Você está na página 1de 9

Capítulo 20

A psicologia humanista
Rogerio Christiano Buys

N ão é possível”, vão gritar-vos: isto significa que dois e dois são quatro!
A n atu re za n ão vos pede licença, ela n ão tem n a d a a ver com os vossos
desejos n e m com o fato de que as suas leis vos ag radem ou não. Deveis
ac eitá-la ta l co m o ela é, c o n se q ü e n te m e n te , ta m b é m , to d o s os seus
resultados. U m m uro é realm ente u m m u r o ... etc. M eu Deus, que tenho
eu com as leis d a natu reza e com a aritmética, se, por algum motivo, n ão me
agrad em essas leis e o dois e dois são quatro? E stá claro que n ão rom perei
este m uro com a testa, se realm ente n ão tiver forças p a ra fazê-lo, m as não
m e conform arei com ele unicam ente pelo fato de ter p ela frente u m m uro
de p e d ra e de terem sido insuficientes as m inhas forças.
Fiódor Dostoievski, M em órias do subsolo

O te r m o “h u m a n is m o ” su rg iu n o R e n a s c im e n to e n tre o final d o século


X I V e o in ício d o sécu lo X V , e d e n o m in a v a ta n to u m a s p e c to lite rá rio , os
esc rito re s clássicos, q u a n t o u m viés filosófico, p r e o c u p a n d o - s e c o m o v a lo r
d o h o m e m e a te n ta tiv a d e c o m p re e n d ê -lo e m se u m u n d o . N esse se g u n d o
a s p e c to se d e s ta c a r a m E r a s m o (1 4 6 7 -1 5 3 6 ) e P ic o D e lla M ir a n d o l la (1 4 6 3 ­
1495), d e a c o r d o c o m F e r r a te r M o r a (1982). A p e s a r d o c a r á te r r e c e n te do
te r m o , p o d e m o s e n c o n t r a r u m a h i s t ó r i a m a is l o n g a p a r a o h u m a n i s m o ,
a s s o c ia n d o -o a to d o m o v im e n to q u e p r o c u r e p e n s a r o h o m e m a p a r t i r d o
q u e m a is o c a r a c te r iz a . S a rtre , p o r e x e m p lo , d efin e o “h u m a n is m o ” c o m o
q u a l q u e r d o u t r i n a q u e p e n s e o h o m e m t o m a n d o c o m o c rité rio O
S O F I S T A S
a q u ilo q u e o d if e r e n c ia d e q u a l q u e r o u tr o ser, o u a in d a , q u e
surgiram com
e n t e n d a o h o m e m n a s u a e x istê n c ia p r ó p r ia . N e ste asp ec to , o pólis, a cidade grega,
m o v im e n to h u m a n is ta te r i a c o m e ç a d o n a G r é c ia d o sécu lo V no século V a.C., com
a necessidade de educar
a .C ., c o m os SOFISTAS, p r in c ip a lm e n te , c o m o p r im e iro deles, o j ovem grego para a
P ro tá g o r a s d e A b d e r a , q u e a p r e s e n ta v a u m p e n s a m e n to q u e democracia então
° i i nascente.
a i n d a h o je r e s s o a e n t r e n ó s e q u e se fa z n e c e s s á r io re s s a lta r:

339
“ O h o m e m é a m e d id a d e to d a s as coisas; d a s coisas q u e são e n q u a n to são,
e d a s coisas q u e n ã o são e n q u a n t o n ã o s ã o ” . O h u m a n is m o p r o ta g o r ia n o
s itu a e v a lo riz a o se r h u m a n o e m seu (h u m a n o ) m u n d o . “As co isas” d as q u ais
o h o m e m é a m e d id a são a p e n a s as coisas h u m a n a s e n ã o o u n iv e rso , c o m o
a f ir m o u P la tã o (D herbey , 1986).
A i m p o r tâ n c i a d o s sofistas e d o m o v im e n to p o r eles in ic ia d o p o d e ser
a v a lia d a p e lo lu g a r q u e a c rític a a eles teve n o p e n s a m e n to e n o s tr a b a lh o s
d e S ó crate s, P la tã o e A ristóteles. P la tã o , e m v á rio s do s seus D iá lo g o s, c ritic a
os sofistas p o r e n s in a r e m u m falso c o n h e c im e n to : o c o n h e c im e n to a p e n a s do
q u e m u d a (a s o c ie d a d e , a cid ad e). O c o n h e c im e n to v e r d a d e ir o s e ria e te r n o
e im u tá v e l. P a r a A ristó teles, os sofistas n ã o f a la v a m d a r e a lid a d e , d e m a n e ir a
q u e o q u e d iz ia m n ã o p o d e r ia se r d e m o n s tr a d o , p o r ta n t o e s ta v a m d ista n te s
d e q u a l q u e r c o n h e c im e n to v e rd a d e iro . E n tr e ta n to , a rev isã o d o tr a b a lh o dos
sofistas le v o u u m a u to r d a im p o r tâ n c ia d e W e r n e r J a e g e r (1986: 237) a a firm a r:
“D o p o n to de v ista h istó ric o a sofistica é u m f e n ô m e n o t ã o im p o r ta n te q u a n to
S ó c ra te s o u P la tã o . A lé m disso, n ã o é possível c o n c e b ê -lo s se m e la ” . M a is
a d ia n te , n o m e s m o te x to , J a e g e r (1986: 243) s u s te n ta q u e a “p o s iç ã o c e n tra l
q u e P ro tá g o ra s a trib u i à e d u c a ç ã o d o h o m e m c a r a c te r iz a o p ro p ó sito e sp iritu al
d a s u a e d u c a ç ã o c o m o “h u m a n i s m o ” n o s e n tid o m a is explícito. E s ta co nsiste
n a o r d e n a ç ã o d a e d u c a ç ã o h u m a n a p o r so b re to d o o re in o d a té c n ic a , n o
s e n tid o m o d e r n o d a p a la v r a , isto é, d a civ iliz a ç ã o ” .
D u r a n te t o d a a I d a d e M é d ia , m a n ife sta -se u m h u m a n is m o d e n a t u r e z a
c ris tã , p a r a o q u a l o v a l o r d o h o m e m é d a d o n a s e m e l h a n ç a c o m D e u s.
N o R e n a s c im e n to , “ o REALISMO ARISTOTÉLICO” até e n t ã o p r e v a le c e n te foi
p r o f u n d a e d e fin itiv a m e n te a b a la d o . O c o n h e c im e n to n ã o
r ealismo arist° teu c°: e r a im p o s to a o h o m e m p e lo c o s m o , o c o n h e c im e n to
Aristóteles acreditava que o
cosmo (palavra grega que significa e r a h u m a n o , c r ia ç ã o d o h o m e m . O h u m a n i s m o d o
“organização”) em sua “perfeição” R e n a s c im e n to e o u tr a s c irc u n s tâ n c ia s p o s s ib ilita r a m as
e “regularidade” poderia ser
conhecido diretamente e seria o g r a n d e s tr a n s f o r m a ç õ e s d o p e n s a m e n to q u e o h o m e m
modelo para o comportamento (a t i n h a a re sp e ito d o u n iv e rso e de s u a p o siç ã o nele; c o m o
ética) do homem e para a sociedade
humana. e x e m p lo , p o d e m se r c ita d o s os tr a b a lh o s d e N ic o la u
C o p é r n ic o (1 4 7 3 -1 5 4 3 ) e G a lile u G alilei (1564-16 42 ).
M a is m o d e r n a m e n t e e d e u m p o n to d e v is ta in d iv id u a lis ta , R e n é
D e s c a r te s (1 5 9 6 -1 6 5 0 ), J e a n -J a c q u e s R o u s s e a u (1 7 1 2 -1 7 7 8 ) e I m a n n u e l
K a n t (1 7 2 4 -1 8 0 4 ), n o s séculos X V I I e X V I I I , c a d a u m a seu m o d o , d e r a m
c o n trib u iç ã o f u n d a m e n ta l à c o m p re e n s ã o d a esp e c ific id a d e d o h o m e m , sem
d e ix a r d e in c lu ir u m a d isc u ssã o so b re o se u valor. D e s c a r te s h a v ia p e n s a d o o
c o n h e c im e n to c o m o ativo; o c o n h e c im e n to n ã o e r a d a d o ao h o m e m p o r u m

340
Jean-Jacques Rosseau nasceu em Genebra, na Suíça, e aos 16 anos foi para a França. Em 1761 publica Julia ou A nova
Heloisa; em 1762 publica O contrato social e Emilio ou Da educação. Foi perseguido por suas idéias liberais. Kant afirma que, em
Rousseau, o leitor “acha-se diante de um espírito de rara penetração, de um nobre ímpeto e genialidade, e de uma alma
plena de sensibilidade num grau tal que talvez nunca algum escritor em qualquer tempo e qualquer país tenha possuído
dons semelhantes” (Kant, apud Huisman, 2001: 839). Em O contrato social, um de seus livros mais importantes, Rousseau faz
a distinção entre “vontade geral” e “vontade particular”. Aquela é o verdadeiro amor a si e aos outros, o que a vontade é
para o amor-próprio. Ela, “a vontade geral”, é para o corpo social o que a consciência é para o indivíduo (Huisman, 2001).
A essência do “Contrato Social” na visão de Ferrater Mora (1982) é que “cada um de nós põe em comum sua pessoa e
todo seu poder sob a direção suprema da vontade geral [...] [assim] consideramos cada membro parte indivisível do todo”
(Ferrater Mora, 1982).

u n iv e rso p r e d e te r m in a d o , fin alista; o h o m e m c o n h e c ia , v ale dizer, s u b m e tia


o u n iv e rso ao se u c o n h e c im e n to . O h o m e m te r i a o p o d e r d e c o n h e c e r tu d o ,
inclu sive s u a p r ó p r i a c o n s c iê n c ia . N o sécu lo X V I I I , v e m o s a c o lo c a ç ã o desse
a s p e c to ativo e a u t ô n o m o n o c a m p o ético, te n d o e m R o u s s e a u u m d e seus
p rin c ip a is p e rs o n a g e n s . P a r a K a n t , ele e s ta r ia p a r a a m o r a l c o m o N e w to n
e s ta r ia p a r a a física. N a e s te ira d o p e n s a m e n to d e R o u s s e a u , K a n t d e m o n s tr a
q u e o h o m e m é u m se r a u tô n o m o , a p e s a r d a lim ita ç ã o f u n d a m e n ta l d o seu
c o n h e c im e n to , q u e c h a m o u d e “ fin itu d e r a d ic a l” , p o is n ã o c o n h e c e m o s a
r e a lid a d e e m si, m a s a p e n a s a r e p r e s e n ta ç ã o q u e d e la faz em o s, o f e n ô m e n o .
A u t o n o m i a , p o r s u a vez, sig nifica q u e o h o m e m é c a p a z d e c r ia r suas p r ó p ria s
leis. O h o m e m n ã o s e ria d e t e r m in a d o n e m p e la n a t u r e z a n e m p e la h istó ria . É
n e s te s e n tid o qT-u e F e rry/ e R e n a u t (1992)
^ /
.
Autonomia (,auto
, , ■ nomos —lei) refere-se a
—proprio;
d e fin e m o h u m a n is m o c o n te m p o r â n e o condição do homem como constituidor de suas próprias
u ~ / i • ~ \ leis em oposição a heteronomia, na qual este é determinado
c o m o a “ c o n c e p ç ã o (e a v a lo riz a ç ã o )
13 v 3 7 por instancias outras (como natureza ou história).
d a h u m a n id a d e e m su a c a p a c id a d e de
a u t o n o m ia — e u q u e r o d iz e r q u e o q u e c o n s titu i a m o d e r n i d a d e é a m a n e i r a
c o m o o h o m e m v ai se p e n s a r c o m o fo n te d e suas r e p re s e n ta ç õ e s e d e seus atos,
c o m o se u f u n d a m e n to (sujeito) o u a i n d a c o m o seu a u t o r ” . E s ta c o n c e p ç ã o
d e t e r m in o u u m a série d e m o v im e n to s n o s séculos X I X e X X , d e n tr e os q u ais
o m a is im p o r ta n te foi o D e c la r a ç ã o d o s D ire ito s H u m a n o s , q u e v e re m o s a
seguir.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem

A p s ic o lo g ia h u m a n is ta su rg iu n o b o jo de u m m o v im e n to m u n d ia l m ais
a m p lo q u e co nsistiu , p o d e r - s e - ia dizer, n a v a lo riz a ç ã o d o se r h u m a n o — de
c a d a se r h u m a n o , n ã o s o m e n te d e algu ns. O á p ic e desse m o v im e n to foi a
D e c la r a ç ã o U n iv e rsa l d o s D ire ito s d o H o m e m , p r o m u lg a d a p e la O rg a n iz a ç ã o
d as N a ç õ e s U n id a s (O N U ) e m 19 48 e q u e r e p r e s e n to u a a c e ita ç ã o u n iv e rsa l

341
d o HUMANISMO ju r íd i c o e a c o n s e q ü e n te r e c u s a d o DIREITO NATURAL c o m o
f u n d a m e n t o d a s leis q u e r e g e r i a m as r e la ç õ e s e n t r e os h o m e n s e m to d o
o m u n d o . D u a s c o n s e q ü ê n c ia s m u ito
H umanismo jurjdico: trata-se do ^ ra to que i m p o r t a n t e s d a í d e c o r r e m : p r im e ir a .
toma o homem como é pensado no humanismo:
como ser autônomo e consciente de si —o que, do ponto de d ir e ito s ig u a is p a r a to d o s p r e s s u p õ e
vista jurídico, o responsabiliza plenamente por seus atos. ig u a ld a d e e n tre to d o s (a d e s ig u a ld a d e ,
Direito natural: trata-se do direito que toma o homem
in v e rs a m e n te , p e r m ite e a u to r iz a a
como ser natural; anterior e supostamente não integrado
à vida em sociedade. d ife r e n c ia ç ã o d e direitos). S e g u n d a , e
p r e s s u p o s ta n a p r im e ira : n ã o h á , e n tre as
c a ra c te rís tic a s e s p e c ific a m e n te h u m a n a s , n e n h u m a d if e r e n ç a essencial, o q u e
significa q u e o ser h u m a n o n ã o está d e te r m in a d o p o r n e n h u m a c o n d iç ã o —sej a
c u ltu ra l, g eo g rá fic a , h is tó ric a o u b io ló g ica.
A D e c la r a ç ã o U n iv e r s a l d o s D ire ito s d o H o m e m se f u n d a m e n t a n u m
p r in c í p io s e g u n d o o q u a l o s e r h u m a n o é c a p a z d e u l t r a p a s s a r q u a l q u e r
d e t e r m in a ç ã o d e q u a l q u e r n a t u r e z a e q u e, ta m b é m p o r isso, é to ta lm e n te
r e sp o n sá v e l p o r seus atos. E ste p e n s a m e n to , to d a v ia , deve se r p o s to t a m b é m
d e f o r m a p o sitiv a , n ã o só n e g a n d o q u a l q u e r in f lu ê n c ia d e t e r m i n a t i v a n o
c o m p o r t a m e n to h u m a n o , m a s a f ir m a n d o s u a a u to n o m ia , s u a c o n d iç ã o de
c r ia r suas p r ó p r ia s leis. D a í a u n iv e rs a lid a d e d o s d ire ito s h u m a n o s ; eles n ã o
s e ria m c o n d ic io n a d o s a n e n h u m a n a t u r e z a b io ló g ic a o u h istó ric a .

O movimento da psicologia humanista

A p s ic o lo g ia h u m a n is ta foi g e s ta d a d u r a n te a d é c a d a d e 1 93 0 n o s E U A
e tev e seus p rim e iro s tr a b a lh o s p u b lic a d o s a p a r t i r d o s a n o s 1940. E n te ta n to ,
foi n a d é c a d a se g u in te q u e esse m o v im e n to o b te v e seu r e c o n h e c im e n to . O s
a u to re s q u e p o d e m se r a p o n ta d o s c o m o in ic ia d o re s d o m o v im e n to h u m a n is ta
e m p sic o lo g ia são A braham M aslow , G a r d n e r M u rphy , G o r d o n W A l l p o r t
e C arl R o g e r s . E ste s f o r a m os a u to re s q u e c o m e ç a r a m u m m o v im e n to q u e
v eio a se r c o n h e c id o c o m o “te r c e ir a fo rç a e m p s ic o lo g ia ” , p o is se p o s tu la v a
c o m o u m a a l te r n a tiv a a do is o u tr o s m o v im e n to s m u ito fo rte s n o s E s ta d o s
U n id o s d a é p o c a , o b e h a v io r is m o d e J o h n W a ts o n e a p sic a n á lise d e S ig m u n d
F re u d .

Abraham Maslow (1908-1970) pretendia a re-humanização de toda a ciência. Foi professor do Brooklin College e depois
na Universidade Brandeis de Waltham, Massachusetts. Suas principais obras publicadas são A psicologia da ciência (1966),
A psicologia do ser (1962) e Motivação epersonalidade (1954).

342
Garder Murphy (1895-1978) destacou-se como psicólogo social e da personalidade. Estudou em Yale e Harvard.
Graduou-se pela Universidade de Columbia, onde trabalhou como professor. Foi professor no City College de Nova Iorque.
Dirigiu a Fundação Menninger, em Topeca, no Kansas. Foi professor também na Universidade George Washington, em
Washington. Suas principais obras publicadas são A personalidade. Enfoque bio-social (1947), Introdução histórica à psicologia moderna
(1949) e Potencialidades humanas (1958).
Gordon W At.tport (1887-1967) formou-se em Harvard, obteve o grau de doutor em 1922 e foi professor na mesma
universidade a partir de 1936. Propôs um modelo E-O-R em lugar do E-R tradicional. Chamou atenção para a importância
do organismo ativo e não só reativo. O conceito de “autonomia funcional dos motivos” foi central na obra deste autor:
considerando o organismo ativo, os motivos são fundamentais, orientam para o futuro e independem de objetivos
predeterminados. Allport acentua a unicidade de cada pessoa, a unidade de atos e pensamentos.
Carl Rogers (1902-1987) estudou Agricultura e depois História na Universidade do Winsconsin. Posteriormente estudou
no Union Theological Cenary, onde se interessou por psicologia. Passou a estudar no Teachers’ Collegem na Universidade
de Columbia, onde se formou em Psicologia, em 1931. Trabalhou no Departamento de Estudos Infantis, da Associação
para Proteção à Infância em Rochester, em Nova Iorque. Foi professor na Universidade estatal de Ohio, na Universidade
de Chicago e posteriormente na Universidade de Wisconsin. Trabalhou no Centro de Estudos da Pessoa, em La Jolla, San
Diego, Califórnia. Suas principais obras publicadas no Brasil são A psicoterapia centrada no cliente (1951), Tornar-sepessoa (1961)
e Grupos de encontro (1978).
O q u e é c o m u m aos a u to re s d a p s ic o lo g ia h u m a n is ta é a b u s c a de
n o v o s m o d e lo s e m re la ç ã o ao se r h u m a n o p e lo d e s a c o rd o c o m a q u e le s e n tã o
vig en tes e c o m o d e te r m in is m o a eles in trín seco . N e ste sentid o, M a slo w critica o
d e te r m in is m o e m p sic o lo g ia e a f ir m a q u e a p e s so a sa d ia é c a p a z d e tr a n s c e n d e r
a c u ltu r a e as c o n d iç õ e s d a so c ie d a d e e r e n o v a r v alo res. M u r p h y fa la d e u m
“ d e te r m in is m o f ro u x o ” e m o p o siç ã o a u m “ d e te r m in is m o e s trito ” , q u e p a r a
ele s e ria fata lism o . E n t e n d e q u e “ q u a n t o m a is p le n a m e n te d e se n v o lv e m o s
a c o m p r e e n s ã o d e n o s s a situ a ç ã o c o m o p e sso a , m a is p ro v á v e l é a tin g irm o s
u m tip o d e lib e r d a d e q u e sig nifica a lg u m a coisa, q u e se ja u m a c o n s id e ra ç ã o
in te lig e n te e p o n d e r a d a d e o p ç õ e s e u m a se leç ão d e o p ç õ e s q u e se ja r e a lis ta ”
(M u rp h y , c ita d o p o r F rick, 1975: 77).
A llp o rt, p o r seu la d o , p r o p ô s o c o n c e ito d e “ a u t o n o m ia f u n c io n a l dos
m o tiv o s ” , s e g u n d o o q u a l o h o m e m n ã o é u m se r rea tiv o , m a s ativo. A ssim ,
são os m o tiv o s atu ais, e e n te n d id o s estes d o p o n to d e v ista p sic o ló g ic o , q u e
d e t e r m in a m o c o m p o r ta m e n to h u m a n o , e n ã o q u a lq u e r fa to r p assad o . R o gers,
p o r s u a vez, c o n c o r d o u c o m os a u to re s c ita d o s a c im a e a f ir m o u a lib e rd a d e
e s se n c ia l d o in d iv íd u o e m fac e d e q u a l q u e r f o r m a d e d e t e r m i n a ç ã o , seja
social, b io ló g ic a o u h istó ric a . P a r a esse au to r, a lib e r d a d e e a p o ssib ilid a d e de
tr a n s c e n d ê n c i a d e c o n d iç õ e s d esfa v o rá v eis d e q u a l q u e r n a t u r e z a são d a d a s
p o r re la ç õ e s p esso ais favoráveis. P o ré m , tais re la ç õ e s são s o m e n te f a c ilita d o ra s
e n ã o d e te r m in a n te s .
U m c o n c e ito c o m u m e f u n d a m e n ta l aos a u to re s c itad o s e q u e su ste n ta
a c o n d iç ã o d e i n d e p e n d ê n c i a c o m r e la ç ã o às d e t e r m in a ç õ e s é o d e a u to -
re a liz a ç ã o , q u e p re s s u p õ e u m p o te n c ia l a se r r e a liz a d o e u m a te n d ê n c ia à s u a
re a liz a ç ã o . R o g e rs d e n o m in o u “t e n d ê n c ia a tu a liz a n te ” esse p o s tu la d o e m su a
te o ria . P o d e -se q u e s tio n a r, to d a v ia , se ta l c o n c e ito n ã o e n c e r r a e m si o q u e ele

343
p r o c u r a critica r: n ã o será, ele m e sm o , u m d e te r m in a n te b iológ ico ? A re s p o s ta é
p a r c ia lm e n te afirm a tiv a : ele é b iológ ico n o q u e d iz resp e ito ao d e s e n v o lv im en to
físico d o o rg a n is m o , o q u e p o ssib ilita o d e s e n v o lv im e n to psic o ló g ic o , m a s n ã o
o d e t e r m in a . O d e s e n v o lv im e n to n esse n ív e l é p o s s ib ilita d o p e la s re la ç õ e s
in te rp e s s o a is vividas.
C o n s o a n te seus p rin c íp io s, R o g e rs p r o p õ e u m a f o r m a d e p s ic o te ra p ia
q u e, a tu a lm e n te , p e la s u a a m p litu d e, é c h a m a d a a b o r d a g e m c e n tr a d a n a pessoa,
n a q u a l d á relev o à a u t o n o m ia d a p e sso a , e n ã o a o p a p e l d o p s ic o te ra p e u ta .
É n e s te p o n to q u e essa a b o r d a g e m se d is ta n c ia d a c o n c e p ç ã o d e tr a n s f e rê n c ia
p s ic a n a lític a (cf. c a p ítu lo s 22 a 24). A lé m d a p s ic o te ra p ia , e la a b r a n g e t a m b é m
o en sin o , o “ e n s in o c e n tr a d o n o a l u n o ” ; o t r a b a lh o c o m o r g a n iz a ç õ e s, u s a n d o
o “ g r u p o d e e n c o n tr o ” ; e o tr a b a lh o c o m c o m u n id a d e s , u s a n d o o q u e ficou
c o n v e n c io n a d o c h a m a r d e “ g r u p ã o ” —g r u p o s d e e n c o n tr o c o m m a is d e c e m
o u d u z e n ta s p esso as, c o m o j á f o r a m re a liz a d o s a q u i n o Brasil.

A psicologia humanista no Brasil

N o B rasil, a p s ic o lo g ia h u m a n is ta foi in t r o d u z id a p r e d o m i n a n te m e n te
p e la s o b r a s d e C a rl R o g e rs , q u e c o m e ç a r a m a se r tr a d u z id a s n o s a n o s 1970.
U m p o u c o a n te s d e s sa d a ta , a p s ic o te r a p ia p r o p o s ta p o r esse a u t o r c o m e ç o u a
ser d iv u lg a d a n a U n iv e rsid a d e d e S ão P au lo , p o r R a c h e l L. R o se n b e rg , tra b a lh o
q u e a in d a h o je c o n tin u a . A P o n tifíc ia U n iv e r s id a d e C a tó lic a d o R io d e J a n e ir o
(P U C -R io ), n a m e s m a é p o c a , j á t i n h a a d isc ip lin a T é c n ic a d e A c o n s e lh a m e n to
P sicológico, b a s e a d a n a p s ic o te ra p ia c e n tr a d a n o cliente, m in is tr a d a p elo P a d re
A n to n iu s B e n k o . N o In s titu to d e P sic o lo g ia d a U n iv e r s id a d e F e d e ra l d o R io
d e J a n e ir o , e m 1 9 7 4 foi c r ia d a a d isc ip lin a P s ic o te r a p ia C e n t r a d a n a P esso a
e, p o u c o te m p o d e p o is , a d isc ip lin a P sic o lo g ia H u m a n i s t a E x iste n c ia l, c o m
c o n t e ú d o r e f e r e n te a o p e n s a m e n to h u m a n is ta . T a m b é m n a U n iv e r s id a d e
F e d e ra l d e M in a s G e ra is, e m B elo H o r iz o n te , a p a r t i r d e 1968, su rg iu u m
in te re sse p e la á re a , p r in c ip a lm e n te c o m a v in d a d e M a x P ag és, e x -a lu n o e
c o l a b o r a d o r d e R o g e rs , q u e o r ie n to u u m lo n g o e p r o d u tiv o se m in á rio . N o R io
d e J a n e ir o , e m 197 5, foi f u n d a d a a p r im e ir a in stitu iç ã o d o e s ta d o , o C e n tr o
d e P sic o lo g ia d a P e sso a (C PP), c o m a f in a lid a d e d e d iv u lg a r essa a b o r d a g e m ,
a lé m d e o b je tiv a r a f o r m a ç ã o d e p s ic o te ra p e u ta s . E s s a in stitu iç ã o e s tá ativ a
até hoje.
N ã o p o d e d e ix a r d e se r m e n c io n a d a a v in d a ao B rasil d e C a rl R o g e rs e
s u a e q u ip e e m 1977, q u e fac ilito u u m w orkshop d e trê s s e m a n a s e m A rcozelo ,
n o E s ta d o d o R io d e J a n e ir o . O s tr a b a lh o s d e R a c h e l R o s e n b e r g n a U SP ,
d o I P - U F R J , d o D e p a r t a m e n t o d e P s ic o lo g ia d a U F M G e d o C e n tr o de
P sic o lo g ia d a P e sso a tê m sido ir r a d ia d o r e s d a p sic o lo g ia h u m a n is ta n o B rasil,
p r in c ip a lm e n te atra v é s d a o b r a d e G a ri R o g e rs.
Frick, W. B. (1975) Psicologia humanística. Rio de Janeiro: Zahar Editores.
Renaut, A. (s.d.) A era do indivíduo. Contributo para uma história da subjetividade. Lisboa: Instituto
Piaget.
Renaut, A. (1998) O indivíduo. Reflexão acerca dafllosofla do sujeito. Rio de Janeiro: Difel.

Referências bibliográficas:

Allport, G. (1954) The Nature o f prejudice. Cambridge, Mass.: Addison-Wesley.


___ (1962) Desenvolvimento da personalidade. São Paulo: Herder/Edusp.
___ (1955) Becoming: Basic Considerationsfor a Psvchologv o f Personality■ New Haven: Yale University
Press.
___ (1966 [1961]) Petsonlidade. São Paulo: Herder/Edusp.
Derbhey, G. R. (1986) Os sofistas. Lisboa: Edições 70.
DostoiEvski, E (2000) Memórias do subsolo. São Paulo: Editora 34.
Ferrater Mora,J. (1982) Dicionário de Filosofia. Madri: Alianza Editorial Sociedade Aionima.
Jaeger, W. (1986) Paicléia. A formação do homem grego. São Paulo: Editora Martins Fontes/
Universidade de Brasília.
Ferry, L. e Renaut, A. (1992) Sistème et Critique. Bruxelles: Edition Osia.
Frick, W. B. (1975) Psicologia humanística. Rio de Janeiro: Zahar Editores.
Maslow, A. (1954) Motivation and Petsonalitv. Nova York: H arper & Brothers.
___ (1962) Toward a Psvchologv o f Being. Princeton: Van Nostraud.
___ (1966) The Psvchologv o f Science. A Renaissance. Nova York: H arper & Row.
Murphy, G. (1947) Personality. A Biosocial Approach to its Origins and Structure. New York: Harper
& Bross.
___ (1958) Human Potentialities. New York: Basic Books.
___ (1971 [1949]). Introducción histórica a la Psicologia Moderna. Buenos Aires: Paidós.
Huisman, D. (2001) Dicionário dos Filósofos. São Paulo: Martins Fontes.
Renaut, A. (1997) Kant aujourdhui. Paris: Aubier.
Rogers, C. R. (1974) Terapia e consulta psicológica. São Paulo: Martins Fontes.
___ (1975) A terapia centrada no cliente. São Paulo: Martins Fontes.
___ (1988) Tornar-se pessoa. São Paulo: Martins Fontes.
___ (1987) Grupos de encontro. São Paulo: Martins Fontes.
Sartre, J. P. (2005) O ser e o nada. Petrópolis: Vozes.

348

Você também pode gostar