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Este livro reúne textos inéditos no Brasil da

internacionalmente reconhecida experiência italiana


| DESINSTITUCIONALIZAÇÃO
em Saúde Mental iniciada por Franco Basaglia.
Dirige-se não apenas ao profissional de Saúde
Mental mas a todos os que buscam um novo agir e
3 FRANCO R O T E L L I
pensar a loucura. | OTA D E LEONARDIS
§ DIANA MAURI
" A subjetividade do paciente existe verdadeiramente P i
apenas no momento em que ele pode sair do
manicômio, ou seja somente quando lhe são
atribuídos e reconstruídos os recursos e condições
materiais, sociais, culturais que tornem possível o
efetivo exercício de sua subjetividade."

Franco Rotelli
dirertor dos Serviços de Saúde Mental de Trieste

EDITORA HUCITEC

ÍNIIII
S B N - 85-271 -0549-7

9 "7 8 8 5 2 7 1 0 5 4 9 1
1 1

Capa: FABIANA SILVA


DESINSTITUCIONALIZAÇÃO,
UMA OUTRA VIA
A Reforma Psiquiátrica Italiana no Contexto
da Europa Ocidental e dos "Países Avançados"

FRANCO R O T E L L I
diretor dos Serviços Psiquiátricos dc Trieste
OTA D E LEONARDIS
Universidade dc Salerno, Instituto dc Sociologia
DIANA MAURI
Universidade dc Milão, Instituto dc Sociologia

SÍNTESE

Este ensaio analisa a experiência italiana de desinstitucio-


nalização em Psiquiatria com a qual foi amadurecida uma
reforma conhecida em nível internacional porque é a única
nas sociedades industriais que aboliu a internação no Hospi-
tal Psiquiátrico do conjunto de prestações e serviços de saúde
mental. Em primeiro lugar, os autores assinalam a diferença
1

cm relação às outras reformas psiquiátricas na Europa e nos


Estados Unidos, nas quais a desinstitucionalização foi redu-

Tradução de Maria Fernanda de Silvio Nicácio (Universidade de São


Paulo), do original italiano "Deistituzionalizzazione, un'altra via (la Rifor-
ma Psichiatrica Italiana nel contesto dcIPEuropa Occidcntale e dei 'paesi
avanzati')"; publicado cm Health Promotion, Oxford Universiry Press, 1986
vol. 1 n. 2. Revisão da tradução: Beatriz Ambrósio do Nascimento (Univer-
sidade Federal de São Carlos) e Denise Dias Barros (Universidade de São
Paulo).

1 Na realidade, até agora, somente no Estado de Saskatchcwan (Canada)


se optou pelo fechamento dc fato dos hospitais psiquiátricos, enquanto
cm alguns estados dos E . U . A . alguns hospitais foram suprimidos. So-
mam-se a esses dados de fato, declarações pragmáticas na Inglaterra c
na Suécia por parte dos respectivos governos.

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1. A P S I Q U I A T R I A R E F O R M A D A NA E U R O P A E NOS E S T A D O S
zida à dcsospitalização, fazendo uma síntese crítica dos pro-
blemas e falências dessas reformas. UNIDOS: a desinstitucionalização torna-se descapitalização

Em segundo lugar, são reconstruídos os diferentes conteú-


dos e métodos da desinstitucionalização italiana nos locais A grande estação de reforma na Europa e nos Estados
onde foi efelivada, começando pela crítica do paradigma Unidos, que envolveu e por vezes transformou em várias
racionalista problema-solução como normalmente ó aplica- medidas os sistemas de saúde mental, foi impulsionada pelo
do em Psiquiatria. Os autores colocam em evidência que a intento de renovar a capacidade terapêutica da Psiquiatria,
verdadeira desinstitucionalização em Psiquiatria tornou-se liberando-a das suas funções arcaicas de controle social,
na Itália um processo social complexo que tende a mobilizar coação e segregação . Neste contexto cultural e político a
2

como atores os sujeitos sociais envolvidos, que tende a trans- desinstitucionalização era uma palavra de ordem central uti-
formar as relações de poder entre os pacientes e as institui- lizada para muitos e diferentes objelivos: para os reformado-
ções, que tende a produzir estruturas de Saúde Mental que res ela sintetizava precisamente esses objelivos; para os gru-
substituam inteiramente a internação no Hospital Psiquiátri- pos de técnicos e políticos radicais ela simbolizava a perspec-
co e que nascem da desmontagem e reconversão dos recursos tiva da abolição dc todas as instituições de controle social, e
materiais e humanos que estavam ali depositados. Para argu-
se emparelhava à perspectiva antipsiquiátrica; para os admi-
mentar este último ponto os autores se referem em particular
nistradores, ela era sobretudo um programa de racionaliza-
ao exemplo da organização dos Serviços de Saúde Mental de
ção financeira e administrativa, sinónimo de redução de lei-
Trieste.
tos hospitalares e uma das primeiras operações consequentes
Em terceiro lugar, é examinada a lei de Reforma que surge da crise fiscal.
no interior desse processo e as características de sua imple- É sobretudo com este último significado que a desinstitu-
mentação, para mostrar que a desinstitucionalização, como cionalização foi realizada, ou seja, foi praticada como desca-
processo social, continua através desta implementação.
pitalização, política de altas hospitalares, redução mais ou
Os autores concluem que com estes significados a desins-
menos gradual do número de leitos (e em alguns casos,
titucionalização não se esgota com a chamada crise do Wel-
embora não frequentemente, de fechamento mais ou menos
fare, ao contrário, ela oferece indicações importantes para
brusco de hospitais psiquiátricos). Entre outros aspectos,
produzir inovações nas políticas sociais do pós-Welfare.
como é sabido, nesta versão a desinstitucionalização sobre-
Se o objeto observado c a transformação da instituição
psiquiátrica, nossa opinião é que o discurso que apresenta- vive à crise das políticas de saúde mental que dela fizeram
mos tem também implicações referentes a toda a organização uma bandeira, e revela-se coerente com as orientações neo-
sanitária, sobretudo em relação à crise dos projetos sanitários liberais e conservadoras de redimensionamento do próprio
que se contrasta com a transformação da instituição psiquiá- Welfare. Tomada como bandeira, ou-"milo", a desinstitucio-
trica nesta fase histórica.
O presente estudo representa somente a primeira parte 2 É significativo observar que este processo nem ao menos "arranhou" a
de um trabalho que na sequência pretende analisar o signifi- situação dc outro grande país industrializado, o Japão, onde, ao contrá-
cado do processo de desinstitucionalização ao nível das rela- rio, o desenvolvimento da internação psiquiátrica se ampliou enorme-
ções interpessoais e a importância da desinstitucionalização mente nesses últimos anos, até atingir a cifra atual de 335.000 interna-
na abordagem do mundo psicopatológico individual. dos.

IS 19
nalização foi imputada aos reformadores e reevocada para e por um aumento complementar de altas e de recidivas. Em
liquidar a vontade de mudança daquele período ou para outras palavras, os hospitais psiquiátricos são em parte reor-
alimentar as autocríticas dos próprios reformadores. ganizados segundo a lógica do "revolving door". A o mesmo
Para orientar a discussão sobre o significado adquirido tempo, e ao lado desses hospitais, começaram a funcionar
pela própria desinstitucionalização para os grupos de técni- outras estruturas de tipo assistencial ou judiciário que inter-
cos que a sustentaram com extrema exigência nas experiên- nam e asilam pacientes psiquiátricos. A desinstitucionaliza-
cias desenvolvidas na Itália, afirmamos desde já que esta não ção, portanto, entendida e praticada como dcsospitalização,
foi entendida nos termos redutivos de uma perspectiva "abo- produziu o abandono de parcelas relevantes da população
licionista" do tipo político radical, e também nunca se iden- psiquiátrica e também uma transinstitucionalização (passa-
tificou com a dcsospitalização (e isto particularmente nos gem para casa de repouso, albergues para anciãos, cronicá-
locais que promoveram a Reforma de 1978). rios "não psiquiátricos" e t c . ) e novas formas (mais obscuras)
Em suas intenções todas as reformas psiquiátricas dos anos de internação (Rose 1979, Warren 1980, Scull 1981, Morris-
60 na Europa se propunham a atingir a superação gradual da sey 1982).
internação nos manicômios através da criação de serviços na b) Os serviços territoriais ou de comunidade convivem com
comunidade, do deslocamento da intervenção terapêutica a internação mas não a substituem, ao contrário, como vere-
para o contexto social das pessoas, a prevenção, a reabilita- mos, confirmam sua necessidade. Os serviços territoriais são
ção etc... Esta transformação da forma organizativa dos siste- os lugares nos quais se expressa a renovada intenção terapêu-
mas de saúde mental rompeu o predomínio cultural do mo- tica da Psiquiatria, que queria finalmente libertar-se da fun-
delo segregalivo clássico da Psiquiatria, no qual o manicômio ção imprópria de custódia e de coação. Esses serviços se
constituía a única resposta ao sofrimento psíquico. E nesta desenvolveram junto ao hospital psiquiátrico e se especiali-
perspectiva foram multiplicadas as estruturas extra-hospita- zaram segundo a lógica de "um serviço para cada problema"
lares, médicas e sociais, que deveriam assistir aos pacientes (Castel e outros 1979, De Leonardis e Mauri 1980, 1983).
egressos dos hospitais psiquiátricos e constituir um filtro Isto é, cada problema vem selecionado e assumido com base
contra hospitalizações ulteriores. no critério da coerência e da pertinência aos códigos da
Mas quais efeitos, desejados ou não, esta mudança produ- prestação do serviço. Em geral, na Europa, os serviços psi-
I ziu na prática? Que eficácia tem demonstrado em relação ao quiátricos têm utilizado esta lógica para diferenciarem-se em
1 objetivo de superar a internação? As análises sobre a psiquia-, três modelos principais: o modelo médico, que tem seu lugar
\a reformada põem em evidência alguns traços comuns: institucional no hospital geral e sua prestação principal na
-\ A internação psiquiátrica continua a existir na Europa e ministração de fármacos; o modelo do auxílio social, que
nos Estados Unidos. Em todos os sistemas de saúde mental privilegia as condições materiais da vida da pessoa e oferece
nascidos das reformas, malgrado as intenções que as anima- assistência social; o modelo de escuta terapêutica, que privi-
vam, permaneceram os hospitais psiquiátricos e as estruturas legia a vivência subjetiva e oferece psicoterapia. Esta subdi-
de internação que têm um peso não secundário: calcula-se, visão macroscópica se concretizou em uma total comparti-
por exemplo, que na Europa estas estruturas contêm cerca mentalização e ausência de relações entre estes diversos
de um milhão de pessoas. A política de dcsospitalização foi tipos de serviços, que acabaram separando-se uns dos outros
acompanhada por uma redução no período das internações e articulando-se em uma posterior especialização e fragmen-

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tacão por lipos singulares de prestação. Este desenvolvimen- cronicidade e alimenta a necessidade de lugares nos quais,
to é particularmente observável no campo das psicoterapias temporariamente, possa "despejar" e internar os pacientes.
(Castel 1981). c) O sistema de saúde mental funciona como um circuito.
As análises sociológicas e sócio-psiquiátricas têm insistido As análises sociológicas e psiquiátricas sobre a psiquiatria
em apontar os riscos presentes nesta difusão e especialização reformada colocam cm evidência que entre os serviços da
dos serviços psiquiátricos na comunidade: psiquiatrização comunidade e as estruturas de internação existe uma com-
dos problemas sociais e difusão capilar dos mecanismos de plementaridade, um jogo de alimentação recíproca; fala-se
controle social na comunidade (nota-se o caso extremo das de "efeitos hidráulicos", de "circuito" (Bachrach 1976, Feeley
terapias para os normais). Mas estas preocupações deixaram 1978, Steadman & Monahan 19S4). Particularmente a ima-
de lado outros efeitos complementares a estes, ou seja, os gem do circuito coloca em evidência o fato de que na psiquia-
efeitos de seleção, de falta de resposta aos problemas e tria reformada a "estática" da segregação em uma instituição
sofrimentos das pessoas, de abandono. Detenhamo-nos um separada e total foi substituída pela "dinâmica" da circulação
momento neste aspecto. O elevado nível de especialização e entre serviços especializados e prestações pontuais e frag-
de refinamento das técnicas de intervenção tem como con- mentadas. Assim, funcionam: o centro para intervenção du-
sequência uma correspondente elevação da seleção de pa- rante a crise, o serviço social que distribui subsídios, o ambu-
cientes assumidos, ou seja, os serviços funcionam segundo latório que distribui fármacos, o centro de psicoterapia etc...
uma lógica de empresa: selecionam os problemas com base Assim também funcionam os locais de internação, os quais
na própria competência e quanto ao restante podem dizer também são organizados, como vimos, segundo a lógica do
"não é um problema nosso". Isto significa em primeiro lugar "revolving door" e portanto exemplificam o funcionamento
que os pacientes devem saber colocar a requisição coerente em circuito do sistema em seu conjunto. No circuito eles
com o tipo de serviço ou devem ser conscienciosos, ou ao representam um "ponto de descarga" necessário, temporário
menos devem apresentar problemas pertinentes às presta- c recorrente.
ções oferecidas. Em segundo lugar, a eficácia das prestações O circuito é, entretanto, também uma espiral, ou seja, um
preconizadas, frequentemente motivada pelo esforço de mecanismo que alimenta os problemas e os torna crónicos.
especialização profissional dos operadores dos serviços, se Não por acaso, o dilema central e dramático dos sistemas de
confrontada e relativizada em relação ao grande número de saúde mental nascidos das reformas não são mais os velhos
perguntas e problemas que não são nem ao menos conside- pacientes crónicos egressos dos hospitais psiquiátricos com a
rados, revela-se muito insuficiente. Ao final, e como conse- dcsospitalização, mas os novos crónicos. Pensemos no caso
quência, esta forma especialista e seletiva de funcionar dos dos Young Adult Chronic Patients que lotam os serviços nos
serviços psiquiátricos faz com que as pessoas sejam separa- E.U.A.: eles são jovens, uma multidão trazendo problemas
das, "despejadas", jogadas de um lado para outro entre com- diversos (sociais c económicos, de saúde, psicológicos), per-
petências diferentes e definitivamente não sejam de respon- turbam a ordem pública, não são redutíveis a categorias
sabilidade de ninguém e sim abandonadas a si mesmas. O diagnosticas definidas, circulam entre os serviços sem nunca
abandono de que foram acusadas as políticas de dcsospitali- construir uma relação estável. E naturalmente habitam peri-
zação é uma prática colidiana, ainda que mais leve e inapa- odicamente os locais para internação (Bachrach 1982, Pep-
rente, dos serviços territoriais. Este abandono produz nova per & Ryglewicz 1982).

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Portanto esse jovens representam de forma exemplar ma: trata-se definitivamente de reconstruir todo o processo
aquilo que se produz no funcionamento em circuito dos de transformação da instituição psiquiátrica desenvolvido ao
novos serviços psiquiátricos: um número maciço e crescente longo de mais de vinte anos e que deixou sua marca em
de crónicos, um sentimento difuso de impotência e frustra- múltiplas dimensões: do microcosmo da relação terapêutica
ção entre os operadores e a necessidade de locais de inter- (e das concepções e práticas de tratamento) à dimensão da
nação que funcionem como válvula de escape. construção de uma nova política psiquiátrica (e das concep-
Podemos então concluir estas breves notas sobre os siste- ções e práticas da ação política). Consideramos importante
mas de saúde mental nos países "avançados" nascidos das tratar de identificar as características do processo de desins-
reformas, firmando que o balanço desta desinstilucionaliza- titucionalização nestes lugares, exatamente porque, também
ção_não pode ser senão um balanço negativo. na Itália, corre-se o risco (ou pior) de passar a realizar não a
Q / A intenção de liberar a Psiquiatria (e o seu objeto) da desinstitucionalização assim como ela foi intencionada, mas
coação e da cronicidade que esta produzia para restituir-lhe a versão-que ilustramos esquematicamente nas páginas ante-
o estatuto terapêutico resultou na construção de um sistema riores.
complexo de prestações que, reproduzindo e multiplicando a
lógica somente negativa da dcsospitalização selecionam, de- 2.1. Desinstitucionalizar o paradigma
compõem, não se responsabilizam, abandonam. A nova cro-
nicidade então produzida constitui o sinal mais macroscópico
e dramático da falência dessas intenções. Na realidade pode- A partir do observatório do manicômio em Gorizia nos
se avançar na hipótese de que no fundo deste processo anos 60, um grupo de psiquiatras inovadores percebeu que a
estivesse a exigência de relegitimar a Psiquiatria "liberan- Psiquiatria, desde sempre, n ã o consegue adequar os seus
do-a" de sua relação histórica com a justiça e de seu ser métodos de trabalho "aos princípios abstratos" que a gover-
imanente às políticas de controle social; dar-lhe uma digni- nam, assim como às outras instituições do Estado Moderno
dade exclusivamente "terapêutica". E razoável reter que este que dividem entre si as competências de interpretações e de
é um projeto impossível, mas que através dessas operações intervenções nos problemas sociais (em particular a medici-
tenta-se fazê-lo parecer real. na, a justiça e a assistência, que fazem fronteira com a Psi-
quiatria). Estas instituições funcionam (ao menos assim se
2^Um sinal complementar desta falência está no fato de
quê esta forma de desinstitucionalização não alcançou o legitimam) com base em uma relação codificada entre "defi-
objetivo de superar a necessidade da coação e, portanto, dos nição e explicação do problema e resposta (ou solução)
locais de internação. Eles permanecem e se confirmam como racional", tendencialmente ótima . Para esclarecer melhor a
3

um elemento necessário ao funcionamento do sistema como


um lodo. 3 A reflexão crítica sobre o teorema racionalista problema-solução é um
campo que se abriu muito recentemente no âmbito das ciôncias sociais
c politológicas. Para uma concretização no terreno das políticas sociais
2. A EXPERIÊNCIA I T A L I A N A ver Nelson (1977), Bardach, Kcgan (1982), Boudon (1984), March
(1978, 1981); para as implicações na vertente terapêutica ver Watzla-
wick et al 1974. Esta temática tem entretanto um embasamento teórico
Não é simples explicar positivamente o que foi e o que é dc maior alcance nos estudos sobre racionalidade c, cm particular, sobre
a desinstitucionalização nos locais que prepararam a refor- racionalidade limitada - ver por exemplo Elstcr (1979).

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ação deste paradigma racionalista problema-solução é sufi- a Psiquiatria, ou seja, a medicina, a justiça e a assistência. E
ciente referir-se à terapia no âmbito da medicina. A terapia por isso a Psiquiatria se constitui em última instância na
entendida não tanto como uma relação individual entre mé- fronteira, no cruzamento dessas instituições e assume o dever
dico c paciente mas sobretudo como um sistema organizado
de absorver no seu interior tudo aquilo que resta da lógica
de teoria, normas, prestações - é em geral o processo que
problema-solução que a governa e, portanto, todos os pro-
liga o diagnóstico ao prognóstico, que conduz da doença à
blemas que ao resultarem incoerentes, insolúveis e irredutí-
cura. Este é portanto um sistema de ação que intervém em
relação a um problema dado (a doença) para perseguir uma veis são por isso expulsos. Neste sentido a Psiquiatria revela
solução racional, tendencialmente ótima (a cura). Entretan- ser uma instituição que mais do que qualquer outra coisa
to, apesar dos pressupostos científicos e dos fins terapêuticos administra aquilo que sobra, isto é, uma instituição, residual
que pretendia ter, a Psiquiatria constitui uma primeira práti- ela mesma, que detém, em relação ao sistema institucional
ca desconfirmadora deste paradigma racionalista. Esta des- em sua totalidade, um poder tanto vicário quanto insubs-
confirmação apresenla-se em primeiro lugar no objeto da tituível.
competência psiquiátrica: a doença mental. De fato, desde
suas origens, a Psiquiatria está condenada a se ocupar de um Por isso, a crítica ao manicômio desenvolvida na Itália fez
objeto, a doença mental, que na realidade é bastante "não deste um ponto de verdade, não tanto pelo atraso da Psiquia-
conhecível" e frequentemente incurável (Bleuler 1983); mal- tria, quanto de sua própria (a dos aparatos contíguos) iden-
grado os enormes esforços para dar-lhe uma explicação e tidade; um ponto de verdade que ilumina também o presente.
definição racional, ampliando e tornando mais complexo o De falo, como se pode depreender do balanço crítico esbo-
quadro das causas (com as contribuições da psiquiatria social çado anteriormente, a Psiquiatria nascida das reformas faliu,
e relacional, as pesquisas epidemiológicas, biológicas, imu- seja no objetivo de superar a cronicidade, seja no objetivo de
nológicas e t c . ) ao final da cadeia causal a doença continua liberar-se da sua "função" de coação e internação.
largamente indeterminada e indefinida; e ainda, apesar do
No seu conjunto, a impossibilidade de conhecer o proble-
desenvolvimento das terapias de "choque", das farmacológi-
ma e de construir uma solução aparece como uma falta
cas, das psicoterapias etc... a cronicidade continua a ser o
constitutiva da Psiquiatria que, uma vez enfocada, lança uma
objeto por excelência, o problema c o sinal mais evidente da
luz crítica sobre o acúmulo de códigos diagnósticos, aparatos
impotência da Psiquiatria cm alcançar a solução-cura (e os
organizativos e administrativos, especializações terapêuticas.
manicômios são a evidência concreta de tudo isto).
Isso tudo aparece como uma moldura feita mais para encobrir
e remover aquela falta constitutiva da Psiquiatria e talvez
Adesconfirmaçãodo paradigma racionalista está presente
também através da separação do problema não resolvido,
também na forma assumida pela instituição psiquiátrica: o
para manter a salvo,paralelamente, a credibilidade do teore-
manicômio efetivamente se constitui sobretudo como local ma racionalista problema-solução." Em outras palavras, os
de descarga e de ocullamcnto de tudo aquilo que, como psiquiatras inovadores italianos (em Gorizia, nos anos 60, e
sofrimento, miséria ou distúrbio social, resulta incoerente depois em Trieste, nos anos 70 e atualmcnte) trabalham com
frente aos códigos de interpretação e dc intervenção (de a hipótese de que o mal obscuro da Psiquiatria está em haver
problema-solução) das instituições que fazem fronteira com separado um objeto fictício, a "doença", da "existência global

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complexa e concreta"* dos pacientes e do corpo social. Sobre experimentam soluções; ao contrário, estamos implicados no
esta separação artificial se construiu um conjunto de aparatos confronto com uma estrutura de respostas científicas, tera-
científicos, legislativos, administrativos (precisamente a "ins- pêuticas, normativas, organizativas, que se autolègitimaram
tituição"), todos referidos à "doença". E este conjunto que é como soluções racionais, definindo, plasmando e reproduzin-
preciso desmontar (desinstitucionalizar) para retomar o con- do o problema à sua própria imagem e semelhança. A partir
tato com aquela existência dos pacientes, enquanto "existên- da observação do manicômio (e não é assim também, em
cia" doente. muitos sentidos, para o hospital geral?) se torna evidente que
na relação que liga o problema à solução é a solução que
Todavia, o caráter radical desta crítica do manicômio co-
formula o problema, no sentido de que é ela que lhe dá nome
mo ponto de verdade da Psiquiatria e de seu papel no sistema
e forma. Por isso este primeiro passo da desinstitucionaliza-
institucional não leva os psiquiatras inovadores italianos a
ção consiste no fato de que não se pretende enfrentar a
tomar o atalho da antipsiquiatria; o percurso que se coloca é
etiologia da doença (ao contrário, renuncia-se efetivamente
mais complexo e indireto: é precisamente o percurso da
a qualquer intenção de explicação causal), mas, ao contrário,
desinstitucionalização. Neste se continua a realizar o objeti-
se adota a direção de uma intervenção prática que remonte
vo e a "função" terapêutica (portanto não se faz "política")
a cadeia das determinações normativas, das definições cien-
e ao mesmo tempo utiliza-sc o poder, residual mas insubsti-
tíficas, das estruturas institucionais, através das quais a doen-
tuível, que a Psiquiatria tem no sistema institucional como
ça mental — isto é, o problema — assumiu aquelas formas de
poder de transformação (e portanto se faz "política").
existência e de expressão . Por isso, a reproposição da solu-
6

O primeiro passo nesta direção, ou seja, o primeiro passo ção reorienta de maneira global, complexa e concreta a ação
da desinstitucionalização, foi o de começar a desmontar a terapêutica como ação de transformação institucional.
relação problema-solução, renunciando a perseguir aquela
solução racional (tendencialmente ótima) que no caso da Retomando e precisando o título desta seção podemos
Psiquiatria é a normalidade plenamente restabelecida. Isto, então afirmar que a desinstitucionalização é um trabalho
como veremos, não significa, em absoluto, renunciar a tratar, prático de transformação que, a começar pelo manicômio,
a cuidar . Esse "rejeitar" a solução possibilita uma mudança
5
desmonta a solução institucional existente para desmontar (e
de ótica profunda e duradoura que atinge o conjunto das remontar) o problema. Concretamente se transformam os
ações e interações institucionais. Não se está mais diante de modos nos quais as pessoas são tratadas (ou n ã o tratadas)
um problema dado em relação ao qual se formulam e se para transformar o seu sofrimento, porque a terapia não é
mais entendida como a perseguição da solução-cura, mas
como um conjunto complexo, e também cotidiano e elemen-
4 N.T. — A palavra italiana compkssivo literalmente diz respeito a algo
tar, de estratégias indíretas e mediatas que enfrentam o
considerado cm seu conjunto, cm sua totalidade, mas que no texto tem
também o significado de complexo e concreto. Neste sentido quando há
problema em questão através,de um percurso crítico sobre
referência à existência complessiva traduzimos por existência global, os modos de ser do próprio tratamento. O que é, portanto,
complexa e concreta.
5 Esta qualidade dc "renúncia" pertence de fato à família das assim
chamadas "estratégias indirctas" de que fala Elstcr (1981) a propósito 6 Esta mudança dc ótica foi provisoriamente definida nas elaborações do
daqueles objetivos que, como a saúde, se dáo somente como byproduets movimento de transformação da psiquiatria "epidemiologia da institui-
(ver também nota 10). ção"; ver Basaglia 1982, Mauri 1983, 1.° Capítulo.

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nesse sentido "a instituição" nesta nova acepção? E o con- aqui se coloca num nível não formal o problema das fontes
junto de aparatos científicos, legislativos, administrativos, de de energias a serem mobilizadas no processo de implantação
códigos de referência e de relações de poder que se estrutu- da Lei ISO — falaremos disto mais adiante. Permanecendo na
ram em torno do objeto "doença". Mas se o objeto ao invés "clínica ", a questão colocada pela desinstitucionalização éque
de ser "a doença" torna-se "a existência-sofrimento dos pa- não poderemos imaginar uma psicopatologia e uma clínica
cientes" e a sua relação com o corpo social, então desinstitu- que não incorporem na análise, e depois na prática terapêutica
cionalização será o processo crítico-prático para a reorienta- e de transformação, as estruturas existentes, os operadores, o
ção de lodos os elementos constitutivos da instituição para campo psiquiátrico. A emancipação terapêutica (que se torna
este objeto bastante diferente do anterior. o objetivo substituto da "cura") só pode ser (cientemente) a
A ruptura do paradigma (fundante dessas instituições) se mobilização de ações e de comportamentos que emancipem a
refere à passagem da pesquisa causal à reconstrução de uma estrutura inteira do campo terapêutico.
concatenação possibilidade-probabilidade; rompe-se a rigi- Este trabalho de desconstrução, sobretudo a partir do
dez mecanicista constitutiva do processo de "doença". _ interior do manicômio, apresenta alguns aspectos cruciais
í> O processo de desinstitucionalização torna-se agora r e ^ que contribuem para enfatizar melhor o significado da de-
construção da complexidaje_dp_obje.to.-^ ênfase não é mais sinstitucionalização italiana e a modalidade da sua evolução
colocada no processo de "cura" mas no projelo de "invenção sucessiva.
de saúde" e de "reprodução social do paciente ".
Alude-se à pouca verossimilhança da nossa ciência. Se n ã o 2.2. A desinstitucionalização mobiliza todos os atores envol-
existe mais um mundo produtivo definido no qual estar, não vidos no sistema de ação institucional
existe mais uma saúde, mas existem mil. Trata-se de decidir
que é possível reproduzir-se em mil modos, mas que estes Os principajs atoresdo processo de desinstitucionalização
devem ser praticáveis. Trata-se de utilizar a riqueza infinita são antes de tudo os técnicos que trabalham~nõ interior das
dos papéis sociais possíveis, mas é imprescindível promover instituições, os quais transformam a organjzação,j\sj"elações
aliyamenlc estas possibilidades. e as regras do jogo exercitando ativamente_o seu papel
Q_problema não é cura (a vida produtiva) mas a produção terapêutico de psiquiatras, enfermeiros, psicólogos ele... So-
de_yjda,.dç sentido, de sociabilidade, a utilização das formas bre esta base também os pacientes se tornam atores e a
(dos espaços colclivos) de convivência dispersa. E por isso a rélãçâõTêrãpculica to7na-se uma fonle de poder que é utili-
festa, a comunidade difusa, a reconversão contínua dos re- zadãTãmbém para chamar à responsãWidãdê~eao poder os
cursos institucionais, e por isso solidariedade e afetividade se outrõsãtõresinstitucionais, próximos ou não, õs administra-
tornarão momentos e objetivos centrais na economia tera- dores locais responsáveis pela saúde mental, os técnicos das
pêutica (que é economia política) que está inevitavelmente estruturas sanita rias locais, os políticos-etc... Emoutras_pala-
na articulação entre materialidade do espaço institucional e vras, os técnicos da saúde mental ativam toda a rede de
potencialidade dos recursos subjetivos. relações que estruturam o sistema de ação institucional e
Neste ponto, a partir da ruptura do paradigma clínico se dinamizam as competências, os poderes, os interesses, as
institui o papel central dos serviços modernos, do Welfare demandas sociais etc... (Crozier, Friedberg 1977). Por isso
verdadeiro, como multiplicador institucional de energia. E

30 31
eles fazem também, indiretamente, política. Mas apenas in- pia; abrir as portas; produzir relações, espaços e objetos de
diretamente, ou seja, permanecendo ligados a seu papel, que interlocução; liberar os sentimentos; restituir os direitos civis
é uma fonte de poder e uma condição para praticar concre- eliminando a coação, as tutelas jurídicas e o estatuto de
tamente os objelivos de mudança. Este é um aspecto impor- periculosidade; reativar uma base dc rendimentos para poder
tante da desinstitucionalização italiana, que a diferencia das ter acesso aos intercâmbios sociais.
outras experiências, as quais têm sido projetadas por políti-
Trata-se de mudanças simples mas bastante visíveis; volta-
cos reformadores, aplicadas por administradores, ou procla-
mos a propô-las aqui por duas razões: em primeiro lugar,
madas como objetivo político de grupos e movimentos radi-
porque o nosso conhecimento dirclo dos locais dc internação
cais. Na Itália, ao contrário, a desinstitucionalização se con-
hoje existentes na Europa, na Psiquiatria reformada, e nossas
figurou como um trabalho concreto e cotidiano dos técnicos
análises sobre as normas que as regulam nos demonstram que
que produziram degrau por degrau as mudanças. A nova
estas mudanças estão ainda, em grande parte, por serem
política de saúde mental vem sendo construída from the
efetivadas. Em segundo lugar, porque a simplicidade destas
botlom up (Thrasher, Dunkley 1982), no concreto, no local
mudanças ajuda a compreender como a desinstitucionaliza-
e a partir do interior da instituição (e também a política c
ção é sobretudo um trabalho terapêutico, voltado para a re-
usada como meio ou como recurso). Por isso aíse encontram
constituição das pessoas, enquanto pessoas que sofrem, como
investindo, envolvidos e mobilizados, os sujeitos sociais como
sujeitos. Talvez não se "resolva"por hora, nãose "cure" agora,
atores da mudança: os pacientes, a comunidade local, a
mas no entanto seguramente "se cuida". Depois de ter descar-
opinião pública, os sujeitos políticos institucionais e não
tado "a solução-cura " se descobriu que cuidar significa ocu-
institucionais. Esta maneira de praticar a desinstitucionaliza-
pa r-se, aqui e agora, de fazer com que se transformem os modos
ção suscita e multiplica as relações, isto é, produz comunica-
de viver e sentir o sofrimento do "paciente" e que, ao mesmo
ção, solidariedade e conflitos, já que mudança das estruturas
tempo, se transfonne sua vida concreta e colidia na, que ali-
e mudança dos sujeitos e de suas culturas só podem acontecer
menta este sofrimento.
conjuntamente (Rotelli 1981, Melucci 1982, Balbo, Bianchi
19S2, DeLeonardis 1986). Uma existência mais rica de recursos, de possibilidades c
de experiências é também uma existência em mudança. Cer-
to, o sofrimento psíquico talvez não se anule, mas se se
2.3. O objetivo prioritário da desinstitucionalização é trans- começa a remover-lhe os motivos, mudam as formas e o peso
formar as relações de poder entre instituição e os sujei- com que este sofrimento entra no jogo da vida de uma pessoa.
tos e, em primeiro lugar, os pacientes. E igualmente, não se anula a necessidade desta pessoa de ser
ajudada, isto é, precisamente tratada, nos termos que fala-
mos. Mas isto rios faz recordar o valor dessas necessidades e
Inicialmente, isto é, no trabalho de desconstrução do ma- a necessidade de valor:
nicômio, esta transformação é produzida através de gestos Isto significa por exemplo que não se dá um trabalho a um
elementares: eliminar os meios de contenção; restabelecer a paciente psiquiátrico como um resultado e um reconheci-
relação do indivíduo com o próprio corpo; reconstruir o mento do falo de que ele esteja melhor (um prémio), nem
direito e a capacidade de uso dos objetos pessoais; recons- como terapia, mas como uma condição preliminar para que
truir o direito e a capacidade de palavra; eliminar a ergotera- possa estar melhor (um direito); e o ajudamos também a fazer

32 33
e a viver o trabalho. Conseguirá? "Mas não é um teste ao qual 2.4. A desinstitucionalização é um trabalho homeopático
o submetemos, mas é um espaço de vida a mais no qual o que usa as energias internas da instituição para des-
ajudamos a viver. Em todo caso é um teste para nós" . Este 6
montá-la.
é então outro aspecto de trabalho terapêutico entendido
como "tomarencargo", de cuidar de uma pessoa: é desenvol-
7
As transformações institucionais são então produzidas a
vido de tal modo a evitar o abandono do paciente a si mesmo,
partir de dentro, trabalhando com aquilo que existe.
em nome de sua liberdade abstrata, mas também de modo tal
A começar pelo manicômio, o trabalho de desinstituciona-
a evitar impor-lhe objetivos pré-constituídos. E por isso o
lização usa os mesmos espaços, os mesmos recursos, o mesmo
trabalho terapêutico é um percurso dinâmico em contínua
pessoal, os mesmos pacientes, mas mudando e decompondo
transformação, feito de tentativas, erros e aprendizagens, no
os sistemas de ação e interação nos quais cada elemento está
qual os objetivos mudam durante o percurso porque são
modificados pelo sujeito em jogo. inserido: uma porta feita para estar fechada é usada, mas
ativamenle usada, para estar aberta — a abertura cria proble-
É necessário salientar outro ponto: que a transformação mas, a gestão desses problemas modifica a cultura dos atores
da relação de poder entre os pacientes e a instituição é um em jogo. Novamente encontramos aqui uma diferença fun-
processo que intervém em longa escala e deve incidir no damental da desinstitucionalização italiana: ela está baseada
sistema jurídico; quem conduziu as experiências de desinsti- na utilização dos recursos e dos problemas internos da estru-
tucionalização desenvolveu uma atenção "obsessiva" à pro- tura em decomposição para construir pedaço por pedaço as
gressiva objetivação dos novos estatutos, passo a passo de- novas estruturas externas. Essas nascem para "acompanhar"
terminados, e para fazer com que fossem reconhecidas pri- de perto os pacientes fora do manicômio e construir as
meiro as legitimidades administrativas, depois as jurídicas, "alternativas" (e a cultura necessária): os serviços territoriais,
até a Lei 180 de 1978. De falo, a desinstitucionalização muda os plantões psiquiátricos noturnos no hospital geral, as coo-
progressivamente o estatuto jurídico do paciente (de pacien- perativas, as casas para os pacientes, os bares e os refeitórios
te coagido a paciente voluntário, depois o paciente como de bairro, os jogos, os laboratórios de teatro etc...
"hóspede", depois a eliminação dos diversos tipos de lulela
Em suma, as estruturas e os modos de trabalhar nos quais
jurídica, depois o restabelecimento de todos os direitos civis).
se concretiza o novo sistema de saúde mental nascem não do
Em síntese, o paciente se torna cidadão de pleno direito e
externo, ao lado e de suporte ao manicômio, mas através da
muda com isto a natureza do contrato com os serviços.
reciclagem, da reconversão e da transformação progressiva
6 Dc uma enirevista a um operador psiquiátrico de Bari; de forma geral
das possibilidades financeiras, do pessoal, das competências
ver Rotelli 1981, Mauri 1983. Parece paradoxal mas náoé: o "trabalho" existentes, dos espaços físicos etc... E é exatamente graças a
8

é "tcrapôulico" sc é o reconhecimento de um direito, não o é se é esta génese da desmontagem do manicômio que essas estru-
"técnica de tratamento"; no primeiro caso é o sujeito que realiza uma turas externas conseguem ser, em relação a ele, inteiramente
possibilidade sua, no segundo é a instituição que "o decide". substitutivas e a suprimir (substituindo) as práticas preexis-
7 N.T. — "presa in carico" foi traduzido por "tomar encargo"; cabe tentes.
ressaltar que esta expressão se constitui numa premissa fundamental na
organização dos serviços territoriais c significa o "fazer-se responsável",
isto é, a impossibilidade dc delegar a uma outra estrutura a assistência 8 Sobre as estratégias dc reconversão dos recursos e dos gastos públicos
à população da região de referência.
daremos outras indicações nos parágrafos seguintes.

34 35
Em síntese, o processo de desinstitucionalização é carac- 2.5. A desinstitucionalização libera da necessidade da inter-
terizado por estes três aspectos que vão tomando corpo, nação construindo serviços inteiramente substitutivos.
pouco a pouco, à medida que o manicômio vai se desmon-
tando, e que representam sua conotação de fundo: Para explicar este ponto usaremos o exemplo da organiza-
(afA construção de uma nova política de saúde mental a ção dos serviços de saúde mental de Trieste, a experiência
partir da base e do interior das estruturas institucionais italiana mais conhecida a nível internacional e que orientou
através da mobilização e participação, também conflitiva, de o processo global da transformação institucional na Itália . 10

todos os atores interessados; Em Trieste: a) estes serviços têm a responsabilidade de


b\A centralização do trabalho terapêutico no objetivo de responder à totalidade das necessidades de saúde mental de
enriquecera existência global, complexa e concreta dos pacien- uma população determinada; b) mudam as formas de admi-
tes, de tal forma que eles, mais ou menos "doentes", sejam nistrar os recursos para a saúde mental; c) multiplica-se e
sujeitos ativos e não objetos na relação com a instituição.^4 torna-se mais complexa a profissional idade dos operadores.
palavra de ordem é: do manicômio, lugar zero dos intercâm- No conjunto, a organização do novo sistema de saúde mental
bios sociais, à multiplicidade extrema das relações sociais; se fundamenta em uma hipótese clara: que a instituição
Qc) A construção de estruturas externas que são totalmente responde mais às próprias necessidades de auto-reprodução
substitutivas da internação no manicômio, exala mente porque que às necessidades dos usuários e que desinslilucionalizar
nascem do interior de sua decomposição e do uso e transfor-
significa inverter esta lógica de funcionamento.
mação dos recursos materiais e humanos que estavam ali
depositados.
Estes três aspectos da desinstitucionalização representam, 2.5.1. Os serviços têm a reponsabilidade dc responder à to-
entre outras coisas, condições graças às quais é possível talidade das necessidades dc saúde mental de uma
eliminar a internação do conjunto das estruturas e compe- população determinada.
tências psiquiátricas. Ou, mais precisamente, podemos dizer
que através deste percurso a desinstitucionalização suprime Em Trieste, entre 1971 e 1978, o hospital psiquiátrico foi
a internação liberando a Psiquiatria e seu objeto (e definiti- progressivamente esvaziado dos 1.200 pacientes que ali esta-
vamente a sociedade) da necessidade da própria internação. vam internados (a maior parte obrigatoriamente), completa-
A desinstitucionalização transforma as necessidades dos do- mente reconvertido e oficialmente abolido em 19S0. Atual-
entes, dos operadores e da comunidade, às quais a internação mente não existe nenhum outro lugar dc internação: não
correspondia, construindo respostas inteiramente substituti- existem clínicas psiquiátricas privadas, nem enfermarias psi-
vas .9

10 Sobre experiência de Trieste ver: Scabia (1974), Bcnnett (1978), I Iar-


9 A esic propósito pode-sc aplicar o estudo dc Cister sobre estratégias lung (1981), Roiclli (19Sla, 19Slb, "1983), Basaglia (1982), Gallio,
indirctas (19S1, pág. 438): "Para dar uma imagem sintética, não se pode Giannichedda (19S2), Mauri (19S3), Rcalli cl al (19S3), Dcll'Acqua
querer o fechamento do manicômio como solução c não se pode perse- (1985), Pastore (1984). E ainda ver Qiiadcrni di Documcntazione dei
gui-la dirctamente: porque neste caso "o fato dc querer a ausência é Pensiero Scienlijlco, publicado aos cuidados dc C.N.R. (cm particular
incompatível com a ausência desejada". A ausência dc manicômio é os volumes 3, 8 c 16) c a revista Fogli di Informazione. Também, o
portanto tipicamente um estado que é essencialmente um by-product recente livro dc A. Topor.
alcançável ao longo dc estratégias indirctas (Dc Lconardis 1985).
37
36
quiátricas no hospital geral, nem pacientes psiquiátricos vontade), o trabalho é organizado e distribuído conforme as
transferidos para cronicários - no lugar dessas estruturas de exigências que se apresentam. A esta elevada flexibilidade da
internação se desenvolveu uma grande variedade de serviços organização do trabalho corresponde a mesma elevada elas-
e espaços de intervenção. ticidade e permeabilidade no uso do centro e na relação com
a) Os Centros de Saúde Mental. Os Centros de Saúde os pacientes. O centro está sempre aberto e qualquer um
Mental são o eixo de todo o sistema de saúde mental e pode ter acesso a ele quando quiser. Não existem consultas
coordenam uma série de outras possibilidades e estruturas por agenda e muito menos lista de espera. Por isso os pacien-
colaterais que depois examinaremos. S ã o sete centros, tes usam o centro também como espaço de encontro, de
correspondentes às sete zonas de descentralização adminis- socialização e de vida colidiam». Como não existe qualquer
trativa de Trieste, cobrindo em média uma faixa de clientela tipo de subdivisão ou seleção de pacientes, no centro convi-
de 40.000 habitantes cada um. Estão abertos 24 horas por dia vem figuras sociais de todos os tipos: os velhos e os novos
e estão portanto cm condições de acolher as pessoas a qual- crónicos, as donas-de-casa deprimidas, os jovens marginais
quer momento do dia e da noite. Os centros são constituídos etc...
por casarões ou apartamentos grandes nos quais a distribui-
Todavia, grande parle do trabalho dos operadores se de-
ção de espaço e a mobília não recordam nenhuma das ima-
senvolve fora do centro, porque tende-se a ir ao encontro dos
gens conhecidas de um ambulatório médico ou psiquiátrico,
pacientes em casa, ou ainda, a fazê-los viver na cidade e com
ou seja, têm todo o aspecto de uma casa. Os centros têm
as pessoas.
alguns leitos para dormir (uma média de oito em cada centro)
O trabalho terapêutico usa todos os instrumentos à dispo-
onde são hospedados (naturalmente não hospitalizados) os
sição: medicação, colóquios, subsídios, ocasiões de trabalho,
pacientes que têm necessidade de ser particularmente acom-
estadias de férias na praia ou na serra etc... Além disso,
panhados, ou aqueles que têm necessidade de separar-se do
exa ta mente por essa razão, o centro tem também a responsa-
próprio ambiente de vida por um período de tempo variável.
bilidade de buscar recursos através de contato com outras
Em geral existe também uma cozinha e uma grande sala de
estruturas institucionais: por exemplo, conseguir da adminis-
almoço na qual comem juntos operadores, pacientes, visitan-
tração local um apartamento para alguns pacientes.
tes, pessoas do bairro — algumas vezes são utilizados restau-
rantes do bairro conveniados. O pessoal de cada centro é b) O Plantão Psiquiátrico no Hospital Geral. Este serviço
constituído em média por três psiquiatras, 28 enfermeiros e é constituído por dois médicos fixos e dezessete enfermeiros
um assistente social. A organização do trabalho nos centros dos centros em rodízio.
é pouco hierarquizada e com pequena divisão do trabalho Foi criado para atender os casos de emergência que, sobre-
entre os diversos papéis, no sentido de que as responsabili- tudo durante a noile,;chegam ao hospital geral. Sua função é
dades de decisão e as competências executivas não são sepa- a de fornecer uma primeira resposta em situação de mal-
radas entre si e são assumidas ao mesmo tempo por mais de estar agudo e, se necessário, chamar imediatamente o centro
um operador. A organização do trabalho do dia não é forma- de saúde mental competente ou, se isto não for possível,
lizada em um fichário e, a não ser para uma breve reunião hospedar o paciente por uma noite. Para este objetivo tem
diária (na qual participam também os pacientes que tenham oito leitos mas, como se percebe, não funciona como uma
enfermaria psiquiátrica hospitalar.

38 39
Alem disso, o plantão psiquiátrico intervém quando cha- - a "Cooperativa Trabalhadores Unidos" (cerca de 121
mado por enfermarias do hospital, quando algum paciente participantes) que compreende serviços de limpeza e manu-
expressa sofrimento psíquico". tenção, marcenaria, um cabeleireiro e os laboratórios artísti-
c) As Estruturas e os Espaços do Ex-Hospital Psiquiátrico. co, de costura e de teatro;
O que era o hospital psiquiátrico tornou-se um grande par- - a "Cooperativa Posto delle Fragolle" (cerca de 65 mem-
que municipal no qual as velhas estruturas foram esvaziadas
bros) da qual depende um bar, o barco a vela e uma coope-
ou destinadas a outros objelivos. Existem: vinte apartamen-
rativa de assistência.
tos para ex-internados, uma unidade de reabilitação para
Das cooperativas fazem parle não apenas pacientes psi-
deficientes muito graves (onze pessoas) e uma unidade para
idosos dependenles (45 pessoas), que estão sob a responsa- quiátricos mas também jovens desocupados, tóxico-depen-
bilidade do centro dc saúde mental da região. Existem ainda: dentes, ex-presidiários ou presidiários em regime de semili-
uma escola maternal, uma escola primária e laboratórios da berdadc. Elas constituem uma estrutura importante dc auto-
universidade; existe sobretudo uma série dc estruturas desti- organização das pessoas, na qual cresce a autonomia e a
nadas às atividades dos centros e das cooperativas: um bar, capacidade de ajuda recíproca. Um exemplo, para dar uma
um laboratório de teatro, um laboratório artístico, de música, ideia concreta: no âmbito das atividades da cooperativa um
pintura, de vídeo, uma sala de ginástica, uma sala de estética grupo de jovens, entre os quais ex-presidiários e tóxico-de-
ele... Existem também os alojamentos — com refeitório — pendentes, organizaram um ginásio no qual eles oferecem
para os voluntários italianos e estrangeiros que trabalham cursos de ginástica às crianças da escola do bairro, aos pacien-
nas diversas estruturas (em média estão presentes entre tes lobotomizados de longa internação, aos operadores dos
trinta e quarenta voluntários, um total de duzentos por ano). centros.
O dado mais significativo de todas estas atividades, e em e) O Centro para Tóxico-Dependentes. Este serviço é
particular dos laboratórios, é o fato de que são utilizadas formado por um psiquiatra, uma assistente social e cinco
conjuntamente por "normais", por pacientes psiquiátricos, enfermeiros, e ao lado dos centros assume competências
por tóxico-dependentes (e sobretudo por jovens). Este é um específicas em relação aos tóxico-dependentes. Além dos
exemplo concreto da tendência de não compartimentalizar
tratamentos farmacológicos este centro tem a responsabili-
e, ao contrário, multiplicar as trocas sociais, que são essen-
dade de construir soluções de trabalho e de socialização
ciais ao processo de desinstitucionalização.
utilizando sobretudo as redes das cooperativas e as atividades
d) As Cooperativas. As cooperativas de trabalho promovi-
de trabalho, culturais e recreativas que elas promovem. Este
das e organizadas pelos centros são:
serviço atende também os tóxico-dependentes no cárcere.
— a "Cooperativa Agrícola" (38 membros) com uma loja
anexa para venda dos produtos; f) O Serviço Psiquiátrico territorial no interior do cár-
cere. Este serviço é formado pò.r dois médicos e dois psicólo-
11 Respondendo dessa forma as demandas dc emergência, o plantão psi- gos dos centros que, duas vezes por semana, intervêm no
quiátrico intervém nos confrontos seja com serviços de ordem pública interior do presídio, seja para acompanhar os pacientes dos
(cm particular a polícia) seja com médicos (hospitais gerais e médicos
centros que estejam presos, seja para seguir presidiários nos
dc base) para aliviar o medo de comportamentos estranhos ou distur-
badorcs c ativar nesses serviços a capacidade de novas respostas. quais o estado de detenção fez emergir distúrbios psíquicos.

40 41
Este serviço tem como competência melhorar tanto quanto 2.5.2. Mudam as formas de administrar os recursos públicos
possível as condições de vida da pessoa no presídio, constituir para a saúde mental.
para ela um ponto de referência externa e tentar todas as
possibilidades legais para obter medidas de redução da pena Como já dissemos, a desmontagem do manicômio se pro-
ou alternativas à pena. Este serviço tem tido também um cessou através da diferente utilização e da reconversão dos
papel importante na construção de relações de colaboração recursos existentes; as novas possibilidades nascem com o
entre os centros e a justiça local; através dessas relações os deslocamento material de pessoas, pacientes e verbas do
centros assumem a competência de ajudar os pacientes na hospital para a comunidade. Muda portanto a gestão finan-
sua relação com a justiça e ao mesmo tempo de assegurar ao ceira e administrativa dos recursos públicos, com êxito seja
juiz que a pessoa que tem comportamentos perturbadores de eficácia seja de eficiência.
está de fato sendo adequadamente acompanhada e " contro- O ponto fundamental consiste no fato de que os recursos
lada". Por este caminho foram interrompidos de forma deci- de que a administração local dispõe não são mais utilizados
siva vários encaminhamentos aos manicômios judiciários. para alimentar uma estrutura institucional, o hospital, que
mede seus custos essencialmente com base nos leitos e na sua
Este rápido resumo das possibilidades e das atividades nas utilização ótima sobre a maximização de leitos ocupados. A o
quais foi reorganizado globalmente o sistema de saúde men- contrário, estes recursos vêm sendo utilizados para fornecer
tal em Trieste não é exaustivo, mas pode dar, sem dúvida, serviços diretos às pessoas, com base nos seguintes critérios:
uma ideia da forma como funciona. Pode-se dizer, para a) a mobilidade do pessoal, no sentido também físico, uma
sintetizar, que este modelo de serviço é inteiramente substi- vez que não são mais os pacientes que vão em busca do
tutivo da internação porque responde de modo totalmente serviço, é o serviço que vai até as pessoas; b) a individualiza-
transformado, isto é, em positivo, à complexidade das neces- ção do seiviço, no sentido de que a qualidade e a quantidade
sidades que o velho asilo absorvia no seu interior. Este dos recursos disponíveis se adaptam às exigências dos pacien-
modelo de serviço - que não por acaso é definido como tes individualmente e varia de acordo com essas exigências;
"forte" — não seleciona de nenhuma forma necessidades, c) o aumento dos recursos geridos diretamente pelos pacientes
demandas ou conflitos, mas, ao contrário, elabora estraté- e que mais diretamente se referem à sua vida (ver o curso dos
gias dinâmicas e individualizadas de resposta que tòntãfn gastos com medicação e com subsídios); d) o uso produtivo
salvaguardar e ampliar a riqueza da vida das pessoas, doentes dos recursos, no sentido de que se investe em medida crescen-
ou sãs. Trata-se de negar o hospital psiquiátrico salvaguar- te para financiar o trabalho dos pacientes que desenvolvem
dando o direito de assistência, de negar "a política de setor" atividades socialmente úteis (por exemplo, são oferecidas
salvaguardando a unicidade de responsabilidade sobre um "bolsas de trabalho"-ou uma contribuição financeira às coo-
território determinado, de negar a comunidade terapêutica perativas); e) o uso crescente de recursos ativados e organiza-
dos pela agregação dos pacientes- e da comunidade, o que
em favor de uma comunidade difusa, de negar o monopólio
significa também promover e proteger a capacidade de auto-
dos técnicos utilizando ao máximo suas potencialidades para
ajuda e de autonomia das pessoas.
ativar os recursos das pessoas. Esta linha de atuação é o que
se entende em Trieste concretamente por desinstitucionali- Estes critérios são prioritariamente definidos com o obje-
zação. tivo de enriquecer a eficácia terapêutica. Esta é avaliada com

42 43
base na capacidade que este sistema oferece de não selecio-
nar e n ã o excluir e, portanto, com base na capacidade de profissionalidade não é entretanto uma aquisição estática,
evitar e inverter processos de cronificação destas necessida- uma vez que a partir da desconstrução do manicômio os
des . O indicador mais evidente para avaliar a eficácia deste
12 operadores, acima de tudo, "aprenderam a aprender". Com as
sistema está no fato de que ele não reproduz a necessidade informações que já descrevemos em relação à organização
de internação . 13 do trabalho em Trieste torna-se evidente que a profissiona-
Esta forma de administrar os recursos públicos tem tam- lidade se explica menos em termos de competências técnicas
bém o efeito indircto de racionalizar a despesa: são reduzidos especialistas e codificadas e muito mais como capacidade de
os desperdícios, os automatismos das despesas fixas e os escolher, utilizar e combinar uma ampla variedade de moda-
custos que caracterizam tipicamente as organizações buro- lidades e recursos de intervenção. Vejamos cm detalhe:
cráticas. O novo sistema, considerado globalmente, não é a) A centralidade no trabalho de equipe. O papel da equipe
mais caro, e este é um dado importante em tempos de redu- não se expressa tanto nas reuniões periódicas, mas mais no
ção de despesas públicas . 14 costume de trabalhar junto e na colaboração e confronto
Todavia, esle é um efei/o indtreto de um sistema orientado cotidianos entre todos os operadores de cada centro e entre
para investir os recursos nas pessoas (e possivelmente sempre os diversos centros. Esle trabalho de equipe serve para socia-
mais recursos), mais que nas instituições. lizar as experiências, para enfrentar juntos os problemas e
para avaliar, compartilhar e corrigir as decisões que cada
2.5.3. A profissionalidade dos operadores é enriquecida e operador toma; a equipe funciona portanto também como
torna-se mais complexa. uma espécie de supervisor coletivo.
b) A auto-avaliação. A profissionalidade de cada operador
As características da organização e do trabalho terapêuti- em particular não é avaliada separadamente, mas no interior
co que emergiram do processo de desconstrução do manicô- do trabalho operativo da equipe e integrado na reponsabili-
mio trouxeram um enriquecimento das competências profis- dadc dc auto-avaliação que ela desenvolve (às vezes também
sionais e dos espaços de autonomia de decisão dos operado- se desencadeiam tensões e dinâmicas conflitivas). Esta ava-
res e transformaram tanto a modalidade da formação profis- liação interna, obviamente entrelaçada ao trabalho, refere-se
sional quanto os critérios para avaliá-la. O crescimento da sobretudo à capacidade de autotransformação e aprendiza-
gem da equipe e de cada operador. Mas é o elevado grau de
12 Sobre este ponto cm particular ver DcIKAcqua 1985 c W I I O 1985. contratualidade do usuário que imprime contínuos elemen-
13 Um outro indicador é o baixíssimo número dc Tratamentos Sanitários tos de "crise" e de crítica frente à auto-avaliação; assim,
Obrigatórios, que alem do mais são desenvolvidos sem internação, por
pouco a pouco torna-se mais radicalmente presente a voz
exemplo, na casa do paciente ou no Centro Territorial.
14 A despesa histórica para a Psiquiatria não aumentou cm termos reais
crítica dos familiares e dos cidadãos.
entre 1971 c 1985; a despesa com o pessoal, cm particular, permaneceu c) A formação. Além dá\base profissional definida pelo
relativamente constante (se confrontada com a taxa dc inflação c o custo título académico, a formação também é estreitamente anco-
dc vida). Um exemplo dc reconversão da despesa: decresce aquela com
rada no trabalho operativo nos centros; às vezes são organi-
os psicofármacos, enquanto aumenta a com os subsídios. Sobre a despe-
sa psiquiátrica antes c depois da reforma ver Bennctt 1978, Torcsini,
zados seminários sobre temas específicos — por exemplo
Trcbiciani 1985. sobre medicação, sobre "self-help" nas crises do Welfare
State; mas a formação se dá principalmente através da inser-
44
45
ção dos novos operadores e dos voluntários no trabalho serviço e da demanda. É possível intuir o enorme espaço de
cotidiano. E é no trabalho cotidiano que se abrem, pouco a profissionalização que esta prática tende a requerer; o tra-
pouco, outros campos de intervenção que requerem a aqui- balho terapêutico deve enfrentar efetivamente um campo de
sição de novas competências (é o caso, por exemplo, das ação complexa.
competências em matéria de psiquiatria forense e criminolo- 1. Se, por exemplo, eliminar a dimensão afeava na relação
gia que se desenvolveram a partir das relações com o sistema terapêutica parece ser um código para a medicina e seus
da justiça penal) . 15 serviços, aqui, ao contrário, se valoriza esta dimensão.
No conjunto a ênfase é colocada na aquisição de conheci- 2. Se é praxis consolidada separar do contexto mais amplo
mentos, teóricos e operativos, sobre o modo de funciona- a relação médico-paciente (o selting), aqui se busca cada
mento da rede institucional na qual as pessoas estão inseri- instrumento para contextualizá-la.
das; tais conhecimentos são constituídos através do trabalho 3. Se a presença de figuras não profissionais no campo é
cotidiano de análise crítica e de intervenção operativa, para vista muitas vezes com suspeita, aqui se fazem vários esforços
contrastar os efeitos de empobrecimento, invalidez, de "la- para colocá-las como elementos críticos e desinstitucionali-
beling" que aquele modo de funcionar institucionalizado zantes do serviço.
produz na vida das pessoas. 4. Se as regras de funcionamento do serviço ordenado são
d) O "case managemení". Neste ponto age a peculiaridade em geral pretendidas, aqui, ao contrário, são vistas tenden-
mais profunda da ação de desinstitucionalização. De fato, em cialmente como um empobrecimento na possibilidade de tro-
primeiro lugar, os diversos tipos codificados de "terapia" cas sociais e terapêuticas e, nos limites do possível, criticadas
(médica, psicológica, psicoterapêulica, psicofarmacológica, e removidas.
social e t c . ) são considerados como momentos também im- 5. Se os espaços sanitários são habitualmente bem separa-
portantes, mas redulivos e parciais, sobretudo se isolados e dos, aqui se procura cada ocasião para que sejam, ao invés
codificados. Por isso trata-se de demolir a compartimentali- disso, abertos ao bairro e "atravessados" pelas pessoas.
zação entre estas tipologias de intervenção. Além disso, e por 6. Se a relação com "a doença" tem sempre como referên-
consequência, a relação terapêutica tende a ocupar-se de cia um hospital, ambulatório ele..., a relação de desinstitucio-
questões afetivas, económicas, jurídicas, relacionais, dos ní- nalização requer a relação com um "território".
veis de estatutos, da família, do trabalho etc... sem cindir estas 7. Uma coisa da qual todos os operadores de Trieste estão
questões, sem confiá-las a profissionalidades separadas. convencidos é, enfim, que não se desinstitucionaliza dividin-
Se se Irala de pensar que "a liberdade é terapêutica ", cada do os agudos dos crónicos, uma vez que o parâmetro conti-
alo em Uberdadepode ser terapêutico. Se se Irala de desinstituir nuaria sendo a forma "de doença", constituindo áreas de
a doença como experiência que não é separável da existência, fragmentação (e dessa 'forma reconstruindo cronicidade e
trata-se de valorizar, mais que o sintoma (sobre o qual se tornando ineficaz o serviço), mas assumindo a demanda co-
constrói a instituição), o conjunto de recursos positivos do mo uma totalidade indivisível. Tudo isto é desinstitucionali-
zação, que representa um trabalho complexo para os opera-
15 E ainda um efeito inclircto dcsia forma de profissionalidade c mais em dores e para os administradores, mas que permite uma parti-
geral desta forma de trabalhar é o fato que também os operadores
cipação essencial dos recursos da comunidade e, potencial-
(como os pacientes) vivem melhor. Não se encontram aqui as síndromes
dc "burn-out" dos operadores.
mente, uma enorme mobilização de energias. A ênfase na

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desinstitucionalização é aqui vinculada a um projeto também c) São abolidos o e.?!atuto de periculosidade social do
de natureza económica, que considera a velha (mas genera- doente mental, as tutelas jurídicas, a internação coagida e o
lizada) organização das instituições psiquiátricas fruto do tratamento coagido; o doente mental é um cidadão para
atraso e produtora de gastos, uma vez que se priva das todos os efeitos, com os respectivos direitos civis e sociais,
energias e dos recursos da demanda ampliada e muitas vezes incluindo o direito ao tratamento. Estes princípios são man-
até faz desta privação o seu objetivo. tidos também no caso de Tratamento Sanitário Obrigatório
Por tudo isso pode-sc enfatizar que a desinstitucionaliza- (T.S.O.), que a lei prevê; este instituto estabelece que:
ção como entendida em Trieste é exatamente o oposto de 1. o paciente mantém todos os seus direitos pessoais e no
toda prática de abandono. Hoje, todos os recursos económi- papel do juiz é prevista a tutela desses direitos;
cos e humanos que em 1971 eram absorvidos por um grande 2. o tratamento é decidido pela autoridade sanitária local
hospital psiquiátrico são utilizados na comunidade (e pela e define a responsabilidade do serviço sanitário competente;
comunidade). 3. isto é previsto somente em casos excepcionais, por um
tempo breve e quando estiverem esgotadas todas as outras
possibilidades. E não requer necessariamente a internação
3. O T R A B A L H O D E DESINSTITUCIONALIZAÇÃO TAMBÉM É no hospital geral (pode ser desenvolvido na casa do pacien-
L E I Q U E NÃO S E C O M P L E T A C O M A A P R O V A Ç Ã O D A R E - te). É importante observar que o Tratamento Sanitário Obri-
F O R M A E , SIM, P R O S S E G U E C O M S U A IMPLANTAÇÃO. gatório prevê e compreende dois elementos em geral toma-
dos separadamente: o direito do paciente a recusar o trata-
A reforma psiquiátrica (Lei 180) foi votada por todos os mento e a obrigação do Serviço Sanitário de não abandonar
partidos c aprovado pelo parlamento italiano em maio dc o paciente a si mesmo. E por isso a obrigação de que se fala
1978. Esta lei acolhe o processo de desinstitucionalização fixa uma responsabilidade terapêutica do serviço e não uma
praticado até então e sanciona as inovações por ele produzi- sanção legal do paciente. Não existem dúvidas de que esta lei
das: a eliminação da intervenção psiquiátrica e a construção é um - o mais alto em sentido formal - dos atos de desins-
dc serviços de comunidade inteiramente substitutivos da in- titucionalização.
tervenção. Detalhadamente, os pontos centrais da lei são os Este elenco muito sintético dos pontos centrais da Lei 180
seguintes (Misiti et al 1981, Mosher 1982): deixa entrever como as inovações que ela introduz no sistema
a) É proibida a construção de novos hospitais psiquiátricos dc saúde mental são concretas e operativas, mas ao mesmo
e a internação de novos pacientes psiquiátricos; são dadas as tempo de uma qualidade tal que suscita muitas dinâmicas de
direlrizes às administrações regionais para que estabeleçam conflito e de transformação. Como diria Basaglia, no dia
os períodos para um gradual processo de alta dos pacientes seguinte ao da aprovação da reforma: "por sua lógica interna
internados nos hospitais psiquiátricos. e pelas características do terreno na-qual age, esta lei abre
b) Os serviços territoriais são responsáveis pela saúde mais contradições do que a s ' q u é resolve". Mas isto não
mental de uma determinada população e coordenam o con- significa que não seja uma boa lei — ao contrário.
junto das estruturas necessárias; entre essas podem existir Esta característica da reforma já se coloca no texto legisla-
enfermarias psiquiátricas em hospitais gerais regionais com tivo - pensemos por exemplo naquilo que já mencionamos
o máximo de quinze leitos. a propósito do Tratamento Sanitário Obrigatório. Como

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dissemos anteriormente, ele coloca junto duas dimensões em c) por isso, como já vimos, este seiviço não pode fixar-se em
geral separadas porque são contraditórias e conflitantes en- um modelo estável, mas permanece dinâmico e em trans-
tre si: as garantias jurídicas e os direitos da pessoa junto com formação. Em suma, o serviço territorial se configura como
sua necessidade, também urgente, de ajuda, à qual o serviço ator de mudança social, como propulsor de transformações
deve dar uma resposta; a proibição de internação e de coação concretas em nível local de mudança social nas instituições e
junto com a obrigação de intervir; a responsabilidade do na comunidade.
serviço, que implica uma intervenção de "tomada do encar- Poder-se-ia dizer, em síntese, que a reforma tem uma
go" mas que ao mesmo tempo deve respeitar a liberdade do conotação dinâmica, conflitiva, não resolutiva, mesmo por-
paciente (Giannichedda 1985, De Leonardis 1986). Sem que ela estabelece e promove o objetivo de abolir a interna-
dúvida não é fácil praticar estas duas dimensões em conjunto ção psiquiátrica. Ou melhor, dizendo de outro modo, exata-
e, uma vez estabelecendo e compreendendo isto no Trata- mente este ponto de fundo que caracteriza a reforma italiana,
mento Sanitário Obrigatório, a lei reconhece que também e a diferencia das outras reformas psiquiátricas, faz com que
este, como todas as intervenções terapêuticas, é uma relação ela não fixe uma solução institucional positivamente concluí-
conflitiva, problemática, entre dois atores, ambos respon- da e não estabeleça um quadro normativo - mas, ao contrá-
sáveis .
16
rio, suscite dinâmicas, conflitos e transformações, e mante-
Este caráter dinâmico, conflilivo, não resolvido da relação nha dessa forma aberto um campo de incerteza no qual
terapêutica, que a lei explicita no caso do Tratamento Sani- continuam a ser relevantes as ações operativas concretas, as
tário Obrigatório, constitui entretanto o elemento de fundo experimentações, as aprendizagens etc...
da fisionomia do serviço de comunidade, enquanto inteira- A Lei 180 ativou todos os "jogos de implementação" co-
mente substitutivo da internação. Com efeito isto significa nhecidos pela "politologia" (Bardach 1977), manobras polí-
que: ticas, boicotes administrativos, resistência de interesses eco-
a) este serviço trabalha sem a possibilidade de descarregar nómicos e profissionais que se sentiram ameaçados. Apesar
em outros os problemas, necessidades, comportamentos que disso é importante precisar que dentro deste tecido conflitivo
são incoerentes, problemáticos e também alivamente confliti- emerge um balanço não negativo da sua implementação.
vos nos seus confrontos; Duas "pesquisas" (uma de 1980 e outra dc 1984) mostram de
b) tensões, contradições e mudança começam a fazer parte fato um quadro diversificado em quantidade e qualidade das
do modo de trabalhar, lornando-se o terreno efelivo da ação inovações produzidas, variável em cada região, da realidade
terapêutica; metropolitana a contexto de interior, e em cada cidade, de
bairro a bairro. E sobretudo que se trata de um quadro em
mudança no qual os padrões da atuação da reforma cres-
16 Na Itália o campo da justiça civil e penal é particularmente rico de
inovações, sejam teóricas ou operativas. O fato de que o doente mental cem .17 \
seja sujeito dc direito, e que portanto lhe seja contemporaneamente
garantido o direito ao tratamento, coloca cm discussão as possibilidades
dc utilizar instrumentos paralelos e não garantidos de tutela da ordem 17 Esta investigação mais recente foi conduzida em quatro regiões (Pie-
pública (tipicamente a internação por periculosidade) c abre transfor- monte, Umbria, Puglia e Basilicata) e compreende dados sobre os tipos
mações no sistema penitenciário porque requer intervenções para ga- de serviços existentes, a quantidade e características dc pessoal, a de-
rantir a saúde mental dos detentos — ver Cendon 1984, Pavarini 1984. manda, enfim, os lipos dc prestação e os métodos de trabalho.

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Desta investigação se depreende, por exemplo, que não 1977, May, Wildavsky 1978, Nelson, Yales 1978, Pressman,
foram produzidos os efeitos de "dumping" dos hospitais Wildavsky 1984). Em outras palavras, a implementação de
psiquiátricos, mesmo porque os efeitos da lei se inseriram em uma reforma social é sobretudo um processo social complexo
um "trend" mais geral à diminuição dos internados e dos e contraditório, no qual se produzem inovações nas caracte-
leitos. Os números de internados nessas quatro regiões pas- rísticas e nas formas de presença dos atores, nos conteúdos e
sou de 16.575 em 1971 a 12.972 em 1977 e 6.516 em 1984; e nos modos de conflito.
os leitos entre 1977 e 1983 se reduziram em 41,2%. Por outro Isto vale com mais razão para a reforma psiquiátrica italia-
lado crescem as estruturas territoriais, o arco dos serviços que na, devido aos nós institucionais que atinge e à consciência
fornecem e o porcentual dos pacientes que os usam. Por destas implicações que deriva do percurso de desinstitucio-
exemplo, entre 1981 e 1983 o número médio dos pacientes nalização na qual está inserida. Ou melhor, neste percurso a
nos serviços de comunidade cresceu em 25%. Em 1983 a reforma não é um objetivo finalmente alcançado, n ã o signi-
participação porcentual média dos pacientes dos serviços fica a finalização da desinstitucionalização. Ao contrário, no
territoriais foi 72,3% (77,6% no Piemonte, 51,8% na Puglia), momento no qual ela anuncia o objetivo da eliminação da
em relação a 11,3% dos pacientes nos S.D.C. e 16,4% ainda
18
internação psiquiátrica, ela confirma e amplia o campo de
internados (13,9% no Piemonte, 27,2% na Puglia). A inves- ação da desinstitucionalização. De fato, a realização deste
tigação assinala também a lentidão e carência: por exemplo, objetivo não pode ser outro senão um percurso social com-
entre os centros são poucos os abertos nos sete dias da plexo que suscita conflitos, crise e transformações dentro da
semana e ainda menos aqueles abertos 24 horas por dia — rede mais ampla das estruturas institucionais (e suas normas,
poucas as estruturas reabilitativas e as cooperativas. Espera- poderes e competências) nas quais o sistema psiquiátrico está
mos os novos dados desta investigação, que no período de inserido. Este objetivo suscita problemas e requer mudanças
1985 foi ampliada para todo o território nacional e foi publi- na organização sanitária, na justiça, nos modos de administra-
cada em janeiro de 1986. ção, dos recursos públicos etc... E verdade que, como já
Entretanto é ainda mais importante ler presente que um salientamos, a eliminação da internação psiquiátrica é um
balanço da implementação, um confronto entre objetivo e resultado indireto de um processo social mais amplo de
resultados, se isolado, é inadequado para apreender o signi- transformação, que libera da necessidade da internação por-
ficado mais profundo da implementação da reforma psiquiá- que transforma as necessidades sociais e as respostas institu-
trica italiana. Como os recentes estudos politológicos sobre cionais. E, por isso, o trabalho de desinstitucionalização con-
a implementação das reformas sociais têm mostrado, esta tinua através da implementação da lei ou, mais precisamente,
consideração vale cm geral. No campo das políticas sociais, a implementação da reforma psiquiátrica italiana é um pro-
a implementação abre um terreno conflilivo no qual a "política cesso social de desinstitucionalização. E um processo que se
prossegue com ou tos meios", e no qual sobretudo os sistemas coloca na ordem do factível e não do ideal (Majone 1975a,
de ação e internação se dinamizam produzindo renegocia- 1975b). 1 -
ção, transformações e inovações nos objetivos (Bardach Esta forma de pretender c praticar a implementação da
reforma conquistou todo seu significado no momento em que
18 S.D.C. = Scrvizio Diagnose e Cura, ou seja, o Plantílo Psiquiátrico no se abriu, também na Itália, nos primeiros anos da década de
Hospital Geral (ver neste texto p. 39). 80, o período da "crise do Welfare State", com suas respecti-

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vas políticas de restrição dos gastos públicos e as críticas das imputados à "sociedade dos serviços" nascida das reformas
políticas de reforma precedentes. Neste contexto político* sociais dos anos de Welfare, a desinstitucionalização coloca
cultural, no qual os fantasmas do desequilíbrio financeiro do em evidência que estes são efeitos de políticas emanadas do
Estado produzem reações de ordem e efeitos regressivos de alto e não construídas, passo a passo, de baixo. Assumamos
"endurecimento" normativo das instituições, a política da que não são efeitos do Welfare, mas deste Welfare. Em
defesa da reforma psiquiátrica aparece logo prejudicada: a particular, a nova política de saúde mental é um campo no
reutilização do hospital psiquiátrico parece o mal menor. qual se formam "culturas das necessidades e dos recursos" no
Mas, se se observa a implementação desta reforma como qual os cidadãos, as comunidades locais, os "usuários" se
terreno operativo no qual continua e se amplia a desins- mobilizam como atores em conflito, se organizam, constroem
titucionalização, aparecem algumas inovações importantes, soluções e produzem inovações no modo de funcionamento
que têm uma potência de mais longo alcance e oferecem j das estruturas institucionais.
indicações em positivo para uma perspectiva de pós-Welfare Este dois pontos, que se colocam também para anunciar
State. Assinalaremos brevemente dois pontos de observa- novas perspectivas de análise, assinalam um fato enfim ad-
ção :19
quirido nas reflexões sobre as organizações. Ou seja, que uma
a) Frente às crises das instituições, que a crise fiscal e as perspectiva de pós-Welfare se configura como um campo
críticas aos desperdícios e à burocratização colocam em evi- aberto, sem certezas e objetivos unívocos e, ao contrário, rico
dência, a desinstitucionalização sugere um percurso evoluti- de espaço de conflito, experimentação e inovação, seja teó-
vo que pode tornar esta crise produtora de um aumento de rica ou operativa. Por isso, nesta perspectiva, também nossa
eficácia. A experiência já realizada e sedimentada de des- reflexão está aberta, incompleta. Mas, além disso, esses dois
montagem do manicômio ensinou que essa organização era pontos assinalam o fato de que no seu interior a desinstitu-
também uma resposta institucional ineficaz frente às neces- cionalização constitui uma bagagem insubstituível de conhe-
sidades de saúde mental, e que, ao contrário, uma transfor- cimento e de experiência para nos orientarmos.
mação qualitativa dos recursos existentes, uma sua reconver-
são, é não apenas possível mas também produtora de eficácia. 1 (Dezembro, 1985.)
Em resumo, como já dissemos, um investimento dos recursos
muito menos nos aparatos e muito mais nas pessoas, menos
para alimentar as instituições e suas burocracias e mais para BIBLIOGRAFIA
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19 Trata-se de dois pontos centrais na atual reflexão sociológica, não Literature", in Hospital and Community Psychiatiy, 33,189-197.
apenas italiana, sobre a perspectiva do pós-Welfare. Esta investe, como Balbo, L. & Bianchi, M. (eds.) (1982): Ricomposizioni — il lavoro di
já dissemos, no campo politológico, nas investigações setoriais sobre servizio nella società delia crísi, Milano, F. Angeli.
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