de gestalt que eu
uso também.
- Psicanálise, ahh, Psicologia Existencial e acho que ter-
mina usando comportamental e corporal.
- Caramba agora assim, uma teoria da Psicologia, ah, eu
olho a pessoa como um todo, uma pessoa não é igual a
outra, não sigo uma teoria, sigo várias teorias.
Já 5,2% responderam tanto a psicanalítica, quanto a experi-
mental-cognitiva. Por fim, 3,6% responderam duas ou mais
abordagens teóricas, com exceção da psicanálise. Por exemplo:

- Hum, acho que são vários, não tenho como nomear um,
o Gestalt, a Comportamental, menos a Psicanálise.
- Ah, eu uso bastante a Gestalt Terapia, Jung e Terapia
Familiar que percebe a forma que a gente vê, de circu-
lar, né.
- A Teoria Sistêmica Cognitiva e Comportamental.
- Olha, o que eu sigo aqui é o existencial Humanista da
Psicologia e Técnicas Cognitivas Comportamentais.
- Teoria Comportamental. Construtivismo. Terapia Fami-
liar Sistêmica.

Dos profissionais, somente 0,8% não souberam/não informa-


ram que abordagens teóricas eram mais importantes em seu
trabalho. Enfim, vale dizer que as ilustrações desse conjunto de
respostas em absoluto são extensíveis aos profissionais psicó-
logos(as) de forma geral. Tratam-se de exceções que também
merecem maiores estudos e aprofundamentos.
Mas, o mesmo processo foi realizado para os(as) entrevista-
dos(as) que responderam que as abordagens mais importantes para
seu trabalho estavam em Campos de Interface com a Psicologia.
Assim, a pergunta: “por favor, de um exemplo de um destes cam­
pos de interface”, foi respondida da seguinte forma:
Tabela 6: Campos de Interface

Pouco menos de um terço dos entrevistados optou por cam-


pos de interface distintos da Psicologia como importantes em seu
trabalho. O maior percentual de campos de interface com a Psico-
logia, ficou por conta da Medicina. A soma dos dois aspectos em
que a Medicina está envolvida (“Medicina e outras” e "Medicina”)
totaliza 19,6% das respostas. Seguido do grupo que envolve a As-
sistência Social/Serviço Social/Sociologia/Antropologia/Filosofia
com 12% e Saúde em geral com 10,9%. Alguns profissionais que
se identificam como psicanalistas disseram que os Campos de
Interface seriam Teorias em Psicologia (7,6%). Mesmo índice para
alguns psicólogos(as) que disseram que o principal Campo de
Interface é a Psicanálise (7,6%), retratando antiga disputa de fron-
teiras entre abordagens teóricas distintas.

9 A categoria “Outros/lnespecíficos” obteve um alto índice de respostas. A título de


ilustração, foram englobadas nessa categoria respostas como: “reuniões de casos com
a equipe e trocas de informações entre outros profissionais”; “vigilância sanitária",
dentre outras.
4. Considerações Finais - alguns desafios
São muitos os desafios para o fortalecimento das relações
entre a formação em Psicologia e o Sistema Único de Saúde.
Com a intenção de dialogar sobre alguns deles, apresentamos o
que consideramos alguns desafios (sem nenhuma intenção de esgotá-
los, visto esse ser um campo multideterminado e extrema- mente
complexo):
Em primeiro lugar, a tecnificação do ensino produziu várias
consequências para a formação e a atuação em Psicologia. Por
exemplo, a desvalorização da oferta de serviços à comunidade,
que é uma das forças da formação em Psicologia. A maioria dos
serviços se baseia no modelo clínico individualizante-intimista,
tecnicista, asséptico e neutro, que se expandiu para os programas
de extensão e para os estágios.
A formação em Psicologia, ao submeter-se às demandas
delimitadas pela lógica (neo)liberal, não somente atende a uma
pequena parcela da população, mas, também, o faz de forma que
fecha, ainda mais, as muitas e criativas possibilidades do próprio
saber/fazer psicológico. Faz isso ao afastar os cidadãos de co-
nhecerem, questionarem e participarem daquilo que é a própria
realidade social em que vivem. Isso possui reflexos diretos na
própria educação universitária, que “parece manter a perigosa
ilusão de que o povo é ‘coitado’ e nós vamos atendê-lo com a
nossa ‘capacitação profissional’” (Nidelcoff apud Botomé, 1979,
p. 11). Abrem-se aí algumas questões: as motivações assis-
tencialistas que movem alguns profissionais entrevistados,
conforme vimos no início deste capítulo.
Mas, a lógica (neo)liberal possui por consequências outras
questões, por exemplo, a vinculação do tempo utilizado para a re-
alização do atendimento com a perspectiva teórica adotada no
trabalho, conforme a fala de alguns entrevistados:
- Minha prática é numa compreensão psicanalista, éh, e
muitas vezes da Psicologia Social, técnicas comporta-
mentais porque tenho limitação de tempo para
atendimento, tenho que reavaliar e preciso focar na
psicoterapia breve também.

- Por exemplo, uma terapia breve, e o foco da doença,


como a demanda é muito grande e eu sou a única psicó-
loga aqui, não posso prolongar muito o tratamento.

Ou, também, a divisão entre o tipo de trabalho na rede pública


e o tipo de trabalho em esfera particular, que é ressaltada em algu-
mas falas:

- Olha é uma questão pessoal, sempre trabalho com Psi-


canálise, é muito útil pra mim aqui, embora eu não faça
aqui o que eu faço em um consultório.

Desta forma, corremos o risco de, sob a égide de uma lógica


(neo)liberal na formação, produzirmos uma Psicologia para o SUS
diferente da Psicologia realizada em outros espaços, em que o que
sobressai não são as especificidades da atuação profissional naquele
contexto, mas um serviço considerado de segunda linha. Com isso,
perdemos de vista o princípio da universalidade na atenção a saúde.
Um segundo desafio, pensando nos usos e consequências de
nossa formação, é a possibilidade de nos abrirmos ao diálogo com
todos os interessados pela Psicologia. Ibáñez afirma que “los criterios
que definen la utilidad de la psicologia son criterios que no pueden
estar en manos de los psicólogos sino que pertenecen a un debate
donde lo que está en juego son las opciones éticas, normativas y
políticas de la población” (Ibáñez, 2001. p. 245). Sugere basear as
definições sobre o saber psicológico em uma perspectiva pragmá-
tica, seus sentidos e usos, ou seja, os critérios que definem o uso da
Psicologia são critérios éticos e políticos. Sendo assim, a Psicolo-
gia tem a obrigação de abrir-se para o diálogo com as comunidades,
principalmente, orientada pelo princípio da participação e do con-
trole social preconizado pelo SUS. Esse é dos desafios mais
importantes e, diriamos, mais complexos.
Quando falamos de participação para dialogar sobre forma-
ção, estamos falando dos vários atores envolvidos nesse processo,
não somente professores e alunos, mas, também, usuários dos ser-
viços aplicados ao curso, supervisores locais, trabalhadores do
sistema de Saúde e interessados em geral.
Derivativo desse desafio algumas indagações são importan-
tes: que demandas focam a existência desse curso? Qual é a história
da região e do curso? Que profissional está sendo formado para
essas demandas? Que perfil formativo é o mais interessante no
atendimento/transformação dessas demandas? Que proposta po- lítico-
pedagógica está aí construída? Trata-se de uma proposta construída
coletivamente?
Vale destacar que a relação entre conhecimento e cultura se
trava sempre num campo plural, heterogêneo, permeado de confli-
tos e acordos, campo de relações dialógicas. Campo de participação
e controles coletivos.
Um terceiro desafio é a ruptura necessária com a fragmenta-
ção e o reducionismo que marcam a formação em Psicologia e nos
abrirmos para uma lógica de formação e atuação matricial, confor-
me vimos nos capítulos 1 e 2, levando-se em consideração a
complexidade do que chamamos realidade social. Nesse sentido, é
importante avançarmos na discussão sobre os efeitos da Psicologia
Aplicada em nossa formação. Um desses efeitos é a fragmentação
da Psicologia em campos de atuação: Psicologia Clínica, Psicologia
Escolar, Psicologia Organizacional etc. Com a fragmentação da área,
perdemos de vista a problematização do contexto, das demandas e
da própria atuação profissional. Se há algo a ser central na forma-
ção em Psicologia é a saúde da população e aí, articulam-se os
problemas de aprendizagem, as relações de trabalho, sofrimento,
relações familiares etc.
Ora, pela resposta dos profissionais psicólogos(as) da rede
pública de saúde, a população já reconhece seu trabalho. Pergun-
tado se há reconhecimento por parte da população ao trabalho do
psicólogo, 90,6% respondeu que concorda totalmente ou concor-
da em parte que há o reconhecimento. Talvez começamos a facilitar
nossas coisas em direção ao trabalho da integralidade na atenção à
saúde e em relação ao atendimento das demandas que nos são
colocadas.
Finalizando, um quarto desafio, que se apresenta a partir das
questões anteriores: o princípio da integralidade na atenção à saú-
de. O desafio é esse princípio ser um organizador dos processos
de formação e de trabalho nos serviços de saúde e da ampliação
das possibilidades de apreensão das necessidades de saúde da
população (Mattos, 2001; 2004). Nesse sentido, o autor argu-
menta que a relação dialógica é importante para o exercício da
integralidade. Quem sabe o enfrentamento desses e outros desafi-
os não auxiliem a reverter o quadro das motivações para ingressar
nos serviços de saúde? Por um lado, rompendo com a lógica
assistencialista que alimenta alguns fazeres, e por outro, transfor-
mando o caminho de ingresso do(a) psicólogo(a) na rede pública
de Saúde em um processo efetivo de desejo de participação e
transformação social.
Enfim, a perspectiva dialógica na formação garante espaços
de potencialização da relação entre as pessoas. De nós mesmos,
mas também do outro com quem trabalhamos e nos relacionamos.
Isso nos faz lembrar de uma passagem de Calvino, do livro “As
cidades invisíveis”. Marco Pólo, contador de histórias, narrando a
Kublain Khan as inúmeras cidades que conheceu em suas viagens
diz o seguinte:

Eu falo, falo (...), mas quem me ouve retém somente as


palavras que deseja. Uma é a descrição do mundo à
qual você empresta a sua bondosa atenção, outra é a
que correrá os campanários de descarregadores e
gondoleiros às margens do canal diante da minha casa
no dia do meu retomo, outro ainda a que poderia ditar
em idade avançada se fosse aprisionado por piratas
genoveses e colocado aos ferros na mesma cela de um
escriba de romances de aventuras. Quem comanda a
narração não é a voz: é o ouvido (Calvino, 1990, p. 123).

A Psicologia é apenas uma parte dos inúmeros saberes existen-


tes e isso ao invés de ser um problema é o que nos faz ser um eterno
estudioso, porque cada vez mais percebemos que a cada momento
que pensamos que nos achamos, estamos nos perdendo de novo.
Como diz a estrofe da música “quem acha vive se perdendo”.

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Capítulo 5

O processo saúde-doença como


foco da Psicologia: as tradições
teóricas1
Gustavo Corrêa Matta
Kenneth Rochel de Camargo Jr.

A concepção e abordagem do processo saúde-doença têm


sido foco de estudo de diversas disciplinas além da Medicina e
das chamadas Ciências Médicas. Disciplinas oriundas das Ciên-
cias Humanas e Sociais, como a Sociologia, a Antropologia, a
Historia, a Filosofia, entre outras, têm sido fundamentais na am-
pliação da compreensão dos processos ditos normais e
patológicos, bem como a sua apropriação pelas instituições de
saúde, no seu uso político, na construção de modelos de atenção,
e na definição das necessidades de saúde para fins de formulação
de políticas e programas de saúde.
Em todas essas abordagens parece haver uma questão em
comum que é a crítica ao paradigma biomédico moderno. Ou seja,
é unanimidade que o processo saúde/doença não pode ser reduzi-
do exclusivamente a uma descrição anátomo-fisiológica. Portanto,
existem outros determinantes que disputariam a causalidade das
doenças.
A Psicologia também entra nessa arena de produção de senti-
dos sobre o binômio saúde-doença, produzindo saberes, práticas

1 Este trabalho apresenta algumas discussões e resultados decorrentes da pesquisa

"Psicologia Médica: Um trajeto Teórico-Institucional" desenvolvida no Instituto de


Medicina Social da UERJ e coordenada pelo Prof. Kenneth Rochel de Camargo Jr.
e instituindo formas de organização política e científica no campo
da Saúde.
Além de ser uma disputa epistemológica, cognitiva, há tam-
bém uma disputa por um mercado de idéias, até então dominado
pelo modelo médico e seus corolários. Essa disputa, que é caracte-
rística do campo científico, constitui uma arena em busca de prestígio,
recursos e poder entre os diversos atores de uma disciplina, ou de
diversas disciplinas em um mesmo campo, como é o caso da Saú-
de (Bourdieu, 1983).
Pretendemos, neste capítulo, identificar algumas tradições teó-
ricas que produziram discursos sobre o processo saúde-doença e
possibilitaram não só a inserção da Psicologia num campo cientí-
fico heterogêneo e competitivo, como também o diálogo com outras
disciplinas do campo da Saúde. Nesse sentido, discutiremos as bases
da concepção do processo saúde-doença da Biomedicina, uma
vez que as tradições da Psicologia que descreveremos aqui
formataram seus discursos a partir da crítica ao universalismo do
saber médico moderno. Apresentaremos os percursos teóricos dos
discursos da Psicossomática, da Psicologia Médica e da Psicologia
Social na interface com o campo da Saúde e suas disciplinas.

1. A Biomedicina
A partir da leitura dos textos de Foucault (1980) e Camargo
Jr. (1993; 2003). compreendemos e nomeamos de Biomedicina ao
conjunto de saberes que tem como objeto a doença e sua relação
de causalidade com a objetividade material do corpo, com preten-
sões universalistas fundado por um lado no discurso biológico e
por outro no método científico.
A Biomedicina, nesse sentido, seria o estudo das doenças
por meio das Ciências Biológicas, produzindo descrições do pro-
cesso saúde-doença restritas aos domínios anátomo-patológico
e à microbiologia. Qualquer outra forma de interpretação desses
fenômenos seria refutada por esse paradigma, uma vez que não
compartilham dos mesmos pressupostos básicos dessa Bio-
medicina. Foucault (1979), no livro O nascimento da clínica,
descreve de forma exemplar esse processo de construção da
Biomedicina, designada também por outros autores como Medi-
cina moderna ou Medicina das doenças. Identifica o nascimento
da Medicina a partir da instituição da disciplina anátomo-clínica
no início do século XIX, quando Broussais alia o conhecimento
da semiologia clínica com a anatomia-patológica, relacionando
sintoma geral e lesão local. A partir dessa racionalidade, a Medi-
cina moderna expande seu poder diagnóstico, identificando nos
tecidos a prova material da causa das doenças. A união da histó-
ria natural das doenças com o desenvolvimento de técnicas de
exame diagnóstico, para comprovação por meio do olhar - hoje
virtual e digitalizado em imagens - produziu o desvelar da “verda­
de” por trás dos sinais e sintomas.
Essa é uma Medicina individual, uma vez que se passa nos
corpos dos sujeitos doentes; contudo, por outro lado, é completa-
mente massificada e objetivada expondo esses mesmos corpos à
variedade classificatória das doenças e investigando-as como se
estivessem numa bancada de anatomia-patológica: corpo morto,
imóvel, surdo e mudo. Qualquer outro dado que não se relacione
com essa racionalidade, como é o caso da singularidade e da sub-
jetividade desses indivíduos, não resulta em qualquer alteração na
forma de produção do conhecimento médico, uma vez que se pro-
põe objetivo, universalista e determinista.
Por outro lado, o paradigma microbiológico desenvolvido por
Pasteur na segunda metade do século XIX, impõe uma nova or-
dem a essa racionalidade. O corpo, os órgãos e tecidos são agora
afetados por agentes externos, etiopatogênicos que, para além da
alteração morfológica, remetem a uma causa primeira que se
encontra no meio ambiente. A doença possui uma natureza estra-
nha ao próprio corpo, invisível aos olhos dos leigos e da população
em geral. O controle dos espaços urbanos, dos contatos entre os
indivíduos e da distribuição dos corpos no espaço passam a ser
alvo da Medicina Social e da Saúde Pública, por meio do modelo
sanitarista que dominou, por exemplo, o desenho político do cam-
po da Saúde no Brasil no início do século XX.
Essas duas vertentes, a anátomo-clínica e a microbiologia sa-
nitarista, fundaram a base do conhecimento médico moderno que.
sob a égide da neutralidade e elitização do saber cientifico, impôs
suas descrições e seu método de produção de verdades, constru-
indo uma versão hegemônica de categorias como vida/morte, saúde/
doença, normal/patológico.
Essas antinomias, próprias da modernidade (Latour, 1994),
separaram também corpo/alma, indivíduo/sociedade, sujeito/cultu-
ra, estabelecendo disciplinas que passaram a produzir e cultivar
ontologias, numa aventura epistemológica em busca da “verdadei­
ra” natureza das coisas, do homem e da natureza.
Assim, a vida, a morte, as doenças têm sido explicadas pelas
Biociências, sendo a Medicina produto de uma complexa relação
entre Fisiologia, Bioquímica, Genética e Imunobiologia.
Nessa concepção totalitária da vida, em que todos os fenô-
menos humanos podem ser explicados com base nesse paradigma,
muitos pensadores denunciaram a expansão política e pretensamente
científica da Medicina, e sua função estratégica na expansão do
capitalismo globalizado. Biopoder. medicalização, iatrogenia, são
alguns dos atributos descritos por esses pensadores para denunciar
os abusos do dispositivo médico na sociedade e nas intervenções
sobre os sujeitos (Foucault, 1979; Illich. 1975; Balint, 1975).
É com base nessa denúncia, do totalitarismo médico no cam-
po da Saúde (e para além dele), na disputa por espaço no mercado
de idéias em Saúde, que outras disciplinas ampliarão seus campos
de investigação, produzindo novas descrições sobre a saúde e a
doença, sobre o corpo, sobre a morte, sobre as práticas e proces-
sos políticos e institucionais até então exclusivos da Medicina.
Tamanha é a importância desse movimento contra-hegemônico
que não podemos falar de Reforma Sanitária, Reforma Psiquiátri-
ca, integralidade e outros eventos históricos e políticos do campo
da Saúde, sem ressaltar a perspectiva crítica inaugurada pela Soci-
ologia e Antropologia da Saúde, Medicina Integral, Psicologia
Institucional e Economia e Política da Saúde.
Apresentaremos, a seguir, uma breve descrição de algumas
tradições teóricas da Psicologia no campo da saúde.

2. Psicossomática e Psicologia Médica


As relações entre os saberes que se organizam em tomo da
chamada “saúde mental” com as práticas médicas no Ocidente sem­
pre foram bastante complexas, quer assumindo um projeto que a
coloca como especialidade médica (característica marcante na maior
parte da trajetória histórica da Psiquiatria, desde o seu nascimento
no século XVIII), quer como uma reação nem sempre assumida de
forma clara, como parece ser o caso da Psicanálise.
Não obstante, a característica de ruptura com o modelo mé-
dico representado pelo saber psicanalítico não impediu uma série
de tentativas de aproximação. Groddeck, Alexander, Dunbar, cada
um a seu modo, desenhou tentativas de unir os saberes sobre os
“corpos” àqueles relativos às "mentes”. Mais recentemente, em fins
da década de 1950, Balint (1975), no Reino Unido, e Perestrello
(1974), no Brasil, tentaram utilizar conceitos e técnicas oriundos da
Psicanálise - inconsciente, transferência e contratransferência, em
especial - para estudar a relação entre médicos e pacientes. Des-
sas duas matrizes nasce um campo ainda difuso, ora denominado
Medicina Psicossomática, ora Psicologia Médica.
Aglutinando-se em tomo de algumas pessoas - com destaque
para o já citado Perestrello - e instituições - em especial a Socie-
dade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ) e a Santa
Casa da Misericórdia - constitui-se, ao longo dos últimos 30 anos
(aproximadamente), um campo disciplinar no Brasil, em especial
no Rio de Janeiro, que se autodefine a partir das rubricas acima
descritas.
Desde seu início, os atores que dele participavam tinham um
projeto político-institucional bastante claro, que obteve relativo su-
cesso na ocupação de espaços nas escolas médicas desta cidade
(Camargo Jr. et al, 1999).
Esse campo médico-psicológico atraiu, desde a década de
1980. a atenção de psicólogos que, a partir dos referenciais da
Psicanálise, instituíram práticas clínicas voltadas para a intervenção
no campo das chamadas doenças psicossomáticas e das inter-rela-
ções por meio da Psicologia Médica.
Ou seja, a partir da crítica ao reducionismo biológico da Me-
dicina, a Psicanálise, por meio da Psicossomática, instituiu uma nova
racionalidade médica voltada às causas psicológicas inconscientes
como o agente etiológico das doenças físicas. É no núcleo duro da
Medicina que esses saberes instituíram uma nova dimensão no pro-
cesso saúde-doença, enfocando as relações mente-corpo por meio
da Medicina Psicossomática,
A partir desse projeto teórico-político identificamos três obje-
tivos fundamentais no movimento psicossomático: o ensino da
Psicologia Médica; a supervisão da relação médico-paciente e a
inserção do psicólogo no hospital.
O ensino da Psicologia Médica foi instituído na maioria das
faculdades de Medicina do país, abordando questões sobre a di-
mensão psicológica da doença, as teorias sobre o desenvolvimento
psicológico e o manejo da relação médico-paciente. A exemplo do
que acontece no setting psicanalítico, a função da Psicologia é su-
pervisionar a relação entre o médico e seu paciente, alertando-o
para a identificação dos mecanismos inconscientes de transferência
e contratransferência na relação terapêutica. Os ruídos nessa re-
lação, tal como a não adequação ao tratamento, devem ser
interpretados a partir da dimensão inconsciente, não objetiva, da
relação terapêutica.
Com esse saber em mãos, o psicólogo tem conseguido pro-
duzir uma demanda para sua atuação em hospitais e unidades de
saúde, utilizando como fundamento, de um lado, a Psicossomática por
meio da oferta de uma Medicina psicológica e, de outro, o campo
das inter-relações, disciplinando a relação terapêutica com dispositivo
psicanalítico.
É importante situar a Psicossomática no campo de uma disci-
plina médica, pois não possui como objeto de estudo o sujeito, mas
as doenças. São perspectivas teóricas e clínicas que procuram ex-
plicar e intervir nas relações entre mente e doença, ou seja, na
causalidade psicológica das alterações fisiológicas.
Movimentos que procuram identificar especificidades das for-
mas de produção de subjetividades inerentes a determinadas
patologias têm se multiplicado em nosso meio, como é o caso da
Psico-Oncologia e da Psicocardiologia. Obedecendo ao modelo
flexineriano das especialidades médicas, a Psicologia também se
subdivide em especialidades.
Nesse sentido, se, por um lado, a percepção que a Psicosso-
mática e a Psicologia Médica procuram produzir na crítica ao modelo
médico amplia a possibilidade do campo de interpretação sobre o
processo saúde-doença, reconhecendo a dimensão subjetiva do
adoecer, por outro, reproduz o mesmo reducionismo ao ignorar as
dimensões sociais, políticas, institucionais e culturais presentes nas
microrrelações entre equipe e usuários (Matta, 1996).
3. A Psicologia Social
Diferentemente da Psicossomática que institui um novo cam-
po de estudo, novos objetos e estratégias clínicas de intervenção, a
inserção da Psicologia Social no campo da Saúde, como tradição
teórica, não pressupõe a busca de uma identidade com o campo da
Saúde. Interessada nos processos sociais e nas formas de produ-
ção dos sujeitos, a saúde tornou-se um campo de estudo da
Psicologia Social mais do que um objeto em si.
A contribuição da Psicologia Social para o campo da Saúde
é bastante variada. Encontramos estudos sobre doenças como o
câncer e AIDS, a loucura e o tratamento psiquiátrico, sobre mo-
vimentos sociais organizados da saúde, conselhos de saúde,
participação popular, produção de sentidos sobre saúde e doen-
ça, entre outros. Nos estudos sobre as doenças, ressaltam aqueles
sobre representações sociais que serviram de base teórica
e metodológica para diversos trabalhos na área da Saúde,
enfatizando os aspectos sociais e culturais do processo saúde-
doença.
O atributo social focalizado pela Psicologia Social na Saúde,
diz respeito aos microprocessos e à micropolítica numa perspecti-
va psicossocial, mais do que os determinantes macroestruturais
econômicos e políticos, como os padrões de intervenção do Esta-
do nas políticas públicas, entre outros.
Ao contrário da Psicologia que aportou nos hospitais e unida-
des de saúde sob o predomínio do modelo clínico, a Psicologia
Social abre novas possibilidades de atuação por meio da percep-
ção dos contextos institucionais, do processo de trabalho e das
relações com a comunidade.
O reconhecimento da crítica ao modelo biomédico vigente, a
afinidade com formas de gestão, voltadas a um sistema social mais
democrático e participativo, e com a universalização dos direitos
sociais, aproximaram a Psicologia Social dos ideais da Reforma
Sanitária e do SUS.
Comentando a interface entre a Saúde Coletiva e a Psicologia
Social, Spink (2005) ressalta os valores comuns entre seus repre-
sentantes institucionais: a Associação Brasileira de Pós-Graduação
em Saúde Coletiva (ABRASCO) e a Associação Brasileira de Psi-
cologia Social.

O elo (entre a ABRASCO e a ABRAPSO) é, portanto, a


postura crítica e o compromisso com os problemas soci-
ais. Mas, diferentemente da ABRASCO, que tem a saúde
coletiva por foco, não há um alvo de ação política tão
bem definido. Explica-se assim, ser ela, como é a própria
disciplina, uma arena de diversidade, (p. 3)

Apesar da diversidade de objetos da Psicologia Social, talvez


seja esta a perspectiva teórica que mais dialogue com o campo da
Saúde e com os princípios e diretrizes do SUS. Essa afinidade está
condicionada pelos posicionamentos teóricos e epistemológicos da
Psicologia Social que se alinha a pressupostos do construcionismo
social.
Nesse sentido, é importante demarcar a perspectiva da Psi-
cologia Social a que estamos nos referindo, uma vez que advogamos
uma concepção que leva em consideração a relação das pessoas
entre si e com o mundo, com as instituições e com a cultura. Não há
ser humano que não seja social, não há pessoas que não se rela-
cionem com os valores, as normas e as formas de poder que
atravessam qualquer sociedade.
Adotamos, portanto, uma perspectiva construcionista de Psi-
cologia Social, compreendendo a produção dos sujeitos como
um processo dialógico e histórico que se constrói no cotidiano e
que é produto do posicionamento das pessoas frente aos grupos,
às situações e demais relações sociais, onde a saúde representa
um desses contextos. É a partir desse enquadre que compreen-
demos o posicionamento de Spink (2005), que afirma:

Alio-me às correntes da psicologia social que se voltam


à compreensão da intersubjetividade tomada como pro-
cesso de comunicação num enquadre discursivo
atravessado por repertórios interpretativos de tempo lon-
go, filtrados pela historia pessoal, que são ativados em
correntes de interanimacão dialógica que incluem huma-
nos e não humanos, (p. 2)

Dessa forma, a autora não se refere a uma abordagem


representacionista, de um espelho mental no qual somos capazes
de representar a natureza das coisas, mas sim da impossibilidade
de pensar, dizer e fazer algo que não seja fruto de nossas práticas
sociais (Spink, 2004).
O construcionismo social, portanto, possibilita identificar na
Saúde mais que um campo científico, uma vez que ele circunscreve
um campo de práticas e de discursos constituídos por sujeitos histó-
ricos, por instituições, ciência e tecnologia, políticas e toda a sorte de
relações sociais que constroem o cotidiano de sujeitos e grupos.
O reconhecimento da diversidade de vozes que não se resu-
me à fala dos indivíduos, pacientes e profissionais de saúde, mas
também envolve as relações discursivas, institucionais e políticas
que atravessam os processos de subjetivação presentes no campo
da saúde. A abordagem crítica e dialógica proposta pela Psicologia
Social, com base no construcionismo social, guarda relações com
os ideais de integralidade, universalidade e participação popular
presentes no SUS.
Neste trabalho tentamos apresentar sucintamente duas tradi-
ções teóricas da Psicologia no campo da Saúde e sua possibilidade
de diálogo com as políticas de Saúde no Brasil, em especial o Sis-
tema Único de Saúde. O conceito ampliado de saúde, presente no
relatório da VIII Conferência Nacional de Saúde, nos remete ao
desafio de construir teorias alinhadas com essa percepção do pro-
cesso saúde-doença, com o qual a Psicologia Social pode e deve
contribuir com seu posicionamento crítico e construcionista. Desta-
camos, à guisa de conclusão, duas dessas dimensões constantes do
Relatório da VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS, 1986):

1. Em seu sentido mais abrangente, a saúde é a resultante das


condições de alimentação, habitação, educação, ren- da,
meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer,
liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços
de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das for-
mas de organização social da produção, as quais podem
gerar grandes desigualdades nos níveis de vida.
2. A saúde não é um conceito abstrato. Define-se no con-
texto histórico de determinada sociedade e num dado
momento de seu desenvolvimento, devendo ser conquis-
tada pela população em suas lutas cotidianas.

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Capítulo 6

Contribuições da Psicologia para a


Saúde Pública: onde publicamos,
a quem endereçamos e que
efeitos podemos ter
Mary Jane Spink
Vera Sonia Mincoff Menegon
Estêvão André Cabestré Gamba
Milena Silva Lisboa

Partindo do pressuposto que a geração de conhecimentos é


aspecto essencial da formação, além de focalizar a prática de psi-
cólogos no SUS e o seu embasamento, a pesquisa realizada em
2006, para a Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP),
visou também sistematizar a produção de profissionais da Psicolo-
gia, na academia e serviços de saúde, sobre saberes e práticas
psicológicas que enfocam a saúde. Com esse objetivo, realizamos
um levantamento das publicações de artigos e livros voltadas ao
campo da Saúde e, mais especificamente, aquelas que focalizavam
aspectos relacionados à prática psicológica em serviços de saúde.
Há, inevitavelmente, um viés nessa proposta - a sistematiza-
ção dessa produção depende do acesso a fontes de domínio público.
Ou seja, prioriza veículos que, de alguma forma, são submetidos a
critérios de avaliação e de legitimação próprios ao campo cientí-
fico. Para os artigos, além da análise pelos pares, os próprios
periódicos são avaliados e qualificados. No caso de livros, além
dos conselhos editoriais, a qualidade é balizada também pelo valor
de mercado da obra. Em suma, tendemos a tratar conhecimento
como aquilo que a comunidade acadêmica produz pois são essas
produções que têm maior probabilidade de acesso público.
Esse conhecimento não está necessariamente em diálogo com
a prática da Psicologia em serviços de saúde, podendo não refletir
o saber-fazer nesses serviços. Para superar a divagem entre sabe-
res, teríamos que pensar numa comunidade de conhecimento
ampliada que não funcionasse como via de mão única - conheci-
mento como apenas produto da comunidade científica mas que
incorporasse, seriamente, a proposta de Boaventura Santos (2004)
acerca de uma ecologia de saberes:

[compreendida] como conjuntos de práticas que pro-


movem uma nova convivência ativa de saberes no
pressuposto que todos eles, incluindo o saber científico,
se podem enriquecer nesse diálogo (...) uma vasta gama
de ações de valorização, tanto do conhecimento cien-
tífico, como de outros conhecimentos práticos,
considerados úteis, cuja partilha por pesquisadores, es-
tudantes e grupos de cidadãos serve de base à criação
de comunidades epistêmicas mais amplas que con-
vertem a universidade num espaço público de
interconhecimento onde os cidadãos e os grupos sociais
podem intervir sem ser exclusivamente na posição de
aprendizes. (2004, p. 57)

1. Sobre todos que são parcelados: a


produção da Psicologia que enfoca o
campo da Saúde
A Psicologia é um campo de diversidade. Para além da defini-
ção genérica de ciência do comportamento (humano e não humano),
há aí pouca homogeneidade, seja nas temáticas que são foco de
teorizações e práticas (desenvolvimento, subjetividade, cognição,
processos básicos, vida social etc.), seja nas teorias e métodos de
pesquisa a elas associados. Circunscrevemos, na pesquisa realiza-
da para a ABEP, a produção da Psicologia voltada explicitamente à
Saúde. Elegemos, portanto, uma porta de entrada que nos protegia
das ciladas das subáreas e das definições abrangentes sobre o que
vem a ser o campo da Psicologia.
Entretanto, a Saúde é também um campo heterogêneo, a co-
meçar por definições que pecam pela falta (saúde como ausência
de doença) ou pelo excesso (saúde como um estado de completo bem-
estar físico, mental e social). Então, como abordar a produ- ção da
Psicologia que é voltada à Saúde? Há dois caminhos possíveis: a
autodeclaração, como no uso de descritores em artigos científi- cos,
ou a análise discursiva de repertórios linguísticos.
Na abordagem discursiva de Spink (1999), os repertórios
linguísticos são conjuntos de termos, descrições, lugares comuns,
figuras de linguagem que “demarcam o rol de possibilidades de
construções discursivas, tendo por parâmetros o contexto em que
essas práticas são produzidas e os estilos gramaticais específicos
ou speech genres” (Spink & Medrado, 1999, p. 47). Quando o
contexto é um campo de saber, como a Psicologia, a socialização
pela formação especializada gera comunidades de sentidos que
permitem o compartilhamento de repertórios. Essa competência
compartilhada possibilita o desenvolvimento de critérios para iden-
tificação da produção de interesse - no caso desta pesquisa, daquela
voltada à Saúde. Essa estratégia foi utilizada, sobretudo, para a
inclusão de livros e coletâneas de textos.
Os descritores utilizados em artigos ou acervos incluídos em
bancos de dados também são repertórios linguísticos; diferenciam-
se, porém, por seu grau de formalização e potencial identitário, por
serem formas de posicionamento em campos de sentidos. Consti-
tuem nomeações de temáticas de interesse de pesquisadores e
referências teóricas que definem identidades em redes de comple-
xidade. São estratégias de comunicação e, como tal, dependem
dos complexos processos de negociação que envolve a criatividade
de cada um de nós e a domesticação dessa criatividade por gestores
de bancos de dados, de modo a propiciar o diálogo entre pesqui-
sadores. Essa domesticação pode ser tomada como cerceamento
da criatividade, todavia, à medida que se fortalecem as redes de
reflexão e pesquisa em uma dada disciplina (ou entre disciplinas, na
perspectiva multidisciplinar), entender seu uso na perspectiva da
comunicação e seu potencial para fazer avançar o conhecimento
em um dado campo de saber passa a ser tarefa fundamental.
Ao adotar como estratégia de inclusão o uso de repertórios
linguísticos e descritores associados à Saúde, escapamos de mais
uma cilada nesse labirinto do conhecimento, entretanto nos depara-
mos com outra arena de complexidade. Se nosso objetivo último é
contribuir para a reflexão sobre a formação de psicólogos para atuar
em serviços públicos de saúde, então nosso foco deveria ser a pro-
dução que dialoga com a Saúde Pública. Mas a Saúde Pública também
não é um campo homogêneo e há quem sugira que esta se desdobra
em pelo menos mais uma vertente quase autônoma - a Saúde Cole-
tiva. Há. nessa distinção, um posicionamento epistemológico e político
que rompe com os pressupostos biologizantes da Saúde Pública
constituída desde o final do século XVIII e, como sugerem Pain e
Almeida Filho (1998), abre espaço para a operação de distintas dis-
ciplinas na produção de conhecimentos acerca do objeto Saúde e na
realização de ações em diferentes organizações e instituições por di-
versos agentes (especializados ou não), dentro e fora do espaço
convencionalmente conhecido como Setor Saúde. A inserção da
Psicologia nesse debate foi discutida no capítulo um.
Assim, considerando que o levantamento realizado para a ABEP
não delimitava o período de tempo e que o campo da Saúde Cole-
tiva é relativamente novo e ainda pouco diferenciado da Saúde
Pública, do ponto de vista das práticas discursivas, optamos por
usar um leque abrangente de repertórios e descritores usados cor-
riqueiramente para falar das práticas em serviços de saúde.

2. Sobre os bancos de dados e seu papel


na circulação e legitimação de
conhecimento
Na perspectiva psicossociológica, a ciência é uma construção
coletiva. Idéias, experimentos e hipóteses assumem importância e
cristalizam-se como fatos passíveis de serem transformados em
artefatos e/ou de transformar práticas, conforme são compartilha-
dos. Consequentemente, não surpreende que, à medida que
aumenta o investimento social em produção de conhecimentos,
desenvolvam-se instituições que armazenam essas produções: as
bibliotecas monásticas em um primeiro momento, as bibliotecas
universitárias (religiosas ou laicas) a seguir e, já no século vinte, as
bibliotecas centrais (ou bibliotecas nacionais), que passaram a cum-
prir esse papel de depositárias do conhecimento.
Paralelamente, a necessidade de circulação e socialização dos
conhecimentos gerou outras estruturas: as sociedades reais - como
a Academia Real de Ciências da Inglaterra, criada em 1660: a da
França, criada por Luis XIV em 1666 e a da Rússia, criada por
Pedro o Grande em 1724 - e, conforme o conhecimento se toma
mais especializado, constituem-se associações científicas específi-
cas aos diversos campos de saber. As apresentações feitas nessas
associações e agremiações são publicadas em anais e revistas cien-
tíficas que levam esses conhecimentos para além dos encontros
presenciais e das fronteiras nacionais1. A progressiva especialização

1 Como o Journal des Savants. publicado 11a França em janeiro de 1665 e o Philosophical

Transactions, da Royal Academy of Science, Inglaterra, criado em novembro desse


mesmo ano e a mais antiga revista científica ainda em circulação.
do conhecimento leva, também, à proposta de reuniões trans-regio-
nais (congressos realizados no âmbito de uma determinada nação)
e transnacionais. também sistematizadas em anais.
A proliferação de anais de congressos e de revistas demanda
esforços de armazenamento e de sistematização para fins de divulga-
ção entre pares. Dessa forma, surgem os primeiros esforços de criação
de bancos de dados acoplados a ferramentas de busca. O Index
Medicus, por exemplo, iniciado em 1879 pelo Dr. John Shaw Billigs.
Em 1927 foi amalgamado ao Quarterly Cumulative Index to
Current Literature da Associação Americana de Medicina (AMA),
passando a ser denominado Quarterly Cumulative Index Medicus,
publicado até 1959. Em 1960. a National Library of Medicine o
publicou com o nome de Index Medicus/Cumulated Index Medicus
que, em 2004, foi substituído pela base de dados Medline/Pubmed.
De maneira semelhante, a primeira base de dados da Psicologia, o
Psychological Index, foi criada em 1894 e encerrada em 1936. O
Psychological Abstract, por sua vez, funcionou de 1927 a 1966
quando foi absorvido pelas bases de dados eletrônicas associadas
ao PsychINFO, que incorporou as bases anteriores e os arquivos
históricos da Associação Americana de Psicologia (APA).
Na impossibilidade de circular os textos na íntegra, essas pri-
meiras sistematizações do conhecimento por áreas, resumiam os
dados em referências bibliográficas e resumos - daí muitos serem
denominados de abstracts. E, como ferramenta de busca, os arti-
gos, livros e teses passaram a ser classificados com base em palavras-
chave - os descritores.
A criação de descritores, ou tesauros de termos, é uma ativi-
dade de biblioteconomia, que trata do armazenamento e circulação
de livros e periódicos. Os termos são introduzidos à medida que o
conhecimento avança. Por exemplo, o Psychological Index Terms
está atualmente na 10a edição. Tomando a linguagem dos riscos
como ilustração da processualidade dos descritores (Spink,
Menegon, Bernardes & Coelho, no prelo), observamos que a in-
trodução do primeiro descritor relacionado ao conceito de risco
(risk taking) data de 1967, dois anos após a publicação do pri-
meiro artigo que utilizou o termo. Dessa data em diante, outros
termos técnicos foram introduzidos: at risk populations (1985);
risk analysis (1991); risk management (1997); risk perception
(1997) e sexual risk taking (1997). Em suma, os tesauros, por
sua função de acompanhar o conhecimento, são ferramentas ne-
cessariamente voláteis.
A medida que se desenvolveram tecnologias de busca eletrô-
nica, os abstracts impressos, de difícil manuseio e caros, foram
descontinuados dando lugar às bases eletrônicas como o Medline/
Pubmed e o PsyclNFO, referidos anteriormente. Essas bases de
dados sofisticam-se paulatinamente, permitindo, quando possível,
o acesso ao texto completo em forma eletrônica, fornecendo aos
pesquisadores buscas de diferentes níveis de complexidade, que
demandam a aquisição de habilidades por meio de tutorias on-line.
A Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), ferramenta utilizada para
busca nesta pesquisa, faz parte desse esforço de sistematização e
circulação de informação por meio eletrônico. Segundo informa-
ções obtidas no site da Biblioteca Regional de Medicina (BIREME),
a BVS resulta do trabalho cooperativo de mais de três décadas
para ampliar e fortalecer o fluxo de informação técnico-científica
em saúde na América Latina e Caribe, sob a liderança da Organi-
zação Pan-americana de Saúde (OPAS), por meio da BIREME. A
partir de 1977, esse esforço orientou-se para a criação e o desenvol-
vimento da rede de bibliotecas da Região em busca da racionalização
e uso compartilhado de suas coleções e o controle das revistas latino-
americanas reunidas na publicação Index Medicus Latino- Americano.
Nos últimos 15 anos, a BIREME dedicou-se à criação e
desenvolvimento do Sistema Latino-Americano e do Caribe de
Informação em Ciências da Saúde, à criação do LILACS e do
vocabulário Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) em três
idiomas. A conexão da BIREME com a Internet na década de
1990 ampliou o intercâmbio de informações e a interação direta
dos usuários com as fontes de informação. A BVS resulta desse
esforço, tendo sido aprovada no IV Congresso Pan-Americano
de Informação em Ciências da Saúde, realizado em 1998.

3. Procedimentos de busca na BVS


Para o levantamento de livros e artigos, contamos com a cola-
boração da equipe de profissionais da BVS e indicações de
psicólogos que atuam na área da Saúde a partir do Grupo de Dis-
cussão criado para esse fim no site da Associação Brasileira de
Ensino de Psicologia (ABEP).
A busca de artigos publicados em periódicos foi realizada
nas bases de dados do INDEX-PSI e LILACS. O INDEX-PSI
reúne referências de periódicos especializados em Psicologia des-
de 1949. Já o LILACS reúne publicações do campo da Saúde em
geral, com referências publicadas desde 1986. Tendo em vista as
especificidades de cada base de dados, foram observados critérios
e filtros de busca distintos.
No INDEX-PSI, utilizamos como principais descritores os
termos Psicologia, Saúde, SUS e Saúde Pública2, cruzados com
quatro dimensões de atuação na área da Saúde: locais de atuação;
tipos de atenção; formas de atuação e formação. Para cada dimen-
são foram listados descritores que resultaram da terminologia

2 Saúde Coletiva, nos descritores da Bireme e BVS. é considerada sinônimo de Saúde


Pública, tendo em vista a classificação usada nos periódicos internacionais.
proposta pela equipe da pesquisa, da BVS/PSI e dos Descritores
de Ciências da Saúde (DeCS) da Bireme3.
No caso da base LILACS, que reúne literatura da Saúde em
geral, selecionamos apenas periódicos brasileiros referentes à Saú-
de Pública/Saúde Coletiva. Excluímos os da área de Psicologia uma
vez que estavam contemplados na pesquisa feita no INDEX/PSI.
Usamos como primeiro filtro o campo revista, listando de forma
boleana todos os periódicos selecionados e, a seguir, o termo psi-
cologia cruzando-o com os mesmos descritores utilizados no
INDEX/PSI.
Para o levantamento de referências de livros e capítulos, ob-
servamos duas estratégias complementares. Primeiramente, enviamos
uma mensagem aos psicólogos pesquisadores na área da Saúde
que constavam do Grupo de Discussão da ABEP, criado para esta
pesquisa, solicitando sugestões de referências de livros. Paralela-
mente, realizamos uma busca na base de dados INDEX-LIVROS
da BVS-PSI. Foram arroladas todas as produções, independente
da data de publicação.
Dois critérios foram utilizados para a inclusão dos livros e ca-
pítulos. Primeiro, que a publicação versasse sobre temas como:
formação de profissionais da saúde (inclusive psicólogos); promo-
ção; prevenção; tratamento e reabilitação e assistência integral à
saúde, com especial referência aos serviços de saúde. Segundo,

’ Descritores relativos às dimensões: (I) Locais de atuação: ambulatório especializado:


serviços de saúde: unidade básica de saúde, centro de atenção psicossocial/saúde
mental; saúde do trabalhador; AIDS; hospital, programa de saúde da família, programa
de saúde do trabalhador; programa de saúde mental; serviço mental comunitário;
serviço de saúde mental; (2) Tipos de atenção à saúde: promoção, prevenção, tratamento
e reabilitação, assistência integral à saúde: (3) Formas de atuação: aconselhamento,
diagnóstico/psicodiagnóstico, psicoterapia, grupos: acompanhamento: (4) Formação:
formação de profissionais de saúde; formação de profissional em saúde pública:
formação profissional para serviços de saúde; formação de profissional para saúde
mental.
que a publicação incluísse autores da área da Psicologia. Para con-
firmar se o(a) autor(a) era da Psicologia, foram consultadas várias
fontes: a base da BVS-PSI, o site da Editora, o Curriculum Lattes/
CNPq do(a) autor(a) e a ferramenta Google da Internet. Com base
nesses critérios, construímos três bancos de dados: Livros de auto-
ria/coautoria de psicólogos; Livros organizados por psicólogos;
Livros organizados por não psicólogos, mas com capítulos de
psicólogos.

4. Procedimentos de análise: o poder


das categorias na construção social da
realidade
Para Latour e Woolgar (1997), é a concepção de mundo que
produz o ordenamento das coisas: a ordem é regra; a desordem é
afastada sempre que possível. Essa é também a missão da ciência.
Para os autores, “A realidade científica é um foco de ordem criado
a partir da desordem, e isso é feito capturando-se cada sinal que
corresponde ao que já está fechado e ao que fecha, custe o que
custar" (p. 282, grifo do autor). O laboratório, assim como nossas
observações do cotidiano nas ciências humanas, está submergido
em pilhas de informações - lista de computadores, folhas de da-
dos, esquemas etc. Entretanto, “O problema não é mais discernir
um pico de um ruído de fundo, mas ler uma frase a partir da massa
de picos e curvas reunidos” (p. 282). Ou seja, fatos e objetos re-
sultam da constante atividade classificatória, seja nas ciências ditas
hard, seja nas soft. Referindo-se à experiência de observação
etnográfica do laboratório pesquisado, os autores afirmam que

Um monte de fofocas, de piadas, de conferências, de ex-


plicações, de impressões e de sentimentos emergiam de
seu primeiro contato com o laboratório. (...) Os diários de
campo revelam a confusão das primeiras anotações: bo-
bagens, generalidades, ruído... e mais ruído. O observador
foi obrigado a criar alguns bolsões de ordem para organi-
zar esse fluxo de impressões, (p. 292-293)

Essa pesquisa etnográfica, segundo Latour e Woolgar (1997),


mostra que é difícil sustentar o argumento de que existe diferença
fundamental entre os métodos da ciência dura e os da ciência mole,
pois ao final os dados obtidos e isolados de maneiras variadas são
utilizados como subsídio para convencimento nas discussões.
Não poderia, pois, ser diferente quando nos deparamos com
a diversidade e o caos de informações extraídas de bases de da-
dos. Obtivemos um total de 993 artigos nas duas bases de dados
(803 na INDEX-PSI e 190 na LILACS) e 354 livros (202 de
autoria/coautoria de psicólogos; 108 organizados por psicólogos e
44 organizados por não psicólogos, incluindo capítulos de psicólo-
gos), que versavam sobre temáticas variadas associadas à saúde,
além de temporalidades distintas. Assim, a classificação era o modo
inevitável de criar ordem a partir da desordem. Ou melhor, de criar
uma nova ordem, pois, como já discutimos, os bancos de dados
são formas de ordenar o caos das informações que circulam no
campo científico. Uma ordem decorrente de categorias capazes de
produzir números e enunciados passíveis de serem usados “como
peças de convencimento em uma discussão” (Latour & Woolgar,
1997, p. 294), por serem coerentes com a orientação teórico-
metodológica da pesquisa e compatíveis com o material discursivo
obtido - limitado às informações usuais das bases de dados: auto-
ria, título, veículo de publicação, data, demais informações
bibliográficas e. quando dávamos sorte, resumo.
O acervo localizado foi inserido no banco de dados ACCESS,
com os seguintes campos: código do registro no banco de dados;
código identificador do artigo na base BVS ou LILACS; autores;
título do livro ou artigo; título do periódico; número de páginas; ano
de publicação; resumo e código da base de dados utilizada no le-
vantamento. Para o banco dos livros, acrescentaram-se os campos;
tipo de autoria (identificação como autor/coautor psicólogo,
organizador psicólogo, organizador não psicólogo) e editora.
Os dados sobre artigos e livros foram analisados cruzando
as categorias temáticas e a data de publicação. Foram utilizadas
nove categorias: (1) Tema-foco (stress, terceira idade/velhice, tra-
balho etc.); (2) População (crianças, adolescentes etc.); (3) Formas
de atuação (clínica, intervenção, psicoterapia, pesquisa/inventário/
estudo etc.); (4) Abordagens teóricas/Conceitos (Psicossomática,
Psicanalítica etc.); (5) Tipos de atenção à saúde (promoção, pre-
venção, tratamento, reabilitação); (6) Locais de atuação (hospital,
centros de saúde etc.); (7) Programas (Programa de saúde da fa-
mília etc.); (8) Formação (estágio, formação/prática profissional,
etc.) e (9) Aspectos ético-políticos decorrentes da proposta do
SUS (cidadania, ética, humanização, etc.).
Na pesquisa, o tema-foco foi de preenchimento obrigatório.
As demais categorias foram assinaladas sempre que o título, resu-
mo ou palavras-chave fornecessem informações suficientes para a
categorização. Abordaremos, a seguir, alguns aspectos gerais da
produção localizada e analisada. As questões específicas referen-
tes ao tema-foco e formas de atuação são discutidas no capítulo
sete desta coletânea e aquelas relacionadas à formação e aspectos
políticos da prática Psi, constituem o foco do capítulo oito.

5. A produção na perspectiva da
temporalidade
De modo a visualizar o crescimento da produção da Psicolo-
gia voltada às questões da Saúde, os dados foram organizados em
décadas definidas a partir da data do primeiro artigo localizado nos
bancos de dados. Como pode ser visto na Figura 1, essa produção
cresceu consideravelmente a partir da década de 1980, sendo es-
pecialmente marcante no que diz respeito aos artigos.

Figura 1: Crescimento da produção em artigos e livros relacionados à


Saúde

Esse crescimento resulta de vários fatores confluentes. Em


primeiro lugar, foi a partir da década de 1980 que se deu a inser-
ção da Psicologia nos serviços de saúde, em decorrência da
reorientação das ações para a atenção básica nas várias experi-
ências de reordenação da Política de Saúde que antecederam a
legislação do Sistema Único de Saúde. Esse movimento teve re-
flexos na abertura de concursos e na estruturação de estágios de
Psicologia em serviços de saúde como estratégia de formação na
graduação.
Em segundo lugar, o aprimoramento na avaliação de cursos
de Pós-graduação pela Coordenadoria de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES) e na concessão de auxílios
por agências de fomento, levou à ênfase cada vez maior nos
indicadores de produção, incentivando a publicação nas modalida-
des de artigos, livros e capítulos de livro. Paralelamente, como
terceiro fator digno de nota, o sistema de avaliação da qualidade
das revistas científicas (o QUALIS) também se aprimorou, ofere-
cendo maior apoio aos periódicos na forma de auxílio financeiro e
orientação para procedimentos de formatação e avaliação de arti-
gos. Além disso, houve uma evolução considerável das editoras
especializadas em temáticas da Psicologia.
Essa conjuntura certamente favoreceu o ritmo de publicação na
área. A análise de revistas, livros e editoras que deram sustento a
essa produção permite ter uma ideia mais clara a respeito dos veícu-
los, que servem de arcabouço para a publicação das reflexões e
resultados de pesquisa sobre saúde provenientes da Psicologia.

6. A processualidade do mercado
editorial de livros e periódicos
científicos
Os 993 artigos localizados foram publicados em 109 periódicos.
Entretanto, 75,2% dessas publicações (747 artigos) estavam concen-
tradas em apenas 30 periódicos listados na Tabela 1. Procuramos
entender essa concentração a partir da análise das especificidades
temáticas e disponibilidade no tempo dos 30 periódicos.
Considerando primeiramente as temáticas das revistas, ob-
serva-se na Tabela 1 que 25 desses periódicos eram específicos da
Psicologia e concentravam 80,5% dos 747 artigos ora considera-
dos. As publicações em periódicos da área da Saúde tiveram início
a partir de 1985, corroborando a afirmação feita anteriormente a
respeito da inserção mais formal da Psicologia nos serviços de saú-
de. A década seguinte (a partir de 1995) parece confirmar esse
movimento em busca de interlocução com outras áreas relaciona-
das à Saúde. Dos 134 artigos publicados entre os anos de 1955 e
1984, apenas um havia sido publicado numa revista cuja área
temática é Saúde Pública. Entre 1985 e 1994, 20 dos 173 artigos
localizados (11,6%) foram publicados em revistas da área da Saú-
de. Entre 1995 e 2006, 125 dos 440 artigos localizados (28,4%)
foram publicados em revistas específicas da área da Saúde.
Obviamente, o número de artigos localizados por década va-
ria ao sabor das vicissitudes do mercado editorial. Assim, nas
primeiras décadas (1955 a 1984) a produção relacionada com a
Saúde esteve concentrada em três revistas da área da Psicologia
(Arquivos Brasileiros de Psicologia; Revista de Psicologia Nor-
mal e Patológica e Psicologia em Curso). Dois desses periódicos
foram descontinuados (em 1973 e 1989, respectivamente) e a Ar-
quivos Brasileiros de Psicologia teve uma trajetória conturbada
retomando sua importância histórica apenas em 20054.
Considerando as 30 revistas que abarcaram o maior número
de publicações voltadas à Saúde, apenas três revistas fecharam no
período analisado. Até 1984 foram criadas 12 revistas, fechando
somente a Psicologia Normal e Patológica; entre 1985 e 1994
surgiram mais 10 e apenas duas fecharam (Psicologia em Curso e
Revista Brasileira de Pesquisa em Psicologia) e entre 1995
e 2006 foram criadas mais 8 revistas e nenhuma fechou. Assim,

4 Foi criada em 1949 com o nome Arquivos Brasileiros de Psicotécnica, editada pelo

Instituto de Seleção e Orientação Profissional - ISOP/ FGV e funcionou até 1968 com
publicações trimestrais (volume 1 a 20). De 1969 a 1978 (volumes 21 a 30) passou a
se chamar Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada. A partir de 1979, mudou de
nome pela terceira vez, tornando-se Arquivos Brasileiros de Psicologia, continuando a
ser editada pelo ISOP/FGV. Quando este fechou, em 1990, sua pós-graduação e a
revista foram transferidas para o Instituto de Psicologia da UFRJ. Sob o comando do
Professor Franco Lo Presti Seminério, era editada pela Imago (apoio CNPq). Depois
da morte desse professor, ficou parada uns dois anos. Ressurgiu cm fins de 2005. sob
forma eletrônica, editada por Angela Arruda e Hebe Signorini, com publicação trimestral
(volumes 31 a 58, este datado de 2006).¹ Como o Journal des Savants. publicado na
França em janeiro de 1665 e o Philosophical Transactions. da Royal Academy of
Science, Inglaterra, criado em novembro desse mesmo ano e a mais antiga revista
científica ainda em circulação.
observamos um aumento de 133% em 50 anos, o que sugere a
ampliação e diversificação no cenário de publicações nacionais,
evidenciado pelo aumento no número total de publicações de 134
para 440 nesse espaço de tempo (228% de aumento).

Tabela 1: Periódicos com maior número de publicações por década,


considerando ano de início e término da revista

* Essa revista é editada pela Universidade Federal de Minas Gerais desde 1984 até o presente. A partir de
1993, a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais publicou uma outra revista com o mesmo
nome, renomeada para Psicologia em Revista a partir de 1999.
Verifica-se, na Tabela 1, a presença de quatro padrões nes-
sa relação entre produção e periódico no tempo. Há um
crescimento contínuo, acompanhando a taxa de crescimento da
produção como um todo, como nas revistas Estudos de Psicolo-
gia (Campinas) e Psicologia: Ciência e Profissão. Há casos de
crescimento abrupto, como no caso da Femina (Associação
Brasileira de Obstetrícia e Ginecologia), da Mudanças (Psicolo-
gia e Psiquiatria), da Revista de Saúde Pública e dos Cadernos
de Saúde Pública que refletem, de um lado, a emergência de
novas temáticas de pesquisa e, de outro, uma maior presença de
temas relacionados à Saúde Pública.
Há, ainda, um padrão de estabilidade, com produção acen-
tuada em todos os períodos, como no Boletim de Psicologia e
na Psico. Finalmente, observa-se um padrão de decréscimo no
tempo como no caso do Arquivo Brasileiro de Psicologia, Per-
fil: Boletim de Psicologia e Psicologia em Curso. Essa retração
deve-se, em parte, ao histórico das revistas - como no caso da
Psicologia em Curso, que foi descontinuada em 1989 - mas
reflete, certamente, a ampliação no número de revistas no merca-
do editorial brasileiro assim como a busca de veículos relacionados
à Saúde Coletiva.
Quanto aos livros, encontramos menção a 76 editoras. Tal
como nos artigos, há uma concentração da produção por meio de
algumas editoras, conforme pode ser visto na Tabela 2.
A análise no tempo indica que, entre 1955 (data da primeira
publicação localizada) e 1984, foram poucos os livros publicados
(N=5), que versavam sobre temáticas associadas à Saúde. Quatro
desses livros foram editados pela Imago que, entretanto, não pare-
ce ter consolidado essa linha temática nas demais décadas, e um foi
publicado pela ARTMED, editora especializada em Medicina e
Saúde Mental. Há um pequeno aumento na década seguinte, com
13 livros publicados por editoras variadas. Note-se que três deles
foram publicados por editoras especializadas em Saúde: a Hucitec
(Saúde Coletiva) e a ARTMED (Medicina e Saúde Mental).
Já na próxima década há um aumento significativo de publi-
cações sobre a temática saúde. Considerando os 354 livros
encontrados nessa pesquisa (e não apenas aqueles que concen-
travam a maior produção e que constam da Tabela 2), entre 1955
e 1984 foram publicados somente 7 livros; entre 1985 e 1994.
foram publicados 24 (242% de aumento); e entre 1995 e 2006.
foram publicados 323 livros (1245% de aumento). Um terço desse
total foi publicado pela Editora Casa do Psicólogo, desse conjun-
to é a única especializada em Psicologia.
Tabela 2: Editoras com maior número de publicações, considerando o
total por década e ano de início de atividades
Considerando a proposta editorial, é interessante observar que,
com exceção da Casa do Psicólogo, a produção em Psicologia e
Saúde convive com temáticas diversas priorizadas pelas editoras,
destacando-se a presença de outros saberes relacionados às áreas
da Saúde e da Educação. Entretanto, não há publicação expressiva
nas editoras tradicionalmente relacionadas à Saúde Coletiva e Saú-
de Pública, como a HUCITEC e a FIOCRUZ, um possível indicador
do pouco diálogo entre a Psicologia e a Saúde Coletiva.

7. O diálogo da Psicologia com a Saúde


Pública
Conforme apontado anteriormente, neste levantamento, a op-
ção foi usar um leque de descritores tomados como repertórios
linguísticos nas práticas discursivas da Psicologia na área da Saúde.
Entretanto, se o objetivo é contribuir para a reflexão sobre a for-
mação de psicólogos para atuar em serviços públicos de saúde,
entendemos que o destaque de nossa análise deve ser a possibi-
lidade de inserção da Psicologia no debate corrente sobre a
estruturação dos serviços no Sistema Único de Saúde e sua contri-
buição para as reflexões realizadas na perspectivada Saúde Coletiva.
Nosso argumento é que a Psicologia pode contribuir de forma mais
plena, a partir do enfoque multidisciplinar da Saúde Coletiva.
Birman (2005) é um dos muitos autores a propor que Saúde
Pública e Saúde Coletiva não campos são homogêneos. A Saú-
de Pública se constituiu no final do século XVIII, marcando o
“investimento político da medicina e a dimensão social das enfer­
midades” (p. 11). Teve como estratégia básica o esquadrinhar do
espaço urbano, adotando medidas sanitárias para combater as
epidemias e endemias, tomando impulso com as descobertas bac-
teriológicas de Pasteur "que representaram um avanço fundamental
no conhecimento biológico das infecções” (p. 12).
Para Birman, a Saúde Pública encontrou seu fundamento na
Biologia e nos tratamentos estatísticos da Epidemiologia, que se
formalizava nessa época. Em direção oposta, para o autor, a Saúde
Coletiva "Se constituiu através da crítica sistemática do universalismo
naturalista do saber médico” (p. 12), estando intimamente associa­
da à entrada das Ciências Humanas na Saúde que passam a criticar
categorias universais da Saúde Pública. É um campo aberto à
multidisciplinaridade. incluindo aí a Psicologia.
Concordamos que, como campo de conhecimento, certamen-
te há possibilidade de um diálogo profícuo entre Saúde Coletiva e
Psicologia, especialmente nas seguintes dimensões: na compreen-
são das práticas de saúde; nas maneiras como a população
identifica, explica e busca solução para suas necessidades de saú-
de; nos processos de comunicação social em saúde. Ou seja, a
Psicologia pode contribuir retomando, na Saúde, a problemática
do sujeito e, a partir de pesquisas e teorizações mais críticas que
se contraponham aos modelos universalizantes e biologizantes da
Saúde Pública, pode enriquecer o campo da Saúde Coletiva.
A estratégia de pesquisa em bancos de dados com uso de
descritores, entretanto, não permite distinguir com precisão a
afiliação política e epistemológica ao campo da Saúde. Para uma
melhor compreensão dessa afiliação e do diálogo estabelecido en-
tre a Psicologia e a Saúde (Pública e/ou Coletiva), fizemos nova
busca nas duas bases (INDEX/PSI e LILACS), conforme mostra
a Tabela 3, utilizando como principal filtro o termo Psicologia e
como segundo filtro, os termos Saúde Coletiva, Saúde Pública,
SUS, Sistema Único de Saúde e Saúde. Este último filtro foi
acoplado a um terceiro, utilizando os termos: Políticas Públicas,
Reforma Psiquiátrica, Direitos Humanos, Atenção Integral,
Integralidade, Humanização e Reforma Sanitária, buscando
contemplar os princípios políticos do SUS.
Tabela 3: Número de artigos das bases LILACS e BVS voltados à Saúde
Pública, por descritor*

* Inclui repetições

Excluindo as repetições, foram localizados 48 artigos: um


(2,1%) na década de 1975-1984; 7 (14,6) do período entre 1985
e 1994 e 34 (71%) datando da década de 1995-2004.

Figura 2: Distribuição dos artigos voltados à Saúde Pública, por década


Considerando esses dados, optamos por agregar as informa-
ções, pois não fazia sentido analisá-los por décadas tendo em vista
que, em sua maioria, esses artigos foram publicados entre 1995 e
2004. De modo a dar visibilidade à especificidade dessa produ-
ção, selecionamos alguns tópicos tendo como parâmetro as
categorias definidas para análise dos 993 artigos voltados à Saúde
de modo geral: Tema-foco, por ser de preenchimento obrigatório;
Forma de atuação; Local de atuação e Aspecto ético e políti-
co, por terem potencial de esclarecer o teor do diálogo entre a
Psicologia, a Saúde Pública e a Saúde Coletiva. Tomamos o tema-
foco como eixo principal da discussão, cruzando-o com as demais
categorias.
Quanto ao tema-foco, verifica-se, na Tabela 4, que há dois
temas que se sobressaem nesses 48 artigos: Prática Profissional
(43,7%) e Saúde mental (20,8%). Há, assim, ressonância com as
novas demandas de inserção dos profissionais na atenção básica e
com as emergentes preocupações com a Reforma Psiquiátrica.
Dos 21 artigos com tema-foco relacionado à prática profis-
sional, quatro foram publicados na década de 1980, oito na década
de 1990 e nove entre 2000 e 2005. Segundo informações colhidas
nos títulos e resumos, apenas três desses artigos não estabeleciam
um diálogo óbvio com a Saúde Pública, abordando questões re-
lacionadas ao Pronto Atendimento, à Psicologia Médica em clínicas-
escolas e ao Plantão Psicológico em universidades públi- cas. Os
demais assinalavam claramente a preocupação com a formação e/ou
prática em serviços públicos de saúde, fossem eles hospitais ou a rede
de serviços como um todo. Onze dos 21 artigos que focalizavam a
prática e/ou a formação para atuarem serviços de saúde traziam
considerações sobre aspectos ético-políticos da prática Psi. Esse
aspecto será detalhado a seguir.
Tabela 4: Tema-foco dos artigos voltados à Saúde Pública, consideran-
do se abordavam (ou não) aspectos ético-políticas do SUS

Os artigos que tinham por foco a Saúde Mental eram recen-


tes: cinco da década de 1990 e cinco publicados entre 2000 e
2004. Quatro desses artigos tratavam da atenção à Saúde Men-
tal, como o atendimento em clínicas-escola; a atuação do psicólogo
clínico no nível primário de atenção à saúde; o percurso histórico
da atenção à Saúde Mental em São Paulo e a prevalência de
problemas de saúde mental numa comunidade. Dois artigos mais
recentes abordavam os dispositivos de atenção afinados com a
proposta da Reforma Psiquiátrica: o acompanhamento terapêutico
(Souza, 2004) e o apoio psicossocial a famílias de doentes men-
tais (Afonso, 2001). Outros traziam reflexões de cunho conceitual
(Abib, 1997) ou ético-político (Bock, 1997; Carlotto, 2001). Em
suma, todos os artigos, de uma forma ou outra, traziam contribui-
ções para pensar a prática psi no contexto da atenção à Saúde
Mental em serviços públicos, segundo princípios afinados com a
Reforma Psiquiátrica e o SUS.
Apenas 27 dos artigos analisados traziam informação sobre
as formas de atuação (Tabela 5), 63% dos quais foram classifica-
dos como “Pesquisa/Inventário/Estudo”. Obviamente, estamos
lidando com uma prática discursiva muito específica - a publicação
em periódicos científicos - que, por sua natureza, tende a priorizar
relatos de pesquisa em detrimento daqueles versando sobre expe-
riências nas diversas modalidades de atendimento Psi em serviços
de saúde.

Tabela 5: Formas de atuação mencionadas nos artigos voltados à Saúde


Pública

Três dos artigos sobre pesquisas que dialogavam com a Saú-


de Pública datavam do final da década de 1990; os demais (N= 14)
foram publicados entre 2000 e 2006. Sete deles enfocavam a prá-
tica profissional de psicólogos (três em hospitais e quatro em
unidades básicas de saúde), em diferentes regiões do país: Rio Gran-
de do Norte, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina, São Paulo e
Distrito Federal. Contribuem, assim, para a compreensão da for-
mação para a prática psicológica em serviços públicos de saúde.
Ainda como contribuição para pensar práticas psi emergen-
tes, duas das pesquisas localizadas tinham por foco intervenções
comunitárias. Das demais, seis tratavam de temas relacionados à
vivência de problemas de saúde pela população usuária dos servi-
ços e outras duas propunham uma meta-análise para compreender,
respectivamente, a subnotificação de acidentes de trabalho e as
dificuldades metodológicas de estudos transculturais sobre saúde
de adolescentes.
Nos 29 artigos que faziam menção aos Locais de atuação
(Tabela 6), a partir das observações feitas sobre Tema-foco e For-
mas de Atuação, observamos a predominância de reflexões sobre
Serviços de Saúde Pública/Serviços de Saúde e/ou Unidade Bási-
ca de Saúde/Centro de Saúde Escola (44,8%). Destacam-se,
também, reflexões e pesquisas sobre Hospitais Gerais (Hospital/
UTI/Pronto-atendimento/Hospital-Escola), Clínicas-escola aten-
dimentos à Comunidade.

Tabela 6: Locais de atuação mencionadas nos artigos voltados à Saúde


Pública

Conforme a Tabela 7, mais da metade dos artigos voltados


especificamente à Saúde Pública (56%) fez menção aos aspectos
éticos e políticos do sistema de saúde.
A psicologia em diálogo com o SUS

Tabela 7 Aspectos éticos e políticos mencionados nos artigos voltados


:

à Saúde Pública

Embora sendo poucos artigos (N=27), há alusão a as-


pectos centrais do Sistema Único de Saúde e evidências de
que essas reflexões, especialmente no caso publicações entre
2000 e 2005, pautam-se nos princípios do SUS que levam
seus autores a questionar a possibilidade de ruptura com o
ideário individualista da Psicologia (por exemplo, Dimenstein,
2000), de adoção do modelo de atenção integral à Saúde
(Marcon, Luna & Lisboa. 2004), de superar a cisão entre clínica
e política (Benevides, 2005), assim como de assumir a pro-
posta da Estratégia Saúde da Família (Camargo-Borges &
Cardoso, 2005).

8. Sobre endereçamentos e legitimações


de posições
Diálogos, segundo teorizações do Núcleo de Práticas
Discursivas e Produção de Sentidos da PUCSP (Spink, 1999),
apoiadas em Bakhtin (2003), são correntes de interanimação
dialógica que envolvem endereçamento a interlocutores variados
assim como a ativação de diferentes vozes.
Os endereçamentos, no caso dos artigos, são identificados
pela própria escolha dos veículos de publicação. Ao buscarmos um
diálogo com profissionais e pesquisadores da área de Saúde Cole-
tiva, nada melhor que publicarem revistas por eles acessadas. Como
afirma Latour (2000, p. 87), “(...) a maior parte daquilo que se
chama de leitor-alvo já terá sido definida pelo meio utilizado, pelo
título, pelas referências, pelas figuras e pelos detalhes técnicos”.
No caso de textos científicos, que são “defesas contra possíveis
controvérsias”, “o texto precisa explicar como e por quem deve ser
lido" (p. 88).
As vozes, no caso de artigos científicos, são invocadas com
dupla finalidade. De um lado, são nossos aportes teóricos, formas
de legitimar nossas asserções - o empilhamento que fazemos de
autores e dados. Nesse jogo de legitimação, para se transformar
em fato, uma afirmação precisa da geração seguinte de textos.
“Metaforicamente falando, as afirmações, de acordo com o pri­
meiro princípio, são muito parecidas com genes: não conseguem
sobreviver se não conseguirem passar para os organismos
subsequentes" (Latour, 2000. p. 67). É nesse sentido que a cons-
trução do fato é um processo coletivo. Para o autor, “A construção
do fato é um processo tão coletivo que uma pessoa sozinha só
constrói sonhos, alegações e sentimentos, mas não fatos” (p. 70).
Todavia, são também formas de posicionamentos teóricos e
políticos. Nesse contexto, “Uma monografia sem referências é
como uma criança desacompanhada a caminhar pela noite de uma
grande cidade que ela não conhece: isolada, perdida, pode acon- tecer-
lhe qualquer coisa” (Latour, 2000, p. 58-59).
Relembrando que nosso objetivo não era tratar de artigos in-
dividuais como práticas discursivas, mas entender as estratégias de
legitimação de um campo emergente - a Psicologia em diálogo com
a Saúde Pública/Saúde Coletiva - tomamos as referências biblio-
gráficas como indicadores de redes de interlocução no campo
heterogêneo da Saúde. Buscamos, pois, responder à questão que
vozes se fazem presentes nesse diálogo? Tomamos como ponto
de partida o acervo de 48 artigos localizados com descritores que
mesclavam Psicologia. Saúde Pública/Coletiva e os vários aspec-
tos políticos do SUS, conforme descrito anteriormente. Obtivemos
cópias em papel ou em formato eletrônico desses artigos. Excluin-
do dois que não foram localizados, e os seis artigos que não traziam
bibliografia, as referências que constavam dos demais artigos (N=40)
foram inseridas em uma tabela, para verificarmos que autores/obras
haviam sido citadas no conjunto de artigos.
Três aspectos serão aqui discutidos: quem são os autores des-
ses 48 artigos; quais as obras mais citadas e quais os autores mais
citados nas bibliografias localizadas. O objetivo desse exercício foi
detectar se esse diálogo é travado em um campo coeso ou de dis-
persão. Para dar conta desse objetivo, sempre que necessário,
abordaremos os subtemas: prática profissional, saúde mental
(como temas-foco) e aspectos éticos e políticos (como sinaliza-
ção de afinamento com os princípios do SUS).
Os 48 artigos são de autoria de 81 autores (incluindo
coautores). Apenas dois autores principais assinam mais de um ar-
tigo (Oswaldo Yamamoto e Cristina Amélia Luzio). Yamamoto
publica em coautoria com vários pesquisadores (entre eles Denis
de Carvalho e Isabel Fernandes de Oliveira), sugerindo tratar-se
de um grupo de pesquisa (e não de produções individuais).
Das 705 obras citadas no conjunto de artigos, apenas 33 fo-
ram referidas em mais de um artigo. Cinco dessas obras eram de
autoria coletiva: quatro do Conselho Federal de Psicologia (citadas
18 vezes) e uma do Ministério da Saúde (citada quatro vezes). Os
três autores individuais com maior número de citações para um
mesmo texto foram Rosalina Carvalho da Silva (N=8), Mary Jane
Spink (N=6) e Benilton Bezerra Jr. (N=6). Os textos de Silva e
Spink são capítulos publicados na coletânea organizada por Florianita
Braga Coelho, datada de 1992. O texto citado de Bezerra Jr. foi
publicado em 1987. Ou seja, as obras mais recentes desses auto-
res, incluindo o livro de Spink sobre Psicologia Social e Saúde, não
encontram eco nessas publicações.
Para identificar os autores mais citados, somamos todas as
referências, desconsiderando as obras específicas que haviam sido
citadas. Encontramos um total de 519 autores, incluindo nesse to-
tal, órgãos colegiados (como o CFP), Ministérios (especialmente o
da Saúde) e órgãos internacionais (como a OMS). Apenas 71 au-
tores (14%) foram citados pelo menos duas vezes em mais de um
artigo, indicando considerável dispersão de fontes de apoio teórico
e contextual.
Compreendendo que a dispersão identificada pode ser um
artefato da existência de subáreas nesse diálogo, analisamos tam-
bém a ocorrência de citações desses autores para as três áreas
listadas acima. Dos 27 artigos com menção a aspectos éticos e
políticos, 22 traziam bibliografia com menção a 340 autores (sem
considerar coautores e incluindo distintas obras), dos quais ape-
nas 47 (14%) haviam sido citados em pelo menos dois artigos. O
autor mais citado, Gastão Wagner de Sousa Campos, consta ape-
nas de cinco dos 22 artigos deste banco de dados. Dos 21 artigos
que tinham a prática profissional como tema-foco, 17 traziam
bibliografia. Dos 219 autores referenciados, apenas 33 (15%) cons-
tavam em pelo menos dois artigos. No caso das duas autoras mais
citadas, Rosalina Carvalho da Silva e Mary Jane Spink, como co-
mentado anteriormente, as obras referenciadas datavam de 1992
e não havia menção às contribuições mais recentes das autoras.
Não há sugestão de diálogo com as idéias dessas duas autoras e,
na acepção de Latour (2000), os textos citados constituem ape-
nas estratégias de legitimação por empilhamento. Dos 10 artigos
que referiam à saúde-mental como tema foco, sete traziam biblio-
grafias das quais constavam 119 autores. Apenas dois, um deles
institucional (Ministério da Saúde), constavam na bibliografia de
pelo menos dois artigos.
Os dados sugerem grande dispersão, surpreendente, sobretu-
do, no que diz respeito à área da Saúde Mental onde esperaríamos
encontrar um núcleo de autores clássicos (como Michel Foucault)
e referências recentes da luta antimanicomial e Reforma Psiquiá-
trica (como Paulo Amarante e Benilton Bezerra Junior).
A dispersão, no que concerne à contribuição de psicólogos no
diálogo com o SUS, pode ser creditada também à constituição de
culturas distintas de atuação no campo Psi. Por exemplo, pesquisa-
dores que se posicionam como psicólogos sanitaristas identificam-se
mais com a Saúde Coletiva e, além de não publicarem em revistas
da Psicologia, não usam descritores que os associem a esse campo
de saber. Nesses casos, produções relevantes ficaram fora do con-
junto de publicações que analisamos, uma vez que o filtro base
utilizado foi o termo psicologia. Enquadram-se nessa situação as
reflexões sobre integralidade em saúde feitas por psicólogos, que
foram publicadas em coletâneas ou revistas da Saúde Coletiva, tais
como Baptista (2000) e Guizardi e Roseni (2004), citando apenas
dois exemplos.

9. Afinal, que efeitos podemos ter? (ou,


quem lê tudo isso?)
Se olharmos apenas para dentro do campo científico, a pro-
dução da Psicologia que está em diálogo com a Saúde é vigorosa,
tende a crescer e, pelo menos em parte, está em consonância com
os princípios do SUS. Ou seja, embora não em sua totalidade, a
Psicologia parece estar participando como co-adjuvante nos es-
forços de fortalecimento e cristalização de um sistema de atenção à
Saúde passível de confrontar as desigualdades sociais do país.
Todavia, há quem afirme que a maioria desses artigos e li-
vros nunca é lida por ninguém, um destino paradoxal que evidencia
a cisão entre as diversas formas de conhecimentos. A literatura
científica, escrita de modo a precaver contra controvérsias, alija
boa parte dos leitores potenciais. Ainda seguindo o argumento de
Latour (2000), a escritura de fatos (em oposição à ficção) possi-
bilita três tipos de leitura: desistência, adesão e averiguação. Para
o autor, desistência é o que mais ocorre. “As pessoas desistem e
não leem o texto (acreditem ou não no autor), seja porque foram
postas para fora da controvérsia, seja por não estarem interessa-
das na leitura do artigo (digamos que isso ocorre 90% das vezes)”
(Latour, 2000, p. 101).
Conhecimento, portanto, não pode ser reduzido ao que cir-
cula nos meios formais de divulgação, assim como não pode ser
subsumido apenas pelo saber-fazer cotidiano. Tomando os conhe-
cimentos locais dos vários campos de saber como culturas, como
sugere Boaventura Santos (2006), é o reconhecimento da
incompletude que abre as portas para a compreensão mútua e para
diálogo intercultura (ou transdisciplinar).

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Capítulo 7

Psicologia e sua inserção no


sistema público de saúde: um
painel longitudinal de temas-foco
publicados em periódicos
brasileiros
Vera Sonia Mincoff Menegon
Angela Elizabeth Lapa Coelho

A literatura brasileira sobre saúde, na Psicologia, mostra que a


trajetória das inter-relações entre Psicologia e saúde é marcada pela
hegemonia de conhecimentos e de práticas, que privilegiam o acom-
panhamento individualizado. Por outro lado, quando se tratam de
saberes e de fazeres, orientados pela noção de integralidade e pelo
diálogo com a Saúde Coletiva, visando ao fortalecimento da presen-
ça da Psicologia no Sistema Único de Saúde (SUS), observa-se uma
produção mais limitada e fragmentada em termos de esforços para
sua sistematização. De formas variadas, essa argumentação atraves-
sa esta coletânea, que toma como base de discussão os resultados
da pesquisa "A Psicologia em diálogo com o SUS: prática profissio-
nal e produção acadêmica” (Spink, Bemardes, & Menegon, 2006),
já situada na apresentação do livro.
Neste capítulo, apresentamos um painel longitudinal do con-
junto da produção bibliográfica em Psicologia, que está direta ou
indiretamente relacionada à saúde, buscando demarcar e compre-
ender o processo de inserção da Psicologia no serviço público de
saúde. Para tanto, considerando o período de 1955 a 2006, nos
guiamos pelos temas-foco identificados nas publicações de perió-
dicos brasileiros, indexados nas bases de dados BVS-PSI e
LILACS, utilizadas na pesquisa acima referida1.
Os temas-foco integram nove categorias, ou dimensões
analisadoras, definidas para organizar a diversidade e o caos das
informações extraídas dos bancos de dados, conforme discussão
feita no capítulo seis1 2. Essas dimensões organizadoras estão entre-
laçadas e, na análise longitudinal dos temas-foco, cruzando com
outras dimensões quando explicitadas nos títulos ou resumos, bus-
camos apontar rupturas e permanências que compõem as matrizes
da Psicologia no âmbito da Saúde.

1. Temas-foco como práticas discursivas


situadas
Na pesquisa foram analisadas 1347 referências bibliográfi-
cas, publicadas entre 1955 e 2006. que incluem 993 artigos e
354 livros, produzidos, em sua maioria por psicólogos(as). Foi a
partir desse conjunto que, após agrupamentos classificatórios,
chegamos a uma lista de 82 temas-foco, que expressam um con-
junto de saberes e fazeres da Psicologia na Saúde. Na análise das
referências, o tema-foco foi uma categoria que, obrigatoriamente,
teve seu campo preenchido; já no caso das outras oito dimensões
analisadoras, seu preenchimento dependia da disponibilidade da
informação nos campos das bases de dados. Neste capítulo, como
mencionamos anteriormente, trabalhamos apenas com as produ-
ções publicadas em periódicos.

1 A metodologia utilizada no desenvolvimento da pesquisa foi apresentada no Capítulo

seis.
2 (1) Temas-foco: (2) População (crianças, adolescentes etc.): (3) Formas de atuação:

(4) Abordagens teóricas/conceitos; (5) Tipos de atenção à saúde: (6) Locais de atuação:
(7) Programas; (8) Formação e (9) Aspectos éticos-políticos decorrentes da proposta
do SUS.
Partimos do pressuposto de que as dimensões analisadoras
não existem no vazio e, no caso dos temas-foco, buscamos situa-
los ao longo do tempo, pois são repertórios linguísticos que
remetem a determinadas matrizes (conceitos, teorias, crenças,
valores, práticas, posicionamentos variados, sentidos, atitudes).
Como discute o filósofo canadense Ian Hacking (2000), ao
problematizar a construção social do conhecimento, nossas práti-
cas discursivas habitam e se interconectam em campos relacionais,
inseridos em determinados cenários sociais e históricos. Para esse
autor, todos os componentes de uma matriz são coisas sociais,
uma vez que os sentidos a eles atribuídos é o que conta. Mas
essas coisas em sua mais absoluta materialidade fazem diferen-
ça na vida das pessoas e na constituição de campos relacionais,
onde se engendram os diferentes domínios de saber e de fazer.
Essa noção de matriz implica movimento e seus elementos se
formatam em campos constituídos por materialidades, tais como:
falas, textos, corpos, emoções, imagens, relações de poder, insti-
tuições, organizações, comunidades, tecnologias, arquitetura e tudo
o que compõe o social.
No que diz respeito às materialidades do cenário social em
Psicologia, nosso argumento é que a sistematização, publicação e
circulação de conhecimento produzido na academia e nos servi-
ços de saúde são materialidades que tanto retratam como
constituem esses saberes e fazeres. Apesar de na publicação e
circulação de saberes, as práticas discursivas ocuparem posição
nuclear, outras materialidades estão inscritas nessas formações
discursivas, tais como: diretrizes curriculares que sustentam a for-
mação de psicólogos (quais as áreas de concentração que são
enfatizadas e disponibilizadas); oferta e demanda de mercado;
acesso à participação em eventos científicos (congressos, semi-
nários etc.); as materialidades que envolvem a publicação de artigos
e ou livros (discutida no Capítulo seis) e políticas públicas que
viabilizem, ou não, a inserção da Psicologia no sistema público de
saúde. Em síntese, a publicação de um artigo ou de um livro é
uma forma de sistematizar conhecimentos, servindo a propósitos
variados, dentre eles: subsídio para formação; compartilhamento
de experiências; forma de provocar ou propor rupturas, além de
ser indicativo de produção, como ocorre com o sistema de Cole-
ta CAPES.
Tendo em vista a trajetória histórica da inserção da Psico-
logia na área da Saúde e o objetivo deste capítulo, observamos
três períodos para discutir a produção bibliográfica de artigos:
período de inserção incipiente da Psicologia no serviço de saúde
pública (1955-1984); período de transição na inserção da Psico-
logia no serviço de saúde pública (1985-1994) e a fase mais atual,
período de inserção plena da Psicologia no SUS (1995-2006).

2. Inserção incipiente da Psicologia no


serviço de saúde pública (1955-1984)
No Brasil, a Psicologia foi oficialmente reconhecida como
profissão em 1962, por meio da publicação da Lei Federal no.
4119 (Dimenstein, 1998). Entretanto, a prática da Psicologia
em áreas mais clássicas tais como clínica, trabalho e educação
são anteriores a essa regulamentação. A própria inserção da Psi-
cologia no sistema público de saúde, mesmo que de forma
incipiente, é anterior à regulamentação. Para Spink (2006), a
matriz histórica da primeira inserção da Psicologia no sistema
público remonta ao período higienista - na transição do século
XIX para o XX no contexto de atenção à saúde materno-
infantil. Ou seja, a Psicologia foi chamada para atuar no âmbito
da educação em saúde, hoje compreendida como atenção bá-
sica ou primária. Uma outra esfera de inserção seminal nos
serviços de saúde, a partir da década de 1950, ocorre na aten-
ção terciária, com alguns trabalhos pioneiros na área hospitalar
(Sebastiani, 2000; Spink, 2003).
No Brasil, a inserção da Psicologia nos sistemas de saúde
ocorreu concomitantemente com a construção do campo da
Psicologia da Saúde, a partir de 1980. Nessa década ocorre-
ram os primeiros concursos para psicólogos atuarem em serviços
públicos de saúde (Sebastiani, 2000; Spink, 2003)3. A traje-
tória da Psicologia da Saúde, por sua vez, se confunde com a
constituição do campo da Psicologia Hospitalar, que pode ser
considerada como uma das principais portas de inserção da
Psicologia na Saúde.
Engendra-se, assim, um outro importante elemento de des-
taque que compõe a matriz da produção de conhecimentos da
Psicologia voltados à Saúde: a inserção de psicólogos em di-
ferentes esferas do cuidado com a saúde: atenção primária
(prevenção e promoção), secundária (tratamentos especiali-
zados) e terciária (hospitalização e reabilitação).
A produção bibliográfica desse primeiro período (1955-
1984), que compacta três décadas de produção, nos remete ao
contexto acima discutido. Registramos referências relacionadas
a 46 temas-foco, do total das 82 categorias temáticas utilizadas
na análise de todas as referências computadas para a pesquisa.
Para a apresentação da Tabela 1, aplicamos como estratégia
analítica o corte de 75% de frequência cumulativa, obtendo 15 temas-
foco, com destaque para cinco itens.

¹ Em Cuba essa inserção ocorreu na década de 1960 e nos Estados Unidos em 1970.
Tabela 1: Temas-foco dos artigos no período 1955-1984

Para discutir esses resultados iniciamos com os temas-foco


contemplados na Tabela 1 e, na sequência, vamos além do corte de
inclusão, dando visibilidade às temáticas que, apesar do número
incipiente de publicações, são significativas por comporem a matriz
de inserção da Psicologia na Saúde.

2.1. Temas-foco com maior frequência de publi-


cações (1955-84)
Nesse primeiro período o tema-foco Prática clínica/Clínica/
Métodos clínicos, com 21 artigos (1955-64 = 7; 1965-74= 1; 1975-
84= 13), representa o conjunto com maior número de publicações.
A análise dos títulos e resumos mostra que os atendimentos clíni-
cos, nesse período, em sua maioria, pautam-se pela compreensão
intrapsíquica do processo saúde e doença, centrando o foco na
pessoa e na relação dual, como exemplifica o título do artigo. “O
psicanalista como testemunha” (Edelweiss, 1955). Todavia, detec­
tamos também a valorização das inter-relações e processos grupais:
“Aspectos terapêuticos das técnicas de dinâmica de grupo” (Silva,
1983). Nesse conjunto de referências, não identificamos discus-
sões voltadas aos serviços públicos de saúde.
O segundo lugar em publicações ficou com o tema-foco Prá-
tica profissional, com 16 artigos (dois nas duas primeiras décadas
e 14 entre 1975 e 1984). Essa dimensão analisadora agrega um
leque de atividades que inclui, em sua maioria, práticas tradicionais
em clínica. Porém, há produções que já discutem os desafios da
ainda incipiente inserção da Psicologia no sistema público de saú-
de. Alguns exemplos: “Psicologia preventiva: uma experiência na
cidade do Rio de Janeiro” (Garcia, 1975); “Uma pequena amostra
do que faz o psicólogo em instituições médicas” (Barreto, Souza,
Souza, Josua, & Leite, 1980); “A atuação do psicólogo em hospi­
tais gerais: perspectiva a serem consideradas e relato de uma
experiência” (Prette & Prette, 1984); “Aproveitamento de psicólo­
gos no serviço público” (Rosa, 1980).
Formação profissional, com 11 artigos (1955-64=1, 1965-
74=5, 1975-84=5), ocupa o terceiro lugar em publicações nesse
período e, como na discussão do parágrafo anterior, identificamos
a convivência da formação mais clássica em Psicologia, passando
por indicativos da necessidade de problematizar a formação de
psicólogos em um campo de atuação recém reconhecido como
profissão, como é o caso do artigo “A formação profissional dos
psicólogos: apontamentos para um estudo” (Pereira 1975), e che­
gando a propostas de vanguarda para o período em análise:
“Desenvolvimento de um programa de psicologia preventiva na
comunidade: uma experiência de ensino aplicado na Universidade
de Brasília” (Winge & D'AvilaNeto, 1976). Nesse conjunto, tam­
bém não encontramos referências sobre a formação de psicólogos
para o campo da Saúde nos serviços públicos, apesar de já existi-
rem psicólogos nessa área.
O tema-foco Técnicas de exame psicológico (1955-64=1,
1965-74=3, 1975-84=7), nesse primeiro período, ocupa o quarto
lugar em publicações, com artigos que se caracterizam pela discus-
são de psicodiagnósticos, uso de testes e validação de escalas.
Saindo dos limites da área clínica, discute-se diagnóstico institucional,
mas na esfera escolar e não na saúde: “Diagnostico institucional: um
enfoque teórico prático com vias a uma intervenção do psicólogo
na escola” (Burin, 1984).
O tema-foco Reflexões teóricas e metodológicas (1955-
64=0. 1965-74=3, 1975-84=5), com oito artigos, é relevante
para a nossa discussão, pois permite mapear, nos três períodos,
as permanências e rupturas teóricas e conceituais que funda-
mentam a inserção da Psicologia na Saúde. Dentre as oito
reflexões teóricas e conceituais registradas no primeiro período,
além de referências com abordagens clássicas (Psicanálise,
Fenomenologia, Psicologia Analítica, Comportamental), desta-
camos o artigo teórico sobre “Antidiagnóstico e antipsiquiatria”
(Arruda, 1972), que se alinha às discussões que integram à ma-
triz da luta antimanicomial, e à discussão que problematiza o
modelo médico curativo: “Modelo médico e modelo psicológi­
co” (Justo, 1980).
Ainda com referência às reflexões conceituais, destacamos o
cruzamento realizado com artigos que se apoiam no conceito de
interdisciplinaridade, que propicia uma visão ampliada de saúde e
doença. De quatro referências que citam a interdisciplinaridade, uma
delas refere-se à inserção da Psicologia na área da Saúde, ainda
restrita à esfera hospitalar nesse período: “A atuação do psicólogo
em hospitais gerais: perspectiva a ser considerada e relato de uma
experiência” (Prette & Prette, 1984).
2.2. Temas-foco com frequências menores de
publicações (1955-84)
Considerando esse período de inserção ainda incipiente da
Psicologia no sistema público de saúde, é relevante destacarmos
alguns temas-foco que apresentaram menores frequências de pu-
blicação, mas fazem parte da matriz dessa inserção.
O tema-foco Higiene Mental apresentou quatro artigos pu-
blicados na década de 1955-64, mostrando a interlocução entre
Psicologia e práticas higienistas da Saúde Pública, desenvolvidas
a partir de padrões positivistas e biomédicos. que se aplicam à es-
cola, ao lar das pessoas, ao trabalho e aos estrangeiros. Alguns
exemplos: “Contribuição da psicologia à higiene mental no lar”
(Bicudo, 1960); “Contribuições da psicologia à higiene mental nos
processos de ajustamento social: a adaptação dos imigrantes ao
novo meio como problema de higiene mental” (Ginsberg, 1960).
Nos períodos seguintes esse tema-foco desaparece, voltando a
apresentar apenas dois artigos no último período, mas para discutir
“A influência das idéias higienistas no desenvolvimento da psicolo-
gia no Brasil” (Mansanera & Silva, 2000).
As referências incluídas no tema-foco Saúde mental, teorica-
mente, se contrapõem à lógica patologizante e excludente da noção
de doença mental, entretanto, mantém a cisão entre saúde física e
saúde mental. Dentre os cinco artigos publicados (1955-64=1; 1965-
74=2; 1975-84=2), dois remetem ao diálogo da Psicologia com a
Saúde Pública, no âmbito da saúde mental: “Analise da po­ lítica de
saúde mental” (Schechtman, 1981); “Supervisão de psicólogos no
campo da saúde mental” (Velloso, 1976).
Os três próximos temas-foco Profissionais da saúde (N=3),
Saúde Pública (N=3) Hospitais/liospitalização (N=2) estão di-
retamente ligados a problemáticas que levaram à inserção da
Psicologia na Saúde: “A prevenção dentro de uma instituição
hospitalar infantil” (Caloba, 1980). No caso do tema-foco Profis-
sionais da saúde e Saúde Pública, o destaque fica para duas
publicações: “Participação de psicólogos em administração de re­
cursos de saúde pública: análise de uma experiência” (Botome &
Rosenburg, 1981) e “O psicólogo, a saúde pública e o esforço
preventivo” (Mejias, 1984).
Por último, o tema-foco Processo Saúde/Doença, apresenta
apenas uma publicação na década de 1955-64 - “O conceito do
normal em psicologia e a psicoterapia” (Tepe, 1961)-, mas é rele-
vante por problematizar parâmetros de normalidade, que nos remete
aos fundamentos de uma compreensão ampliada de saúde e doen-
ça, cuja relevância ficará evidente nos próximos dois períodos, que
registram um aumento significativo de produção sobre o processo
saúde/doença (N=32).
Retomamos, assim, a noção de matriz discutida no início deste
capítulo, entendendo que a inserção da Psicologia na Saúde e,
mais especificamente nos serviços públicos, pode ser compreen-
dida à luz de alguns elementos matriciais que, ultrapassam os
saberes e fazeres psi. Dentre esses elementos, destacamos a cons-
tituição da compreensão do processo saúde-doença como um
continuam, que é formado por aspectos biológicos, psicológi-
cos, sociais e culturais. Nessa perspectiva, saúde é uma unicidade
que é múltipla e, como tal. depende da multiplicidade de saberes.
Essa compreensão de saúde implica, necessariamente, na
problematização de dicotomias como saúde física e saúde mental
e indivíduo e sociedade.
Esse processo de constituição de compreensão ampliada de
saúde levou décadas (MacLachlan, 2001) e sua formalização é
oficializada a partir de alguns marcos, dentre eles, a definição de
saúde proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em
1948 (Pessini & Barchifontaine, 2000), a definição de serviços
básicos da OMS em 1953 e Conferência de Alma Ata, realizada
na Rússia em 1978, que “...define as atividades primárias que
devem compor o conceito de cuidados primários, incluindo aí: a
educação sanitária, a assistência nutricional, o saneamento bási-
co, a assistência materno-infantil, o planejamento familiar, as
imunizações e a assistência curativa para os problemas mais co-
muns” (Spink, 2006, p. 6).

3. Transição da inserção da Psicologia na


Saúde Pública (1985-1994)
No Brasil, o processo de ressignificação dos sentidos de saú-
de e doença e das formas de cuidado com a saúde, além do diálogo
com fóruns internacionais, tem em sua matriz o Movimento da Re-
forma Sanitária e a própria criação do Sistema Único de Saúde,
que se configuram como marcos significativos, mesmo que seus
sentidos nucleares se desgarrem nos processos cotidianos de
implementação, que como afirmam Merthy e Queiroz (1993),

Embora o discurso da Reforma Sanitária incorporasse


uma perspectiva mais holística da saúde e da medicina,
na qual a dimensão clínica deveria se submeter ao con-
trole de critérios coletivos e sociais no âmbito da saúde,
os fatos acabaram por confirmar a dificuldade de se
implementar tal proposta, (p. 177)

Na área da Psicologia, conforme discutimos anteriormente,


foi nesse período que denominamos de transição, que ocorreu a
ampliação das contratações de psicólogos para atuarem nos servi-
ços públicos de saúde, principal mente após a criação do SUS, em
1988. No entanto, nesse período, a ênfase dessa prática psicoló-
gica ainda estava atrelada à atenção secundária.
Aplicando a mesma estratégia analítica (corte de 75% de
frequência cumulativa), a Tabela 2 apresenta os dez temas-foco
com maior frequência de publicações de artigos no período de 1985
a 1994. Assim, nesse período, o maior enfoque incide em quatro
dos temas que também se destacaram no período anterior, mas
com alguma alteração nas posições anteriormente ocupadas.

Tabela 2: Tema-foco dos artigos no período 1985-1994

Observamos que o tema-foco Prática profissional passa a


ocupar o primeiro lugar (N=32); Formação profissional o segun-
do (N=26). Reflexões teóricas e metodológicas vem em terceiro
(N=23), e Prática clínica/clínica/Métodos Clínicos perde a pri-
meira posição, passando ao quarto lugar (N = 19). O tema-foco
Processo saúde/doença (N = 11), que apresentou apenas uma pu-
blicação no período anterior, passa para o quinto lugar, enquanto o
tema-foco Técnicas de exame psicológico (N=9) passa para a
sétima posição.
Utilizando a mesma lógica de discussão, mas trazendo apenas
exemplos que remetem à inserção da Psicologia no sistema público
de saúde, iniciamos com os temas-foco contemplados na Tabela 2.
Na sequência, destacamos as temáticas emergentes ou significati-
vas ao enfoque da análise.

3.1. Temas-foco com maior frequência de publi-


cações (1985-94)
Dentre os temas-foco com maior frequência de publicações,
no período de transição, são vários os exemplos que trazem rup-
turas com modelos clássicos da Psicologia, em que se busca
inserção não apenas em instituições públicas de saúde, mas tam-
bém enfocam saúde na comunidade, no trabalho e na escola.
Como veremos a seguir, os títulos dos artigos nos mostram a in-
serção de aspectos sociais e culturais nos processos de saúde e
de doença, mostrando a importância da interdisciplinaridade.
Observamos, também, algum direcionamento para a prevenção
de doenças e a promoção da saúde.
A Prática Profissional, que no período anterior pautava-se
mais por atividades na esfera clínica, neste período, mostra inser-
ções em outros contextos sociais. Como exemplos dessa tendência,
temos: “O psicólogo no hospital geral: os poros da medicina”
(Muylaert, 1990); "O Psicólogo na Instituição de Saúde Pública:
Realidade Versus Formação” (Orsatti, 1989); “Estágio em posto
de saúde: prática reflexão” (Boarini, 988); “O que fazer pela saú­
de dentro de uma favela?” (Pereira, 1994); “A evolução da
assistência psicológica e em saúde mental: do individual para o
comunitário” (Arcaro & Mejias 1990); “A reciclagem do psicó­
logo para a atuação na saúde pública” (Wolf & Ribeiro, 1989).
No tema-foco Formação Profissional, observamos que as
discussões estão mais em tomo da formação do psicólogo para
atuar no contexto hospitalar: “Residência: uma nova opção em Psi­
cologia” (Ferrari. 1993). Já Prática clínica/Clínica/Métodos
Clínicos apresenta dois artigos que discutem a inserção na rede
pública de saúde e a importância de pensar práticas de prevenção:
“Psicoterapia na rede publica de saúde” (Reis 1994); “O papel
preventivo das clínicas-escola de psicologia em seu atendimento a
crianças” (Silvares, 1993).
No caso das Reflexões Teóricas, destacamos as discussões
sobre “Interdisciplinaridade e psicologia na área da saúde” (Ra- mos-
Cerqueira, 1994), e os desafios da "Psicologia Comunitária: uma
proposta realmente polemica” (Vasconcelos, 1986). Articu­ lando
com o tema-foco Processo Saúde/Doença, que traz relevantes
reflexões teóricas, identificamos um conjunto de arti- gos que
avança na compreensão de saúde e doença, fundamentando a
própria constituição do campo da Psicologia da Saúde, que no Brasil,
como já discutido, firma-se a partir de 1980. Alguns exemplos:
“Psicologia da saúde: novos horizontes para a pesquisa e pratica
psicológica” (Perisse, 1985) e “Produção da saúde e da doença em
ambulatórios públicos: considerações pri­ meiras” (S. Silva, 1988).
Além disso, as referências analisadas mostram que nesse pe-
ríodo de transição, em termos teóricos, buscou-se ir além dos
limites da interdisciplinaridade, ao incluir o saber leigo de usuários
dos serviços, na compreensão do processo de adoecimento e
saúde, conforme indicam as publicações: “Conceito de saúde psi­
cológica na perspectiva de psicólogos, médicos e leigos” (Hamasaki
& Kerbauy 1993) e “A representação social da saúde num bairro
de baixa renda de Campina Grande, Paraíba” (Arruda, 1985). Lança-
se, portanto, elementos que constituirão a matriz da
transdisciplinaridade em saúde.
Um outro tema-foco que se articula a essa compreensão am-
pliada de saúde é Trabalho/ Saúde e doença, com presença
incipiente no primeiro período, apresenta oito referências neste pe-
ríodo de transição. Como exemplo da conexão entre saúde e
trabalho, citamos dois artigos: “O programa de saúde do trabalha­
dor no município de Campinas" (Marques, Salemo, & Gil. 1992);
“Municipalizaçao: uma proposta metodológica para implantação de
vigilância à saúde do trabalhador" (Gutierrez, 1992).
Encerrando este tópico, exemplificamos o tema-foco Saúde
mental que, nesse período dobrou o número de publicações (de
cinco artigos passou para dez) e promovendo o diálogo entre Psi-
cologia e Saúde, como exemplificam esta referência: “Saúde mental:
o desenvolvimento de um programa em saúde pública” (Luzio, Reis,
& Mattioli, 1990).

3.2. Temas-foco emergentes no período de


transição (1985-94)
Nesse período, registramos três artigos do tema-foco AIDS/
HIV/DSTs e, como veremos no próximo período, essa produção
saltará para 33 artigos. Na literatura que discute a construção do
campo da Psicologia da Saúde, o advento da epidemia da AIDS é
considerado um elemento propulsor da entrada da Psicologia nos
serviços de saúde pública, seja no campo assistencial, seja no es-
forço de prevenção da doença e de compreensão do impacto social
da epidemia, como mostra o artigo: “Aspectos psicossociais da
síndrome da imunodeficiência adquirida” (Moura & Jacquemin,
1991).
Outros temas-foco que foram registrados nesse período de
transição da inserção da Psicologia nos serviços de saúde pública
foram: Usuários/clientes, com oito referências, e Relação tera-
pêutica/relações profissionais-clientes (N=2); Problemas
cardiovasculares e hipertensão (N=2); Subjetividade (N=l);
Organização e instituições (N=3) e Serviços de Saúde (N=2);
Relações étnicas e raciais (N=l); Violência (N=l); Qualidade
de vida (1).
4. Inserção plena da Psicologia no Siste-
ma Único de Saúde (1995-2006)
Segundo pesquisadores, geralmente, os psicólogos que
pesquisam e atuam em campos específicos da Saúde são proveni-
entes, em sua maioria, da Psicologia Clínica (com suas diferentes
perspectivas teóricas); da Psicologia Social e Comunitária (também
atravessadas por diferentes perspectivas teórico-metodológicas) e
da formação em Medicina Psicossomática e Comportamental, para
ficarmos com as áreas mais apontadas na literatura (Sebastiani, 2000;
Murray. 2000; Spink, 2003).
O período que denominamos de inserção plena da Psicologia
no SUS, tem como fundamento a busca do diálogo entre diferentes
esferas de conhecimento, propiciando que a Psicologia Clínica não
se limite aos consultórios; que a Psicologia Social, em diálogo com
outras áreas da Psicologia e com outros domínios de saber, busque
formas de atuação voltadas às necessidades sociais e históricas bra-
sileiras, seja centrando-se na prevenção de doenças e na promoção
da saúde, seja focando a saúde do trabalhador, entrelaçando-se aí
com práticas e saberes da Psicologia Organizacional e do Trabalho.
A contribuição da Psicologia Clínica para a atuação da Psi-
cologia na Saúde apresenta vários matizes, com permanências dos
saberes e fazeres clássicos e com rupturas provocadas por novas
práticas, desenvolvidas na área específica da saúde que, pior exem-
plo, colocam em xeque a dicotomia saúde física e saúde mental.
Em pesquisa realizada por Bianco, Bastos, Nunes e Silva (1994),
essas permanências e rupturas são discutidas e os autores sinteti-
zam as novas propostas da clínica, com a seguinte definição sobre
o psicólogo clínico:

Atua na área específica da saúde, colaborando para a com-


preensão dos processos intra e interpessoais, utilizando
enfoque preventivo ou curativo, isoladamente ou em equi-
pes multiprofissionais de instituições formais e informais.
Realiza pesquisa, diagnóstico, acompanhamento psicológi-
co, e atenção psicoterápica individual ou em grupo, através
de diferentes abordagens teóricas, (p. 18)

Os autores argumentam que essa concepção abrangente nem


sempre existiu e que essa forma ampliada de saberes e fazeres não
caracteriza, ainda, o quadro da Psicologia Clínica. Ao analisarem
formas emergentes de atuação clínica na área da saúde, os autores
afirmam que é dada ênfase e valor ao contexto social que envolve
as práticas de atendimento e de pesquisa. Argumentam, entretanto,
que apesar da consideração do contexto social estar sendo paula-
tinamente incorporada à Psicologia Clínica, os sentidos dados ao
contexto social ainda são variados (Bianco et al., 1994).
No que se refere à Psicologia Social da Saúde, referindo-nos
aqui à vertente da Psicologia Social mais implicada com as proble-
máticas de saúde, busca-se privilegiar a compreensão de processos
coletivos de produção de sentidos e, portanto, de pessoas que se
posicionam e são posicionadas de diferentes maneiras em suas re-
lações cotidianas, que inclui a busca do cuidado com a saúde (Spink.
2003). Procura-se, portanto, ir ao encontro das necessidades de
nosso tempo histórico: necessidades de uma determinada comuni-
dade (indígenas, assentamentos agrários, colônias de pescadores
etc.) e de determinados grupos (grupos de mães, grupo de planeja-
mento familiar, grupos de pessoas que se articulam por serem
portadores de determinada doença crônica, etc.).
Nessa lógica, as práticas de saúde e a produção de conheci-
mentos - entrelaçamento de duas faces da mesma moeda -
pertencem ao campo da transdisciplinaridade, compreendida aqui
como o esforço que articula diferentes competências e especi-
ficidades. A proposta transdiciplinar pode se constituir em um
caminho privilegiado para fortalecer os diálogos entre diferentes
domínios de saber, que inclui não somente as disciplinas da esfera
científica, mas também o conhecimento leigo que. na maioria das
vezes, é ignorado quando se busca compreender e lidar com os
processos de saúde e de doença. Assim, quando as equipes
interdisciplinares dialogam com os(as) usuários(as), envolvendo a
família e a comunidade, na busca de melhores estratégias, estão
praticando a transdisciplinaridade.
No período aqui caracterizado como de inserção plena da
Psicologia no SUS, a maioria dos temas discutidos nos dois perío-
dos anteriores permanece, com alterações nas posições que ocupam
quanto à frequência de publicações, e alguns aumentos expressivos
em determinadas temáticas, além da emergência de novos temas-
foco. O corte de 75% de frequência cumulativa resultou na inclusão
de 15 temas-foco, que são apresentados na Tabela 3.

Tabela 3: Tema-foco dos artigos no período 1995-2006


Ocupando o primeiro lugar estão Prática profissional (N=67)
e Formação profissional (67), enquanto Prática clínica/Clínica/
Métodos clínicos (55) fica em segundo lugar. As duas temáticas que
mais se destacam, com relação às publicações do período anterior,
são Saúde reprodutiva, que de duas referências nas duas década
anteriores, subiu para 43 publicações, e AIDS/HIV/DSTs, que salta
de três referências da década anterior para 41.

4.1. Temas-foco com maior frequência de


publicações (1995-2006)
As três temáticas que apresentam as maiores frequências no
terceiro período ocupam também os três primeiros lugares na soma
total dos três períodos analisados: Prática profissional (N= 115),
Formação profissional (N=104) e Prática clínica/Clínica/Mé-
todos clínicos (N=95), seguida por Reflexões Teóricas e
Metodológicas (N=60). O destaque desses temas, principalmente
a partir do final da década de 1980, reflete os esforços de adequa-
ção e busca de novos caminhos para a organização dos serviços no
campo da Saúde, com maior ênfase após a criação do SUS pela
Constituição Brasileira de 1988.
Seguindo a lógica da análise até aqui apresentada, destaca-
mos algumas publicações que exemplificam esse esforço e mostram
uma maior consolidação da inserção da Psicologia no SUS. No
campo Prática Profissional, Mejias (1995) exemplifica a ruptu-
ra com a clínica tradicional, discutindo “A atuação do psicólogo:
da clinica para a comunidade”; Araújo (1995) explicita a não neu­
tralidade do psicólogo com "Reflexões sobre o papel social e
político do profissional de psicologia"; Ombretta (2005) articula
"Conhecimento, interdisciplinaridade e psicologia ambiental”;
Carvalho (2000) faz "Considerações sobre psicologia hospitalar
e identidade profissional”.
Essas reflexões têm reverberações na Formação Profissio-
nal, sendo necessário considerar as diferenças regionais brasileiras,
normalmente caracterizadas por políticas locais. Um dos grandes
desafios é a formação voltada à inserção do Psicólogo na rede
básica de saúde, Nessa perspectiva. Oliveira et al., (2(X)4) discu-
tem “O psicólogo nas unidades básicas de saúde: formação
acadêmica e prática profissional". Também direcionado à forma-
ção na atenção básica, com ênfase na integralidade,
Merchán-Hamann (1999) discute “Os ensinos da educação para a
saúde na prevenção de HIV/AIDS: subsídios teóricos para a cons-
trução de uma práxis integral”. Ainda nesse tema-foco, é
problematizada a formação ortodoxa na clínica psicológica, como
exemplifica este título: “Supervisão na formação de psicólogos: um
recorte para a problematizarão das relações entre teoria e prática
em psicologia clínica” (Morato, 1996).
Passamos, então, ao tema-foco Prática clínica/Clínica/Mé-
todos clínicos, em que as rupturas com os modelos clássicos são
mais complexas, pois apresenta em suas matrizes, de forma signifi-
cativa, modelos que são pautados pela racionalidade intrapsíquica
e a-histórica, ou que se aproximam da racionalidade biomédica.
Todavia, como exemplificamos a seguir, esforços têm sido feitos:
“A psicologia clínica e os programas preventivos de intervenção
comunitária” (Silvares & Melo, 2000) e “Clínica em comunidades:
um desafio contemporâneo” (Santos & Vilhena, 2000).
As reflexões teóricas e conceituais são aspectos nucleares para
o diálogo entre Psicologia e SUS e observamos que esforços de
transformação também estão contemplados nas Reflexões-teóri-
cas/conceituais, que se articula com Processo saúde/doença e
com as referências sobre Interdisciplinaridade.
Nessa perspectiva, destacamos as reflexões sobre a constitui-
ção do campo da Psicologia da Saúde (na interface com a Psicologia
Hospitalar), que foi gestada no período de inserção incipiente),
definindo melhor seus contornos no período de transição e avan-
çando na sistematização teórica e conceituai no período de inserção
plena,4 como mostram os exemplos: “Psicologia da saúde: apre­
sentação, origens e perspectivas” (Remor, 1999); “A bioética e a
psicologia da saúde: reflexões sobre questões de vida e morte” (Tor­
res, 2003). Destacamos, ainda, a reflexão teórica sobre o Programa
de Saúde da Família (PSF): “Um olhar sobre o programa de saúde
da família: a perspectiva ecológica na psicologia do desenvolvimento
segundo Bronfenbrenner e o modelo da vigilância da saúde” (Fran-
co & Bastos, 2002).
Uma outra importante interface com a Psicologia da Saúde é a
Saúde do Trabalhador, contemplada em temas-foco como: Traba-
lho/Saúde e Doença com 41 artigos publicados entre 1995-06,
como é o caso de “Depressão e contexto de trabalho” (Cenci, 2004)
e Saúde Mental, com 17 artigos: “Prevenção em saúde mental: a
atuação profissional do psicólogo clínico no nível de atenção pri-
mária em saúde pública” (D.Ribeiro, 1996).
As discussões teóricas e conceituais categorizadas no tema-
foco Processo Saúde-Doença, contribuem para subsidiar o
diálogo entre Psicologia e SUS, conforme mostram os títulos de
artigos publicados entre 1995-2006: “A interface psicologia so­
cial e saúde: perspectiva e desafios” (Traverso-Yépez, 2001); “O
significado da saúde e doença: algumas considerações para a psi-
cologia da saúde” (Boruchovitch & Mednick, 2002); “Saúde,
doença e enfermagem: suas representações sociais para estudan-
tes de enfermagem” (Ogata & Pedrino, 2004). 1

1 Relacionados à constituição da Psicologia da Saúde e. mais diretamente à Psicologia


Hospitalar, temos referências categorizadas nos temas-foco Câncer/Oncologia/Psico-
oncologia (N=I5) e Hospitais/Hospitalização (N=7).
Esse diálogo é reafirmado nas propostas de interdisciplina-
ridade, seja na atuação de um campo tema, seja em propostas de
intervenção, como por exemplo: “Violência e saúde como um cam­
po interdisciplinar e de ação coletiva” (Minayo & Souza, 1998);
“Psicologia clínica e da saúde: reflexões sobre a interdisciplinaridade”
(Barros, 1999); “A psicologia no hospital: a psico oncologia como
possibilidade de intervenção com o paciente, sua família e a equipe
cuidadora" (E. Ribeiro, 1996).
A contribuição da Psicologia retratada no tema-foco Saúde
reprodutiva, com 43 artigos neste último período, reforça o diá-
logo interdisciplinar. Alguns exemplos: “Novas tecnologias
reprodutivas: novas estratégias de reprodução?” (Corrêa & Loyola,
1999); “Direitos sexuais e reprodutivos: algumas considerações para
auxiliar a pensar o lugar da psicologia e sua produção teórica sobre
a adolescência” (Toneli, 2004).
Comentamos anteriormente que o advento da epidemia da AIDS
acelerou a inserção de psicólogos no sistema público de saúde. O
número de publicações neste período (N=41) reforça esse argumen-
to. A atuação de psicólogos nos Programas de AIDS muito tem
contribuído para o diálogo entre Psicologia e SUS, envolvendo tra-
balhos realizados junto à família e à comunidade. Exemplos: “A
representação social da AIDS junto à comunidade subsídios para o
atendimento psicossocial do paciente HIV” (Figueiredo & Marcos,
1997); “A AIDS e suas contradições: representações sociais de seu
atendimento e tratamento pelos profissionais e pacientes” (Ribeiro,
Castanha, Coutinho & Saldanha 2005).

4.2. Temas-foco emergentes no período de


inserção plena (1995-2006)
Violência doméstica/Abuso sexual é uma temática antiga, mas
o seu reconhecimento como um problema de Saúde Pública pela
OMS ocorreu na década de 1980. No entanto, na Psicologia, re-
gistramos as primeiras publicações, vinculando violência e saúde
(N=7), somente após 1995, como é o caso do exemplo a seguir:
“Estudo descritivo dos registros de violência doméstica no Conse­
lho Tutelar de Niterói" (Cavalcanti, 1999).
Destacamos, ainda, outros temas-foco, que no conjunto de
referências analisadas só foram registrados nesse último período,
como é o caso de Relação pais-filho/Apego (N=9); Religião/
Espiritualidade (N=5); Distúrbios alimentares (N=3); Esporte
e Saúde (N=2).

5. Considerações finais
Tomando como base a análise das referências de artigos pu-
blicados em periódicos brasileiros, no período de 1955 a 2006.
que discutem Psicologia e Saúde, mapeamos a trajetória de inser-
ção da Psicologia no sistema público de saúde. Trabalhamos essa
trajetória a partir de três grandes períodos: período de inserção
incipiente da Psicologia no serviço público de saúde (1955-1984);
período de transição da inserção da Psicologia no serviço público
de saúde (1985-1994) e período de inserção plena da Psicologia
no Sistema Único de Saúde - SUS (1995-2006). Para tanto, nos
guiamos pelos temas-foco identificados nas publicações de perió-
dicos, indexados nas bases de dados pesquisadas (BVS-PSI e
LILACS), perfazendo um total de 993 referências de artigos.
A análise dos títulos e dos resumos das referências, que foram
categorizadas em 82 temas-foco, ao longo dos três períodos, mos-
trou um movimento crescente da inserção da Psicologia no sistema
público de saúde, representado pelo Sistema Único Brasileiro
(SUS), após 1988.
No período de inserção incipiente, como a própria nomea-
ção indica, a publicação de artigos discutindo essa vinculação foi
bastante tímida. Por exemplo, no caso do tema-foco Prática Clí-
nica/Clínica/Métodos Clínicos, o eixo de discussões nesse período
pauta-se mais pela compreensão intrapsíquica do processo saú-
de e doença - não identificamos artigos orientados para a prática
clínica em serviço público de saúde, ou alinhada a uma compre-
ensão mais ampla de saúde. Apesar de já existirem psicólogos
atuando em instituições públicas de saúde, também não encontra-
mos referências sobre a formação de psicólogos para atuarem na
Saúde e nos serviços públicos.
Todavia, o tema-foco Prática Profissional, uma dimensão
analisadora mais ampla, além agregar práticas tradicionais da clíni-
ca psicológica, já inclui artigos que apontam os desafios da ainda
incipiente inserção da Psicologia no sistema público de saúde. Al-
gumas discussões teóricas também problematizam o modelo
biomédico e curativo, propondo um modelo psicológico mais vol-
tado à educação e reeducação, incluindo-se aí elementos da matriz
da luta antimanicomial. Nas discussões teóricas, observamos a in-
clusão do conceito de interdisciplinaridade, integrando-se à matriz
de conceitos que propiciam uma visão ampliada de saúde e doen-
ça, porém, ainda restrita à esfera hospitalar nesse período.
Ao avançarmos para o período de transição da inserção da
Psicologia no serviço público de saúde, encontramos vários exem-
plos que indicam rupturas com modelos clássicos da Psicologia,
discutindo a inserção não apenas em instituições públicas de saúde,
mas também enfocando saúde na comunidade, no trabalho e na
escola. Salientam a inclusão de aspectos sociais e culturais nos pro-
cessos de saúde e de doença, além dos biológicos e psicológicos.
Nesse período de transição, portanto, as práticas já mostram
inserções em outros contextos sociais e discutem a formação do
psicólogo para atuar no contexto hospitalar; o enfoque na preven-
ção de doenças e na promoção da saúde começa a se fazer presente,
mas ainda de maneira limitada. Caracteriza-se, assim, como um
período de fortalecimento da multidisciplinaridade, com estudos que
ultrapassam os limites da interdisciplinaridade. incluindo o saber leigo
de usuários dos serviços de saúde, para compreender os proces-
sos de saúde e de adoecimento.
No último período, que nomeamos de período de inserção
plena da Psicologia no Sistema Único de Saúde (1995-2006), as
três temáticas que apresentam as maiores frequências no terceiro
período ocupam também os três primeiros lugares na soma total
dos três períodos analisados: Prática profissional (N=115),
Formação profissional (N=104) e Prática clínica/Clínica/Mé-
todos clínicos (N=95), seguida por Reflexões Teóricas e
Metodológicas (N=60). O destaque desses temas ao longo do
período analisado, principalmente a partir do final da década de
1980, reflete os esforços de adequação e busca de novos cami-
nhos para a organização dos serviços no campo da Saúde,
principalmente após a criação do SUS, referendado pela Consti-
tuição Brasileira de 1988.
Desse último período, destacamos as reflexões que enrique-
cem a constituição do campo da Psicologia da Saúde, que foi
gestada no primeiro período (inserção incipiente), considerando
aqui a interface entre Psicologia Hospitalar e Psicologia da Saúde,
definindo alguns contornos no período de transição e avançando na
sistematização teórica e conceituai no período de inserção plena.
Por outro lado, observamos que um dos grandes desafios está
na formação voltada à inserção do Psicólogo na rede básica de
saúde, principalmente quando consideramos a necessidade de de-
senvolver práticas que sejam dinâmicas, processuais e dialógicas,
pautadas pelo princípio de integralidade, que como discute Mattos
(2001), seja compreendida como processual e coletiva, não se li-
mitando às atitudes individuais de profissionais da saúde.
Em síntese, apesar de todos os problemas e desafios que ain-
da se fazem presentes, como por exemplo, a necessidade de ampliar
as produções que sistematizem o dialogo da Psicologia com o SUS,
ao final dos três períodos analisados, nós visualizamos uma presen-
ça mais consolidada da Psicologia em diferentes esferas do
atendimento público à saúde. Todavia, considerando as diferenças
regionais do Brasil, com suas desigualdades de acesso aos serviços
de saúde, muitas vezes agravadas por políticas locais, fica patente
que o sentido de inserção plena não se aplica para todas as regiões,
em especial, quando se trata da inserção da Psicologia na rede
básica de saúde, uma vez que, na rede hospitalar, essa vinculação
mostra-se um pouco mais sedimentada.

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Capítulo 8

Desafios para o fortalecimento


da Psicologia no SUS: a
produção referente à formação e
inserção profissional
Magda Dimenstein
João Paulo Macedo

Esse capítulo objetiva discutir a produção científica em Psicolo-


gia referente à formação e à inserção profissional no SUS. Com isso,
discutir os desafios presentes na proposta de fortalecimento da pre-
sença da Psicologia nesse âmbito, destacando-se o de operar
mudanças no modelo acadêmico hegemônico para que esteja em
consonância com o seu ideário; problematizar os limites e alcances
do instrumental teórico-prático da Psicologia para as ações do cam-
po da Saúde Pública e. consequentemente, o desenvolvimento de
mediações teóricas que possam fundamentar sua atuação nesse con-
texto específico.

1. O SUS e as novas demandas para


formação e inserção profissional do
psicólogo
Toda e qualquer problematização do contemporâneo
parte de uma despedida do absoluto 1
(Rolnik, 1993, p. 249).

1 Segundo a autora, despedir-se do absoluto "é apenas despedir-se de um certo critério

de avaliação que parte de formas a priori (critério moral), para adotar um critério ético"
(p. 250).
Desde a implantação do SUS em 1990, o campo da Saúde Pú-
blica no Brasil tem vivido inúmeras transformações. Em se tratando de
uma política pública que visa, acima de tudo, à construção da demo-
cracia, à redução das desigualdades e à inclusão social, se reconhece
que o SUS é bem mais do que um arranjo institucional, e sim, um
“projeto civilizatório que pretende produzir mudanças dos valores
prevalentes na sociedade brasileira, tendo a saúde como eixo de trans-
formação" (Fórum da Reforma Sanitária Brasileira 2006). Para tanto,
tem havido nesses anos uma forte mobilização de vários setores no
sentido de criar condições e mecanismos propícios à consolidação de
seus princípios e ao alcance de um sistema universal, humanizado e de
qualidade.
Atualmente, o HumanizaSUS apresenta-se como uma des-
sas estratégias para alcançar uma maior qualificação da atenção e
da gestão em saúde no SUS. É uma política nacional que opera
transversalmente em todos os níveis do sistema fugindo da lógica
tradicional e burocrática baseada em programas, e que tem na
humanização o eixo norteador das práticas de atenção e gestão em
todas as esferas do SUS. Trata-se, portanto, de uma tentativa de
fazer avançar questões que até hoje se apresentam como proble-
mas de difícil abordagem, tal como atesta a vasta produção
bibliográfica produzida no campo da Saúde Coletiva, dentre as quais
se situam:

1. Fragmentação do processo de trabalho e das relações entre


os diferentes profissionais.
2. Fragmentação da rede assistencial dificultando a
complementariedade entre a rede básica e o sistema de
referência.
3. Precária interação nas equipes e despreparo para lidar com
a dimensão subjetiva nas práticas de atenção.
4. Baixo investimento na qualificação dos trabalhadores,
especialmente no que se refere à gestão participativa e
ao trabalho em equipe.
5. Poucos dispositivos de fomento à cogestão, à valoriza- ção
e inclusão dos gestores, trabalhadores e usuários no
processo de produção de saúde.
6. Desrespeito aos direitos dos usuários.
7. Formação dos profissionais de saúde distante do debate e
da formulação da política pública de saúde.
8. Controle social frágil dos processos de atenção e gestão do
SUS.
9. Modelo de atenção centrado na relação queixa-conduta
(Ministério da Saúde, 2004).

A Política Nacional de Humanização, de forma bastante resu-


mida, segundo o próprio Ministério da Saúde (2004), trata da
construção/ativação de atitudes ético-estético-políticas em sintonia
com um projeto de corresponsabilidade e qualificação dos vínculos
interprofissionais e destes com os usuários na produção de saúde.
E uma rede de construção permanente de cidadania, que implica
uma mudança na cultura da atenção aos usuários e da gestão dos
processos de trabalho. A política de humanização supõe um novo
tipo de interação entre os sujeitos e nos modos de trabalhar em
equipe porque implica em produzir uma "cumplicidade” entre esses
atores, poder olhar cada sujeito em sua especificidade, mas tam-
bém de olhá-lo como sujeito de um coletivo, perspectiva que se
afasta daquela orientada por uma concepção biologizante e meca-
nizada da vida.
Observa-se, pois, dentre os diversos problemas acima re-
feridos, bem como nas estratégias presentes na política de
humanização, a qualificação técnica e política dos trabalhadores
do campo destaca-se como um ponto fundamental e desafiante. Sabe-
se que mudanças no modelo de assistência e gestão estão atreladas, em
grande parte, a uma reorientação da formação/ capacitação de todos os
profissionais que atuam no setor saúde. Segundo documento expedido
pela Associação Brasileira de Pós- Graduação em Saúde Coletiva,
(ABRASCO),

A formação na saúde que conhecemos hoje é, essencial-


mente, acadêmica, reprodutora de valores corporativistas,
distante da realidade de nosso país e não implicada com a
transformação social. Essa lógica de formação profissional
na área da saúde tem perpetuado um modelo de atenção
reducionista. ineficiente, tecnicista, médico-centrado e
hospitalocêntrico, comprometendo, assim, a consolidação
do SUS. (2006. p. 18)

Tal realidade não é específica de um campo, mas envolve di-


versas áreas de saber, sendo, dessa maneira, um desafio que
atravessa o coletivo profissional aí inserido e as instituições públi-
cas e privadas responsáveis pela formação de recursos humanos
qualificados para o SUS. Em se tratando da Psicologia, especifica-
mente, inúmeras discussões veiculadas pela literatura do campo
indicam que é um campo de conhecimento e de práticas que preci-
sa operar mudanças na sua base conceituai e técnica para atuação
na Saúde Pública (Benevides, 2005; Camargo-Borges & Cardo-
so, 2005; Dimenstein, 1988,2000.2004; Franco & Mota, 2003;
Lima, 2005).
Esses autores, dentre outros que também se dedicam a pensar
essa questão, chamam atenção que o SUS demanda mutações sub-
jetivas e outros modos de ser trabalhador; pede uma formação
contextualizada. um conhecimento interdisciplinar e a produção de
práticas multiprofissionais voltadas às necessidades da população
usuária. Isso implica em estar alerta aos especialismos, às naturaliza-
ções e dicotomias entre formação e atuação e em um esforço
permanente de ruptura com a lógica que persegue verdades
inquestionáveis, uma realidade dada, modelos padronizados e este-
reotipados.
Além disso, inserir-se em equipes, transitar nas comunidades,
circular no âmbito da cidade, requer um esforço dos psicólogos,
em particular, já cronificados em um modus operandi tradicional,
pouco permeável à complexidade da vida das pessoas, das condi-
ções de trabalho, dos cenários onde profissionais e usuários
interagem. Esse modelo de atuação tem como efeito tomar os pro-
fissionais menos sensíveis às capturas produzidas no cotidiano, ao
estranhamento que precisamos operar frente às rotinas de trabalho
e menos potentes na invenção de novos agenciamentos, de articu-
lações contra a domesticação dos corpos e da vida.
Em outras palavras, a sustentabilidade do SUS depende não só
da superação do subfinanciamento, da organização de redes de ser-
viços articuladas, da intensificação da participação e do controle social,
da criação de novas formas de gestão e controle dos gastos, mas
principalmente de novas formas de pensar o cuidado à saúde e a
participação de cada ator social no sistema, questões que vão sendo
germinadas ao longo da vida acadêmica. Isso aponta para uma
indissociabilidade entre processos de trabalho, formas de atuação
profissional, modos de subjetivação, transformação social e constru-
ção de novas realidades.
Portanto, é indiscutível o papel da formação na construção de
profissionais sintonizados com o projeto político do SUS. Se man-
tivermos cursos, como temos atualmente, em cujas estruturas
curriculares há um nítido descompromisso com a sua construção e
fortalecimento, é pouco provável que inovações teóricas e práticas
sejam produzidas no campo da Psicologia voltadas à Saúde Públi-
ca. É bastante visível dentre a categoria, principalmente entre os
docentes, o pouco conhecimento e interesse sobre o SUS. Esse
assunto toma-se, geralmente, competência de professores especí-
ficos que por afinidade temática assumem a responsabilidade de
discutir o campo da Saúde Pública em seus cursos. Raramente se
observa a proposição de um eixo de discussão que seja transversal
no curso sobre as políticas públicas de uma forma ampla, dentre
elas, a de saúde. É claro que essa forma de funcionamento dos
cursos está atravessada pela força ideológica dominante de
desqualificação do público e valorização do privado; mais interes-
sada nas “tiranias da intimidade” e desconectada dos processos
coletivos. Não é por acaso, então, que o SUS toma-se uma temática
e campo de ação pouco interessante, a não ser para a reprodução
de uma performance já conhecida.
É prioritário, pois, saber que a manutenção dessa discussão
viva no cotidiano dos cursos e dos serviços de saúde é a estratégia
mais eficaz de dar visibilidade e seguimento a um projeto político
claramente contra-hegemônico. Conhecer mais apuradamente os
mecanismos que despotencializam o SUS, o jogo de forças, poder
e de interesses que o fazem parecer ineficaz, pouco confiável, uma
proposta inconsistente e sem qualidade; analisar criticamente os
avanços e dificuldades do SUS e construir estratégias para superá-
las, é responsabilidade também das agências formadoras e um
compromisso de cidadania, de toda e qualquer pessoa interessada
no bem comum. É preciso enfrentar a ideia do descomprometimento
da universidade e dos intelectuais com as questões sociais, que gera
personagens um tanto quanto bizarros, que seguem mantendo suas
ações sem perceber seus efeitos e implicações:

O especialista apolítico se considera neutro e imparcial.


Ele é capaz de dissertar sobre a miséria humana com a
sensibilidade de um autômato; é capaz de escrever sobre
os avanços tecnológicos sem se colocar uma simples ques-
tão: a quais interesses servem a técnica e a ciência? O
especialista desconsidera a dialética da relação indivíduo
e sociedade (isola um dos polos ou toma-os de forma
dicotômica): não percebe que todo saber expressa inte-
resses e relações de poder. Ao mínimo lampejo de
consciência infeliz ele recorre à filantropia ou aos argu-
mentos psicologizantes, individualizando os problemas de
caráter social. Termina por culpabilizar a vítima. (Silva,
2003. s/p)

Por isso, iniciativas como a da Associação Brasileira de Ensi-


no em Psicologia (ABEP) são importantes no cenário atual de
implantação das novas diretrizes curriculares dos cursos de Psico-
logia no país. Recentemente ocorreu a Oficina Nacional da ABEP
(2006), promovida pela ABEP/MS e Organização Pan-americana
de Saúde (OPAS), cuja temática versou sobre a presença qualifi-
cada no SUS como um desafio para a Psicologia. Nas propostas
apresentadas para esse processo destacam-se:

1. É preciso garantir uma formação para a Saúde Pública de


forma transversal articulando política, teoria e prá- tica.
Isso implica em inserir conteúdos referentes aos princípios
e diretrizes do SUS, da política nacional de humanização,
da reforma psiquiátrica e da luta anti- manicomial.
2. É necessário oferecer mais possibilidades de estágios em
instituições públicas de saúde, abrindo espaço para a
modulação de novas formas de atuação que superem o
modelo clínico tradicional dominante no campo.
3. Os psicólogos precisam considerar especificidades re-
gionais/territorialidade quando da organização de serviços
de saúde, dialogando com diferentes áreas do conheci-
mento e com o saber popular.
4. Estimular a prática da pesquisa no campo das políticas
públicas de saúde que fundamentem a mudança nas prá-
ticas desenvolvidas e novas formas de trabalho ancoradas
nos princípios e diretrizes do SUS.
5. Estimular a produção de conhecimento como uma das
práticas fundamentais na formação do psicólogo.

É exatamente sobre esse último aspecto que vamos abordar


a seguir. Como tem se caracterizado a produção científica em
Psicologia no campo da Saúde? Sobre o que os psicólogos têm
discutido? Para onde aponta a produção científica que tem sido
veiculada em livros e artigos, que foi alvo da pesquisa realizada
pela ABEP/OPAS e cujos resultados servirão de base para essas
reflexões? Enfim, entendendo a produção científica como um as-
pecto fundamental da formação e consequentemente, do
fortalecimento da presença da Psicologia no SUS, avançaremos
nessa comunicação discutindo os dados acerca da produção ge-
rada na academia e/ou serviços por psicólogos que atuam na área
de Saúde. Antes de iniciarmos nossas reflexões sobre os dados
gostaríamos de ressaltar que focaremos a discussão em três das
dimensões analisadoras levantadas pela pesquisa: formas de atu-
ação, local de atuação e ferramentas teóricas/conceituais, articulando-
as aos demais eixos da pesquisa, a saber, tema-foco, população, tipos
de atenção à saúde, programas, formação e as- pectos políticos.
2. Produção Científica em Psicologia no
campo da Saúde
Seria mais prudente perguntar para
onde nos conduzem os nossos agenciamentos,
ou melhor, quais agenciamentos patrocinam as nossas posições atuais
em relação à produção na universidade
(Bedran, 2003, p.65).

A produção levantada na pesquisa foi de 993 artigos (803


recuperados pela base Index-psi e 190 pela base Lilacs) e
354 livros, sendo 202 de autoria/coautoria de psicólogos, 108
organizados por psicólogos e 44 organizados por não psicólo-
gos, mas que continham capítulos escritos por psicólogos.
Considerando a produção específica cm Saúde Pública foram
encontrados somente 48 artigos, publicados a partir de 1995.
A seleção deste material seguiu os critérios esclarecidos em
capítulo anterior.
Nesse levantamento observamos que as duas últimas déca-
das registraram um crescimento considerável da produção científica
em Psicologia relacionada à saúde. De acordo com os dados abai-
xo da pesquisa ABEP/OPAS observa-se que desde meados dos
anos 80 esse crescimento se toma visível, particularmente em for-
ma de artigos.
Tabela 1: Produção da Psicologia relacionada com a Saúde - artigos e
livros, por década

O incremento da produção científica em Psicologia de uma


forma geral nos últimos anos está associado a uma série de fatores,
dentre os quais focamos a mudança na política acadêmica com o
crescimento dos cursos de Pós-Graduação/PG em todo o país e o
novo sistema de avaliação dos PGs (Coleta Capes); aumento das
atividades de pesquisa especialmente vinculadas à iniciação cientí-
fica, mestrado e doutorado; criação do sistema de avaliação dos
periódicos científicos (QUALIS); aumento da oferta de periódicos
na área e editoras com interesse em Psicologia, dentre outros. Na
área de Saúde outros fatores contribuíram para esse crescimento: é
na década de 1980 quando se dá uma maior inserção de psicólo-
gos nos serviços de saúde atrelada às discussões da Reforma
Sanitária e da Luta Antimanicomial. Em função disso surge necessi-
dade do psicólogo pensar sua formação, sua prática e seu arcabouço
teórico/técnico, sobre as novas demandas e sua responsabilização
para com as questões sociais.
Antes disso, há uma produção bastante tímida até o ano de
1984, o que de fato tem haver com o próprio modelo liberal de
atuação da Psicologia e da pouca inserção de psicólogos no cam-
po da Saúde. Daí a produção desse período dar maior ênfase às
questões específicas da área, sobressaindo temas como prática clí-
nica, métodos clínicos, técnicas de exame psicológico e formação
profissional. Nota-se a presença de temas ligados à higiene mental,
família, delinquência, transtornos psiquiátricos e neurológicos que
refletem o campo de abrangência do território profissional do psi-
cólogo, restrito tanto em termos de inserção nos espaços e nas
equipes, quanto da produção científica.
No período de 1985-1994 tem-se um incremento na produ-
ção de artigos e livros voltada prioritariamente para a prática
e formação profissional, bem como sobre reflexões teóricas e
metodológicas. Entretanto, observa-se que é uma década marcada
pelo surgimento de novas temáticas: processo saúde/doença, tra-
balho/saúde/doença, usuário/clientela, hospitais/hospitalização,
relacionadas à inserção do psicólogo em hospitais, ambulatórios,
centros especializados e unidades básicas, às mudanças no modelo
assistencial e ampliação da composição das equipes de saúde com
a implantação do SUS.
A partir de 1995 o crescimento da produção científica ocor-
re em um contexto diferenciado. O processo de fortalecimento
do SUS, a implantação da Atenção Primária à Saúde e da Refor-
ma Psiquiátrica já é uma realidade. O número de profissionais de
Psicologia presentes nos serviços de saúde no país se expandiu
de forma importante; observou-se uma maior articulação entre
serviço, gestão e academia, tanto na perspectiva de fomentar dis-
cussões/ações de avaliação e proposição de políticas no campo
da saúde, quanto na oferta de cursos de aperfeiçoamento/especi-
alização, ações de pesquisa e extensão; surgiram vários veículos
de divulgação científica propiciando assim uma maior circulação
da produção sobre a interface Psicologia e Saúde. Há então, nes-
se período, se estendendo até os dias atuais, um reforço na
produção voltada para a prática e formação profissional e para a
clínica (prática/métodos) refletindo os movimentos da categoria
de pensar sua inserção nesses espaços, agora atravessados por
debates mais acirrados acerca dos modelos de atuação, da for-
mação e do trabalho em saúde propriamente dito. Novas temáticas
surgem refletindo os esforços de adequação da prática dos psi-
cólogos à nova organização dos serviços, aos programas de
prevenção e promoção de saúde (Saúde do Trabalhador, Saúde
Reprodutiva, DST/AIDS, Álcool e Drogas, Terceira Idade) e às
novas problemáticas envolvendo relações de gênero, pais-filhos,
distúrbios alimentares, violência doméstica, sexualidade, câncer,
dentre outros. Não surpreende que os artigos específicos em Saúde
Pública sejam publicados nesse período voltados para o campo
da Saúde Mental mais fortemente (19%).
O aumento e diversificação da produção ao longo dos anos e
de forma mais acentuada neste último período acabou gerando uma
concentração de publicações em alguns periódicos e editoras. O
quadro editorial levantado na pesquisa tem em relação aos artigos
uma concentração em 30 dos 109 periódicos pesquisados e no caso
dos livros em somente 14 das 76 editoras identificadas. As revistas
que reúnem o maior número de publicações são, em sua maioria, do
campo da Psicologia, com exceção de alguns poucos periódicos
que são específicos da Saúde (Revista de Saúde Pública, Cader-
nos de Saúde Pública, Saúde Debate, Femina - Revista Brasileira
de Obstetrícia e Ginecologia e DST-Jornal Brasileiro de Doen-
ças Sexualmente Transmissíveis). Esse quadro, de certo modo,
demonstra que ao longo dos anos tivemos pouca participação em
revistas de Saúde e/ou Saúde Coletiva na perspectiva de fomentar
maiores diálogos interdisciplinares. Em relação aos livros, as publi-
cações estão concentradas em editoras de perfil mais técnico e
especializado, sobressaindo a Casa do Psicólogo e Vetor Editora
cujo público principal é formado por profissionais da área "psi" fato
que acaba acarretando, como veremos a seguir, um menor espaço
às publicações de enfoque mais político em função dos interesses
do mercado editorial que tem atendido melhor os textos de caráter
mais técnico. Esperamos que essa situação se reverta considerando
que as discussões sobre Psicologia, políticas setoriais e Saúde Pú-
blica merecem maior espaço de publicação.

2.1. Formas de Atuação


Em relação às formas de atuação, essas estão em sua maioria
concentradas em dois grupos: um de maior destaque que é a reali-
zação de pesquisas, inventários e estudos no campo da saúde, com
perspectiva sempre crescente nas três décadas. Essa categoria foi
a mais frequente em artigos e livros, representando 43% e 32%
respectivamente. O outro grupo concentra diversos procedimentos
em relação ao atendimento a usuários e/ou comunidade tais como
diagnose, psicoterapia, trabalho comunitário (grupos, atividades
lúdicas, oficinas e educação em saúde) e atendimento psicossocial.
Caracterizando melhor este segundo grupo, vale ressaltar que nos
artigos as formas tradicionais de atuação profissional (psicodiagnós-
tico e psicoterapia) vêm registrando um decréscimo ao longo dos
anos (de 27% no primeiro período, passa para 12% no último). Em
contraponto, na década de 1990, têm-se um aumento de relatos
em artigos voltados às atividades grupais, oficinas, atividades em
educação em saúde (palestras, orientação, confecção de guias e
manuais) e ao atendimento psicossocial, ou seja, procedimentos
que anteriormente não faziam parte do arsenal da Psicologia e que
passam a ser utilizados em função das demandas dos usuários e
características do trabalho especialmente na atenção básica. Isso
se vê claramente na produção específica em Saúde Pública que
passa a contemplar também o acompanhamento terapêutico, o dia-
gnóstico institucional e comunitário.
Em relação aos livros, veículo de maior penetração no público
em geral, a psicoterapia. juntamente com a clínica/aconselhamento
foram as formas de atuação mais relatas pelos psicólogos (após
pesquisa/inventários/estudo), representando 19% e 18% respecti-
vamente. O psicodiagnóstico é bem menos frequente do que nos
artigos, mas registrou crescimento na última década. Vale ressaltar
a presença de livros voltados para um público mais amplo relacio-
nados à informação/orientação/manuais/guias/educação em saúde
e que tratam também de atividades grupais, oficinas e atendimento
psicossocial, assinalando uma abertura e participação da Psicolo-
gia para o campo da prevenção e promoção da saúde.
É importante ressaltar que a presença marcante da categoria
“pesquisas, inventário e estudos” nos artigos e livros como a for­
ma de atuação mais frequente está relacionada à articulação entre
academia, serviços de saúde e comunidade que tem sido
gradativamente construída em todo o país no intuito de contribuir
na mudança do perfil dos profissionais de saúde, fortalecer a ação
comunitária e o controle social, bem como criar interfaces/parce-
rias entre os três segmentos que historicamente vêm funcionando
isoladamente. É claro que essa articulação é ainda incipiente, mas
há experiências bem sucedidas como a do Programa UNI que
desenvolveu inúmeros projetos na América Latina na década de
90, particularmente em seis municípios brasileiros, que até hoje
vêm reverberando nesses três componentes (Almeida, Feuer-
werker & Llanos, 1999).
Retomando o foco na Psicologia, podemos então dizer que
a forte produção científica advinda de resultados de pesquisas
indica uma maior integração entre serviço/academia; serviço/ser-
viço; academia/serviço/comunidade? Essa é uma questão de onde
derivam outras de suma importância que gostaríamos de registrar,
mas que necessitam ser aprofundadas em outro momento: o tipo
de relação que se tem estabelecido entre serviço e academia tem
se caracterizado efetivamente como um bom encontro? Tais pes-
quisas e estudos realizados se concebem como mero levantamento
de dados no sentido de “representar” a realidade investigada ou
tem se apresentado numa perspectiva mais propositiva, como
experiências de intervenção geradoras de estratégias de ação e
invenção de aparatos conceituais para o campo da saúde? Há
participação de profissionais dos serviços como propositores
dessas investigações? Que tipo de problemas investigam? A par-
tir de que demandas? São de necessidades oriundas do campo
ou de questões já construídas por estudos anteriores? Os profis-
sionais dos serviços aparecem também como responsáveis pela
autoria das publicações?
Tais questões nos interessam porque no encontro serviço-
academia temos tido produções centradas quase unicamente na
caracterização do cotidiano dos técnicos, dos serviços e dos
usuários: quem são, o que fazem e como fazem. Poucos estudos
trabalham a partir dos problemas e questões apontadas como
prioritários e desafiantes pelos serviços e comunidade, abordam
as dificuldades que a gestão e os técnicos enfrentam cotidiana-
mente, produzindo conjuntamente alternativas de enfrentamento.
Para tanto precisamos de investigações que contem com a parti-
cipação ativa dos profissionais como propositores e não somente
como “objetos” de pesquisa. Ou seja, é preciso construir uma
relação universidade-serviço que passe a incorporar a pesquisa
como parte do cotidiano, mas que seja ancorada na valorização
de todos os saberes, no princípio da cooperação e corres-
ponsabilidade, postura essencial para produzir um conhecimento
não dissociado da realidade e útil para o manejo dos problemas
identificados.
2.2. Local de Atuação e População-Foco
O local de atuação mais relatado pelos psicólogos nos artigos
(24%) e livros (45%) foi o ambulatório especializado (nível secun-
dário de atenção), reafirmando-o como um local tradicional onde
psicólogos se inserem na saúde. Dessa forma, observa-se que. quan-
to ao tipo de atenção à saúde, o “tratamento”, nas suas diversas
formas, responde por 66% e 61 % nos artigos e livros respectiva-
mente. Isso indica que ações de prevenção e promoção à saúde
desenvolvidas por psicólogos no SUS ainda são pouco realizadas
e/ou divulgadas.
Porém, nota-se que dentre os artigos há uma diversidade mui-
to maior de locais de atuação do que entre os livros, que têm dado
maior visibilidade à atuação profissional em creches, escolas, clíni- ca-
escola e na comunidade. Há pouca produção referente à atuação nos
serviços substitutivos em saúde mental, hospitais e instituições como
lares abrigados e prisões. Já nos artigos, observa-se que os serviços de
saúde mental (CAPS, hospital psiquiátrico e hospital- dia) e as
unidades básicas de saúde/centro de saúde-escola ocupam lugar de
destaque. Contudo, apesar de registrar o segundo lugar dentre os
locais de atuação, os serviços de saúde mental também registraram
uma diminuição expressiva ao longo das três décadas (de 23% para
12%), fato surpreendente se atentarmos que nesse período há um
incremento considerável de psicólogos nesses serviços, consolidando-
se como um importante ator na Luta Antimanicomial. É importante
mencionar ainda que há pouca men- ção em artigos e livros à
participação em Programas de Saúde (Saúde do Trabalhador; PSF,
PACS, Terceira Idade etc.), organizações, UTIs.
Crianças tem sido a população-foco da produção em Psico-
logia, seja em artigos ou livros. Mesmo registrando uma queda nos
períodos dentre os artigos (de 69% para 26%), elas representam
57% da população presente nos livros. Esse dado não chega a
surpreender já que a população infantil tem sido alvo histórico das
práticas e intervenções da Psicologia. Ao longo das décadas, au-
menta a produção de artigos e livros focada em mulheres e
adolescentes, no adulto, no idoso e no trabalhador, reflexo da am-
pliação de políticas de saúde/programas para populações
específicas, tal como é o caso do PSF e do PACS que surgem nos
anos 90 como estratégia para o aprimoramento e consolidação do
SUS, a partir da reorientação da assistência ambulatorial e domici-
liar. Apesar do surgimento dessas novas discussões, percebe-se
que os psicólogos não investiram muito esforços na discussão so-
bre os processos de trabalhos em saúde, na mudança do modelo
assistencial, na diversificação dos cenários de atuação, nos saberes
que operam no cuidado ampliado à saúde, enfim, na formação,
relações e responsabilidades do psicólogo no trabalho multi-
profissional em saúde.
Além disso, mesmo os resultados apontando para uma diver-
sidade de locais e de formas de atuação, é sobre o nível secundário/
terciário, bem como sobre as psicoterapias que a produção em
Psicologia está concentrada. Cruzando algumas informações da
primeira parte da pesquisa ABEP/OPAS sobre a presença de psi-
cólogos no SUS com dados da produção científica, observamos
que dos 14.407 profissionais de psicologia registrados no cadastro
CNES (Cadastro Nacional dos Estabelecimentos em Saúde) como
trabalhadores na rede de Saúde Pública, 33% atuam na atenção
básica (UBS, centros de saúde, USF) e 28% em ambulatórios
especializados e CAPS. Esse dado mostra que a apesar de haver
mais psicólogos no nível primário, a produção refere-se a uma ou-
tra realidade.
O que nos perguntamos é em que medida tal produção tem
respondido às necessidades dos profissionais, usuários, das equi-
pes de saúde, se ela tem compromisso com busca de soluções para
os problemas que dizem respeito a um coletivo de trabalho? Ou
será que essa produção reforça um campo já bem delimitado em
termos de funções e práticas da nossa profissão? A pouca produ-
ção voltada para a atenção primária nos indica que a contribuição
da Psicologia para esse campo tem sido frágil, talvez por ser o nível
de atenção no SUS onde coloca mais claramente a necessidade de
revisamos nossas estratégias de intervenção e modelos teóricos, e
questione mais diretamente “atuação e clínica psicológica”. Essa
fragilidade está relacionada não só à necessidade de reinvenção
das práticas que atravessa todas as profissões de saúde, mas aos
obstáculos presentes no terreno acadêmico e no imaginário “psi”,
de não valorização desse nível de atenção, como se fosse menos
qualificado para o trabalho do psicólogo.

2.3. Abordagens Teóricas e Conceituais


O que observamos nos artigos e livros é que os psicólogos
trabalham a partir dc diferentes abordagens teóricas e conceituais.
As abordagens psicanalíticas (psicanalítica, analítica-junguiana,
psicossomática, psicossomática psicanalítica, psicodinâmica) foram
majoritárias nas três décadas, dado já conhecido através de inúme-
ras investigações realizadas no país, mas, a partir de 1985, novas
abordagens começam a surgir na área da Psicologia em interface
com a saúde. Registra-se o crescimento importante das abordagens
de cunho psicossocial (sociocultural, biopsicossocial, sócio-histó-
rica, teoria da representação social, gênero, discursivas, sistêmicas,
clínico-social), interdisciplinar, cognitivo-comportamental e a
fenomenologia (existencial-humanista, hermenêutica, holística). É
provável que essa diversificação esteja relacionada tanto às novas
demandas, locais de atuação e população atendida nas unidades
de saúde, quanto à inserção nos meios acadêmicos de novas pers-
pectivas conceituais, ampliando o leque de alternativas teóricas, antes
concentrado na psicanálise.
3. Por que a produção científica é um
desafio para o fortalecimento da
Psicologia no SUS?
Há perguntas a serem feitas insistentemente por todos nós
e que nos fazem ver a impossibilidade de estudar por estudar.
De estudar descomprometidamente como se misteriosamente,
de repente, nada tivéssemos que ver com o mundo,
um lá fora e distante mundo, alheado de nós e nós dele.
Em favor de que estudo? Em favor de quem?
Contra que estudo? Contra quem estudo?
(Freire, 1998, p. 86).

Nesse último tópico gostaríamos de levantar algumas discus-


sões centradas nos processos de produção científica na atualidade,
em particular na Psicologia, pontuando que os mesmos podem pro-
duzir efeitos de perpetuação/reprodução ou de invenção de novas
relações entre Psicologia e Saúde Pública. Nesse sentido, intenta-
se pensar a produção científica em Psicologia voltada à Saúde
Pública como uma importante ferramenta de sustentação do proje-
to político da Reforma Sanitária. Entretanto, considera-se que tal
possibilidade só faz sentido na medida em que tal produção favore-
ce a experimentação de modos de resistência e criação, serve para
a ativação de uma potência de luta contra territórios existenciais
homogeneizados que fazem resistir apenas o conservadorismo e as
formas subjetivas vigentes.
Para essa discussão partimos do princípio que a produção
científica reflete as práticas que vêm sendo desenvolvidas num de-
terminado campo. Indica também que problemas e temáticas, são
valorizados por um campo de saber e grupo profissional. Nesse
sentido, há uma intrínseca relação entre produção de conhecimen-
to, poder e subjetividade, entre verdades fabricadas e formas de
assujeitamento, entre modos de produção e modos de subjetivação,
de experimentação de si e do mundo. Além disso, entendemos que
a produção de conhecimento interfere diretamente na formação
acadêmica e profissional fornecendo a base para a invenção de
modelos ampliados de atuação. Através dela se pode questionar a
manutenção de modelos importados entre nós e nossa postura de
sermos consumidores acríticos de conhecimentos gerados em ou-
tras realidades que produzem saberes sobre o outro e são tomados
como verdades absolutas.
Defendemos que a produção científica deva ser propositiva
de novos modelos de cuidado e servir para orientar mudanças no
modelo acadêmico hegemônico para que estejam em consonân-
cia com o ideário do SUS. E principalmente, deve nortear a
discussão sobre os limites e alcances do instrumental teórico-prá-
tico da Psicologia para as ações do campo da Saúde Pública e
consequentemente, o desenvolvimento de mediações que possam
fundamentar sua inserção nesse contexto específico. Inspirados
em Freire (1998) pontuamos que

Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os


outros de forma neutra. Não posso estar no mundo de
luvas nas mãos, constatando apenas... nosso papel não é
só o de quem constata o que ocorre, mas também o de
quem intervém como sujeito de ocorrências, (p. 86)

Analisando a produção em sua perspectiva temporal esti-


vemos a todo o momento atravessados pelos seguintes
questionamentos: com o advento do SUS e as discussões políti-
cas que se têm construído para sua efetivação, o que tem mudado
na produção da Psicologia neste campo? Que tipo de incorpora-
ção foi feita dos princípios e discussões da Saúde Pública pela
Psicologia? Tem-se focado nos aspectos técnicos/padronização
de seus instrumentos, métodos e emprego da técnica ou na avali-
ação/redimensionamento/politização das práticas? Qual o tipo de
discussão/problematização que cada nível/local de atuação pro-
duz? Em que isso se relaciona com a perspectiva de produção de
práticas territorializadas? Quais modelos teóricos são mais utili-
zados em determinadas formas e nível de atuação? Que ordem
de questionamentos/problematizações determinada abordagem
produz? Ou seja, que problemas interessam a determinadas abor-
dagens? Há abordagens mais “comprometidas” que outras, ou
seja, que não partem de posições abstratas, transcendentes e des-
coladas da concretude da vida? Quando relacionamos esses
aspectos com o local e a forma de atuação que cartografia do
nosso tipo de inserção na Saúde Pública se delineia?
Essas e outras questões nos fazem observar que o quadro da
produção científica brasileira nas três últimas décadas referente à
Saúde diz muito do que pensamos ser nosso lugar nesse campo e
da aposta que fazemos no SUS. “Cada um de nós está fabricando
a si mesmo na forma da narrativa que se faz” (M. Azet, citado por
Parente, 2000, p. 130). Não é raro escutarmos de técnicos e do-
centes que o SUS não oferece condições favoráveis a uma atuação/
produção singularizada, criativa, de qualidade, e que tal condição
funciona como um dispositivo de estagnação profissional e des-
crença no sistema. Mas, se pensarmos com Bedran (2003) que “a
maneira de percorrer um problema pode perpetuar a sua
intratabilidade” (p. 42), entendemos que a produção científica é
uma via privilegiada de enfrentamento das dificuldades, pois
inseparável de seus agentes de mudança: pesquisadores, técnicos,
usuários, gestores. Na medida em que se vai pensando, refletindo,
propondo, se vai se construindo subjetivamente, ocupando o cam-
po de uma maneira diferente, identificando novos elementos, criando
possíveis.
O quadro da produção científica também reflete as relações
de poder, os movimentos ou estagnações da categoria no campo,
as lutas e embates travados internamente à Psicologia no que diz
respeito à quebra da hegemonia de certas orientações teóricas e
de modelos técnicos, bem como revela que temáticas sobressaí-
ram e interessaram às agências de pesquisa que disponibilizaram
recursos Financeiros e aos veículos de publicação (periódicos e
editoras). Ou seja, os agenciamentos/conexões que possibilita-
ram o surgimento desse quadro envolvem elementos macro/molares
e micro/moleculares, em articulação e constante mudança, que
vão desde questões de ordem econômica e social, até aspectos
próprios do campo da saúde, da categoria de psicólogos e dos
modos de subjetivação aí produzidos. Há, dessa maneira, uma
rede complexa de fatores envolvidos na produção científica em
Psicologia que não teremos condições de abordar no espaço desse
trabalho.
De um modo geral, apesar de termos avançado quantitati-
vamente no que se refere à produção no campo da Saúde, o
que percebemos é que carecemos de maior aprofundamento das
pesquisas sobre os princípios e discussões da Saúde Publica
pela Psicologia. Há também pouca produção especialmente
quando se trata de propor novas estratégias de ação e modelos
teóricos voltados para o nível primário de atenção. Do total da
produção recuperada, apenas 48 artigos trataram especifica-
mente de Saúde Pública, tal como referido anteriormente.
Quando investigamos a menção a aspectos éticos e políticos
relacionados à atenção em saúde, nota-se que somente 12%
dos artigos e 11% dos livros abordam aspectos como cidada-
nia, inclusão/exclusão social, movimentos sociais, direitos
humanos, integralidade, humanização, etc. Mesmo tendo suas
práticas atravessadas cotidianamente por questões que estão
intimamente ligadas ao modelo tradicional de gestão, às dificul-
dades para se efetivar os princípios do SUS, ao regime
econômico e à desigualdade social presente em nosso país, pouco
parece reverberar na produção científica. Assim, apesar da im-
portância da saúde mental e da atenção básica, que juntas
formam um dos terrenos mais férteis de discussões políticas e
propulsão de debates e troca de experiências no país, além de
nos convocar a cada instante à revisão de estratégias de inter-
venção e reinvenção de prática, é notório o distanciamento de
nossa discussão de uma perspectiva articulada entre Psicologia
e política, ou melhor, de pensar a produção como uma ação
política.
Foucault (1979) ao problematizar a cisão entre ciência e po-
lítica ocorrida na modernidade e de como a primeira assumiu ao
longo da historia a função de justificar e legitimar as ações da
segunda nos faz pensar como este paradigma tem norteado as
práticas da Psicologia nas suas mais variadas formas de atuar. A
critica foucaultiana desconstrói, portanto, essa neutra e causal
relação entre ciência e política, positivando a questão através do
comprometimento político das ciências e de como a produção de
conhecimento está intimamente implicada com a esfera política
em que está inserida.
Barros e Lucero (2005) pontuam que a separação entre a
ciência e política não somente reflete num efeito despolitizante
das práticas psi, mas também produz uma certa política que se-
para não só, a macro da micropolítica, mas que também separa o
individual do social, a clínica da política e a clínica da Saúde Co-
letiva. A Psicologia, na perspectiva de dar conta do projeto
moderno de ciência, acabou se descolando da vida e se colocan-
do à margem de discussões da própria política de saúde vigente e
da realidade de um projeto de Saúde Pública para o país.
Problematizar a máquina “instituição-pesquisa”2 e os agen-
ciamentos do fazer-pesquisa em Psicologia no campo da Saúde
Pública é o alvo de nossas preocupações.
Tal tarefa constitui um exercício ético-político, um lançar-se
na experiência de produzir questões, na perspectiva tanto de es-
tabelecer novas formas de lidar com o conhecimento já produzido,
quanto de produzi-lo na interface Psicologia e Saúde Pública.
Reinventarmos práticas que possam gerar novas relações com o
processo saúde/adoecimento e agenciar territórios onde seja possí-
vel reinventarmos o que somos, bem como produzirmos uma nova
saúde, alegre, que aumente nossa potência de vida, talvez seja
esse o grande desafio. Não podemos pensar numa nova saúde
sem criar outros regimes de existência e outras formas de nos
relacionarmos consigo próprio. Daí o esforço, como referem Bar-
ros e Lucero (2005), de produzirmos bifurcações no fluxo do
pensamento hegemônico que possam acionar outros modos de
ser pesquisador e de atuar na Psicologia, como também de acio-
nar outras formas de militância na academia e agências de pesquisa.
Barros (2000) alerta que toda concepção de produção de
conhecimento e pesquisa não se resumem apenas em sentidos
metodológicos e/ou pedagógicos, mas também envolvem sempre
certa política, seja na produção de formas de perceber e conhe-
cer, seja de se relacionar com o mundo e consigo próprio. A autora
ainda ressalta que a política que tem sustentado as práticas hoje
hegemônicas no mundo acadêmico baseia-se no pressuposto de
que pesquisar é representar uma realidade já dada e governada
por leis e princípios invariantes. Essa lógica, de certa forma, tem

' Termo usado por Paulon (2005) que entende a pesquisa como uma instituição, dessa
forma, como algo entrelaçado por uma série de implicações (seja de ordem de quem
realiza, onde se realiza, de quem encomenda e das demandas culturais, sociais e
históricas que configuram sua realização, ou das implicações epistemológicas.
ontológicas e metodológicas e implicações da escrita e divulgação) que precisam ser
analisadas.
estabelecido a forma usual de vivermos no meio acadêmico sob a
fantasmagoria de pensamentos e conhecimentos estáticos e imó-
veis que apenas representam uma determinada forma de perceber
e narrar a cotidianidade da vida. Entretanto, a intenção dessa dis-
cussão é corroborar com Maraschin (2004) quando assinala “a
pesquisa como potência instituinte, ou seja, virtualmente capaz de
desestabilizar modos de ação já recorrentes” (p. 99), cujos efei­
tos podem ser pensados para além dos limites da pesquisa em
seu sentido estrito.
Deleuze e Guattari (1992) alertam para a necessidade de
problematizarmos as perguntas e os problemas que se têm edificado
a partir do modelo da filosofia da representação e da repetição, e
de como ainda e a partir disso, têm-se produzido políticas de exis-
tências engendradas a partir das “verdades" que pululam das
engrenagens desta máquina “instituição-pesquisa”. Que modos de
subjetivação tais práticas de pesquisa produzem? Que crenças e
valores atravessam tais práticas? Que conceitos são produzidos e
tomados como a-históricos e/ou neutros? Que idéias são veicula-
das com poder de produzir subjetividades, exclusão etc.?
Em tempos de políticas neoliberais a universidade tem sido
cada vez mais atravessada pela lógica de mercado e por suas
palavras de ordem: produtividade, competência, autonomia e
competitividade (Rocha & Rocha, 2004), que estimulam a
mercantilização da produção do conhecimento. Essa nova
racionalidade presente no ensino superior tem gerado, dentre ou-
tros problemas, a sobrecarga de trabalho, capacidade criativa
obstaculizada e “a produção na direção da manutenção de situa­
ções que produzem a inércia, a reprodução e a mesmice” (Bedran.
2003, p. 25). Esses dois níveis misturam-se de forma a minar
nossa confiança em perseguir uma dimensão criadora no nosso
fazer cotidiano.
A Psicologia está atravessada por isso e precisa buscar vias
de renovação, principalmente na sua articulação com o SUS. Como
diz Bernardes (2006), enfrentar os reducionismos psicologicista,
individualizante e objetificador, o modelo liberal de atuação, a
racionalidade biomédica, enfim, os fundamentalismos presentes na
formação do psicólogo, são passos essenciais nesse processo. Não
avançaremos limitando as mudanças à troca de disciplinas sem que
se estabeleça uma relação visceral entre a proposta político-peda-
gógica dos cursos/diretrizes curriculares com as políticas públicas,
sem que se mude o modo como nos constituímos profissionais de
saúde. Nesse sentido, temos uma parcela considerável de respon-
sabilidade na sustentabilidade da política pública brasileira em saúde
e a produção científica é um instrumento que pode nos ajudar a
“recuperar zonas vitais de resistência” (Bedran, 2003, p. 109).

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Sobre os autores e as autoras

Angela Elizabeth Lapa Coelho


Psicóloga, doutora em Psicologia Social pela
Universidade de Manitoba, Canadá. Profes-
sora e vice-coordenadora do Programa
de Mestrado em Psicologia da Universidade
Católica Dom Bosco (UCDB). Campo Gran-
de, MS. Membro do Comitê Científico da UCDB. Áreas de
atuação: Psicologia Social e da Saúde, com ênfase nos seguin-
tes temas: AIDS, prevenção e promoção da saúde, aspectos
psicossociais das emergências e dos desastres, desenvolvimen-
to humano em situações de risco social e individual.
E-mail: angelacoelho@ucdb.br

Elza Lauretti Guarido


Psicóloga, mestre em Psicologia Clínica. Docen-
te do curso de Psicologia da PUC-Campinas,
responsável pela implantação, em 1986, do
estágio em Saúde Pública e depois do Aprimo-
ramento na mesma área, com bolsa FUNDAP.
Coordenadora da área técnica de Saúde Mental do município de
Campinas desde 2005. Psicoterapeuta de adultos e casais.
E-mail: elzalauretti@yahoo.com.br
Estêvão André Cabestré Gamba
Analista de Sistemas de Informação: membro
do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Práticas
Discursivas e Produção de Sentidos (PUCSP);
pesquisador contratado pelo Instituto de Saúde
(SES/SP). Em Saúde Coletiva, participa dos
projetos: "Avaliação e monitoramento do SISM ASUS” e "Inquéri­
to domiciliar sobre o Acesso aos serviços de saúde em municípios
de São Paulo”. Em Psicologia Social, integra o projeto “Controle e
uso de tabaco em espaços públicos de convivência: um estudo so-
bre a comunicação de riscos à saúde”.
E-mail: cabestre2@uol.com.br

Florianita Coelho Braga Campos


Psicóloga; especialista em Saúde Pública
(Unicamp); mestre em Psicologia Social
(PUCSP); doutora em Saúde Coletiva
(Unicamp). Assessora técnica do Núcleo Fe-
deral de Ensino - Fiocruz Brasília; consultora
do Ministério da Saúde para Saúde Mental; Professora da PUC-
Campinas. Coordenadora de Saúde Mental da Secretaria Municipal
de Saúde, Campinas (2001 - 2004). Área de Atuação: Saúde Co-
letiva, com ênfase nas temáticas: Planejamento e Gestão; Atenção
Básica; Desconstrução do Hospital Psiquiátrico; Rede de Cuida-
dos em Saúde Mental. Organizadora/autora de capítulos;
Psicologia e Saúde - repensando práticas (Hucitec/esgotado);
Contra a Maré à Beira-mar - a experiência do SUS em Santos
(Ia ed. Scritta e 2a ed. Hncitec)/ A Reforma Psiquiátrica no
Cotidiano (Hucitec).
E-mail: florianita@fiocruz.br
Gustavo Corrêa Matta
Psicólogo, especialista em Psicologia Médica
pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
mestre e doutor em Saúde Coletiva pela Uni-
versidade do Estado do Rio de Janeiro. E
pesquisador na Escola Politécnica de Saúde Jo-
aquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz e vice-presidente da
Associação Brasileira de Psicologia Social - Regional Rio de Janei-
ro. (ABRAPSO-RJ). Área de atuação: Saúde Coletiva, com ênfase
nos seguintes temas: Qualidade de vida. Organização Mundial de
Saúde. WHOQOL.
E-mail: gcmatta@fiocruz.br

Jefferson de Souza Bernardes


Psicólogo; mestre em Psicologia Social e da
Personalidade (PUCRS), doutor em Psicologia
Social (PUCSP) tendo realizado doutorado San-
duíche em Psicologia Social na Universidad
Autonoma de Barcelona. Professor Adjunto do
Curso de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas. Área de
atuação: Psicologia Social e Saúde com ênfase nos seguintes te-
mas: formação em Psicologia e Saúde Mental.
E-mail: jbemardes@uol.com.br

João Paulo Sales Macedo


Psicólogo (Faculdade Santo Agostinho, 2004);
mestrando do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte; Bolsista do CNPq. Área de
atuação: Psicologia e Políticas Públicas, com
ênfase no campo da Saúde e Assistência Social e na temática da
produção de subjetividade na contemporaneidade.
E-mail: macedoJp@yahoo.com.br

Kenneth Rochel de Camargo Jr


Médico; doutor em Saúde Coletiva pela Uni-
versidade do Estado do Rio de Janeiro com Pós-
doutorado na McGill University. Profes- sor
adjunto da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, intemational partner do HIV Center
for Clinical and Behavioral Studies da Columbia University, con-
selheiro da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA),
editor da revista Physis e intemational associate editor do American
Journal of Public Health.
E-mail: kenneth@uerj.br

Liliana Santos
Psicóloga; mestre em Psicologia pela Universi-
dade Federal do Paraná. Consultora Técnica do
Departamento de Gestão e da Regulação do
Trabalho em Saúde - Ministério da Saúde. Atu-
ação junto ao SUS desde 1997 nos campos da
atenção básica, gestão, educação em saúde e controle social. E-
mail: lilianapsico@gmail.com

Magda Dimenstein
Psicóloga; mestre em Psicologia Clínica pela
PUC/RJ. Doutora em Ciências da Saúde (com
ênfase em Saúde Mental) pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Professora adjunta
do Departamento de Psicologia e do Programa
de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN). Área de atuação: Saúde Mental nos
temas: inserção do psicólogo no SUS; reforma psiquiátrica e sobre
a produção de
subjetividade na contemporaneidade.
E-mail: magdad@uol.com.br

Mary Jane Paris Spink


Psicóloga; doutora em Psicologia Social pela
Universidade de Londres. Professora titular da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
Programa de Estudos Pós-graduados em Psi-
cologia Social; Pesquisadora do CNPq. Área
de atuação: Psicologia Social e Saúde Coletiva, com ênfase nos
seguintes temas: práticas discursivas e produção de sentidos, risco
como estratégia de govemamentalidade. E autora/organizadora dos
livros: Práticas discursivas eprodução de sentidos no cotidiano
(Editora Cortez); Psicologia Social e Saúde (Vozes); Linguagem
e produção de sentidos no cotidiano (EDIPUCRS).
E-mail: mjspink@pucsp.br

Milena Silva Lisboa


Psicóloga (Universidade Federal da Bahia,
2005); mestranda do Programa de Estudos Pós-
Graduados em Psicologia Social na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Área de
atuação: Psicologia e Saúde Mental, com expe-
riência como Acompanhante Terapêutica.
E-mail: milenalisboa@gmail.com
Vera Sonia Mincoff Menegon
Psicóloga; doutora em Psicologia Social, pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
com bolsa sanduíche na Lancaster University,
Inglaterra. Docente do mestrado em Psicologia,
na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).
Área de interesse: Psicologia Social e Saúde, com ênfase nos pro-
cessos de produção de sentidos e estratégias de governamentalidade
(novas tecnologias, saúde reprodutiva, comunicação sobre riscos).
E autora do livro Entre a linguagem dos direitos e a linguagem
dos riscos: os consentimentos informados na reprodução hu-
mana assistida. (Editora PUC/SP, EDUC - apoio FAPESP).
E-mail: mincoff@uol.com.br

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