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SEBENTA DE

DIREITO ADMINISTRATIVO
Comissão de Curso do 2.º Ano de Direito 2019/2020

2.º SEMESTRE
Sebenta de Direito Administrativo
Comissão de Curso do 2.º Ano de Direito 2019/2020

Esta sebenta foi elaborada pelos estudantes António Graça Moura, José Maria
Serrão e Rute Bessa, tendo por base os apontamentos tirados nas aulas teóricas, lecionadas
pelo Professor Luís Filipe Colaço Antunes.
Como auxiliar de estudo, a sebenta não dispensa a presença nas aulas e a leitura da
bibliografia indicada na unidade curricular de Direito Administrativo.

Bom estudo!
A Comissão de Curso do 2.º Ano de Direito 2019/2020

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Sebenta de Direito Administrativo
Comissão de Curso do 2.º Ano de Direito 2019/2020

Atividade Administrativa 4
Soft Administration 4
Operações Materiais 4
Atividade Material e o Princípio da Legalidade 5
Planos e Programas Administrativos 5
Natureza jurídica 6

Ato Administrativo 7
Ato praticado por um órgão administrativo 12
Atos administrativos coletivos, plurais e gerais 14
Natureza Jurídica do Ato Administrativo (Apontamento de DFA) 15
Tipologia dos Atos Administrativos 15
Atos que criam situações de vantagem 16
Atos Instrumentais (DFA) 17
Pareceres (DFA) 18

Formação do procedimento do Ato Administrativo 19


Funções do Procedimento 21

Procedimento Administrativo do Ato 22


Fase da Iniciativa 23
Fase da Instrução 23
Fase da Audiência Prévia 25
Fase Constitutiva ou Decisória 25
Fase Complementar 26

Validade do Ato e os Tipos de Invalidade do AA 27


Tipos de invalidade 28
Procedimento do Regulamento Administrativo 57
Relações entre os Regulamentos 58
Invalidade dos Regulamentos 60
Publicação e Vigência do Regulamento 61
Fundamento e os Limites do Poder Regulamentar 63
Contencioso Regulamentar 64
Garantias Administrativas dos Particulares perante a AP 66

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Garantias Administrativas 67
Vantagens e Inconvenientes 67
Regime Jurídico das Garantias Administrativas 68
A Reclamação 70
Recurso hierárquico 72
Recursos administrativos especiais 77

A Responsabilidade Civil do Estado 81

Indemnização pelo Sacrifício 97

Contencioso da Responsabilidade Civil 98

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Atividade Administrativa
● Atos Administrativos Produzem efeitos
● Regulamento jurídicos na esfera
● Contratos Administrativos jurídica de terceiros
Outros tipos de atividade administrativa:
● Soft Administration
● Operações Materiais

Soft Administration
Conjunto de medidas de variado tipo, sendo que a sua conformação e decisão perante terceiros é
variável; não têm todas a mesma capacidade de influenciar a decisão de todos os destinatários.
● Recomendações
● Conselhos
O que têm em comum? Natureza Jurídica e o facto de não prosseguirem qualquer força
jurídica vinculativa.
Regime jurídico   entende-se que não são contenciosamente impugnáveis diretamente
Como não têm força jurídica vinculativa, estamos perante atos jurídicos declarativos, ou seja,
atos jurídicos sem efeitos vinculativos.
São muita vezes emanadas por instituições supranacionais e acabam por ter uma força compulsiva
nos destinatários por vezes igual aos atos juridicamente vinculativos (hard administration).
Atividade material está em expansão por força das OI’s, como a OMC.
Lei das Entidades Reguladoras   40/2/b
Não resulta para o destinatário qualquer sanção caso não siga a recomendação ou o conselho. O
processo sancionatório resulta apenas da violação da lei.

Sanção ≠ infração

Sanção   visa-me mais o castigo do infrator


A soft administration pode gerar efeitos de facto.

Operações Materiais
Forma de ação desenvolvida pela AP que concretiza direta e exclusivamente um determinado
resultado de facto. O que a caracteriza é a produção de efeitos do facto e não de efeitos jurídicos.
Intervêm-se na realidade tendo sempre em vista o interesse público. Ex. construção de um
hospital.
Quanto à incidência destes efeitos, pode haver uma eficácia interna e externa.
Eficácia interna   apenas incide na esfera jurídica da entidade em que esta atividade se
desenvolve, como o arquivo de processos.
Eficácia externa   os efeitos podem colidir com os direitos subjetivos e os interesses legalmente
protegidos dos particulares, como a recolha de sangue.

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Estas operações têm relevância jurídica e cumprem regras e medidas. Se cumprir, é uma atividade
juridicamente neutra.
A operação material é uma execução de um comando respetivo prévio.

Atividade Material e o Princípio da Legalidade


A atividade material está também sujeita ao princípio da legalidade na vertente da precedência
na lei.
● Definir o órgão competente para exercer a atividade material
● Definir os meios para levar a atividade a cabo
O conteúdo da atividade material são as tais regras técnicas ou científicas.
Art. 37º CPTA: não havendo por detrás um comando jurídico, não é necessário que haja um ato
por que um lesado aceda a meios jurisdicionais. A ação administrativa pode ser utilizada para o
reconhecimento de direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos.
A soft administration e as operações materiais não deixam de ser sensíveis à tutela judicial, nos
casos em que as posições subjetivas favoráveis dos particulares sejam lesadas por estas atividades
ou por atos praticados no âmbito da soft administration.

Planos e Programas Administrativos


● Atividade administrativa jurídica
● Plano ≠ programa

Programação e planificação   atividade adm que tem como resultado a emanação de um


programa ou plano.
Planificação:
● Socioeconómica
Origem: Estado Social
Tinham em vista a coordenação das intervenções administrativas em vários setores sociais e
económicos.
Era preciso coordenar a ação das várias entidades, à luz de uma crescente divisão do trabalho no
seio da própria AP.
Maximizar os meios e capacidades disponíveis para atingir determinados fins.
● Territorial
Compromisso de equilíbrio entre os interesses públicos e os privados envolvidos.
Verifica-se a manutenção das importâncias deste instituto jurídico.
A planificação surge no âmbito do Estado Intervencionista, Social e de Direito.
PLANO: ato jurídico (ou um conjunto deles) que, através de várias medidas interligadas entre
si- muitas delas com caráter discricionário- visam impor uma certa disciplina aos setores em
que se aplicam. Pretende realizar os fins e os interesses pré-estabelecidos.
Não é contrário ao princípio do Estado de Direito porque ao definir e estruturar a sua ação
para o futuro, reforçam, junto dos destinatários, uma ideia de expectativa e
previsibilidade desta atividade administrativa.
Os destinatários conhecem o que se quer realizar/concretizar a nível social, urbanístico e
económico.

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Plano é um conceito mais lato que programa. É uma ideia de desenvolvimento e


ordenamento estratégico; o programa é mais setorial, não tendo a amplitude nem os
objetivos que o plano tem.
Envolve fundamentação das medidas que são adotadas.
DL 80/2015, 14 de maio: vemos que alguns planos converteram-se em programas.
Art. 97/2: o plano é acompanhado de relatório   fundamentação.

Natureza jurídica
  Escola de Coimbra crê que tem natureza regulamentar
A lei expressa que os planos são de natureza regulamentar. Contudo, o plano e o programa não
têm a mesma natureza. Contudo, o plano e programa não têm a mesma natureza jurídica.
A doutrina maioritária entende que os planos são atos jurídicos gerais, incide sobre o número mais
ou menos indeterminado de destinatários (aplica-se a todos os titulares de direitos reais mas
também aos futuros titulares enquanto o ato estiver em vigor). As Escolas Alemã e Francesa
dizem que os planos têm natureza regulamentar.
Há ainda quem entenda que é um instituto sui generis.
Para o prof, o plano urbanístico é um ato ou um conjunto de atos. Atente-se no DL 80/2015,
artigos 76/1 e 90/1; a competência de elaboração e de aprovação difere-se quanto à titularidade;
são atos diferentes.
Depois de entrar em vigor, o prof crê que o plano é um regulamento que tem implicações no
pedido processual (impugnação da ilegalidade).
Norma   pode ser impugnada a todo o tempo
Ato   só podem ser impugnados num certo prazo mais curto
Quanto ao programa, identificar a natureza jurídica é mais difícil. O Prof diz que temos que
encontrar um sentido jurídico.
A qualificação que melhor se encaixa no conceito de programa é diretiva (136/4 CPA). As
diretivas são vinculativas para o destinatário.
Diretiva ≠ ordem   a diretiva tem mais elasticidade; define orientações e diretrizes, não sendo
concreta e determinada como uma ordem; dirige-se mais aos órgãos subalternos para orientar a
sua conduta. A ordem é um ato administrativo concreto, numa situação determinada.
Os planos pretendem determinar a conduta; nos programas e diretivas está em causa uma
orientação.
Como determinamos a força jurídica das diretivas?
● Vontade e natureza do diploma em que a Diretiva está contida
● RJ entre os órgãos (ex. Administração Indireta- superintendência e tutela; a diretiva pode
ser vinculativa).
Contudo, a diretiva é soft administration   está abaixo das categorias jurídicas-tradicionais.
Tem que existir norma habilitante que atribua competência para planear ou programar; esta norma
é diferente estruturalmente e pode ter diferentes consequências:

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1. Explica a dificuldade de encaixar os planos nas categorias adm tradicionais.


2. Explica porque é que a planificação tem contorno discricionários.
Estrutura da norma da atividade regular da AP   pressupõem um facto que quando se verifica,
desencadeia uma consequência jurídica determinada. Estão redigidas condicionalmente  
comportamentos diretos com uma programação prévia, de natureza geral e abstrata.
Estrutura da norma de planificação   tem como escopo atingir um resultado concreto. Orientam
a conduta do ente adm de modo a que essas medidas possam atingir os fins pré-estabelecidos  
normas teleológicas e finalistas (relação meio- fim).
● Juízo de pormenor
● Projeção temporal
● Ideia de pormenor: confere à atividade adm uma enorme capacidade de manobra e
liberdade de decisão; confere uma margem de livre apreciação.
● Discricionariedade: os planos são o instrumento discricionário por excelência da AP.
Esta estrutura das normas ligadas à planificação são a causa de não conseguirmos ligar os planos
a nenhuma categoria de atividade adm tradicional.
Mais uma vez,

PLANOS
SOCIOECONÓMICOS TERRITORIAIS
Fator determinante: tempo Fator determinante: espaço
Planificação estratégica e de
Tem em vista o ordenamento e
desenvolvimento
são planos mais estáticos

Ato Administrativo
148º CPA
Artigo 148.º
Conceito de ato administrativo

Para efeitos do disposto no presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de
poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.

O ato administrativo é um ato jurídico que se traduz numa decisão unilateral, uma manifestação
de autoridade, que define a posição jurídica do particular face à AP, sendo um comando

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jurídico vinculativo para os destinatários. O AA é submetido ao DA e ao exercício de poderes


jurídico-administrativos. É uma decisão de um órgão administrativo ou por um ente particular no
exercício das suas funções jurídico-administrativas.
Tem natureza jurídica uma vez que produz efeitos jurídicos externos e constitui comandos
juridicamente vinculativos. No momento constitutivo, é uma decisão unilateral porque, nesse
momento, já não conta com a intervenção dos particulares.
Hoje, na subordinação plena da AP ao Direito, o conceito de ato administrativo, no plano
processual, já só desempenha a função de delimitar o âmbito de aplicação de certos meios
processuais: a ação administrativa de impugnação de atos administrativos e a ação administrativa
de condenação à prática de atos devidos.

268/4 CRP + 2/2 CPTA


Mas o AA não cumpre apenas funções no plano da justiça administrativa. A par dela, cumpre
também uma função substantiva e uma função procedimental. Através do ato administrativo, os
órgãos da AP concretizam- aplicam e transpõem para a vida real- os preceitos jurídicos gerais e
abstratos, constantes da lei, do regulamento ou de qualquer outra fonte do Direito Administrativo,
conformando juridicamente situações concretas da vida em função daquilo que se dispõe nesses
preceitos. O AA é um instrumento jurídico de composição de interesses públicos e privados ou
tão só meramente públicos, através da configuração imperativa de situações intersubjetivas. A RJ
onde o AA incide passa a ter o conteúdo do AA. Uma vez praticado o AA, e até que este seja
modificado, anulado ou revogado, os direitos e deveres dos sujeitos da RJ objeto de tal ato são os
que dele resultarem. A aplicação, num caso concreto, da norma jurídica geral e abstrata, seja ela
vinculada ou discricionária, é, pois, a função substantiva, da categoria de ato administrativo.
Por outro lado, a função procedimental, ocorre quando a AP estiver perante uma situação de facto
ou de direito que lhe imponha ou aconselhe a tomada de uma decisão, que se traduza na prática
de um ato com as características correspondentes à da noção de AA constante do artigo 148º do
CPA. Deve a AP respeitar a disciplina do CPA para preparar, praticar e exteriorizar o ato e
também deve atuar, em sede da sua manutenção, execução, revogação, anulação ou suspensão
conforme o CPA rege.
O ato administrativo releva do ponto de vista procedimental, dado que se trata de uma forma de
atuação que é praticada no decurso de um procedimento, no qual os particulares são chamados a
participar.
O AA é uma decisão que produz efeitos jurídicos externos; os efeitos jurídicos interferem na
esfera jurídica do destinatário. É essa a exterioridade que faz com que o AA tenha caráter
regulador. Os efeitos jurídicos podem ser ativos ou passivos:

Ativos: o AA altera o ordenamento jurídico


Passivos: o autor do ato não atende aos efeitos requeridos pelo requerente- não há
alteração do ordenamento jurídico.
Por norma, o AA incide sobre uma situação concreta, mas pode não ser assim.
Que definição é que daríamos a ato administrativo?

Diríamos que o ato administrativo seria então a decisão tomada por um órgão administrativo
ou equiparado, que no exercício de poderes jurídico-administrativos e normalmente no fim

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do procedimento, resolve a questão pendente entre o particular e a AP, produzindo efeitos


jurídicos externos na esfera jurídica dos destinatários.
Doutrina

Quando ao quadro doutrinal, a doutrina tradicional (Marcelo Caetano) apresentava uma noção
ampla substantiva e uma noção administrativa de caráter processual. A noção substantiva é muito
parecida com aquela que ficou por estar plasmada no art. 120º do Código de 90/91. Para eles, o
AA produzia efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. Ao recortar os efeitos, aponta-
se para uma clara noção ampla, incluindo aqui formas de atuação muito diversas da AP. Não
permitia distinguir entre ato procedimental e ato administrativo final.
Esta doutrina era muito forte e fazia lei, antigamente.
Com ato definitivo, queriam dizer o ato final. Mas diziam ato definitivo porque a definitividade
tem 3 dimensões: material, vertical e horizontal. Com a dimensão vertical, queriam dizer que
quando o ato era praticado por um órgão subalterno num exercício de uma competência
concorrente, o ato só se tornava definitivo depois do interessado recorrer ao órgão superior
hierárquico (este tinha que confirmar o ato). Este recurso hierárquico, que era obrigatório, era um
pressuposto processual da ação. Isto era assim porque o recurso hierárquico necessário era a regra
(depois isto foi invertido: as impugnações administrativas são facultativas). Quanto ao ato
executório, confundia-se eficácia com executoriedade. Partia-se do princípio que qualquer AA
tinha força executória própria. Digamos que a executoriedade não é uma característica de todo o
tipo de atos, mas só de atos desfavoráveis: ónus, compressões de direitos dos particulares, etc. A
executoriedade coerciva só pode ser exercida quando prevista na lei e desde que seja
proporcional- casos excecionais. Confundia-se então os dois conceitos: o AA só pode ser
validamente executado se estiver a produzir efeitos jurídicos externos.
Por outras palavras e mais sucintamente, a doutrina tradicional (Escola de Lisboa) afirmava que
o ato contenciosamente impugnável tinha que ser um ato definitivo, nas 3 dimensões:
● Material: o ato fixaria os direitos e deveres das Partes da relação jurídica-administrativa;
fixava a situação jurídica concreta do particular face à AP.
● Procedimental: o ato impugnável tinha que ser um ato que punha termo ao
procedimento administrativo (porque só este está em condições de ser lesivo na esfera
jurídica do particular).
● Vertical: o ato definitivo, para esta teoria, seria o ato praticado pelo órgão superior da
hierarquia administrativa, ou pelo órgão independente que não fosse sujeito de nenhuma
relação jurídica hierárquica. Se o ato fosse praticado pelo subalterno e se não atuasse no
exercício de uma competência exclusiva, teria que haver sempre recurso hierárquico
necessário para o superior hierárquico.
Esta conceção não podia deixar de ser objeto de críticas. A Escola de Coimbra, influenciada pela
doutrina alemã, foi inovadora no sentido em que apontavam para uma noção restrita de AA. A
primeira crítica que faziam à noção ampla é que era bastante heterogénea e abrangia demasiadas
manifestações de expressão da AP, para além de não ter utilidade prática. Já a noção processual,
diziam, era demasiado restritiva, abrangendo realidades procedimentais, materiais e
competenciais.
A Escola de Coimbra apontou para uma noção restrita e unitária de AA. Passa a haver apenas
uma noção de AA, que conjuga uma noção de AA mais restrita da noção substantiva mas mais
ampla que a noção procedimental antes dada. O AA em sentido próprio é uma estatuição unitária,

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decisão unilateral, que define direta e imediatamente a posição jurídica dos particulares. A
característica inovadora é que o distingue.
Para a noção apresentada, ela tem que incluir as garantias legais e jurisdicionais dos cidadãos
quanto a AP atua ilegitimamente.
Ou seja, a Escola de Coimbra afasta-se dos pressupostos materiais e processuais do ato, mas
mantém a dimensão da verticalidade. E fazem duas perguntas:
a) Quem é o autor do Ato?
b) Em qual competência é que ele pratica o ato?
Problema da verticalidade: saber que tipo de competência é exercitada quando o órgão
subalterno pratica o AA.

Competência própria
(a lei atribui diretamente
competência ao órgão subalterno)
Competência comum
(dois ou mais
órgãos podem praticar o AA)

Concorrente
(quem tem competência para praticar Exclusiva
o AA é o subalterno mas o superior
(só o subalterno pode praticar o ato)
tem o poder de o reexaminar
Conjunta Simultânea
(revogar, modifical ou substituir)
(o AA é praticado pelo acordo (qualquer um dos órgãos pode
dos órgãos competentes) praticar o AA)

Para esta doutrina, não são atos


definitivos os atos praticados pelo
órgão subalterno no exercício de uma
competência concorrente.

Definição de ato administrativo (Freitas do Amaral): o ato administrativo é o ato jurídico


unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da Administração
ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de
um caso considerado pela AP, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e
concreta.
Esta definição vai ao encontro do previsto no art. 148º do CPA. O legislador veio clarificar que
só aos atos com eficácia externa se justifica a aplicação do regime próprio procedimental e
substantivo do ato administrativo fixado no CPA.
Faremos agora uma análise por cada um dos elementos presentes na definição de ato
administrativo.
Ato Jurídico

O ato administrativo é um ato jurídico   conduta voluntária produtora de efeitos jurídicos.


São lhe aplicáveis os princípios gerais de direito referentes a todos os atos jurídicos. Logo, ficam
fora deste conceito:

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As atividades juridicamente irrelevantes


Os factos involuntários juridicamente relevantes (factos jurídicos simples)
Operações materiais, porque não visam a produção de efeitos jurídicos.
Nenhuma destas categorias é suscetível de ação impugnatória perante TA’s nem está, por outro
lado, submetida ao regime procedimental e substantivo da figura do ato administrativo constante
do CPA.
Quanto às operações materiais, estas devem conformar.se com os princípios e normas do CPA
que concretizem preceitos constitucionais, já que eles se aplicam a toda e qualquer atividade
administrativa e, portanto também à atividade técnica (2/3 CPA).
Ato Unilateral

O ato administrativo é um ato unilateral (≠ ato bilateral, como o


contrato). É um ato jurídico que provém de um só autor, cuja
declaração é perfeita (acabada, completa), independentemente do
concurso de vontades de outros órgãos ou sujeito de direito. Hoje,
entidades equivalentes à AP podem praticar atos administrativos.

No ato administrativo, a AP manifesta a sua vontade, sem que seja necessária a manifestação de
vontade de mais ninguém e, nomeadamente, não necessita da vontade de qualquer particular, para
ser perfeita ou completa.
Por vezes, é necessária a aceitação do particular, mas esta funciona apenas como
condição de eficácia. Não integra o conteúdo do próprio ato, nem é condição da sua
existência ou validade. Ex. nomeação de um funcionária público. Exige-se a aceitação do
particular para que ato produza os seus efeitos típicos; contudo, a nomeação, em si, existe,
como ato perfeito ou acabado e que vale por si próprio, independentemente do particular
declarar que aceita ou não. Se aceitar, a nomeação torna-se eficaz.
Contrato vs. Ato Administrativo dependente de colaboração de particular: se no plano
estrutural, a manifestação de vontade do particular surge como requisito de existência, está-se
perante o contrato. Por oposição, o ato será unilateral quando aquela manifestação apenas
constituir um requisito de legalidade (atos dependentes de requerimento) ou de eficácia (atos
dependentes de consentimento) da definição da situação jurídico-administrativa.
Mais ainda, a participação dos particulares no procedimento não descaracteriza a natureza
unilateral do AA. A sua participação enriquece a sua qualidade através de maior e melhor
ponderação de todos os interesses envolvidos ou afetados pelo ato, mas a decisão do caso concreto
cabe sempre e só à Administração (no momento constitutivo).
A AP manifesta a sua vontade própria- unilateralidade- e isso basta para que o ato exista e esteja
completo, correspondendo ao tipo legal em que se enquadra.
Exercício do poder administrativo

O AA deve ser praticado no exercício do poder administrativo, ou seja, no exercício de um poder


público, ao abrigo de normas de direito público, para o desempenho de uma atividade
administrativa de gestão pública. Só esses é que são atos administrativos.
Não cabem aqui:

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Os atos jurídicos praticados pela AP no desempenho de funções de gestão privada,


embora se sujeitem aos princípios gerais da atividade administrativa e as disposições do
presente Código que concretizam preceitos constitucionais (2/3 CPA).
Atos políticos, atos legislativos e atos jurisdicionais, ainda que praticados por órgãos da
AP.
Ato praticado por um órgão administrativo
O ato administrativo ou foi praticado por um órgão da AP em sentido orgânico ou, por outro lado,
por um órgão de um PC privada ou por um órgão do Estado não integrante do poder executivo,
por lei habilitados a praticar atos administrativos (ou enquanto exerçam poderes jurídico-
administrativos   AP em sentido material).
Mesmo dentro dos órgãos que integram a AP em sentido orgânico, só um pequeno número de
funcionários é que tem o poder jurídico de praticar atos adm, poder esse que lhes advém
diretamente por lei ou que lhes é conferido através de delegação de poderes.
São AA, por força da lei, certos atos jurídicos unilaterais que decidem situações individuais e
concretas, em matéria administrativa, mas que não provêm da AP em strictu sensu:
● Determinadas PC privadas que colaboram intimamente com a AP na prossecução de
atribuições desta.
● 4/1/d ETAF   os AA praticados, por exemplo, por concessionários, são suscetíveis de
impugnação contenciosa. O art. 2/1 do CPA estendo âmbito de aplicação deste diploma.
Os AA estão sujeitos ao regime procedimental e substantivo do CPA bem como estão sujeitos a
impugnação contenciosa nos termos do ETAF.
São também, por força da lei, também AA certos atos jurídico-públicos praticados por órgãos do
Estado que não pertencem ao poder executivo, ou seja, órgãos integrados no poder moderados,
legislativo ou judicial- art. 24/1/a ETAF.
Ato decisório

O AA é uma decisão adotada no exercício de poderes jurídico-administrativos.


Há duas interpretações nesta sede:
● O AA é uma decisão no sentido de que resolve um caso individual e concreto, em vez de
adotar uma norma geral e abstrata (rule making vs. decision-making)
● Recorta-se da massa dos atos da AP uma categoria nova, denominada decisão, o que
implica que nem todos os atos jurídicos praticados no exercício de um poder
administrativo e que visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta
são AA: só o serão, de entre esses, aqueles que corresponderem a um conceito estrito de
decisão, ou seja, a uma estatuição um resolução de um caso.
DFA inclina-se para a segunda hipótese:
● Não nos devemos de abstrair de todo da etimologia das palavras nas expressões jurídicas
(o legislador quis dizer alguma coisa com a escolha da palavra decisão).
● Só tem sentido submeter aos regimes procedimental e substantivo do AA do CPA
condutas adm suscetíveis de afetar, por si sós, imediata ou potencialmente, a esfera
jurídica dos particulares, ou seja, condutas idóneas a produzir uma transformação jurídica
externa.

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Exclui-se então do conceito de AA os atos preparatórios e os atos instrumentais. O elemento


definidor é então a mudança ou alteração na esfera jurídica dos particulares.
Atos instrumentais: atos jurídicos menores, não produtores de efeitos jurídicos diretos no
ordenamento geral. Muitos embora tenham autonomia funcional, os seus efeitos só se manifestam
através da influência que exercem sobre um AA de que são pressupostos.
DFA acrescenta:
● São decisões tanto as pronúncias da AP proferidas em inteira subordinação À lei, como
as que revelam a presença de uma opção discricionária.
● Tanto é decisão a pronúncia agressiva da esfera jurídica dos particulares como a atributiva
de vantagens ou prestações.
● São decisórios os atos que visam produzir efeitos jurídicos diretos no ordenamento e
aqueles que expressamente recusam a produção de tais efeitos.
Ato produtor de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta

O AA é uma decisão da AP que visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e
concreta. Isto tem em vista a distinção de AA com outras normas jurídicas administrativas: os AA
têm conteúdo individual e concreto; as normas jurídicas emanadas pela AP, nomeadamente os
regulamentos, têm conteúdo geral e abstrato.
DFA, ao contrário de Marcello Caetano, não adere à conceção do AA como um ato produtor de
efeitos jurídicos no caso concreto. DFA afirma que o que interessa é que ele vise a produção de
efeitos jurídicos, ainda que de momento não os esteja a produzir, por estar, por exemplo, sujeito
a uma condição suspensiva ou a um termo inicial. Parece, pois, o mais correto dizer que o AA é
aquele que visa produzir determinados efeitos jurídicos.
Ou seja, por princípio, um AA versa sobre uma situação individual e concreta. Por isso, um
pretenso AA que não contenha em si mesmo a individualização do destinatário a que se aplica,
bem como a identificação do caso sobre que versa, não pode valer perante a OJ como AA, ou pelo
menos como ato válido e eficaz (151/1/b CPA  menção obrigatória do destinatário do ato).
Forsthoff: o ato administrativo aplica-se a uma situação particular e concreta; ele ou a regula
ou a cria. Não contém disposições gerais.
Ficam fora do conceito de AA os atos materialmente normativos: quer os legislativos, quer os
regulamentos (atos normativos praticados pela AP).

Recapitulando, o AA:
● 148º CPA
● É um ato jurídico
● É uma decisão unilateral
● Uma manifestação de autoridade
● Define a posição jurídica dos particulares face à AP
● É um comando jurídico vinculativo para os destinatários
● Está submetido ao DA e ao exercício de poderes jurídico-administrativos (submetido ao
CPA, a nível procedimental e substantivo, e ao ETAF, a nível impugnatório).

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● No momento constitutivo, o AA é um ato unilateral que já não conta com a intervenção


dos particulares.
● AA praticados no âmbito do DA ≠ atos jurídicos que a AP pratica no
âmbito de atividade de gestão privada.
● Decisão individual que pode ter como destinatários uma pessoa ou um grupo concreto.

Atos administrativos coletivos, plurais e gerais


Atos coletivos: atos que têm por destinatário um conjunto unificado de pessoas, ou seja, um
determinado grupo orgânico de pessoas. Ex. decisão de dissolução de um órgão colegial.
É um ato administrativo porque não procura estabelecer regras gerais e abstratas. Logo,
não é uma norma jurídica. É um ato individual e concreto, embora dirigido a um conjunto
de pessoas (ou seja, o destinatário é o colégio de pessoas).
Atos Plurais: atos em que a AP toma uma decisão aplicável por igual a várias pessoas. Ex. um
despacho ministerial nomeia vinte funcionários públicos para 20 vagas que existem numa
determinada direção geral. Sob a aparência de um único AA, o que existe, na realidade, são vários
atos administrativos: são tantos atos quanto os funcionários nomeados.
Atos gerais: atos que se aplicam de imediato a um grupo inorgânico de cidadãos, todos bem
determinados, ou determináveis no local. Destinatários indeterminados, de caráter indeterminado
e inorgânico. Ex. juntam-se 20 pessoas a ver uma determinada montra, numa rua. Vem um polícia
e diz “têm que dispersar”. Trata-se de uma ordem policial dada em termos gerais a 20 pessoas,
mas sabe-se perfeitamente a quem se aplica.
Estes atos não são normas jurídicas: são ordens concretas e dadas a pessoas concretas e
bem determinadas, ou imediatamente determináveis. São um feixe de AA, que se
reportam a várias situações individuais e concretas. É um ato geral, isto é, um feixe de
decisões concretas e individuais. Se um determinado comando administrativo não permite
essa determinação individual, o regime a aplicar será o regime procedimental do
regulamento.
Artigos importantes a nível das diligências e da legitimidade no procedimento   64º e 68º CPA.
Os AA têm uma tutela jurisdicional que não sofre nenhum défice. Hoje, temos uma tutela efetiva
e plena ao nível dos atos gerais.

O Prof Colaço diz que tradicionalmente, considera-se o AA como o ato final do procedimento.
Mas temos atos procedimentais que podem ser preparatórios e complementares. Estes últimos
podem adquirir características de ato final, quando o procedimento é complexo. O interessado
pode recorrer contenciosamente contra estes atos, nos termos do 51/3 CPTA. Portanto, um AA é
um ato final que põe fim ao procedimento mas também pode ser um ato que põe termo a uma das
fases do procedimento.
Algumas notas:
● 185/2 CPA: as impugnações têm caráter facultativo; é um direito potestativo
● 59/4 e 5 CPTA: suspensão do prazo de impugnação contenciosa
o Interrupção: quando um prazo é interrompido, quer dizer que se retorna a
contagem a partir do 0

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Comissão de Curso do 2.º Ano de Direito 2019/2020

o Suspensão: retoma a contagem considerando-se os dias decorridos até à


suspensão
● A AP pode fiscalizar inconstitucionalidade? Tende-se a dizer que não, porque falta o
elemento da precedência da lei (202º e 204º CRP).

Natureza Jurídica do Ato Administrativo (Apontamento de DFA)


Há uma discussão doutrinal em torno da natureza jurídica do ato administrativo. As maiores
orientações são as seguintes:
⇒ O AA é um negócio jurídico (negócio jurídico-público)
⇒ O AA é um ato de aplicação do direito, situado no mesmo escalão e desempenhando uma
função semelhante, embora não igual à da sentença judicial.
⇒ O AA tem uma natureza sui generis e um caráter específico, enquanto ato unilateral de
autoridade pública ao serviço de um fim administrativo.
DFA entende que a terceira orientação é a mais correta porque entende que o AA não se deixa
reconduzir ao negócio jurídico, nem à sentença, pela mesma razão que a atividade administrativa
se distingue claramente da atividade privada e das demais atividades públicas, nomeadamente, a
jurisdicional. O AA tem assim uma natureza própria, específica, privativa, que dele faz uma figura
sui generis na ordem jurídica- a figura do ato unilateral de autoridade ao serviço de um fim de
administração pública.

Tipologia dos Atos Administrativos


Sem prejuízo de outros critérios, o Prof. Colaço adota, num primeiro momento, a seguinte
tipologia (e distinção):
⇒ Atos de 1º grau: incidem diretamente sobre a posição jurídica concreta do particular; são
os atos em que a AP versa sobre uma determinada situação de vida pela primeira vez.
⇒ Atos de 2º grau: incidem sobre um ato primário anteriormente praticado. Só
indiretamente é que incidem sobre a posição jurídica do particular.
⇒ Atos que criam desvantagens, atos que criam situações de vantagem e atos que
eliminam encargos para os particulares.

Atos que criam situações de desvantagem


Dentro destes temos:
1. Atos ablativos: são aqueles que impõem a extinção ou a compressão do conteúdo de um
direito. Ex. expropriações de terrenos- extingue o direito de propriedade do particular.
Tipos de procedimento da expropriação:
1. Procedimento Administrativo: tem o seu arranque na resolução de expropriar, que
tem como final o ato declarativo. Caso o titular dos respetivos dtos reais quiser
verificar a validade do ato tem de propor uma ação no TA. Caso queira discutir
litigiosamente a indemnização, nesse caso há lugar a subprocedimento no tribunal
judicial. Se quisermos discutir a indemnização, porque entendemos que não é justa,
irrisória ou é apenas simbólica, o interessado tem que se dirigir ao tribunal judicial.
Há uma dualidade de jurisdições. A nossa OJ mantém esta dualidade com base em
fundamentos de imprecisão de desconcentração do poder jurisdicional administrativo
nas várias circunscrições.
2. Reaquisição de utilidade pública

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Sebenta de Direito Administrativo
Comissão de Curso do 2.º Ano de Direito 2019/2020

Temos também as servidões administrativas (artigo 8º do Código das Expropriações):


Encargo imposto por disposição legal ou AA sob certo prédio em pretexto da utilidade
pública de uma coisa. São compressões de direitos de propriedade ou de outros direitos
reais menores.
Ainda podemos falar, dentro dos atos ablativos, de declaração de extinção de licença ou
concessão.
3. Atos Impositivos: atos que impõem uma determinada conduta aos particulares ou
que impõem determinados efeitos jurídicos aos destinatários.

Atos que criam situações de vantagem


1. Delegação de poderes: o ato de um órgão que permite a um outro órgão, normalmente
da mesma PCP, o exercício de uma competência que continua a pertencer ao primeiro
órgão (exercício de uma competência alheia). Art. 44º e ss do CPA.
Delegação intersubjetiva: enquanto na delegação de um órgão para outro órgão da mesma PCP,
também se abre aqui a possibilidade de delegação num agente, o que já não se verifica
quando a delegação é feita para PCP diferente.
Importante salientar que aqui não há uma relação externa entre a AP e o particular; há uma relação
interna entre órgãos e agentes da AP.
2. Concessões: ato pelo qual um órgão da AP transfere para uma entidade privada o
exercício de uma atividade pública, que o concessionário desempenhará por sua conta e
risco, mas no interesse geral. O que se transfere é o direito de exercer uma atividade
pública.
As concessões podem ser translativas ou constitutivas: nas primeiras, há uma transferência de
poderes da AP para o concessionário; nas segundas, a AP cria ex novo poderes ou direitos
que só ela pode criar mas não os pode exercitar.
3. Autorizações: O seu alcance depende se se trata de autorizações no âmbito das relações
entre órgãos adm ou a AP e os particulares (mais comuns). Temos que distinguir dois
tipos de autorização: constitutivas (licenças) e permissivas/propriamente ditas.
Começando pelas primeiras, falamos de uma autorização constitutiva quando falamos de
um ato que constitui direito aos particulares, permitindo-lhe o exercício de um atividade
em princípio proibida por lei ou no mínimo sujeita a controlo prévio pela administração.
O particular não dispõe de qualquer direito antes da prática do ato. Tem que se fazer um
controlo prévio porque é importante fazer análise das circunstâncias para que os
interesses dos particulares e as suas atividades não colidam com os interesses da AP e
também pelos bens jurídicos envolvidos.
Na autorização propriamente dita, permite-se ao particular o exercício de uma atividade
que reflete um direito que já pré-existe na sua esfera jurídica.
Ex. direito de construir- sendo um ato favorável, será uma autorização constitutiva ou
permissiva? Depende da análise que for feita. Se olharmos de um ponto de vista ius
privatista, é uma autorização permissiva porque este direito já está contido no direito de
propriedade. Num olhar jus publicista, é uma autorização constitutiva porque o direito de
construir consiste numa discussão legal que se concretiza naquela autorização, afastando
aquela inerência face ao direito de propriedade.
Na nossa OJ, trata-se de uma autorização permissiva, mas com fundamentos diferentes,
porque o momento constitutivo, na nossa OJ, está nos planos municipais. Se o momento

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Sebenta de Direito Administrativo
Comissão de Curso do 2.º Ano de Direito 2019/2020

constitutivo inscreve-se no plano, o direito de construir não é inerente ao direito de


propriedade nem nasce com a autorização.
4. Autorizações entre órgãos da AP: podem ser legitimações ou aprovações. Na
legitimação, um órgão tem certa competência que só pode ser posta em prática se tiver
tido antes uma autorização de uma outra entidade adm que analisa da legalidade do AA.
A autorização de legitimação é o requisito de validade do ato. Na aprovação, temos um
ato que visa desencadear a eficácia do ato aprovado. É um requisito de eficácia.
5. Categoria particular de atos chamada dispensa. Este ato vem eliminar determinados
deveres especiais relativamente a determinadas atividades adm estritamente proibidas por
lei. Ex. licenças de porte de arma. No fundo, é um ato administrativo que permite a
alguém, nos termos da lei, o não cumprimento de uma obrigação geral.
A dispensa pode revestir duas modalidades: a isenção e a escusa. A isenção é concedida pela AP
a particulares para a prossecução de um interesse público relevante (como as isenções
fiscais); a escusa é concedida por um órgão da AP a outro órgão ou agente administrativo
a fim de garantir a imparcialidade da AP.
Atos tácitos:
Traduzem-se no silêncio da AP: a AP não se pronuncia sobre a questão. Q

Que significado podemos atribuir a este silêncio?


Temos duas opções: deferimento tácito ou indeferimento tácito. A regra é o indeferimento
tácito. Se o órgão adm competente não respondesse no prazo previsto, entende-se que para efeitos
processuais, o pedido tinha sido não correspondido.
O indeferimento tácito é eliminado no novo CPA: é uma omissão ilegal, porque há um dever de
decisão da AP, nos termos do art. 13º CPA. Se atentarmos no nº2 desse artigo, para não haver
dever de decisão, percebemos que existem requisitos cumulativos a preencherem-se:
2- Não existe o dever de decisão quando, há menos de dois anos, contados da data da
apresentação do requerimento, o órgão competente tenha praticado um ato administrativo
sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos.

Só há omissão ilegal quando o órgão adm tem o dever de decidir. A reação contenciosa mais
adequada é a ação de condenação por omissão: o juiz condena a AP a praticar o ato que devia
ter praticado (66º e ss. CPTA).
Art. 129º CPA   consagra a eliminação do indeferimento tácito.
130º CPA   atos tácitos   se a lei nada referir, a regra é que o silêncio da AP significa o
deferimento do pedido.
Nº 2: Deferimento tácito forma-se a partir do 1 dia útil a seguir ao prazo de decisão. Quanto ao
deferimento tácito, falamos sempre de uma ausência de um ato adm. Mas pode haver um silêncio
procedimental.
E no caso de existir silêncio hierárquico? Art. 198/4. O silêncio adm, ou seja, do órgão
competente, constitui um facto jurídico, isto é, uma omissão ilegal.

Atos Instrumentais (DFA)


Identificam aquelas pronúncias administrativas que não envolvem uma decisão de autoridade,
antes são auxiliares relativamente a atos adm decisórios. A sua contribuição para a realização das

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Comissão de Curso do 2.º Ano de Direito 2019/2020

tarefas adm processa-se através de um AA cuja produção condiciona de modo diverso ou cuja
efetiva operatividade condicionam.
Que atos se incluem nesta categoria?
● Simples declarações: são atos auxiliares pelos quais um órgão ou agente da AP exprime
oficialmente o conhecimento que tem de certos factos ou situações. Ex. participações,
certidões, atestados. Regra geral, a sua eficácia é retroativa, porque se limitam a conhecer
situações ou factos que já existiam. Esse reconhecimento vale a partir do momento em
que os direitos ou situações nasceram.
● Atos opinativos: são atos pelos quais um órgão da AP emite o seu ponto de vista
fundamentado acerca de uma questão técnica ou jurídica. Existem três modalidades:
o Informações burocráticas: opiniões prestadas pelos serviços ao superior
hierárquico competente para decidir; o funcionário estuda um processo e elabora
uma informação que entrega ao seu legítimo superior para que esta possa decidir
de forma mais conforme à lei e ao interesse público.
o Recomendações: são atos pelos quais se emite uma opinião, consubstanciando
um apelo a que o órgão competente (ou outro destinatário) decida de certa
maneira, mas que não o obrigam para tal. Constituem opiniões reforçadas. São
opiniões, de facto, mas que são alvo de apelo para que sejam seguidas. Sendo
estas opiniões não vinculativas, é claro que o órgão competente não tem que as
seguir: mas acarreta a responsabilidade de ter ignorado a recomendação e pode
ser por isso mal avaliado no seu desempenho.
o Pareceres: são atos opinativo elaborados por especialistas em certos ramos do
saber, ou por órgãos colegiais de natureza consultiva. O parecer caracteriza-se
por ser uma opinião crítica autorizada, em que são aprofundados os mais difíceis
problemas, sejam técnicos, jurídicos ou políticos, e no final tem uma proposta de
solução firmada em fundamentos cuidadosamente apurados.

Pareceres (DFA)
Os pareceres agrupam-se em duas classificações muito importantes:

Quanto à necessidade de
Quanto à necessidade de as suas conclusões serem
serem emitidos seguidas pelo órgão
decisório competente

Obrigatórios Vinculativos

Não
Facultativos
Vinculativos

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Comissão de Curso do 2.º Ano de Direito 2019/2020

Regra geral: salvo disposição expressa em contrário, os pareceres legalmente previstos


consideram-se obrigatórios e não vinculativos (91/2 CPA).
Por isso, os pareceres vinculativos são casos excecionais. Normalmente, os pareceres são
diligências procedimentais de feição instrutória e consultiva, a que falta autonomia (funcional)
para, sem mediatização de um outro ato jurídico (ato final do procedimento), produzirem efeitos
jurídicos numa esfera externa ao órgão emitente. Todavia, quando as conclusões do parecer têm
necessariamente que ser seguidas pelo órgão competente para decidir, na realidade, a entidade
que o emite o parecer também decide. Ou seja, o ato administrativo, quando o parecer é
vinculativo, tem dois autores: um é o órgão consultivo ou o especialista que emite o parecer
vinculativo; o outro é o órgão decisório.
Se o parecer é obrigatório mas não vinculativo, a sua falta, fora dos casos em que a lei admite que
a mesma é justificada, gera vício de forma. Se o parecer for obrigatório e vinculativo, a sua falta,
nas mesmas circunstâncias, é uma dupla ilegalidade: vício de forma- falta de formalidade
essencial- e incompetência- porque a competência para praticar o ato definitivo era conjunta.
Os pareceres devem ser fundamentados e deve ter conclusões claras (92º CPA).
Artigo 92.º
Forma e prazos dos pareceres

1 - Os pareceres devem ser sempre fundamentados e concluir de modo expresso e claro sobre todas as questões
indicadas na consulta.
2 - O responsável pela direção do procedimento deve solicitar, sempre que possível em simultâneo, aos órgãos
competentes a emissão dos pareceres a que haja lugar logo que, perante a marcha do procedimento, estejam
reunidos os pressupostos para tanto.
3 - Na falta de disposição especial, os pareceres são emitidos no prazo de 30 dias, exceto quando o responsável pela
direção do procedimento fixar, fundamentadamente, prazo diferente.
4 - O prazo diferente previsto no número anterior não deve ser inferior a 15 dias nem superior a 45 dias.
5 - Quando um parecer obrigatório não for emitido dentro dos prazos previstos no número anterior, pode o
procedimento prosseguir e vir a ser decidido sem o parecer, salvo disposição legal expressa em contrário.
6 - No caso de o parecer obrigatório ser vinculativo, a decisão final só pode ser proferida sem a prévia emissão
daquele desde que o responsável pela direção do procedimento tenha interpelado, no prazo de 10 dias, o órgão
competente para o emitir, sem que este o tenha feito no prazo de 20 dias a contar dessa interpelação.

Formação do procedimento do Ato Administrativo


Este regime é o que está mais densificado, face aos outros tipos de manifestação da atividade da
AP.

Antes de analisar este procedimento adm específico, temos que notar que o procedimento é a base
de toda a emanação do ato, regulamento ou contrato. Mas podem haver certos atos que existam
sem procedimento.

Convém densificar esta figura, do ponto de vista dogmático.

Vamos ver o ponto de vista jurídico-constitucional, jurídico-adm e vamos ver as suas implicações
a nível processual. Depois, falaremos das funções.

Vamos analisar a relevância deste instituto jurídico-adm.

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Do ponto de vista jurídico-constitucional, a sua relevância resulta desde logo 267º CRP. Este
artigo consagra uma imposição constitucional, dirigida ao legislador ordinário de criar uma lei
que venha disciplinar o procedimento da atividade adm.

A norma a seguir define dois grandes objetivos a esta categoria jurídica:

1. Assegurará a racionalização dos meios a usar pelos serviços: ideia de eficiência

2. Participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhe disserem
respeito.

Compreende-se em função de dois princípios: Princípio do Estado de Direito e do princípio


democrático.

Confere à atividade da AP uma ideia de ordenação. As decisões adm serão legais mas também
materialmente justas à ideia de legalidade material das decisões e não apenas formal. Já do
princípio democrático, decorre a ideia de transparência do procedimento face aos interessados.
Do ponto de vista da ciência jurídica adm, a relevância do procedimento não é menor. E o
procedimento adm vem regular que a centralidade da atividade adm já não está no ato adm mas
sim na RJ adm.

Portanto, agora temos uma relação entre a AP e os particulares que produz direitos e deveres.

Vem também trazer uma ideia de decisões juridicamente temporalmente adequadas.

O procedimento adm consagra uma ideia de tutela preventiva, antes do ato ser emanado.

Outro aspeto relevante que é trazido pelo direito procedimental é que também se constitui uma
tutela direta e imediata aos direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos. Também através
do procedimento reforça-se a tutela jurisdicional, porque o juiz que aprecia o pedido processual
não aprecia apenas a decisão final; aprecia todo o procedimento adm. O juiz aprecia toda a
situação jurídica- adm e vai ver se existem vícios.

Em áreas em que a tutela jurisdicional é mais limitada, o procedimento adm funciona como meio
compensatório e alternativo deste défice de tutela jurisdicional nestas áreas.

Do ponto de vista das relações com o dto processual, a doutrina tradicional tinha a seguinte ideia:
o processo adm era a continuação do procedimento adm, daí que a regra fosse a impugnação adm
necessária. O procedimento adm e o processo são figuras distintas, ainda que complementares.
Mas o procedimento adm prossegue finalidades distintas do processo adm. O que se diz é que o
processo adm pretende ou tem como objetivo decisões justas e eficientes. No procedimento, o
objetivo é a resolução de litígios entre os particulares e a adm. O procedimento vem disciplinar a
ação adm. O processo tem como base as decisões ou atos praticados pelo tribunal.

Há uma relação de complementaridade, na medida em que o procedimento contribui para uma


tutela jurisdicional mais efetiva e facilita uma tutela mais material. O procedimento fornece aos
juiz os pressupostos que estão na base da tomada de decisão e este analisa a matéria de direito e
de facto.

Quanto às várias conceções da doutrina:

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1. Merkel (discípulo de Welzel)

Para ele, o Direito determina a sua própria criação. Logo, o procedimento adm é o modo de
produção de decisões adm por aplicação de normas jurídicas superiores.

2. Aldo Sandulli

Defende uma conceção formalista: para ele o procedimento adm é constituído por uma série de
trames, fases distribuídas ao longo do tempo. Seria um conjunto de formalidades tendentes à
formação da vontade da AP.

3. Feliciano

Para ele, o procedimento é a forma de solução adm. Para esta conceção, a função adm é o exercício
do poder através do procedimento adm.

4. Schmidt

Para ele, o procedimento é o direito de direção das decisões adm. as normas relativas à formação
da decisão, ao direito procedimental e à tomada da decisão, funcionam como orientadores da
tomada de decisão.

5. Tese substancialista

Tem como seguidores a Escola de Coimbra. Para esta doutrina, o que releva, contrariamente a
Sandulli, é apenas a decisão final. Todos os atos procedimentais são atos meramente auxiliares
do ato final, não tendo qualquer autonomia ou relevância jurídica externa. Já vimos que podem
ter e têm, de facto.

A conceção adotada no curso é simultaneamente formal e substancial: o procedimento é um


conjunto de fases distribuídas ao longo do tempo que cessa com a emanação de um AA. O
procedimento é um conjunto de atos funcionalmente diversificados. Acolhemos a ideia de que
nos procedimentos complexos, cada uma das fases pode constituir atos administrativos em sentido
próprio. Portanto, conjuga-se a dimensão formal e substancial, sem ser predominantemente ou
tão só substancialista.

Funções do Procedimento
Há uma determinada ordem e sentido na atuação da AP no procedimento:
● Função de proteção jurídica: as decisões da AP têm que ser materialmente justas, na
ótica dos respetivos destinatários da decisão. Pretende-se também salvaguardar os
direitos subjetivos e os interesses legítimos dos particulares, impondo à AP que eles sejam
respeitados ou, quando hajam de ser sacrificados, para que o não sejam por forma ilegal
ou excessiva.
● Função de tutela alternativa: em áreas em que a tutela jurisdicional é mais limitada, o
procedimento funciona como meio compensatório e alternativo deste défice de tutela
jurisdicional (domínios em que a AP goza de maior liberdade).
● Função consensual: o procedimento funciona a partir de um fundamento interlógico
entre os particulares e da AP. Os destinatários do ato têm que estar voluntariamente
convencidos da vontade dessa decisão que vai ser tomada pela AP. Prende-se com a ideia

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de participação dos cidadãos no procedimento, decorrente do princípio do Estado de


Direito Democrático.
● Função da Eficiência: o procedimento pretende disciplinar da melhor forma possível a
atividade adm, procurando assegurar a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços
públicos das populações. É sinónimo de otimização das tarefas e da utilização dos
recursos necessários para a obtenção da melhor realização possível do interesse público.
● Função organizativa: hoje, a AP encontra-se descentralizada e desconcentrada
(territorialmente dispersa). Logo, o próprio procedimento encontra-se também disperso,
fragmentado pelo aparelho administrativo. Contudo, o procedimento tem a função de
articular as competências dos vários órgãos dispersos pelas diversas pessoas coletivas,
sendo portanto um instrumento organizativo e de coordenação.

Procedimento Administrativo do Ato


O regime procedimental decorre do CPA, conjunto de normas e princípios que se aplicam de
forma geral. O procedimento administrativo reporta-se à ideia de que a atividade adm se
desenvolve através de atos.

Segundo DFA, vemos 6 fases no procedimento:

1. Fase da iniciativa

2. Fase da instrução

3. Fase da audiência prévia

4. Preparação direta da decisão

5. Fase decisória

6. Fase complementar.

O procedimento adm vem permitir um melhor agrupamento das fases.

O facto de haver uma delegação legalmente estabelecida, significa que temos um procedimento
exteriorizado? Não, porque assiste aquele responsável uma certa margem de manobra
nomeadamente quanto à estruturação do procedimento, mas essa liberdade não pode, a ver do
prof, ultrapassar certos limites. Mas o prof admite alguma margem de manobra mas limitada.

A partir do momento em que se inicia o procedimento, é necessário haver lugar a uma delegação
do órgão com competência decisória para alguém da sua confiança que assumirá a tarefa de
responsável pelo procedimento administrativo à esta delegação obrigatória está prevista no 55º
CPA. O nº 2 do artigo 55º vem admitir a delegação vinculada no inferior hierárquico.

O responsável pela direção de procedimento pode arrumar a tramitação de uma forma nem sempre
normativa: não tem que cumprir escrupulosamente toda a tramitação legalmente prevista.

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É possível uma margem de manobra na tramitação mas essa margem de manobra obedece a certos
princípios. Uma concretização deste princípio está no art. 57º.

No nº3 do mesmo artigo temos: durante o procedimento, o órgão competente pode celebrar
contrato para determinar, no todo ou em parte, conteúdo discricionário. Limita-se o acordo à
predeterminação de um ato discricionário. Esta norma é claramente influenciada pela lei italiana.
São contratos que não se substituem à prática do ato; apenas quer-se determinar o conteúdo do
ato final.

Nota: Fase preparatória → aqui incluem-se todos os atos destinados à preparação,


manifestação e execução do ato. Maior parte dos atos instrumentais não têm eficácia
externa, mas produzem situações jurídicas que são condições da validade do ato.

Fase da Iniciativa

Pode configurar-se na apresentação de um requerimento por parte de um terceiro, que pode ser
uma PCP (terceiro: pessoa singular ou coletiva que não tenha competência decisória sobre aquela
matéria), ou por parte da própria AP.

O órgão que toma a decisão é o órgão com competência decisória que só intervém em dois
momentos: na fase da iniciativa, para o efeito de delegar no responsável pelo procedimento as
direções do procedimento e na fase de tomada de decisão, o que quer dizer que as fases de
instrução, de audiência e de diligências complementares são dirigidas pelo órgão ao qual o órgão
com competência decisória delegou as tarefas de direção do procedimento à responsável pelo
procedimento administrativo (art. 55º CPA).

O procedimento arranca com a fase da iniciativa que pode ser particular ou oficiosa, isto é, o
procedimento pode ser iniciado por um particular- requerer o recenseamento de uma determinada
atividade- ou por um órgão da AP. Neste sentido, pode ser pública ou privada. Quando é de
iniciativa pública há que distinguir quando é do órgão competente para a decisão ou quando o
procedimento é desencadeado por outro órgão diferente, que pode solicitar a abertura do
procedimento ao órgão competente. Quando se inicia por solicitação dos particulares a forma que
assume é um requerimento (artigo 102º CPA) que deve conter todos os elementos explicitados
nas várias alíneas do 102/1. Sobre este requerimento pode recair um indeferimento preliminar nos
termos do 103º, quando se lhe identificarmos os requerentes ou então quando forem ininteligíveis
ou um despacho de aperfeiçoamento que acontece quando esse requerimento não cumprir todos
aqueles requisitos (108/2). Esta primeira subfase termina com aquilo que podemos designar
saneamento do procedimento- artigo 109º. Consiste na verificação de que não existem obstáculos
ao normal desenvolvimento do procedimento e à tomada da decisão.

Fase da Instrução

Quanto à fase da instrução, esta é a fase mais relevante de acordo com o prof pois, na medida em
que nesta fase o responsável capta todos os factos determinantes para a decisão final, os elementos
recolhidos determinam o conteúdo da decisão. A qualidade depende muito do cumprimento deste
princípio. Quanto a este aspeto, não existe qualquer discricionariedade. Pode-se inquinar a
validade do ato devido a esta fase.

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A fase da instrução é uma fase transcendental já que permite criar as condições para que o agente
possa determinar o melhor possível o conteúdo do ato final. Oferece-se uma tutela jurídica
adequada e uma proteção aos interesses legalmente protegidos e direitos subjetivos.

A fase instrutória é orientada por um princípio que é o princípio do inquisitório- art. 58º CPA.
Este papel do responsável pelo procedimento é um papel transcendente do ponto de vista material.
Nos termos do nº3 do artigo 55, o responsável pelo procedimento pode encarregar o inferior
hierárquico de diligências instrumentais específicas. Nesta fase de instrução temos as diligências
probatórias e diligências consultivas. A importância do procedimento é de tal ordem que
quando chegamos à fase da audiência dos interessados, o responsável deve apresentar um projeto
de decisão para que os interessados no procedimento possam fazer as suas observações e
reclamações que entenderem à princípio da dupla decisão.

Artigos 115º e ss à no nº1 do 115º, reafirma-se de certa maneira o artigo que vem consagrado em
termos gerais no artigo 52º. Quanto aos factos notórios o professor tem uma relutância quanto ao
aspeto de que quando são utilizados uma perspetiva jurídico-analítica; aquilo que é notório para
uns pode não ser para outros. O nº3 o juiz quando aprecia a validade do ato final que é o ato
principal do procedimento deve ficar implicados nesta prova procedimental? O prof acha que não;
o juiz não deve fazer fé imediatamente nas provas entregues pelos respectivos interessados.

O responsável pela direção do procedimento pode determinar aos interessados a prestação de


informações, mas não está obrigado. Quando o fizer, tem que seguir as regras do CPA. Esta
apresentação de provas deve ser feita nos termos do art. 118/1. É relevante também o 119º, pelo
menos os nº 2 e 3. 119/2: a falta de cumprimento da notificação não impede a continuação do
procedimento salvo quando nos deparamos com as circunstâncias do nº3. Apenas nestes casos
seja necessário à boa apreciação do pedido dos interessados, não deve haver lugar ao **** do
particular. O procedimento é interrompido

As diligências consultivas são os pareceres que são prestados por outros órgãos e esses órgãos
emitem pareceres, obrigatórios ou facultativos, e, dentro dos obrigatórios, podem ser vinculativos
ou não vinculativos. Art. 91 e 92º CPA

Os pareceres são obrigatórios quando se trate de formalidades de caráter obrigatório. Os pareceres


facultativos não obrigam o órgão que seja solicitado a formular um parecer a fazê-lo; é uma
faculdade.

Um parecer vinculativo, além de ter sido pedido, tem que se ser seguido. Ou seja, as respetivas
conclusões têm que ser aceites pelo órgão competente para decidir, sob pena de invalidade. Os
pareceres são atos instrumentais; não produzem efeitos jurídicos externos. Não produzem efeitos
constitutivos próprios. Projetam esses efeitos no ato final. A característica dos pareceres é
exatamente esse: poderem determinar de forma perentória o conteúdo do ato final que não se pode
afastar das conclusões do parecer. A jurisprudência do TA tem vindo a permitir a impugnação do
parecer quando este é vinculativo, uma espécie de fiscalização preventiva.

Os pareceres não vinculativos não precisam de ser seguidos, podendo o órgão decisório decidir
em sentido contrário.

Imaginemos que a lei prevê a existência de um parecer mas não estabelece quanto à necessidade
ou obrigatoriedade de pedido. Neste caso, dispõe o nº2 do artigo 91º, os pareceres consideram-
se obrigatórios, mas não vinculativos.

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Os pareceres devem ser fundamentados. Os pareceres são emitidos num prazo de 30 dias, salvo
se o responsável estabelecer prazo diferente, com a devida justificação. O nº4 estabelece os limites
de prazo.

Fase da Audiência Prévia

O tal projeto de decisão arranca da fase instrutória. Esta fase é também importante para os
particulares porque os particulares podem ainda influenciar a tomada de decisão final.

Art. 121º a 124º: sem prejuízo do disposto no 124º, que fala das situações em que há dispensa, os
interessados têm o direito de ser ouvidos sobre a decisão final antes de esta ser tomada e devem
ser informados do projeto de decisão. A AP está obrigada a elaborar um projeto de decisão
fundamentado que será comunicado aos interessados para que estes se possam pronunciar com
conhecimento de causa.

A audiência prévia dos interessados pode ser escrita ou oral. Os prazos no procedimento são
contados em dias úteis.

A audiência prévia pode ser dispensada, em procedimentos urgentes. O conceito de urgência é


um conceito indeterminado. Visto que se trata de uma fase, do ponto de vista da proteção dos
direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares (269/3 e 32/1). É um conceito
impreciso. O prof crê que quando a AP dispensa a audiência prévia louvando-se na necessidade
de uma decisão urgente, ele quer fazer a prova que essa urgência é o elemento constitutivo da
relação com o interesse público. Tem que provar que o espaço temporal é um elemento importante
constitutivo da concretização do interesse público.

Fase Constitutiva ou Decisória

O procedimento encaminhou-se para o seu fim principal- a decisão.

Nesta fase, volta a intervir o órgão de competência decisória e toma a decisão.

127º CPA → o procedimento pode terminar pela prá tica de um ato administrativo ou pela
celebração de um contrato.

Se a competência decisória pertence a um órgão singular, as regras específicas a observar são


mínimas. Já se a competência pertencer a um órgão colegial, já existem numerosas disposições
especialmente aplicáveis: todo o conjunto de regras sobre a constituição e funcionamento de
órgãos colegiais dos artigos 21º e ss.

Art. 127 e 128º: o procedimento culmina com uma decisão expressa

Art. 129º: refere-se ao incumprimento do dever de decisão

O artigo 128º é relevante para os prazos dos procedimentos, que varia consoante é uma iniciativa
de procedimento particular ou pública.

Esta fase constitutiva é importante para a tomada da decisão final do procedimento. Logo, o órgão
competente para decidir, está agora na posse de todos os elementos de identificar os bens jurídicos

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em presença e tomar a melhor decisão para o interesse públicos e direitos e interesses dos
particulares. A decisão deve ser expressa e assume a forma escrita.

151º CPA: aplica-se mais quando o ato está sujeito a publicação.

No caso do procedimento de iniciativa particular, importa ter presente as regras em matéria de


prazos para a respetiva conclusão:

1. Os procedimentos de iniciativa particular devem ser decididos no prazo de 90 dias, salvo


se outro prazo decorrer da lei; pode existir prorrogação mas esta deve ter um limite máximo
de 90 dias (128º)

2. Em princípio, a falta, no prazo legal, de decisão final pelo órgão competente constitui
incumprimento do dever de decisão, conferindo ao interessado a possibilidade de utilizar os
meios de tutela adm e jurisdicional adequados (129º)

3. Os procedimentos de iniciativa oficiosa, passíveis de conduzir à emissão de uma decisão


com efeitos desfavoráveis para os interessados, caducam, na ausência de decisão, no prazo de
180 dias (128/6 CPA).

Além da sua extinção através da decisão final expressa e formalidades complementares, o


procedimento pode extinguir-se ainda por:

1. Desistência do pedido ou renúncia por parte dos interessados aos direitos e interesses que
pretendiam fazer valer no procedimento (131º CPA);
2. Deserção dos interessados (132º CPA);
3. Impossibilidade ou inutilidade superveniente do procedimento (95º CPA).
4. Falta de pagamento das taxas devidas (133º CPA)
5. Formação do deferimento tácito (130º CPA).

Fase Complementar

Dentro desta fase, são praticados atos e formalidades posteriores à decisão final do procedimento,
que pretendem tornar o ato eficaz.

Os atos praticados após o ato decisório visam desencadear a eficácia do ato sem acrescentarem
nada quer ao conteúdo do ato quer à sua validade. Apenas conferem eficácia ao ato. Dito isto, é
preciso determinar algumas das espécies integrativos da eficácia do ato:

1. Atos de controlo preventivo: não visam apenas fiscalizar a legalidade do ato praticado,
visam também controlar o mérito e a oportunidade do ato.

2. Atos da responsabilidade dos interessados: são aqueles atos para produzirem efeitos
jurídicos necessitam da colaboração dos respetivos destinatários, como uma declaração da
aceitação do ato. Ex. quando se trata da nomeação de um funcionário ou pagamento de taxas,
que são atos integrativos da eficácia da responsabilidade dos interessados.

3. Comunicação dos atos: (aos respetivos destinatários) podem ser da responsabilidade da


AP mas podem ser, excecionalmente, dos particulares. Neste caso, falamos da relevância

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jurídica a atribuir à notificação (forma de publicidade oficial, pessoal e formal) e à


publicidade.

Os atos mesmo que sejam publicados obrigatoriamente, estes devem ser na mesma notificados e
devem respeitar o disposto no 114º. A notificação do ato deve constar o texto integral do ato
administrativo, a identificação do procedimento e o autor do ato, a data do ato, etc.

Não havendo prazo, os atos administrativos devem ser notificados no prazo de 8 dias. A questão
que se coloca é a de saber se as menções do artigo 151º são obrigatórias para a notificação ou
publicidade. O prof acredita que é para a publicidade.

158º: a publicação dos AA só é obrigatória quando exigida por lei ; quando é obrigatoriamente
exigida, é um requisito e implica a eficácia do ato;

Art. 159º → formas de publicação.

Art. 150º: Qual é relevância da comunicação de um ato quando esse ato é impositivo de deveres
e encargos? O prof entende que a notificação, ou seja, o conhecimento destes atos impositivos
sobre estes encargos é obrigatória para que estes atos produzam efeitos na esfera jurídica do
particular pois são atos receptícios. Quando estamos perante atos não receptícios, a comunicação
aos interessados não constitui um requisito da eficácia do ato. Só constitui requisito do ato a
comunicação quando são atos receptícios. Mesmo para aqueles atos em que não carecem de
comunicação, não devem deixar de ser publicados. Sem esta, a comunicação do ato é uma
condição de oponibilidade dos respetivos destinatários. Só nestas condições é que estão num lugar
para reagir. E só neste momento é que começa a contar o prazo para impugnar contenciosamente
ou para interpor recurso hierárquico.

Validade do Ato e os Tipos de Invalidade do AA


A validade do ato é a qualidade que o ato tem quando constituído em conformidade com as normas
jurídicas aplicáveis ao caso concreto, ao direito aplicável ao caso concreto, em conformidade com
a OJ. O vício é a desconformidade do ato à disciplina normativa aplicável ao caso.

Quando falamos em validade do ato, em primeiro lugar o ato está sujeito ao bloco normativo de
legalidade (princípio da juridicidade).

Por força do princípio da boa administração, no artigo 5º, a AP está sujeita também a princípios
e metas jurídicas. Quando o ato está em desconformidade com o próprio bloco legal, estamos a
falar de vícios de legalidade. Podemos também ter vícios de mérito. É preciso ter em conta a
existência de vícios. Existe vício invalidantes e vícios não invalidantes. Normalmente os vícios
invalidantes são a causa da invalidade do ato. Muitas vezes um vício menos grave pode cair numa
mera irregularidade. Muitas vezes a OJ desvaloriza a violação da norma jurídica fazendo cair a
invalidade para uma mera ilegalidade.

Tipos de invalidade:

1. Anulabilidade

2. Nulidade

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Quando é que se diz que um ato é inválido? Quando é constituído em desconformidade com a OJ.
Há vícios invalidantes e não invalidantes. Dentro dos vícios invalidantes, nem todos têm a mesma
força jurídica, como, por exemplo, o desvio de poder. Regra geral, os vícios menos graves
provocam um tipo de invalidade menos radical à anulabilidade. A anulabilidade é a regra no DA.
A própria ideia de estabilidade é uma característica de um sistema executivo. A nulidade é
excecional em termos gerais. Art. 161º: as situações previstas aqui são várias pelo que a exceção
é bastante ampla. Se as consequências são tão graves e são radicais, importa perceber quais são
as circunstâncias em que isto se pode criticar.

O regime jurídico da nulidade vem previsto no artigo 162º. O ato nulo não produz quaisquer
efeitos jurídicos, mas produz resultados juridicamente irrelevantes. No dto civil há uma espécie
de nexo psicológico entre o resultado querido pelas partes e a nulidade. No direito administrativo,
a a nulidade como não se refere aos efeitos jurídicos, atribui relevância jurídica aos efeitos de
facto, permitindo uma reação do ordenamento jurídico. Não remete para o resultado os efeitos
jurídicos.

Tipos de invalidade

Temos dois tipos: nulidade e anulabilidade.

Os vícios são o que provocam as invalidades. Dentro destes últimos, temos que precisar que nem
todos têm consequências jurídicas idênticas (uns efeitos podem ser mais radicais que outros).

O tipo de invalidade dos vícios do ato podem causar atos meramente anuláveis.

A regra no DA é a anulabilidade e não a nulidade ao contrário do que acontece no direito privado,


pelas seguintes razões:

● Autoridade do ato
● Temos um sistema administrativo executivo
● Razões de segurança jurídica

Mas se os atos nulo produzem consequências jurídicas tão radicais e severas, importam conhecer
as circunstâncias que geram invalidade administrativa.

Art. 161º e 162º CPA: trata-se de uma enumeração aberta. Numeração dos casos mais flagrantes

No Código de 1991, havia uma distinção entre nulidade por determinação legal e as nulidades por
natureza. Estaríamos perante a última quando faltasse um elemento essencial do ato
administrativo e esse elemento reporta se a um aspeto significativo do ato- era um elemento que
perturbava a própria estrutura do ato (situação de carência de poder, quando inexiste qualquer
norma que permitisse um ente administrativo (ou não) de produzir os efeitos adm pretendidos
pelo autor do ato).

Se olharmos para este elenco, nós podemos ver que muitas nulidades por determinação legal são
nulidades por natureza. Esta última desapareceu no CPA, eliminando a distinção.

Art. 162º: regime da nulidade → este artigo diz algo muito curioso: o ato nulo não produz
quaisquer efeitos jurídicos. Em primeiro lugar, há que distinguir entre uma eficácia interna da

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eficácia externa. Quando falamos na eficácia jurídica dos atos, falamos regra geral da externa
(ato foi aprovado, publicitado). É a partir daí que se começam a contar os prazos. Mas a Escola
Alemã salienta a eficácia interna: quer assinalar o caráter obrigatório e regulador do ato
administrativo. A partir do momento em que é praticado, é obrigatório e vinculativo para o
destinatário.

Um ato sujeito a condição suspensiva ou até judicial pode ser um ato com eficácia externa, mas
não tem eficácia interna porque lhe faltam os requisitos para o tornar regular e vinculativo quanto
ao destinatário.

Que efeitos produz? Internos ou externos? A eficácia externa até pode conduzir a que o ato nulo
seja verificado. Um ato meramente anulável não. Referimo-nos a uma eficácia interna do que
propriamente uma eficácia externa, quando dizemos que ele não produz efeitos. Mesmo
admitindo que o ato nulo não produz efeitos, produz resultados juridicamente relevantes. No
direito civil, isto não é compreensível porque um ato nulo no direito privado é uma técnica que
impede a produção de efeitos do ato e torna o ato juridicamente irrelevante. No DA é diferente.
A nulidade adm contempla o reconhecimento jurídico dos efeitos de facto, dos resultados
produzidos, dos efeitos práticos.

Como é que se pode pedir a suspensão da eficácia dos atos (112º e ss) quando se diz que o AA
nulo não produz efeitos? Claro que não produz efeitos jurídicos mas são resultados
juridicamente relevantes produzidos por um ato nulo. Impedindo o AA de ter efeitos jurídicos,
a nulidade adm vem dar relevância jurídica aos efeitos de facto produzidos pela OJ.

Diferença quanto aos atos nulos e atos inexistentes: enquanto um ato nulo pode não produzir
efeitos jurídicos mas protegem-se resultados juridicamente relevantes, já no ato inexistente não
produz efeitos jurídicos nem produz efeitos de facto.

162/2 → o Có digo de 91 não distinguia as situações em que as autoridades tinham o poder
de conhecer a nulidade e as situações em que as autoridades tinham o poder de declarar a
nulidade. Este artigo já distingue. Declarar a nulidade só o pode fazer o TA ou órgão adm
com competência para declarar a invalidade. Não é todo e qualquer tribunal que pode
conhecer e declarar. São dois momentos: conhecer e declarar.

Quanto aos atos anuláveis, rege o artigo 163º. Enquanto podem existir atos válidos que são
ineficazes (por não terem sido notificados, p ex.), podem existir atos inválidos que
produzem efeitos → atos anuláveis. O ato produz efeitos até ser anulado contenciosamente ou
pela via adm. O ato anulável produz os efeitos jurídicos e vincula os respetivos destinatários. A
AP até os pode executar.

A nulidade pode ser invocada a todo o tempo, ou seja, a sua impugnação não está sujeita a prazo.
Já a anulabilidade só pode ser impugnada dentro de um certo prazo que a lei estabelece.

No código de 91, só os atos anuláveis é que eram sanáveis. Os atos nulos eram insanáveis.

5. A eficácia do ato administrativo e os seus requisitos.

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Os requisitos de validade do ato são exigências da lei relativamente a cada um dos elementos da
sua estrutura: subjetivos, objetivos, formais e funcionais.

A visão clássica do ato administrativo supõe como autor do ato um órgão da AP. Atualmente, são
autoras de atos administrativos quaisquer entidades (públicas ou privadas) que, no exercício de
poderes jurídico-administrativos, praticam um ato produtor de efeitos jurídicos numa decisão
individual e concreta (um ato administrativo portanto).

Atualmente, é difícil conceber os atos administrativos como pressupondo um (único) autor e um


(único) destinatário. A conceção de relações jurídicas poligonais, que a doutrina mais recente
introduziu no DA, conduz à ideia de que em muitos atos administrativos, ao lado do autor e do
destinatário, existem ainda terceiros: sobretudo no âmbito do urbanismo e do ambiente (ex.
licença de construção de uma obra que afeta a estética da localização ou o licenciamento de
laboração de uma indústria poluente, tal como o previsto nos 1346º e 1347º CC), o que afeta a
estrutura subjetiva tradicional do ato administrativo.

- objetivos, é usual identificar-se o conteúdo do ato (as transformações jurídicas que o ato
implica) e o objeto do ato, a realidade sobre a qual recaem os seus efeitos. Pode ser uma coisa,
uma pessoa ou até um outro ato administrativo (ex. revogação/anulação de um ato administrativo).

- formais relativos à formação e expressão da vontade implícita num ato administrativo. Temos
a forma propriamente dita, o modo pelo qual o ato se exterioriza ou manifesta (a forma escrita é
a regra geral, 150º CPA), e as formalidades, i.e., todos os requisitos que a lei manda observar com
vista à correta formação da decisão administrativa (trâmites e fases do procedimento, como a
fundamentação do ato e as regras de votação dos órgãos colegiais).

- funcionais, nos quais se incluem o fim (o interesse público), identificado através dos
pressupostos – situações da vida real identificadas na lei e que, uma vez verificadas na prática,
permitem ou exigem a intervenção da AP.

Costuma distinguir-se o fim legal, i.e. a mera previsão pelo legislador das circunstâncias em que
se exige um ato da AP (designadas de “pressupostos abstratos ou hipotéticos do ato”) e o fim real,
ou seja, a situação da vida real que deve corresponder ao fim da lei (“pressupostos reais ou
concretos”).

A identificação dos requisitos de validade do ato administrativo é feita por referência aos
elementos da sua estrutura. Temos, então, requisitos de validade quanto aos sujeitos, quanto ao
objeto e conteúdo, quanto à forma/formalidades dos atos, e quanto ao fim:

1) Sujeitos

consideramos o seu sujeito ativo (será sempre, em princípio, um órgão integrado numa
determinada pessoa coletiva de direito público); desde logo, a exigência de que tal órgão esteja
inserido numa pessoa coletiva pública dotada de atribuições para o efeito. Mas tal não basta: é
ainda necessário que o órgão que pratica o ato seja o órgão competente no seio da respetiva pessoa
coletiva (os elementos da atribuição e da competência têm também de estar presentes)

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Todavia, para alguma doutrina, que o PROF subscreve, ao lado destas duas é ainda necessário
que o órgão que pratica o ato esteja legitimado, em concreto, para o exercício da sua competência
(legitimidade da competência). São, então, requisitos de validade para a prática do ato: a
investidura do titular do órgão, o quórum dos órgãos colegiais (de reunião e deliberativo), a
autorização para a prática do ato; a ausência de impedimentos do agente ou titular do órgão; o
decurso de um período de tempo dentro do qual o ato deve ser praticado, sob pena de, decorrido
o hiato temporal, não poder ser levado a cabo.

2) Objetivos

- objeto: Exige-se, desde logo, a sua existência, i.e., a sua possibilidade física ou de facto do
objeto, bem como a sua possibilidade jurídica (a suscetibilidade de realização jurídica de
determinada disposição em função do objeto), e a sua determinação, de forma a ser possível
identificá-lo e delimitá-lo.

- conteúdo: os requisitos de validade são distintos consoante sejam atos vinculados ou de natureza
discricionária. O conteúdo dado ao ato tem de coincidir com o conteúdo previsto na lei. Nos atos
discricionários, exige-se que o conteúdo seja certo, legal e possível. Há quem acrescente que a
vontade que dá origem ao ato seja uma vontade esclarecida ou livre.

3) Formais

- forma: primeiramente, o ato tem de ter a forma de exteriorização legalmente exigida – em regra,
a forma escrita (150º CPA). A regra sofre as devidas adaptações no caso de o ato ser um órgão
colegial – aqui, só se torna a forma escrita obrigatória quando for determinado na lei. Os atos
orais devem ser consignados em ata, requisito da sua eficácia (34º/6 CPA). Ainda em termos
formais, devem ter-se em conta as menções que constam obrigatoriamente no ato (151º CPA).

Pode, ainda, distinguir-se entre forma simples ou forma solene: na primeira, a exteriorização da
vontade do órgão não exige a adoção de modelo especial; na segunda, deve obedecer-se a um
certo modelo legalmente estabelecido.

Ex. se um ato administrativo for praticado por despacho ministerial, consistindo numa mera
assinatura aposta ao despacho, temos forma simples; se a lei exigir a forma de portaria (sendo
necessário respeitar um certo modelo legal), teremos então uma forma solene.

- formalidades, distingue-se as que são anteriores à prática do ato (regras procedimentais) e as


relativas à prática do ato: nas regras procedimentais, devem ter-se seguido todas as regras
procedimentalmente exigidas para o efeito. Então, a AP tem de cumprir todos os trâmites
legalmente exigidos para a prática de determinado ato (respeito pelos 56º e 57º CPA). De qualquer
forma, o CPA, apesar de não pretender criar uma única tramitação para vários procedimentos que
podem ter lugar, facilita a identificação dos vícios procedimentais.

Contudo, mesmo nos casos em que a AP tem liberdade para fixar o procedimento (56º e 5º), ou
inclusive nos procedimentos voluntários, também pode haver vícios procedimentais na medida
em que a tramitação criada pela AP deve ser lógica, racional e obedecer à deontologia da atividade
administrativa. Contudo, é necessário ter em conta que nem todas as formalidades que integram
o procedimento são requisitos de validade dos atos administrativos.

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Distingue-se, aqui, entre formalidades essenciais, cuja violação afeta a validade do ato, e
formalidades não essenciais, cuja violação não torna o ato inválido. Muita doutrina considera que
toda a formalidade exigida por lei é uma formalidade essencial, salvo em 3 situações:

1- quando for uma formalidade meramente interna, de natureza burocrática (nos prazos
ordenadores p ex., do 128º CPA, cuja violação não implica a invalidade do ato expresso que venha
a ser praticado mais tarde, ainda que desencadeie responsabilidade disciplinar);

2- quando a lei considerar a finalidade dispensável, e nos termos em que a considere (ex. dispensa
de audiência prévia nos termos do 124º/1 CPA)

3- quando a inobservância da formalidade essencial em causa não tenha obstado à realização do


fim que a lei tinha em vista ao exigi-la. Aqui, a formalidade essencial degrada-se em formalidade
não essencial (teoria da degradação das formalidades essenciais em formalidades não essenciais).

Assim se distinguem as formalidades supríveis, cuja falta no momento adequado ainda pode ser
corrigida pela respetiva prática atual (sem prejuízo do objetivo pretendido pela lei com a
imposição em determinado momento do procedimento), das formalidades insupríveis, cuja
violação não pode ser corrigida (já foi precludido o objetivo prosseguido pela lei através da sua
imposição).

É neste âmbito que se insere o princípio do aproveitamento do ato (163º/5 CPA). A doutrina vinha
a admitir, em certos casos, este princípio, segundo o qual a preterição de formalidades que
implicassem apenas a anulabilidade do ato não conduziria à impugnação quando o seu conteúdo
não pudesse ser outro que não o conteúdo do ato (para atos estritamente vinculados ou de
discricionariedade reduzida a zero). Tradicionalmente, este princípio não valeria para os atos
discricionários, para os atos nulos e cujo conteúdo esteja em plena conformidade com a lei
substantiva.

A al. a) permite o aproveitamento do ato (a sua não anulação), apesar da invalidade, quando o
conteúdo do ato não possa ser outro: por o conteúdo ser totalmente vinculado (redução da
discricionariedade a zero) ou quando a apreciação do caso concreto permita identificar apenas
uma solução como a legalmente possível. Esta situação pode resultar de vícios formais,
procedimentais ou materiais do ato (a prática, contudo, demonstra ser mais frequente a situação
de vícios formais, mais concretamente da inexistência de audiência prévia, do 121º e ss. CPA,
trâmite aplicável à generalidade dos procedimentos, incluindo aqueles em que o ato é de conteúdo
legalmente vinculado). O aproveitamento verifica-se com maior frequência no caso de atos
favoráveis, mas é também possível em atos desfavoráveis.

A al. b) admite a irrelevância do vício do procedimento ou de forma quando o fim visado pela
exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via; quando da
violação não tenha resultado uma lesão efetiva dos valores e interesses protegidos pelo preceito
formal ou procedimental violado, portanto. É o caso da degradação de formalidades essenciais
em formalidades não essenciais. Diferentemente da al. a), a irrelevância só é admitida quanto a
vícios formais ou procedimentais, sendo indiferente o caráter vinculado ou discricionário do
conteúdo do ato.

Determina-se na al. c) que o vício gerador de invalidade é igualmente improdutivo quando, no


caso concreto, se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria de
ser praticado com o mesmo conteúdo (ou seja, que a ilegalidade não teve qualquer influência no

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conteúdo da decisão). Tal pode resultar de vícios formais ou procedimentais (decisões de órgãos
colegiais p ex.), mas pode em muitos casos resultar de vícios substanciais/materiais. Vale também
para situações de exercício de podres discricionários, no pressuposto de que o vício não afetou as
ponderações discricionárias.

Esta última hipótese, pela maior complexidade, deve entender-se de forma restrita e ser usada
com especial cautela (até pela exigência de comprovação “sem margem para dúvidas”). Convém,
ainda, salientar que em todas as situações do nº 5, não estamos perante um poder do juiz ou uma
faculdade da AAP, mas uma inibição legal quanto à não produção do efeito anulatório em certos
casos concretos.

Não se trata, também, de uma convalidação do ato (a ilegalidade mantém-se) – eventualmente,


por exceção, a al. b) pela possibilidade de realização alternativa do fim legal. Não se exclui a
possibilidade de indemnização se houver danos lesivos de interesses legalmente protegidos de
particulares, sejam eles não patrimoniais ou causados pela não anulação do ato (sempre que haja
interesse juridicamente relevante nessa anulação). O PROF tem reservas quanto a esta solução,
apesar de a compreender, por de alguma forma desconsiderar o direito das formas, que IHERING
defendia por ser inimiga do arbítrio. Sobretudo na atualidade, em que há menor intensidade da
vinculação da atividade administrativa à lei; igualmente, parece difícil pedir ao juiz um juízo de
prognose, confrontando o ato efetivamente praticado com violação de formalidade essencial e o
ato hipotético cumprindo todas as formalidades. Mas este princípio é limitado pela garantia da
tutela jurisdicional efetiva ao particular, sempre que ele possa retirar algum benefício da anulação
do ato.

As formalidades relativas à prática do ato, como as regras de reunião e votação nos órgãos
colegiais, são importantes, em especial o dever de fundamentação (152º e ss. CPA). A
fundamentação traduz-se, antes de mais, numa declaração contida no ato administrativo, por
intermédio da qual o seu autor expõe os fundamentos de facto e de direito da sua decisão (153º/1,
1ª parte).

Apesar de a lei não estabelecer um dever geral de fundamentação, o 152º permite concluir que
esse dever existe para a grande maioria dos atos administrativos: ela é prevista na própria CRP
relativamente aos atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares
(268º/3 CRP). No CPA, 153º/1 permite a fundamentação como mera “declaração de concordância
com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste
caso, parte integrante do respeito ato” (fundamentação por remissão); o nº 2 equipara a falta de
fundamentação “à adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência,
não esclareçam concretamente a motivação do ato”.

Interessa, assim, na fundamentação, distinguir:

- justificação: indicação sobre o fim do ato administrativo (o interesse público específico que a
AP está jurídico-constitucionalmente vinculada a prosseguir e realizar); é uma indicação dos
pressupostos (circunstâncias de facto que demonstram a existência de uma situação de interesse
público definida legalmente, situação que autoriza ou obriga a AP a agir ou praticar o ato
administrativo).

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- motivação: tem lugar nos atos discricionários, consistindo numa declaração sobre os motivos
(interesses que o agente considerou significativos para atribuir um determinado conteúdo ao ato
administrativo, na parte em que este envolva discricionariedade), visando tornar transparente a
atividade administrativa, facilitar o itinerário lógico e jurídico da formação do ato (a
compreensibilidade e o controlo administrativo e contencioso do ato, em sede administrativa e
jurisdicional). É guma garantia do administrado que permite avaliar e assegurar a correta
prossecução do interesse público.

A fundamentação pode, ainda, ser vista sob duas perspetivas distintas:

- formalista, que procura atribuir-lhe um significado próprio, acentuando o caráter discursivo,


retórico e justificatório do ato administrativo.

- substancial: tende a diminuir a relevância formalista, acentuando o caráter heterogéneo do


material fundamental, sobretudo do adquirido em fase instrutória (conjunto de observações,
factos, normas, posições jurídicas relevantes que possam justificar a decisão adotada para efeitos
de tutela jurisdicional). O 153º/1 diz que entre os pressupostos de facto e de direito deve existir
um nexo relacional, tratando-se de relações jurídicas referentes àqueles pressupostos de fato e não
a outros, respeitando-se na relação o princípio da proporcionalidade.

No conteúdo procedimental da fundamentação, temos:

- pressupostos de facto pertinentes à identificação dos elementos concretos e objetivos através


dos quais se chega à decisão final (factos determinantes para tomada da decisão final)

- as relações jurídicas, i.e., a enunciação da normas e princípios jurídicos aplicáveis ao caso

- a representação da atividade instrutória ou procedimental de maior relevo

Se o procedimento é funcional à ponderação e adequação do ato aos interesses fundamentais,


pode dizer-se que a atividade administrativa deve ser o mais possível eficiente, imparcial,
informada e justa. O legislador do CPA acolheu uma definição substancial do instituto da
fundamentação.

O PROF considera insuficiente a fundamentação que esclareça apenas as razões que justificaram
a decisão da administração, podendo ela ser falaciosa, não verdadeira ou não correspondente à
realidade factual. Por isso, devem incluir-se factos objetivos de justificação do ato, e não apenas
elementos de natureza retórica. Deve referir, discursivamente, os pressupostos de facto e de
direito, sob pena de invalidade, cuja consequência jurídica seria a anulabilidade e não a nulidade,
como sustentam alguns autores que comparam este direito a um direito de natureza análoga a
DLG.

Em suma, a relação proporcional entre os pressupostos de facto e de direito só é suscetível de


verificação através da atividade procedimental, refletida na fundamentação do ato (onde a
instrução desempenha um papel de extrema importância). A deficiente fundamentação pode gerar
um vício de ponderação, que pode ser sugestivo de outros vícios, um deles a violação da lei (vícios
materiais, portanto).

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Tradicionalmente, a J considera suficientemente fundamentado o ato que se mostra apto a revelar


a um destinatário normal as razões determinantes da decisão e o processo lógico e jurídico que a
ela conduz (conjugação das correntes formalista e substancialista – para o PROF, a conceção
formalista parece ter sido privilegiada historicamente pela J).

4) Fim

Exige-se que o fim prosseguido pela AP coincida com o fim determinado pela lei. Apesar de os
vícios só serem especialmente relevantes nos atos discricionários, a imposição não deixa de
existir.

Vícios do ato administrativo

Determinam diferentes modalidades de invalidade. A conceção clássica divide-os em vícios


orgânicos, formais, materiais e de vontade.

1- Vícios orgânicos

Podem gerar vários tipos de invalidade (anulabilidade, nulidade e, em alguns casos, inexistência):

- usurpação de poderes: consiste na prática por órgãos da AP ou equivalente de um ato incluído


nas atribuições do poder legislativo ou judicial (violação do princípio de separação de poderes),
com a consequência jurídica da nulidade (161º/2/a) CPA)

- incompetência absoluta ou por falta de atribuições: quando um órgão de uma pessoa coletiva
pratica atos da competência de outro órgão de outra pessoa coletiva, ou quando um ministério
pratica atos do domínio de outro ministério (igual consequência, 161º/2/b))

- incompetência relativa, que se distingue:

· em razão da matéria: quando um órgão pratica atos da competência de um


outro órgão, mas dentro da mesma pessoa coletiva (consequência da
anulabilidade)

· em razão do território: quando são violados os limites territoriais (o critério


territorial tem vindo a perder importância, pelo DAE e a sua figura do ato
administrativo transnacional em sentido próprio)

· em razão do tempo (quando os pressupostos de facto e de direito ainda não


se concretizaram), quando tenha efeitos retroativos não permitidos por lei
ou ainda quando o prazo dentro do qual o ato deveria ser praticado já se
esgotou.

Há quem autonomize nos requisitos de validade, quanto aos sujeitos, a legitimação, tendo-se ainda
vícios relativos à falta de legitimação: situações em que o órgão que atua, apesar de o fazer dentro

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das atribuições da pessoa coletiva a que pertence e dentro do âmbito das suas competências, não
está qualificado, na situação concreta, para exercer as suas competências. São várias as situações
de falta de legitimação: falta de autorização para agir, sempre que o órgão, apesar de competente,
só puder atuar quando autorizado por outros órgãos (nos termos do 33º/1/g) L 75/2013, a CM só
pode alienar imóveis com autorização da AM); as situações de impedimento do agente, quando
praticar atos nas situações previstas no 69º e ss. CPA; ou na situação de falta de quórum dos
órgãos colegiais (161º/2/h)); a falta de investidura do titular do órgão, situações em que o órgão
atua sem que o titular tenha ainda sido investido (no entender do PROF, nulidade, sem prejuízo
de se chegar à inexistência).

2- Vícios formais

Consistem na violação de formalidades essenciais (regras fundamentais, trâmites ou fases), ou na


errada forma de exteriorização da vontade. Pode, então, identificar-se a preterição de formalidades
anteriores à prática do ato (vícios de procedimento) sempre que a lei desenha determinada
tramitação para a prática do ato, ele só é considerado como validamente formado se essa
tramitação tiver sido cumprida.

Ex. falta da audiência dos interessados, de um parecer necessário ou o seu incumprimento nos
termos legais; uma audiência prévia por 5 dias e não por 10, como o exige o 122º/1 CPA, p ex.
Em regra, a consequência é a anulabilidade. Pode, contudo, dar origem a nulidade, quando haja
violação de regras procedimentais que impliquem a violação de DF processuais (161º/2/d) CPA),
como a falta de audiência dos interessados em procedimentos disciplinares e contraordenacionais
(32º/10 e 269º/3 CRP).

Quando o vício se reporta a um procedimento facultativo (escolhendo a AP a tramitação a seguir),


só haverá vício de procedimento se os seus atos forem defeituosos ou se atentarem contra a lógica
e deontologia do DA (ex. audiência dos interessados logo após a abertura do procedimento ou da
prática do ato). A preterição de formalidades relativas à prática do ato pode ser relativa a votação
dos órgãos colegiais: via de regra, gera anulabilidade, mas determina a nulidade nos casos de
deliberações tomadas tumultuosamente e deliberações tomadas com inobservância da maioria
exigida (161º/2/h) CPA).

Quanto à forma (modo de exteriorização do ato legalmente exigido), a carência absoluta de forma
legal é a nulidade (161º/2/g) CPA. No texto do ato administrativo, a falta de determinadas
menções obrigatórias (151º e 155º/2) gera diferentes invalidades. A falta de indicação da
autoridade; de identificação do destinatário; de indiciação do conteúdo ou do sentido da decisão
e respetivo objeto; e a falta de assinatura do ato administrativo geram, todas elas, inexistência.

3- Vícios materiais

- violação de lei: discrepância entre o conteúdo e/ou o objeto do ato e as normas legais que lhe
são aplicáveis. Tem-se entendido como vício de caráter residual, de que o PROF discorda, já que
esse vício pode esconder outros vícios, entre os quais o vício de desvio de poder. Ex. nos atos
vinculados, a decisão de coisa diferente da prevista na lei (ex. inexistência ou ilegalidade dos
pressupostos) nos atos discricionários, quando sejam infringidos princípios que limitam ou

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condicionam a discricionariedade administrativa (violação de princípios da igualdade,


imparcialidade, etc. – 266º CRP e 3º e ss. CPA)

- desvio de poder: quando, no exercício de poderes discricionários, por um motivo particularmente


determinante, há uma desconformidade com a finalidade para que a lei lhe atribui tal poder. Em
regra, é anulável, mas pode conduzir à nulidade quando se verifica a prossecução de interesses
privados em vez de interesses públicos (161º/2/e)).

4- Vícios objetivos

- sobre o objeto: realidade sobre que recaem os efeitos jurídicos do ato. Nos casos de
impossibilidade e ininteligibilidade (161º/2/c) CPA), a sanção é a nulidade, tal como quando haja
inexistência ou falsidade do facto certificado (al. j)), anteriormente considerado nulidade por
natureza (agora é nulidade por determinação legal).

- sobre o conteúdo: falamos das transformações jurídicas, dos efeitos jurídicos, há que salientar
outros casos de violação de lei que geram nulidade: falta absoluta de base legal, prática de ato
administrativo sem que haja lei que o autorize; atos que criem obrigações pecuniárias não
previstas na lei (161º/2/k) CPA); prática de ato contra expressa proibição legal; ato cujo objeto
constitua um crime (al. c)); ato que ofenda o conteúdo essencial de um DF (al. d)); ato que tenha
por objeto a renúncia à titularidade ou ao exercício da competência (36º/2); ato que ofenda o caso
julgado (161º/2/i)). Os restantes vícios (violação do regime legal, erro sobre pressupostos de facto
ou violação dos princípios da atividade administrativa) têm como consequência jurídica a
anulabilidade (163º).

5) Vícios da vontade

Só relevam nos atos discricionários, nas situações em que o ato é praticado com erro, dolo ou
coação. Nos primeiros dois, temos anulabilidade (163º); a coação acarreta a nulidade (161º/2/f)).

Sanação dos AA

Antes do CPA de 2015, a sanação dos atos podia referir-se aos atos anuláveis; contudo, agora,
nos termos do 164º CPA, a sanação refere-se aos atos anuláveis mas também aos atos nulos
(novidade relativa, pois tinha já consagração no CCP).

A sanação consiste na transformação de um ato inválido num ato válido (164º CPA).
Contrariamente à doutrina tradicional, o PROF entende que o decurso do tempo para impugnação
dos atos administrativos anuláveis não é uma forma de sanação, apenas o tornando inopugnável
(consolida-se na ordem jurídica). O vício mantém-se, podendo assumir relevo a outros níveis,
sobretudo ao nível da responsabilidade civil da Administração por atos ilícitos. Outra hipótese é
a sua apreciação a título incidental nos termos do 38º CPTA.

O PROF entende que a sanação do ato administrativo opera apenas por intermédio de atos
administrativos secundários, praticados com o objetivo de retirar o vício do ato anulável (164º/1):

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ratificação, reforma e conversão, aos quais se aplicam as normas que regulam a competência para
a anulação administrativa dos atos inválidos e a sua tempestividade. O nº 2 estabelece que os atos
nulos só podem ser objeto de reforma ou conversão, desde que verificados os pressupostos de
cada um dos atos.

- ratificação: ato administrativo pelo qual o órgão administrativo competente decide sanar um
ato inválido anterior, eliminando a ilegalidade que o vicia. Pede-se a prática do ato sem o vício
que o afetou.

- reforma: a Administração conserva um ato anterior na parte que não esteja afetada por
ilegalidade

- conversão: aproveitam-se os elementos válidos de um ato ilegal para com eles compor um outro
ato que seja válido, legal. Transforma-se um ato ilegal num ato legal, que passa a ser praticado
com os elementos legítimos do primeiro ato.

Mas continua a excluir-se a ratificação de atos nulos fundamentalmente referida a vícios relativos
ao sujeito ou à forma, embora (o PROF considera que talvez esta figura possa ser admitida, ainda
que excecionalmente, na falta de quórum, quando ela não ponha em causa a colegialidade desse
mesmo órgão).

O nº 4 do 164º prescreve a aplicação, nos casos de reforma e de conversão, das normas


procedimentais aplicáveis ao novo ato. O PROF considera mais importante a limitação
introduzida no nº 5, respeitante à retroatividade dos efeitos da reforma e da reconversão.

De facto, o poder administrativo de convalidação, nas suas diversas manifestações, não deve
confundir-se com a mera prática do mesmo ato, expurgado do vício que o invalidar. Por isso, os
efeitos da convalidação retroagem à data dos atos convalidados, com todas as consequências daí
resultantes. Mas fica salvaguardada a possibilidade de anulação dos efeitos entretanto produzidos,
quando se trate de atos que imponham deveres, encargos, ónus ou sujeições, apliquem sanções ou
restrinjam interesses e direitos legalmente protegidos, SE a convalidação ocorrer na pendência de
um processo judicial impugnatório entretanto desencadeado e naturalmente, se houver interesse
legítimo na anulação. É a mesma solução do 173º/2 e 3 (da substituição de um ato anulável por
um ato válido com o mesmo conteúdo).

5.1. Eficácia interna e eficácia externa do ato

Arts. 155º e ss. CPA

Ao passo que a validade do ato administrativo diz respeito a momentos intrínsecos do próprio ato,
a eficácia jurídica (externa, sobretudo) relaciona-se com factos ou circunstâncias extrínsecas ao
mesmo ato. Assim, enquanto os vícios relativos à validade afetam a própria legalidade do ato
administrativo, os elementos condicionantes da eficácia alteram apenas a produção de um efeito
jurídico externo.

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Se, no procedimento administrativo, a fase integrativa de eficácia surge depois da fase constitutiva
ou decisória (em regra), temos em princípio um ato administrativo já pronto a produzir efeitos,
um ato perfeito (155º/2). Falta apenas o plano interativo da eficácia.

A distinção entre estes dois planos é importante, podendo haver atos válidos mas ineficazes, e
atos inválidos mas eficazes. Relativamente ao CPA anterior, acrescenta-se no 155º/1 a referência
a uma eficácia retroativa, diferida ou condicionada (o 127º do CPA anterior não aludia à eficácia
condicionada).

A possibilidade de atribuição de eficácia condicionada tem em vista as situações previstas no


157º, em que a lei ou o autor do ato submetem os seus efeitos a uma condição suspensiva. Aqui,
caso a condição venha a verificar-se, os efeitos não se contam desde a data da verificação, mas
desencadeiam-se desde o momento inicial.

O nº 2 estabelece quando se considera que um ato administrativo foi praticado, respondendo à


questão de saber em que momento se considera existir um ato administrativo.

Não existem “atos administrativos inexistentes” (seria contraditório), mas nem por isso deixam
de poder existir situações de inexistência de um ato administrativo: quando, ainda que a
Administração defenda o contrário, não se possa considerar que foi praticado um ato
administrativo, nos termos do 155º/2 CPA. Um documento que não identifique a autoridade que
o praticou ou a cuja autoria ele não possa ser assinado não pode ser reconhecido como decisão
tomada por um órgão dotado de poderes jurídico-administrativos.

O mesmo acontece se não constar de todo em todo o conteúdo ou o sentido (151º/1/e)). O PROF
não entende também poder ser considerado ato administrativo um documento que não indique
destinatário em cuja esfera jurídica se visa produzir esses mesmos efeitos ou que não indique o
objeto sobre o qual esses efeitos se vão produzir (ex. ato de nomeação que não indica a pessoa
nomeada; de expropriação por utilidade pública que não indica o bem expropriado; de
classificação de um imóvel de interesse histórico ou artístico que não indica o bem a que se reporta
o respetivo conteúdo).

Atos válidos mas ineficazes são tipicamente os atos de eficácia diferida ou condicionada (157º
CPA): a primeira quando já tenha passado a fase constitutiva (ele já foi praticado, está pronto),
não havendo nada a acrescentar para que se torne válido ou perfeito, mas ao qual falta ainda um
evento integrador da eficácia (ex. aprovação); condicionada se os atos estão sujeitos a condição
ou termos suspensivos; são atos perfeitos ou válidos, mas cuja eficácia só é desencadeada pela
verificação da condição ou do termo.

A situação oposta (atos inválidos mas eficazes) é possível no caso dos atos anuláveis, determinada
por vícios menos graves: a ordem jurídica permite a produção de efeitos até à sua anulação pela
Administração ou por um tribunal administrativo. O pedido de anulação é sujeito a um prazo (um
ano em regra, dos 58º/1/a) CPTA e 168º/2 CPA). Expirado o prazo, o ato não deixa de ser inválido:
o vício permanece, mas o ato estabiliza-se na ordem jurídica, pois não pode ser atacado
judicialmente (pode, sim, ser atacado por via incidental ao abrigo do 38º CPTA). Quando expira
esse prazo, diz-se que o ato se tornou inopugnável ou inimpugnável.

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NOTA: A ineficácia enquanto forma de invalidade é uma consideração incorreta, pois são planos
diferentes a validade e a eficácia do ato (nem sempre correspondem, salvo nos atos nulos). São
requisitos de eficácia de atos administrativos as aprovações, os vistos, a publicação nos casos
expressamente exigidos na lei (158º) e a notificação nos termos do 160º (atos impositivos
desfavoráveis, de encargos, deveres, etc.)

5.2. Suspensão e cessação da vigência

Duas questões ainda de relevo a propósito da eficácia: a suspensão e a cessação da eficácia do


ato:

- suspensão: quando um ato administrativo de eficácia duradoura está a produzir normalmente os


seus efeitos, surgindo determinado acontecimento que impede a continuação de produção desses
efeitos; pode ser determinada por outro ato administrativo, com base em juízos de oportunidade
ou conveniência provenientes da própria Administração, como pode também ser consequência de
um recurso hierárquico necessário (189º/1 CPA). A impugnação administrativa necessária tem
como consequência a suspensão da eficácia do ato a que se refere (189º/1), ao passo que a
impugnação facultativa ou putativa tem como consequência a mera suspensão do prazo de
impugnação contenciosa (190º CPA).

A suspensão ocorre, ainda, se for determinada por decisão judicial: neste caso, no âmbito de um
processo cautelar, mais precisamente a suspensão judicial de eficácia de um ato, no âmbito de
uma ação administrativa impugnatória interposta ou a interpor contra o respetivo ato
administrativo nos termos do 112º e ss. CPTA.

A suspensão termina com a renovação da eficácia do ato ou com a extinção do mesmo

- cessação: refere-se a atos de eficácia duradoura. Pode ter por base um ato administrativo com
esse objetivo expresso (sucede com a revogação e anulação do ato administrativo); uma decisão
judicial de anulação do ato (ao nível de processo principal); ou ainda por funcionamento de
determinadas cláusulas acessórias apostas ao ato administrativo (149º CPA). É o que acontece na
condição resolutiva ou no termo final. Na primeira, a eficácia de um ato fica dependente da
verificação de um acontecimento futuro ou incerto; o termo final refere-se à cláusula acessória
pela qual se determina que os efeitos do ato à qual está aposta cessem a partir de certo momento
(pode o acontecimento ser de verificação certa, como uma data, ou um período de tempo)

Eficácia retroativa

O 156º CPA, relativo à eficácia retroativa, tem como alterações importantes a al. a) do nº 2, que
fala em “pressupostos justificativos dos efeitos a produzir”, que no anterior código era
“pressupostos justificativos da retroatividade”. O PROF considera a redação mais exata, pois
exige-se que à data a que o ato faz remontar os seus efeitos já se encontrassem preenchidos os
pressupostos legalmente exigidos para a produção desses efeitos.

A al. d) deixou de fazer apenas referência às situações em que a lei permite retroatividade,
abrangendo também situações em que ela “a impõe”. Abrange quer os casos de atos a que a

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própria lei atribui efeito retroativo sem ser necessário o autor fazê-lo (nº1/b), quer os casos em
que a lei não atribui, mas impõe a prática do ato com efeito retroativo (nº 2/d). Nesta última
hipótese, a atribuição de eficácia é um poder vinculado, tal como a al. c) do nº 2.

Da nova al. b) resulta que um autor de um ato administrativo deve atribuir eficácia retroativa
quando a anulação contenciosa ou administrativa de ato anterior tenha constituído a AP nesse
dever; e para lhe dar cumprimento a deveres, encargos ou ónus constituídos no passado. Assume,
também, que não apenas em consequência da anulação do ato administrativo é que a AP fica
constituída em tal dever, mas sempre que deixe de dar cumprimento a esses mesmos aspetos
constituídos no passado (al. c)).

A irretroatividade é garantida nos atos que envolvam a imposição de deveres, a aplicação de


sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, o que vale também para os
atos revogatórios de atos anuláveis (156º/2/c) CPA).

6. Revogação e anulação dos atos administrativos (165º e ss. CPA)

O CPA de 91 abrangia duas modalidades de revogação: ab-rogatória ou extintiva (“revogação de


atos válidos”) e anulatória (“revogação de atos inválidos”, entendendo-se como “anuláveis”). A
nulidade não é suscetível de anulação ou revogação administrativa (166º/1/a) CPA).

O atual CPA reservou a revogação para a anterior revogação ab-rogatória ou extintiva, dando o
nome de “anulação à anteriormente designada “revogação anulatória”. Mas tem uma importância
prática, já que consagra regimes jurídicos diferentes para as duas figuras.

Ambos são atos administrativos secundários (têm por objeto atos administrativos previamente
praticados) modos de extinção. O legislador reserva a revogação para o ato administrativo que
faz cessar os efeitos de outro ato por razões de mérito, conveniência ou oportunidade (165º/1); a
anulação determina a destruição dos efeitos de outro ato com fundamento em invalidade (165º/2).
Destroem-se, contudo, os efeitos já produzidos (171º/3).

Distinguem-se dos atos contrários porque, na revogação e anulação, a decisão implica a resolução
da mesma situação que serviu de base à prática do mesmo ato (é o exercício da mesma
competência em primeiro e segundo grau); nos atos contrários, o segundo ato não incide sobre
o mesmo caso concreto, tratando-se da prossecução de diferentes interesses públicos.

Ex. se a Administração nomeia um funcionário e, em sequência de procedimento disciplinar, o


demite, este segundo ato é um ato contrário em relação ao primeiro (é um ato de primeiro grau,
portanto).

Do ponto de vista da respetiva eficácia, a revogação produz efeitos ex nunc (fazendo cessar a
eficácia do ato anterior para o futuro); a anulação tem efeitos ex tunc (destrói os efeitos do ato
desde o momento da sua prática, nos termos do 171º/1 e 3). Por outro lado, a revogação implica
o exercício de uma função administrativa ativa (dispositiva), do mesmo tipo da função exercida
para a prática do primeiro ato; já a anulação implica o exercício de uma função de controlo ou
fiscalização.

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A anulação pode incidir sobre quaisquer atos administrativos; a revogação apenas sobre atos de
eficácia duradoura ou instantânea (enquanto não sejam executados). Ainda assim, o CPA
identifica no 166º atos insuscetíveis de revogação e anulação.

Outro aspeto da distinção é o facto de a revogação poder ser determinada a todo o tempo, enquanto
a anulação só pode ser efetuada dentro de determinado prazo (regra do 168º/2, de um ano).

Ao nível orgânico, a competência para a revogação de atos administrativos os seus autores e


respetivos superiores hierárquicos, desde que não se trate de ato de competência exclusiva do
subalterno (169º/2).

167º (anterior 140º CPA 1991)

A revogação dos atos válidos estritamente vinculados não está na disponibilidade da AP, pelo que
é expressão de um poder cujo exercício apenas faz sentido em relação a atos praticados no
exercício de poderes discricionários.

O nº 2 vem estabelecer alguma flexibilidade ao regime na altura considerado demasiado rígido.


As als. a) e b) admitem (tal como no 140º/2) que os atos constitutivos de direitos podem ser
revogados na parte em que sejam prejudiciais para os beneficiários, ou quando estejam em
concordância e não estejam em causa direitos indisponíveis.

As als. c) e d) trazem maiores inovações. A primeira visa possibilitar a revogação de atos


constitutivos de direitos por razões imperativas de interesse público, mediante pagamento de
indemnização por prejuízos causados (nº 5), sujeita a dois requisitos: superveniência de
conhecimentos técnicos e científicos ou pelo surgimento de novas circunstâncias que possam ser
qualificadas como “alteração subjetiva das circunstâncias de facto” (parece só admitir a revogação
quando se possa concluir que o ato não teria sido praticado pelo órgão competente se as
circunstâncias fossem as do momento da revogação).

Não se admitem revogações baseadas em novas considerações subjetivas de circunstâncias ou em


poder discricionário.

O nº 4 prevê um prazo de um ano a contar do conhecimento da superveniência ou da alteração da


circunstância, podendo-se prorrogar por razões fundamentais.

A nova al. d) veio criar a figura da “reserva de revogação”. Ao exigir verificação do


circunstancialismo específico previsto na própria cláusula, exclui-se a possibilidade de reservas
de conteúdo aberto, que colocassem os atos constitutivos de direitos em situações de completa
precariedade. Igualmente, limitam-se as situações em que se admite a introdução de reservas de
revogação do conteúdo de a constitutivos de direitos. O 149º exige que a utilização das cláusulas
acessórias não seja contrária à lei nem ao fim visado pelo ato. Acrescenta, ainda, que só pode ser
introduzida no conteúdo de um ato constitutivo de direitos quando o quadro normativo aplicável
permita a precarização do ato em causa.

Nº 5: distingue a indemnização por sacrifício (primeira parte) da indemnização por expropriação


de sacrifício. A primeira consagra o direito dos beneficiários de boa fé dos atos revogados a
indemnização nos termos da indemnização por sacrifício (16º Regime da responsabilidade civil
extracontratual do Estado) – indemnização como consequência de um ato impositivo de encargos
ou de um a causador de danos especiais e anormais.

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Distinta é a expropriação de sacrifício, que abrange os atos que destroem ou afetam o núcleo
essencial de uma posição jurídica enquanto direito constitucional de propriedade ou outros
direitos de natureza patrimonial (segunda parte). Diferentemente da primeira, há por parte da AP
uma intenção expropriativa do direito (ou de tal modo restritiva do seu exercício) que configura
um ato de natureza ablativa – não é assumida, se assim fosse seria por utilidade pública, que tem
momento translativo (passagem da titularidade do particular para a AP); nesta, sobretudo
caraterística do direito urbanístico, não há momento translativo. Apenas, o titular mantém-se
como tal, mas vê diminuído drasticamente o seu valor económico ou financeiro. Ex. mudança
classificação de terreno como área edificável para área verde ou de lazer.

A primeira destina-se a diminuições de vantagem que decorram de situações de facto não


desejadas pela AP, mas surgidas por consequência da sua atuação. A segunda destina-se a atos
que constituam atos análogos de expropriação – afetação de tal maneira grave ao núcleo essencial
de um direito que configure ato de natureza ablativa (há uma garantia para os particulares que, tal
como a expropriação clássica, tem em conta o valor económico do direito prejudicado).

Anulação (165º e 168º)

Corresponde ao anterior 141º CPA de 1991, considerado muito rígido, e do qual resultava um
prazo unitário de 1 ano para a anulação administrativa (chamada na altura “revogação anulatória
de ato inválido”). Não eram tomados em devida consideração determinados aspetos; o 168º bem
estabelecer regimes diferentes para diferentes tipos de situações, não havendo prazo uniforme.

O nº 3 do 168º estabelece que, quando o ato tenha sido objeto de impugnação judicial, só pode a
anulação ter lugar até ao encerramento da discussão (durante a pendência do processo, portanto).
São estabelecidos no 168 vários prazos, consoante sejam atos constitutivos ou não constitutivos
de direitos.

O nº 1 impõe um prazo de 6 meses para a anulação administrativa, contado desde o conhecimento


do órgão competente do ao invalidade; no caso de a invalidade resultar de erro do agente, desde
o momento em que se soube desse erro. Mas condiciona-se esse prazo a um limite, contado desde
a prática do ato a anular. Por regra, é de 5 anos; mas para os atos constitutivos de direitos o nº 2
fixa o prazo em 1 ano, salvo nos casos previstos nas alíneas do nº 4 (prazos de 5 anos).

Estas soluções deixam de associar automaticamente o prazo da anulação ao mais longo dos prazos
de impugnação contenciosa (um ano, nos termos do 58º/1/a) e ressalva do nº 3 CPTA).
Possibilitaram que a anulação tenha lugar para além desse prazo (5 anos desde a data da respetiva
emissão) para anulação administrativa dos atos que não sejam a constitutivos de direitos; e para
os atos constitutivos nos casos do nº 4 do 168º.

Os prazos de impugnação administrativa e contenciosa dos a administrativos não são postos em


causa, pois, após o decurso dos prazos, os interessados já não podem questionar a validade dos
atos em causa. O nº 5 estabelece que, quando se torna inimpugnável (inatacável), a AP só pode
anulá-lo oficiosamente, i.e., não pode ser exigida pelos interessados, em virtude da preclusão
resultante da não observação do ónus de impugnação administrativa ou contenciosa dentro dos
respetivos prazos legais.

Em regra, a Administração só pode anular os a constitutivos de direitos no prazo de 1 ano, contado


desde a data da respetiva emissão (168º/2), salva a possibilidade de anulação administrativa de
atos constitutivos de direitos num prazo limite de 5 anos (nº 4): artifício fraudulento do

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beneficiário (al. a)), não prejudicada pelo 161º/2/c); prescinde-se de tal apuramento para o efeito
da anulação do ato num prazo de 5 anos contado desde a data da emissão. Prevê-se na al. b) um
caso especial para prestações pecuniárias de caráter periódico (ex. de atos relativos a prestações
de SS, que reconheçam a um particular o direito a uma pensão mensal), no pressuposto de que as
prestações já realizadas não poderão ser restituídas.

A al. c) refere-se às chamadas “ajudas do Estado”, vindo dar corpo a algumas decisões prejudiciais
(de interpretação) do TJUE (267º TFUE) – discutia-se se, no quadro das normas sobre a
concorrência, consagrada desde o Tratado de Roma (atual 107º TFUE), a regra geral da proibição
dos auxílios do Estado. O 108º TFUE confere à CE o poder de fiscalizar a concessão destes
auxílios, podendo ela ordenar ao Estado respetivo que suprima ou modifique um auxílio
concedido em violação do 107º. O TJUE tem vindo a entender que tal auxílio, que caiba no 107º/1,
deve ser anulado por via administrativa ou jurisdicional. O DUE não definia prazo máximo, o que
era fundamental, por razões de segurança jurídica. Assim, fixou no 168º/4/c) um prazo máximo
de 5 anos para anulação desses atos (tem-se entendido que o prazo de 1 ano é demasiado apertado,
tendo em conta a J europeia).

O nº 7 pretende também dar guarida à J prejudicial do TJUE, consagrando uma manifestação de


dois grandes princípios do DUE: primado e interpretação conforme.

166º CPA: corresponde ao anterior 189º CPA de 1991, referente a atos administrativos
“irrevogáveis”. Tanto a revogação como a anulação incidem sobre os efeitos de atos
administrativos anteriores, seja para os fazer cessar para o futuro (revogação, que opera ex nunc)
seja para os destruir desde que se começaram a produzir (ex tunc da anulação), pressupondo a
existência de efeitos do ato sobre o qual atua. Assim, nem os atos de anulação nem os de
revogação podem incidir sobre atos nulos, sobre atos que tenham sido anulados por via
jurisdicional ou mediante anulação administrativa ou que tenham sido objeto de revogação com
eficácia retroativa, nos casos em que é admitida (171º/1).

O nº 2 diz que, se um ato administrativo produziu efeitos no passado, mas já os não produz, porque
caducaram ou se esgotaram (nomeadamente, por revogação), pode ele ainda ser objeto de uma
anulação dirigida a destruir retroativamente os efeitos passados (caso não esteja esgotado o prazo
para o efeito, previsto no 168º) ou de revogação com eficácia retroativa, quando ela seja admitida
(171º/1 CPA). Não pode ser revogado porque não há efeitos atuais cuja produção se possa fazer
cessar.

7. Execução dos atos administrativos (175º a 183º CPA)

O ato administrativo é uma forma de manifestação do poder de autoridade com força vinculativa
própria, desconhecida do direito privado, em que o particular não pode constituir terceiros em
deveres.

O exercício do poder unilateral da AP traduz-se numa tutela de interesses próprios (públicos) que
modifica a esfera jurídica dos destinatários, sem intervenção prévia dos tribunais (consistindo
numa verdadeira autotutela declarativa). Levanta-se agora a questão de saber se a AP pode
exercitar ou executar imediata e coativamente esse ato (se pode ordenar todos os atos necessários
para conseguir os efeitos do ato que praticou).

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Sebenta de Direito Administrativo
Comissão de Curso do 2.º Ano de Direito 2019/2020

A executoriedade consiste no poder da AP de proceder à execução, com recurso aos seus próprios
meios (e, se necessário, coativamente), dos atos administrativos criadores de encargos para os
particulares, no caso de o seu cumprimento ser impedido por uma resistência ativa ou passiva
desses particulares, sem necessidade de recorrer aos tribunais.

O fundamento da executoriedade dos atos administrativos não é, ao contrário do início da era


constitucional, a presunção da legalidade do ato ou a sua imperatividade. Assenta, sim, na
faculdade reconhecida à Administração de lançar mão de procedimentos de execução do ato
administrativo com vista à prossecução de interesses públicos previamente definidos e
classificados pela lei, quando o seu conteúdo não for voluntariamente cumprido pelos
destinatários. Ao contrário da autotutela, permite-se lançar mão de procedimentos de execução
do ato administrativo, com vista à prossecução de interesses públicos específicos, quando os
deveres dele decorrentes não forem voluntariamente cumpridos pelos respetivos destinatários. Ela
deve dispor de instrumentos de defesa variáveis para obviar às ofensas não neutralizáveis ou não
cabalmente neutralizáveis por outros meios.

A executoriedade não é uma caraterística de todos os atos administrativos. O CPA de 91, no


149º/2, tal como no 176º/1 do atual CPA, parecem limitar a regra da executoriedade aos atos
desfavoráveis impositivos de deveres e encargos (“satisfação de obrigações e respeito por
limitações decorrentes dos atos administrativos”). Não se deve confundir a executoriedade com a
eficácia dos atos administrativos, como acontecia na redação originária da CRP, no 263º e 25º/1
da Lei do Processo dos Tribunais Administrativos:

- eficácia externa: aptidão do ato para produzir efeitos jurídicos próprios do correspondente tipo
legal

- executoriedade: pressupõe a eficácia do ato administrativo, pois não faz sentido falar de
execução, coativa ou não, em relação a atos que não estejam já a produzir efeitos jurídicos. Por
sua vez, nem todos os atos administrativos válidos e eficazes são suscetíveis de execução coativa
pelo órgãos da AP:

- atos exequíveis: atos administrativos que gozam da possibilidade efetiva de execução através de
atos jurídicos ou de atos materiais (ex. ordem de demolição)

- atos não exequíveis: atos administrativos que produzem efeitos jurídicos (são eficazes)
independentemente de qualquer execução (p ex. uma autorização ou a revogação de um ato
administrativo).

Acresce que a executoriedade se reporta apenas a atos administrativos exequíveis. Assim, todos
os atos administrativos exequíveis são também executivos, i.e., a sua execução não carece de
outra pronúncia, nomeadamente judicial (dispensa, então, qualquer fase prévia declarativa em
tribunal, permitindo ao ato fundar-se diretamente na própria execução).

Esta execução não tem, por um lado, de ser coativa, podendo mesmo tratar-se de uma execução
judicial como aponta agora a nova configuração da executoriedade dos atos administrativos.

Retomando: só os atos desfavoráveis impositivos de deveres e encargos é que podem ser


executados (têm executoriedade); mas nem todos têm essa caraterística, na medida em que o ato

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Sebenta de Direito Administrativo
Comissão de Curso do 2.º Ano de Direito 2019/2020

pode ser espontaneamente acatado e cumprido pelos destinatários. A executoriedade só se


justifica quando o órgão autor do ato se depara com resistência, ativa ou passiva, dos destinatários
do ato: ainda assim, apenas nos casos inequivocamente previstos na lei e em casos de urgência
devidamente fundamentada.

O recurso à execução forçada do ato só será legítimo se se demonstrar que a demora na prestação
prejudica de modo insuportável o interesse público (ex. necessidade de remoção de um veículo
que se encontra ilegalmente estacionado, perturbando o trânsito na respetiva via pública).
Atualmente, o CPA consagra um sistema relativamente equilibrado, salvo nos casos em que
parece querer transitar de um sistema de administração executiva para judiciária. Esta nova
disciplina reflete a doutrina que entretanto se tem desenvolvido.

O 175º/1 CPA consagra o objeto de executoriedade dos atos: atos desfavoráveis impositivos de
deveres e encargos que encontrem resistência (ativa ou passiva) ao seu cumprimento. O 175º/2
estabelece que as medidas policiais são objeto de legislação própria.

No 176º, limita-se a satisfação de obrigações e o respeito por limitações decorrentes de atos


administrativos por meios coercitivos quando a lei especificamente o preveja, ou então em
situações de necessidade pública, desde que fundamentada. A conjugação do nº 1 com o 183º
parece apontar para a configuração de que a execução judicial se constitua na via normal a adotar
em matéria de execução dos atos, quando a AP depara com a falta de cumprimento espontâneo e
voluntário (183º CPA). O PROF vê aqui uma possível passagem da administração executiva para
judiciária. Mas tal “revolução” parece suspensa nos termos dos 6º e 8º DL 4/2015, já que o
diploma referido no 8º/2 e no 6º nunca entrou em vigor.

Nos termos do 179º CPA, não se admite a executoriedade quando esteja em causa o pagamento
de obrigações pecuniárias, remetendo-se para os tribunais tributários a competência de execução
desses atos. É um desvio às regras de competência dos tribunais administrativos que se
compreende por razões de tradição, apesar de os tribunais serem já competentes para a
prossecução dessa execução: são competentes para execução de sentenças administrativas contra
os particulares (157º/5 CPTA), incluindo as de condenação em pagamento de quantias.

O procedimento é explanado no 177º, de forma bastante densificada, reforçando as garantias dos


particulares. É necessária a prática prévia de um ato, o que virá a ser executado (ato administrativo
exequendo).

Autonomiza-se, expressamente, a decisão para proceder à execução (nº 2), devendo ser notificada
ao destinatário (ainda que possa ser feita, simultaneamente, com a notificação do ato exequendo,
nos termos do nº 4), num prazo razoável.

Sujeição ao princípio da proporcionalidade (178º), com especial relevo para o princípio da


necessidade ou da exigibilidade (nº 1); igualmente, devem os DF e a dignidade a pessoa humana
ser respeitados quando a execução coerciva implique coação direta sobre os indivíduos (nº 2).

O 182º consagra as garantias dos executados, podendo eles impugnar o ato exequendo, mas
apenas por vícios próprios a decisão de proceder à execução administrativa e outros atos
praticados no âmbito do procedimento de execução. Igualmente se pode requerer uma suspensão
cautelar (nº 1).

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Os executados podem ainda propor ações administrativas e requerer providências cautelares para
prevenir a adoção de operações materiais ou promover a remoção das perspetivas consequências,
quando essas operações sejam ilegais: por serem adotadas em cumprimento de uma decisão nula
de proceder à execução (p ex. não ter sido antecedida por ato exequendo); por não ter sido emitida
e/ou notificada a decisão de proceder à execução; desconformidade da execução com o conteúdo
e termos determinados na decisão de proceder à execução, ou ainda por violação dos princípios
do 178º.

III - O REGULAMENTO ADMINISTRATIVO

1. Noção

Outra das formas jurídicas de atividade administrativa, a par do ato e dos contratos
administrativos. Elaborado por autoridades mais próximas da realidade e mais à vontade em
domínios especializados, são um instrumento adequado à densificação do regime geral legal,
permitido também desonerar o poder legislativo de algumas menoridades normativas (concentra-
se das regras essenciais da vida em sociedade)

Temos, então, um patamar normativo intermédio entre a disciplina administrativa e a sua


aplicação na vida diária, através dos atos administrativos. Numa sociedade como a de hoje, de
risco e em constante mutação, a lei está sujeita a uma forma solene de formação; já o regulamento
permite a adaptação às transformações da vida económica, normativa e social.

Os regulamentos são, por definição, “normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de
poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos” (135º CPA). De outra
forma: os regulamentos administrativos são normas jurídicas, que podem ser (e em regra são)
emitidas pela AP no exercício dos seu poderes jurídico-administrativos, ou por outra entidade
pública ou privada que atue no exercício de tais poderes.

3 elementos essenciais:

- normativo: os regulamentos administrativos são normas jurídicas gerais e abstratas, que podem
dizer respeito a uma situação concreta, distinguindo-se, então, dos atos administrativos (estes
decidem, em regra, situações concretas e individuais, apesar das exceções dos atos administrativos
plurais e gerais). É dotado de vinculatividade jurídico-normativa, podendo, se necessário, ser
aplicado coativamente, e o seu incumprimento ou violação por parte dos destinatários ser sujeito
a sanções (administrativas, disciplinares e, até, penais).

- orgânico: aparece agora mitigado, sendo emitidos em regra por entidades administrativas. Faz
apelo ao problema da geral titularidade do poder regulamentar no DA, bem como ao respetivo
fundamento político-constitucional. É hoje muito dispersa por diferentes entidades, pela evolução
da AP contemporânea (à pluralidade organizatória associa-se a dispersão do poder regulamentar).
Mas podemos distinguir regulamentos emitidos por órgãos públicos não integrados na AP (a AR,
apesar de vocacionada para o exercício da função legislativa, pode em alguns casos emitir normas
regulamentares, no acesso dos cidadãos ao Plenário; os tribunais podem ser chamados a exercer
tarefas administrativas e a aprovar regulamentos, como o de organização de recursos humanos do

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tribunal para assegurar uma equitativa distribuição de processos pelos juízes), mas também por
entidades privadas que exerçam, com fundamento num ato público (lei, ato administrativo ou
contrato administrativo) uma atividade ou função administrativas (ex. entidades concessionárias
de serviços, obras ou bens públicos, quando a lei lhes permite disciplinar por via normativo-
regulamentar as suas relações com os utentes dos respetivos serviços, obras ou bens públicos; é
também o que acontece nalgumas pessoas coletivas privadas de utilidade pública a quem a lei
reconheça essa competência regulamentar – caso das federações desportivas, nos termos da Lei
de Bases do Desporto. V. Ac. 472/89).

- funcional: emitidos no exercício da função administrativa, remetendo para o prolema da


distinção material das funções do Estado (distinção entre legislativa e administrativa). Assume
importância adicional por causa do Governo, que é aqui invocado enquanto órgão superior da AP
(182º e 199º CRP), e enquanto principal titular do poder regulamentar (além das funções de órgão
político e legiferante (197º e 198º CRP). Exerce a função legislativa através de DL e a função
normativa regulamentar através de regulamentos administrativos.

A atividade regulamentar encontra-se, naturalmente, sujeita ao princípio da legalidade em sentido


amplo ou princípio da juridicidade, ao bloco normativo geral já nosso conhecido.

Do ponto de vista formal, temos:

- Regulamentos do governo, que podem assumir a forma de decretos regulamentares (sujeitos a


referenda ministerial nos termos do 140º e a promulgação do PR nos termos do 134º/b));
resoluções de caráter normativo do Conselho de Ministros; portarias genéricas dos ministros em
nome do Governo; despachos normativos dos ministros em nome do respetivo ministério

- Decretos regulamentares regionais (dos governos regionais)

- Posturas das autarquias locais

- Estatutos auto aprovados (das universidades p ex)

- Outros regulamento de entes institucionais ou administrativos

2. Classificação dos regulamentos

3 critérios: destinatários, tipo de relação administrativa que disciplinam, dependência em relação


à lei

Quanto aos destinatários

- internos: esgotam a sua eficácia no âmbito interno de cada pessoa coletiva ou serviço a que se
destina, sendo normas que regulam ou disciplinam a organização e funcionamento dos respetivos
serviços administrativos. Ex. distribuição de tarefas dos vários serviços pelos agentes
administrativos, gestão e racionalização do exercício dessas tarefas ou a fixação de normas de
expediente ou de serviço.

Têm por destinatários os agentes administrativos nessa qualidade. Têm, então, uma natureza
marcadamente organizatória ou procedimental. Ex. normas emitidas sob a forma de circulares

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administrativas (sobretudo em matéria de administração fiscal, o PROF coloca objeções a estas


considerações) e as instruções genéricas, relativas ao modo como devem ser aplicadas e
interpretadas as leis ou integradas as respetivas lacunas, emitidas com fundamento no poder
hierárquico e dirigidas aos agentes dos serviços administrativos (que as devem observar, sob pena
de responsabilidade disciplinar).

Ainda que sejam regulamentos internos, não são totalmente irrelevantes na ordem externa; eles
podem ter normas que afetem a esfera jurídica dos particulares ou a esfera jurídica pessoal dos
próprios agentes administrativos. Se assim for, estas normas produzem efeitos jurídicos externos,
ficando sujeitas ao regime dos regulamentos externos.

Podem fornecer indícios da ilegalidade ou até originar a ilegalidade de atos administrativos que
os apliquem (os atos administrativos podem ser ilegais se os regulamentos que estiverem na sua
base o forem também); também os atos administrativos que sejam praticados ignorando os
regulamentos internos são ilegais, caso não seja fundamentada a respetiva desaplicação (ex. de
atos que devem ter em conta os regulamentos e na medida em que devem ter em conta os
regulamentos). Acabam, então, por ter, ainda indiretamente, relevo jurídico no ordenamento
jurídico externo, por afetarem a validade de tais atos, fornecerem indicações de ilegalidade desses
atos ou até de violação de princípios da atividade administrativa (racionalidade ou igualdade).

Tradicionalmente, entendia-se que estes regulamentos não tinham natureza jurídica. Atualmente
ultrapassada, decorria da inimpugnabilidade direta (pelo menos judicial) de tais regulamentos, a
que se associava uma conceção oitocentista do direito e da AP, além da confusão do domínio da
possibilidade de controlo jurisdicional da atividade administrativa com o domínio da juridicidade.

Ainda que de eficácia meramente interna, são normas jurídicas (a sua juridicidade não pode ser
posta em causa), até por criarem deveres aos agentes administrativos, cujo incumprimento pode
desencadear responsabilidade disciplinar.

- externos: normas jurídicas dotadas de eficácia jurídica que se projeta no ordenamento jurídico
geral (no exterior da AP), vinculando os particulares e a própria AP. São, assim, possuidores de
uma eficácia jurídica bilateral, já que disciplinam as relações jurídicas
intersubjetivas/interpessoais, i.e., entre a AP e os particulares e entre as AP. São os regulamentos
de polícia (que limitam a liberdade das pessoas), concursais (definem condições e requisitos dos
concorrentes para concurso devem preencher e a respetiva tramitação concursal) ou ainda os
universitários (estabelecem as condições a que obedece a concessão de bolsas de estudo)

Não é fácil precisar a fronteira entre regulamento interno e externo. Há quem sustente que seriam
internos os regulamentos que estabelecem regras de conduta para os utentes de um serviço público
(para os particulares que travam com uma determinada entidade administrativa relações jurídicas
mais ou menos duradouras – estudantes e faculdade, pessoas internadas num estabelecimento
hospitalar público, etc.), enquadrados numa relação especial de poder diferente da relação geral
de poder em que todo o cidadão se encontra perante o Estado. Assim, essas pessoas integrariam
um círculo restrito de indivíduos sujeitos à jurisdição própria de certa autoridade administrativa.
Como tal, estes regulamentos seriam também internos.

O PROF entende que não, pois os efeitos jurídicos destes regulamentos não se projetam apenas
na esfera jurídica de determinada organização administrativa (pelo menos, não é sempre assim);

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atingem sujeitos de direito distintos dela, exteriores a ela. Os alunos não são elementos da
administração universitária, não lhe pertencem, ma usam os seus serviços (assim, os regulamentos
são externos, e assim passíveis de impugnação contenciosa com fundamento em ilegalidade).
Coisa diferente é o facto de a relação especial de poder justificar, em alguns casos, uma restrição
mais intensa dos DF dos utilizadores de serviços públicos – mas isto é outra questão.

Os regulamentos administrativos que visam disciplinar a atuação dos seus funcionários e


servidores públicos, como se classificam? O PROF entende poder haver normas administrativas
internas, tudo dependendo, seguindo a distinção de ULE, de se classificar estas relações como
“relação fundamental” ou como “relação de funcionamento ou orgânica”, da matéria sobre que
versa o regulamento.

Assim, se se tratar de disciplinar a organização e funcionamento dos serviços, no plano estrito das
relações de subordinação hierárquica, o regulamento será interno. Se estiver em causa a regulação
dos direitos e deveres dos funcionários (férias, progressão na carreira, horário de trabalho), o
regulamento é já externo.

Quanto à emissão dos regulamentos

- obrigatórios: quando a lei ordena a sua emissão ou quando se trate de aplicação de leis não
exequíveis por si mesmas, daí resultando automaticamente uma obrigação de regulamentação
para a administração. Em caso de inércia, gera-se uma situação de ilegalidade por omissão (137º
CPA e 77º CPTA).

O órgão competente tem um prazo supletivo de 90 dias (137º/1 CPA) para a emissão do
regulamento, podendo os interessados, em caso de omissão, requerer ao órgão competente na
matéria a emissão do regulamento, sem prejuízo da possibilidade de recurso à tutela jurisdicional
(137º/2 CPA e 77º CPTA).

- facultativos: cabe à AP a liberdade de os emitir ou não, de acordo com o seu superior juízo
sobre o interesse público. em contrapartida, a AP pode sempre regulamentar uma lei que lhe caiba
aplicar, mesmo que esta a não preveja: desde que tal seja vantajoso para o interesse público e
desde que a lei não o impeça ou dela resulte que a AP deve manter a sua liberdade de ação na
aplicação da lei.

Quanto ao modo de produção dos seus efeitos

- imediatamente operativos ou exequíveis: cujos efeitos se projetam diretamente sobre a esfera


jurídica das pessoas abrangidas pela sua previsão, sem dependência de um a administrativo ou
jurisdicional de aplicação. Podem ser normas que proíbem uma certa conduta aos respetivos
destinatários, outrora admitida (p ex. proibição de certos aditivos nos alimentos) ou que impõe
uma conduta específica que antes não era exigida (realização periódica de inspeções de segurança
automóvel).

- não imediatamente/mediatamente operativos ou não exequíveis: cujos efeitos só se projetam


na esfera jurídica dos destinatários através de um ato administrativo ou jurisdicional de aplicação.

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Ex. regulamento de concessão de bolsas a estudantes que preencham determinados requisitos


(depende sempre de um ato administrativo que dê por verificados os requisitos do regulamento)

Esta distinção é relevante para efeitos processuais: nomeadamente, para o pedido de declaração
de ilegalidade, para pedido de suspensão de eficácia da norma e para a tutela cautelar.

Quanto às ações principais, nos termos do 73º CPTA: relativamente a regulamentos ou normas
imediatamente operativos, o interessado pode formular dois pedidos de declaração de ilegalidade
(com força obrigatória geral, 73º/1, e com efeitos circunscritos ao “seu caso”, nº 2). É importante
para efeitos de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral (76º).

Regra geral, a declaração com força obrigatória geral visa produzir efeitos deste a data de entrada
em vigor da norma; mas pode determinar que os efeitos da decisão judicial se produzem apenas
a partir do trânsito em julgado da sentença, quando razoes de segurança jurídica, de equidade ou
de interesse público de excecional relevo devidamente fundamentado o justifique. Esta
possibilidade (de produção de efeitos ex nunc) só se aplica a um pedido de declaração de
ilegalidade com força obrigatória geral.

Estes dois pedidos, que se podem formular a título principal, podem ser formulados quando a
norma regulamentar é imediatamente operativa ou exequível. Quando se trata de normas que não
produzem imediatamente efeitos (mediatamente operativas), mas só através de um ato
administrativo de aplicação, o interessado pode impugnar diretamente o ato administrativo e
invocar incidentalmente a ilegalidade do ato (já que ele mais não é do que uma concretização/ do
regulamento que está manchado de ilegalidade) – aqui, não se ataca diretamente a norma, sendo
a ilegalidade invocada incidentalmente, através da ilegalidade do ato.

O interessado na declaração de ilegalidade da norma emitida ao abrigo de disposições de DA,


cujos efeitos de produzem imediatamente, pode requerer a suspensão da eficácia dessa norma
com efeitos circunscritos ao seu caso.

Quanto ao tipo de relação jurídica disciplinada pelo regulamento

- gerais: tem como destinatários os particulares em geral, produzindo os seus efeitos jurídicos no
exterior da AP (fora da organização da entidade emitente). São, então, externos, normalmente
designados “regulamentos gerais externos”, por oposição ao tipo de regulamentos especiais.

- especiais: podem ser internos ou externos, destinando-se a regular as relações especiais de DA,
por pressuporem uma subordinação ou especial ligação dos particulares à AP, ou a uma
determinada entidade administrativa, traduzida numa relação com conteúdo específico ou
diferenciado, que lhe fornece a natureza de uma relação estatutária.

Estes regulamentos colocam o problema de saber se são internos ou externos. Depende da


compreensão das relações especiais de DA: entre outras hipóteses, funcionários sujeitos à
disciplina hierárquica dos serviços em que exercem funções, militares, reclusos, alunos das
escolas públicas, doentes, etc. É possível distinguir dois tipos de relações, que por sua vez
originam dois tipos distintos de relações jurídicas:

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- relação orgânica ou de funcionamento: as pessoas são elementos da organização administrativa,


encontrando-se sujeitas aos poderes dos respetivos atos. Nesta relação, dos destinatários
encontram-se numa especial dependência em relação à AP.

- relação de serviço ou fundamento: realça-se o estatuto ou dimensão pessoal da relação. Assim,


e ao contrário da teoria tradicional, as pessoas enquanto tais, mesmo encontrando-se numa
especial situação em face da AP, não sofrem por isso uma diminuição no seu estatuto jurídico de
pessoas humanas ou cidadãos, continuando a gozar dos seus direitos civis e DF.

Tendo em conta esta distinção, os regulamentos especiais serão internos se apenas forem
aplicáveis às relações orgânicas ou de funcionamento (ex. no caso funcionários públicos, se
apenas regularem a organização e funcionamento dos serviços – regulamentos especiais internos);
serão externos se contiverem uma disciplina normativa que se projete na esfera jurídica de
destinatários na sua qualidade de cidadãos titulares de DF (ex. no caso dos funcionários públicos,
o regulamento será externo se também disciplinar aspetos relativos a direitos e deveres integrantes
da relação jurídica de emprego público, inerente ou incindíveis da qualidade ou condução de
pessoas e de cidadãos, que aquela categoria de profissionais não pode só por si assumir um
especial estatuto de subordinação face à AP à qual, funcionalmente, se encontra ligada).

Quanto à relação do regulamento com a lei

Enquanto atos normativos secundários, emitidos no exercício da função administrativa, estão


naturalmente sujeitos ao princípio da legalidade da administração (subordinados à lei). Contudo,
o grau de dependência é variável, podendo estabelecer-se uma classificação dos regulamentos em
função do grau de dependência da lei:

- executivos: visam concretizar a aplicação de uma lei, tendo em vista garantir a sua interpretação
e aplicação uniformes por toda a AP. Ex. o Código da Estrada manda usar coletes refletores. Sem
mais especificações, torna-se necessário especificar o tipo e caraterísticas do colete.

A amplitude dos regulamentos de execução pode variar muito de acordo com a densidade da lei
a regulamentar e a sua necessidade de regulamentação. Nuns casos, trata-se apenas de garantir a
aplicação uniforme da lei pela AP, esclarecendo dúvidas na interpretação e aplicação, sem
acrescentar nada de substancial. Quando assim é, a AP procede à tarefa de interpretar o sentido
dos textos legais esclarecendo-os quando obscuros, precisando-os quando deficientes ou
lacunosos e pormenorizando-os quando incompletos, para garantir a interpretação e aplicação
uniforme a todos os destinatários.

- complementares: a lei não estabelecem um regime jurídico suficientemente pormenorizado,


para permitir a sua execução (leis não exequíveis por si mesmas). Estes regulamentos permitem
à AP realizar duas tarefas: completar o regime das leis, que apenas estabelecem as linhas gerais
de determinada matéria (regulamento de desenvolvimento); se regulamenta situações especiais
previstas na lei, mas que se absteve de disciplinar, temos regulamentos de integração ou
integrativos (funcionam como regulamentos independentes).

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- delegados ou autorizativos: a AP autorizada pelo legislador atua em vez do legislador; este


demite-se do exercício da função administrativa, delegando-a na AP. Assim, através de comandos
regulamentares, é ela que fixa a disciplina normativa de certas relações sociais (alguma doutrina
enquadra neste tipo os regulamentos dos planos urbanísticos, previstos como instrumentos
regulamentares no 69º DL 80/2015).

Suscitam bastantes dúvidas de constitucionalidade

- independentes e autónomos: o que os distingue é a sua autonomia; são independentes em


sentido estrito os regulamentos emanados pelo Governo; são autónomos os regulamentos
administrativos os emanados pelas pessoas coletivas públicas que integram a administração
autónoma (territorial e não territorial).

Os independentes são atos normativos a partir dos quais o Governo, enquanto órgão máximo da
AP (182º e 199º), estabelece toda a disciplina de certas matérias, e não apenas a disciplina
secundária. A lei abstém-se de regular determinada matéria, remetendo a regulação para o
regulamento. A lei habilitante limita-se a definir a competência regulamentar e o objeto do poder
regulamentar, sem adiantar nada ou quase de nada de substantivo do regime a estabelecer. Ex. de
lei que dispõe que o regime de segurança rodoviária será definido pela secretaria do Ministério
dos Transportes (lei em branco, puramente atributiva de competência ou habilitante)

Materialmente, os regulamentos independentes exercem quase uma função legislativa, sendo uma
espécie de regulamentos delegados. Todavia, não se trata se um regulamento inteiramente
dependente de lei, emitido à revelia de lei prévia. Na verdade, sendo materialmente
independentes, dependem sempre, ao nível formal, de uma lei que, como se exige no 112º/7,
defina a competência subjetiva (o órgão a que é reconhecida competência regulamentar) e objetiva
(a matéria sobre que versa a competência regulamentar). Naturalmente, não pode haver
regulamentos independentes em matéria de reserva legislativa, na qual todo o regime jurídico
substantivo deve ser definido pela lei. Um regulamento em tal matéria só pode ser admitido a
título estritamente executivo. Podem existir na maioria dos domínios, desde que as leis abdiquem
de regular certa matéria, devolvendo a regulamentação de tal disciplina à AP.

O 136º CPA estabelece que a emissão de regulamentos depende sempre de lei habilitante;
igualmente, devem indicar as leis que visam regulamentar ou, no caso de regulamentos
independentes, as leis que definem a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão;
entendem-se por regulamentos independentes os que visam introduzir uma disciplina jurídica
inovadora no âmbito das atribuições das entidades que os emitem (concretização do 112º/7 no
136º, especialmente nº 2, do CPA).

Já os regulamentos autónomos são emanados pela administração autónoma em geral (territorial e


não territorial), consistindo em normas jurídicas emitidas pelas pessoas coletivas públicas que a
compõem. São uma manifestação dos seus poderes de autoadministração e autogoverno dos
interesses próprios ou específicos e da responsabilidade própria dessas entidades. São uma
condição da sua autonomia normativa (241º CRP), do respeito pelo princípio da descentralização
e pela prossecução e gestão dos interesses próprios e de responsabilidade própria dessas
administrações (maxime autarquias locais e associações públicas de caráter corporativo ou
profissional).

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Toda a regulação legislativa constitui uma compressão a esta autonomia normativa da


administração autónoma; fora dos casos de garantia desta autonomia, a lei pode dispensar a
necessidade de regulamentos, esgotando toda a regulação de uma certa matéria, não deixando
nada para regulamentar. No nosso ordenamento jurídico, não existe um princípio de reserva do
regulamento; o poder regulamentar resulta antes da insuficiência normativa da lei, mas há casos
em que a lei não pode deixar de assegurar um espaço ao poder regulamentar (é o caso da
autonomia normativa garantida pela C a certas entidades administrativas como as universidades
e as autarquias locais). A lei não pode esvaziar esta autonomia normativa mediante excessos de
regulação legislativa, devendo, antes, respeitar o núcleo essencial da regulação autónoma, que se
impõe ao próprio legislador nos termos constitucionais. É, assim, uma reserva de regulamento
autónomo.

3. Testes de constitucionalidade

A interpretação literal do 112º/5 faz parecer que nenhum dos regulamentos anteriores é conforme
à Constituição.

Nos regulamentos executivos, o PROF entende que o legislador constituinte pretendeu foi impedir
que o poder legislativo remetesse “gratuitamente” para despachos ministeriais a resolução de
quaisquer dúvidas quanto à interpretação ou integração da lei, sendo que os ministros, a pretexto
de interpretar as normas ou de integrar lacunas, criariam soluções novas, à revelia da letra e do
espírito da lei.

Mas uma coisa é a reação contra o abuso, não devendo ir ao ponto de proibir a lie de conceder à
AP o poder de, através de normas com eficácia externa, interpretar as normas legais que lhes cabe
executar e interpretar as respetivas lacunas. Assim, o PROF entende que o 112º/5 CRP não proíbe
os regulamentos executivos, até pela previsão de regulamentos elaborados pelo Governo no
199º/c).

Nos regulamentos complementares, o problema é mais delicado, uma vez que o 112º/5 não é
conclusivo quanto à sua admissibilidade. Para densificar esta dificuldade concorre o nossos
sistema constitucional de repartição de poderes legiferantes conferindo ao Governo uma
competência legislativa própria e alargada (198º), o que poderia levar a concluir-se pela
desnecessidade de recurso à figura dos regulamentos complementares. Assim, servindo os
regulamentos complementares para completar as bases gerais estabelecidas na lei, encontra-se
esta tarefa atribuída aos DL de desenvolvimento. Mas será mesmo assim? Não se poderá
interpretar o 112º/5 de forma a admitir, ainda que excecionalmente, os regulamentos
complementares de desenvolvimento? O PROF crê que sim: a necessidade de DL de
desenvolvimento ser exigida para complementação das LQ, cujas bases ou princípios gerais
constituam reserva de lei parlamentar; podendo, ao invés, as bases gerais das LQ situadas em
domínios não reservados à lei ser desenvolvidos por regulamentos, que devem assumir a forma
mais solene (decretos regulamentares).

Nos regulamentos complementares de integração ou integrativos, eles parecem ser proibidos pelo
112º; contudo, cumpridos determinados requisitos, o PROF considera que se tornam admissíveis:
expressamente autorizados por lei; quando se limitem a adotar o quadro legal a situações
especiais, fora das zonas de reserva da lei formal.

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Comissão de Curso do 2.º Ano de Direito 2019/2020

Já os regulamentos delegados ou autorizados parecem fulminados pelo 112º/5, que os proíbe, pelo
menos quando sejam modificativos, suspensivos (tornando eficaz a norma legal) ou revogatórios
(quando eliminam leis do ordenamento jurídico). O PROF entende que a utilização destes
regulamentos para classificação dos planos urbanísticos parte de uma noção relativamente ampla
de reserva de lei; qualificando o solo (definindo limites ao direito de propriedade), nos termos do
165º/1/b), numa interpretação restritiva do subprincípio da reserva de lei, só poderia haver nesta
matéria regulamentos de execução, o que inviabilizava a feitura de planos urbanísticos ou tornaria
os planos de diferentes municípios iguais entre eles, sem atender às diferenças, p ex., de
morfologia do solo.

6. Vinculação jurídica do regulamento

Desde logo, estão subordinados às leis que visam regulamentar (regulamentos executivos), ou
que habilitam a sua emissão (independentes e autónomos), bem como a todas as fontes
supralegislativas (CRP, DUE e DI). Importa analisar, em especial, a relação entre o regulamento
e a lei. Qual o alcance desta subordinação? Será apenas limite do poder regulamentar ou também
como pressuposto e fundamento dele? De facto, existe esta dupla vertente da subordinação à lei,
até pelo subprincípio da precedência de lei.

A AP não pode invadir a reserva de lei, tendo a atividade administrativa de ser compatível com a
lei, não podendo contrariá-la (prevalência de lei); toda a atividade administrativa tem de basear
na lei, fundando-se nela e tomando-a como pressuposto (precedência). Valerá o princípio da
legalidade na sua máxima extensão no que diz respeito ao exercício da atividade regulamentar?

Evidentemente, a AP não pode intervir, regulamentarmente, em matéria de reserva de lei, que só


ela pode regular. Pode apenas tornar mais claro e preciso, não acrescentando nada.

Igualmente é ilegítimo um regulamento que contrarie a lei, o que resulta do princípio do Estado
de Direito, que assenta na supremacia da lei, mas também do 266º/2 CRP, quando se refere à
“subordinação da atividade administrativa à constituição e à lei” (ao bloco normativo geral)

Não podem derrogar uma lei nem ser autorizados por uma lei a fazê-lo (112º/5 CRP). Apesar de
o artigo carecer de correta interpretação, sobretudo no que se refere à possibilidade de
interpretação e integração regulamentar das leis, parece clara a proibição de leis que autorizam a
sua própria revogação ou derrogação por via regulamentar (por maioria de razão, é ilegítimo que
um regulamento contrarie uma lei sem autorização prévia).

Questão diferente é saber se o exercício do poder regulamentar pressupõe uma lei anterior. Certo
é que a “lei anterior” pode significar realidades várias: enquanto objeto a regulamentar; enquanto
fundamento do poder regulamentar. Podendo embora incidir no texto normativo, uma coisa é a
lei que se visa regulamentar, diferente da lei que habilita a emissão do regulamento, definindo a
respetiva competência objetiva e subjetiva (matéria a regular e órgão competente para tal – 112º/7
CRP e 136º/1 e 2 CPA).

Ex. os regulamentos de execução têm por objeto uma lei (a que se propõem regulamentar);
contudo, será ele legítimo, na ausência de uma autorização expressa dada por essa mesma lei.
Bastará à AP ter uma lei para poder regulamentar, se tal for necessário ou conveniente? O PROF
entende que sim, mas chama a atenção para o 136º/1, que faz depender a emissão de regulamentos

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de lei habilitante. Especialmente se a lei não for exequível sem regulamentação, e salvo apenas
se resultar da lei a expressão proibição de regulamentação. No caso dos regulamentos executivos,
a habilitação legal pode ser implícita nos casos de incompletude da lei.

Poderá haver regulamentos que não têm por objeto uma lei? Pode o poder regulamentar gerar
uma normatividade primária ou inicial, à semelhança da lei? Pode. É o que temos nos
regulamentos independentes e autónomos, a começar pelos que são emitidos no exercício da
autonomia regulamentar, reconhecida às pessoas coletivas públicas cujos órgãos gozam de uma
legitimação democrática, para a gestão dos interesses próprios das comunidades respetivas.

Todavia, ainda que os regulamentos autónomos sejam independentes da lei, no sentido de não ser
ela o seu objeto, e constituindo uma disciplina normativa inicial ou primária de certas matérias,
não se pode dispensar uma lei que defina, no mínimo, uma competência objetiva e subjetiva para
a sua emissão (é o que parece resultar do 112º/7 CRP).

O PROF entende que a primeira parte se refere aos regulamentos de execução, e a segunda parte
aos regulamentos independentes e autónomos. Alguma doutrina coloca algumas restrições a esta
exigência de competência para os regulamentos do Governo (alguns entendem que seria
impossível a lei fixar a competência objetiva e subjetiva nos regulamentos do Governo, apenas se
admitindo esta hipótese dos requisitos constitucionais para os regulamentos autónomos, hipótese
que aparece agora, pelo menos parcialmente, no 136º/2).

Ao contrário de VIEIRA DE ANDRADE ou AFONSO QUEIRÓ, o PROF não aceita a tese de


total independência do poder regulamentar do Governo (199º/c) e g) CRP), ainda que apenas fora
da zona reservada à lei, não só no sentido de não ter a lei por objeto, mas também no sentido de
a dispensar como fundamento.

Contra esta tese é o disposto no 136º CPA, mas também o argumento da inutilidade: gozando o
Governo, no nosso sistema constitucional, de uma competência legislativa normal, não faz sentido
um poder regulamentar independente, à margem da lei, cuja principal justificação poderia assentar
no perigo da inércia legislativa. Mas se este argumento não é, em si mesmo, conclusivo, poderia
ainda acrescentar-se a exigência de indicação, pelo titular do poder regulamentar, da lei habilitante
(112º/7 CRP e 136º CPA); daqui resulta não poder haver poder regulamentar independente, sem
uma credencial legislativa prévia. De resto, se o 199º CRP implicaria reconhecer-se regulamentos
sem lei, porque não também justificar atos administrativos sem lei? Então, só se poderá admitir
um poder regulamentar independente, titulado pelo Governo, se estiverem reunidas duas
condições: negativa a matéria não figurar no âmbito da reserva de lei (condição negativa); haver
uma habilitação legal expressa (condição positiva). Igualmente se exige que os regulamentos
revistam a forma de decretos regulamentares (112º/6), mais solene, por impor não só a referenda
ministerial, mas também a promulgação do PR (140º e 134/b) CRP).

Trata-se de sujeitar estas normas administrativas a um regime próximo das leis e DL, apesar de
excluídas as possibilidades de recusa de ratificação parlamentar e de fiscalização preventiva da
constitucionalidade, expondo-as, designadamente, à possibilidade de veto presidencial e a certos
traços do controlo da constitucionalidade, e até a traços do controlo jurisdicional administrativo
(62º/2 e 73º/2 CPTA, que remetem para o 281º CRP). Pretende-se aqui evitar a opção do Governo
pela via regulamentar em alternativa à via legislativa com o mero intuito de se subtrair ao controlo
legislativo.

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O 142º/2 CPA consagra o princípio da inderrogabilidade singular do regulamento, que a doutrina


tradicional entende apenas se aplicar aos regulamentos externos. O PROF entende que também
se poderá aplicar aos regulamentos com mera eficácia interna, precisamente em observância dos
princípios da igualdade, da imparcialidade, etc.

Tratando-se de normas gerais e abstratas, os regulamentos externos são dotados de uma


vinculatividade geral (AP, tribunais e particulares); desde logo, devem ser observados pela
própria AP, incluindo, desde logo, o seu próprio autor (autovinculação regulamentar), ficando
impedida de praticar atos administrativos, individuais e concretos, que contrariem, violem ou
revoguem as normas regulamentares que a mesma emitiu, enquanto se mantiverem eficazes na
ordem jurídica. Por conseguinte, se a AP praticar um ato administrativo contra um regulamento,
teremos invalidade por violação das normas regulamentares, podendo o ato ser anulado pelos
tribunais. Os regulamentos só podem ser revogados ou derrogados por outro regulamento ou outro
instrumento normativo de valor supra regulamentar.

Procedimento do Regulamento Administrativo

O procedimento do regulamento, como qualquer atividade adm, está sujeita à elaboração de um


procedimento.

Art. 97º-101º CPA: regime procedimental

Art. 97º→ continua a não fazer entender sobre a AP o dever legal de decidir as petições
solicitadas pelos interessados que solicitem a modificação, revogação ou elaboração de
regulamentos.

103º → Os ó rgãos adm só têm o dever de decidir os requerimentos que lhes são submetidos
à sua apreciação: se as pretensões lhes digam diretamente respeito e se dependam da
prática de um AA; se o órgão competente não tiver praticado um AA com os mesmos
fundamentos, apresentados pelo mesmo particular e há menos de 2 anos.

O procedimento adm do regulamento é sempre por iniciativa oficiosa. A falta de


encaminhamento da apresentação das pretensões não equivale ao incumprimento do dever de
decisão. Se o regulamento não for emitido no prazo devido, os interessados podem requerer a
emissão do regulamento ao órgão com competência na matéria, sem prejuízo da tutela
jurisdicional. Art. 137º e 177º CPTA

Art. 98º → Publicitação do início do procedimento. Ao impor a publicitação do início do


procedimento com a indicação do órgão que decidiu desencadear o procedimento, a data do
desencadeamento, o seu objeto e da forma, podemos dizer que este artigo vem assegurar uma
efetiva participação dos interessados no procedimento regulamentar. No nº2 visa-se flexibilizar e
tornar mais eficaz o direito de participação da entidades referidas, não apenas em termos da
audiência dos interessados, mas também quando as circunstâncias o justifiquem e quando se
estabeleça um acordo endoprocedimental.

Art. 99º → Projeto de Regulamento. Este artigo inova no final do seu texto, ao determinar que a
nota justificativa fundamentada, que acompanha o projeto de regulamento, deve incluir uma

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ponderação dos custos e benefícios das medidas projetadas. Na falta de normas injuntivas, e de
acordo com o art. 96º, devem convocar-se as regras e os princípios gerais do CPA.

Art. 55º à Responsável pelo Procedimento. Também aqui se aplica. O órgão competente para a
decisão final tem que ordenar a um subalterno a direção do procedimento. Este acompanha o
procedimento e deve fundamentar os atos no procedimento.

Os princípios da adequação formal (56º) e o princípio do inquisitório (58º) também se aplicam


aqui. O responsável pelo procedimento goza de discricionariedade na escolha das diligências
necessárias, mas nunca poderá violar a lógica do processo e a deontologia do mesmo (não pode
mover a audiência dos interessados para depois da fase da iniciativa, sem a instrução, por
exemplo).

O CPA consagra dois modelos de participação procedimental:

● Audiência dos Interessados- 100º


● Consulta Pública- 101º

De acordo com o 100/1, só há lugar à audiência dos interessados quando se trate de regulamentos
que contenham disposições que afetem de modo direto e imediato direitos ou interesses
legalmente protegidos dos particulares (regulamentos que contenham normas imediatamente
operativas, cujos efeitos se produzem imediatamente sem dependerem de um AA de aplicação).
O regime do 100/1 diz ainda também que, por outro lado, alarga-se a titularidade a todos aqueles
que se constituíram como interessados no procedimento regulamentar. Desta forma, procede-se
a um considerável alargamento do universo dos titulares do direito de audiência dos interessados.
Para este efeito, podem ser interessados não só interessados com interesses legalmente protegidos
ou direitos, bem como outras pessoas singulares e PC, em defesa de interesses coletivos ou em
defesa dos direitos difusos (68/2).

O número 2 do art. 100º estabelece que a audiência pode ser escrita ou oral e esta fase processa-
se nos prazos dos artigos 122º e 123º (igual ao procedimento do ato adm).

O número 3 do art. 100º estabelece, em termos mais precisos, que a audiência só pode ser
dispensada quando a emissão do regulamento seja urgente ou seja de prever que a diligência pode
comprometer a execução ou a utilidade do regulamento, quando os interessados já se tenham
pronunciado noutras fases sobre a decisão ou quando o nº de interessados seja muito elevado,
procedendo-se à consulta pública nestes casos.

Resulta ainda do 100/1, em conjugação com o art. 65º, que a audiência dos interessados é
conduzido pelo responsável do procedimento.

101º→ relativo à consulta pública. o nº1 harmoniza-se com o 100/3/c, que obriga a consulta
pública no procedimento regulamentares que contenham normas imediatamente operativas e dos
quais não tenha conseguido exercer-se a audiência prévia, pelo nº elevado de interessados a ouvir.

Relações entre os Regulamentos

138º CPA

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O poder regulamentar encontra-se distribuído por diferentes titulares, em virtude da própria


função adm, falando-se de uma galáxia regulamentar. Importa estabelecer uma hierarquia
regulamentar. O 138º indica que em primeiro estão os Regulamentos governamentais.

A doutrina maioritária tendia a negar uma relação hierárquica entre os regulamentos do governo
(seja do Conselho de Ministros ou dos governos regionais). Antes do Código de 2015, já se
entendia que os decretos regulamentares deveriam prevalecer sobre outros regulamentos
governamentais, tendo em vista a maior exigência da forma adotada, a aprovação do 1º Ministro
e conhecimento do PR. O prof acha que os decretos regulamentares são hierarquicamente
superiores porque estão sujeitos a uma maior exigência de forma adotada, envolvem a intervenção
do 1º Ministro e o controlo do PR.

Qual é a resposta dada no art. 138/3? Estabelece-se a seguinte ordem:

1. Decretos regulamentares
2. Regulamentos do Conselho de Ministros
3. Portarias
4. Despachos normativos

Outra questão que podíamos equacionar é que nos parece discutível a supremacia dos
regulamentos do governo face aos governos emanados por órgãos hierarquicamente dele
dependentes, como os órgãos desconcentrados do Estado. Na eventual concorrência de um
eventual regulamento de um subalterno, este cede perante o primeiro, ainda que seja posterior.

138/1 → põe-se agora a questão de saber qual é a relação entre os regulamentos do


Governo e os regulamentos emitidos por entes infra estaduais que gozam de autonomia
(Adm autónoma regional; adm autónoma local e adm autónoma funcional). Cabendo ao
Governo, enquanto órgão superior da AP, a prossecução de interesses públicos de âmbito
nacional, os seus regulamentos prevaleciam sobre os de outras entidades. Contudo, esta
solução não pode radicar na maior ou na menor expressão em termos de substrato
axiológico dos interesses visados pelo regulamento. Há ilhas de interesses públicos, cuja
prossecução, numa lógica de subsidiariedade, é entregue a outras entidades públicas. Este
espaço é subtraído ao poder do Governo e a este só é atribuído um poder de tutela. Qualquer
iniciativa regulamentar do Governo quanto a esta gestão de poderes, parece-nos ilegítimo.
Tratando-se de atribuições próprias e exclusivas destes entes infra dotados de autonomia, o
problema que se coloca é quanto ao âmbito de jurisdição. Não é fácil delimitar a esfera de
interesses próprios, que depende, em larga medida, da opção do legislador, que é vinculada ao
critério de subsidiariedade (só intervém o Governo na medida em que os entes infra estaduais não
consigam prosseguir o interesse da melhor forma).

Se se verificar tal cenário, o regulamento governamental não prevalece sobre o poder


regulamentar dessas entidades, no domínio das competências exclusivas dos entes da adm
autónoma.

O que esta descrição legal estabelece é que os regulamentos governamentais, no domínio das
competências concorrentes do Estado e das entidades autónomas, prevalecem sobre os
regulamentos autárquicos e regionais, salvo quando estes configurarem normas especiais.

Relação entre o regulamento emanado pelas AL, em caso de conflito → a resposta está nos
artigos 241º CRP e 138/2 CPA.

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Invalidade dos Regulamentos

Disciplina-se esta matéria nos artigos 143º e 144º CPA.

Tendo em conta os parâmetros de validade dos regulamentos, os regulamentos, como


instrumentos normativos que são, estão sujeitos à relação de primazia normativa estabelecidas na
CRP. Tradicionalmente, só se falava no princípio da constitucionalidade e no pr. da legalidade.
Suponha-se uma OJ ordenada numa pirâmide hierárquica que tinha 3 níveis normativos: CRP, a
lei e o regulamento administrativo.

Hoje, a OJ é muito mais complexa. Há normas de DI e normas de DUE, que têm primazia sobre
o dto interno (no caso do DUE é sobre todo o direito interno). Há ainda primazia de algumas leis:
leis de base, leis reforçadas. Há ainda o aparecimento das leis das RA que são imunes à legislação
geral.

Os regulamentos podem ser inválidos se forem desconformes ao:

● DUE
● CRP
● DI vigente na ordem interna
● Com as leis de valor reforçado
● Com os Estatutos regionais ilegalidade
● Leis em geral
● Regulamentos de grau superior → ilegalidade em sentido amplo

As relações de desconformidade com a CRP, leis de valor reforçado e dos Estatutos, cabe a
fiscalização aos tribunais comuns e ao TC. Nos demais casos, cabe aos TA’s. Os regulamentos
podem ser inválidos em qualquer dos elementos do seu regime: vícios orgânicos, materiais ou
formais (ilegalidade material, orgânica e formal).

Art. 143º CPA → quanto à hierarquia

Art. 144º → a AP pode declarar a todo o tempo a invalidade de um regulamento, negando-


se a exclusividade dos tribunais nesta matéria. Pode ser invocada a todo o tempo por
qualquer interessado e pode ser objeto de recurso ou reclamação (147/2 CPA). O nº1
preceitua que a invalidade pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado e
pelos órgãos adm.

144/2 e 74/2 CPTA → questão não isenta de dúvidas é, decorridos os 6 meses, devem-se
considerar sanados os vícios ou se devem ser submetidos a um controlo incidental ou nas
impugnações contenciosa que tenham por objeto AA. Entendemos que aqui é possível a
impugnação incidental, porque é limitada a um caso concreto, que é objeto de impugnação
do AA. Veja-se a este propósito o art. 73/2 CPTA.

A declaração de invalidade tem efeitos ex tunc, desde a data de emissão do regulamento e


determina a repristinação das normas que ele tenha revogado. Portanto, a declaração tem efeitos
ex tunc, a partir da data de emissão de regulamento, com ressalva, nos termos do 144/4, dos casos
julgados e dos casos decididos em que a validade do regulamento tenha sido apreciada a título
principal e os efeitos sejam favoráveis aos destinatários.

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O regime de invalidade do regulamento é misto: convocação da invalidade pelo interessado ou


declaração oficiosa em todo o tempo; efeitos repristinatórios das normas que haja revogado
(exceto as normas que vêm referidas na parte final, quanto com aspetos próprios da
anulabilidade).

Publicação e Vigência do Regulamento

139º CPA → publicação

Neste sentido, sendo o regulamento uma norma geral e abstrata de efeito externo, é natural que a
sua vigência fique dependente de publicação e de vacatio legis.

140 º → vigência do regulamento

Aqui o problema é a cessão da sua vigência. O regulamento inicia a vigência no dia em que eles
determinarem ou, na falta dela, depois de decorrida a vacatio legis. Quanto à cessão da sua
vigência, pode dar-se por vários motivos:

● Revogação
● Caducidade
● Declaração de invalidade com força obrigatória geral

Art. 146º → revogação.

A revogação pode ser efetuada por outro regulamento ou por uma lei; pode ser expressa ou
implícita, embora o 146/4 imponha uma menção expressa dos regulamentos revogados. A
revogação dos regulamentos nem sempre é livre. Nos termos do artigo 146/2 CPA, os
regulamentos executivos que sejam necessários à execução de leis em vigor, não podem ser
simplesmente revogados, mas sim substituídos por outros. Sem esta limitação, deixar-se-ia na AP
uma opção de revogar a execução de uma lei que está dependente de regulamento executivo.

A revogação pode ser feita pelos órgãos competentes. O titular do poder regulamentar tem
igualmente competência revogatória nos regulamentos que emitira, salvo as exceções do nº 2 e 3.
A revogação do nº1 funda-se em razões de oportunidade em função da prossecução do interesse
público.

O 146/4 exige que os regulamentos mencionem expressamente as normas revogadas, visando


evitar as revogações tácitas ou implícitas, respeitando a certeza jurídica. Pode haver irregularidade
do regulamento sem que isso leve à invalidade, à qual será associada uma sanção.

Quanto à caducidade, vejamos o art. 145º. De acordo com a doutrina, a caducidade consubstancia
um mero efeito da superveniência de um facto que acarreta o termo de vigência de um ato anterior.
esse facto que se produz opus legis, independentemente do titular do poder regulamentar. Pode
resultar da lei. Para o prof, o 145º apenas confirma a tese desta doutrina.

A caducidade pode ocorrer por várias razões:

● Decurso do prazo
● Verificação do termo ou condição resolutiva que dependesse a sua vigência

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A fiscalização dos regulamentos pode ser em sede de fiscalização abstrata ou, nos termos do
CPTA, art. 73/1.

Podemos convocar o art. 144/1.

Ainda a propósito do 145/2, podíamos dizer que o nº2 prescreve que os regulamentos de execução
caducam por revogação das leis que visam regulamenta, por deixarem de ter lei habilitante.
Contudo, na parte final deste nº ressalvam-se como exceção à regra os casos em que o
regulamento que devia caducar sejam compatíveis com a lei nova e na medida em que ainda não
haja regulamentação desta (evita-se um vazio normativo).

Questão delicada é de apurar a cessação da vigência da lei habilitante de um regulamento


independente. É certo que a independência é uma questão de grau. Mas parece razoável que
desparecidas as leis de referência de um regulamento independente e dada a capacidade de
inovação do seu distanciamento em relação à lei habilitante, é de pressupor que o desaparecimento
desta lei signifique uma alteração de orientação, que leve à cessação da vigência do regulamento
independente. Mas só num caso é que se pode avaliar qual das soluções será a preferida.

Art. 142º → aplicação do regulamento

De acordo com o seu nº1, os regulamentos podem ser interpretados modificados e suspensos pelos
órgãos competentes para a sua emissão. Segundo o 142/1 CPA, os órgãos com poder regulamentar
possuem igualmente competência para interpretarem, modificarem e suspenderem.

O ato de suspensão deve indicar o período em que os regulamentos não produzem efeitos ou o
factos que determinam a sua eficácia, sob pena dos efeitos suspensivos se aproximarem dos
efeitos da revogação ou terem as mesmas consequências desta.

112/5 CRP → ao proibir que a lei crie outras categorias de atos legislativos ou con ira atos
de outra natureza o poder de interpretar, integrar, revogar, suspender ou modificar, impede
que os regulamentos possam fazer interpretações autênticas de normas.

Tratando-se os regulamentos de normas gerais e abstratas, os regulamentos externos, mais


propriamente, são dotados de uma vinculatividade geral, ou seja, as suas disposições vinculam
todos os seus destinatários. As suas disposições vinculam todos os destinatários: AP, tribunais e
todas as entidades privadas.

Desde logo, os regulamentos têm que ser observados pela própria AP, incluindo o seu próprio
autor (autovinculação regulamentar). Não podem emitir regulamentos ou normas contrárias ao
regulamento que emitiu. Nisto se traduz o princípio da inderrogabilidade singular dos
regulamentos e assim sendo, se a AP praticar qualquer ato contra o disposto no regulamento, tais
atos são inválidos pela violação de normas regulamentares, podendo ser anulados adm e
contenciosamente.

Os regulamentos só podem ser derrogados ou revogados por ouro regulamento ou por lei ou
norma supraregulamentar.

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Fundamento e os Limites do Poder Regulamentar

Quanto ao fundamento, o poder regulamentar externo da AP não é um poder originário; é um


poder derivado conferido pela lei ou CRP. Trata-se de um poder que se baseia exclusivamente
nas normas constitucionais ou legais que, em cada caso, atribui competência regulamentar a uma
determinada entidade adm. Se nada disser a este respeito, a competência regulamentar não existe
(136/1 CPA).

Quanto aos limites, na elaboração dos regulamentos adm há um conjunto de regras e princípios
de caráter material que determinam o conteúdo e condicionam-no. A primeira regra é que o
regulamento não pode conter disciplina contrária a parâmetros normativos de valor
superior. Em segundo lugar, os regulamentos estão sujeitos ao regime constitucional (estão
vedadas ao regulamento as matérias que a CRP atribui à lei). O terceiro limite prende-se com a
eficácia retroativa e a sua aplicação. A doutrina refere que os regulamentos não tenham efeito
retroativo. O artigo 141º faz-nos pensar, a contrario, que está afastada a proibição de
retroatividade para um regulamento que defina um regime mais favorável. O que o art. 141º
prescreve é a proibição da retroatividade desfavoráveis. Parece afastar-se esta proibição para o
regulamento que defina um regime mais favorável.

Todavia, este princípio deve ser compreendido quando estão em causa regimes especiais, como
por exemplo nos dto urbanístico, onde se admite que um regulamento de um plano, que estabelece
o uso do solo para determinados fins, ponha em causa dtos constituídos anteriormente. Situação
esta que a compreensão do princípio aqui em analise dá lugar a indemnização, devido à certeza
jurídica e ao respeito pelos dtos constituídos. Este regulamento têm uma natureza ablativa na
esfera jurídica dos particulares. Daí a proibição por um lado da eficácia retroativa mas, quando a
lei o admite, essa possibilidade traduz-se na natureza de um ato ablativo que requer, como
corolário, uma justa indemnização (171/2 DL 80/2015).

Um outro limite consubstancia numa outra regra que diz que um órgão com competência
regulamentar não pode invadir a competência regulamentar de outras entidades (competência
subjetiva) e deve prosseguir o fim para que se atribuiu aquele poder regulamentar (competência
objetiva).

um outro limite refere-se agora, em especial, aos regulamentos que envolvem um poder
discricionário quanto à fixação do seu conteúdo normativo. A relação com a lei é muito menos
intensa como a que acontece com os regulamentos de execução. A lei confere ao ente adm uma
capacidade inovatória considerável. CPA- art. 3º e ss (princípios da proporcionalidade, igualdade,
imparcialidade, prossecução do interesse publico).

Há ainda outro limite: resulta do art. 146º do CPA que prescreve normas importantes na perspetiva
da atividade regulamentar e da certeza jurídica. Os regulamentos que executam leis nacionais ou
DUE não podem ser objeto de revogação sem que sejam objetos de uma nova regulamentação. A
intenção desta norma vai no sentido de evitar dar à AP o poder de desaplicar certo tipo de leis.
Isto não se trata de inviabilizar em absoluto a revogação mas vai no sentido em que a revogação
deva ser feita por substituição.

Quanto ao nº4, trata-se de uma norma que visa oferecer uma certa garantia quanto à clareza ,
certeza e segurança jurídica ao permitir ou acabar com algumas dificuldades jurídicas
concernentes à aplicação das normas no tempo.

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Um outro limite fundamental refere-se ao chamado princípio da inderrogabilidade singular do


regulamento, que já falamos.

Vamos ainda abordar o art. 147º CPA, relativo às impugnações de regulamentos adm. Em bom
rigor, esta expressão não é inteiramente correta porque o CPA agora admite não só pedidos
impugnatórios mas também pedidos condenatórios (omissões ilegais, também nos regulamentos).

Vamos analisar o 147º.

147/1 → isto signi ica que são os regulamentos imediatamente operativos. Pode-se reagir
contra a omissão ilegal de regulamentos adm. Trata-se aqui de regulamentos obrigatórios.
Este nº trata das impugnações e das condenações adm, fundadas em razões de mérito ou de
ilegalidade, pedindo a sua suspensão, modificação ou declaração de invalidade feitas pelos
interessados diretamente lesados ou pelos interesses legalmente protegidos.

Estes direitos (garantias de reclamação e recurso adm) exercem-se através da reclamação para o
autor do regulamento ou pelo recurso para o órgão com competência para o efeito, caso exista.
Para o pedido de condenação para a prática do regulamento, este é dirigido contra o órgão que
deveria ter regulado aquela matéria.

147/3 → As reclamações e os recursos adm dos regulamentos têm sempre uma natureza
facultativa (185/2 CPA e 59/4 e 5 CPTA).

Contencioso Regulamentar

O contencioso regulamentar envolve a impugnação de normas mas também à condenação de


prática de normas devidas (32º e ss. CPTA). A título principal, os autores podem formular dois
tipos de declaração de ilegalidade: declaração de ilegalidade com força obrigatória geral (73/1)
e o pedido de declaração de ilegalidade circunscritos ao caso concreto. No nº3, temos o chamado
controlo pela via incidental.

De qualquer forma, trata-se sempre de regulamentos imediatamente operativos, nos nº 1 e 2, ao


contrário do controlo incidental.

Art. 73º → temos a ação popular geral (lei 83/95) e a ação popular local, que nos termos do
55/2, é permitido a qualquer eleitor impugnar as decisões adotadas pelos órgãos autárquicos
locais onde esteja recenseado.

73/1 → o pedido de declaração com força obrigatória geral passou agora a poder ser pedida
por todos os que disponham de legitimidade impugnatória, incluindo os interessados, desde
que as normas sejam imediatamente operativas. O legislador procurou dar uma
concretização mais adequada à imposição constitucional do art. 22º.

O pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral por a norma ter sido
desaplicada em 3 casos concretos, cabe só ao MP, que tem o dever de a pedir (73/4), quer se trate
de normas mediatamente ou imediatamente operativas.

Trataremos agora a declaração da ilegalidade da norma com efeitos restritos ao caso concreto,
que significa a desaplicação da norma por via principal. Só pode ser pedida por quem é
diretamente prejudicado ou que possa vir indiretamente a sê-lo; em segundo lugar, a norma produz

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Comissão de Curso do 2.º Ano de Direito 2019/2020

os seus efeitos imediatamente; só quando o fundamento seja uma ilegalidade prevista no 281/1
CRP.

Tendo em conta que o texto deste preceito é praticamente igual ao disposto no 72/2, devemos
entender que os fundamentos de ilegalidade previstos no art. 281º CRP: a ofensa a regras e pr.
constitucionais (ilegalidade qualificada) ou a violação de estatuto regional (normas
regulamentares a que cabe a fiscalização, a título principal, ao TC).

O que entendemos é que o texto legal restringe os dtos dos particulares ao não prever a
possibilidade dos lesados pedirem a declaração de invalidade, com efeitos limitados aso seu caso,
nos casos de se tratar de uma ilegalidade simples (a letra da lei, apenas parece referir-se apenas
aos casos de ilegalidade qualificada). Não demos razão para que o particular possa obter com
fundamento a declaração de ilegalidade de normas imediatamente aplicáveis. Segundo a nossa
opinião, parece que esta norma deve ser objeto de uma interpretação extensiva e teleológica, em
conformidade com a garantia constitucional, devendo admitir-se que, pelo menos, se o pedido for
apresentado pelo lesado, neste caso, será de admitir como base uma mera ilegalidade simples.

Acrescentamos que também quando o juiz não tem certeza da ilegalidade em abstrato, não tenha
dúvidas da ilegalidade da sua aplicação nas circunstâncias concretas do processo. Esta decisão
pode ser de mais favorável dado que o juiz não terá o poder de limitar os efeitos da declaração.

Estes são os pedidos a título direto e principal.

Quanto a normas mediatamente operativas, rege o 73/3. O artigo 73/3 admite de forma explícita
que se suscite a eventual ilegalidade da norma adm num processo dirigido contra o ato adm que
a aplique. Este AA é um ato de aplicação da norma, pedindo-se a desaplicação da norma no
processo de decisão impugnatório ao ato (caráter incidental). Nestes casos, não há dúvidas de que
a ilegalidade pode ser suscitada e inclui, para além da violação de normas legais, a
inconstitucionalidade ou a ilegalidade qualificada.

A lei refere-se somente a atos adm de aplicação, dada que é essa a hipótese mais corrente. Mas o
processo principal, em que se pode verificar o incidente de avalização da ilegalidade do
regulamento, além de uma ação de impugnação de ato ou condenação à prática do ato devido,
pode ser qualquer litigio que envolva a aplicação do disposto da norma regulamentar, tendo em
consideração o dever dos juízes não podem aplicar normas jurídicas inválidas.

Quanto a estas normas de operatividade mediata, o problema reside na circunstância de a lei não
prever a sua impugnação direta. Há situações em que a impugnação direta de normas, não
imediatamente operativas, especialmente a titulo preventivo, podia ser importante para a proteção
dos dtos e interesses legalmente protegidos.

De qualquer modo, há sempre aqui uma possibilidade, uma quarta possibilidade. Nós tínhamos
falado:

1. A título principal, declaração de ilegalidade com força obrigatória geral;


2. Pedido de declaração de ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto
3. Declarações a titulo incidental, do ato que aplica a norma adm ilegal, invocando a
ilegalidade da norma

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Comissão de Curso do 2.º Ano de Direito 2019/2020

4. (esta é a quarta possibilidade) A cumulação de pedidos da declaração da ilegalidade da


norma com pedido de declaração de nulidade ou anulabilidade do AA que a tenha
aplicado, constante alias no art. 4, nº2, b do CPTA.

Parece fundar pedidos na declaração de invalidade de normas apenas mediatamente operativas,


porque são as hipóteses mais correntes que se seguem os atos adm de aplicação.

74º CPA → a declaração de invalidade de normas pode ser pedida a todo o tempo

75º CPTA → à semelhança do que prescreve o artigo 95/4 CPTA, o juiz pode decidir com
fundamento na ofensa de princípios ou normas jurídicas diversos, daqueles de cuja violação
há de ter sido invocada. Pode apreciar outros vícios desde que não tenham sido invocados
na petição inicial.

77º CPA → regulamentos necessá rios ou obrigató rios. O MP pode TA competente que
verifique a existência de situações de ilegalidade das normas, cuja adoção seja necessária
para dar exequibilidade a AA. No fundo, estamos perante uma ação de condenação à emissão
de normas adm legalmente devidas, paralelamente ao que sucede às omissões ilegais de AA.

Estas normas têm o seu equivalente agora no CPA, no art. 137º, nº 1 e 2. O nº2 refere-se, portanto,
às aplicação de sanções pecuniárias compulsórias. Diversamente da redação anterior, fixava-se
um prazo concreto; agora aponta-se para uma ideia de prazo razoável. Porque não um prazo
concreto e determinado? Os regulamentos têm uma complexidade diferente e pode haver uns
fáceis de elaborar que não carecem de um prazo tão longo como 6 meses; outros mais complexos
já exigem o tal prazo razoável (é mais prudente existir um prazo razoável).

Uma última nota sobre os efeitos de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral
(art. 76º CPA). A regra, atualmente, é de que a declaração com força obrigatória geral de
ilegalidade de uma norma produz efeitos desde o momento da entrada em vigor da norma. Os
efeitos da declaração produzem-se em regra ex tunc, determinando a repristinação das normas,
sem prejuízo do tribunal poder determinar que os efeitos se produzem apenas para o futuro, se tal
se justificar por razoes de segurança jurídica, de equidade e de interesse público.

Daí o prof sustentar que o particular desde que possa suscitar um pedido de declaração de
ilegalidade com força obrigatória geral, deve fazê-lo pedindo que os efeitos se circunscrevam ao
seu caso, porque esta hipótese do 76/2, só se aplica às declarações de ilegalidade com força
obrigatória geral e o particular fica numa posição de maior garantia jurisdicional.

O nº4 refere-se à retroatividade, que não afeta os casos julgados nem os AA que se tenham tornado
impugnáveis, salvo se o TA disser o contrário. Neste caso, podemos convocar o disposto 144/4
CPA.

Garantias Administrativas dos Particulares perante a AP

Utilizamos esta expressão em vez de garantias impugnatórias porque estas garantias permitem a
reação impugnatória mas também permitem a reação por omissões ilegais por incumprimento de
dever de decisão:

1. Reclamação

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2. Recursos Administrativos

Nos termos da CRP, a República Portuguesa é um Estado de Direito e dentro deste enquadra-se
o princípio da separação de poderes, a submissão da AP ao bloco legal ou ao pr. da juridicidade
e a proteção dos interesses legalmente protegidos e dos direitos dos particulares (art. 26ºº CRP).
A AP visa a prossecução do interesse público no respeito pelos interesses legalmente protegidos
da população.

As garantias dos particulares não se bastam pela sua previsão na CRP. Torna-se necessário criar
garantias adequadas de que, no caso de infração, os particulares dispõem de meios de reação dos
atos e omissões adm e que em caso de prejuízo, eles têm direito de reclamar e obter a devida
reparação dos danos.

● Garantias Administrativas à visam a correção da conduta ou comportamento da AP


● Meios ressarcitórios que pretendem restituir os danos causados pela AP.

Garantias Administrativas

Importa distinguir os meios pré-jurisdicionais e os meios contenciosos ou jurisdicionais. Um


Estado de Direito tem que ter um controlo jurisdicional da AP, que permita anular os AA ilegais
ou obter da AP os atos adm legalmente devidos.

Vamos tratar de analisar as vantagens e os inconvenientes da utilização destas garantias, sendo


que começaremos por esclarecer um aspeto de natureza semântica. A doutrina tradicional
distinguia entre garantias graciosas e garantias contenciosas, tendo em conta a natureza adm ou
jurisdicional responsável pelo controlo da atividade da AP. Continua a fazer-se esta distinção no
âmbito do dto fiscal, mas não no DA (Código do Procedimento e Processo Tributário).

As garantias adm assentam na institucionalização, dentro da AP, de mecanismos de controlo da


sua atividade, com vista a assegurar o respeito da legalidade, a observância do princípio da boa
administração e o respeito pelos dtos e interesses legalmente protegidos dos particulares. Este tipo
de garantias denominavam-se de graciosas. A ponte entre as garantias graciosas e as garantias
contenciosas era feita através das regras da impugnação adm necessária que era o recurso
hierárquico necessário (pressuposto processual de reação). Hoje não é assim, a regra é inversa: as
garantias administrativas são potestativas ou facultativas.

Garantias graciosas vem no seguimento da graça do príncipe, que podia ou não conceder as
garantias ao particular. Na medida em que hoje vivemos num Estado de Direito, as garantias
deixam de ser uma graça e passam a ser efetivamente um direito.

Vantagens e Inconvenientes

Começando pelas vantagens, as garantias impugnatórias têm como pressuposto uma omissão
ilegal por incumprimento do dever de decisão- 13º CPA. Através destas garantias, procura-se
anular ou modificar o AA com a impugnação ou procura-se a prática de um AA legalmente
devido, em consequência da violação do princípio de decisão.

A principal vantagem, nomeadamente face às garantias contenciosas, reside no facto de a AP não


apreciar apenas os vícios de legalidade: reaprecia também as suas decisões segundo critérios de
oportunidade e conveniência.

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Artigo importante: Art. 147º CPA.

Os tribunais, em regra, podem anular ou declarar a nulidade dos AA, mas não podem, em
princípio alterá-los ou substituí-los. A substituição é possível quando haja uma omissão ilegal e
estamos perante um ato vinculado (177/6 e 179/5 CPTA), o juiz perante um ato ilegalmente
omitido ou recusado de natureza vinculada pode emitir uma sentença de natureza substitutiva
desse mesmo ato, produzindo os mesmos efeitos desse ato ilegalmente omitido ou recusado
(situação excecional).

A AP tem maior liberdade, neste caso. Pode revogar, modificar ou substituir o ato.

As garantias administrativas destacam-se pela simplicidade, gratuitidade, celeridade e pela


desnecessidade de constituição de advogado.

A grande vantagem das garantias adm reside no facto de AP apreciar vícios de mérito para além
dos vícios de legalidade.

Indo agora aos inconvenientes, as garantias adm acabam por não ser inteiramente satisfatórias
porque os órgãos da AP também se movem por preocupações de natureza prática e política em
vez de se nortearem estritamente por critérios de legalidade ou do bom exercício do poder
discricionário. Tendem a privilegiar mais os critérios de eficiência na prossecução do interesse
público em detrimento do rigoroso respeito pelo cumprimento da legalidade e proteção dos dtos
e interesses legalmente protegidos dos particulares.

Por último, a reclamação e o recurso adm não têm efeitos suspensivos dos efeitos das medidas
impugnadas, só quando a impugnação adm é necessária (169/1 CPA), não quando são recursos
ou reclamações potestativas, embora suspendam o prazo processual porque os particulares podem
recorrer diretamente aos tribunais se usarem a 1ª via à 190/3 CPA 59/4 e 5 do CPTA. Há uma
discrepância entre os dois artigos uma vez que o 190/3, na impugnação facultativa, suspende o
prazo das ações nos tribunais e o art. 59/4 CPTA utiliza uma noção abrangente sem especificar se
só se limita às impugnações adm facultativas.

59/4 CPTA → o CPA parece dizer que só as impugnações facultativas têm necessidade para
suspender o prazo; este artigo parece abranger as impugnações necessárias e as
facultativas. Assim sendo, a impugnação adm quando é necessária, suspendem-se os efeitos
do ato (o ato deixa de produzir efeitos e de ser suscetível de execução). Nas facultativas, não
se suspende o prazo.

Regime Jurídico das Garantias Administrativas

O regime geral consta dos art. 184º ao artigo 190º CPA. Nas garantias adm o CPA inclui a
reclamação, o recurso hierárquico e os recursos adm especiais. Exclui os recursos
hierárquicos impróprios, que juntamente com os recursos tutelares, passam incluir o recurso por
motivos especiais e a integrar uma nova categoria: recursos adm especiais (199º CPA).

A diferença entre a reclamação, o recurso hierárquico o recurso adm especial centra-se no órgão
perante o qual é feito a garantia é efetivada: autor do ato, órgão superior hierárquico e um órgão
da mesma PC sem relação de hierarquia ou de outra PC com poderes de superintendência ou de
tutela, respetivamente.

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Sebenta de Direito Administrativo
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No CPA, estabelece-se um regime comum às várias espécies de impugnação e condenação adm,


começando por analisar nos poderes debruçados mais especificamente do que é próprio de cada
um dos tipos de impugnação.

Um aspeto a notar no regime comum é que passou a prever-se, de forma inovatória, a


possibilidade das impugnações adm poderem consubstanciar uma reação contra a omissão ilegal,
por incumprimento do dever de decisão.

Este artigo 184/1/a dispõe algo que já existia; a novidade coloca-se na alínea b (prende-se com os
artigos 187/4 e 188/3). A novidade reside na fixação de um prazo para reagir contra a omissão
ilegal que é diferente dos prazos para a impugnação, prazo esse que é de 1 ano a contar da data
do incumprimento do dever de decisão. Prevê-se o suprimento da omissão quer por parte do órgão
recorrido quer por parte do órgão contra quem se recorre. As impugnações têm agora, por regra,
caráter facultativo, salvo se a lei as denomine como necessárias (185/2 CPA).

O legislador estabeleceu no art. 3º do DL que aprovou o CPA um regime transitório que apenas
terão caráter necessário as impugnações em relação as quais a lei anterior especifique a noção de
necessária, do ato em causa exista sempre impugnação ou a utilização da impugnação adm tem
efeito suspensivo.

No que respeita à legitimidade para o desencadeamento de processos, rege o 186º: tem


legitimidade para o recorrer: os titulares de dtos e interesses legalmente protegidos e demais
entidades referidas no art. 188º.

O nº2 do artigo anterior estabelece uma figura atípica, que existe também no CPTA- art. 56º- que
é a aceitação do ato. Esta aceitação do ato no nº2 é para o efeito de utilização de garantias adm,
sendo que no CPTA é para o uso de garantias contenciosas. A aceitação do ato pode ser expressa
ou tácita.

Embora muito discutida a natureza desta figura, ela não implica a aceitação da validade
substancial do ato nem a sua convalidação, nem como pode ser entendida como a declaração pelo
lesado da não danosidade. Segundo o nosso parecer, significa uma renuncia à posição jurídica
substantiva, como entende a doutrina italiana. É um ato jurídico e não uma declaração negocial.
A aceitação é distinta de um cumprimento forçado, que se explica por razões de economia
processual, associada à ideia de desnecessidade de atos de proteção judicial e de estabilização dos
efeitos do AA.

Continuando na análise do regime geral, somos de opinião que não deve haver reclamação ou
recurso sempre que o interessado, sem reserva, aceite tacitamente ou expressamente o ato.

A reclamação ou o recurso é deduzido por meio de requerimento (184/3 CPA), a não ser que a lei
diga em contrário (185/3).

Os prazos de recurso pelos interessados constam do artigo 188º, que os distingue caso os atos
estejam sujeitos ou não a publicação. Nos atos em que é necessária notificação, o seu início só
corre a partir da data de notificação.

No segundo caso, começa a partir da ocorrência dos seguintes factos (188/2):

● Notificação

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Comissão de Curso do 2.º Ano de Direito 2019/2020

● Publicação
● Conhecimento do ato ou da sua execução

Os efeitos da impugnação constam do 189º e diferem consoante sejam impugnações necessárias


ou facultativas; as primeiras têm efeito suspensivo dos efeitos do ato; em principio, as segundas
não o têm, a não ser que a lei disponha em contrária ou o órgão competente para o recurso
considere que a execução do ato será prejudicial (189/2). A prova, para este efeito, consta do art.
189/4.

Art. 190º → a reclamação de atos ou omissões sujeitas a recurso adm têm efeito suspensivo
no prazo de interposição destes.

Por isso, a principal distinção entre impugnações necessárias e facultativas reside no efeito
suspensivo.

A Reclamação

Consiste na impugnação de um ato administrativo perante o órgão administrativo que o praticou,


podendo igualmente consistir numa relação perante uma omissão ilegal de um ato administrativo
(184º/1/b) e 191º/1). Salvo disposição legal em contrário, pode reclamar-se de todos os atos
administrativos (191º/1), exceto dos atos que decidam, eles próprios, reclamação ou recurso, salvo
em caso de omissão de pronúncia (191º/2). Ela é, em regra, facultativa, sabe-se já (185º/2).

Segundo alguma doutrina, em virtude da crescente procedimentalização da atividade


administrativa, uma vez que os interessados se podem pronunciar a vários níveis no decurso do
procedimento (com especial relevo nas fases de instrução e de audiência prévia), assiste-se
atualmente a uma perda de importância da reclamação, na sua vertente mais prática.

A reclamação pode ter por fundamento a ilegalidade ou a inconveniência do ato administrativo


(185º/3) – mérito principal das garantias administrativas face às contenciosa (os tribunais não
apreciam de mérito, mas apenas os vícios de ilegalidade em sentido amplo ou juridicidade – 3º
CPTA). Pode solicitar-se, através da reclamação, a declaração de nulidade, a anulação do ato ou
a respetiva convalidação (se tiver sido considerado ilegal), ou a sua suspensão, revogação,
modificação ou substituição (191º/3 e 188º/2). Nos casos de omissão ilegal de atos
administrativos, a reclamação deve ser apresentada no prazo de um ano (187º), contado desde a
data do incumprimento do dever de decisão (188º/3).

Antes da decisão, e logo que apresentada a reclamação, o órgão competente para decidir deve
notificar todos aqueles que possam ser prejudicados pela sua procedência (os contrainteressados),

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Sebenta de Direito Administrativo
Comissão de Curso do 2.º Ano de Direito 2019/2020

para alegarem, no prazo de 15 dias, o que tiverem de conveniente sobre o pedido e respetivos
fundamentos (192º/1). São eles uma parte principal, não secundária, da relação jurídico-
administrativa (nos termos dos atos poligonais; não se pode já pensar no modelo tradicional da
relação jurídico-administrativa com dois pólos apenas).

O prazo para o órgão competente apreciar e decidir da reclamação é de 30 dias (192º/2), valendo
o silêncio, nos casos de reclamação necessária, como a possibilidade de o interessado utilizar o
meio de tutela administrativo ou contencioso adequado para a satisfação da sua pretensão
(192º/3). Então, perante uma reclamação necessária, e não haja decisão dentro do prazo
estabelecido, o interessado pode utilizar o meio de tutela adequado à satisfação da sua pretensão
(administrativo ou judicial, impugnatório ou condenatório), iniciando-se o respetivo prazo (se o
houver). O mesmo acontece se houver mera confirmação da decisão tomada ou de indeferimento
da reclamação.

A reclamação não suspende a eficácia do ato, a não ser que seja necessária, ou quando o autor do
ato, oficiosamente ou a pedido dos interessados, considere que a sua execução imediata causa
prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação ao destinatário, e a suspensão não cause prejuízo de
maior gravidade para o interesse público (189º/2). Tratando-se de reclamação de atos ou omissões
sujeitos a recurso administrativo facultativo, suspende, contudo, o prazo de impugnação judicial,
apesar de não impedir o reclamante de propor a ação respetiva nem de requerer a adoção de
providências/medidas cautelares, ainda na pendência da impugnação (190º/3 e 4 com 4º e 5º
CPTA). Tratando-se de reclamação (necessária) de atos ou omissões sujeitas a recurso
administrativo necessário, a sua interposição suspende o prazo para interposição de recurso
hierárquico (190º/1).

Nos termos do 190º, a reclamação suspende o prazo para interposição de recursos administrativos
apenas quando sejam necessários (nºs 1 e 2 ). Quer a reclamação quer o recurso suspendem os
prazos de impugnação judicial, que só se retomam quando houver decisão notificada ou se esgote
o respetivo prazo legal (nº 3), suspensão esta que só está prevista para as impugnações facultativas
(quando se trate de impugnações necessárias, o ato não é ainda eficaz, não produz efeitos – 189º/1
–, só começando o prazo judicial a correr com a decisão sobre a impugnação ou com o decurso
do prazo de decisão, o que parece explicar a discrepância entre o 190º/3 CPA e o 59º/4 CPTA).

A redação do nº 3 é consequência do consagrado no 59º/4 CPTA, como solução para valorizar as


garantias administrativas impugnatórias: mesmo sendo facultativas, podem ser uteis para os
particulares, e até para a própria AP, já que da sua utilização resulta a suspensão do prazo de
propositura de ações nos tribunais administrativos, e com a possibilidade de, no decurso de tal

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Sebenta de Direito Administrativo
Comissão de Curso do 2.º Ano de Direito 2019/2020

suspensão, p ex., um superior hierárquico, em sede de recurso hierárquico facultativo, vir a deferir
a pretensão do recorrente, revogando, modificando, substituindo ou anulando o ato impugnado,
possibilidade esta reforçada pelo 197º/2 CPA.

Recurso hierárquico

193º a 198º

Instrumento jurídico conferido aos particulares para impugnarem um ato praticado (ou de reagir
contra uma omissão ilegal) por um órgão subalterno junto do respetivo superior hierárquico (193º
CPA). Entende-se por razões de economia processual que por “superior hierárquico” se entende
o mais elevado superior hierárquico do autor do ato impugnado (salvo no caso de delegação de
poderes referido no 194º/1). Vai de encontro com a doutrina tradicional, anterior ainda ao CPTA
e ao atual CPA, da definitividade competencial ou vertical, visando-se obter uma decisão
verticalmente definitiva da administração (ROGÉRIO SOARES, VIEIRA DE ANDRADE ou
SÉRVULO CORREIA).

A regra geral hoje é outra, da impugnação administrativa facultativa (185º/2, confirmação do


59º/4 CPTA), pelo que o PROF entende não dever utilizar-se esta explicação doutrinal da
definitividade vertical do ato. Relaciona-se mais com razões de economia processual, para que o
procedimento seja mais rápido (em vez de ir de degrau em degrau, o superior hierárquico será o
do topo da relação hierárquica). Salvo disposição legal em contrário, podem ser objeto de recurso
hierárquico todos os atos administrativos praticados pelos órgãos subalternos (ou omissões que
lhes sejam imputadas) sujeitos a poderes de hierarquia por outros órgãos.

O pedido formulado no recurso hierárquico pode consistir na solicitação de declaração da


nulidade, anulação ou convalidação do ato (se ele for considerado ilegal), ou então na sua
suspensão, revogação, modificação ou substituição por razões de oportunidade ou de
conveniência (mas, neste caso, apenas quando o superior possuir poderes dispositivos, não meros
poderes de controlo ou fiscalização, por não se tratar de uma competência exclusiva do subalterno
(197º/1). O órgão competente para reconhecer do recurso pode, salvo as exceções previstas na lei,
confirmar ou anular o ato recorrido (pode sempre fazê-lo, mesmo que o órgão subalterno atue no
exercício de uma competência exclusiva sua. SE (197º/1) a competência não for exclusiva do

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Sebenta de Direito Administrativo
Comissão de Curso do 2.º Ano de Direito 2019/2020

subalterno, mas concorrente, pode, ainda, revogá-lo, modificá-lo ou substituí-lo, ainda que em
sentido desfavorável ao recorrente.

Outro aspeto a ter em consideração é que o recurso hierárquico pode ser necessário ou facultativo:
o 185º/1 CPA estabelece que os recursos são necessários ou facultativos conforme dependa ou
não da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contenciosos de impugnação ou
condenação à prática do ato devido (quando seja um pressuposto processual, uma condição sine
qua non, da impugnação desse mesmo ato, ou da condenação à prática do ato devido, quando em
causa esteja uma omissão ilegal). É facultativo ou potestativo quando o ato é suscetível de
impugnação judicial imediata, independentemente da interposição do recurso hierárquico (185º/1
CPA).

Apesar de o regime do CPTA, ao consagrar no 51º a eficácia externa e a lesividade como critérios
fundamentais de impugnabilidade dos atos, e no 59º/4 e 5 ter afastado como regra geral o recurso
hierárquico necessário, este continua a existir quando previsto em legislação especial (185º/2).

É aqui que surge a questão da constitucionalidade das impugnações administrativas necessárias:


alguns autores entendem que, em virtude do curto prazo para interpor recurso hierárquico
necessário (30 dias, nos termos do 193º/2), o interessado, vencido o prazo, vê negado o seu direito
a interpor a ação em tribunal (naquilo que será uma limitação ao princípio constitucional da tutela
jurisdicional efetiva). Por sua vez, VA entende não haver inconstitucionalidade alguma, visto que
o ato administrativo em sentido próprio é sempre contenciosamente impugnável, apenas se
atualizando após o recurso hierárquico (há uma mera diferença no regime jurídico quanto ao
momento em que se atualiza a tutela jurisdicional, o ataque judicial ao ato administrativo, através
da interposição da ação administrativa adequada). A verdade é que os próprios TC e STA
entendem que não há inconstitucionalidade das impugnações administrativas necessárias,
baseados no argumento de que se trata na fixação por lei de um pressuposto, que constitui uma
mera condicionante (ou, quando muito, de uma restrição legítima do acesso aos tribunais, cujo
conteúdo essencial não é afetado) – posição igualmente assumida por VA.

O PROF entende que, a haver inconstitucionalidade, a argumentação será outra: de acordo com a
doutrina maioritária (inclusivamente sufragada pelo TC), a AP não tem o dever de fiscalizar a
legalidade e a constitucionalidade das disposições que mais imediatamente disciplinam a sua
atuação (ao contrário, aliás, do que dá a entender a J do TJUE). Ora, o superior hierárquico,
quando aprecia os vícios de ilegalidade, não deixa de verificar da legalidade e, até, da
constitucionalidade das disposições que disciplinaram ou enquadraram a atuação do órgão
subalterno. Se assim for, e tratando-se de um juízo de mera juridicidade ou legalidade, a AP seria

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Sebenta de Direito Administrativo
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chamada a desempenhar uma função jurisdicional ou para-jurisdicional, violando assim o


subprincípio da precedência da lei.

Todavia, é certo que nenhuma norma no nosso ordenamento jurídico, constitucional ou legal (ao
contrário do que indica a J do TJUE, referindo-se ao DUE), confere à AP esse poder de
fiscalização da legalidade e constitucionalidade das normas que mais direta ou imediatamente
disciplinam a sua atuação (202º, 204º e 212º/3 CRP, que confere esses poderes aos tribunais, não
à AP). De todo o modo, resulta da doutrina dominante e da J do TC e do STA que as disposições
do CPA, ou até de leis avulsas, que consagram a existência de impugnações administrativas
necessárias (reclamações ou recursos hierárquicos necessários), não são inconstitucionais.

É de 30 dias o prazo de interposição do recurso hierárquico necessário (193º/2); no recurso


hierárquico facultativo, ele pode ser interposto no prazo de propositura judicial (58º/1/b) CPTA).
Outro argumento da doutrina que afasta a inconstitucionalidade referida é o 189º/1 CPA, segundo
o qual as impugnações necessárias de atos administrativos suspendem os respetivos efeitos
(parece não haver lesão da esfera jurídica dos destinatários dos atos administrativos). No recurso
hierárquico facultativo, ele deve ser interposto no prazo de impugnação judicial (3 meses para os
particulares e 1 ano para o MP), por força do 193º/2, que remete para o 58º/1/b) CPTA.

Já os recursos contra a omissão ilegal de ato administrativo podem ser apresentados no prazo de
um ano (187º CPA), contados a partir da data do incumprimento do dever de decisão (188º/3). A
inobservância do prazo do recurso hierárquico necessário acarreta a perda do direito à impugnação
judicial, à possibilidade de obter uma pronúncia judicial sobre o respetivo ato administrativo.

A nova versão do CPA procedeu à alteração das formalidades e da tramitação do recurso


hierárquico, tentando simplificá-lo. Dispõe o 195º/1 e 2 que a interposição de recurso hierárquico
é apresentada ao autor do ato ou da omissão, devendo este dar de imediato conhecimento da sua
apresentação ao órgão administrativo competente para decidir. Deve, ainda, notificar os
contrainteressados (parte principal, repete-se, da relação jurídica), para alegarem no prazo de 15
dias. A par da AP, são os lesados do eventual provimento do recurso hierárquico. Nesse mesmo
prazo, ou no de 30 dias, quando houver contrainteressados, deve o autor do ato ou da omissão
pronunciar-se sobre o recurso e remetê-lo ao órgão competente para dele conhecer, notificando o
recorrente da remessa do processo (dossier) administrativo (195º/2 e 1º CPA).

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Quando existam elementos no processo que demonstrem cabalmente a procedência do recurso e


não tenham os interessados deduzido oposição, pode o autor do ato recorrido revogar, anular,
modificar ou substituir o ato, mas nunca em sentido menos favorável ao recorrente (pela proteção
e tutela do recorrente), devendo dar desse facto conhecimento ao órgão competente para conhecer
do recurso (195º/3 e 4). Tratando-se de uma omissão ilegal, o autor pode praticá-lo na pendência
do recurso, devendo dar conhecimento aos órgãos competentes para conhecer dele a respetiva
prática (195º/5), notificando o recorrente e os contrainteressados que hajam deduzido oposição.
Se assim for, pode o recorrente ou os contrainteressados pedir que o recurso prossiga, desde que
aleguem novos elementos e juntem elementos probatórios novos considerados pertinentes, dentro
do prazo previsto para a interposição do recurso hierárquico (195º/6 e 7).

Nos termos do 197º/2, o órgão competente para conhecer do recurso não fica obrigado à proposta
de pronúncia do autor do ato ou da omissão, devendo respeitar, na fundamentação da decisão que
venha a tomar, quando não opte por aquela proposta, os elementos do 153º CPA (fundamentação
expressa). Sendo certo que a regra é a de que as reclamações e os recursos são de caráter
facultativo (185º/2), é importante que os particulares se sintam suficientemente motivados quando
pedem a intervenção do superior hierárquico do autor do ato através da interposição do recurso.
Esta motivação só pode ser dada se se contrariar a tendência criada por uma certa prática
administrativa de confirmar quase sempre a decisão recorrida por parte de quem ocupa o topo da
hierarquia, através de uma simples adesão aos fundamentos da pronúncia do autor do ato.

O mérito desta disposição reside no facto de clarificar que o superior hierárquico não está nem
deve estar vinculado à proposta de pronúncia do autor do ato, antes usufruindo de liberdade para
decidir de acordo com a lei e com os princípios gerais que orientam a atividade administrativa, de
forma a proferir a decisão que se lhe afigure como sendo a decisão legal e mais justa,
independentemente da pronúncia do autor do ato. Ao fixar a regra da liberdade em matéria de
apreciação do recurso hierárquico (“quando não opte por aquela proposta”), o preceito passa a
exigir apenas que este superior fundamente a decisão que o levou a não concordar com o proposto
pelo autor do ato recorrido (alcança desta forma a compatibilização entre o direito de decidir
livremente um procedimento de segundo grau e o de fundamentar os respetivos atos
administrativos).

A interposição de recurso hierárquico facultativo suspende os prazos para a impugnação judicial


do prazo impugnado (190º/3 e 59º/4 CPTA), mas apenas o recurso hierárquico necessário
suspende os efeitos do ato recorrido, salvo os aspetos referidos no 189º/2.

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Sem prejuízo de a suspensão da eficácia do ato ser pedida pelos interessados, a qualquer momento,
o que deve ser decidido no prazo de 5 dias (189º/3), ou de haver pedido de suspensão da eficácia
do ato perante os tribunais administrativos (189º/5), nos termos dos 112º e ss. CPTA (providência
cautelar que pode ser pedida, neste caso conservatória, que visa preservar a situação existente, e
não antecipatória).

A suspensão administrativa da eficácia do ato no prejudica, então, o pedido de suspensão da


eficácia perante os tribunais administrativos (portanto, não prejudica a utilização de uma
providência cautelar, neste caso conservatória).No procedimento do recurso hierárquico prevê-se
quer a intervenção do órgão recorrido, junto do qual tem de ser interposto, e que lhe pode dar
provimento (195º CPA), quer de eventuais contrainteressados.

O prazo para a decisão é de 30 dias a contar da remessa do processo ao superior hierárquico


(198º/1 conjugado com 195º/1 e 2). A decisão expressa pode ser de confirmação ou de anulação,
conforme os poderes do superior hierárquico, e sem sujeição ao pedido (não é necessária
audiência prévia, a não serem algumas situações de substituição). Se a competência do autor do
ato não for exclusiva (concorrente), pode também revogar, modificar ou substituir, ainda que em
sentido desfavorável ao recorrente (diferente do 195º/4). Já se a competência for exclusiva, o
superior hierárquico apenas exerce poderes de controlo ou fiscalização (confirmar ou anular).

Alguma doutrina defende, no caso de atos estritamente vinculados, que o superior hierárquico
pode ou deve poder substituí-lo, ainda que a competência do subalterno seja exclusiva (mas
apenas se estritamente vinculado).

O órgão competente para decidir do recurso pode, ainda, anular, no seu todo ou em parte, o
procedimento administrativo e determinar a realização de nova instrução ou de diligências
complementares (197º/3), situação esta em que o prazo de decisão é elevado para 90 dias (198º/2).

Tratando-se de omissão do dever de decisão do ato ilegalmente omitido, o órgão competente para
decidir o recurso pode ordenar a prática do mesmo ou substituir-se ao autor do órgão, quando a
competência não for exclusiva (197º/4). Este nº 4 é novo, estabelecendo que o superior
hierárquico se pode substituir ao autor do ato omitido, a não ser que a competência seja exclusiva
do subalterno (neste caso, deve apenas ordenar a prática do ato ilegalmente omitido).

O superior hierárquico deve apreciar todas as questões suscitadas no recurso, quer necessários
quer facultativos, apesar de a letra da lei apenas referir os recursos hierárquicos necessários
(198º/3). Igualmente novo, dispõe que, não obstante a desvinculação da decisão do recurso ao
pedido e à causa de direito (os vícios que o recorrente deve invocar: incompetências, vícios

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formais, materiais, violação de lei ou desvio de poder), recai sobre o superior hierárquico o dever
de conhecer todas as questões suscitadas do recorrente, com exceção daquelas cuja decisão esteja
prejudicada pela solução de outras.

Igualmente novo é o 198º/4, cuja atual redação (ao contrário da precedente) não faz qualquer
alusão ao indeferimento tácito (eliminado nos termos do 59º/4 CPTA, supressão esta que o CPS
veio reforçar), esclarecendo que, em linha com o que sucede no procedimento administrativo de
primeiro grau (129º), a falta de decisão do recurso hierárquico necessário não dá origem à
formação de um ato tácito impugnável, conferindo apenas ao interessado a possibilidade de
utilizar o meio de tutela adequado à satisfação da sua pretensão.

Quando ocorrer indeferimento do recurso hierárquico, ficando o recorrente na mesma situação


em que se encontrava antes da interposição do recurso, a tutela contenciosa não deve dirigir-se
contra a decisão de indeferimento (é um ato confirmativo, não impugnável – 53º/1 CPTA), mas
contra o ato praticado pelo subordinado que lhe deu causa: assim, o meio contencioso a utilizar é
a impugnação do ato primário do órgão subalterno que motivou o recurso.

Igualmente, quando tiverem decorrido os prazos nos 198º/1 e 2, sem que tenha sido proferida
decisão, a tutela judicial adequada não consiste em exigir ao superior hierárquico o cumprimento
do seu dever decisivo de recurso, mas em reagir imediatamente contra a conduta omissiva que
deu origem ao recurso, sendo neste caso o meio contencioso a utilizar o pedido de condenação à
prática de ato legalmente devido (e ilegalmente omitido pelo órgão subalterno) nos termos dos
66º e ss. CPTA – 198º/4.

Recursos administrativos especiais

199º CPA. São especiais todos os recursos que não são hierárquicos. São então “recursos
hierárquicos impróprios” os interpostos para órgão da mesma pessoa coletiva que exerça poderes
de supervisão (199º/1/a) CPA); para o órgão colegial, de atos ou omissões de qualquer dos seus
membros, comissões ou secções (al. b)), ou para órgão de outra pessoa coletiva que exerça
poderes de tutela ou superintendência (al. c)), e ainda os recursos para o delegante ou
subdelegante, de atos praticados pelo delegado ou subdelegado (nº 2).

Integram os recursos tutelares os recursos de atos ou omissões de um órgão para órgão de uma
pessoa coletiva que sobre ele exerça poderes de tutela ou superintendência. Para haver este recurso
não é suficiente que a lei preveja uma relação de tutela, mas sim que preveja, também, a

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possibilidade desse recurso (mesmo nestes casos, o recurso apenas pode ter por fundamento a
inconveniência ou inoportunidade do ato ou da omissão, quando a lei estabeleça uma tutela de
mérito); por outro lado, apenas pode ocorre no seu âmbito modificação ou substituição do ato
omitido ou recorrido desde que a lei confira ao órgão tutelar poderes de tutela substitutiva e a
mesma seja exercida no âmbito daquela (199º/3 e 4).

De outro modo: o nº 1 do 199º agrupa as situações antes previstas em preceitos diferentes; recurso
para órgão da mesma pessoa coletiva que exerça poderes de supervisão; recurso para órgão
colegial de atos ou omissões dos seus membros, comissões ou secções; recurso para órgão de
outra pessoa coletiva que exerça poderes de tutela ou superintendência (recurso tutelar). Este
agrupamento salienta a caraterística comum: necessidade de previsão legal expressa, ao contrário
do que sucede na relação hierárquica (o recurso, pelo menos facultativo, tem sempre lugar, já que
o superior hierárquico dispõe, no mínimo, do poder de anulação dos atos ilegais praticados pelo
subalterno, ainda que a sua competência não abranja a competência decisória deste).

O nº 2 refere-se ao recurso dos atos do delegado ou subdelegado para o delegante ou subdelegante


mas, ao contrário do que tinha sido proposto pela Comissão de Revisão, e em contradição frontal
com o disposto na delegação de poderes (44º e ss.), e em especial com os poderes reconhecidos
ao delegante ou subdelegante (49º/2), exige-se aqui que haja “expressa disposição legal”. Não se
percebe que o delegante tenha o poder de, oficiosamente, anular, revogar, modificar ou substituir
os atos praticados pelo delegado, mas o interessado apenas possa recorrer deles para o delegante
quando a lei o expressamente determinar. Esta contradição normativa resulta numa restrição
injustificada dos direitos dos particulares, que devem ter sempre (ou em regra, pelo menos) a
faculdade de recurso (praticamente transforma-se o regime geral de recurso para o delegante num
regime excecional, pela necessidade de previsão legal expressa).

De qualquer forma, os recursos tutelares da al. c) do nº 1 estão sujeitos a um regime particular,


precisamente por estar em causa uma relação entre órgãos de pessoas coletivas distintas
(intersubjetiva), com diferentes atribuições, sobretudo nos casos em que o órgão recorrido integra
uma Administração Autónoma. Assim, a aplicação das regras do recurso hierárquico, enquanto
regime regra, está sujeita a condicionamentos e a uma reserva: o recurso só pode ter por
fundamento a inconveniência ou a inoportunidade do ato ou da omissão quando a lei estabeleça,
validamente, uma tutela de mérito (o que acontece, em regra, na administração indireta); a
modificação ou substituição do ato recorrido ou a prática do ato ilegalmente omitido só é possível
no quadro de poderes especiais da tutela substitutiva expressamente conferidos por lei no nº 4 (a
tutela só pode ser de legalidade ou de mérito – nas relações do Estado com a AA, é de mera
legalidade, enquanto com as administrações indiretas é de legalidade e de mérito; quanto ao

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conteúdo, pode ser inspetiva, integrativa, substitutiva, revogatória, etc). Em terceiro lugar, em
regra, a aplicabilidade do regime dos recursos hierárquicos está sujeita a uma reserva: não pode
contrariar a natureza própria do recurso tutelar e o resp4ito devido à entidade tutelada (nº 5).

A (in)constitucionalidade em matéria das impugnações administrativas

A questão da inconstitucionalidade em matéria de impugnações administrativas só se colocará em


relação às impugnações necessárias (de que é expoente o recurso hierárquico necessário, mas
também pode haver reclamações necessárias), funcionando como pressuposto processual da
interposição de ações em tribunal.

Alguns autores entendem haver inconstitucionalidade pelo curto prazo (um mês) de propositura
de ação; decorrido esse prazo, o particular ficará sem possibilidade de tutela judicial. Outros
entendem não haver inconstitucionalidade, uma vez que o 268º/4 CRP não impede a impugnação
judicial de qualquer ato administrativo em sentido próprio; a diferença de regime jurídico refere-
se ao momento em que opera a tutela judicial: apenas pode atuar depois de o interessado ter
recorrido administrativamente para o recurso hierárquico (enquanto pressuposto processual da
ação portanto)

O PROF entende que as impugnações administrativas necessárias poderão ser inconstitucionais


por outro motivo, configurando uma espécie de autotutela contenciosa indireta. Os princípios da
legalidade e da hierarquia normativa impõem à AP a sujeição a normas de hierarquia diferente
(DUE, CRP, normas legais e até regulamentares); mas e as que mais diretamente vinculam a sua
atuação: p ex. se um ato respeita um regulamento, mas desrespeita um parâmetro normativo
superior; ou se respeita uma lei que regula a sua atuação, mas essa lei é inconstitucional? Coloca-
se a dúvida de saber de a AP pode desaplicar o parâmetro normativo mais próximo em virtude da
sua ilegalidade ou inconstitucionalidade, por violar o parâmetro normativo superior. Em suma,
cabe à AP o poder, e até o dever, de fiscalizar a legalidade ou até a inconstitucionalidade das
normas que mais imediatamente disciplinam a sua atividade?

Uma teoria (minoritária) entende que sim; outra teoria (sufragada pelo TC) defende o contrário,
assentando nos argumentos da separação de poderes e na inexistência de uma norma (violação da
precedência de lei) que conceda à AP o poder de fiscalizar a inconstitucionalidade ou ainda a
ilegalidade da sua atividade. É a tese dominante na doutrina e até na J constitucional, sendo que,
ao nível do DUE, o TJUE aponta para a ideia de que as administrações nacionais têm de desaplicar
qualquer norma interna que viole uma norma de DUE primário ou derivado.

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A questão coloca-se também relativamente às impugnações administrativas necessárias, de que é


exemplo máximo o recurso hierárquico necessário. Quando as impugnações são
necessárias/obrigatórias, elas servirão apenas para tutela as posições jurídicas subjetivas dos
particulares, ou também servem os interesses da AP? O PROF entende que, tratando-se de
impugnações administrativas necessárias, estas garantias passam a servir dois interesses: os do
particular, se o superior revogar, anular ou modificar o ato favoravelmente, consubstanciando
uma maior proteção do particular; servirão os interesses da AP se anularem o ato administrativo
no sentido que convenha à própria AP.

Por isto defende o PROF a tese da autotutela contenciosa indireta: a impugnação administrativa,
podendo ser necessária/obrigatória, pode também servir interesses da AP (o interesse público que
ela personifica); contenciosa, porque o superior hierárquico, ao apreciar os vícios de legalidade
ato, fiscaliza desde logo a ilegalidade e a inconstitucionalidade das disposições que mais vinculam
o órgão subalterno ao praticar o ato. É esse enquadramento normativo que vai ser analisado pelo
superior hierárquico, pelo que ele desempenha uma operação de controlo e fiscalização da
legalidade e da constitucionalidade dos parâmetros normativos que orientam o subalterno.

Em conclusão, sendo cero que nenhuma norma constitucional ou legal atribui este poder de
fiscalização à AP; pelo contrário, as normas constitucionais atribuem essa função de fiscalização
da legalidade e da constitucionalidade aos tribunais administrativos (202º, 204º e 212º/3 CRP),
ao poder judicial.

As queixas às entidades administrativas independentes

É uma tendência cada vez maior na organização administrativa a presença de entidades que
desempenham funções de controlo, designadamente com poderes de apreciação de queixas,
funcionando deste modo como meios de garantia dos direitos e dos interesses legalmente
protegidos dos particulares (ex. CADA, CNPD, a CMVM, etc.). Diferentemente do que acontece
nas impugnações administrativas tradicionais, fala-se aqui de queixas apresentadas a estas
entidades e que visam apenas o controlo da legalidade (e não do mérito) da atuação dessas
entidades (não podem apreciar a conveniência ou oportunidade dos atos administrativos visados).

O particular pode até optar por um procedimento administrativo, exercendo o seu direito de queixa
junto da CADA, ou junto da CNPD (quando se trate do acesso a dados pessoais). A diferença em
relação às impugnações administrativa clássicas reside no facto de as queixas não constituírem
um pressuposto processual, p ex., de intimação, apesar de interromperem o prazo para a sua

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propositura (intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de


certidões, prevista no 104º e ss. CPTA).

O Provedor de Justiça é um órgão público independente do Governo, da AP e dos tribunais, eleito


pela AR por maioria qualificada (23º/3 CRP), não estando sujeito a ordens ou instruções alheias.
A sua função principal é a de receber e apreciar queixas dos cidadãos contra a atuação ilegal ou
injusta da AP; não possui, contudo, poderes decisórios (pelo que não pode dar ordens à AP), mas
meramente persuasivos: pode, se entender que o particular tem razão na queixa apresentada,
dirigir recomendações às autoridades competentes, podendo assumir os mais variados conteúdos
(recomendar a revogação ou substituição de um ato, a prática de determinado ato, etc.); pode o
PJ, ainda, efetuar visitas, inspeções, pedir informações e proceder a inquéritos às mais variadas
investigações que considere necessárias e adequadas ao caso.

Quanto ao direito de petição em geral, consiste na faculdade reconhecida a pessoas ou a grupos


de pessoas de se dirigirem a quaisquer autoridades públicas, apresentando petições,
representações, reclamações ou queixas destinadas à defesa dos seus direitos, das leis ou do
interesse geral (52º CRP). Trata-se em grande medida de um direito político, podendo ser exercido
perante os órgãos de soberania, como também perante quaisquer autoridades públicas (incluindo,
naturalmente, entidades administrativas). Este direito geral concretiza-se em vários subdireitos:

- direito de petição em sentido estrito: reclamação de providências por parte dos poderes públicos

- direito de representação: chamada de atenção ou protesto relativo a qualquer problema existente


ou às consequências de determinada atuação administrativa

- direito de queixa: protesto contra o comportamento de determinado agente ou órgão


administrativo

- direto de reclamação: contestação de decisões administrativas tomadas ou anunciadas

A Responsabilidade Civil do Estado

Regime jurídico previsto na L 67/2007, de 31 de dezembro.

O conceito jurídico de responsabilidade traduz sempre a ideia de sujeição às consequências de


um comportamento; é deste modo um conceito com base ética, tendo presente uma relação causal
entre a adoção consciente e voluntária de um dado comportamento lesivo, de valores socialmente

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relevantes, e as consequências reprováveis, que resultam desse comportamento, recaindo


normalmente na esfera jurídica de um outro sujeito.

Sendo o Direito um sistema de ordenação da vida em sociedade, tais consequências, para além da
censurabilidade ética, devem fazer-se sentir na esfera jurídica do autor desses danos, e não do
sujeito que sofreu o dano. Consoante a importância dos valores lesados pelo comportamento da
AP, podem conceber-se várias formas:

- responsabilidade criminal ou penal, consequência da prática de um crime, de uma conduta


especialmente grave que afeta os valores vitais da vida em sociedade

- responsabilidade disciplinar, resultante da violação, por determinado órgão ou agente, dos seus
deveres funcionais

- responsabilidade civil (extra)contratual, decorrente de um prejuízo causado a um outro sujeito

A responsabilidade que aqui interessa é apenas a responsabilidade civil extracontratual, por atos
de gestão pública portanto. Fala-se da obrigação que recai sobre uma entidade (Estado e outras
entidades públicas, em princípio, mas também relativamente a entidades privadas que atuem no
exercício de poderes jurídico-administrativos – sentido orgânico-funcional de AP) que tenha
causado prejuízos aos particulares.

A ideia de responsabilidade do Estado pelos seus atos (incluindo, igualmente, atuações materiais
e omissões), durante muito tempo, foi desconhecida para o Direito. Entendia-se, até ao séc. XIX,
particularmente nos tempos do Estado-absoluto, que a manifestação da vontade do soberano não
poderia gerar qualquer obrigação de indemnizar: dizia-se que “the king can do no wrong” em
relação aos particulares lesados peço poder público; assim, a indemnização podia até ser
concedida, mas não como resultado de uma obrigação legalmente consagrada; constituía, ao
invés, uma “graça”, uma “mercê” do soberano. Aconteceu algumas vezes com Luís XIV, quando,
na criação de grandes obras públicas que atravessavam propriedades de grandes senhores feudais,
teve de expropriar vários terrenos. Em bom rigor, não se tratava verdadeiramente de uma
expropriação, uma vez que não havia obrigação de conceder uma justa e contemporânea
indemnização, como acontece atualmente. O soberano podia concedê-la, mas não em virtude de
uma obrigação jurídica, já que se tratava apenas de uma graça ou de uma “mercê”.

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Mesmo durante o séc. XIX, esta ideia manteve-se, nomeadamente em autores como
LAFERRIERE, que entendia que a soberania se podia impor a todos sem compensação (tratando-
se de obras públicas, o problema da responsabilidade era entendido como uma expressão da
própria soberania do Estado); também DUBUIS (??????) entendia que soberania e
responsabilidade são duas ideias que se excluem mutuamente. Não obstante a Revolução
Francesa, manteve-se ainda no Estado de Direito liberal uma ideia de irresponsabilidade do poder
público por danos resultantes da sua atividade. Esta prevalência expressa-se em 3 grandes
manifestações constitucionais: irresponsabilidade dos deputados, titulares do poder legislativo
(157º/1), irresponsabilidade dos juízes, titulares do poder judicial (216º/2), irresponsabilidade dos
membros do executivo e, em geral, de toda a AP. Foi esta a primeira irresponsabilidade a cair
(órgãos e agentes da AP); esta ausência de mecanismos de responsabilidade dos titulares dos
órgãos, dos funcionários e dos agentes começou por ser, também ela, manifestação de um
fenómeno natural mais vasto (a irresponsabilidade do poder político)

Contudo, foi no âmbito do poder administrativo que se começou a desenvolver a necessidade de


consagração de mecanismos gerais que efetivassem a responsabilidade da AP pelos danos que
causasse no desenvolvimento de atividades extracontratuais de gestão pública. Aliás, consagra-se
hoje não só a responsabilidade da AP pelos atos praticados no exercício da função administrativa,
mas também a responsabilidade do Estado por atos praticados no exercício das funções político-
legislativa e jurisdicional.

A primeira a introduzir-se nos ordenamentos jurídicos nacionais (e na portuguesa) foi, então, a


responsabilidade civil extracontratual da AP por atos de gestão pública. A ideia de
irresponsabilidade decorria, ainda, do entendimento de que o vinculo jurídico entre o funcionário
(titular do órgão) ou agente e o Estado se enquadrava no mandato civil, pelo que o Estado só
responderia pelos atos legais; pelos atos ilegais, praticados necessariamente contra mandato,
originavam apenas a responsabilidade pessoal dos titulares dos órgãos (funcionários e agentes), o
que era causa de receios paralisantes desses mesmos funcionários ou agentes.

Foram 3 os fatores que determinaram a evolução no sentido de uma crescente responsabilização


do Estado:

- a consolidação e o aprofundamento do princípio da legalidade/juridicidade, de sujeição da AP a


um bloco normativo geral

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- a personalização crescente da AP através das respetivas entidades supletivas de direito público


que a integram, bem como a teoria da imputação dos atos praticados por órgãos de uma pessoa
coletiva à pessoa coletiva em que se integram esses mesmos órgãos

- o alargamento da intervenção socioeconómica do Estado, sobretudo na época aurífera do Estado


Social de Direito (a partir de meados do séc. XIX), o que era propício a criar fricções e relações
conflituantes com os particulares (não se tratava apenas de administração prestacional, mas, em
muitos casos, de atuações da chamada “administração agressiva”)

Considera-se que a primeira tentativa de fundar a obrigação de indemnizar prejuízos causados a


particulares por parte do Estado-administração, em princípios específicos do Direito Público, foi
o Ac. Agnés Blanco, proferido em 8 de fevereiro de 1873, pelo Tribunal de Conflitos francês. Os
trabalhadores de uma empresa pública tabaqueira, ao empurrar vagões, atropelaram uma criança.
O acórdão afirmou expressamente a competência dos tribunais administrativos em matéria da
responsabilidade do Estado. Durante muito tempo ainda, considerou-se que somente os atos
praticados no exercício da função administrativa poderiam gerar a responsabilidade do Estado,
excluindo-se a responsabilidade por atos dos poderes legislativo e judicial. A própria L 67/2007
é também inovadora, já que consagra a responsabilidade por atos praticados no exercício da
função político-legislativa e no exercício da função jurisdicional (apesar de estabelecer um regime
mais limitado).

A L 67/2007 veio substituir o DL 48 051, de 21 de novembro de 1967, publicado na sequência


do CC de Varela. No seu 501º dispunha que, quando a AP atuava destituída dos seus poderes de
autoridade, a situação era enquadrada pelo D Privado. Este diploma anterior veio apenas
consagrar a responsabilidade do Estado por prejuízos provocados por atos de gestão pública, ou
seja, de condutas autoritárias da AP, adotadas sob a égide de regras e princípios de DA. A
distinção do regime substantivo reproduzia-se no plano processual, i.e., na determinação da
jurisdição competente para o julgamento das ações de responsabilidade. No caso de r por atos de
gestão privada, a competência era dos tribunais judiciais; nos casos de responsabilidade civil por
atos de gestão pública, a competência era dos tribunais administrativos.

Na sequência da reforma da justiça administrativa de 2002-2004, e em várias outras posteriores


(especial relevância teve a de 2015-2019), houve alterações na jurisdição administrativa; uma das
modificações mais importantes foi o facto de passar a ser ela a jurisdição competente para avaliar
todas as ações de responsabilidade a propor contra o Estado e outras entidades públicas, trate-se

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de atos de gestão pública ou de gestão privada. Esta distinção não é feita no ETAF, em especial
no 4º/1/f), g), h).

A lei veio manter a dualidade de regimes a nível substantivo, tratando apenas da responsabilidade
civil extracontratual da AP (em sentido orgânico-funcional), mas apenas de atos de gestão pública.
A responsabilidade civil por atos de gestão privada, ainda que do Estado e demais entidades
públicas, a disciplina continua a caber ao CC (nomeadamente 501º) – 1º/2 L 67/2007. Em matéria
jurisdicional, contudo, a competência para apreciar a r civil quer de atos de gestão pública quer
de atos de gestão privada é dos tribunais administrativos (4º/1/f), g), h) ETAF).

3. Responsabilidade subjetiva

A L 67/2007, ao contrário do anterior diploma, aplica-se à responsabilidade civil extracontratual


decorrente de atos das funções administrativa, legislativa e judicial (1º/1). É uma inovação
especialmente importante, já que está em causa a responsabilidade não só do Estado-
administração mas também a do Estado-legislador e a do Estado-juiz.

De facto, o regime relativo à responsabilidade civil decorrente de atos praticados no exercício


destas outras duas funções merece um tratamento mais restritivo e cuidadoso, uma vez que são
domínios em que se justifica uma maior cautela. Para todos os efeitos, certo é que nada do que
acontece em nome do Estado (e da sociedade, portanto) pode ser imune ao dever de reparar os
danos provocados aos particulares nessa atividade desenvolvida pelos poderes públicos à luz do
interesse geral. O Estado de Direito não é um Estado demofílico, a atuação da AP tem em conta
a realização do interesse público, ao contrário do que se entendia no Estado absoluto (em que a
satisfação do interesse geral era quase um direito natural, não carecendo de justificação, a não ser,
eventualmente, uma justificação metafísica), no qual qualquer reparação era consequência de uma
“mercê” do soberano. Ainda a propósito do âmbito de aplicação material da L 67/2007, apesar de
ter desaparecido a referência aos atos de gestão pública, a dualidade de regimes de
responsabilidade mantém-se (1º/2) – a lei disciplina, então, unicamente, a responsabilidade civil
extracontratual por atos de gestão pública, ficando fora do seu âmbito a responsabilidade civil
decorrente da prática de atos de gestão privada.

Anteriormente, à dualidade de regimes substantivos correspondia, também, uma dualidade de


jurisdições: a competência era dos tribunais administrativos quando estivesse em causa um litígio
relativo à responsabilidade civil decorrente de atos de gestão pública; se estivesse em causa
responsabilidade civil decorrente de uma atividade de gestão privada, levada a cabo por uma
entidade pública, a competência era dos tribunais judiciais. Atualmente, ainda que se mantenha
uma dualidade de regimes substantivos, a competência em matéria de litígios, quer decorrentes
de atos de gestão privada quer decorrentes de atos de gestão pública, pertence aos tribunais
administrativos, nos termos do 4º/f), g) e h) ETAF (apesar de não ser muito explícito, a D e a mais
elevada J têm entendido que este artigo abrange as duas modalidades de responsabilidade civil).
Não há nenhum elemento positivo (expresso na lei) que corresponda a esta interpretação,

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Comissão de Curso do 2.º Ano de Direito 2019/2020

entendendo-se que, de alguma forma, o espírito da norma se sobrepõe à sua previsão literal. Tem-
se defendido esta ideia com base em argumentos relativos aos trabalhos preparatórios e na falta
de referência à exclusão de responsabilidade por atos de gestão privada, como acontecia no ETAF
anterior. Quanto à responsabilidade civil por atos de gesto privada, ela é regida pelo 500º CC.

Âmbito subjetivo

Apesar de subsistir na lei a referência ao “Estado e demais pessoas coletivas de direito público”,
o legislador alarga o âmbito de aplicação subjetiva do novo regime legal às pessoas coletivas de
direito privado que atuem no exercício de poderes públicos ou poderes jurídico-administrativos
(ou sob a égide de princípios e regras de DA), nos termos do 1º/5, segunda parte.

O objetivo primeiro da responsabilidade civil do Estado e de qualquer outra entidade pública ou


privada, no exercício de atividades de natureza pública (e de poderes jurídico-administrativos), é
a transferência do dano sofrido pelo cidadão para o seu causador (não há responsabilidade sem
prejuízo). A lei consagra vários princípios nesta responsabilidade:

- preferência pela reparação in natura, pela restauração da situação ou reconstituição da situação


hipotética, que se verificaria no caso de não ter ocorrido o ato lesivo danoso (3º/1)

- indemnização fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, não repare
integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa (3º/2); a indemnização em dinheiro é,
então, uma segunda opção, aceite apenas naquelas hipóteses.

- esta reparação compreende os danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como os danos já
produzidos e os danos futuros, nos termos gerais do direito (3º/3).

- subsiste, em matéria de direito à indemnização, e de direito de regresso, a remissão para o 498º


CC, pelo que o prazo de prescrição se mantém nos 3 anos (5º), sendo, também aplicável o disposto
no CC em matéria de suspensão e interrupção (323º CC).

No contencioso da responsabilidade civil, as ações podem ser propostas a todo o tempo, salvo
determinação legal especial em contrário. A pretensão do particular pode, no entanto, cair, em
virtude do procedimento da L 67/2007: por efeito da prescrição do respetivo direito de
indemnização, que, segundo o 498º, acontece no prazo de 3 anos a contar do conhecimento do
lesado desse seu direito (embora com desconhecimento da pessoa responsável pelo seu dano).
Alguma doutrina considera este prazo demasiado curto, cujo regime suscita dúvidas, e até
perplexidades (nomeadamente, quanto ao início da contagem da prescrição). O 5º L 67/2007 veio
estender a aplicabilidade do CC ao disposto em matéria de suspensão e interrupção da prescrição,
nos termos do 323º CC.

A lei recorta ainda dois conceitos específicos: os danos ou encargos especiais e os danos ou
encargos anormais (2º). Os primeiros atingem um grupo determinado de pessoas, colocando-o
numa situação diversa e mais desfavorável do que outras pessoas (primeira parte). Os danos
anormais são os que, excedendo os custos inerentes à vida em sociedade (a sociedade de risco),
sejam suficientemente graves para justificar a tutela do direito (2º, segunda parte).

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Comissão de Curso do 2.º Ano de Direito 2019/2020

3.1. Tipologia dos sistemas de imputação subjetiva do dano.

Esta responsabilidade surgiu como responsabilidade subjetiva, i.e., envolvendo um juízo de


censura sobre o comportamento do agente causador do prejuízo; podendo (e até devendo) o agente
ter optado por outro comportamento, escolheu aquele que era censurável e potencialmente
danoso. Esta responsabilidade assenta em determinados requisitos: ilicitude, culpa e nexo de
causalidade entre o facto causador e o dano.

Neste regime de responsabilidade administrativa, assume relevância, desde logo, a imputação


subjetiva do dano. Um dos primeiros problemas que se colocou foi saber a quem imputar o dano;
o de determinar qual o sujeito cujo património suportaria o ressarcimento do dano provocado ao
administrado, ao particular; seriam as próprias entidades públicas, como apontavam as teorias da
responsabilidade coletiva e da imputação jurídica dos atos pelos seus órgãos? Ou deveriam ser as
pessoas físicas titulares dos respetivos órgãos, enquanto centros portadores de uma verdadeira
vontade passível de provocar, pelas suas ações ou omissões ilegais, um prejuízo?

Manifestavam-se, então, duas tendências fundamentais, e que se contradiziam:

- defesa do património da AP (que está na base da crescente personificação das estruturas


administrativas decisórias), decorrendo daqui uma tendência de alargamento da responsabilidade
pessoal dos titulares dos órgãos, funcionários e agentes administrativos;

- defesa dos direitos dos particulares perante a AP, que ficam tanto mais garantidos quanto o
património suscetível de responder pelos danos causados pela AP tenha uma maior dimensão –
aspeto este justificativo da responsabilidade civil das entidades públicas, em detrimento da
exclusiva r c pessoal dos titulares dos órgãos, funcionários ou agentes.

Recorrendo ao direito comparado, o instituto da responsabilidade civil pode assumir a forma de


3 sistemas de imputabilidade pessoal de um dano decorrente do exercício ilícito da função
administrativa:

- o sistema em que a responsabilidade civil da AP é exclusivamente imputada ao funcionário,


atualmente raro

- o sistema em que a responsabilidade recai apenas sobre as entidades que integram a AP, podendo
esta gozar ou não de um direito de regresso relativamente aos titulares dos seus órgãos

- o sistema em que a pessoa do funcionário e a entidade pública a que este pertence são subsidiária,
cumulativa ou solidariamente reesposáveis perante os particulares lesados. É neste que se
enquadra melhor o nosso sistema de responsabilidade administrativa.

3.2. Princípios constitucionais estruturantes.

São vários os princípios que a CRP consagra no âmbito da responsabilidade civil do Estado e das
entidades públicas. O 22º, dotado de aplicabilidade direta, estabelece o princípio geral da
responsabilidade solidária das pessoas coletivas públicas com os titulares dos seus órgãos,
funcionários ou agentes. Depois, apesar de integrado numa norma não exequível por si mesma, o

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274º/1 afirma o princípio geral do direito de regresso das entidades públicas contra os titulares
dos seus órgãos, funcionários ou agentes (figura algo bicéfala, uma vez que também pode ser
exercido por estes contra o Estado e demais entidades públicas, em determinadas condições).

A garantia constitucional do princípio da responsabilidade solidária das entidades públicas com


os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, não está isenta de limites no seu campo de
operatividade. Nem todas as ações ou omissões praticadas pelo titulares dos órgãos, funcionários
e agentes, gozam da garantia de solidariedade das entidades públicas na respetiva
responsabilidade por danos delas decorrentes. Desde logo, a CRP circunscreve a responsabilidade
das entidades públicas às ações ou omissões praticadas “no exercício das funções do seu autor ou
por causa desse exercício” (22º).

Fora de qualquer ideia de responsabilidade solidária, e até de responsabilidade por parte das
demais entidades públicas, ficam todas as outras ações ou omissões praticadas pelos titulares dos
órgãos, funcionários ou agentes, como acontece perante os factos pessoais, ou seja,
comportamentos praticados fora do exercício das respetivas funções, enquanto atos
completamente exteriores ao exercício dos seus poderes administrativos (deveres que integrem a
respetiva vida privada do funcionário ou agente). Ficam, também excluídos os comportamentos
que, apesar de praticados no exercício das suas funções, não o tenham sido por causa desse mesmo
exercício, mas, p ex., ditados por razoes de natureza pessoal (nomeadamente passionais)

Estas duas situações constituem casos de responsabilidade civil exclusivamente imputada à


pessoa do titular do órgão, funcionário ou agente administrativo, acionável junto dos tribunais
judiciais.

Na responsabilidade solidária em danos decorrentes da prática de crimes, é problemática a questão


de saber se os comportamentos praticados no exercício das funções e, aparentemente, por causa
desse exercício, e que se traduzam na prática de um crime, são integráveis ou não no âmbito dos
factos pessoais imputáveis, para efeitos de responsabilidade civil exclusivamente ao seu autor –
ou se, pelo contrário, são passíveis de beneficiar da regra da responsabilidade solidária do 22º
CRP.

Ex. numa esquadra de polícia, durante o interrogatório de um detido, ele é assassinado. A r c


daqui decorrente deve ser imputada exclusivamente ao polícia autor do disparo ou, ao invés, o
Estado assume uma posição de responsabilidade solidária, podendo ela ser também intentada
contra o próprio Estado? Estamos perante um facto pessoal ou um facto funcional? A r c só
abrange os factos funcionais.

Esta questão não pode ser objeto de uma resposta unívoca, havendo que distinguir duas situações:

- se o homicídio do detido foi, segundo a intenção do polícia, enquanto autor do ilícito criminal,
ditada por razões ou paixões exclusivamente pessoais, estamos perante um facto pessoal, pelo que
o polícia responderá exclusivamente em termos pessoais, tal como responderia qualquer outro
cidadão (deparamo-nos com um k que, apesar de praticado no exercício das suas funções, não
teve “por causa” esse mesmo exercício).

- se, pelo contrário, o homicídio do detido não foi ditado por razões ou paixões de índole pessoal,
estamos perante um facto praticado no exercício das funções do seu autor, e por causa desse

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exercício, há lugar a responsabilidade solidária por parte do Estado. Trata-se de uma solução que,
apesar de parecer à primeira vista chocante, se autonomiza totalmente da anterior, quanto às
intenções do seu autor, ao mesmo tempo que comporta uma ideia fundamental: o reforço das
garantias indemnizatórias dos particulares.

Sendo inquestionável que o campo de operatividade do princípio da responsabilidade solidária


das entidades públicas se circunscreve aos prejuízos decorrentes de factos funcionais, enquanto
expressão de ações ou omissões praticadas no exercício das funções do seu autor, e por causa
desse mesmo exercício, enquadram-se neste âmbito tanto os atos dolosos como os atos praticados
com negligência consciente e, até, inconsciente.

O princípio da solidariedade na r permite ao administrado que tenha sido lesado intentar uma ação
administrativa de r c extracontratual por facto ilícito contra a entidade pública integrante da AP,
contra o autor do facto ou contra ambos, solicitando, em qualquer das três situações, o
ressarcimento integral do(s) prejuízo(s) sofrido(s).

Concluindo, o direito português consagra um modelo de responsabilidade civil baseado numa


relação de solidariedade, que determina, para o particular lesado, uma situação de concorrência
alternativa na imputação subjetiva do dano, para efeitos de satisfação integral no seu direito de
indemnização pelos prejuízos sofridos. A mencionada “concorrência alternativa” entre entidade
pública e autor do facto, decorrente da regra da solidariedade na imputação dos danos, não pode
fazer esquecer a vertente interna da responsabilidade: o direito de regresso das entidades públicas
que integram a AP contra os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, enquanto autores
materiais dos factos geradores dos danos objeto de indemnização (271º/4 CRP e 8º/3 L 67/2007).

A vertente interna da responsabilidade civil é, assim, a do direito de regresso, normalmente


referente às entidades públicas (sem prejuízo de se referir, também, às entidades privadas com
prerrogativas de direito público, ex vi 1º/5 L 67/2007).

3.3. Natureza jurídica do direito de regresso.

O segundo princípio estruturante da responsabilidade civil da AP consiste no direito de regresso


das entidades públicas contra os titulares dos órgãos, funcionários e agentes administrativos.
Decorre da própria CRP, no 271º/4, que remete para lei ordinária a respetiva configuração legal.
No âmbito da L 67/2007, há direito de regresso em duas situações de culpa:

- quando o titular do órgão, funcionário ou agente, tenha atuado com dolo (8º/1, 2 e 3)

- sempre que o titular tenha procedido com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a
que se achava obrigado, em razão do cargo (8º/1 e, especial, 3).

A lei ordinária admite, deste modo, o princípio geral do direito de regresso das entidades públicas
contra os titulares das estruturas decisórias em caso de atuação dolosa, seja ele direto,
indireto/necessário ou eventual. Igualmente admite o direito de regresso no âmbito da negligência
consciente. Ao contrário da lei anterior, as entidades públicas estão atualmente vinculadas ao

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exercício do direito de regresso, nos casos em que se encontra previsto na lei (é obrigatório), sem
prejuízo do procedimento disciplinar a que haja lugar (6º/1).

Fora deste direito de regresso cabem os casos em que os titulares dos órgãos, funcionários e
agentes, tenham procedido com diligência e zelo normais ou inferiores (não se está perante uma
culpa grave, mas leve – 7º/1), situações em que o Estado e demais entidades públicas respondem
exclusivamente pelos danos sofridos por ações ou omissões praticadas pelos titulares dos órgãos,
funcionários ou agentes. (Não ficam, já, de fora os casos em que os sujeitos referidos atuam com
diligencia e zelo “manifestamente inferiores” àqueles a que se achavam obrigados em razão do
cargo.) Nestas hipóteses (de culpa leve) ocorrendo um dano e o lesado, agindo ao abrigo do
princípio da r c solidária, intentar a ação de responsabilidade apenas contra o titular do órgão,
funcionário ou agente, deve, a qualquer destes últimos, reconhecer-se a titularidade de um direito
de regresso contra a entidade pública (por força dos princípios da igualdade e da justiça).

Dito de outra forma: em situações em que o autor do dano tenha agido com diligência e zelo
inferiores, sem que o seja manifestamente, aos que estaria obrigado em razão do cargo, a lei como
que lhe reconhece uma espécie de privilégio, atribuindo à AP o suporte patrimonial exclusivo da
indemnização, decorrente de não lhe conceder o correspondente direito de regresso contra o
funcionário (como forma de impedir que os titulares dos órgãos, funcionários ou agentes,
atemorizados pela hipótese de responderem pela sua ação ou omissão, apliquem a máxima in
dubio pro obstine, comprometendo o princípio da boa administração e da eficácia da atuação
administrativa) – 7º. Os nºs 3 e 4 referem-se a situações em que há culpa do serviço.

Exigindo sempre a lei ordinária que o direito de regresso das entidades públicas contra os titulares
dos órgãos, funcionários e agentes administrativos, se fundamente na culpa deles (enquanto
elemento objetivo apenas passível de ser aferido em relação a pessoas singulares), deve concluir-
se não haver lugar ao exercício do direito de regresso sempre que não seja possível determinar,
com exatidão, quem, dentro da pessoa coletiva de direito público, foi, em concreto, o verdadeiro
autor material do facto ilícito. Nestes casos, tradicionalmente designados por “culpa do serviço”
ou “falta do serviço”, pode dizer-se que as respetivas pessoas físicas integrantes da AP são
intocáveis, sem prejuízo de a própria pessoa coletiva pública não estar excluída do dever de
indemnizar os lesados por eventuais danos deles decorrentes. Assim, a entidade pública não tem
a possibilidade de exigir dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, em termos de
direito de regresso, o que tiver pagado a título indemnizatório, nem se mostra prudente que o lesão
intente a ação de responsabilidade contra qualquer das mencionadas pessoas físicas em concreto.
Deverá fazê-lo contra a entidade pública (7º/3 e 4). Existe “funcionamento anormal do serviço”
quando, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, é razoavelmente exigido ao
serviço uma atenção suscetível de evitar os danos produzidos” (nº 4).

O exercício do direito de regresso das entidades públicas contra o titular do órgão, funcionário ou
agente, deve considerar-se afastado, igualmente, sempre que qualquer destes atue no
cumprimento de comandos hierárquicos. Contudo, põe-se o problema da obediência a ordens e
instruções hierárquicas, em sede de r c; designadamente, em termos de direito de regresso. Desde
logo, nem toda a obediência a comandos hierárquico determina a exclusão de r c por parte do
órgão subalterno (271º/2). Apenas se verifica a exclusão da r c dos subalternos pelo cumprimento
de comandos hierárquicos se, cumulativamente, se verificarem 2 pressupostos:

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- o comando hierárquico tem de reunir 3 caraterísticas: ser proveniente de um legítimo superior


hierárquico (se não for, em sentido próprio e legítimo, superior hierárquico, não se verifica esta
exclusão); incidir sobre matéria de serviço; não se traduzir na prática de um crime (217º/3),
situação em que cessa qualquer dever de obediência.

- o subalterno, destinatário do referido comando hierárquico, há-de ter previamente dele


reclamado ou exigido a sua transmissão ou confirmação por escrito.

Verificando-se tais pressupostos, o subalterno encontra-se excluído de qualquer responsabilidade


civil, não podendo a entidade administrativa em que se integra intentar contra ele qualquer ação
de regresso, na sequência de processo contra si dirigido por eventuais danos resultantes do
cumprimento desse comando hierárquico. Tal ação de regresso deverá ter como destinatário o
autor das ordens e instruções hierárquicas. Assim, tendo cumprido com o seu direito de respeitosa
representação (ou seja, tendo pedido confirmação da ordem por escrito, chamando a atenção para
a sua ilegalidade ou ilicitude), poderá o subalterno, na hipótese de a ação ter sido intentada contra
si, invocar no processo a sua específica causa de exclusão da r c ou, pelo contrário, apenas goza
de uma eficácia no interior da AP (no âmbito das relações entre o subalterno e a respetiva entidade
administrativa a que ele pertence)?

Se o lesado intentar uma ação de responsabilidade contra o subalterno que atuou no cumprimento
de comandos hierárquicos (e que foram, aliás, objeto de respeitosa representação), pode este
invocar a sua específica causa de exclusão da r (o cumprimento do direito de respeitosa
representação)? Ou, pelo contrário, esta causa de exclusão da r circunscreve-se às relações entre
o subalterno e a respetiva entidade administrativa a que pertence? O PROF entende que, sendo
pressuposto determinante da exclusão da r civil do subalterno o facto de ele ter reclamado ou
exigido a sua transmissão ou confirmação por escrito (chamando a atenção para a sua ilegalidade
ou ilicitude), e tendo em conta que estamos perante procedimentos internos (sem que os
particulares lesados tenham um necessário conhecimento direto) – o PROF considera, por isto,
que, em tal cenário, o lesado poderá intentar a ação de responsabilidade civil contra a pessoa do
subalterno sem que este tenha a possibilidade posterior de invocar, contra o particular lesado, a
sua exclusão da responsabilidade como fundamento de improcedência da ação. Deve, antes,
provocar a intervenção processual do autor do comando (do superior hierárquico), ou até da
entidade administrativa a que ele pertence, tal como o lesado o poderá fazer, em termos
processuais, através do incidente da intervenção de terceiros

Com efeito, além de ser válido o princípio geral da solidariedade na responsabilidade civil da AP
entre as entidades públicas e os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, trata-se de uma
causa de exclusão da responsabilidade cuja existência e fundamentos não são, em princípio,
conhecidos do lesado (ao contrário da exclusão da responsabilidade dos membros de um órgão
colegial que deixaram exarada em ata a sua discordância relativamente à deliberação geradora do
dano, nos termos do 35º/2 CPA). Por tudo isto o PROF entende que a exclusão da
responsabilidade dos subalternos que atuem no cumprimento de comandos hierárquicos pode
constituir fundamento para uma ação de regresso destes, se ela tiver sido proposta contra eles, ou
servir de causa de exclusão da sua responsabilidade no caso de a ação ter sido intentada contra a
AP e esta, num momento posterior, intentar uma ação de regresso contra os funcionários. Isto
servirá, ainda, de base para o incidente da intervenção de terceiros.

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Não poderá, nunca, ser utilizada contra o lesado, em cede de ação de responsabilidade, salvo se a
este havia sido dado conhecimento externo de que o cumprimento do comando hierárquico só foi
efetuado após reclamação ou exigência de transmissão ou confirmação por escrito.

Determinação da culpa do autor

Os critérios de determinação da culpa do titular do órgão, funcionário ou agente, encontram-se


hoje fixados no 10º L 67/2007 (previamente regulado no 4º/1 DL 48 051). Anteriormente, na falta
de outro critério legal, a culpa era apreciada em abstrato, pela diligência de um bom pai de família,
em face das circunstâncias de cada caso. De igual modo, salvo existindo presunção legal de culpa,
cumpre ao lesado provar a culpa do autor da lesão.

Atualmente, a determinação da culpa do autor da lesão é feita através de critérios fixados no 10º
L 67/2007. Em vez de se apelar ao critério tradicional do “bom pai de família”, a lei manda atender
às circunstâncias de cada caso e, depois, ao critério do funcionário razoavelmente zeloso e
cumpridor, em função do cargo que desempenha. Este critério de razoabilidade parece mais
certeiro para determinar a culpa do titular do órgão. O facto de se colocar a cargo do lesado a
prova da culpa do autor da lesão demonstrou-se um aspeto especialmente gravoso, quando o
regime da responsabilidade não assentava (como assenta atualmente) num princípio geral de
solidariedade, transferindo para o lesão o ónus da respetiva prova.

O regime atual, alterado diretamente pela C, possibilita a interposição da ação de responsabilidade


contra a própria AP (que tem mais património do que, eventualmente eo titular do órgão,
funcionário ou agente), coloca o problema do ónus apenas ao nível das ações de regresso,
competindo às entidades administrativas a prova da culpa dos autores da lesão. Todavia, a
determinação da culpa do autor da lesão suscita outro problema: poderá extrair-se do ordenamento
jurídico-administrativo português casos de presunção de culpa do titular do órgão, funcionário ou
agente, que tenha provocado a lesão? O PROF diz que, de acordo com vários PGD (e, em
particular, os princípios geras de DA), incluindo alguns princípios constitucionais, existem
situações em que se impõe presunções de culpa ao autor da lesão. Não se trata, muito embora, de
verdadeiros casos de responsabilidade objetiva (desde logo, porque são presunções ilidíveis,
perante prova em contrário). São exemplos:

- sempre que a lesão tenha como causa factos por ele praticados e que sejam violadores de DLG
(ou de DF de natureza análoga a DLG), decorre do princípio da aplicabilidade direta e da
vinculação das entidades publicas e privadas aos DF (18º/1 CRP), deve presumir-se, salvo prova
em contrário que o autor de tais atos ou omissões agiu com culpa

- sempre que a lesão decorra da prática de um crime, ainda que seja consequência de um comando
hierárquico. A CRP estipula que, em tais casos, cessa o dever de obediência (271º/3). Presume-
se, em tais casos, que o autor da lesão agiu com culpa

- se a lesão teve como causa um ato jurídico nulo ou inexistente (tendo em conta que tais
desvalores resultam expressamente do direito positivo), deve presumir-se a culpa so respetivo
autor

- sempre que a lesão seja resultado de um k para cuja ilegalidade e potencial lesividade o particular
tenha alertado a AP, em sede de audiência prévia do interessado, isto pode implicar ter havido

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uma violação consciente e intencional da lei – pelo que se deve presumir culposa a prática do
respetivo ato pelo titular do órgão decisório.

Em qualquer destas situações, a AP poderá exigir ao respetivo autor da lesão, sem necessidade de
provar a sua culpa, o correspondente direito de regresso, mediante ação administrativa autónoma,
a intentar nos TAF, nos termos do 37º/1/k) CPTA.

Qual a natureza do direito de regresso?

Será um DF das entidades públicas em relação aos titulares dos seus órgãos, funcionários ou
agentes? Ou será uma mera faculdade legal?

Tanto poderá existir direto de regresso das entidades publicas contra os titulares dos seus órgãos,
funcionários ou agentes, como destes em relação às primeiras. Por conseguinte, qualquer tese
sobre a natureza do direito de regresso terá de ter em conta esta dupla titularidade.

O PROF entende-o como um verdadeiro direito de crédito:

- das entidades públicas, contra os titulares do órgãos, funcionários ou agentes, é diretamente


fundado na CRP (271º/4), cabendo a sua disciplina jurídica ao legislador ordinário, dentro da sua
liberdade constitutiva. Terá este entendido concebê-lo como uma faculdade ou como uma
obrigação legal? Estará a AP vinculada ao exercício do direito de regresso ou goza de uma
margem de livre apreciação. Quer nos termos do 8º/3 quer do 6º L 67/2007, o exercício do direito
de regresso é obrigatório por parte das entidades públicas, sem prejuízo do procedimento
disciplinar a que haja lugar (6º/1). A secretaria do tribunal que tenha condenado a pessoa coletiva
remete a certidão da sentença, logo após o transito em julgado, à entidade ou às entidades
competentes para o exercício do direito de regresso (nº 2). Estão obrigadas a exercê-lo, sob pena
de o seu comportamento ser considerado, também ele, ilícito.

4. Responsabilidade objetiva.

11º L 67/2007

Por este conceito entende-se uma responsabilidade que não tem um fundo ético: não subsiste a
ideia de um castigo em virtude de uma conduta censurável levada a cabo por um ente público.
Com efeito, a responsabilidade objetiva não assenta em nenhum juízo de censura do
comportamento do causador do dano, antes decorrendo de comportamentos que, não obstante
serem aceitáveis no plano social, são especialmente vantajosos para aquele que os adota
(causando, desta forma, e simultaneamente, prejuízos a terceiros) – pelo que a lei determina que
deve ser ele também a suportar os prejuízos.

Desta forma, a r objetiva transparece a ideia de que “ubi commoda, ibi incommoda”: se uma
entidade retira de certa atividade determinados benefícios, deve assumir, também, a
responsabilidade pelos prejuízos que gera com essa sua atividade vantajosa. Constitui um
instrumento de repartição de encargos que associa o prejuízo causado pela conduta aos benefícios

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decorrentes desta para o seu autor. É o que explica o caráter excecional da r objetiva pelo risco
nas relações jurídico-privadas, como aponta a formulação restritiva do 483º/2 CC.

O mesmo não sucede já com a responsabilidade objetiva pelo risco no âmbito do DA, em
particular no exercício da atividade administrativa, sujo princípio geral se encontra no 11º/1 L
67/2007. Determina-se que, fora do contexto da ilicitude, “o Estado e as demais entidades públicas
são responsáveis pelos prejuízos causados por atividades, coisas ou serviços especialmente
perigosos, salvo quando, nos termos gerais, se prove que houve força maior ou concorrência de
culpa do lesado, podendo o tribunal, neste último caso, tendo em conta todas as circunstâncias,
reduzir ou excluir a indemnização”. Estas atividades e serviços existem no interesse da
comunidade, e para satisfação dos interesses públicos gerais; quando delas resultem prejuízos
para os particulares, não é justo que sejam eles a suportar a totalidade do prejuízo – por esta razão
o dano é maioritariamente transferido para a coletividade, por via do pagamento de uma
indemnização financiada com o dinheiro dos contribuintes. Note-se, também, que nesta forma de
responsabilidade, o montante de indemnização pode ser reduzido ou, até, excluído, quando
subsista uma concorrência de culpa do lesado (uma certa co-culpabildiade), ou ainda em caso de
força maior.

Algumas situações ultrapassam os parâmetros clássicos da responsabilidade civil, nomeadamente


da subjetiva/aquiliana. Em certos atos autorizativos, com efeitos justificativos e preclusivos;
coloca-se o problema de saber se a atividade de um particular, devidamente autorizada através de
uma autorização constitutiva, mas lesiva de direitos ou posições jurídicas de terceiros, pode, não
obstante o ato autorizativo, ser considerada como ilícita no âmbito das relações jurídico-privadas.
A título de exemplo: uma fábrica de produtos químicos desenvolve a sua atividade no âmbito e
de acordo com uma licença especial conferida pelas autoridades administração competentes;
estas, por sua vez, cumpriram as normas legais disciplinadoras do exercício da atividade
industrial. Apesar de tudo isto, o estabelecimento industrial foi acumulando, nos terrenos
vizinhos, valores de cadmio aniquiladores das aptidões agrícolas do solo, ou até lesivas de bens
de valor ambiental. Entre vários problemas, levanta-se a questão de saber se, de acordo com as
normas de responsabilidade, poderão quer os agricultores quer os cidadãos residentes nessa zona,
que tenham visto afetada a sua qualidade de vida ambiental, exigir o ressarcimento dos danos,
incluindo os danos ecológicos, pela destruição de bens naturais existentes nas suas propriedades?

No caso de se optar por uma resposta afirmativa, pergunta-se: a quem deve ser imputada a
responsabilidade pelos danos (problema de imputação subjetiva) – ao Estado-administração, que
é responsável pelo licenciamento da atividade industrial, ou aos titulares do estabelecimento
industrial realmente responsáveis e autores materiais da causação direta dos danos e prejuízos na
esfera jurídica dos particulares? Outras situações difíceis são aquelas em que há, por um lado, um
grupo de emitentes poluidores indeterminados e um número de recetores também indeterminado
(não é possível estabelecer um nexo de causalidade entre o facto danoso e o dano em si mesmo)
– p ex. nos EUA, em matéria de poluição industrial (muitas vezes, em matéria de produção de
fármacos), não sendo possível individualizar a empresa causadora dos danos, opta-se por uma
espécie de r objetiva com base na repartição da responsabilidade em função das quotas de mercado
dessas mesmas empresas.

5. Responsabilidade por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional e da função


político-legislativa.

A responsabilidade por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional não é propriamente


nova, já que o Código de Seabra já a estabelecia. A novidade está na consagração da

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responsabilidade pelo exercício da função jurisdicional no âmbito de uma lei da r c da AP.


Disciplinada nos 12º a 14º L 67/2007, em que se trata dos prejuízos causados por atos ou omissões
no exercício da função jurisdicional, dando provimento às previsões constitucionais relativamente
ao erro judiciário e à prisão preventiva ilegal ou injustificada.

Duas situações diferentes são os danos decorrentes do deficiente funcionamento da


administração da justiça (12º), com destaque para uma das mais gravosas (a insuportável ou
excessiva demora de muitos processos, completamente à revelia da ideia fundamental de que a
justiça tem de ser temporalmente adequada, ocorrendo com frequência). Os cidadãos deverão ter,
naturalmente, direito a exigir que o aparelho judicial funcione razoavelmente; na medida em que
tal não aconteça, os particulares devem ter o direito a ressarcir os prejuízos que lhes forem
causados por esse funcionamento deficiente. O legislador resolve tal problema determinando a
aplicação, a estes casos, do regime da responsabilidade civil pela prática de atos ilícitos praticados
no exercício da função administrativa (12º).

A situação mais complicada é a relativa ao erro judiciário (13º), para o qual concorrem várias
questões que justificam a especificidade deste regime jurídico: o 216º/2 CRP consagra o princípio
da irresponsabilidade dos juízes pelas decisões tomadas no exercício da função jurisdicional
(logo, em princípio, apenas o Estado poderá ser responsabilizado por uma decisão judicial de má
qualidade geradora de prejuízos para os envolvidos no processo); por outro lado, o sistema de
recursos visa, para cada processo, garantir, pelo menos, duas instâncias de decisão (os TAF, de
primeira instância – 44º ETAF – e, cabendo recurso das decisões proferidas por estes, os Tribunais
Centrais do Norte ou do Sul, consoante a localização geográfica do tribunal administrativo de
círculo – 37º/a) ETAF). Pode, excecionalmente, haver um terceiro grau de recurso, ao abrigo do
150º CPTA, bem como uma diferente modelação da ideia segundo a qual, para cada processo,
existem duas instâncias – quando se permite o recurso da decisão de um TAF diretamente para o
STA (recurso “per saltum”), nos termos do 34º e 151º CPTA (casos de processos de valor elevado
ou indeterminável, ou quando estiverem em causa determinados valores essenciais da
comunidade, julgados no Pleno da Secção do Contencioso – 25º ETAF).

(O STA parece gozar de uma “dupla personalidade”, já que o 24º continua, em obséquio ao autor
da atuação administrativa, a ter competência em primeira instância para certos processos; outras
vezes, em obséquio à autoria da ação ou omissão, a competência não é, em regra, do TAC,
agregado aos TAF, mas pelo STA. Em bom rigor, não deveria ter competência primária, mas ter
competência meramente superior, destinada à uniformização de J. várias reformas têm sido feitas
nesse sentido, especialmente em 2015 e 2019, mas esta “dupla personalidade” continua a existir.)

Existindo um mecanismo específico (sistema de recursos), entende-se ser ele uma forma de evitar
a consumação de decisões judiciais erradas. A ideia, razoável até, é de que a possibilidade do erro
se vai reduzindo à medida que os tribunais superiores são chamados a pronunciar-se sobre a
mesma questão (não só são tribunais superiores, como terão os juízes de melhor qualidade, mais
experientes, podendo eliminar o eventual erro cometido na instância anterior). A isto se deve o
caráter restritivo da lei, na medida em que apenas são suscetíveis de causar r para o Estado as
decisões judiciais manifestamente inconstitucionais ou ilegais, ou injustificadas por erro grosseiro
na apreciação dos respetivos pressupostos (13º/1). Igualmente não admira que o regime
substantivo da r pelo deficiente funcionamento da justiça seja idêntico ao da r por factos ilícitos
praticados no exercício da função administrativa; já o regime da r por erro judiciário é específico
e assente nos regimes do 13º e 14º.

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Assim, conciliando o mecanismo da responsabilização com o sistema de recursos, bem como com
a irresponsabilidade dos juízes, constitucionalmente consagrada no 216º/2, a lei vem exigir como
pressuposto da admissibilidade do pedido indemnizatório que a decisão em causa haja sido
revogada pelo tribunal competente. De outra forma: nos termos do 13º/2, o reconhecimento
judicial do erro judiciário constitui um pré-requisito da r c nele fundada.

Em homenagem ao princípio da irresponsabilidade dos juízes por decisões que tomem (que a lei
expressamente reafirma), os magistrados judiciais e os magistrados do MP apenas são sujeitos ao
direito de regresso, por parte do Estado, relativamente aos montantes indemnizatórios que hajam
sido pagos em reparação dos prejuízos causados pelos respetivos atos quando (e apenas quando)
tenham agido com dolo ou culpa grave (14º). Todavia, com esta limitação, nos termos do 14º/2,
ao contrário dos restantes funcionários públicos (e do regime consagrado na L em matéria de
responsabilidade subjetiva), relativamente aos quais o exercício do direito de regresso é
obrigatório (6º) – neste caso, o direito de regresso contra os magistrados tem o seu exercício
dependente da vontade dos órgãos de governo próprios das magistraturas (Conselho Superior dos
TAF).

Responsabilidade por atos praticados no exercício da função político-legislativa

15º L 67/2007

Esta matéria foi, antes da nova lei, objeto de um debate doutrinário aceso, quer a nível
constitucional quer a nível administrativo. Pretendia saber-se se o regime imposto pelo 22º CRP
em matéria de responsabilidade solidária abrangia também esta forma de responsabilidade, e até
mesmo a responsabilidade por atos praticados no exercício da função jurisdicional. MARIA
GLÓRIA DIAS GARCIA entende que o 22º abrange, naturalmente, a r c por danos decorrentes
da prática de atos no exercício da função político-legislativa, louvando-se na forma ampla como
o artigo refere a responsabilidade (as fórmulas e conceitos usados de “Estado e demais entidades
públicas”, bem como “atos ou omissões praticados no exercício das suas funções, pelos titulares
dos seus órgãos, funcionários ou agentes”) – o emprego de tais expressões destinar-se-ia a
abranger a atuação do Estado no campo jurisdicional, político-legislativo e administrativo. No
mesmo sentido se pronunciou também RUI MEDEIROS, para quem o 22º consagra um direito
de natureza análoga a DLG (o PROF COLAÇO ANTUNES considera, pela própria integração
sistemática na C, que se trata de um verdadeiro DLG, e não de um DF a estes análogo) e que, por
natureza, é diretamente exequível, não carecendo de mediação ou conversão da lei. Por
conseguinte, a inércia do legislador ordinário não obstaria à sua direta aplicação e invocação pelos
particulares. Em apoio desta posição, RM e FA trazem à coação o DUE, sublinhando a relevância
para o problema em análise da J comunitária; nomeadamente, do Ac. PACTORTAME, que
firmou J anterior do TJUE no sentido da responsabilidade dos EM por atos legislativos praticados
no âmbito da transposição das diretivas.

Contrariamente, a atual PJ (MARIA LÚCIA AMARAL) entende que falar da existência de r c do


Estado por atos legislativos lícitos é um contrassenso; uma lei lícita só pode causar prejuízos a
particulares quando lhes imponha sacrifícios graves e especiais, que mereçam ser compensados
precisamente pelo caráter de gravidade e especialidade de que se revestem. Todavia, se tal for o
caso, o que na aparência surge como um problema da r do Estado por prejuízos causados por leis
revela-se um problema de validade ou constitucionalidade dos atos legislativos lesantes. Resta o
problema das leis ilícitas: a autora considera que o conceito de ilicitude não é sinónimo de anti

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juridicidade, remetendo antes para um tipo particular de comportamento antijurídico que se


consubstancia na omissão do comportamento devido, que vincula m certo sujeito de direito
perante outro. Segundo ela, nenhum particular individualmente considerado pode ser visto como
titular de um direito subjetivo público à emissão de leis conformes à C (o PROF discorda deste
argumento, entendendo o contrário). A autora rejeita, igualmente, a hipotética criação de uma
ação autónoma de responsabilidade do Estado por prejuízos causados pelos “factos ilícitos do
legislador”, o que acabaria por consubstanciar uma nova forma (aliás, atípica) de controlo da
constitucionalidade, forma essa que não cabe no sistema de justiça constitucional vertido nos
221º, 204º, 267º a 283º.

No entanto, a mesma autora abre uma possibilidade: o apuramento da responsabilidade por atos
legislativos ilícitos poderá ser feita a título subsidiário, desde que seja primeiramente obtida uma
decisão de inconstitucionalidade, e apenas nos casos em que a eficácia retroativa desta decisão
não se tenha mostrado capaz de eliminar todos os prejuízos sofridos pelo particular em virtude da
vigência da lei inconstitucional (e apenas durante o período de tempo que mediou entre o
momento da entrada em vigor da lei e o momento da certificação jurisdicional da sua
inconstitucionalidade).

Esta controvérsia encontra-se hoje resolvida no 15º L 67/2007. De forma resumida, a


responsabilidade civil por atos legislativos ou pela sua omissão parece ao consubstanciar um
comportamento ilícito e subjetivável, pelo menos quando são fontes de causação de danos
anormais a certas pessoas. Igualmente, a lei parece reconhecer um direito subjetivo a que não
sejam praticados atos legislativos ou omissões contrários à CRP. Em terceiro, parece desenhar-se
nos nºs 2 e 5 que o direito à reparação dos danos depende de duas condições: a anormalidade dos
danos e a prévia emissão de um juízo de inconstitucionalidade da lei ou respetiva omissão
legislativa danosa. Em quarto lugar, o legislador não se contenta com a ofensa à C, abrangendo
também a desconformidade da lei com o DI, com o DUE, e até com leis de valor reforçado.

O legislador foi especialmente cuidadoso nesta matéria, pela fixação de requisitos de que depende
o reconhecimento e a extensão da responsabilidade (sobretudo o nº 4): atendendo às
circunstâncias concretas de cada caso (e, designadamente, ao grau de clareza e precisão da norma
violada), ao tipo de inconstitucionalidade (orgânica, material ou formal), e ainda ao facto de terem
sido adotadas ou omitidas diligências suscetíveis de evitar a situação de ilicitude.

Indemnização pelo Sacrifício


Art. 16º Lei 67/2007 → danos especiais e anormais.

Como já dissemos, esta figura vinha crismada pela doutrina e até pelo legislador antes da
promulgação da lei como uma espécie de uma RO pela prática de atos lícitos. Sempre que
estivesse em causa situações em que o Estado ou PCP tivessem provocado encargos ou
impusessem sacrifícios anormais aos particulares, esta situação era reconduzida a uma espécie de
Resp. pelos atos lícitos, que se aproximava pela Resp. pelo risco. Não só não evolvia qualquer
ilícito como não punha em causa qualquer comportamento do responsável (autor do dano). Daí
que o legislador tenha adotado por esta qualificação- indemnização pelo sacrifício.

É uma figura complexa e difícil de qualificar porque não estamos bem no âmbito da
responsabilidade. O prof crê que estamos mais perto da figura da expropriação de propriedade

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pública/ pelo plano do que da Responsabilidade. Ela apenas cai no âmbito desta lei porque era
preciso regulá-la e o legislador entendeu discipliná-la aqui.

O prof crê que se aproxima mais da expropriação pelo plano do que da expropriação por utilidade
pública, porque nesta, há um momento translativo (transfere-se o bem da propriedade do seu
titular para as mãos do beneficiário da expropriação, sub-rogando-se da EJ do expropriado uma
justa indemnização). Quando se fala de justa indemnização, pretende-se dizer que o montante a
receber deve ser equivalente ao que receberia a um contrato de CV livremente celebrado.

Na expropriação do plano, não há esse momento translativo. Resultam diretamente das normas
do plano- parte normativa do plano no regulamento-; vem fixada nos limites da propriedade- art.
3/2 DL 80/2015, 14 de maio. Vêm classificar, particularmente o PDM- na medida em que é o
plano que qualifica e classifica o solo (ele não acabou a frase). O PDM é de elaboração
obrigatória. Estamos perante regulamentos obrigatórios, necessários à boa execução das leis,
e imediatamente operativos- o clausurado vincula imediatamente e diretamente os destinatários,
sem necessidade de AA que o concretize.

O que acontece nas expropriações o plano é que vêm definir o total conteúdo e limites do dto de
propriedade e, nalguns casos, impõem encargos anormais na esfera jurídica do particular, sem
que se verifique o momento translativo- o particular continua a ser o proprietário mas vê o seu
dto diminuído porque se reduz a capacidade económica do terreno. Conduz a uma indemnização,
prevista no Código das Expropriações.

Outra situação ocorre quando se verifica uma subtração de uma modalidade de utilização do solo
concedida pelo plano. Ex: altera-se o fim urbanístico daquelas propriedades, classificando-as
como zonas de conservação- diminui-se a exploração económica- 171º DL 80/2015.

Uma terceira situação: as despesas originadas que deram origem ao fim previsto no plano mas
que, em consequência da sua supressão ou cessação, ficaram sem qualquer utilidade.

Todas estas situações configuram expropriações do plano previstas no art. 171º do referido
diploma e no art. 17º da Lei de Bases do Urbanismo e Ordenamento do território.

A maioria das expropriações dos planos não têm caráter ablativo (seria impossível indemnizar
todos os proprietários). Estas desigualdades são normalmente sanadas através de um mecanismo
de compensação de encargos definidos pelos art. 176º e ss. DL 80/2015. Nos termos do 171/1, as
restrições impostas pelos planos devem conduzir à indemnização, quando a compensação não
seja possível. Ou seja, o dever de indemnização só existe quando o mecanismo de compensação
de encargos não é suficiente (é subsidiário).

Parece ao prof que a questão da indemnização pelo sacrifício contemplada na lei da


responsabilidade aproxima-se mais da situação da expropriação.

Contencioso da Responsabilidade Civil


Justiça adm relativa à RC pública.

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Os processos relativos podem ser propostos pelos particulares, que estão previstas na alínea K,
do art. 37º do CPTA. Têm por objeto as questões de RC extracontratual; danos decorrentes de
atos jurídicos ou materiais de entes públicos; responsabilidade dos funcionários e agentes públicos
e dos trabalhadores e entes privados quando lhes seja aplicado o regime de responsabilidade por
funções públicas.

Passou a ser atribuída à jurisdição adm o reconhecimento das questões relativas à


Responsabilidade do Estado, por danos resultantes do exercício da função político-legislativa,
bem como aos decorrentes da função jurisdicional, da má administração da justiça e do erro
judiciário.

Também se autonomizou a referência aos litígios de pagamentos de indemnizações decorrentes


da imposição de sacrifícios, nomeadamente aos que versam sobre a RC. Cabe o julgamento destas
questões aos tribunais adm, pela aplicação residual do art. 4/4 do ETAF.

A matéria da responsabilidade civil, por força do art. 4/1/f, g e h ETAF, abrangem o contencioso
da RC por danos resultantes de atos de gestão público, como também de atos praticados no âmbito
de atividade de gestão privada.

Em matéria de indemnização, há aqui dualidade de jurisdições: quando se trate de apurar a


validade ou invalidade do ato declarativo de utilidade pública- ou outro tipo de ato- a competência
é dos TA’s; de se tratar de discutir litigiosamente o valor da indemnização, a competência é dos
tribunais judiciais (64º e ss Código das Expropriações são as exceções).

A legitimidade ativa cabe a quem seja afetado de um prejuízo efetivo causado pela atividade de
gestão pública. Deve-se admitir legitimidade ativa para pedir a indemnização também à ação
popular, quando em causa estejam a proteção de dtos difusos- 9/2 CPTA.

A legitimidade passiva pertence ao Estado, quando esteja em causa a função legislativa e


jurisdicional; cabe às PCP, quando esteja em causa a responsabilidade exclusiva delas (quando se
trate de culpa leve ou quando não seja possível determinar o responsável pela ação ou omissão);
pertence às PC e aos titulares dos respetivos órgãos ou agentes quando haja responsabilidade
solidária; cabe aos titulares aos agentes e entes privados quando esteja em causa responsabilidade
própria destes (art. 8/3).

As ações podem ser propostas, à luz da regra geral do CPTA, a todo o tempo (art. 41º) mas salvo
determinação legal especial em contrário. O particular pode ver decair a sua pretensão em virtude
do disposto na lei substantiva, ou seja, por efeito da prescrição do respetivo dto de indemnização
que, segundo o art. 498º CC- para o qual remete o art. 4 da lei 67/2007, é de 3 anos.

Quanto à culpa do lesado, entra aqui o art. 4º da lei 67/2007. No direito anterior, e de acordo com
a doutrina clássica, a impugnação do AA causador do dano era um pressuposto processual da ação
de responsabilidade. Para propor a ação, o lesado devia propor antes uma ação adm impugnatória,
porque se entendia que os danos deviam ter sido atenuados se o lesado intentasse o tal recurso
contencioso de impugnação. O lesado ficava sem o direito de indemnização se não utilizasse este
instituto- condição sino qua non. Em bom rigor, esta explicação dada pela doutrina clássica não
é satisfatória porque o recurso não era suficiente; ter-se-ia que pedir uma providência cautelar- a
suspensão de eficácia do ato.

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O artigo 4º vem eliminar esta situação anterior. Atualmente, é possível propor uma ação de
responsabilidade sem que o particular tenha utilizado o meio judicial adequado. Pode fazê-lo,
mas não deve. O juiz pode entender que haja uma situação de concorrência de culpa- há uma
ligeireza processual- uma vez que o lesado não utilizou a via processual adequada à eliminação
do ato jurídico lesivo. Quando assim é, este artigo confere ao juiz a possibilidade de determinar
se a indemnização deve ser reduzida ou mesmo excluída, consoante a atuação- e/ou culpa- de
ambas as partes. A impugnação já não funciona como pressuposto processual. O particular deve
propor a ação adm impugnatória porque este princípio consagra uma regra de concorrência de
culpa; deve juntar o pedido de suspensão da eficácia do ato. Agora, é possível na mesma ação
formular o pedido de impugnação do ato e, ao mesmo tempo, formular o pedido indemnizatório.

Esta ideia de autonomia da ação de responsabilidade resulta também do art. 38º CPTA. O lesado
não impugnou o ato; pode pedir- na medida em que o ato não se convalida com o decurso do
tempo- esse ato mantêm-se ilegal e o que o lesado não pode fazer é uma ação impugnatória na
medida em que ele não usou este mecanismo processual. Não pode propor uma ação de
responsabilidade face à prática de um ato que entretanto estabilizou na OJ; mas não se convalidou-
a invalidade pode ser apreciada incidentalmente no âmbito de uma ação de responsabilidade. Não
pode conseguir o mesmo resultado que conseguiria se tivesse utilizado o meio jurisdicional
adequado intempestivamente.

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