Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1 na entrada do século
Para refletirmos sobre como será e como deveria ser a educação nos
próximos anos, propomos cinco tendências principais em duas grandes
partes.
Na primeira parte, analisamos as mudanças que estão sendo produ-
zidas atualmente e que marcarão a entrada do novo século. Para alguns,
talvez em uma visão apocalíptica, cabe falar de crise; para nós, de transfor-
mação. A primeira tendência nessa parte refere-se às mudanças socioeco-
nômicas que são produzidas com o surgimento da sociedade da informa-
ção, o que nos permite ver quais são as novas necessidades geradas e as
competências que serão requeridas. A segunda aborda com maior profun-
didade as mudanças constantes que, em nível sociocultural, vivemos em
nosso cotidiano e quais são os desafios que devem ser propostos, para
depois enfrentar a educação.
Na segunda parte, propomos como será a educação da entrada do mi-
lênio, destacando as tendências que possibilitarão uma educação igualitária e
que já são uma realidade em algumas práticas educativas. Nesse sentido, a
terceira tendência sustenta a necessidade de dar um passo indispensável em
direção a uma cultura educativa que transforme, e aqui tomamos emprestadas
as palavras de Freire, as “dificuldades em possibilidades”. A quarta tendência
desenvolve o conceito de aprendizagem dialógica, que supera as concepções
educativas construtivistas e da qual deve partir qualquer ação educativa com
uma firme posição por uma educação que tenha como objetivos a igualdade,
a solidariedade, a aprendizagem instrumental de conhecimentos e habilidades
e a transformação. A quinta, baseando-se nas premissas anteriores, apresenta
a transformação de escolas em comunidades de aprendizagem. A participação
22 / FRANCISCO IMBERNÓN (ORGANIZADOR)
QUE CRISE?
sentido negativo que geralmente se atribui ao termo; por outro lado, os mais
otimistas costumam viver as crises como um crescimento e não como uma
catástrofe, assim como o risco e a incerteza, característicos de uma sociedade
reflexiva, fazem parte de nossas vidas. A sociedade atual caracteriza-se por
estar sendo constantemente pensada. Nós, como sujeitos ativos em nossas inte-
rações sociais, agimos e pensamos, questionando-nos; não damos por certa e
absoluta a realidade que nos rodeia, e sim sabemos da existência de outros
contextos e outras práticas que põem “entre aspas” nossa normalidade. Constan-
temente, devemos filtrar a informação e envolvermo-nos na sociedade para
sobreviver devido à pluralidade de formas de vida e maneiras de fazer. Devemos
decidir constantemente entre opções possíveis, sabendo que aquilo de “para
toda a vida” é algo que não acontece nem no trabalho e nem no casamento.
Isto não quer dizer que estejamos assistindo ao desaparecimento da
modernidade e entrando na pós-modernidade, mas em uma segunda moder-
nidade (Beck, 1998a; Habermas, 1987). O discurso filosófico da modernidade
contém o princípio de um contradiscurso que questiona a subjetividade em
que se baseia. Não se eliminam a subjetividade e a razão, mas propõe-se de
novo sua concepção, substituindo o paradigma do sujeito conhecedor e trans-
formador de objetos pelo do entendimento entre sujeitos capazes de lingua-
gem e ação. Uma das características da teoria da ação comunicativa haberma-
siana é a demonstração de que toda tentativa de explicação do que é a pessoa
implica, discursivamente, o que ela deveria chegar a ser; explica a possibi-
lidade de realização da mudança social a partir do ato comunicativo e da
capacidade discursiva das pessoas; portanto, outorga-lhe a possibilidade de
desenvolver ações para a emancipação. Desse modo a incerteza não é uma
barreira para a ação, mas a possibilidade para a democratização. Essa possi-
bilidade é algo que está além das classes e da cultura ocidental, embora seja-
mos conscientes dos condicionamentos estruturais e culturais que existem.
No plano político, as mudanças culturais supõem um questionamento
tanto da democracia quanto do Estado-Nação. Vejamos como. O Estado-Nação,
na forma como o conhecemos, vê-se deslegitimado por dois processos para-
lelos ao mesmo tempo: a globalização que estamos comentando e a força que
está adquirindo o local. Esse último processo é reforçado por uma grande des-
centralização no político como parte do desenvolvimento democrático e como
valor compartilhado, como vimos anteriormente nos modos de produção e
organização empresarial. Quanto ao primeiro processo, o Estado nacional vê-se
confrontado com a globalização no econômico, no crime e nos meios de
comunicação; por isso, as funções que vinha realizando na sociedade industrial
quanto ao monopólio do poder de coação e como Estado-Patrão devem ser
reformuladas. Para que os direitos fundamentais tenham validade global, a
democracia deve ser cosmopolita (Beck, 1998a), já que a globalização econô-
mica significa também a necessidade de um governo mundial.
E, enquanto o Estado estabelece novas formas de organização e novas
funções, a própria democracia sofre um processo de deslegitimação. Em parte,
A EDUCAÇÃO NO SÉCULO XXI / 27
ação dos seres humanos que tornam possível chegar a acordos nos
diferentes âmbitos sociais.
3. A transformação. A aprendizagem dialógica transforma as relações
entre as pessoas e seu meio. É uma aprendizagem que se baseia na
premissa de Freire (1997) de que, como pessoas, somos seres de
transformação, e não de adaptação. A educação e a aprendizagem
devem ser dirigidas para a mudança, para romper com o discurso
da modernidade tradicional baseado em teorias conservadoras que
negam a possibilidade de transformação com argumentos que só
consideravam a forma como o sistema que se mantém por meio da
reprodução, ou a partir do ponto de vista de que devemos ser ob-
jeto de uma conscientização por parte de algum líder carismático ou
professor inquieto que nos iluminará com sua sabedoria, abrindo-
nos os olhos para a realidade. A modernidade dialógica defende a
possibilidade e a conveniência das transformações igualitárias que
sejam resultado do diálogo.
4. A dimensão instrumental. Não é óbvia, nem se contrapõe à dialó-
gica. A aprendizagem dialógica abrange todos os aspectos que se
combine aprender. Assim, inclui a parte instrumental, que se vê
intensificada e aprofundada pela crítica à colonização tecnológica
da aprendizagem.
5. A criação de sentido. Para superar a colonização do mercado e a buro-
crática e, desse modo, evitar que se imponha uma lógica utilitarista
que reafirme a si mesma sem considerar as identidades e as individuali-
dades que todos possuímos, é preciso potencilizar uma aprendizagem
que possibilite uma interação entre as pessoas dirigidas por elas mes-
mas, criando, assim, sentido para cada um de nós.
6. A solidariedade. Como expressão da democratização dos diferentes
contextos sociais e da luta contra a exclusão derivada da dualização
social, é a única base em que se pode fundamentar uma aprendi-
zagem igualitária e dialógica.
7. A igualdade de diferenças. É contrária à adaptação à diversidade
que relega a igualdade e que regeu algumas reformas educativas. A
cultura da diferença que esquece a igualdade leva, em uma situação
de desigualdade, a que se reforce como diverso o que é excludente,
muitas vezes adaptando, não transformando e, em muitas ocasiões,
criando maiores desigualdades.
NOTAS
1 Habermas distingue quatro tipos de ação diferentes e atribui a cada ação um tipo de
racionalidade diferente: a ação comunicativa, baseada em um diálogo entre iguais
que dá lugar a um consenso combinado instersubjetivamente; a ação teleológica, na
qual o ator escolhe os meios mais adequados que lhe facilitem a consecução de seus
fins; a ação regulada por normas, na qual o ator orienta sua ação de acordo com elas
e, finalmente, a ação dramatúrgica, em que a ação social é concebida como um
teatro onde o ator está atuando, e o restante são os espectadores.
2 Habermas considera dois tipos diferentes de pretensões: as que correspondem a
uma intencionalidade de poder e as que correspondem a uma intencionalidade
de validade.
36 / FRANCISCO IMBERNÓN (ORGANIZADOR)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS