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Direito Administrativo II

• Lições Senhor Doutor Pedro Costa Gonçalves


• Lições Senhor Doutor Vieira de Andrade
• Aulas Teóricas Senhor Doutor Pedro Costa Gonçalves
• Aulas Práticas Senhor Doutor Jorge Alves Correia

Bernardo Borges Garcia: 2019/2020


Ação Administrativa
A ação administrativa (ou tarefa administrativa, função administrativa ou ainda
administração pública em sentido material) referencia uma parcela da ação pública
com caraterísticas específicas, no plano material e formal, que se singularizam e a
distinguem das ações ou tarefas desenvolvidas na execução das demais funções
públicas. Agora cumpre compreender a ação administrativa como um “produto da
Administração Pública”, ou seja, como a ação que esta desenvolve através de
determinados instrumentos e para prosseguir determinadas finalidades. Portanto,
numa fórmula inicial e simples, apresenta-se a ação administrativa como o conjunto
das ações executadas por sujeitos da Administração Pública.
Ao contrário do que se sucede com as outras funções públicas, que acusam uma
tendência para a homogeneidade das formas ou dos instrumentos da ação (como é o
caso das leis na função legislativa, e das sentenças na função jurisdicional), a ação
administrativa revela-se multiforme, posto que utiliza vários processos, mecanismos
ou esquemas de ação. Neste sentido, pode afirmar-se que variedade ou diversidade
constituem as palavras certas para caraterizar o modo de desenvolvimento e de
revelação da ação administrativa, que se poderão detetar ao nível dos fins, conteúdos,
efeitos, modos e formas da ação administrativa.

• Fins da ação administrativa: as missões da Administração Pública:


A ação administrativa desenvolve-se no sentido da realização do interesse
público. A realização do interesse público constitui um elemento identificador,
distintivo e até obrigatório em toda e qualquer ação da Administração Pública.
Nesta perspetiva, a ação administrativa não se carateriza pela variedade, mas,
ao contrário, pela homogeneidade, o que significa que pode falar-se de uma
unidade de sentido e de fim da ação administrativa. A ideia da prossecução do
interesse público apresenta, contudo, um recorte abstrato e indefinido, e
reclama, por isso mesmo, uma concretização ou densificação mediante a
enunciação das missões da Administração Pública. As missões assinalam
objetivos específicos e que permitem distinguir os diferentes tipos de ação
administrativa. No passado, a Administração Pública exercia
fundamentalmente funções de caráter autoritário. Depois, e sobretudo no
século XX, a essas funções iniciais de defesa de ordem pública e da propriedade
e de cobrança de impostos, foram-se juntando muitas mais (gestão de serviços
públicos, o fomento e o incentivo de atividades privadas de interesse geral ou,
mais recentemente, as formas de intervenção regulatória na economia).
• Conteúdos da ação administrativa: No desenvolvimento das suas
finalidades, a Administração Pública executa tarefas de conteúdo muito
variado: fiscaliza e vigia as atividades privadas, através de inspeções e vistorias,
desenvolve ações tendentes a garantir a tranquilidade e a ordem pública,
sanciona infrações à lei, atribui subsídios, constrói estradas, pontes, portos e
aeroportos, presta serviços de utilização individual, gere equipamentos e
infraestruturas, produz ou trata e fornece bens, assegura ou garante que certas
atividades privadas são exercidas em certos termos, no mercado, pelos
respetivos titulares, programa e planifica, abastece-se de produtos, adquire
serviços, etc. Ora, um dos traços que carateriza esse conjunto vasto de missões
de que a Administração Pública se ocupa reside na extrema diversidade, tal
como é exemplo as missões de fiscalização e inspeção de atividades privadas,
de construção e gestão de um quartel de bombeiros ou de realização de
atividades de prestação de cuidados de saúde, para se perceber imediatamente
que a variedade de conteúdos das tarefas e das ações empreendidas se
apresenta como uma marca essencial da atividade administrativa.
• Efeitos da ação administrativa: Considerando a ação administrativa em
todo o seu conjunto e nas suas múltiplas e heterogéneas manifestações,
mostra-se oportuno efetuar uma distinção que atende aos efeitos
desencadeados ou introduzidos pela ação administrativa. De acordo com esse
critério, surgem-nos duas classes fundamentais: as ações ou atos jurídicos e as
ações de facto ou atos reais.
o As ações administrativas que produzem ou determinam a produção de
efeitos jurídicos são as ações jurídicas, num sentido amplo, como são
exemplos a emissão de uma ordem, a aplicação de uma sanção
disciplinar, a revogação de uma decisão ou a declaração negocial. Ao
campo das ações jurídicas pertencem os atos com efeitos jurídicos. O
conjunto de atos jurídicos da Administração inclui, além de atos de
caráter normativo (como os Regulamentos Administrativos), as
seguintes categorias: atos administrativos; atos jurídicos não decisórios;
contratos. De notar que na teoria geral do direito, distinguem-se duas
classes de atos jurídicos, os que consistem em declarações
intencionalmente dirigidas à produção de efeitos jurídicos às quais a
ordem jurídico associa diretamente consequências jurídicas
predefinidas independentemente da vontade manifestada pelo autor
(meros atos jurídicos ou atos jurídicos em sentido estrito) e os que
correspondem a declarações de vontade dirigidas à produção de efeitos
jurídicos que a ordem jurídica reconhece nos termos em que esses
efeitos surgem conformados nas próprias declarações (negócios
jurídicos). A distinção é pouco operativa em relação aos atos jurídicos
unilaterais da Administração, assim se explicando que se aluda apenas a
atos jurídicos da Administração, fórmula que agrega todos os atos da
Administração Pública e cuja prática se associam aos efeitos jurídicos
estipulados na própria lei. A explicação para o exposto resulta da
vontade que ocupa um lugar secundário na teoria da ação
administrativa unilateral, porquanto o processo psicológico que conduz
aos atos unilaterais da Administração não tem, em geral, relevância
própria na definição das consequências jurídicas dos atos. É por isso que
a vontade do autor não se assume como condição de validade de tais
atos, os quais são considerados sobretudo no seu recorte objetivo,
enquanto enunciados objetivados numa declaração. Contudo, a
irrelevância da vontade não significa que os atos da Administração não
tenham de ser voluntários e livremente praticados pelo respetivo autor,
em que o artigo 161º/2/f do CPA sanciona com nulidade os atos
administrativos praticados sob coação física ou sob coação moral. Estas
considerações conduzem a não considerar adequada a referência à
“vontade dos órgãos da Administrativa, como é o caso da que consta do
artigo 1º/1 do CPA, em que por força da sua condição, os órgãos
administrativos não têm vontade. Além disso, como vimos, nem tão-
pouco a vontade dos titulares desses órgãos conhece relevo autónomo
no campo jurídico-administrativo. Esta exposição aplica-se, então, a
atos unilaterais da Administração, no domínio do contrato
administrativo, que é um negócio jurídico, a vontade surge como
elemento na delineação inicial do conteúdo em causa, bem como nas
declarações negociais emitidas em execução do contrato.
o Por outro lado, as ações administrativas que determinam a produção de
meros efeitos de facto e que não envolvem, como consequência direta,
qualquer transformação da ordem jurídica, são as ações de facto ou
atos reais: são exemplos o processamento de um texto num
computador, a vistoria de um estabelecimento, a lecionação de uma
aula ou a emissão de um aviso público. A circunstância de não visarem a
produção de efeitos jurídicos não significa que as ações de facto não
possam comportar consequências jurídicas. Na medida em que o direito
associa quaisquer consequências jurídicas a um facto, este qualifica-se,
por isso mesmo, como um facto jurídico. Daí que uma ação material se
considere um facto jurídico, quando à prática da mesma se associam
consequências jurídicas. As ações de facto traduzem-se, em regra, em
operações matérias (construção de uma estrada ou lecionação de uma
aula). Mas, por não determinarem a produção de efeitos jurídicos,
reconduzem-se a ações de facto certos atos declarativos, que contêm
declarações de ciências (o que se verifica com a prestação de
informações ou as recomendações para a adoção de uma conduta como
“beba leite”, a advertência sobre a nocividade de um certo produto e
outros atos de soft law, de natureza bilateral, como os acordos
desprovidos de eficácia jurídica.
• Modos de ação administrativa: A ação administrativa não se revela
multifacetada apenas ao nível dos conteúdos e dos efeitos que pretende
produzir, o mesmo ocorre quanto aos seus próprios modos, instrumentos e
processos de ação, os quais também se revelam variados, aludindo-se a um
catálogo aberto dos modos de ação administrativa. Assim, considerando os
instrumentos, processos ou modelos de ação de que a Administração Pública se
socorre para desempenhar as missões que lhe estão confiadas, verificamos que
os organismos que a integram tomam ou adotam decisões unilaterais, emitem
avisos e recomendações, dão opiniões e pareceres, outorgam contratos,
aprovam planos e programas e programas de ação, mas também executam, no
plano material ou físicos, as ações ou operações materiais. Trata-se, em todos
os casos, de modelos, de processos ou simplesmente de esquemas e
instrumentos de atuação que não identificam o conteúdo que suportam, quer
dizer, os efeitos ou os resultados em concreto desencadeados. Assim, a
referência aos conceitos de decisão unilateral, de contrato, de norma, de plano
ou de operação material remete para uma dimensão meramente formal,
explicando um “modo de atuar”, sem fornecer uma indicação sobre o conteúdo
concreto em que tal agir se concretiza. Num ensaio de sistematização dos
processos ou modos da ação administrativa, uma distinção fundamental
processa-se entre as ações declarativas, que assentam e se traduzem numa
declaração, e as ações materiais, que se concretizam numa dimensão real ou
física. Assim, há:
o Ações declarativas: que se afirmam, pois, em comportamentos de tipo
declarativo, os quais, acrescente-se, podem determinar ou não
determinar a produção de efeitos jurídicos. No primeiro caso temos as
“ações declarativas com efeitos jurídicos” (autorização, ordem,
proibição”, enquanto que no segundo caso surgem as “ações
declarativas sem efeitos jurídicos”, isto é, as ações de facto
(recomendação, prestação de informação, acordo sem eficácia jurídica).
o Ações ou operações materiais: que se precipitam na produção de um
resultado de facto ou material, ou seja, de um efeito que se projeta
fisicamente na realidade (construção de uma ponte, realização de uma
cirurgia, lecionação de uma aula, limpeza de um edifício), em que se
integram igualmente as ações administrativas que envolvem o uso da
força e da coerção, quer no âmbito da execução coerciva de atos
administrativos (artigos 175º do CPA) ou de contratos administrativos,
quer no contexto da designada “coação direta”. Por vezes, a ação
material segue-se a uma ação declarativa e pressupõe esta. Assim
sucede, em regra obrigatoriamente, com a execução de atos
administrativos, como por exemplo, o abate de uma árvore situada num
prédio particular depois de ter sido dada uma ordem ao proprietário
que não cumpriu. Para distinguir estas de outras ações materiais, fala-se
neste caso de operações materiais de execução. Certas condutas da
Administração pressupõem uma ligação especialmente estreita entre
momento declarativo e material: exemplo desta situação é o ato de
avaliação, designadamente numa prova oral, em que como
interrogatório feito pelos membros do júri ao examinado, a prova
constitui uma ação material, sendo que a decisão sobre a classificação a
atribuir corresponde a um ato declarativo.
• Formas de ação administrativa: A ação administrativa pauta-se por exibir
uma variedade também ao nível da natureza jurídica das formas que utiliza.
Com efeito, para a realização das suas missões, a Administração Pública lança
mão das formas que o Direito Administrativo disponibiliza, mas também das
formas jurídicas de atuação próprias do direito privado, designadamente o
contrato.
o Formas de ação reguladas pelo Direito Administrativo: A referência,
neste contexto, a formas da ação administrativa denota a variedade dos
instrumentos formais de que a Administração se serve para agir: a
forma, neste sentido, é a forma que reveste ou pela qual se manifestam
ações da Administração. Uma das funções essenciais do Direito
Administrativo consiste em definir a disciplina ou o regime jurídico de
uma forma de ação definida em abstrato, surgindo uma “forma de ação
administrativa juridicamente regulada”. A regulamentação jurídica de
uma determinada forma da ação administrativa consiste, assim, em
definir uma disciplina jurídica para um “modelo” ou “módulo abstrata
de ação”, legalmente definida nos seus elementos constitutivos, e ao
qual, na prática, se vão depois reconduzir ações concretamente
executadas pela administração. Assim, quando a legislação define, em
abstrato, o regime jurídico de um modelo, de uma forma de ação, passa
a existir uma forma de ação típica. O regime delineado para essa ação
típica aplica-se a todas as manifestações concretas e reais do referido
modelo, constituindo, por conseguinte, um “direito pré-fabricado”
baseado num modelo ou numa forma e que serve, como um “pronto-a-
vestir”, para todas as aplicações que correspondam ao modelo, ou seja,
que se encaixem na forma. A regulamentação da forma em abstrato
serve objetivos de “ordenação” e de “redução de complexidade” e
viabiliza a conceção de uma disciplina jurídica suscetível de aplicação
generalizada. Introduz um elemento de segurança e de previsibilidade
da conduta da Administração. Sem esta regulamentação disposta em
abstrato, o Direito Administrativo estaria marcado pelo casuísmo e não
realizaria as suas funções, essenciais, de orientação e de direção da
ação administrativa e de garantia de proteção do administrado. O
processo de regulamentação jurídica das formas da ação conduz ao
conceito de “ação administrativa formal”. A uma concreta ação da
Administração Pública, corresponde a uma forma, aplica-se a disciplina
para que esta se encontra estabelecida, em que o ato formal é, por
conseguinte, todo o ato que se encaixa e que obedece a uma forma, a
um modelo preestabelecido. Deve tomar-se por exemplo o que
acontece com o ato administrativo (artigo 148º do CPA) em que cuja
definição corresponde à assinalada definição abstrata de um modelo,
de uma forma de ação à qual se irão reconduzir um número infinito de
atos concretos. Pois bem, quando, independentemente do respetivo
conteúdo, um determinado ato da Administração (uma ordem para
abandono de um local ou uma licença de construção) se reconduz ao
conceito de ato administrativo definido na lei, segue-se a aplicação de
um regime jurídico predisposto e formulado em abstrato par a forma ou
o modelo a que esse ato corresponde. Assim, seja qual for a
circunstância do ato concreto, há um regime que se vai aplicar
necessariamente, sempre que esteja presente um ato administrativo. O
mesmo raciocínio se aplica em relação a outras formas de ação, como o
regulamento ou o contrato administrativo.
o Relevo jurídico da formalização da ação administrativa: A existência de
formas de ação administrativa juridicamente reguladas implica que se
faça uma dupla distinção: por um lado, entre “ações administrativas
formais” e “ações administrativas informais”, dizendo-se formais os
tipos de ações que correspondem ou que se reconduzem a uma forma
preestabelecida e, por seu turno, informais todas as ações que não
correspondem a uma forma. Por outro lado, entre “vários tipos de alões
formais”, quer dizer, entre os vários tipos de forma juridicamente
reguladas (entre o ato administrativo e o contrato administrativo). O
relevo jurídico da primeiro distinção alcança-se facilmente: ao contrário
das informais, as ações formais submetem-se a um regime jurídico
previamente definido, por vezes, simultaneamente nos planos
procedimental, substancial e contencioso. A segunda distinção, que
opera em relação a ações formais, tem um relevo baseado na
diferenciação prévia entre regimes jurídicos a que se entende devem
submeter-se as diferentes formas de ação administrativa: a perceção de
uma diferença estrutural entre Regulamento, Ato e Contrato parece ser
a justificação histórica para a delineação de regimes jurídicos
específicos para cada uma das figuras.
o Sistema clássico das três formas reguladas de ação administrativa: A
simples leitura do índice do CPA permite logo identificar as formas
juridicamente reguladas de ação administrativa no direito português.
Com efeito, a Parte IV do CPA, com o título “Da Atividade
Administrativa” divide-se em três capítulos, com as epígrafes “Do
regulamento administrativo, “Do ato administrativo” e “Dos contratos
da Administração Pública”. Em relação aos contratos administrativos, o
CPA não define um regime jurídico, remetendo a disciplina do regime
substantivo dos contratos administrativos para o Código dos Contratos
Públicos. A Parte III do Código dos Contratos Públicos contém essa
disciplina, erigindo-se, pois, o contrato administrativo como uma forma
juridicamente regulada pela ação administrativa. As três referidas
formas de ação administrativa (regulamento, ato e contrato
administrativo) constituem, por conseguinte, as formas juridicamente
reguladas da ação administrativa no direito português. Não significa isso
que a ação administrativa se esgote nessas três formas, já que a
Administração Pública desenvolve outras ações que, todavia, não se
encontram reguladas como formas ou modelos abstratos. A lei pode
orientar a Administração na execução dessas ações (artigo 178º do CPA
relativamente aos princípios aplicáveis na execução de atos
administrativos), mas sem chegar ao ponto de definir uma disciplina
para um modelo de ação recortado em abstrato. Em relação às três
formas de ação consideradas, a ordem jurídica portuguesa regulamenta
aspetos relacionados com o procedimento de formação, as condições e
os requisitos de validade e de eficácia e o regime de invalidade, bem
como o regime do contencioso, mediante a definição de regras sobre os
meios de reação administrativa e jurisdicional contra ou em face das
ações ou omissões da Administração.
o Desenvolvimento do sistema clássico: A doutrina recente vem
chamado a atenção para alguns aspetos menos conseguidos do
entendimento clássico das formas da ação administrativa. Alude-se,
neste contexto, ao excesso de rigidez que a teoria das formas introduz
na ação administrativa. Sugere-se uma relativização da distinção das
várias ações formais e relativamente às ações informais, assinalando-se
uma tendência para um regime comum, aplicável a todos os tipos de
ação administrativa. Sem prejuízo da procedência de algumas dessas
críticas e perspetivas de reflexão, que previnem o risco da absolutização
de uma teoria das formas, afigura-se-nos que a formalização continua a
apresentar vantagens claras, nomeadamente, quanto: à consolidação
de uma disciplina jurídica que a Administração deve observar; à
segurança jurídica, quer para os Administrativos, quer para a
Administração; à compreensão científica do Direito Administrativo. Por
outro lado, e trata-se de um ponto igualmente decisivo, a formalização
das principais formas de ação administrativa não tem impedido a
evolução do Direito Administrativo, nem tão-pouco tem travado o livre
desenvolvimento de outras formas de ação administrativa.
o Processos de ação administrativa informal (sistema aberto de formas
de ação): Corretamente, tem-se observado que não existe um numerus
clausus de formas de ação administrativa. Esta asserção pretende
explicar, desde logo, que às formas atualmente reguladas podem vir a
juntar-se outras, pois não há qualquer imposição taxativamente
inerente à teoria das formas. Além disso, a observação pretende ainda
sublinhar que a Administração não se encontra impedida de utilizar
ações administrativas informais na prossecução dos objetivos que
pautam a sua intervenção. Quer isto dizer que a ausência de
formalização de um certo modo de ação não representa, em si mesma,
um obstáculo à utilização desse modo de agir (o obstáculo estará antes
no facto de a Administração não estar autorizada a desenvolver uma
ação com o conteúdo especificamente pretendido). Ou seja, o obstáculo
pode estar no princípio da legalidade administrativa, em sentido
substancial, que se concretiza na exigência de fundamento legal da ação
administrativa. A Administração Pública não age sempre segundo
modelos pré-definidos e formatados: em muitos casos, aquilo que a
Administração faz não se “encaixa” em nenhuma forma juridicamente
regulada, surgindo dessa forma a ação administrativa informal. O
caráter informal de uma ação administrativa não significa que o direito
a desconheça, nem que seja ignorada pela lei administrativa. O
legislador pode mesmo estabelecer que um determinado órgão é
competente para praticar um ato informal, tal como acontece na lei que
aprova os estatutos da ANACOM e que estabelece que esta pode
“recomendar” aos operadores de comunicações as providências
necessários à reparação das queixas dos utentes, ou quanto a lei cria a
Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e estabelece que
esta pode adotar “diretivas genéricas” destinadas a incentivar padrões
de boas práticas no setor da comunicação social. As recomendações da
ANACOM e as diretivas genéricas da ERC, apesar de previstas por lei são
atos informais, na medida em que não existe um regime jurídico
preestabelecido ao qual se encontram submetidos. Importa ainda ter
em consideração que o “imperativo da formalização” acaba por se fazer
sentir em relação às ações informais, sobretudo quando as mesmas
revelam uma eficácia (jurídica ou de facto) potencialmente agressiva
para os direitos dos cidadãos. Em termos muito claros nestas hipóteses,
é nítida a conveniência e mesmo a exigência de configuração de um
regime jurídico que, em abstrato, defina as condições (procedimentais e
outras) em que a Administração pode praticar ações desse tipo e as
conduções de proteção jurídica dos cidadãos.
o Conjugação entre formas de ação administrativa: Com alguma
frequência, a produção de um certo resultado pretendido pela
Administração Pública passa pela exigência de uma combinação entre
diferentes formas de ação administrativa, tal como é o que se sucede no
procedimento de formação de inúmeros contratos públicos, que inclui,
além do contrato, um ato administrativo de adjudicação. Situações
análogas a esta última e outras formas de combinação podem verificar-
se na relação entre contrato e regulamento administrativo. Pode haver
esta conjugação até entre diferentes formas de ação administrativa no
campo da execução coerciva de atos administrativos, cujo exemplo é
quando a Administração contrata um terceiro para efetuar a prestação
em falta pelo destinatário do ato (artigo 181º do CPA).
o Liberdade de escolha entre formas de ação administrativa: Visto por
alguma doutrina como uma questão de “boa administração”, a regra da
“livre escolha” entre as formas pressupõe também a escolha do regime
jurídico aplicável (supondo que os conteúdos dos regimes aplicáveis se
revelam diferentes). Este tema da liberdade de escolha entre formas de
ação tem-se colocado sobretudo a respeito da alternativa entre ato e
contrato administrativo. Desde logo, há casos em que os efeitos
jurídicos a constituir implicam o uso de uma determinada forma, como
sucede na avaliação de um aluno não poder deixar de repousar num ato
declarativo e unilateral do júri de exame, tratando-se de um caso em
que “a natureza das relações a estabelecer” afasta a possibilidade de
utilização do contrato.

Âmbito de incidência da ação administrativa


A diversidade carateriza a ação administrativa também quanto ao âmbito de
incidência. Considerando este critério, há três diferentes perímetros em que a ação da
Administração se desenvolve e que nos levam a distinguir entre a ação administrativa
externa, a ação interadministrativa e a ação administrativa interna.
1. Ação administrativa externa: Alude-se aqui à atuação que a Administração
promove e desenvolve no contexto do seu relacionamento com os particulares.
Apesar de o caráter externo se poder encontrar também na ação
interadministrativa, sublinha-se que apenas no caso de que agora nos
ocupamos se verifica a produção de efeitos ou de resultados num âmbito que
transpõe as fronteiras da Administração Pública, em que na verdade, neste
horizonte, integram-se ações que põem em contacto entidades que pertencem
à Administração Pública e entidades que estão fora delas, que lhe são
estranhas, pertencentes à esfera privada (sociedade civil). Por esta razão, o
âmbito da ação administrativa pressupõe o encontro ou cruzamento entre o
interesse público, protagonizado pela Administração Pública, e um interesse
privado, radicado no particular beneficiado ou prejudicado pela ação
administrativa. Há, assim, uma diferença de raiz entre os interesses presentes
ou envolvidos nos processos de relacionamento intersubjetivo promovidos no
âmbito da ação administrativa externa.
2. Ação interadministrativa: Têm-se aqui em vista as ações que se desenvolvem
num quadro de relacionamento entre duas ou mais entidades públicas, por
exemplo, entre o Estado e um Município. A diversidade de natureza jurídica das
entidades que integram a Administração Pública (entidades administrativas
com personalidade de direito público, como institutos públicos ou as
associações públicas profissionais, mas também entidades com personalidade
de direito privado, como as sociedades comerciais, as associações ou as
fundações) conduz a considerar ainda interadministrativas as ações que se
processam entre entidades administrativas de direito público e as designadas
entidades administrativas privadas. Assim, quer se trate de ações que
promovem o relacionamento entre entidades de direito público (ações de
inspeção do Estado nas autarquias locais, no âmbito da tutela administrativa),
quer se trate de ações que relacionam entidades públicas e entidades
administrativas privadas (financiamento estadual de uma entidade pública),
entram em qualquer caso, em jogo ações de caráter intersubjetivo, que não se
esgotam a sua eficácia no interior da própria entidade responsável pela ação.
De um ponto de vista formal, estão em causa formas de ação administrativa
externa. Sem prejuízo disso, deve, contudo, sublinhar-se o caráter apenas
formalmente externo, porquanto se trata, em todo o caso, de ações que
projetam e esgotam os respetivos efeitos ou resultados no espaço “interior da
Administração Pública”. Ou seja, o tipo de ação em presença envolve o
relacionamento entre duas entidades, mas pertencendo essas duas entidades à
Administração Pública, poderá concluir-se que o âmbito da ação se esgota no
“interior da Administração Pública”. Percebe-se agora que a ação
interadministrativa desconheça o fenómeno do encontro ou o cruzamento
entre interesse público e os interesses privados.
3. Ação administrativa interna: Trata-se da ação que se desenrola no “interior de
uma entidade da Administração Pública”: Estamos agora diante de uma ação
na esfera intrasubjetiva, que não põe em contacto dois sujeitos diferentes, uma
vez que se processa dentro de uma mesma entidade. Incluem-se ações que se
desenvolvem nas relações: entre órgãos de uma entidade (numa Universidade,
as relações entre a assembleia da universidade e o Reitor); dentro dos órgãos
(relações entre o Presidente e os restantes membros de um órgão colegial);
entre órgãos e os serviços de uma entidade (relações entre o Presidente da
Câmara Municipal e os serviços municipais); entre os órgãos e os trabalhadores
de uma entidade. A pluralidade interna das pessoas coletivas explica a
existência de uma ação interna, que se desenvolve dentro da pessoa coletiva e
em cujo âmbito podem processar-se relações jurídicas internas. A relação de
hierarquia ocupa, neste domínio, uma posição de destaque, uma vez que o
vínculo hierárquico constitui uma importante fonte dos atos jurídicos internos
(ordens, diretivas e instruções que os superiores emitem e que obrigam os
subalternos). Mas há outros atos jurídicos internos praticados fora da
hierarquia, de recorte muito variado (propostas, pareceres e recomendações).
Por outro lado, a ação administrativa interna pode ainda concretizar-se em
ações materiais internas (limpeza de edifícios, redação de documentos,
inspeções). Em certos casos, surge a dúvida sobre se uma determina ação
projeta efeitos apenas no plano interno ou se, ao contrário, irradia uma eficácia
externa tais como engendrar efeitos que se repercutem na situação jurídica
pessoal de um membro da entidade (trabalhador ou titular de um órgão),
havendo casos indiscutíveis no sentido de caráter externo (aplicação de uma
sanção disciplinar a um trabalhador).

Iniciativa da ação administrativa


A ação administrativa refere-se a uma ação da Administração Pública, desenvolvida
por um órgão ou agente administrativo. A ação poderá ser desencadeada pelo próprio
órgão ou agente responsável e que atua, dizendo-se que, nestes casos, a ação é posta
em marcha e desenvolve-se por iniciativa oficiosa (artigo 53º do CPA). Mas ação
administrativa pode também ser promovida por ato de uma instância diferente do
agente responsável por atuar, em que neste caso, a ação é posta em marcha por
iniciativa externa ou hétero-iniciativa. Há duas modalidades de iniciativa externa: a
iniciativa particular, quando a ação administrativa é desencadeada por um particular,
no exercício de um direto (artigos 53º e 102º e ss do CPA em que o procedimento
administrativo é iniciado por solicitação dos particulares); a iniciativa pública, quando a
ação a empreender por um certo agente ou órgão é promovida por outro agente ou
órgão da Administração Pública, no exercício de uma competência específica para o
efeito (pedido de aprovação, apresentação de proposta de decisão, interpelação, nos
termos do artigo 130º/5 do CPA).

Inação administrativa
A alusão à ação administrativa remete para um “fazer”, materializa-se na adoção de
um comportamento positivo, que pode consistir, por exemplo na tomada de decisões,
na emissão de declarações ou na realização até operações materiais. A relevância
jurídica e material da ação administrativa decorre precisamente do fazer, do agir, do
atuar. É naturalmente por via de condutas positivas (fazer) que a Administração
prossegue as suas missões. Contudo, o “não fazer” (inação, inércia ou omissão)
também assume relevo na vida administrativa e, em certas condições, pode conceber-
se como facto jurídico ou até como ato jurídico. Eis a razão por que o não fazer não
pode deixar de ser considerado no estudo de uma teoria geral da ação administrativa.
Como conceito negativo, porquanto definido por referência a um comportamento
positivo, a inação administrativa suscita a consideração específica do direito nos
cenários em que, nos termos da lei, a Administração “deveria” ter atuado. Neste
sentido, a inação, enquanto situação juridicamente relevante, corresponde ao
resultado de não se ter feito o que era legalmente devido. As consequências jurídicas
da inação apresentam variações, que dependem, desde logo, de a mesma se verificar
em procedimentos de iniciativa externa ou em procedimentos de iniciativa oficiosa.

• Inação administrativa em procedimentos de iniciativa externa: Quando a


iniciativa de pôr em macha a ação administrativa pertence a um particular ou a
um órgão diferente do órgão ou agente responsável pela ação, o ato de
iniciativa desencadeia um dever legal de agir, de adoção de um
comportamento: dependendo do tipo de solicitação, o dever legal de agir pode
corresponder a um dever de proceder, que se concretiza, no mínimo, num
dever de resposta ou de pronúncia, ou, por exemplo num dever de informar
(artigo 97º/2 do CPA), ou até, porventura, de um dever de decidir (artigo 128º
do CPA). Importa ter em conta o artigo 13º do CPA que tem como epígrafe
“princípio da decisão”, mas, pelo menos no seu nº1, o que se regula é um
“princípio de pronúncia”. Com efeito, ali se estabelece que os órgãos da
Administração Pública “têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos
da sua competência que lhes sejam apresentados e, nomeadamente, sobre os
assuntos que aos interessados digam diretamente respeito, bem como sobre
quaisquer petições, representações, reclamações ou queixas formuladas em
defesa da Constituição, das leis ou do interesse público”. Dependendo das
circunstâncias, o dever de pronúncia poderá consistir num dever de decisão,
mediante a tomadas de uma decisão formal sobre o pedido apresentado (ato
administrativo, ao abrigo do artigo 128º/1 do CPA) ou a emissão de um
Regulamento Administrativo (artigo 137º/2 do CPA). Em casos particulares, a
lei poderá atribuir à inação administrativa o valor e o efeito jurídico próprio de
uma ação positiva: uma ficção jurídica com esse recorte remete para a figura
do ato administrativo tácito (artigo 130º/1 a 3 do CPA). Quando seja este o
caso, a inação, como omissões do dever de decidir, tem o valor e força de ato
jurídico, concretamente, o valor de ato administrativo. Todavia, em regra, a
inação em casos em que a Administração Pública tem um dever de agir
decorrente de um ato de iniciativa externo não se associa à criação ficcionada
de quaisquer efeitos jurídicos. Mas a ordem jurídica pode indicar as
consequências jurídica do “facto” da inação, enquanto incumprimento de um
dever de agir dentro do prazo definido para o efeito. Observe-se assim o artigo
92º/5 do CPA que afirma que “quando um parecer obrigatório não for emitido
dentro dos prazos previstos no número anterior, pode o procedimento
prosseguir e vir a ser decidido sem o parecer, salvo disposição legal expressa
em contrário”. Neste caso particular, a lei estipula uma inconsequência do
incumprimento do dever de emissão de parecer obrigatório e não vinculativo.
• Inação administrativa em procedimentos de iniciativa oficiosa: A situação que
agora se considera pressupõe que a iniciativa ou impulso procedimental para
pôr em marcha a ação administrativa omitida cabe ao próprio órgão ou agente
responsável por agir, sendo, por isso, de iniciativa oficiosa. Diferentemente do
que sucede na iniciativa externa, em que o órgão provocado tem sempre um
dever legal de agir e em que, por isso mesmo, a sua inação tende a constituir
sempre um facto juridicamente relevante, agora nem sempre se apresenta
clara a inexistência de um dever legal de agir. Se não se extrai da ordem jurídica
a previsão de um dever legal de agir, a inação da Administração pertencerá, em
princípio, a um domínio de indiferença jurídica. Recordem-se, neste contexto,
as aberturas normativas discricionárias assentes em “permissões de ação”, que
estão na origem de situações em que a Administração pode, mas não tem o
dever de agir. A promoção da ação administrativa é, aqui, orientada por um
princípio da oportunidade. A inação administrativa revela apenas no campo
jurídico quando corresponda à infração de um dever de agir, e constitua,
portanto, uma inação indevida. Deve, contudo, observar-se que, nos domínios
em que seja legalmente possível e, portanto, não indevida, a inação da
Administração não tem sempre o mesmo significado, e varia entre situações de
radical indiferença e outras em que já assume alguma relevância, social e até
jurídica, designadamente pelo facto de a coletividade, ou parte dela, ter a
expetativa legítima na intervenção da Administração. Nos casos em que a
Administração se encontra onerada com um dever legal de agir por sua
iniciativa ou oficiosamente (dever de agir resultante diretamente da lei), a
inação, que será uma “inação administrativa oficiosa”, pode provocar
consequências jurídicas. Estas consequências dependem de estar em pauta um
dever legal específico ou um dever legal genérico de ação.
o Inação administrativa oficiosa em face de deveres específicos de ação:
Sempre que está confrontada com o dever específico de agir perante
uma situação real, concreta e determinada estabelecido numa norma
de competência, a Administração não dispõe de faculdade de escolha
entre agir ou não agir. Disporá apenas de uma faculdade de escolher o
momento de agir. Assim, a eventual inação administrativa neste âmbito
tenderá a ser ilegal, por corresponder à infração de um dever específico
de ação. Neste sentido, a ordem jurídica prevê formas de reação dos
interessados em face dos vários tipos de situações de “inação
administrativa oficiosa”: ação de condenação à prática do ato
legalmente devido, quando o dever de emissão de ato administrativo
resulta diretamente da lei como sucede com o dever de adjudicação;
ação de condenação à emissão de normas cuja adoção seja necessária
para dar exequibilidade a atos legislativos. Não raro, suscitam-se
dúvidas sobre a subsistência de um dever específico de ação: eis o que
ocorre, por exemplo, em relação à anulação administrativa de atos
ilegais ou à execução coerciva de atos impositivos não acatados pelos
destinatários. Não se configura como inação indevida o facto de a
Administração não concluir no prazo legal os procedimentos de
iniciativa oficiosa passíveis de conduzir à prática de atos administrativos
desfavoráveis para os interessados, como acontece nos termos do
artigo 128º/6 do CPA em que os referidos procedimentos caducam “na
ausência de decisão, no prazo de 180 dias”. É que a lei não impõe, em
geral, uma obrigação de conclusão de procedimentos por iniciativa
oficiosa, razão por que não existe aqui a omissão de um dever legal. Da
omissão de um dever específico de agir, deve concluir o procedimento,
e de inação indevida poderá, porventura, falar-se a respeito dos
procedimentos oficiosos desencadeados para a prática de atos
favoráveis (atribuição de subsídio) de que a Administração desiste e não
conclui com o ato que começou a preparar e que anunciou. Ainda no
caso de se encontrar definido um dever legal específico de ação,
importa considerar, em casos excecionais, a hipótese da convocação do
princípio da proporcionalidade para o efeito de legitimar a opção
administrativa pela inação: opção legítima “contra a lei”, se e quando
ditada como meio necessário de proteção de valores constitucionais.
o Inação administrativa oficiosa em face de deveres genéricos de ação:
Pense-se agora na situação em que a Administração surge como
destinatária de um dever genérico de agir: aqui, a lei não define, em
termos rigorosos, uma situação real, concreta e determinada cuja
verificação imponha uma atuação específica, embora indique que a
Administração tem um dever de ação e de exercício das suas
competências (dever de exercer atividades de fiscalização ou de
inspeção). Apesar de não admitir a inação como uma regra geral, a lei
que define um dever genérico de ação também não pode exigir que a
Administração exerça as suas competências (de fiscalização) ao mesmo
tempo em todos os lugares. Precisamente por isso e, como já foi
explicado, deve entender-se que a Administração desfruta, nesta
situação, de uma “discricionariedade organizatória de programação e
de planificação do trabalho administrativo”, a qual contribui para se
considerarem marginais os casos de inação administrativa indevida por
incumprimento de deveres genéricos de ação.

Ação administrativa e administração eletrónica


Na atual sociedade de informação e de comunicação, a ação da Administração Pública
desenvolve-se, de forma generalizada, mediante a utilização ou com o apoio de
equipamentos informáticos, de redes e de plataformas eletrónicas. As tecnologias de
informação e comunicação constituem uma ferramenta imprescindível para o
funcionamento normal da máquina administrativa. Fala-se neste contexto da
administração eletrónica que sugere a ideia de desenvolvimento da ação
administrativa com suporte em meios eletrónicos ou informáticos.

• Regime jurídico da Administração eletrónica: A administração eletrónica, ao


abrigo do artigo 14º do CPA, refere-se à “utilização de meios eletrónicos pela
Administração Pública ou pelos particulares nas relações com a Administração
Pública”, por sua vez, “meios eletrónicos” são todas as soluções tecnológicas e
informáticas que asseguram a representação eletrónica, o processamento e a
transmissão eletrónica de dados: o conceito abrange o documento eletrónico,
o correio eletrónico, os balcões eletrónicos, as plataformas eletrónicas ou
informáticas (incluindo as plataformas eletrónicas de mensagens instantâneas
como as aplicações WhatsApp ou Facebook Messenger) ou os sistemas de
votação eletrónica. O conceito de meios eletrónicos, associado à administração
eletrónica e utilizado em vários preceitos do CPA, distingue-se do conceito de
“meios de comunicação eletrónica”: do âmbito do primeiro exclui-se a
transmissão de voz por telefone, bem como por outro lado, a videoconferência
(artigo 79º/4 do CPA) e a teleconferência (artigo 123º/1 do CPA). Numa aceção
rigorosa, os meios eletrónicos serão todos e apenas os que pressupõem a
utilização de ferramentas de processamento ou de transmissão de dados
eletrónicos, em forma eletrónica. Nestes termos, as “sms” parecem reconduzir-
se ao conceito de meios eletrónicos, apesar de o respetivo suporte ser o
telefone. Não obstante, para efeitos de interpretação de algumas normas do
CPA, parece-nos que o conceito de telefone abrange a transmissão de voz e a
comunicação de mensagens por telefone (artigos 63º/1 e 112/1/c do CPA). Por
sua vez, a falta de referência ao telefone no artigo 104º do CPA talvez deva ser
interpretada como excluindo a possibilidade de apresentação de
requerimentos ou outros escritos apresentados por particulares através de
“sms”.
o Direito dos cidadãos ao uso de meios eletrónicos nas relações com a
Administração Pública: Ao contrário do que sucede em outras ordens
jurídicas, a lei portuguesa não consagra, nos termos gerais, um direito
dos cidadãos à utilização de meios eletrónicos nas relações com a
Administração Pública. Embora não se encontre formulado uma forma
geral, o direito dos cidadãos ao uso de meios eletrónicos nas relações
com a Administração encontra consagração indireta no ordenamento
jurídico português podendo deduzir-se alguns preceitos legais.
Primeiramente, nos termos do artigo 3º/2 da Lei da Modernização
Administrativa, os utentes do serviço público têm o direito a solicitar,
oralmente ou por qualquer forma escrita, incluindo por correio
eletrónico ou por requerimento a apresentar no balcão único eletrónico
ou em portais ou sítios na Internet dos serviços ou organismos
competentes, informação sobre o andamento dos procedimentos
administrativos que lhes digam respeito. Já o artigo 61º/3 do CPA
estabelece que quando a Administração utilize meios eletrónicos na
instrução de procedimentos, os interessados têm direito a conhecer por
meios eletrónicos o estado da tramitação dos procedimentos que lhes
digam diretamente respeito e a obter os instrumentos necessários à
comunicação por via eletrónica com os serviços da Administração,
designadamente nome de utilizador e palavra-passe para acesso a
plataformas eletrónicas simples e, quando legalmente previso, conta de
correio eletrónico e assinatura digital certificada. Por força dos artigos
104º/1/c e d e 107º do CPA, os requerimentos, exposições,
reclamações, respostas e outros escritos semelhantes apresentados por
interessados no âmbito de um procedimento administrativo podem ser
enviados por “transmissão eletrónica de dados”, por via eletrónica, o
que abrange seguramente o correio eletrónico e, segundo alguma
doutrina, poderá ainda incluir o envio de mensagens através de
plataformas eletrónicas de mensagens instantâneas (desde que a
entidade da Administração utilize tais plataformas).
o Garantia de igualdade de acesso dos interessados à Administração: O
artigo 14º/5 do CPA estabelece que os interessados têm direito à
igualdade no acesso aos serviços da Administração, não podendo, em
caso algum, o uso de meios eletrónicos implicar restrições ou
discriminações não previstas para os que relacionem com a
Administração por meios não eletrónicos. A letra do preceito denuncia
que o objetivo principal reside em garantir a igualdade em caso de uso
de meios eletrónicos: nos termos da lei, é o uso destes meios que não
pode implicar restrições ou discriminações. Não obstante, surge aí
proclamada de uma forma clara a regra de igualdade entre os cidadãos
que utilizem e os que não utilizam os meios eletrónicos. Nos termos do
artigo 14º/6 do CPA, a regra da igualdade estabelecida no nº5 “não
prejudica a adoção de medidas de diferenciação positiva para a
utilização pelos interessados, de meios eletrónicos no relacionamento
com a Administração Pública”. Nessa mesma linha, o Regime Jurídico da
Prestação Digital de Serviços Públicos estabelece uma regra de
tratamento diferenciado em função do modo de prestação dos serviços
públicos segundo a qual “os montantes cobrados pelos serviços e
organismos da Administração Pública pela prestação de serviços
públicos devem ser diferenciados em função do modo utilizado para o
efeito, mediante a aplicação de reduções à prestação online de serviços
públicos em relação ao valor base cobrado no atendimento presencial”.
Em regra geral, a legitimidade das medidas de diferenciação deve
resultar de uma facilitação diretamente associada à utilização de meios
eletrónicos pelos interessados. De uma diferente natureza são as
medidas de diferenciação que resultam de fatores alheios ao uso de
meios eletrónicos pelos interessados: um exemplo pode ver-se no artigo
84º/3 que estabelece o prazo máximo de três dias para a emissão de
certidões, reproduções ou declarações quando os elementos a que as
mesmas se referem constem de procedimentos informatizados.
Portanto, com o avanço e a generalização da utilização de meios
eletrónicos na ação administrativa, especiais dificuldades podem surgir
para os cidadãos que não dominam as tecnologias da sociedade da
informação. Neste contexto, uma eventual exclusividade dos meios
eletrónicos nos processos de relacionamento e da interação com a
Administração pode provar situações de desigualdade entre cidadãos
que dominam ou têm acesso facilitado às tecnologias eletrónicas e
cidadãos infoexcluídos. Justificam-se, por isso, providências que
acautelam a situação vulnerável destes cidadãos. Uma providência
desta natureza é a do designado “atendimento digital assistido nos
Espaços do Cidadão”, instituído pelo Regime Jurídico da Prestação
Digital de Serviços Públicos: trata-se de espaços físicos de atendimento
presencial onde se procede ao auxílio ao cidadão ou agente económico
no acesso e interação com os portais e sítios na Internet da
Administração Pública.
o Utilização de meios eletrónicos pela Administração: São as seguintes as
exigências e diretrizes legais sobre a utilização de meios eletrónicos pela
Administração Pública:
▪ Diretriz genérica no sentido da utilização de meios eletrónicos:
Nos termos do artigo 14º/1 do CPA, a Administração Pública
deve utilizar meios eletrónicos no desempenho da sua atividade.
O preceito identifica a seguir três categorias de objetos
principais prosseguidos pela utilização de meios eletrónicos pela
Administração: eficiência, transparência e proximidade com os
cidadãos. A eficiência apresenta-se indiscutível no facto de a
utilização de meios eletrónicos constituir um instrumento para
incrementar o funcionamento da Administração Pública, quer ao
nível dos seus processos internos, quer ao nível do
relacionamento com os cidadãos. Neste campo, a administração
eletrónica pode servir o objetivo da simplificação dos
procedimentos administrativos, tornando mais rápido e simples
o acesso dos interessados e reduzir a duração dos
procedimentos (artigo 61º/4 do CPA). Na transparência o
emprego de meios eletrónicos constitui um meio especialmente
adequado para a Administração Pública promover uma
estratégia proativa de abertura e de informação do sistema
administrativo. Já na aproximação da Administração Pública aos
cidadãos, os meios eletrónicos podem constituir um instrumento
para, no século XXI, dar uma efetividade prática ao princípio
constitucional e legal da aproximação dos serviços às populações
(artigos 267º/1 da CRP e 5º/2 do CPA).
▪ Diretriz no sentido da preferência pela utilização de meios
eletrónicos na instrução de procedimentos administrativos:
Estabelece o artigo 61º do CPA que, salvo disposição legal em
contrário, na instrução dos procedimentos administrativos
devem ser preferencialmente utilizados meios eletrónicos, tendo
em vista: a) facilitar o exercício de direitos e o cumprimento de
deveres através de sistemas que, de forma mais segura, fácil,
célere e compreensível, sejam acessíveis a todos os
interessados; b) tornar mais simples e rápido o acesso dos
interessados ao procedimento e à informação; c) simplificar e
reduzir a duração dos procedimentos, promovendo a rapidez de
decisões, com as devidas garantias legais.
▪ Diretriz no sentido da disponibilização pela Administração de
meios eletrónicos para o relacionamento com os interessados:
Estabelece o artigo 14º/4 do CPA que os serviços administrativos
devem disponibilizar meios eletrónicos de relacionamento com a
Administração Pública e divulga-los de forma adequada, de
modo a que os interessados os possam utilizar no exercício dos
seus direitos e interesses legalmente protegidos,
designadamente para formular as suas pretensões, obter e
prestar informações, retirar consultas, apresentar alegações,
efetuar pagamentos e impugnar atos administrativos.
▪ Exigências legais relativas à utilização de meios eletrónicos pela
Administração: O artigo 14º/2 do CPA formula os requisitos
gerais associados a valores que os meios eletrónicos utilizados
pela Administração devem garantir: disponibilidade, acesso,
integridade, autenticidade, confidencialidade, conservação e
segurança de informação. Dos referidos valores jurídicos
decorrem princípios jurídicos e direitos como os seguintes:
princípio da neutralidade tecnológica das soluções eletrónicas
usadas pela Administração, de modo a garantir a disponibilidade
e o acesso à informação; garantia de uma imputação segura dos
resultados da ação administrativa e organismos identificados da
Administração: direito dos cidadãos à segurança e à
confidencialidade dos dados pessoais de que a Administração
disponha.
▪ Exigência de consentimento das pessoas singulares para a
utilização de certos meios eletrónicos pela Administração: Nos
termos do artigo 63º/1 do CPA as comunicações da
Administração com os interessados ao longo do procedimento
só podem processar se através de telefax, telefone ou correio
eletrónico mediante seu prévio consentimento, prestado por
escrito, devendo o interessado, na sua primeira intervenção no
procedimento ou posteriormente, indicar, para o efeito, o seu
número de telefax, telefone ou a identificação da caixa postal
eletrónica de que é titular, nos termos previstos no serviço
público de caixa postal eletrónica. O nº2 do mesmo artigo
estabelece uma presunção de consentimento. A exigência de
consentimento é dispensada em relação a pessoas coletivas,
desde que as comunicações da Administração sejam efetuadas
para plataformas informáticas com acesso restrito ou para os
endereços de correio eletrónico indicados em qualquer
documento por elas apresentado no procedimento
administrativo. Na mesma linha, mas para as notificações, o
artigo 112º/2 do CPA estabelece que as notificações por correio
eletrónico ou as notificações eletrónicas automaticamente
geradas por sistema incorporado em sítio eletrónico
pertencente ao serviço do órgão competente ou ao balcão único
eletrónico podem ter lugar, em regra, mediante o
consentimento prévio do notificado. Já se tratando de pessoas
coletivas, não é necessário o prévio consentimento e podem ser
efetuadas para plataformas informáticas com acesso restrito ou
para os endereços de correio eletrónico indicados em qualquer
documento apresentado no procedimento administrativo.
▪ Garantias jurídicas de utilização de meios eletrónicos: O artigo
14º/3 do CPA acolhe a formulação genérica de que a utilização
de meios eletrónicos tem de se processar “dentro dos limites
estabelecidos na Constituição e na lei”. Mas a parte final do
preceito é menos claro, pois não se alcança o significado da
referência à sujeição da utilização de meios eletrónicos “às
garantias previstas no presente código e aos princípios gerais da
atividade administrativa”, em que, porventura, terá a lei aqui a
pretensão de estabelecer que a utilização de meios eletrónicos
não pode envolver uma diminuição das garantias previstas no
CPA, nem determinar uma infração ou desvio ao sentido dos
princípios gerais da atividade administrativa.
o Regra do igual valor jurídico dos meios e atos eletrónicos: Uma regra
importante nesta matéria é a da equivalência jurídica entre a utilização
de meios eletrónicos e a utilização de outros meios que aqueles
substituam. A regra é confirmada na Lei da Modernização
Administrativa, ao estabelecer que a correspondência transmitida por
via eletrónica tem o mesmo valor da trocada em suporte de papel,
devendo ser-lhe conferida, pela Administração e pelos particulares,
idêntico tratamento.
• Aplicações da Administração eletrónica:
o Armazenamento e processamento de informação administrativa: Em
primeiro lugar, os meios eletrónicos e informáticos cumprem uma
função como suporte de registo, do armazenamento e do
processamento de dados e de informações. A administração eletrónica
facilita o trabalho administrativo em todos os planos e, desde logo, na
aquisição de ciência para a tomada de decisões. A detenção ou posse de
informações e de dados pela Administração reclamam regulamentações
jurídicas relacionadas, por um lado, com o acesso dos cidadãos a essas
informações e, por outro lado, com a proteção dos cidadãos (intimidade
da vida privada, convicções religiosas ou políticas) quanto aos dados e
informações de que a Administração dispõe e ao modo como os utiliza.
Embora não suscitem temas relacionados exclusivamente com a
existência de dados informatizados e detidos pela Administração,
adquirem neste caso especial acuidade as questões relacionadas com a
proteção dos cidadãos em face do tratamento e da interconexão de
dados e com a exigência de lhes reconhecer o direito de conhecerem
que dados seus se encontram armazenados ou de oporem a certas
formas de utilização e de tratamento (artigo 35º da CRP). A tutela
administrativa destes direitos fundamentais dos cidadãos encontra-se
confiada à Comissão Nacional de Proteção de Dados.
o Prestação digital de serviços públicos: Uma outra aplicação dos meios
eletrónicos concretiza-se através da designada prestação digital de
serviços públicos. Nesta matéria, o Regime do DL nº 74/2014, de 13 de
maio, estabeleceu que os serviços públicos devem, sempre que a sua
natureza a isso não se oponha, para além do atendimento presencial,
ser também prestados de forma digital, através da sua progressiva
disponibilização na Internet. Trata-se, pois, da consagração da regra de
que a Administração deve disponibilizar por via digital os serviços que a
tal se afeiçoam. O objetivo é a simplificação da vida dos cidadãos, no
sentido de, sempre que possível, dispensar a deslocação aos serviços da
Administração. Uma generalizada descuidada da prestação digital de
serviços públicos poderia, contudo, gerar dificuldades específicas para
os cidadãos sem acesso à internet ou sem conhecimentos para utilizar
as tecnológicas eletrónicas. Como já vimos, precisamente para suprir as
dificuldades no acesso direto pelos cidadãos aos serviços públicos
prestados através do recurso aos meios digitais, o mesmo diploma
institui o designado atendimento digital assistido nos Espaços do
Cidadão.
o Comunicações e relacionamento procedimental: Um outro préstimo
fundamental dos meios eletrónicos ocorre no domínio da facilitação dos
contactos entre os sujeitos da Administração e entre estes e os
cidadãos, tais como os requerimentos eletrónicos, as comunicações e
notificações eletrónicas. Neste âmbito, a utilização de meios eletrónicos
constitui uma alternativa ao contacto presencial ou à utilização de
documentos em papel. Assim, o CPA utiliza, a este respeito, os
conceitos de procedimento eletrónico (artigo 82º/4 do CPA) e de
procedimento informatizado (artigo 84º/3 do CPA) e contempla um
preceito específico sobre a “utilização de meios eletrónicos” na
instrução de procedimentos administrativos (artigo 61º do CPA). Os
conceitos de procedimento eletrónico (ou informatizado) referem-se a
situações em que toda a tramitação do procedimento (iniciada com
requerimento ou oficiosamente pela Administração) desenvolve-se de
uma forma eletrónica, porventura através de uma plataforma eletrónica
disponibilizada pela Administração Pública para esse efeito, tal como o
que sucede com as plataformas utilizadas nos termos do Código dos
Contratos Públicos, para a tramitação dos procedimentos de formação
de contratos públicos ou com as plataformas utilizadas pelos municípios
no âmbito do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (através das
quais se desenrolam os procedimentos de controlos prévios das
operações urbanísticas). Já o artigo 61º do CPA estabelece um princípio
de preferência da utilização de meios eletrónicos, salvo disposição legal
em contrário, na instrução de procedimentos administrativos. Apesar da
abertura da lei, a utilização de meios eletrónicos não tem,
necessariamente, de se estender a toda a tramitação do procedimento:
há, de reto, diligências de procedimento que não podem ser realizadas
por meios eletrónicos (como a inspeção a um local). Diga-se, a este
respeito, que não se revela inteiramente claro o sentido da indicação
legal, acima referida, da permissão de utilização de meios eletrónicos,
pois “salvo na disposição legal em contrário” que na interpretação do
Doutor Pedro Costa Gonçalves esta expressão deverá entender-se, em
primeiro lugar, qualquer disposição que exclua expressamente a
utilização de meios eletrónicos. Mas também nos parece de sentido
contrário a disposição legal que se refira a um ato, diligência ou
providência procedimental sem prever a utilização de meios eletrónicos
e que tenha subjacente um contexto factual ou jurídico que, em si
mesmo, exclui aquela utilização. Assim, por exemplo, a teleconferência
a que se refere o artigo 123º/2 do CPA e sobretudo a videoconferência
para as reuniões a que alude o artigo 79º/4 do CPA, a penas se revelam
possíveis na medida em que a lei as permita. De outro modo,
tenderíamos a considerar que a comparência ou a presença física das
pessoas envolvidas naqueles dois casos não poderiam ser substituídas
por uma “presença” de meios eletrónicos. É, aliás, por força das
circunstâncias e do contexto que, salvo previsão legal expressa, não se
nos afigura possível a realização de uma reunião de órgão colegial por
videoconferência, portanto, sem a presença, no mesmo espaço e em
reunião, dos membros do órgão. Em relação a certos atos do
procedimento, o CPA permite direta e expressamente a respetiva
prática mediante a utilização de meios eletrónicos, quer se trate de atos
dos particulares (apresentação de requerimento) quer se trate de atos
da Administração (notificação de atos administrativos). O nº2 do artigo
61º do CPA estabelece algumas condições a observar no caso de
utilização de meios eletrónicos na instrução de procedimentos
administrativos: aplicações e sistemas informáticos utilizados devem
indicar o responsável pela direção do procedimento e o órgão
competente para a decisão, assim como garantir o controlo dos prazos,
a tramitação ordenada e a simplificação e a publicidade do
procedimento. Conforme o nº3, os interessados têm direito a conhecer
por meios eletrónicos o estado da tramitação dos procedimentos que
lhe digam diretamente respeito e a obter os instrumentos necessários à
comunicação por via eletrónica com os serviços da Administração,
designadamente nome de utilizador e palavra-passe para acesso a
plataformas eletrónicas simples e, quando legalmente previsto, conta
de correio eletrónico e assinatura digital certificada. Em ligação com a
tramitação eletrónica do procedimento administrativo, têm sido
instituídos balcões eletrónicos. Os balcões eletrónicos constituem um
importante instrumento de desburocratização e de simplificação do
relacionamento entre os cidadãos e a Administração, permitindo a
transmissão eletrónica de requerimentos, pedidos, exposições,
comunicações ou a emissão de certidões e notificações. O CPA define
regras gerais sobre os balcões eletrónicos no artigo 61º/1 do CPA. A lei
acrescenta que os balcões eletrónicos devem poder intermediar nos
procedimentos a serem desenvolvidos entre os interessados e as
autoridades administrativas competentes, recebendo os atos de uns e
outros, mediante a entrega do correspondente recibo, e transmitindo-o
imediatamente. Por fim, de sublinhar é ainda a indicação de que os
balcões eletrónicos asseguram a emissão autorizada de atos
meramente certificativos e a notificação de decisões que incidam sobre
os requerimentos formulados através daquele suporte eletrónico.
o Tomada de decisões administrativas: Nas situações anteriores, lidámos
com aplicações da administração eletrónica nos campos do
armazenamento da informação, das comunicações e do relacionamento
entre a Administração e os particulares ou entre organismos da
Administração, com o propósito de substituir o suporte de papel
(desmaterialização dos procedimentos), bem como o contacto
presencial e pessoal. Contudo, agora temos em vista um outro nível da
aplicação dos meios eletrónicos na ação administração. Ora, como
sabemos, a ação administrativa apresenta-se como uma atuação
juridicamente imputável a organizações e pessoas coletivas, mas na
realidade, consiste numa ação de pessoas humanas ou físicas que
servem as referidas organizações e entidades, com titulares dos
respetivos órgãos ou como trabalhadores. Neste sentido trata-se de
uma ação humana, feita por pessoas humanas e, por isso, da autoria e
da responsabilidade destas. Pois bem, em áreas particulares, a
administração eletrónica, pretende não só contribuir para a
simplificação e para uma certa forma de desburocratização
administrativa, mas, mais do que isso, substituir a própria decisão
humana na administração. Iniciava-se, então, um percurso que veio
conduzir à possibilidade de decisões administrativas produzidas por
computadoras.
▪ Ato administrativo eletrónico ou informático: Sobretudo a
partir dos últimos anos do século XX, pôde-se verificar uma
assinalável expansão da eletrónica como meio da própria
fabricação de decisões administrativas, por exemplo, nos setores
da administração fiscal (liquidação de impostos) ou da
administração da segurança social (liquidação de taxas e
atribuição de subvenções). O mesmo sucede no campo da
contratação pública, com a adoção de procedimentos de
adjudicação eletrónicos. Nestes setores, é portanto, a própria
decisão administrativa, o próprio ato administrativo que surge
adotada por um equipamento eletrónico, sem a intervenção
direta e imediata de uma pessoa humana, ou seja, é a máquina
que produz o ato administrativo, procedendo à aplicação de
uma regra a uma situação concreta. Estamos aqui em face da
figura do ato administrativo eletrónico ou informático, um ato
cujo conteúdo é fixado pelo computador em vez de estabelecido
por uma pessoa. O sinal distintivo do ato administrativo
informático reside no facto de a definição do seu conteúdo se
apresentar como resultado produzido por uma máquina de
acordo com as instruções contidas. Neste cenário, o elemento
humano encontra-se presente, mas apenas na fase prévia de
elaboração do programa informático. Embora produzido pela
máquina, a autoria do ato administrativo informático é atribuída
à entidade pública responsável pelo financiamento daquela, de
resto, como a doutrina observa, por via da programação e da
introdução dos dados da situação concreta, a entidade pública
mantém, na prática, o “senhorio do procedimento”. O CPA
contém múltiplas referências ao procedimento administrativo
eletrónico ou informatizado, em geral, atinentes à tramitação da
fase da iniciativa e da instrução e às comunicações. Em si
mesmo, o ato administrativo eletrónico é uma figura quase
desconhecida, veja-se neste sentido o silêncio da lei nesta
matéria quando regula a forma dos atos administrativos (artigo
150º do CPA), ou as menções obrigatórias nas quais se inclui a
assinatura do ato (artigo 151º do CPA). Contrastando com este
silêncio, surge, porém, um preceito sobre o regime comum do
procedimento com a seguinte formulação “à decisão final
proferida através de meios eletrónicos deve ser aposta
assinatura eletrónica ou outro meio idóneo de autenticação do
titular do órgão competente, nos termos da legislação própria, o
qual deve ser devidamente identificado” (artigo 94º/2 do CPA).
Precisamente, esta decisão final proferida por meios eletrónicos
parece ser um ato administrativo eletrónico ou informático, em
que se resolve o problema da imputação da decisão ao titular do
órgão administrativo mediante aposição da assinatura
eletrónica.
▪ Ato administrativo em forma eletrónica: Do ato administrativo
eletrónico distingue-se o ato administrativo em forma
eletrónica, que se trata de um ato administrativo praticado por
uma pessoa mas que surge revestido de uma forma eletrónica,
tal como sucede com a ordem constante de um ficheiro
informático e comunicada por email ou com a autorização
conferida e comunicada por uma plataforma eletrónica. Nesta
hipótese, o modo como o ato administrativo se exterioriza ou
manifesta é eletrónico e não escrito ou oral. Sem prejuízo de,
em sentido rigoroso, estar em causa um ato administrativo
praticado em forma eletrónica, parece-nos possível considerá-lo,
para todos os efeitos, um ato equiparado ao ato praticado em
forma escrita: nestes termos, talvez se possa aceitar que a
prática de um ato em forma eletrónica cumpre a exigência legal
inscrita no artigo 150º do CPA, mas neste caso, do documento
informático deverão constar as menções obrigatórias do artigo
151º do CPA.
▪ Notificação eletrónica de atos administrativos: Uma situação
diferente das duas anteriores é a que resulta da notificação por
um meio eletrónico de um ato administrativo escrito: agora, a
eletrónica serve apenas como um meio de comunicação, mas já
não de suporte formal de uma decisão da Administração, é que
o suporte formal da decisão é um documento escrito e assinado
pelo seu autor. Sobre a notificação por correio eletrónico ver os
artigos 112º/1/c e 113º/ 5 e 6 do CPA.

Ação administrativa e ação dos particulares


Ora, sabemos que a ação administrativa se refere à ação da Administração Pública e,
por consequente, a atividade dos particulares desenvolve-se, em regra, no âmbito
privado e, claro, pode qualificar-se como ação privada. A dicotomia entre ação
administrativa e ação privada apresenta-se assim, em termos relativamente simples.
Contudo, afigura-se conveniente sublinhar que os particulares podem desenvolver
ações administrativas, tal como sucede nos casos em que, por delegação ou concessão
pública, são investidos de funções administrativas. Uma hipótese também relevante,
mas de teor diferente, ocorre com o fenómeno que pode designar-se como
“particulares na Administração”: aqui, os particulares, nesta qualidade são
incorporados ou integrados em órgãos da Administração (exemplo: cidadãos
chamados a compor as mesas eleitorais, sendo órgãos da Administração Pública
eleitoral). Uma situação semelhante a esta última, e que se traduz também, numa
expressão do fenómeno dos particulares na Administração ocorre com o chamado
funcionário de facto. Por funcionário de facto entende-se o particular que, sem vínculo
formal que o ligue à Administração Pública, assume, sua sponte e com espírito de
colaboração, o exercício de funções próprias da Administração Pública. Em “tempos de
normalidade”, o exercício das funções próprias da Administração por particulares não
investidos constitui um abuso e pode até representar uma conduta típica penal. Mas,
em circunstâncias excecionais, quando a Administração competente não esta capaz de
responder às solicitações e se torna necessário mobilizar “todas as forças”, entende-se
que o exercício de funções públicas, mesmo de autoridade, por particulares sem
investidura formal não preenche nenhum tipo ilícito. Além disso, desde que as funções
exercidas se revelem essenciais e inadiáveis, os atos praticados pelos particulares
podem ser imputados ou reconduzidos à Administração, “como se fossem praticados
por um agente titulado”. Apesar de não existir aqui um ato formal de investidura do
cidadão no exercício de uma função pública, entende-se que a própria situação de
facto constitui a fonte da mesma, a qual se revela pois como uma “investidura de
facto”. Nos dois institutos a que acaba de se aludir, a ligação dos cidadãos à ação
administrativa revela-se com grande nitidez e traduz-se, afinal, em serem eles mesmos
a responsabilizar-se por desenvolver a própria ação administrativa. Mas não se
esgotam aqui os casos de ligação entre a ação administrativa e a ação dos particulares.
Assim sucede, no âmbito de procedimentos administrativos, quando são os
particulares que, para a realização dos seus interesses pessoais, promovem ou
desencadeiam a ação da Administração: pedido de informação (artigo 82º do CPA);
apresentação de um requerimento (artigo 102º do CPA); apresentação da notificação
prévia de uma operação de concentração de empresas; apresentação de comunicação
prévia; apresentação de uma proposta num procedimento de adjudicação de um
contrato. Todos estes atos, apesar de provenientes de particulares, cumprem uma
função específica no interior de um procedimento administrativo, o que explica que se
submetam à regulação do direito administrativo. Trata-se, pois, de atos de particulares
regulados pelo Direito Administrativo, atendendo-se ao exemplo em que o CPA regula
como e onde se apresenta e como se formula o requerimento, bem como os
respetivos efeitos jurídicos. O procedimento administrativo constitui, de resto, em
geral, a sede por excelência da relevância jus-administrativa de inúmeras ações de
particulares, ao nível da prova dos factos, da audiência e, em certos casos, de
aceitação do ato que a Administração pratica. Por sua vez, a atuação do particular
revela-se determinante da produção de efeitos jurídicos de um ato da Administração:
o pagamento de uma taxa enquanto condição da eficácia jurídica de uma licença;
aceitação pelo nomeado, sem a qual não se desencadeia a eficácia da nomeação
enquanto ato administrativo de constituição de uma relação de emprego público. Em
casos particulares, a intervenção do particular no procedimento administrativo assume
uma dimensão quase-constitutiva do efeito jurídico do ato da Administração. No
cenário contratual, a declaração dos particulares cruzam-se com uma declaração da
Administração e o resultado jurídico produz-se com base na confluência e na
conjugação de declarações negociais administrativas e de declarações negociais
privadas (de particulares). Num outro plano, a ação dos particulares releva na esfera
do Direito Administrativo quando a mesma consiste no cumprimento dos deveres ou
restrições impostas por contratos ou por atos administrativos ou no cumprimento de
deveres legais ou regulamentares fiscalizados pela Administração (dever de
recenseamento eleitoral). Imposta distinguir a ação particular no cumprimento de atos
administrativos, da atividade que os particulares exercem ao abrigo ou com
fundamento em atos administrativos (ato de autorização ou de concessão). Neste
último caso, trata-se de atividades da esfera do direito privado, ainda que submetidas
a regulação (fiscalização) pública. O particular que exerce uma atividade licenciada ou
autorizada não está a cumprir a licença. Mas simplesmente, a exercer uma atividade
integrada na esfera privada. Vimos acima que a atividade dos particulares se
desenvolve, em regram, no âmbito privado e pode qualificar-se como ação privada.
Pois bem, como algumas situações anteriores já o denotam, a atuação privada de
particulares pode ser, com particular intensidade, conformada pela Administração
Pública, tal com sucede no cenário das atividades privadas submetidas a regulação
pública (atividades do setor financeiro, como a bancária ou seguradora, e do setor das
indústrias de rede, como as comunicações eletrónicas ou as energias). Anote-se, por
fim, que a ação dos particulares, quando ilícita, pode conhecer ainda uma relevância
na esfera do direito administrativo sancionador: ilícito de mera ordenação social, ilícito
disciplinar e ilícito contratual.
Ação administrativa e relação jurídica administrativa
A exposição de uma teoria geral da ação administrativa a partir do estudo das
“formas” da ação administrativa, conhece, como seu efeito direto e imediato, uma
certa desvalorização da compreensão do Direito Administrativo a partir do conceito de
“relação jurídica administrativa”. Na verdade, o estudo da ação remete para uma
visão unidirecional, polarizada na Administração, que pretende captar os modos como
esta atua: “a Administração em ação”. Em vez de uma compreensão relacional,
centrada na noção de relação jurídica administrativa, uma exposição focada na ação
propõe, em geral, uma abordagem do Direito Administrativo a partir dos “processos de
agir” da Administração. A relação jurídica administrativa vai certamente surgir, mas,
em rigor, como um efeito ou um resultado de uma ação ou de uma inação
administrativa. Na interpretação do Doutor Costa Gonçalves, o driver de compreensão
do sistema administrativo reside em “o que” a Administração faz (ou não faz) e o
modo como o faz. Este esquema explicativo revela-se correto, desde logo, do ponto de
vista didático. Mas, acrescente-se, também é de considerar adequado do ponto de
vista cultural e dogmático, pois a exposição focada nas formas de ação exprime em
termos mais precisos a situação particular em que a Administração se encontra
colocada nas suas relações com os cidadãos. Portanto, privilegiar uma exposição do
Direito Administrativo a partir de formas de ação administrativa não equivale a ignorar
o fenómeno da “Administração em relação”, nem desvalorizar a importância relativa
que se deve reconhecer ao conceito de relação jurídica administrativa. Com efeito,
desde logo, importa observar que, ao agir, a Administração Pública “encontra em
relação”: as formas de ação administrativa (ato administrativo, contrato
administrativo, operações materiais) constituem fontes da constituição de relações
jurídicas administrativas com os destinatários ou lesados diretos ou porventura com os
terceiros que se vejam atingidos pela ação da administração. Por outro lado, também
não se discute o valor pontual que o conceito de relação jurídica administrativa poderá
ter para uma compreensão fixada num quadro relacional: Administração e
administrado diretamente tocado pela ação daquela: administração e administrados
titulares de situações jurídicas concorrentes ou opostas perante aquela, a qual, de
forma imediata, suscita a referência a direitos e deveres recíprocos e, em geral, a
posições jurídicas de Direito Administrativo que correlacionam Administração e
administrados. Além disso, importa recordar que o conceito de relação jurídica
administrativa tem acolhimento constitucional e legal (artigo 212º/3 da CRP). Além da
CRP, o conceito também surge na legislação ordinária como é exemplo o artigo 279º
do CCP, sendo curioso o conceito de relação jurídica administrativa não se encontrar
no CPA, apesar do emprego do conceito de relação jurídica procedimental. Porque se
trata de um conceito de direito positivo que, em certos domínios, apresenta potencial
para enquadrar juridicamente certos contactos que envolvam sujeitos da
Administração Pública, pode revelar-se útil conhecer os termos da sua definição. Ora, a
relação jurídica administrativa pode definir-se como uma “relação jurídica entre dois
ou mais sujeitos de direito em que pelo menos um deles intervém como sujeito da
Administração Pública e que é disciplinada por normas de Direito Administrativo”. A
fonte da relação jurídica administrativa pode ser qualquer forma de ação
administrativa ou, nos casos previstos na lei, o ato de um particular (requerimento que
inicia um procedimento administrativo), simples factos jurídicos, como o decurso do
tempo, atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos
nulos (artigo 162º/3 do CPA) ou ainda a caducidade pelo não exercício de um direito
ou de um poder administrativo num determinado período de tempo. O capítulo II da
Parte III do CPA tem por título “relação jurídica procedimental”. A lei procura, desse
modo, enquadrar num contexto relacional e jurídico os contactos que se processam
entre sujeitos provenientes nos procedimentos administrativos. Assim, esses sujeitos
surgem, em geral ou nas suas relações recíprocas, como titulares de posições jurídicas
ativas e passivas com uma incidência procedimental (tal como são exemplos o direito à
decisão do procedimento; direito de participação; dever de colaboração; proibição de
intervir no procedimento).

Procedimento Administrativo
Inicialmente, impõe-se averiguar qual a justificação para a aprovação de um CPA. Ora,
desde logo, o incremento funcional das tarefas da Administração Pública portuguesa
nos mais diversos setores, assim como a necessidade de reforçar a eficiência da sua
ação e de garantir a participação dos cidadãos, justificaram a elaboração de um Código
do Procedimento Administrativo. Por conseguinte, a Constituição da República
Portuguesa, no seu artigo 267º/5 consagrou que “o processamento da atividade
administrativa será objeto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a
utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou
deliberações que lhes dissessem respeito”. Foi, portanto, em cumprimento desse
preceito constitucional que se elabora o Código do Procedimento Administrativo de
1991 que veio a ser alterado em 1996 e esteve em vigor até 2015. Em 2015 deu-se
uma reforma legislativa e foi aprovado no novo Código do Procedimento
Administrativo de 2015, pelo Decreto-Lei nº 4/2015 de 7 de janeiro. Será este novo
CPA de 2015, muito diferente do anterior CPA de 1991? O Código do Procedimento
Administrativo continua dividido em quatro partes, contudo a Parte III foi
profundamente reformulada com dois títulos: um título primeiro, com sete capítulos,
que fixa um regime comum com disposições aplicáveis em geral aos procedimentos
administrativos; um título segundo, com dois capítulos, cada um deles aplicável ao
Procedimento do Regulamento administrativo e do Ato administrativo. No título
primeiro da Parte III, integram o regime comum aplicável em geral aos procedimentos
administrativos instituídos e a algumas figuras jurídicas como as seguintes:
Conferências procedimentais que são reguladas num capítulo próprio; acordos
endoprocedimentais; conceito de responsável pela direção do procedimento e o
princípio da adequação procedimental; figura do auxílio administrativo; instrução por
meios eletrónicos, comunicações por meios eletrónicos e balcão único eletrónico.
O procedimento administrativo constitui uma figura de âmbito geral, presente em
todos os momentos da ação administrativa. O artigo 1º/1 do CPA define o
procedimento administrativo como uma sucessão ordenada de atos e formalidades
relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da
Administração Pública. O legislador de 2015 introduziu alterações na definição de
procedimento administrativo que constava na versão originária do CPA. Nesta, o
procedimento era apresentado como uma sucessão ordenada de atos e formalidades
tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua
execução. Agora, os atos e formalidades deixam de ser tendentes, passando a ser
relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da
Administração, deixando a vontade de ser referenciada à Administração Pública,
passando a associar-se aos “órgãos da Administração Pública”. Ora, na opinião do
Doutor Costa Gonçalves a substituição de “tendentes” por “relativos” desvaloriza a
referência finalista que une todos os atos de um procedimento, pois, efetivamente,
todos eles “tendem” para a realização de um mesmo objetivo e, por outro lado,
quanto à segunda alteração, dir-se-á que a anterior referência genérica e mais ou
menos desprendida de rigor técnico a uma “vontade da Administração Pública”, ainda
se podia aceitar, mas o mesmo já não se pode dizer da atual alusão a uma “vontade
dos órgãos da Administração Pública”. Esta última alteração aparenta responder a uma
exigência de apuro técnico, mas acaba por gerar um resultado absurdo, pois decorre
da natureza das coisas que os órgãos da Administração Pública não têm vontade, já
que são desprovidos de existência física, e têm competências e contam com os seus
titulares para as exercer. Assim, em vez da alusão à vontade, o conceito legal ganharia
em associar o procedimento administrativo à adoção de medidas ou à prática de atos
com efeitos jurídico-administrativos pelos órgãos da Administração ou por entidades
no exercício de poderes públicos. Em face ao que foi apurado, o Doutor Costa
Gonçalves define o procedimento administrativo como o conjunto ordenado e
sequencial de atos e de diligências tendentes à formação, manifestação e execução
de medidas e de atos de caráter jurídico-administrativo adotados pelos órgãos da
Administração Público ou por quaisquer entidades no exercício de poderes públicos
administrativos.
O procedimento administrativo não constitui uma “forma” de ação administrativa, mas
antes uma série encadeada de atos que tem como desfecho a produção de um
resultado concretizado na adoção de uma determinada “medida administrativa” ou de
um certo “ato jurídico-administrativo”, que corresponde ao “ato final” da série ou
sequência procedimental: este ato final, que constitui também o “ato principal” da
série procedimental, pode ser um regulamento, um ato administrativo ou um contrato
administrativo, mas também outro ato jurídico de Direito Administrativo ou até uma
operação material (apreensão de um equipamento ou a prestação de informação). O
conceito de procedimento administrativo pressupõe, pois, um encadeamento ou
sucessão de atos e diligências estruturalmente diferentes e autónomos praticados em
vista da produção de um determinado resultado jurídico ou material, traduzido na
prática de um ato ou de uma medida principal ou final. Contudo, pressupõe e também
sugere uma ideia de movimento, de sucessão, de sequência encadeada de atos e de
medidas que vão sendo praticados sucessivamente e cuja prática se associa a uma
marcha, a um percurso no sentido da produção de um resultado. A definição legal
alude a uma “sucessão ordenada de atos e formalidades”, o que associa o
procedimento a um movimento com “ordem”, de uma marcha ordenada, coerente e
racionalmente encadeada e articulada dos trâmites procedimentais. O procedimento
traduz, por outro lado, a “identidade de um fim mediato” da série de atos e medidas
que o integram: cada ato e medida que se sucede e se articula com os outros atos e
medidas no desenvolvimento do procedimento persegue um fim imediato próprio,
mas, além deste, persegue ainda um fim mediato, comum a todos os outros, na
medida em que, como estes, se destina a criar ou a estabelecer as condições para a
produção do mesmo resultado.
Em concreto, o procedimento administrativo agrega as providências, a diligências e
atos tendentes à formação, manifestação e execução de um ato principal ou final:
1. Relativos à formação, temos os atos e formalidades procedimentais que põem
o procedimento em marcha e que, em geral, visam preparar a prático do ato
principal (atos de iniciativa e ato de instrução).
2. Relativos à manifestação são os atos e formalidades relativos ao momento
constitutivo, à própria prática do ato principal, tal como sucede, por exemplo,
com as formalidades relativas à forma e formalização do ato, à sua publicação e
notificação.
3. Relativos à execução são as providências adotadas com o sentido de executar e
de realizar os efeitos práticos definidos no ato principal.
A consideração do procedimento administrativo enquanto “conjunto ou série de atos”,
sem desvalorizar a posição central do ato principal, postula, todavia, uma visão mais
abrangente e completa do desenvolvimento da atividade administrativa que precede a
adoção daquele ato e, nalguns casos, da atividade que ocorre depois desse momento.
Neste sentido, o procedimento contribui para um certo redimensionamento da
importância atribuída ao ato que representa o seu desfecho ou resultado final, o qua
tem de se compreender, de certo modo, como mais um ato da série procedimental. O
procedimento administrativo refere-se, claro, ao desenvolvimento da atividade
administrativa, da Administração Pública. Isto mesmo é destacado no conceito legal,
na parte em que alude à “vontade dos órgãos da Administração Pública”. Sucede,
porém, que, dentro do espírito do próprio CPA, talvez fizesse mais sentido associar o
conceito de procedimento administrativo à formação, manifestação e execução de
atos adotados por “quaisquer entidades no exercício de poderes públicos”, consagrado
no artigo 2º/1 do CPA. Apesar de, como acaba de se afirmar, a ideia de procedimento
administrativo nos remeter, de imediato, para uma intervenção administrativa,
realizada por órgãos da Administração Pública e por entidades no exercício de poderes
públicos, deve notar-se que o procedimento é a sede de acolhimento de formas de
participação dos interessados na ação administrativa e, de modo particular, daqueles
que, na condição de destinatários, pretendem obter ou vão sofrer os efeitos jurídicos e
práticos dos atos e das medidas da administração.

Procedimento: a forma da função administrativa


O procedimento administrativo não constitui uma “forma” de ação administrativa,
pretendendo-se, assim, explicar que o mesmo não se coloca com uma forma de ação,
a par, por exemplo, do ato administrativo ou do contrato administrativo. Na verdade, o
procedimento não se confunde com o resultado ou com o “ato isolado” em que se
consubstancia cada uma das formas da ação administrativa. Mas isso não significa que,
ao não constituir uma “forma” no sentido referido, o procedimento administrativo
represente então um “conteúdo”. Não é este o caso. Com efeito, como sublinhou um
ilustre administrativista italiano, o procedimento é a “forma da função administrativa”.
Esta feliz fórmula enfatiza o facto de o procedimento se apresentar como um modo de
desenvolvimento da função ou atividade administrativa, destacando uma dimensão
funcional no conceito. Este enforque introduz uma ideia de dinâmica que acentua o
“fazer-se” da ação administrativa.

Procedimento administrativo e formalismo


Sem prejuízo das vantagens associadas à procedimentalização da ação administrativa,
desde logo, como instrumento de abertura à participação ativa e emprenhada dos
cidadãos e como fator de legitimação de maior ponderação da ação pública, importa
chamar a atenção para os riscos, que existem, de o excesso de procedimentalismo
poder produzir ineficiências e conduzir a um peso excessivo das “conversações” e dos
“diálogos”. Além disso, não é de excluir uma eventual instrumentalização do
procedimento e dos direitos procedimentais, que podem ser exercidos de forma
estratégica no sentido de adiar ou eliminar a capacidade de decisão administrativa.
Diga-se, a este propósito, que uma das grandes dificuldades com que se confronta o
Direito Administrativo reside na complexa tarefa de encontrar a medida certa de um
equilíbrio entre formalismo e eficácia do sistema administrativo. A associação entre
procedimento administrativo e formalismo remete ainda para um problema diferente
do que acaba de se expor: referimo-nos agora ao facto de, não poucas vezes, o
legislador se deixar tentar pela adoção de um sistema de prescrições detalhadas sobre
a tramitação que a Administração deve adotar. Ora, na linha da tese defendida pelo
Doutor Rogério Soares, afigura-se-nos que, salvo casos particulares, o
desenvolvimento da tramitação deve pautar-se por uma regra de discricionariedade
procedimental ainda que temperada pela observância de alguns trâmites legalmente
obrigatórios. Assim, por discricionariedade procedimental entende-se o poder que
assiste ao responsável pelo procedimento de definir a estruturação ou modelação do
procedimento administrativo, orientando-se nessa tarefa, por princípios jurídicos com
incidência procedimental, como a participação, eficiência, economicidade e celeridade.
Uma certa atenuação do formalismo exacerbado e inconsequente poderá passar por
opções legislativas e jurisprudenciais de desvalorização de certas ilegalidades de
caráter procedimental (irrelevância de vícios de forma e do procedimento), que parece
ser esta a inclinação do CPA, ao estabelecer no artigo 163º/5/b que não se produz o
efeito anulatório do ato administrativo quando o fim visado pela exigência
procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via.

Procedimento administrativo e processo


A contraposição entre procedimento administrativo e processo está expressa no nº1 e
2 do artigo 1º do CPA: em que o processo administrativo consiste no “conjunto de
documentos devidamente ordenados em que se traduzem os atos e formalidades que
integram o procedimento administrativo”. Neste sentido, o processo é, portanto, um
dossiê físico ou eletrónico que contém a representação documental dos atos e das
diligências práticos no desenvolvimento de procedimento administrativo. Mas o
conceito de processo (administrativo, civil, penal, etc) reporta-se também ao processo
enquanto categoria do direito judiciário, relativo a uma sucessão de atos que culmina
na prolação de uma sentença judicial. Embora tenham elementos em comum os
conceitos de procedimento administrativo e processo judicial traduzem realidades
jurídicas distintas. Ora, o procedimento alude ao desenrolar de uma atividade
administrativa, pautada por critérios e objetivos de interesse público, reclamando da
Administração uma conduta empenhada e ativa na produção de um resultado. No
procedimento, a Administração é sempre uma “parte” apesar de, simultaneamente,
ter a responsabilidade de atuar no procedimento de forma imparcial. Aponta-se, neste
contexto, para uma conceção da Administração como “parte imparcial”, enfatizando o
seu dever institucional de prosseguir um interesse (enquanto parte), embora tenha de
o fazer de forma a não discriminar outros interesses envolvidos, em relação aos quais
tem uma obrigação positiva de ponderação. O princípio do inquisitório ou da
oficialidade que comanda o desenvolvimento do procedimento, exprime precisamente
a responsabilidade própria da Administração pela tramitação adotada e pelo resultado
produzido. No sentido de que é portadora do dever de prosseguir o interesse público,
a Administração é uma parte mesmo nos procedimentos de resolução de litígio, em
que surge incumbida de resolver, com imparcialidade, um litígio como os
procedimentos contenciosos. Diferentemente, o processo refere-se à atividade
judicial, enquanto atividade de resolução de conflitos por um órgão imparcial e
indiferente aos interesses presentes, mas também sem protagonizar um interesse
próprio que não seja o da administração da justiça. O processo pretende garantir esses
valores do “desinteresse” e da imparcialidade do tribunal, impondo a igualdade de
armas entre as partes e o princípio do contraditório. A posição do juiz é relativamente
passiva, cabendo às partes a responsabilidade decisiva de provar os factos que alegam
e de convencer o tribunal de que lhes assiste a razão. Numa fórmula sintética, pode
dizer-se que o processo é orientado para garantir a melhor defesa e o procedimento
administrativo é orientado para garantir a melhor decisão. Sem prejuízo da
intencionalidade distinta, o procedimento e o processo traduzem uma mesma ideia de
base, de um “modo de proceder” e de uma sucessão ou sequência ordenada de atos e
diligências que se interligam e que são praticados em vista de um resultado final
unitário.
Caráter procedimentalizado da ação administrativa
Vimos já que a atividade administrativa se exprime através de muitos diversos atos, e
que pressupõe sempre um procedimento em cujo âmbito tais atos são praticados.
Trata-se do procedimento de formação desses atos. Pode falar-se, neste contexto, de
um princípio de procedimentalidade: princípio segundo o qual a atividade da
Administração que se expressa em atos finais de “contacto” com os cidadãos ou com
outras instâncias da Administração se desenvolve no contexto de um procedimento e
com a observância de princípios e de critérios jurídicos que regulam a respetiva
formação. O referido princípio deduz-se do artigo 1º/1 do CPA e tem uma projeção
não apenas na ação administrativa declarativa formal (como os regulamentos, atos e
contratos administrativos), mas também na ação administrativa executiva, pelo menos
quando se traduza em execução coerciva de atos administrativos. Por seu turno, o
princípio do desenvolvimento procedimental da ação administrativa conhece
desvios: teremos, nestes cenários, uma “ação administrativa sem procedimento” ou
“desprocedimentalizada”. Por um lado, surgem os desvios relacionados com o estado
de necessidade administrativa (artigos 3º/2, 162º/2/l e 177º/2 do CPA). Por outro lado,
a ação administrativa desprocedimentalizada constitui uma ocorrência frequente e até
normal no domínio da atividade de polícia administrativa e adoção das designadas
“medidas de polícia”: assim, por exemplo, nos termos da Lei de Segurança Interna, a
remoção de objetos, veículos ou outros obstáculos colocados em locais públicos que
impeçam ou condicionem a passagem pode ser determinada fora do contexto de um
procedimento, imediatamente na sequência da verificação, pelos agentes
competentes, da situação irregular. Também ilustra o fenómeno da ação
administrativa sem procedimento o “internamento compulsivo de urgência” do
portador de anomalia psíquica grave que crie, por força dela, uma situação de perigo
para bens jurídicos, de relevante valor, próprios ou alheios, de natureza pessoal ou
patrimonial e recuse submeter-se ao necessário tratamento médico. Em situações
como as que foram referidas, o caráter desprocedimentalizado da ação administrativa
conjuga-se com a indistinção entre o procedimento declarativo e o procedimento
executivo, pois o que se apresenta imediatamente é uma ação do tipo executivo sem a
declaração prévia (artigo 177º/2 do CPA). Designadamente quando a ação
administrativa sem procedimento envolva uma coerção direta sobre os particulares ou
a proibição ou restrição ao exercício de direitos fundadas em suspeitas e indícios, a lei
pode determinar a validação ou a confirmação judicial das medidas administrativas
adotadas.

Funções do procedimento administrativo


Ao procedimento administrativo associam-se múltiplas funções. Ao lado de uma
função instrumental, decorrente de o mesmo “servir” a produção de um ato principal
e do efeito jurídico deste, o procedimento realiza funções que lhe conferem
autonomia enquanto fenómeno jurídico-administrativo. Alude-se, neste âmbito, a uma
ideia de multifuncionalidade do procedimento administrativo.
• Instrumentalidade do procedimento administrativo: Vimos que o
procedimento administrativo se compreende como um conjunto de atos
“tendentes” à produção de um determinado resultado nos termos requeridos
pelo direito material aplicável. Neste sentido, o procedimento administrativo
cumpre uma função instrumental pressupondo-se que o mesmo está ao serviço
de a prática do ato principal em conformidade com a lei. Assim, por exemplo, o
procedimento iniciado com o requerimento da autorização para a instalação de
uma indústria integra ou agrega a série, mais ou menos extensa, de atos e
diligências necessários à tomada de uma decisão. O procedimento apresenta
assim um valor instrumental, ao ordenar o desenvolvimento ou a sequência de
uma tramitação em vista da produção de um resultado e de um efeito jurídico
conforme com a lei. Nesta sua função ou dimensão, o procedimento
administrativo organiza a tarefa de recolha de informação e de aquisição de
conhecimento que coloque a Administração em posição de decidir. A função
instrumental associa-se à conceção do procedimento como um “meio” que
serve os objetivos da realização, da concretização e da correta aplicação do
Direito Administrativo material: é no procedimento que a Administração
adquire a informação necessária para apurar a verificação dos pressupostos
jurídicos e de facto da sua ação. A conceção de procedimento como um
instrumento para a realização e correta aplicação da legalidade material
concretiza uma subalternidade do direito procedimental em relação ao direito
material.
• Autonomia dogmática do procedimento administrativo: A doutrina tem
assinalado que o valor do procedimento não se esgota, contudo, na sua função
instrumental. Embora rejeitando a ideia de que o procedimento se deva
conceber como um “fim em si mesmo”, sublinha-se que o mesmo assume um
valor próprio: não está em causa a contraposição deste valor próprio do
procedimento à sua função procedimental, mas antes a perspetiva de articular,
como duas faces de uma moeda, esta função com um função ou valor não
apenas instrumental. Trata-se, pois, de esclarecer que o procedimento conhece
dimensões e pode prosseguir funções que não concretizam o objetivo de servir
a preparação do ato principal e a produção de um resultado conforme com o
direito aplicável. A conceção de um valor próprio do procedimento
administrativo resulta, assim, de se considerar que o procedimento
administrativo se apresenta como um momento de realização de finalidades
próprias e específicas, que não se esgotam no objetivo de servir a aplicação
do direito material. O procedimento administrativo cumpre, assim, funções
como as seguintes:
o Legitimação da ação administrativa: Designadamente ao fomentar a
aceitabilidade de decisões administrativas em função das exigências
específicas de fundamentação e de ponderação, bem como em função
do envolvimento e da participação dos interessados na formação de
decisões.
o Incremento da abertura da administração e da transparência
administrativa: Por exemplo, mediante o reconhecimento do direito à
informação procedimental ou mediante a estipulação de casos de
impedimento, que previnem os conflitos de interesses ou a captura da
Administração Pública por interesses dos particulares ou parciais.
o Abertura à participação ativa e ao envolvimento dos interessados:
Importa ter em consideração o artigo 267º/5 da CRP, sobre a
participação dos cidadãos nas decisões e deliberações que lhes dizem
respeito. O procedimento é o momento ou a sede de organização e de
fomento da participação dos interessados, que podem carrear
elementos para a ponderação no processo da decisão.
o Garantia e proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos: Pode
consistir numa proteção de direitos “através” de procedimentos de um
certo tipo (direito à igualdade de acesso a recursos escassos, através da
adoção de procedimentos de seleção concorrencial), ou numa proteção
no “no âmbito” do procedimento (direito de audiência e de defesa em
procedimentos disciplinares, que são direitos fundamentais de caráter
procedimental).
o Indução e fomento do consenso: Estimula-se o diálogo entre a
Administração e os particulares e podendo até conduzir a um desfecho
contratual e consensual em vez de autoritário e unilateral. Esta função
revela-se, por exemplo, nos “procedimentos de regulamentação” das
entidades reguladoras da economia, quanto à adoção, no âmbito dos
mesmos, de uma fase de divulgação do projeto de regulamento seguida
de consulta pública. Num outro âmbito pode referir-se ainda o
procedimento de transação ou o mecanismo de arquivamento do
processo mediante imposição de condições baseados em conversações
e que podem culminar em acordos enxertados em processos de
contraordenação que permitem substituir ou atenuar medidas
sancionatórias.
o Agilização dos fluxos de comunicação entre a Administração e os
cidadãos e o desenvolvimento de uma lógica de cooperação e de
colaboração entre os dois polos.
o Realização de uma função epistémica e de reflexão sobre a informação
recolhida: Permite que a administração efetua a recolha e o tratamento
de informação de que carece e, com esse conhecimento, realize um
trabalho de ponderação e de reflexão sobre o sentido da decisão a
tomar, o que promove e assegura a racionalização do trabalho
administrativo.
o Reforço ou aumento da previsibilidade sobre o sentido e direção das
condutas da Administração.
o Promoção da coordenação e da cooperação entre entidades
administrativas: O procedimento fomenta, racionaliza e organiza o
trabalho e a reflexão em conjunto das instâncias administrativas
chamadas a intervir num determinado contexto. Quanto a este ponto,
tenha-se presente a figura, do âmbito do Direito Administrativo da
União Europeia, dos procedimentos administrativos compostos, que
articulam a intervenção de autoridades nacionais e de autoridades da
União Europeia para a produção de um resultado unitário.
Uma parte da doutrina mais recente vem chamando a atenção para a necessidade de
reforçar a tendência procedimental do Direito Administrativo, conferindo uma maior
ênfase aos direitos procedimentais dos interessados e dos cidadãos em geral. Entende-
se que o direito administrativo procedimental induz transparência, envolve os
cidadãos na formação das normas e das decisões administrativas e cria, por isso,
condições especiais de legitimação da ação administrativa.

Princípios do procedimento administrativo


Temos aqui em vista os princípios jurídicos aplicáveis ao desenvolvimento da
tramitação ou sequência procedimental (relativos à marcha do procedimento) e não os
princípios jurídicos da atividade administrativa, ainda que, como sucede em alguns
casos, estes últimos possam encontrar concretização no procedimento administrativo.
Esta observações impõe-se, desde logo, para tornar claro que os “princípios gerais”
consagrados nos artigos 3º a 19º do CPA são, em muitos casos, princípios gerais da
atividade administrativa que, pelo menos quanto ao modo como se encontram
formulados, não mantêm qualquer específica relação com o procedimento
administrativo.

• Princípio da participação: O procedimento administrativo constitui a sede por


excelência da efetivação do princípio da participação e, em concreto, da
“participação dos cidadãos na formulação das decisões ou deliberações que
lhes disserem respeito” (artigos 267º/5 da CRP e 12º do CPA). O princípio da
participação é concretizado através do reconhecimento legal de direitos
procedimentais da participação dos interessados, bem como deveres
procedimentais de ativar a participação atribuídos à Administração. Assim,
constituem direitos procedimentais de participação: Direito de iniciativa e de
participação no procedimento (artigos 53º e 68º do CPA); Direito à informação
sobre o procedimento (artigos 82º e ss do CPA); Direitos a juntar documentos e
pareceres, a requerer diligências de prova e designar peritos (artigo 116º/2 do
CPA); Direito de audiência (artigo 100º e ss do CPA). Independentemente da
atribuição aos interessados de direitos de procedimentais de participação, a lei
onera a Administração com deveres de incentivar a participação dos
interessados (como é exemplo o artigo 7º/1 do CPA), sendo assim alguns
exemplos destes deveres: Comunicação do início do procedimento às pessoas
cujos direitos ou interesses legalmente protegidos possam ser lesados pelos
atos a praticar e que possam ser desde logo nominalmente identificadas (artigo
110º do CPA); notificação do projeto de decisão, para efeitos de audiência dos
interessados (artigo 122º/2 do CPA); notificação do ato administrativo (artigo
114º do CPA). A participação dos interessados no procedimento assume uma
dimensão de especial relevo nos procedimentos administrativos consensuais,
que incluem as fases de “diálogo” ou “conversações”. Mas mesmo em
procedimentos que desconhecem formalmente essas fases, e destinados à
prática de atos unilaterais da Administração, revela-se, em princípio, possível o
acolhimento de soluções negociais e negociadas, que depois são vertidas em
“acordos endoprocedimentais” (artigos 57º e 98º/2 do CPA), ou em
“compromissos”. Entre todos os princípios do procedimento, o princípio da
participação é aquele que tem uma mais clara “incidência simultânea” no
procedimento do Regulamento e no do ato administrativo: quanto ao
procedimento do regulamento (artigos 97º e ss do CPA) e quanto ao
procedimento do ato administrativo (artigos 121º e ss do CPA), sobre a
audiência dos interessados.
• Princípios da colaboração, da cooperação e da boa fé procedimental: Nos
termos do artigo 11º/1 do CPA, os órgãos da Administração devem atuar em
“estreita colaboração com os particulares”, cumprindo-lhes, designadamente,
prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam e
apoiar e estimular as iniciativas dos particulares receber as suas sugestões e
informações. Por outro lado, o CPA prescreve um dever de cooperação
recíproca entre os órgãos da Administração e os interessados, com vista à
fixação rigorosa dos pressupostos de decisão e à obtenção de decisões legais e
justas (artigo 60º/1 do CPA). Em relação aos interessados, a lei indica que
devem concorrer para a economia de meios na realização de diligências
instrutórias e para a tomada da decisão num prazo razoável, abstendo-se de
requerer diligências inúteis e de recorrer a expedientes dilatórios (artigo 60º/2
do CPA). Além disso, atribui-lhes o ónus de prova dos factos que tenham
alegado (artigo 116º/1 do CPA), bem como o dever de apresentação de provas,
quando para tal forem solicitados (artigo 117º do CPA). O incumprimento dos
deveres de prestação de informações ou de apresentação de provas tem as
consequências previstas no artigo 119º do CPA: assim, esse cumprimento é
livremente apreciado para efeitos de prova, consoante as circunstâncias do
caso, não dispensando o órgão administrativo de procurar averiguar os factos,
nem de proferir a decisão; em especial, quando as informações, documentos
ou atos solicitados ao interessado sejam necessários à apreciação por ele
formulado, não deve ser dado seguimento ao procedimento, disso se
notificando o particular (em caso de inércia continuada do particular, a situação
pode dar lugar a uma extinção do procedimento por “deserção”, ao abrigo do
artigo 132º/1 do CPA.
• Princípio do inquisitório: Diretamente conexo com o andamento do
procedimento, o artigo 58º do CPA, sobre o princípio do inquisitório, atribui ao
responsável pela direção do procedimento e aos outros órgãos que participem
na instrução, o poder de proceder a quaisquer diligências que se revelem
adequadas e necessárias à preparação de uma decisão legal e justa, ainda que
respeitantes a matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas
dos interessados. O princípio do inquisitório ou da oficialidade encontra
explicação, além do mais, no facto de ser sobre a Administração que impende o
ónus de cumprir a lei e de realizar as diligências que considere convenientes
para se colocar em decisão de decidir bem e em conformidade com a lei. Por
isso, o artigo 115º/1 do CPA estabelece que é o responsável pela direção do
procedimento que deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento
seja adequado e necessário à tomada de uma decisão legal e justa dentro do
prazo razoável, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova
admitidos em direito, tal como uma incumbência fundamental da
Administração em sede procedimental consiste em recolher e em produzir
informação que lhe permita conhecer os interesses em jogo e fazer uma
ponderação adequada sobre o sentido do desfecho do procedimento. Por força
do princípio do inquisitório, o dever de averiguação dos factos relevantes para
a decisão não deixa de pertencer à Administração mesmo nos casos em que a
mesma solicitou a apresentação de provas aos interessados e estes não
cumprirem o seu dever de cooperação (ao abrigo do artigo 119º/2 do CPA, a
falta de cumprimento da notificação é livremente apreciada para efeitos de
prova, consoante as circunstâncias do caso, “não dispensado o órgão
administrativo de procurar averiguar os factos, nem de proferir a decisão”). A
solução só se apresenta diferentes quando as informações, documentos ou
atos solicitados ao interessado sejam necessários à apreciação do pedido por
ele formulado, caso em que, “não deve ser dado seguimento ao procedimento,
disso se notificando o particular”, nos termos do nº3 do artigo 119º do CPA.
Trata-se aqui, de um cenário em que o interessado goza de uma espécie de
monopólio de prova, não podendo exigir-se à administração um dever de
averiguação de factos que só o interessado conhece ou de que só ele tem
prova.
• Princípio da adequação ou da discricionariedade procedimental: Desde logo,
em concorrência do princípio do inquisitório, a administração disporá, em
regra, de uma margem de adequação do procedimento: discricionariedade
procedimental. Isso mesmo se encontram hoje inscrito no artigo 56º do CPA. A
discricionariedade de adequação procedimental desenvolve-se apenas na
medida em que não haja normas injuntivas, assim, por exemplo, o responsável
pelo procedimento não pode estruturar discricionariamente a tramitação de
modo a eliminar a exigência de solicitação de um parecer obrigatório ou a
audiência dos interessados. Além disso, o exercício da discricionariedade
procedimental pressupõe o respeito pelos princípios gerais da atividade
administrativa. Por outro lado, a lei estabelece critérios de orientação do
exercício da discricionariedade procedimental: interesses públicos da
participação, da eficiência, da economicidade e da celeridade na preparação da
decisão. O artigo 57º do CPA alude aos designados acordos
endoprocedimentais, que abrangem os acordos ou os contratos sobre o
exercício da discricionariedade procedimental. Com efeito, diz o nº1 que o
“órgão competente para a decisão final” (aqui sem possibilidade de delegação
no responsável pela direção do procedimento) e os interessados podem, por
escritos, acordar os termos do procedimento. Tais acordos, estabelece no nº2
do mesmo preceito, têm efeito vinculativo e o seu objeto pode consistir na
organização de audiências orais para exercício do contraditório entre os
interessados que pretendam uma certa decisão e aqueles que se lhe oponham.
• Princípio da boa administração (eficiência, economicidade e celeridade): O
artigo 5º do CPA acolhe o designado princípio da boa administração. Pois bem,
sem prejuízo de outras eventuais aplicações, na formulação consagrada, o
princípio da boa administração tem uma incidência muito particular no
procedimento administrativo. De resto, não será por acaso que a trilogia
eficiência, economicidade e celeridade corresponde precisamente aos critérios
que orientam o exercício da discricionariedade procedimental (artigo 56º do
CPA). Em particular, o artigo 59º do CPA destaca o dever de celeridade,
incumbido o responsável pela direção do procedimento e os outros órgãos
intervenientes na respetiva tramitação de providenciar “por um andamento
rápido e eficaz, quer recusando e evitando tudo o que for impertinente e
dilatório, quer ordenando e promovendo tudo o que seja necessário a um
seguimento diligente e à tomada de uma decisão dentro de prazo razoável”. A
rapidez (celeridade) enquanto valor do procedimento, tem outras expressões
na lei, como é exemplo o artigo 61º/1/c do CPA (“simplificar e reduzir a
duração dos procedimentos, promovendo a rapidez das decisões”).
• Princípio da legalidade procedimental: Sem prejuízo da discricionariedade
procedimental, existem, em muitos casos, trâmites procedimentais
obrigatórios, impostos por normas injuntivas: pode tratar-se de prazos que têm
de ser respeitados ou diligências que a lei impõe (parecer obrigatório e
audiência dos interessados), mas também pode tratar-se de diligências que,
não tendo de ocorrer, se ocorrerem, têm de se conformar com certas regras
legais. Nestes casos, a Administração tem de cumprir determinações que a lei
estabelece, no âmbito de um princípio de legalidade procedimental. Em certos
casos, o legislador estabelece, de forma completa ou quase completa, o
faseamento e a tramitação do procedimento: procedimento administrativo
formalizado. O grau de formalização é variável, mas tende a mostrar-se
especialmente elevado nos procedimentos sancionatórios, nos procedimentos
de seleção que envolvem a participação de particulares com interesses
concorrentes, nos procedimentos de resolução de litígios e naqueles que
servem de formação de atos especialmente agressivos para os direitos dos
particulares (exemplo desta última é a expropriação por utilidade pública). Em
todos estes casos, a formalização legislativa do procedimento, que introduz
rigidez e que tem o resultado de condicionar o trabalho procedimental
(vinculação procedimental da Administração), visa definir condições para a
consideração obrigatória, completa e imparcial dos fatores ou dimensões
relevantes para a decisão a adotar. Em qualquer caso, a formalização projeta-se
essencialmente na delineação das fases ou dos momentos fundamentais da
marcha do procedimento, bem como na determinação de diligências
obrigatórias, mas não exclui, de forma liminar, a discricionariedade
procedimental para a adoção de diligências que o órgão competente entenda
dever efetuar para se colocar em posição de decidir.
• Princípio da imparcialidade: O princípio da imparcialidade conhece uma
relevância geral no Direito Administrativo e a sua incidência não se
circunscreve, por conseguinte, ao procedimento administrativo. O artigo 9º do
CPA formula o princípio da imparcialidade. Apesar de não se limitar ao
procedimento administrativo, este constitui um momento essencial de
vinculação da Administração ao princípio da imparcialidade, o qual exige:
▪ Que perante os eventuais interesses em confronto, a
administração atue de forma isenta e objetiva e, sem distinção,
pondere adequadamente todos os interesses legítimos no
procedimento. Neste sentido, a administração deve pautar a sua
ação por um cânone de neutralidade, dispondo-se a ponderar e
a considerar, sem discriminação, todos os interesses legítimos
que estejam representados no procedimento e todos os factos
relevantes para a decisão, independentemente da respetiva
fonte ou natureza.
▪ Que os titulares dos órgãos da administração não contaminem a
intervenção no procedimento com a consideração de interesses
pessoais, ocupando, aqui, um lugar especial as garantias de
imparcialidade, em particular, o regime de impedimentos e
suspeições (artigos 69º e ss do CPA) e veja-se a referência
expressa à “intervenção em procedimento”.
• Princípio da igualdade: O princípio da igualdade conhece projeção ao nível do
procedimento administrativo na exigência imposta à Administração de
dispensar um tratamento igualitário a todos os intervenientes ou interessados
em participar no procedimento: neste sentido horizontal, que se confunde com
o dever de atuação imparcial, o princípio da igualdade opera tipicamente nos
procedimentos de seleção concorrencial e envolva uma dupla exigência, de
garantia de igualdade de acesso e de igualdade de tratamento. Ainda no
contexto do procedimento, a doutrina alude a um sentido vertical do princípio
da igualdade, para referenciar a exigência de um tratamento paritário entre a
Administração e os particulares intervenientes no procedimento,
designadamente no acesso à informação relevante no âmbito do concreto
procedimento, mas também na imposição de deveres à Administração de
considerar factos alegados pelos particulares ou de realizar diligências por eles
requeridas ou ainda de lhes proporcionar o contraditório.
• Princípio da decisão: O artigo 13º/1 do CPA formula o respetivo princípio da
decisão. Apesar da referência, na epígrafe do artigo 13º do CPA, a um princípio
da decisão, o que verdadeiramente se consagra no nº1 é um princípio de
pronúncia. Assim, os órgãos da Administração Pública (bem como quaisquer
entidades abrangidas pelo âmbito incidência do CPA, nos termos do artigo
2º/1), têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua
competência que lhes sejam apresentados. Assim, uma “petição”, uma
“exposição” ou uma “queixa” apresentada exige sempre uma pronúncia, ou
seja, uma resposta da administração. Origina-se sempre, com essa
apresentação, um dever de proceder para a Administração. Mas já não se
exige, pelo menos em regra, um dever de decisão, pois o teor da petição ou
queixa pode não convocar qualquer poder de decisão do órgão a quem se
dirige (o princípio da resposta ou da pronúncia opera no âmbito de
procedimentos que podem vir dar lugar à prática de atos administrativos, mas
também no procedimento do regulamento administrativo, sendo que para esse
caso deve ter-se em conta o artigo 97º/1 e 2 do CPA). Além do dever geral de
pronúncia, a Administração Pública, em determinadas condições, tem um
específico dever de decisão. Eis o que sucede, em geral, quando um
interessado, titular de uma posição jurídica substantiva, solicita, através de um
requerimento, à instância competente a produção de um efeito jurídico que
envolve o exercício de um poder de decisão e, portanto, a prática de um ato
administrativo. O artigo 128º do CPA disciplina o prazo para a decisão do
procedimento (90 dias em regra, e em regra prazo contado desde a data da
entrada do requerimento). Nos termos do artigo 129º do CPA, a falta, no prazo
legal, de decisão sobre a pretensão dirigida a um órgão administrativo
competente constitui incumprimento do dever de decisão, conferindo ao
interessado a possibilidade de utilizar os meios de tutela administrativa e
jurisdicional adequados. O artigo 129º do CPA, salvaguarda o disposto no nº2
do artigo 13º do CPA, que afasta o dever de decisão sempre que, há menos de
dois anos, contados da data da apresentação do requerimento, o órgão
competente tenha praticado um ato administrativo sobre o mesmo pedido,
formulado pelo mesmo particular e com os mesmos fundamentos. No
procedimento do regulamento administrativo, dever de decisão corresponde a
um dever de emissão de regulamento. Veja-se sobre isto, o artigo 137º/1 do
CPA que estabelece um prazo geral de 90 dias para a adoção dos regulamentos
necessários para dar exequibilidade a atos legislativos carentes de
regulamentação. Conforme se dispõe no nº2, se o regulamento não for emitido
no prazo devido, os interessados diretamente prejudicados pela situação de
omissão podem requerer a emissão do regulamento ao órgão com
competência na matéria, sem prejuízo da possibilidade de recurso à tutela
jurisdicional.
• Princípio da independência da decisão em relação ao pedido: Os órgãos da
Administração Pública podem decidir sobre coisa diferente ou mais ampla do
que a pedida, quando o interesse público assim o exija (artigo 13º/3 do CPA).
Trata-se de um princípio aplicável aos procedimentos de iniciativa heterónoma,
que se deve interpretar com algumas cautelas, sobretudo na parte em que se
refere ao decidir sobre coisa diferente. Assim, a administração poderá decidir
sobre coisa diferente do que lhe foi pedido se: i) tomar uma decisão sobre o
pedido que lhe foi apresentado; ii) dispuser de competência oficiosa para
tomar decisão sobre coisa diferente. Por sua vez, quanto à decisão sobre coisa
mais ampla, torna-se igualmente necessário que a Administração disponha de
competência própria para, no âmbito de um procedimento iniciado por
impulso externo, decidir esse “algo mais” do que lhe foi pedido (exemplo:
artigo 149º do CPA).
• Princípio da colaboração e da cooperação interadministrativa: O
procedimento administrativo, enquanto momento de formação de decisões
administrativas, é o espaço próprio para o desenvolvimento de relações de
colaboração e de cooperação entre diversos órgãos administrativos de uma
mesma entidade ou de diversas entidades. As relações e formas de articulação
entre instâncias administrativas podem assumir feições muito variadas:
pedidos de pareceres, de estudos, de realização de ensaios ou de exames
(referência ao auxílio administrativo segundo o artigo 66º e às conferências
procedimentais, segundo os artigos 78º a 81º do CPA). O fenómeno da
cooperação interadministrativa tem tido um grande desenvolvimento ao nível
do direito da União Europeia, o qual estabelece exigências de cooperação e de
assistência mútua entre autoridades administrativas de diferentes Estados-
Membro (artigo 19º do CPA).
• Princípio da tendencial gratuitidade do procedimento: Apesar da epígrafe do
artigo 15º do CPA aludir ao princípio da gratuitidade, o nº1 do preceito, de
forma mais realista, vem estabelecer que o procedimento administrativo é
tendencialmente gratuito, e isto na medida em que leis especiais não
imponham o pagamento de taxas por despesas, encargos ou outros custos
suportados pela Administração. Nestes termos, mesmo com a reserva do
caráter tendencial, estamos, em rigor, não tanto perante um princípio jurídico,
mas perante uma proclamação sem conteúdo normativo útil (de resto, a
proibição de cobrar o pagamento de taxas ou outras contraprestações não
resultaria do princípio da gratuitidade, mas antes da proibição de criar
obrigações pecuniárias não previstas na lei, ao abrigo do artigo 162º/2/k do
CPA). Com relevo normativo é já o disposto nos nºs 2 e 3 do respetivo artigo
15º do CPA.

Sujeitos do procedimento administrativo


Os atos que integram o procedimento administrativo são praticados por diferentes
sujeitos: aos sujeitos ou órgãos públicos responsáveis pelo ato principal do
procedimento juntam-se outros órgãos da mesma ou de outra pessoa coletiva pública,
bem como, eventualmente, entidades privadas contratadas para a realização de certas
diligências. No outro polo da relação jurídica procedimental, intervêm entidades de
estatuto variado, mas em geral titulares de um interesse relacionado com a matéria a
que o procedimento se refere. O procedimento surge, assim, como o momento de
organização da intervenção dos vários sujeitos e a envolver na ação administrativa
tendente à produção de um certo resultado. Conforme se dispõe no artigo 65º do CPA,
são sujeitos da relação jurídica procedimental:
a) Os órgãos de quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, cuja
conduta, seja adotada no exercício de poderes públicos ou regulada de modo
específico por disposições de direito administrativo, quando competentes para
a tomada de decisões administrativos ou para a prática de atos preparatórios
(atos integrados no procedimento, mas que não são decisões).
b) Os particulares (cidadãos e pessoas coletivas) legitimados nos termos do nº1 do
artigo 68º do CPA e que segundo esta disposição, têm legitimidade para iniciar
o procedimento ou para que nele se constituírem como interessados os
titulares de direitos, interesses legalmente protegidos, deveres, encargos, ónus
ou sujeições no âmbito das decisões que nele forem ou possam ser tomadas,
bem como as associações, para defender interesses coletivos ou proceder à
defesa coletiva de interesses individuais dos seus associados que caibam no
âmbito dos respetivos fins (associação sindical que intervém para a defesa de
interesse de um trabalhador seu associado num procedimento disciplinar).
c) Pessoas singulares e pessoas coletivas de direito privado, em defesa de
interesses difusos, segundo o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 68º do CPA.
d) Os órgãos que exerçam funções administrativas, quando se verifiquem as
condições previstas no nº4 do artigo 68º do CPA.
Ao elenco anterior acrescentam-se ainda:
e) As autarquias locais, em relação à proteção de interesses difusos nas áreas das
respetivas circunscrições, segundo o artigo 68º/2/b do CPA.
f) Cidadãos “residentes na circunscrição em que se localize ou tenha localizado o
bem defendido”, para assegurar a defesa de bens do Estado, das regiões
autónomas e de autarquias locais afetados por ação ou omissão da
Administração Pública, segundo o artigo 68º/3 do CPA.
Segundo uma lógica de bipolarização da relação jurídica procedimental, o nº2 do artigo
65º do CPA pressupõe a contraposição de dois tipos de sujeitos do procedimento: por
um lado, os sujeitos ou as entidades em que se integram os órgãos competentes para
a prática dos atos jurídico-públicos do procedimento e, por outro lado, de um modo
genérico, os interessados.

• Órgãos responsáveis pelos atos jurídico-públicos do procedimento: A alínea a)


do nº1 do artigo 62º do CPA começa por incluir no elenco dos sujeitos da
relação jurídica procedimental “os órgãos das entidades referidas no nº1 do
artigo 2º, quando competentes para a tomada de decisões ou para a prática de
atos preparatórios”. Como decorre do nº2 do mesmo preceito, esses são os
sujeitos da relação jurídica procedimental sem estatuto de interessados. A
remissão para o artigo 2º/1 do CPA tem o sentido de indicar que são sujeitos do
procedimento os órgãos de quaisquer entidades, independentemente da sua
natureza, que atuem investidas de poderes públicos. Em cada procedimento,
sujeito da relação jurídica procedimental não é apenas o órgão com
competência para a decisão final do procedimento. A mesma condição é
partilhada pelos órgãos competentes para a prática de atos preparatórios
(pareceres, exames ou vistorias). Veja-se a propósito, o artigo 69º/3 do CPA
que se refere, em paralelo, ao responsável pela direção do procedimento (que
é o órgão competente para a decisão final do procedimento ou agente
dependente desse órgão, e a quaisquer sujeitos públicos da relação jurídica
procedimental.
• Figura do responsável pela direção do procedimento: Sem prejuízo da
condição equivalente de todos os órgãos com competência para a prática de
atos públicos num dado procedimento, oferece-se indiscutível a posição
singular, de destaque, do órgão competente para a decisão final. Além da
competência para a decisão final, de conclusão do procedimento, esse órgão
dispõe a incumbência fundamental de conduzir e de dirigir o procedimento. É
precisamente isto que se estabelece no artigo 55º/1 do CPA em que “a direção
do procedimento cabe ao órgão competente para a decisão final”. Contudo, o
nº2 deste mesmo preceito determina ao órgão competente para a decisão final
que delegue em inferior hierárquico seu, o poder de direção do procedimento.
Esta delegação em regra, é obrigatória. A obrigação de delegar só não existe se
houver disposição legal, regulamentar ou estatutária em contrário ou quando a
isso obviarem as condições de serviço ou outras razões ponderosas, invocadas
fundamentadamente no procedimento concreto ou em diretiva interna
respeitante a certos procedimentos. Por força desta delegação, cada
procedimento tem um responsável, um agente da entidade a que pertence o
órgão competente para a decisão final com a incumbência específica de
conduzir o procedimento. Na medida em que exerce as competências de
direção do procedimento (o que inclui a tomada de decisões com efeitos
endoprocedimentais), o referido agente assume a titularidade de um órgão
administrativo: o órgão responsável pela direção do procedimento
administrativo (artigos 64º/3, 110º/3, 118º/2, 122º/1 do CPA). Nos termos da
lei, o responsável pela direção do procedimento pode encarregar inferior
hierárquico seu da realização de diligências instrutórias específicas. A
identidade do responsável pela direção do procedimento é notificada aos
participantes (interessados constituídos no procedimento) e comunicada a
quaisquer outras pessoas que, demonstrando interesse legítimo, requeiram
essa informação (artigos 55º/5, 61º/2 e 110º/3 do CPA). Importa destacar que
a figura do responsável pela direção do procedimento apresenta-se sobretudo
operativa no procedimento do ato administrativo, não obstante, ela opera
também no procedimento do regulamento administrativo (artigo 100º/1 do
CPA). A direção do procedimento é um termo genérico que referencia a
incumbência ou responsabilidade genérica de condução do desenvolvimento
do procedimento, entre os momentos da iniciativa e de tomada da decisão
final. No seu núcleo fundamental, o papel do responsável da direção do
procedimento consiste em assegurar a realização das diligências (consultivas,
técnicas e probatórias) necessárias para a definição do sentido e do âmbito da
decisão do procedimento. Entre outras, o CPA atribui ao responsável pela
direção do procedimento as seguintes competências e responsabilidades:
o Realização de diligências instrutórias (probatórias e consultivas): Nos
termos do artigo 115º do CPA, o responsável pela direção do
procedimento deve procurar averiguar todos os factos cujo
conhecimento seja adequado e necessário à tomada de uma decisão
legal e justa dentro de prazo razoável, podendo, para o efeito, recorrer
a todos os meios de prova admitidos em direito. Não carecem de prova
nem de alegação os factos notórios, bem como os factos de que o
responsável pela direção do procedimento tenha conhecimento em
virtude do exercício das suas funções (estes factos devem consta do
processo documental). Na realização de tais diligências, o responsável
pela direção do procedimento deve orientar-se pelos princípios da
discricionariedade procedimental (artigo 56º do CPA), do princípio do
inquisitório (artigo 58º do CPA) e em conformidade com o dever de
celeridade (artigo 59º do CPA). Além das diligências probatórias, é o
responsável pelo procedimento que dá o impulso para a realização das
diligências consultivas que a lei imponha (pareceres obrigatórios) ou
que, no exercício de um poder de decisão próprio, ele entenda que
devem ter lugar (pareceres facultativos), ao abrigo dos artigos 91º e 92º
do CPA. Por outro lado, neste âmbito, o responsável pela direção do
procedimento estabelece relações diretas com os interessados, tal
como ao abrigo do artigo 117º do CPA sobre a respetiva solicitação de
provas aos interessados.
o Dever de informações: O responsável pela direção do procedimento é o
sujeito passivo do direito à informação procedimental dos interessados
(artigos 82º e ss do CPA).
o Realização da audiência: É ao responsável pela direção do
procedimento que cabe pôr em marcha o trâmite da audiência, tendo
competência para tomar decisões (endoprocedimentais) neste âmbito,
por exemplo, sobre se a audiência se processa por forma escrita ou oral
(artigos 121º e ss do CPA). Dispõe ainda de competência decisória para
dispensar a audiência dos interessados, nas condições previstas no
artigo 124º/1 do CPA.
o Competência para prorrogação do prazo do procedimento: De acordo
com o artigo 128º do CPA, os procedimentos de iniciativa particular
devem ser decididos no prazo de 90 dias, salvo se outro prazo decorrer
da lei, mas em circunstâncias excecionais, esse prazo pode ser
prorrogado pelo responsável pela direção do procedimento, por um ou
mais períodos, até ao limite máximo de 90 dias, embora apenas
mediante autorização do órgão competente para a decisão final,
quando, como é regra, as duas funções não coincidam no mesmo órgão.
o Responsabilidade pelo processo administrativo: O responsável pela
direção do procedimento é, naturalmente, o responsável pelo processo
administrativo e pelo conjunto de documentos que o integram. Nos
termos do artigo 64º/3 do CPA, ele deve rubricar todas as folhas do
processo administrativo.
o Elaboração do relatório final do procedimento e proposta de decisão:
Quando, como sucede em regra, o responsável pela direção do
procedimento não for o órgão competente para a decisão final, este
elabora um relatório no qual indica o pedido do interessado, resume o
conteúdo do procedimento, incluindo a fundamentação da dispensa da
audiência dos interessados, quando esta não tiver ocorrido, e formula
uma proposta de decisão, sintetizando as razões de facto e de direito
que a justificam, ao abrigo do artigo 126º do CPA.
• Interessados (com legitimidade procedimental): No outro polo da relação
jurídica procedimental surgem os interessados, em que têm esta qualidade os
sujeitos referidos nas alíneas b), c) e d) do nº1 do artigo 65º do CPA, que “como
tal nele se constituam, ao abrigo de um dos títulos de legitimação previstos no
artigo 68º”. O artigo 68º/1 do CPA determina genericamente que têm
legitimidade para iniciar o procedimento ou para nele se constituírem como
interessados os titulares de direitos, interesses legalmente protegidos, deveres,
encargos, ónus ou sujeições no âmbito das decisões que nele forem ou possam
ser tomadas, bem como as associações, para defender interesses coletivos ou
proceder à defesa coletiva de interesses individuais dos seus associados que
caibam no âmbito dos respetivos fins. A participação no procedimento
administrativo não se limita aos titulares de interesses pessoas, com radicação
subjetiva (interesses singulares ou coletivos). Com efeito, tendo em vista a
proteção de interesses difusos, o nº2 do mesmo preceito legal alarga a
legitimidade para a participação procedimental: aos cidadãos no gozo dos seus
direitos civis e políticos e os demais eleitores recenseados no território
português; às associações e fundações representativas de tais interesses; às
autarquias locais, em relação à proteção de tais interesses nas áreas das
respetivas circunscrições. Além disso, o nº4 do mesmo artigo permite a
participação no procedimento, na condição de interessados, de “órgãos que
exerçam funções administrativas” quando as pessoas coletivas nas quais eles se
integrem sejam titulares de direitos ou interesses legalmente protegidos,
poderes, deveres ou sujeições que possam ser conformados pelas decisões que
nesse âmbito forem ou possam ser tomadas, ou quando lhes caiba defender
interesses difusos que possam ser beneficiados ou afetados por tais decisões. A
qualidade de sujeito da relação jurídica procedimental cabe, também neste
caso, ao órgão da pessoa coletiva. Tendo em atenção as posições jurídicas que
conferem legitimidade procedimental a estes órgãos, pode dizer-se que a lei
tem a pretensão de contemplar aqui os casos em que sujeitos públicos surgem
como interessados, quer como titulares de situações jurídicas de direito público
(referência à titularidade de “poderes”), quer como titulares de situações
jurídicas inerentes à capacidade de direito privado (por exemplo, associação
pública que requer uma licença de construção).

Relações jurídicas procedimentais


O procedimento é a base ou o suporte do desenvolvimento de relações jurídicas que
se processam no interior da Administração Pública (exemplo da relação entre o órgão
que solicita e o órgão que emite um parecer) ou de relações entre sujeitos da
Administração Pública e entidades particulares chamadas a colaborar com aqueles
(exemplo de um contrato de aquisição de um estudo ou para a realização de um
ensaio clínico). Estas relações desenrolam-se no contexto e sob pretexto do
procedimento, mas apresentam, nesse âmbito, um caráter instrumental ou acessório.
À referida “rede de relações procedimentais”, entre si distintas embora conexas,
juntam-se as relações jurídicas procedimentais principais que se processam entre o
responsável pelo procedimento e os interessados no ato final a produzir (relações
entre o órgão competente para autorizar e o requerente da autorização ou os terceiros
com interesses contrários à atribuição da autorização; entre o órgão competente para
contratar e os interessados em obter o contrato; entre o órgão competente para
ordenar a demolição e os donos do edifício a demolir). Estas relações procedimentais
principais desenvolvem-se no quadro de exercício de direitos subjetivos
procedimentais (exemplo é o direito à informação segundo os artigos 82º e ss do CPA)
e de ónus (ónus da prova constante do artigo 116º do CPA), mas também do
cumprimento de deveres procedimentais, os quais recaem, em primeira linha ou em
maior dimensão, sobre a Administração Pública (dever de audiência dos interessados
ou dever de notificação de atos administrativos). Nuns casos, os deveres da
Administração são impostos diretamente por lei e são, portanto, de cumprimento
oficioso (dever de audiência), ou noutras situações, os respetivos deveres emergem na
sequência do exercício de direitos pelos interessados (dever de prestar informações).

Tipos de procedimento administrativo:


• Procedimento de 1º grau: Estes visam a prática de um ato administrativo
primário, isto é, destina-se à tomada de uma decisão que incide pela primeira
vez sobre uma situação da vida, implicando alterações na esfera jurídica do
destinatário.
• Procedimento de 2º grau: Estes visam a prática de atos de segundo grau, os
quais têm em vista a anulação, revogação ou modificação de um ato anterior. É
o caso das impugnações administrativas que envolvem procedimentos de
reclamação ou de recursos hierárquico (como a impugnação de decisão de um
Diretor Geral para um Ministro).
• Procedimentos de autoiniciativa e procedimentos de hétero-iniciativa: A
distinção entre estes dois tipos de procedimento administrativo tem por base a
origem do ato propulsor do procedimento. Este pode provir do particular
(procedimento de iniciativa privada) ou da Administração Pública
(procedimento de iniciativa pública) e, dentro desta, do órgão com
competência para adoção do ato principal ou do órgão distinto. Distingue-se
assim:
o Procedimento de hétero-iniciativa: O procedimento de hétero-
iniciativa pode ser privada, quando o ato propulsor se reconduz ao
“requerimento do particular interessado” ou pública, quando o ato
propulsor provém de um órgão público diferente do órgão competente
para praticar o ato principal, por exemplo, através de um pedido de
proposta. Exemplos de procedimentos de hétero-iniciativa são os
procedimentos de elaboração, alteração ou revisão de planos
urbanísticos municipais.
o Procedimento de autoiniciativa ou de iniciativa oficiosa: O
procedimento de autoiniciativa são os procedimentos em que o próprio
ato propulsor cabe ao órgão com competência para a adoção do ato
principal. Exemplos de procedimentos de iniciativa oficiosa são os
procedimentos de adjudicação de contratos públicos.
• Procedimento declarativo e Procedimento executivo: O procedimento
declarativo introduz uma modificação no ordenamento jurídico,
designadamente, certificando, criando, modificando ou extinguindo uma
relação jurídica administrativa (autotutela administrativa). Por seu turno, os
procedimentos executivos destinam-se a implementar, na prática, os efeitos
jurídicos das decisões administrativas produzidas no âmbito dos procedimentos
declarativos. Note-se que a execução só se coloca em relação aos atos
exequíveis, isto é, aqueles que necessitem de uma atividade administrativa de
execução para a produção dos efeitos visados. Ora, é quanto a este tipo de atos
(ordem de demolição, ou restrição de circulação de veículos automóveis) que
pode ser necessário abrir um procedimento de execução, sobretudo quando o
destinatário do ato não colabore no cumprimento do teor da decisão. Este
procedimento executivo também é estruturado no CPA de modo a garantir os
direitos do executado (artigo 177º do CPA) e a regular os termos em que a
Administração Pública pode usar a força sobre os cidadãos para executar as
suas próprias decisões (artigo 179º do CPA).

Fases do procedimento administrativo


• Fase preparatória: A fase preparatória divide-se em várias subfases, sendo
essas respetivamente, as subfases da iniciativa, instrução, audição e,
finalmente, o relatório.
o Subfase da iniciativa: O artigo 53º do CPA consagra que o
procedimento administrativo inicia-se oficiosamente (iniciativa pública)
ou a solicitação dos interessados (iniciativa privada). Se a iniciativa for
feita pelo particular, o elemento propulsor é o respetivo requerimento,
em que o interessado formula o pedido à Administração, devendo
preencher os requisitos do artigo 102º do CPA. Por consequentemente,
o artigo 108º/3 do CPA fixa uma rejeição liminar em cujos
requerimentos não identificados e aqueles em que o pedido seja
inatingível. Importa destacar que, tal como já foi analisado, o autor que
elabora o requerimento tem de ter legitimidade procedimental,
segundo o artigo 105º do CPA.
o Subfase da instrução: A instrução tem como objetivo praticar atos de
natureza consultiva (pareceres) ou de natureza probatória (exames,
vistorias, recursos a peritos).
o Subfase da audição: A audição constitui o momento em que a
Administração ouve os interessados que se pronunciaram sobre alguma
coisa e que ocorre antes da própria tomada da decisão. A audiência dos
interessados é, normalmente, levada a cabo no ato administrativo, mas
também o pode ser no regulamento administrativo, segundo o artigo
100º do CPA. Contudo, a audiência pode ser indispensável no caso
concreto, em que o artigo 124º do CPA consagra os casos em que pode
haver dispensa da audiência dos interessados. No entanto, já a falta de
audiência pode levar à anulabilidade do ato administrativo quando a
audiência podia inverter o sentido da decisão, visto que se retira a
valoração positiva da participação dos interessados nas decisões
jurídico-administrativas. Nos procedimentos disciplinares e nos
processos de contraordenação, uma vez que o interessado é arguido, a
lei configura a audição do interessado, um respetivo direito
procedimental fundamental e, caso não ocorra esta audição, o
procedimento administrativo padece de nulidade.
o Subfase do relatório: O artigo 126º do CPA enuncia que, quando o
responsável pela direção do procedimento administrativo não for o
órgão competente para a decisão final, elabora um relatório no qual
indica o pedido do interessado, resume o conteúdo do procedimento,
incluindo a fundamentação da dispensa da audição dos interessados,
quando esta não tiver ocorrido e formula uma proposta de decisão,
sintetizando as razões de facto e de direito que a justifica.
• Fase constitutiva: Esta é a fase da decisão em que, o órgão competente está
em condições de emitir uma decisão sobre o procedimento administrativo em
causa, havendo uma definição dos efeitos jurídicos aplicáveis aos destinatários.
Por regra o procedimento administrativo termina com a decisão, porém, desde
2015 passou a estabelecer-se que o procedimento pode terminar pela prática
de um ato administrativo ou pela celebração de um contrato administrativo.
Isto é, respetivamente, pensado para os atos favoráveis como as licenças
industriais, comerciais e entre outras, em que o contrato administrativo poderá
substituir o ato administrativo, sendo por isso, um contrato decisório. Este
assenta numa base bilateral e pertence aos contratos sob a categoria dos
poderes públicos.
• Fase integrativa de eficácia: A fase integrativa da eficácia é uma fase eventual,
pois ocorre nos casos em que existe um ato principal que foi constituído e,
consequentemente, há a prática de outro mesmo ato que diz respeito à sua
complementaridade e eficácia. Um exemplo será a prática de um ato
administrativo para uma licença de construção, mas a lei exige que esse ato
apenas produzirá os seus efeitos após a emissão de um documento que se
denomina de alvará. A natureza do ato integrativo de eficácia não acrescenta
nada à definição da perfeição do ato administrativo principal, mas antes
desencadeia a sua eficácia.

Caráter híbrido do CPA


O CPA é um código do procedimento administrativo. Não obstante, as normas que o
integram não revestem, em todos os casos, o caráter de “normas de procedimento”,
ou seja, normas de disciplina do “modo de proceder da Administração”. Eis o que
sucede, por exemplo, com as seguintes normas:
❖ Sobre os princípios gerais da atividade administrativa (artigos 3º a 19º) que, em
muitos casos, conhecem um sentido substancial e não procedimental ou, em todo
o caso, não apenas procedimental (como os princípios da igualdade, justiça,
proporcionalidade ou razoabilidade).
❖ Sobre o regulamento administrativo (artigos 135º a 147º) e sobre o ato
administrativo (artigos 148º a 183º), na medida em que cumprem a função
principal de definir os contornos das figuras e o respetivo regime jurídico
substantivo.
❖ Que conferem competências materiais a órgãos da Administração (as normas de
competência), incluindo mesmo a prática de atos administrativos, como são, entre
outros, os casos dos artigos 44º/3, 70º/4, 89º ou 169º.
O CPA não assume, pois, a natureza exclusiva de um código “do” ou “sobre” o
procedimento administrativo. Nele se acolhem normas várias que disciplinam aspetos
materiais do Direito Administrativo. Não estamos, neste caso, perante uma
originalidade do direito português, já que também no direito estrangeiro, as
generalidades dos códigos do procedimento administrativo seguem a mesma
tendência, de incluírem uma disciplina substancial dos meios ou formas da ação
administrativa.

Procedimentos especificamente regulados no CPA


O CPA não disciplina um procedimento-padrão de aplicação generalizada na ação
administrativa. Nem tão-pouco disciplina um procedimento que defina, em termos
gerais, a marcha de tramitação de formação de um ato administrativo. Sem prejuízo
disso, o CPA regula, de uma forma tendencialmente completa, alguns procedimentos,
subprocedimentos ou fases procedimentais, sendo um “código de procedimentos”:

• Subprocedimento sobre o funcionamento dos órgãos colegiais (artigos 21º a


35º)
• Procedimento de delegação de poderes (artigo 47º)
• Procedimento de resolução de conflitos de atribuições e competências (artigos
51º e 52º)
• Subprocedimento de auxílio administrativo (artigo 66º)
• Subprocedimento de instituição de conferências procedimentais (artigo 78º)
• Procedimentos de arguição e declaração de impedimentos e de pedido de
dispensa de intervenção (artigos 70º a 75º)
• Subprocedimentos de emissão de pareceres (artigo 92º)
• Procedimento do regulamento administrativo (artigos 97º a 101º)
• Procedimento de acesso à informação procedimental (artigos 82º a 85º)
• Subprocedimento de notificação (artigos 110º a 114º)
• Subprocedimento de adoção de medidas provisórias (artigos 89º e 90º)
• Procedimento de execução do ato administrativo (artigos 149º a 157º)
• Procedimento de revogação e de anulação administrativa (artigo 170º)
• Procedimentos de impugnação administrativa de atos administrativos (artigos
184º a 199º).

Âmbito de aplicação do CPA


Sob a epígrafe “âmbito de aplicação”, começa por estipular o artigo 2º/1 do CPA o
seguinte “as disposições do presente Código respeitantes aos princípios gerais, ao
procedimento e à atividade administrativa são aplicáveis à conduta de quaisquer
entidades, independentemente da sua natureza, adotada no exercício de poderes
públicos ou regulada de modo específico por disposições de direito administrativo”. O
preceito transcrito cumpre, assim, a função de identificar o âmbito subjetivo de
aplicação dos três universos de disposições do CPA: disposições respeitantes aos
princípios gerais da atividade administrativa (artigos 3º a 19º); disposições
respeitantes ao procedimento administrativo (artigos 53º a 134º); disposições
respeitantes à atividade administrativa (artigos 135º a 202º). O âmbito subjetivo de
aplicação desses três universos normativos é definido com apoio num critério material
conjugado com um critério ou elemento normativo (conduta “adotada no exercício de
poderes públicos ou regulada de modo específico por disposições de direito
administrativo”). O triplo bloco de disposições não esgota a regulamentação do CPA:
de fora fica a Parte II, sobre os órgãos da Administração Pública (artigo 20º a 52º), a
qual é aplicável tendencialmente apenas aos órgãos da Administração Pública,
segundo o artigo 2º/2 do CPA, fundando-se num critério orgânico. Este critério
orgânico surge ainda no artigo 2º/3 do CPA em que se estabelece que “os princípios
gerais da atividade administrativa e as disposições do presente Código que
concretizam preceitos constitucionais são aplicáveis a toda e qualquer atuação da
Administração Pública, ainda que meramente técnica ou de gestão privada”.

Regulamento Administrativo

Conceito de Regulamento administrativo


O artigo 135º do CPA, sobre o conceito de regulamento administrativo, indica que,
para efeitos do disposto no próprio Código, se consideram “regulamentos
administrativos as normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes
jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos”.

• Análise da definição legal: Trata-se de uma norma definitória, que estabelece,


pois, uma definição, mas como se anuncia, apenas para efeitos de aplicação do
CPA. A definição legal, que só existe desde o CPA de 2015, suscita algumas
considerações. Assim, em primeiro lugar, a definição legal não assume, quanto
ao Doutor Pedro Costa Gonçalves incorretamente, que o regulamento é um ato
jurídico de um sujeito ou órgão da Administração Pública. A explicação para
esta “omissão” tem a ver com a opção inicial do legislador quanto à definição
do âmbito de aplicação da generalidade das normas do CPA, em que, segundo
o artigo 2º/1 do CPA, as disposições do CPA são aplicáveis à conduta de
“quaisquer entidades”, independentemente da sua natureza, adotada no
exercício de poderes públicos ou regulada de modo específico por disposições
de direito administrativo. Pois bem, o regulamento é uma dessas condutas
adotadas por uma entidade no exercício de poderes públicos (artigo 2º/1 do
CPA) ou poderes jurídico-administrativos (artigo 135º do CPA). Assim, a lei
considera como regulamentos administrativos as normas de “quaisquer
entidades”, o que inclui, além das entidades e órgãos pertencentes à
Administração em sentido orgânico, as entidades privadas com funções
administrativas (exemplos são os regulamentos de federações desportivas) e as
entidades e órgãos públicos não integrados na Administração Pública (como os
regulamentos de presidentes de tribunais ou do presidente da Assembleia da
República). Em segundo lugar, a definição parece não separar de forma
inequívoca o regulamento, enquanto ato jurídico de produção de normas e que
contém estas normas (regulamento ou ato regulamentar), com as normas
propriamente ditas, as normas regulamentares. Assim, por exemplo o
“Regulamento do Curso da Licenciatura em Direito da FDUC” é um
regulamento ou ato regulamentar que contém normas, como, por exemplo, a
seguinte “os alunos avaliados nos termos do regime de avaliação contínua
devem frequentar as aulas das turmas teóricas, práticas ou teórico-práticas
respetiva (artigo 10º/1)” – uma coisa é, pois, o regulamento, um ato normativo,
de produção de normas jurídicas, e outra coisa são as normas jurídicas que nele
se contêm. Neste ponto, ao manter a tradição de não distinguir os dois planos
na definição que adota, o CPA reclama uma interpretação cautelosa dos seus
preceitos, que se referem a regulamentos com o sentido de indicar, em certos
casos, os atos regulamentares e, noutros casos, normas regulamentares: assim,
por exemplo, a referência a invalidade do regulamento deve considerar.se
reportada à invalidade de normas; mas já quando surge na referência à
habilitação legal (artigo 136º/1 do CPA) ou nas regras sobre o procedimento
(artigo 97º e ss do CPA), o conceito de regulamento reporta-se ao ato
regulamentar. Diferentemente do CPA, a legislação do contencioso
administrativo opera com o conceito de norma, concretamente “normas”
emanadas por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de
direito administrativo (artigo 4º/1/b do ETAF e artigo 2º/2/d) e e) do CPTA) ou
emanadas por quaisquer entidades no exercício de poderes públicos (artigo
4º/1/d do ETAF). Em terceiro lugar, a definição legal reconduz o conceito de
norma regulamentar à produção de efeitos jurídicos externos. Exclui, assim, os
regulamentos internos, os quais produzem efeitos jurídicos nas relações entre
órgãos ou entre órgãos e os agentes de uma pessoa coletiva de direito público.
Esta exclusão da definição não elimina, naturalmente, a figura dos
regulamentos internos, tem apenas o efeito de os excluir do âmbito de
aplicação do CPA. Em quarto lugar, a definição acolhe duas repetições
implícitas. A primeira resulta de se reportar a “normas jurídicas gerais e
abstratas”: as normas jurídicas são, por sua natureza, enunciados com as notas
da generalidade e abstração. Uma segunda repetição da mesma natureza surge
na referência à norma jurídica como um enunciado que visa produzir efeitos
jurídicos. Ora, o enunciado ou prescrição que não produz efeitos jurídicos
(externos ou internos) não é uma norma jurídica. A este respeito, tenha-se
presente o nº4 do artigo 136º do CPA que estabelece o seguinte: “embora não
tenham natureza regulamentar, carecem de lei habilitante quaisquer
comunicações dos órgãos da Administração Pública que enunciem de modo
orientador padrões de conduta na vida em sociedade com, entre outras, as
denominações de “diretivas”, “recomendações”, “instruções”, “código de
conduta” ou “manual de boas práticas”. Ora, a ausência de produção de efeitos
jurídicos exclui estas regulações não vinculativas do conceito de normas
jurídica e não apenas a “natureza regulamentar”.
• Proposta de uma definição: Sem desconsiderar a definição legal e a sua
importância prática – desde logo quanto à delimitação do âmbito de aplicação
das normas do CPA sobre regulamento administrativo – uma proposta de
conceito que abrange um universo mais extenso de normas jurídicas que, ao
Doutor Pedro Costa Gonçalves, afigura deverem ser reconhecidas ao conceito
de normas regulamentares. Assim, é definido o regulamento administrativo
como o ato jurídico unilateral de entidade ou órgão da Administração Pública,
ou de outra entidade, praticada no exercício da função administrativa, que
contém normas jurídicas de hierarquia infralegal, as normas regulamentares
ou administrativas. Analisando a definição de forma mais detalhada:
o Ato jurídico unilateral: O regulamento é um respetivo ato jurídico
unilateral em que se considera o regulamento, o ato regulamentar,
como um ato jurídico normativo, ou seja, como um ato de produção de
normas e que contém normas.
o Provém de uma entidade ou órgão da Administração Pública, ou de
outra entidade: O Regulamento, como ato jurídico de produção de
normas jurídicas, pode provir de órgãos e entidades da Administração
Pública em sentido orgânico (Governo como órgão colegial, membros
do Governo, Assembleias Municipais, Entidades administrativas
independentes), mas também de entidades privadas com funções
administrativas (regulamentos de empresas concessionárias) e de
órgãos não integrados na Administração Pública, mas que exercem
certas funções administrativas (regulamentos dos presidentes de
tribunais no âmbito da organização e gestão de recursos). Em especial, a
emissão de regulamentos depende da atribuição legal a um órgão ou a
uma entidade de “competência regulamentar”, quer dizer, da
competência para utilizar a forma do regulamento e, por conseguinte,
produzir normas jurídicas.
o Praticado no exercício da função administrativa: A emissão de
regulamentos integra-se na função administrativa, no exercício de
poderes jurídico-administrativos, dentro do universo das normas
jurídicas, os regulamentos administrativos distinguem-se, pois, pelo
facto de se reconduzirem ao exercício de uma função da Administração
Pública ou, em qualquer caso, de uma função pública da natureza
administrativa. Fora do conceito de regulamento ficam os atos de
função legislativa (de produção de normas legislativas), os atos
normativos de Direito da União Europeia (regulamentos e diretivas) e
de direito internacional (artigo 8º da CRP), bem como atos normativos
privados (normas privadas como por exemplo, os regulamentos de
condomínio, as normas associativas ou as convenções coletivas de
trabalho). A distinção entre os regulamentos e outros atos normativos
revela-se, em certos casos, muito nítida no plano formal: assim sucede
em face dos atos legislativo, os quais têm de adotar uma forma
prescrita na Constituição (artigo 112º/1), mas a distinção também se
apresenta clara em relação aos atos de direito da União Europeia,
mesmo quando têm o mesmo nome (“regulamentos”) e aos atos de
direito internacional (de origem convencional ou produzidos por
organizações internacionais). Em casos específicos e, em rigor, mais ou
menos marginais, poderá não ter contornos tão claros a distinção entre
regulamentos administrativos e normas privadas. A função
administrativa aqui implicada desenvolve-se por uma via normativa,
através da edição de normas jurídicas: em regra, trata-se de normas que
disciplinam condutas e regulam relações entre a Administração e os
particulares, mas a categoria abrange ainda normas que regulam
apenas a organização e o funcionamento da Administração, bem como
outras que disciplinam relações jurídicas entre meros particulares
(“regulamentos administrativos de direito privado”). A possibilidade de
normas da Administração explica que o poder público normativo (poder
de estipulação de regras de conduta) não pertence apenas ao legislador,
mas cabe também à Administração Pública, no exercício da sua função,
a função administrativa. Viu-se acima que a função administrativa
normativa se distingue da função legislativa no plano formal. Não existe,
porém, um critério geral de distinção material entre norma legislativa e
norma regulamentar, nem a definição de um domínio regulamentar
próprio (“reserva de regulamento”). Neste sentido, não se pode
delimitar em termos materiais em que consiste a função administrativa
normativa. Nos termos constitucionais, há matérias que apenas podem
ser reguladas por lei e outras que têm de ser essencialmente reguladas
por lei. Mas, respeitando esses limites, os regulamentos administrativos
podem versar sobre qualquer matéria. Assim, a afirmação de que os
regulamentos são editados no exercício da função administrativa não
contribui para definir os conteúdos desta função, e assinala antes que
esta função também se desenvolve pela “forma” de edição de normas
jurídicas.
o Que contém normas jurídicas de hierarquia infralegal (normas
regulamentares ou administrativas): Na hierarquia das normas
jurídicas, as normas regulamentares ocupam uma posição infralegal: as
normas regulamentares estão sujeitas ao princípio da legalidade
administrativa, pelo que não podem infringir a lei (princípio da primazia
da lei), e a referida condição também se materializa na exigência de os
regulamentos se terem de reportar a uma lei que autorize a sua
emanação (princípio da precedência de lei). Por outro lado, este
segmente da definição assinala uma nota essencial das normas
regulamentares: o tratar-se de “normas jurídicas”, quer dizer,
regulações de condutas juridicamente impostas em termos “gerais” e
“abstratos”. Em razão do caráter normativo, as normas regulamentares
distinguem-se dos atos administrativos, que não são normas, antes
visam situações individuais e concretas (artigo 148º do CPA). A
categoria da generalidade reconduz ao conceito de norma a prescrições
dirigidas a destinatários não individualizados ou não determinados: uma
prescrição revela-se geral se é estabelecida para um universo de
destinatários que não individualiza, não identifica ou não determina - o
facto de ser possível determinar os destinatários (destinatários
determináveis), como por exemplo por pertencerem a um grupo
definido (moradores de uma rua), não retira o caráter geral à
prescrição. Por seu aldo, a abstração refere-se ao facto de a norma
regulamentar ser a “regra de uma situação” e que pretende regular (a
situação concreta é, pois, definida como categorial abstrata), a norma
jurídica tem a pretensão de vigência e de aplicação repetida, pelo que
não se esgota por força da sua aplicação. Em razão das notas de
abstração e da generalidade, as normas administrativas distinguem-se
dos atos administrativos. Com efeito, o ato administrativo refere-se a
uma situação individual e concreta (artigo 148º do CPA). Há, todavia,
“decisões” da Administração que não seguem o padrão “geral/abstrato”
ou “individual/concreto”, apresentando-se individuais, e abstratas
(exemplo disto é a determinação dirigida a uma empresa para adotar
um procedimento específico sempre que ocorra uma certa situação) ou
concretas e gerais (exemplo é a proibição de colocar resíduos numa rua
num certo dia). Estas situações que se desviam do referido padrão
colocam dificuldades de qualificação, pois, em rigor, não cumprem os
requisitos dos conceitos de norma administrativa, nem de ato
administrativo. Excluindo, em geral, a via de considerar a hipótese de
uma terceira figura, a doutrina tem-se inclinado para reconduzir essas
situações ao ato administrativo, emergindo, assim, as figuras do “ato
administrativo geral” (geral, mas concreto). A justificação doutrinal
clássica para esta qualificação encontra-se no facto de o regime
processual do ato administrativo conferir uma maior proteção aos
administrados de o regime processual das normas administrativas. Uma
vez que, nas situações relevantes, não existe atualmente uma diferença
significativa no plano da tutela processual, talvez se possa reconduzir ao
conceito de ato administrativo apenas as determinações administrativas
gerais (e concretas). As determinações administrativas com caráter
abstratos são, em todos os casos, sejam gerais ou individuais,
reportadas à figura das normas administrativas. Na definição que é
proposta pelo Doutor Costa Gonçalves, as normas regulamentares não
são apenas as que produzem efeitos jurídicos externos. Como normas
jurídicas, as normas regulamentares podem ter efeitos jurídicos
internos, regulando exclusivamente matérias de organização interna ou
relações jurídicas administrativas internas. Apesar de não abrangidas
pela disciplina do CPA, os ditos regulamentos internos não podem, nem
devem ser desconsiderados no plano em que opera: o Direito
Administrativo interno.

Fundamento do poder regulamentar


A importância da atividade regulamentar manifesta-se, quer na organização dos
serviços administrativos (regulamentos orgânicos ou organizativos) e na disciplina do
funcionamento da administração (regulamentos funcionais ou operacionais), quer na
regulação das relações jurídicas entre entes públicos e particulares, entre entes
públicos e entre particulares (regulamentos relacionais). Os regulamentos relacionais
visam preencher o espaço normativo entre a lei a atuação normativa concreta,
abrangendo, em princípio, matérias de menor importância, mais técnicas ou sujeitas a
mutuações mais rápidas, que não devem ocupar o legislador nem constar de diplomas
legais, mas cuja regulação, por razões de segurança e previsibilidade, de igualdade ou
de transparência, não deve ser deixada totalmente ao decisor nos casos concretos. Em
Portugal, não existindo uma reserva constitucional de regulamento e dispondo o
Governo de poderes legislativos normais sobre quaisquer matérias que não sejam
reservadas pela Constituição à Assembleia da República, o espaço regulamentar
estadual é frequentemente ocupado por Decretos-leis, seja porque estes disciplinam
aspetos secundários ou pormenorizados dos regimes jurídicos, seja porque as leis ao
disciplinarem as bases gerais dos regimes, determinam que a respetiva
regulamentação se faça sob a forma de decreto-lei (“decretos-leis regulamentares”).

Classificações dos regulamentos


Os regulamentos administrativos podem ser, quanto ao seu âmbito de aplicação,
gerais, quando regulam relações externas, relativas à generalidade das pessoas,
especiais, quando regulam “relações jurídicas especiais de Direito Administrativo”,
com dimensões internas e externas (antigas “relações especiais de poder”) e sectoriais,
quando regulam um setor de atividade económica ou social. Atualmente, ganham
importância, com vinculatividade jurídica variável, os regulamentos técnicos, muitas
vezes emanados de autoridades, organismos ou agências transacionais, umas públicas,
outras privadas.
Uma das principais classificações é a que, tendo em conta a respetiva eficácia,
distingue entre regulamentos externos e regulamentos internos. As linhas atuais de
distinção devem ter em conta a pluralização subjetiva das administrações públicas,
bem como o desenvolvimento jurídico das relações especiais de Direito Administrativo
(designadamente por força da relevância que nelas hoje se reconhece aos direitos,
liberdades e garantias). Assim:

• Regulamentos externos: São externos os regulamentos aplicáveis a quaisquer


relações intersubjetivas (também às relações inter-administrativas).
• Regulamentos internos: São internos os regulamentos que se limitam a
disciplinar a organização ou funcionamento de uma pessoa coletiva ou de um
órgão, na medida em que não tenham um caráter relacional nem envolvam
dimensões pessoais, bem como os regulamentos operacionais que determinam
auto-vinculações internas (incluindo diretrizes de órgãos superiores) na
interpretação e aplicação das leis, designadamente no exercício de poderes
discricionários.
Os regulamentos especiais contêm, em regra, normas internas, que dizem respeito à
relação orgânica (do trabalhador, do militar, do preso, do internado, do aluno
matriculado), mas devem considerar-se externos na medida em que afetam posições
jurídicas subjetivas de indivíduos envolvidos, enquanto pessoas. Algo semelhante
acontece com os regimentos dos órgãos colegiais, que, sendo em princípio internos,
contêm muitas vezes normas que respeitam a direitos dos membros (sendo, nessa
medida externos). As diferenças entre regulamentos externos e internos revelam-se,
desde logo, quanto ao seu fundamento: a competência regulamentar externa funda-se
em previsão legal expressa; a competência regulamentar interna funda-se num poder
implícito de auto-organização administrativa (que por isso não necessita de previsão
expressa da lei). Há também diferenças de regime: ao contrário do que acontece com
os regulamentos externos, cujo regime está estabelecido no CPA, os regulamentos
internos não são judicialmente impugnáveis, isto é, não podem ser objeto de ação
judicial, nem revelam como padrões jurídicos autónomos de controlo pelo juiz, nem
vale para eles o princípio da inderrogabilidade singular (admitem-se decisões
concretas divergentes da regulação interna anterior, devidamente justificadas). Apesar
disso, os regulamentos internos têm relevância jurídica, designadamente os
regulamentos operacionais, que estabelecem diretrizes auto-vinculativas para o
exercício do poder discricionário: por um lado, são impugnáveis no âmbito da
Administração (designadamente, em recursos hierárquicos ou tutelares); por outro
lado, o seu incumprimento, embora não origine por si a invalidade da decisão
divergente, pode ser sintoma ou indício de arbitrariedade, de violação do princípio da
igualdade ou de mau uso dos poderes discricionários, suscetíveis de invocação perante
o tribunal em quaisquer ações, designadamente, na impugnação de atos, e nas ações
de responsabilidade civil administrativa.

• Regulamentos mediatamente ou indiretamente operativos: Os regulamentos


são, em regra, mediatamente operativos, na medida em que regulam em
abstrato as atuações administrativas, em que os seus efeitos só se produzem
na esfera jurídica dos destinatários através de atos concretos de aplicação,
administrativos ou judiciais.
• Regulamentos imediatamente ou diretamente operativos: Os regulamentos
imediatamente operativos são os que produzem os seus efeitos diretamente na
esfera jurídica dos destinatários, sem necessidade de um ato específico de
aplicação, bastando que a pessoa preencha em concreto os requisitos fixados
abstratamente na norma, sendo que, por exemplo, é o que acontece com os
regulamentos que proíbem (obrigação incondicional de abstenção ou de
renúncia a comportamento) ou impõem (obrigação de comportamento auto
vinculado) condutas específicas a pessoas determinadas ou determináveis, bem
como os que determinam ou modificam um determinado estatuto, ou os que
fixam o custo de um bem ou serviço (tarifas, taxas, propinas). Também são,
assim, regulamentos imediatamente operativos os planos urbanísticos com
“eficácia plurisubjetiva” (planos municipais e planos especiais de ordenamento
do território), na medida em que, além das entidades públicas, vinculam direta
e imediatamente os particulares.
De um ponto de vista dogmático-prático, a distinção principal entre regulamentos
gerais externos é aquela que se refere na sua relação com a lei:

• Regulamentos executivos: Os regulamentos executivos ou de execução de lei,


que são necessários à execução ou, pelo menos à boa execução das leis,
organizam procedimentos, pormenorizam, interpretam ou integram lacunas
(por analogia, no quadro da lei respetiva) de leis específicas. Estes
regulamentos apresentam uma maior proximidade com a lei, tal que devem
indicar expressamente as leis que visam regulamentar, ao abrigo do artigo
136º/2 do CPA.
• Regulamentos complementares: Os regulamentos complementares visam
completar um determinado regime legal, seja desenvolvendo-o, quando a lei se
limite a estabelecer as respetivas bases gerais (regulamentos de
desenvolvimento), seja utilizando o quadro legal para regular situações
especiais não previstas (regulamentos de integração, também ditos “de
utilização de lei” ou “integrativos”). Tal como a classificação de regulamentos
anterior, estes devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar
(artigo 136º/2 da CRP), tendo, por isso, uma maior proximidade com a lei.
• Regulamentos independentes: Os regulamentos independentes que, embora
não dispensem uma norma legal que fixe a respetiva competência (norma
habilitante), não visam executar, complementar ou aplicar uma lei específica
(não têm como objeto uma determinada lei), mas, sim, dinamizar a ordem
jurídica em geral (em regra, um conjunto de leis), disciplinando “inicialmente”
certas relações sociais, seja no exercício de poderes próprios de produção
normativa primária pelas comunidades autoadministradas (regulamentos
autónomos), seja no exercício da competência universal do Governo em
matéria administrativa (regulamentos independentes governamentais), seja
no exercício de poderes normativos genéricos concedidos por lei a autoridades
reguladoras (regulação independente), sendo estas as três modalidades dos
regulamentos independentes. Importa sublinhar ainda que os regulamentos
independentes, em face aos regulamentos de execução e os regulamentos
complementares, têm um maior afastamento para com a lei, já que, ao abrigo
dos artigos 136º/2 do CPA e 112º/7, 2ª parte da CRP, devem apenas
expressamente identificar a lei habilitante que indica a autoridade ou órgão
competente (competência subjetiva) e sobre o que pode incidir o regulamento
(competência objetiva), sendo omissa quanto ao regime jurídico a estabelecer.
• Regulamentos autorizados: Os regulamentos autorizados são aqueles em que
a Administração, com base em habilitação legal expressa, regula matéria que,
em princípio, sobretudo pelo seu caráter inovatório, caberia à lei.
• Regulamentos de substituição (ou delegados): Os regulamentos de
substituição são regulamentos em que a Administração é admitida a atuar em
vez do legislador, modificando, suspendendo ou revogando normas contidas
em diplomas legais.
Admissibilidade constitucional dos regulamentos gerais externos no ordenamento
jurídico português:

• Regulamentos de execução: Integram a categoria dos regulamentos comum ou


típicos e não são seguramente abrangidos e afastados pelo nº5 do artigo 112º
da CRP, apesar de a formulação do preceito constitucional não ser inequívoca
nas referências que faz à proibição de “interpretar” e “integrar”, sendo que no
que respeita aos regulamentos do Governo há uma previsão expressa no artigo
199º/c da CRP.
• Regulamentos complementares: Os regulamentos complementares de
desenvolvimento, embora não sejam proibidos diretamente pelo nº5 do artigo
112º da CRP, não têm entre nós razão de ser, em face da competência
legislativa alargada de que goza o Governo e, especificamente, da figura dos
decretos-leis de desenvolvimento (artigo 198º/1/c da CRP). Por usa vez, os
regulamentos de integração, apesar de aparentemente proibidos pelo artigo
112º/5 da CRP, devem considerar-se admissíveis, desde que expressamente
autorizados por lei, quando se limitem a adaptar o quadro legal a situações
especiais (obviamente, fora da zona da reserva de lei formal), bem como
quando se trate de regulamentos produzidos no quadro de uma autonomia
normativa legalmente reconhecida (por exemplo, a autonima regulamentar das
administrações autónomas ou a autonomia estatutária das universidades), já a
integração tem de fazer-se dentro do “espírito da lei”, de acordo com o
princípio da legalidade (analogia legis).
• Regulamentos independentes: São admissíveis, desde logo, os regulamentos
independentes autónomos, designadamente, os provenientes das autonomias
territoriais (os regulamentos regionais e locais que estão constitucionalmente
garantidos segundo os artigos 227º/d e 241º da CRP) e a sua emissão está
legalmente prevista e atribuída aos órgãos competentes pela lei (Estatutos das
Regiões Autónomas, Lei das Autarquias Locais). Podem também considerar-se
regulamentos autónomos independentes os provenientes das autonomias
profissionais, embora apenas com base em habilitações legais (Lei das
Associações públicas profissionais), e porventura, ao menos em certa medida,
os estatutos universitários (com base na Constituição e na Lei da Autonomia
das Universidades). A Constituição prevê expressamente a existência dos
regulamentos independentes governamentais (artigo 112º/6 da CRP), embora a
doutrina se divida entre os que exigem, também aí, uma lei específica
habilitante que defina a competência objetiva (matéria específica) e subjetiva
(órgão competente) para a sua emissão (artigo 112º/7, 2ª parte da CRP), e os
que admitem genericamente, fora da zona reservada à lei, com base no
disposto no artigo 112º/6 e no artigo 199º/g da CRP (na medida em que estas
normas constituam uma habilitação direta do Governo, enquanto órgão
administrativo competente para a prática de atos normativos). A respetiva
utilidade desta forma de decreto regulamentar, face à de decreto-lei, estará na
insusceptibilidade de sujeição à apreciação parlamentar (artigo 169º da CRP) e
à fiscalização preventiva da constitucionalidade (artigo 278º da CRP). Já é
discutível se devem considerar-se como regulamentos independentes, os
provenientes de autoridades reguladoras, ainda que estas possam ser
consideradas entidades administrativas independentes. Os regulamentos
dessas autoridades, que não constituem administrações autónomas, só
deveriam valer como regulamentos de execução de leis, não bastando uma
referência legal às atribuições da entidade, mas verifica-se que as leis,
designadamente no quadro da privatização de atividades de interesse público
“deslegalizaram” ou “abriram” espaços significativos a favor da regulação
técnica, de modo que tais regulamentos se tornam regulamentos
complementares, quando não se arrogam mesmo o caráter independente.
• Regulamentos autorizados: Os regulamentos autorizados, embora, em geral,
devam considerar-se proibidos, serão admissíveis em casos particulares, tal
como por exemplo, os regulamentos de planos urbanísticos que se podem
considerar como uma espécie de “regulamentos autorizados”, na medida em
que coordenam interesses de diversos níveis (nacionais, regionais e locais,
sejam gerais ou especiais).
• Regulamentos de substituição: Os regulamentos de substituição são hoje
inequivocamente proibidos pelo nº5 do artigo 112º da CRP que, em
homenagem à ideia de reserva de lei formal, não admite, nem a delegação
propriamente dita, nem sequer a deslegalização, mas em contraste, este tipo
de regulamentos é admitido no ordenamento jurídico da União Europeia
(artigo 290º do TFUE).

Procedimento dos regulamentos


Sem prejuízo das leis especiais que regem os procedimentos de formação de diversos
regulamentos a nível local ou sectorial, o CPA estabelece agora regras gerais relativas
ao procedimento regulamentar, prevendo a possibilidade de petição dos interessados
e os requisitos da iniciativa pública, disciplinando a audiência dos interessados e a
consulta pública (artigos 97º a 101º do CPA). É de salientar, como novidade
introduzida em 2015, a obrigação de os regulamentos serem aprovados com base num
projeto, acompanhado de uma nota justificativa fundamentada, que deve incluir uma
ponderação dos custos e benefícios das medidas projetadas (artigo 99º do CPA).
Tratando-se de normas de aplicação geral, impõe-se a publicação dos regulamentos no
Diário da República, dos regulamentos do Governo e das Regiões Autónomas (artigo
119º/1/h da CRP), e em boletim autárquico ou em edital (5 dias, no máximo), dos
regulamentos das autarquias locais (artigo 119º/3 da CRP e artigo 91º da Lei nº
169/99, na versão da Lei nº 5-A/2002). O artigo 139º do CPA, certamente por lapso,
prevê a publicação de todos os regulamentos no Diário da República, devendo a norma
ser objeto de restrição teleológica, em termos de excluir designadamente os
regulamentos das administrações autónomas.
Embora se trate de um aspeto forma, impõe-se a indicação expressa da lei
habilitadora, que o Tribunal Constitucional tem fiscalizado com severidade, seja da lei
que o regulamento vise executar, seja, nos casos dos regulamentos autónomos e
independentes, da lei (ou da norma) que autoriza a respetiva emissão (artigo 112º/7
da CRP e artigo 136º/2 e 3 do CPA), Esta habilitação legal prévia vale também para
quaisquer comunicações dos órgãos da Administração Pública quem ainda que não
constituam regulamentos para efeitos do CPA, estabeleçam padrões de conduta da
vida em sociedade, independentemente da denominação ser “diretiva”,
“recomendação”, “instruções”, “código de conduta” ou “manual de boas práticas”, ao
abrigo do artigo 136º/4 do CPA.
O principal problema em sede de procedimento do regulamento administrativo
coloca-se em saber se a Administração Pública, ao estudar a nova regulamentação a
aplicar, cria um projeto de regulamento (artigo 99º do CPA) e se deverá dar
conhecimento ao público? Sim deve e como?

• Audiência dos interessados (quando possível e só para regulamentos


imediatamente operativos, que afetem diretamente os direitos e interesses
jurídicos dos destinatários), segundo o artigo 100º do CPA.
• Consulta pública (nos procedimentos de massa, é esta a regra geral), em que o
projeto do regulamento é sujeito a consulta pública para recolha de sugestões,
procedendo-se, para o efeito, à sua publicação na 2ª série do Diário da
República ou no sítio da Internet oficial da entidade pública, ao abrigo do artigo
101º do CPA.

Forma do regulamento
Os diplomas do Governo tomam a forma de decretos regulamentares,
necessariamente, quando sejam regulamentos independentes, nos termos do artigo
112º/6 da CRP. Estes podem tomar a forma de resoluções do Conselho de Ministros
(quando estas contenham regulamentos), de portarias genéricas (emanadas por um
ou mais ministérios, mas em nome do governo) e de despachos normativos
(ministeriais). Os regulamentos regionais mais importantes assumem a forma mais
solene de decretos regulamentares regionais (artigo 233º/1 da CRP). Os regulamentos
das autarquias locais não têm forma típica, mas os regulamentos locais de polícia
adotam tradicionalmente a forma de posturas (frequentemente compiladas em
códigos de posturas municipais). Os restantes regulamentos, emanados por entes
institucionais e corporativos (estaduais ou autónomos) não revestem formas solenes
específicas, salvo quanto aos estatutos auto-aprovados (por exemplo, das
universidades e respetivas unidades orgânicas).

Princípios jurídicos relativos à atividade regulamentar externa


A atividade regulamentar está, como é natural, sujeita aos princípios gerais que regem
a atividade administrativa. Desde logo, aos princípios da legalidade: além do primado
da lei (e da Constituição) e da precedência de lei, revestem especial importância em
sede de regulamentos o princípio constitucional da reserva parlamentar e o
consequente imperativo da densidade legal acrescida (determinidade) nas matérias
reservadas ao parlamento, admitem-se, em geral, os regulamentos executivos, mas
são inadmissíveis regulamentos independentes do Governo e só em determinada
medida serão admissíveis regulamentos independentes autónomos (estes últimos
justificados pela harmonização ou concordância prática entre o princípio da reserva de
lei e a garantia das autonomias normativas, por exemplo, das Regiões Autónomas e
das Autarquias locais). Também valem aqui os princípios substanciais da juridicidade,
designadamente os princípios da igualdade (não discriminação) e da
proporcionalidade, que são válidos para todos os regulamentos, incluindo os
regulamentos predominantemente técnicos emanados das autoridades reguladoras.
No entanto, existe um conjunto de regras, proposições e princípios especiais, definidos
pela doutrina e pela jurisprudência, e que agora constam em grande medida do CPA
(artigos 137º a 147º), constituindo um regime normativo próprio dos regulamentos
externos (distinto do regime dos atos legislativos):

• Artigo 137º do CPA: A obrigatoriedade da emissão e a proibição da simples


revogação dos regulamentos executivos que sejam necessários à execução das
leis.
• Artigo 145º do CPA: A caducidade do regulamento como efeito da revogação
da lei que visa executar, salvo na parte ou na medida em que ele seja
compatível com a nova lei e enquanto não houver nova regulamentação.
• Artigo 141º do CPA: A regra da irretroatividade dos regulamentos
desfavoráveis, mas com algumas compreensões naturais, como os
regulamentos de leis retrativas, regulamentos necessários à execução de leis.
• Artigo 142º/2 do CPA: A regra da inderrogabilidade singular, nos termos da
qual os regulamentos (diferentemente do que acontece com as leis, que são
reversíveis) não obrigam só os particulares, mas também a própria
Administração que os elaborou, de modo que nenhuma autoridade
administrativa pode deixar de o cumprir nos casos concretos, enquanto ele se
mantiver em vigor (mesmo que seja autora do regulamento, caso em que terá
de o revogador antes de poder dele divergir). A respetiva regra da
inderrogabilidade singular corresponde à máxima latina “Pati legem quam
fecisti”, isto é, “suporta a lei que fizeste”.
• Admissibilidade excecional da recusa da aplicação por órgãos administrativos
de regulamentos que considerem inconstitucionais, contrários ao direito da
união europeia ou ilegais, mas só em condições especiais (antijuridicidade
manifesta) e por certas autoridades (por ministros ou órgãos superiores da
administração autónoma, designadamente, quando tenham, eles próprios,
competência regulamentar).
• Artigo 147º do CPA: A impugnabilidade administrativa, mediante reclamação
para o autor do regulamento ou recurso para órgão competente para a
respetiva modificação, suspensão, revogação ou declaração de invalidade, ou
para condenação à emissão, em caso de omissão ilegal.
• Artigos 268º/5 da CRP e 73º do CPTA: A impugnabilidade judicial direta,
fundada na ilegalidade, garantida constitucionalmente aos titulares de direitos
ou interesses legalmente protegidos, que opera de forma diferente e
consoante o tipo de regulamento:
o No caso dos regulamentos que sejam imediatamente operativos,
mediante fiscalização abstrata (declaração de ilegalidade com força
obrigatória geral) a qual, no entanto, é limitada, visto que não é
admissível quando esteja em causa apenas a inconstitucionalidade do
regulamento (cujo conhecimento é reservado ao Tribunal
Constitucional, a pedido de entidades competentes para requerer a
fiscalização abstrata de normas jurídicas, nos termos do artigo 281º da
CRP), em que nesses casos admite-se apenas a impugnação e
fiscalização concreta (desaplicação).
o No caso dos regulamentos não imediatamente operativos, suscita-se a
questão da ilegalidade da norma no processo de impugnação do ato
que a aplique.

Relações entre regulamentos administrativos externos


Em geral, valem os princípios da ausência de hierarquia e da igualdade de valor típico
entre regulamentos externos, em que todos têm o valor de regulamento (infralegal e
infraconstitucional), embora haja várias exceções ou compressões desses princípios,
tal como resulta do artigo 138º do CPA. Os diversos regulamentos têm o seu campo de
aplicação específico, eventualmente cumulativo, em conformidade com as atribuições
e competências próprias de cada autoridade, segundo o princípio da atribuição ou
princípio da competência, de modo que não haverá, na maior parte dos casos,
conflitos normativos reais. No entanto, os eventuais conflitos na aplicação de
regulamentos, quando não esteja em causa a mera sucessão de regulamentos, que
origina a precedência do regulamento posterior, mais recente, são resolvidos, em
primeira linha, se for caso disso, pelas regras aplicáveis à relação entre “normas gerais”
e “normas especiais” (preferência de aplicação da “norma especial”, ainda que
anterior), como por exemplo, o conflito entre um plano diretor municipal e um plano
de pormenor.
Não obstante, relativamente aos regulamentos governamentais há uma natural ordem
de prevalência ou preferência aplicativa, segundo o artigo 138º/3 do CPA: Decretos
Regulamentares (pelo seu valor formal reforçado pela promulgação pelo Presidente da
República); Resoluções normativas do Conselho de Ministros (pelo seu valor
substancial reforçado); Portarias normativas; Despachos genéricos.
No que respeita a regulamentos provenientes de órgãos colocados entre si numa
relação de hierarquia ou de superintendência, os regulamentos da autoria dos órgãos
subalternos ou superintendidos não podem contrariar os regulamentos emanados
pelos supervisores ou superintendentes sobre matéria que seja de atribuição e
competência comum. Por sua vez, os regulamentos da autoria dos delegados têm de
respeitar os regulamentos emanados pelo delegante, salvo se a delegação incluir a
competência regulamentar, em que nestes casos, a contrariedade implica a respetiva
invalidade, ao abrigo do artigo 143º/2/a e b do CPA. Já no quadro das autarquias
institucionais e corporativas que disponham de autonomia estatutária, os respetivos
“estatutos” constituem “regulamentos de enquadramento”, uma espécie de
“regulamentos reforçados”, por isso, são inválidos os “regulamentos” e “regimentos”
emanados dos respetivos órgãos que violem os estatutos nos quais se funde a
competência para a respetiva emissão, ao abrigo do artigo 143º/2/c do CPA.
O problema mais complicado é o que envolve os regulamentos das autarquias locais,
por se tratar de pessoas coletivas públicas de fins múltiplos. Nos termos do artigo 241º
da CRP, os regulamentos das autarquias locais devem respeitar os limites da
Constituição, das leis e dos regulamentos emanados das autarquias de grau superior
(isto é, das que têm jurisdição territorial mais ampla) ou das autoridades com poder
tutelar (Governo ou governos regionais). Este preceito não deve, porém, ser
interpretado no sentido de estabelecer uma relação de subordinação abstrata,
hierárquica e automática entre regulamentos, com a consequência da invalidade das
normas subordinadas, à semelhança do que acontece na relação dos regulamentos
com as leis e com as normas constitucionais. É que por um lado, a supremacia há-de
consistir em mera prevalência (preferência aplicativa) dos regulamentos preferidos.
Por outro lado, a prevalência dos regulamentos só é admissível relativamente às
matérias de interesse nacional e na medida em que a lei determine a existência de
tutela normativa do Governo ou dos governos regionais, tutela que não se presume.
Nas matérias de sobreposição de atribuições e competências governamentais
(nacionais ou insulares) com atribuições e competências autárquicas (por exemplo, em
matéria de ambiente e de ordenamento do território), a prevalência deve ser avaliada
em cada tipo de situações, em função das normas de competência, interpretadas no
contexto do sistema constitucional, tendo em conta que os princípio da
subsidiariedade, da autonomia local e da descentralização democrática da
Administração Pública (artigo 6º da CRP) limitam o princípio da prevalência do
interesse nacional, devendo privilegiar-se os princípios da cooperação e de
coordenação de interesses nacionais e locais contra uma conceção “estatista” e
centralizadora da Administração Pública. Assim, se não for possível a aplicação
cumulativa das normas nacionais e autárquicas, o Senhor Doutor Vieira de Andrade
entende que devem valer as normas autárquicas enquanto normas especiais, salvo
se a preferência das normas governamentais se impuser, seja perante a deficiência da
regulamentação local, seja pela necessidade imperiosa de assegurar uma realização do
interesse nacional.
Invalidade dos regulamentos administrativos
Os regulamentos administrativos são inválidos se forem desconformes com a
Constituição, a lei, os princípios gerais de direito ou infrinjam normas de direito
internacional ou de direito da União Europeia, segundo o artigo 143º/1 do CPA. A
ilegalidade ou antijuridicidade por ação com a consequente invalidade do regulamento
administrativo, com regimes diferenciados, conforme os vícios sejam substanciais ou
formais: em princípio é invocável a todo o tempo, mas está sujeita a um prazo e à
oficiosidade a arguição das ilegalidades formais e procedimentais, salvo nos casos de
preterição absoluta de forma legal ou preterição de consulta pública, ao abrigo do
artigo 144º/1 e 2 do CPA (o CPA acolhe aqui uma solução anti-formalista), e a
ilegalidade por omissão, quando a emissão do regulamento seja necessário à execução
da lei.
A tutela judicial efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos
em matéria regulamentar, segundo o artigo 268º/5 da CRP: as ações administrativas
especiais de impugnação de normas ou de declaração de ilegalidade por omissão.
Todavia, deve-se ter ainda em consideração a respetiva declaração judicial de
ilegalidade com força obrigatória geral e a desaplicação concreta de regulamentos
imediatamente operativos.
Os efeitos retroativos, ou “ex tunc”, e repristinatórios da declaração de invalidade com
força obrigatória geral, embora não afete os casos julgados e os atos administrativos
inimpugnáveis favoráveis aos destinatários, ao abrigo do artigo 144º/3 e 4 do CPA. Por
fim, a declaração de ilegalidade por omissão que leva à fixação de prazo para a
respetiva emissão, que não deve ser inferior a 6 meses e que deve ser entendida como
uma condenação.

Jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de regulamentos


administrativos
O rigor formalista no cumprimento da indicação da lei habilitante, segundo Acórdão nº
457/94, de algum modo suavizado por o Tribunal ter, entretanto, admitido que o
artigo 112º/7 da CRP, não impõe que a indicação da lei definidora da competência
conste de um qualquer trecho determinado do regulamento (Acórdão nº 357/99), e
tem considerado suficiente a mera referência à lei habilitante no articulado do
regulamento, ainda que dele não conste a expressa indicação que se pretendia
proceder à regulamentação daquela lei (Acórdão nº 110/95).
O limite constitucional da regulação primária por lei da matéria de direitos, liberdades
e garantias, face a regulamentos policiais (Acórdão nº 83/2001), a regulamentos das
autarquias locais (Acórdãos nº 74/84 e nº 307/88) e a regulamentos autónomos de
Ordens profissionais (Acórdão nº 89/2012). De igual forma, os Acórdãos nº 63/99 e nº
52/2006, têm imposto o limite constitucional da reserva de lei em matéria de impostos
e na definição do regime geral das taxas.
A respetiva reserva de função legislativa e o imperativo de densidade e determinidade
normativa da lei em matéria de fixação de regime sancionatório (de escolas privadas),
implicando a inconstitucionalidade do regulamento que fixou aspetos fundamentais
desse regime, segundo os Acórdãos nº 398/2008 e nº 533/11.

Ato Administrativo

Conceito de ato administrativo


O ato administrativo apresenta-se como o ato jurídico da Administração Pública
tipicamente associado ao exercício da função administrativa de autoridade. Esta
representa a figura clássica do Direito Administrativo e constitui o epicentro das
formas de ação administrativa. Em resultado das notas que o caraterizam e do seu
regime jurídico, o ato administrativo exprime a nota de “autotutela declarativa” que
carateriza o sistema de administração executiva que, aliás, também se pode designar
sistema de administração de ato administrativo: trata-se de uma fórmula que
representa a imagem de um sistema jurídico em que a Administração detém um
poder próprio de adotar medidas que, sem necessidade de recurso aos tribunais,
provocam alterações na esfera jurídica dos destinatários, ainda que contra a vontade
destes. Embora, não exista uma prevalência do ato administrativo sobre as outras
formas de ação administrativa (nomeadamente o contrato administrativo) e se
sublinhe até a vigência de um princípio de alternatividade entre ato e contrato, revela-
se, apesar disso, indiscutível que o ato unilateral conserva um estatuto claramente
dominante na prática da Administração Pública.
O ato administrativo constitui um modo de ação administrativa, de caráter formal, que
corresponde a uma “forma”, isto é, a um modelo definido no ordenamento jurídico e
vinculado a um determinado regime jurídico preestabelecido. O regime jurídico do ato
administrativo projeta-se nos planos procedimental e formal (regulamentação do
procedimento de formação e das exigências formais), substantivo (regime jurídico da
validade e da revisão) e processual (regime jurídico da impugnação). A definição
precisa do conceito do ato administrativo revela-se, assim, essencial para determinar
se um determinado comportamento da Administração se encontra, ou não, sob a
incidência do regime jurídico formatado e preestabelecido para a forma do ato
administrativo.
Nos termos do artigo 148º do CPA consideram-se atos administrativos “as decisões
que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visam produzir efeitos jurídicos
externos numa situação individual e concreta”. Em comparação com o CPA de 1991,
essa noção omite um referencial orgânico, em que segundo esta “as decisões dos
órgãos da Administração Pública” e substitui a referência “ao abrigo de normas de
direito público” pela fórmula “no exercício de poderes jurídico-administrativos” e
acrescenta que são “externos” os efeitos jurídicos produzidos pelo ato administrativo.

• Ato administrativo como ato declarativo: O ato administrativo assenta numa


declaração, num comportamento declarativo ou ação declarativa. Revela-se,
além disso, uma declaração que produz efeitos jurídicos: como ato jurídico, o
ato administrativo “afeta o ordenamento jurídico”, constitui, modifica ou
extingue uma relação jurídica administrativa. Os efeitos jurídicos do ato
projetam-se para o exterior, visando afetar a esfera jurídica de um sujeito
direito do autor (efeitos jurídicos externos). Por não corresponderem a uma
declaração, não constituem atos administrativos as ações ou operações
materiais, como a entrega de um documento ou a realização de uma vistoria.
• Declaração de natureza decisória: O ato administrativo consiste numa
declaração, porém esta é uma declaração que se trata, com efeito, de uma
declaração emitida no exercício de um poder decisório. Isto é, de um poder de
decidir, e que incorpora ou que corresponde a uma decisão ou a uma matéria
decisória, e, assim, poderá envolver, por exemplo, a determinação da produção
de um efeito, a imposição de uma conduta ou a resolução de um assunto. Ao
constituir uma decisão o ato administrativo confronta-se com as noções
seguintes: i) projeto decisão, que nos termos do artigo 122º/2 do CPA, se refere
ao esboço da decisão que assume vir a ser proferida no final do procedimento
e que é enviado pelo responsável pela direção do procedimento aos
interessados para o efeito de estes se pronunciarem em sede de audiência
prévia; ii) proposta de decisão que é conforme o artigo 126º do CPA, em que
esta proposta que, depois da instrução do procedimento, o responsável pela
direção do procedimento encaminha para o órgão competente para decidir; iii)
pré-decisões, que podem ser decisões prévias ou decisões parciais. O elemento
ou caráter decisório permite distinguir o ato administrativo de um conjunto
vasto e heterogéneo de outros atos jurídicos da Administração: atos que, por
não constituírem decisões, não são atos administrativos, tal como sucede com
os atos de verificação ou de certificado, com os pareceres e com os atos de
comunicação. Este caráter decisório do ato administrativo associa-se às notas
de unilateralidade e de autoridade. O ato administrativo é um ato unilateral,
no sentido em que a existência jurídica do mesmo depende exclusivamente do
respetivo autor. Pode suceder que a produção dos seus efeitos (eficácia
jurídica) dependa de uma ação do destinatário (atos administrativos
dependentes de aceitação do destinatário) ou de um outro órgão da
administração (atos administrativos dependentes de aprovação), mas a
existência jurídica do ato administrativo depende apenas da declaração do
autor (ou, porventura, das declarações dos autores). Por força da nota
unilateral, o ato administrativo distingue-se do contrato administrativo, figura
cuja existência jurídica depende de declarações de, pelo menos, duas partes. O
conceito de decisão envolve um caráter inovador: decidir é tomar uma posição,
resolver um caso ou determinar um efeito, mas de forma inovadora, primária
ou inicial. Contudo, em muitas situações da vida, a Administração é provocada
a tomar uma posição sobre assuntos específicos que já decidiu. Nestes casos,
se vier a existir, a segunda pronúncia ou declaração no mesmo sentido de
decisão anterior não constituirá, em sentido próprio, uma decisão, mas antes a
reiteração ou confirmação dessa decisão anterior: tratar-se-á de um ato
confirmativo, o qual, pelo facto de não conter uma decisão, limitando-se a
confirmar a decisão anterior, não é um ato administrativo. Em coerência com
este sentido, o artigo 53º/1 do CPTA estipula que não são impugnáveis atos
confirmativos “entendendo-se como tal os atos que se limitem a reiterar, com
os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos
anteriores”. O nº2 desse preceito estabelece uma exceção a esta regra da não
impugnação de atos confirmativos, nos “casos em que o interessado não tenha
tido o ónus de impugnar o ato confirmado, por não se ter verificado em relação
a este ato qualquer dos factos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 59º”. O sentido
desta exceção compreende-se bem, pois se o interessado não chegou a
conhecer o ato confirmado, por facto imputável à Administração, vai poder
impugnar o ato confirmativo a partir do conhecimento oficial deste. O ato
confirmativo indica o ato de uma mesma autoridade, com o mesmo conteúdo
de um ato precedente (ato confirmado), praticado sobre a mesma situação de
facto, com os mesmos fundamentos de direito e dirigido ao destinatário do ato
confirmado. A condição de ato confirmativo não depende do prazo decorrido
entre a data em que foi praticado e a data da prática do ato confirmado. Assim,
mesmo para além do prazo de dois anos a que se refere o artigo 13º/2 do CPA,
se, no âmbito do seu dever de pronúncia, o órgão competente conclui que não
há razão para alterar o sentido da decisão, poderá confirmar esta, praticando,
pois, um ato confirmativo.
o Atos administrativos sem uma decisão explícita ou expressa: A
declaração em que o ato administrativo consiste é exteriorizada por
formas diversas: escrita, eletrónica, oral ou até gestual, segundo o
artigo 150º do CPA. Não obstante, por vezes, considera-se praticado um
ato administrativo, apesar de não existir um comportamento
declarativo, ou seja, uma declaração da Administração visando a
produção do efeito jurídico. Eis o que sucede com as figuras seguintes,
que concretizam todas, embora de forma diferenciada, a ideia de ato
administrativo ficcionado:
▪ Ato administrativo implícito: Figura que associa a casos em que,
apesar de não existir um procedimento (declarativo)
formalmente autónomo de formação do ato, a Administração
realiza a “operação material” que, em condições normais,
corresponderia à execução do ato administrativo. Verificados
certos requisitos, pode aceitar-se que o ato administrativo,
embora não assente em qualquer declaração, se encontre
implícito na própria operação material de execução. Os dois
requisitos específicos da possibilidade legal do ato
administrativo implícito são os seguintes: o agente que procede
à operação material tem de ser o titular do órgão competente
para a prática do ato administrativo ou atuar, no caso concreto,
sob o comando direto daquele; além disso, a ausência do
procedimento declarativo e a emissão do ato administrativo tem
de encontrar justificação numa situação de estado de
necessidade (artigo 3º/2 do CPA). Exemplo: a demolição de um
muro que ameaça ruína iminente, não procedido de qualquer
decisão administrativa dirigida ao proprietário no sentido de ele
proceder à demolição. Aparentemente, não é esse o cenário
previsto no artigo 177º/2 do CPA. Em termos literais, invoca-se o
estado de necessidade para legitimar situações em que se inicia
o procedimento de execução (demolição de um muro) sem uma
emissão de uma decisão de proceder à execução (decisão de
realizar a operação de demolir um muro), mas não sem a
emissão do ato administrativo exequendo (decisão a impor a
demolição do muro). Contudo, uma vez que nos termos do nº4
do artigo 177º do CPA, a decisão de proceder à execução pode
ser notificada conjuntamente com a notificação do ato
administrativo exequendo, revela-se porventura legítimo
concluir que o estado de necessidade pode justificar a execução
sem a emissão do ato exequendo e da decisão de proceder à
execução.
▪ Ato administrativo concludente: Concludente é um ato
administrativo que, apesar de não existir, se deve considerar
praticado, por constituir um pressuposto lógico e necessário de
um outro ato que a Administração pratica. Por exemplo: a
celebração de um contrato de compra de produtos com a
empresa “X” pressupõe que a Administração praticou um ato
administrativo de adjudicação que incidiu sobre uma proposta
por aquela empresa.
▪ Ato administrativo tácito: Aqui há uma situação de inércia, em
concreto de ausência de uma decisão que, na sequência de um
requerimento dirigido ao órgão competente, este deveria adotar
dentro do prazo legal para decidir (90 dias – artigo 128º/1 do
CPA). Ora, pode suceder que a lei determine que essa ausência
de decisão no prazo legal tem o valor jurídico de uma decisão,
de deferimento ou de indeferimento do pedido formulado no
requerimento. Há, nestes casos, um ato tácito de deferimento
ou de indeferimento, segundo o artigo 130º/1 a 3 do CPA. Em
regra, o facto de a Administração não proferir qualquer decisão
sobre os requerimentos que lhe são dirigidos no prazo legal de
que dispõe para o efeito não tem o valor jurídico de ato
administrativo tácito. A falta de decisão corresponde ao
incumprimento de um dever de decisão, podendo originar
responsabilidade disciplinar (artigo 128º/5 do CPA), bem como
responsabilidade civil, para indemnizar prejuízos, e confere ao
interessado a possibilidade de utilizar os meios de tutela
administrativa e jurisdicional adequados (artigo 129º e ainda
artigos 192º/3 e 198º/4 do CPA, que repetem a ideia para a falta
de decisão em procedimentos de impugnação administrativa).
Mas, em certos casos especiais, a lei ou o regulamento podem
estabelecer que a falta de decisão no prazo legal tem o valor de
deferimento ou de indeferimento. Trata-se de um ato
administrativo tácito, criado por determinação da lei. Apesar de
não ter tomado qualquer decisão, o órgão competente suporta a
imputação dos efeitos jurídicos da decisão, na configuração
prevista na lei. Assim, por exemplo, nos termos do regime
jurídico de acesso e de exercício de diversas atividades de
comércio, serviços e restauração (Decreto-Lei nº 10/2015), o
decurso do prazo legal sem que o município emita a autorização
para a exploração de certos estabelecimentos dá lugar a
deferimento tácito. O ato tácito tem o mesmo valor de um ato
expresso com o mesmo conteúdo, o que significa que a
autorização se considera concedida. Assim, dispõe o nº2 do
artigo 130º do CPA “considera-se que há deferimento tácito se a
notificação do ato não for expedida até ao primeiro dia útil
seguinte ao termo do prazo de decisão”. Suponha-se que um
requerimento a solicitar uma autorização dá entrada no dia 5 e
que a Administração tem 10 dias para decidir. Observando-se as
regras de contagem dos prazos (artigo 87º do CPA), admite-se
que o prazo para decidir terminaria no dia 20. Supõe-se ainda
que o órgão competente tomou a decisão nesse mesmo dia 20.
Ou seja, a Administração decidiu dentro do prazo legal que
dispunha para o efeito. Dir-se-ia não haver ato tácito nesta
situação. Contudo, não é bem assim. Se a notificação da decisão
for expedida dia 21, não há efetivamente ato tácito. Mas se, no
mesmo caso, a notificação não for expedida nesse dia 21, mas
depois da referida data, o particular poderá então invocar a
formação de um ato de indeferimento tácito, pois não notificou
no primeiro dia útil ao termo do respetivo prazo. Tendo em
consideração o disposto no nº2 do artigo 130º do CPA, nos casos
em que a lei estabeleça que a falta de decisão no prazo legal tem
o valor jurídico de deferimento, o particular pode sempre
invocar o deferimento tácito quando seja seguro que a decisão
não foi objeto de notificação no dia seguinte ao termo do prazo.
Nos termos do nº3 deste preceito legal, o prazo legal de
produção de deferimento tácito suspende-se se o procedimento
administrativo estiver parado por motivo imputável ao
interessado e só se interrompe com a notificação de decisão
expressa. Inserido na disposição legal sobre atos tácitos o nº4 do
artigo 130º do CPA estabelece que “quando a prática de um ato
administrativo dependa de autorização prévia ou um ato esteja
sujeito à aprovação de um órgão da Administração Pública ou de
outra entidade no exercício de poderes públicos, prescinde-se da
autorização previa ou da aprovação desde que que o órgão que
as solicitou tenha interpelado o órgão competente para as
emitir”. Ao contrário do que se poderia admitir, não há aqui a
figura do ato tácito. Antes da análise do regime, importa
considerar a previsão legal: tem-se em vista uma situação de
inércia no âmbito de procedimentos interadministrativos,
relacionados com pedidos de autorização prévia ou de
aprovação posterior apresentados por um órgão da
Administração a um outro órgão. A lei regula a situação que
decorre do facto de o órgão de controlo, instado a autorizar ou a
aprovar o ato, não toma qualquer decisão no prazo legal. Ora, a
solução para este problema é a seguinte: prescinde-se da
autorização ou da aprovação, desde que o órgão ativo
interpele o órgão de controlo, competente para autorizar ou
aprovar. O nº5 do artigo 130º do CPA esclarece os termos da
interpolação: deve ser efetuada decorridos 10 dias, a contar do
termo do prazo para a autorização ou aprovação, devendo o
órgão competente, nesse caso, emiti-las no prazo de 20 dias.
Assim, se o órgão de controlo deveria ter autorizado ou
aprovado até ao dia 5, o órgão ativo tem 10 dias, a partir do dia
5, para interpelar o primeiro e caso não o faça nesse prazo, o seu
direito de interpelação caduca. O órgão de controlo tem agora
um novo prazo de 20 dias para decidir sobre o pedido de
autorização ou de aprovação. Se não o fizer, prescinde-se da
exigência de autorização ou de aprovação e o órgão ativo fica
em condições de praticar o ato dependente de autorização ou
em considerar eficaz o ato que dependia de aprovação. Mas não
há aqui qualquer ficção de deferimento da autorização ou da
aprovação (um regime semelhante à falta de parecer obrigatório
e vinculativo: artigo 92º/6 do CPA). É que o ato administrativo
não consiste numa qualquer declaração: é uma declaração que
incorpora ou que corresponde uma decisão, uma medida
decisória e, assim, pode envolver, por exemplo, a
determinação da produção de um efeito, a prescrição de uma
conduta ou a resolução de uma situação.
• Função administrativa e poderes públicos: O ato administrativo é adotado no
exercício e no âmbito de função administrativa enquanto missão de que se
ocupam os sujeitos da Administração Pública. Para a recondução de um ato à
função administrativa revela-se, em princípio, indiferente a inserção formal.
Com efeito, há atos administrativos práticos sob a forma de lei, desde logo sob
a forma de decreto-lei. Eis o que resulta de o Governo acumular a função
administrativa e a função legislativa, o que pode conduzir ao desenvolvimento
da função administrativa mediante as formas de função legislativa: constituem
atos administrativos (na forma legislativa) a adjudicação de uma concessão ou
o reconhecimento do interesse público de uma universidade privada por
decreto-lei. A categoria dos atos administrativos sob a forma de lei tem
cobertura constitucional: o artigo 268º/4 da CRP que consagra a possibilidade
de impugnação de quaisquer atos administrativos independentemente da sua
forma que abrange também os atos administrativos sob a forma regulamentar.
Apesar da forma legislativa, estando em causa um ato administrativo, o mesmo
pode ser submetido à apreciação dos tribunais administrativos, como indica o
artigo 52º/2 do CPTA, com a referência aos atos contidos “em diploma
legislativo ou regulamentar”. A conexão entre ato administrativo e exercício de
função administrativa implica não considerar administrativos quaisquer atos
praticados no âmbito de outras funções do Estado (política, legislativa e
jurisdicional). Porém, podem suscitar-se dúvidas sobre a qualificação correta de
determinados atos de “alta administração”, os quais se localizam, por vezes,
numa zona cinzenta, algures entre a função administrativa e a função política
do governo (ex: decisão de encerramento de um tribunal ou de um hospital).
Embora subentendida da nota da unilateralidade, desta deve autonomizar-se a
dimensão de autoridade, que reflete o facto de a prática do ato administrativo
envolver o exercício de um poder administrativo de decisão e de determinação
de efeitos que se produzem na ordem jurídica e se incrustam na esfera dos
destinatários independentemente do sentido da vontade destes. Os atos
administrativos favoráveis, que desencadeiam efeitos desejados pelos
destinatários, também conhecem esta nota de autoridade, a qual reside no
poder ou competência para praticar o ato, seja qual for a configuração final que
este venha a assumir. Está em causa um ato de autoridade, posto em prática no
exercício de um poder público, o poder administrativo. Neste sentido, não se
confunde a autoridade com a produção de efeitos indesejados: muitas vezes, o
interessado deseja e até solicita a prática do ato, mas é a Administração que
tem autoridade para decidir sobre a pretensão do interessado. Uma projeção
específica da nota de autoridade encontra-se na executividade, quer dizer, no
facto de a determinação contida no ato administrativo estar em condições de
ser executada, dispensado um ato de confirmação ou de validação de um
tribunal. Se a administração determina a um cidadão a adoção de uma certa
conduta, a obrigação incrusta-se logo na esfera do destinatário e a
determinação fica pronta para ser executada quando se verifique que o
destinatário não a acatou. Diferentemente sucede no direito privado, em que
além de não serem frequentes, as decisões unilaterais não comportam o efeito
de executividade, pelo que, em caso de incumprimento, o autor da decisão
(credor) terá de se socorrer do tribunal para obter a sentença (declarativa) de
condenação ao cumprimento.
• Produção de efeitos jurídicos externos: O ato administrativo introduz
alterações no ordenamento jurídico e, em particular, é responsável pela
constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídica administrativa.
Assim sucede quando a autoridade administrativa: pune um cidadão com uma
coima ou um estudante com uma sanção disciplinar, etc. Pode haver atos que
produzem uma lesão na esfera de um cidadão, apesar de não serem praticados
em relação a esse cidadão (critério de lesividade, efeitos externos laterais,
havendo uma questão de dupla natureza). Mas não é apenas o ato
administrativo o ato que produz efeitos jurídicos positivos, de alteração do
ordenamento jurídico. Reconduzem-se ainda ao conceito as decisões
administrativas que produzem efeitos jurídicos negativos, quer dizer, efeitos
que se traduzem na recusa da alteração do ordenamento jurídico
concretamente pretendida pelo interessado. Efeitos negativos são, portanto, os
efeitos dos atos de indeferimento dos pedidos constantes de requerimentos de
particulares. Não se deve confundir os efeitos negativos com a ausência de
efeitos jurídicos: na verdade, o ato administrativo negativo constitui uma
decisão da Administração que resolve uma situação jurídica. Nos termos do
CPTA, a reação contra um ato desta natureza não segue a via de impugnação,
mas antes a da condenação à prática do ato administrativo devido (artigo 51º/4
do CPTA). O ato administrativo produz efeitos jurídicos externos, operando no
âmbito de uma relação intersubjetiva, que ocorre entre sujeitos diferentes: a
entidade pública (ou privada) a que pertence o autor do ato, por um lado, e o
destinatário, que pode ser um particular ou uma entidade pública, por outro
lado. Ocorre aqui a produção de efeitos jurídicos que se projetam para fora da
esfera jurídica da entidade a que pertence o autor, atingindo outra entidade,
que pode, pois, ser uma entidade pública. Se a decisão de um órgão
administrativos produz efeitos que se repercutem na esfera de outros órgãos
administrativos, não há um ato administrativo, precisamente pela ausência de
efeitos jurídicos externos. Os efeitos jurídicos do ato administrativo projetam-
se num objeto, que pode ser uma pessoa (atos administrativos pessoais), uma
coisa (atos administrativos reais), um outro ato administrativo (atos
administrativos secundários), um contrato da Administração ou um contrato
entre particulares. Contudo, muitos atos têm a pretensão de provocar a
produção de efeitos práticos ou de facto (ordem de demolição de uma casa
produz o efeito jurídico de constituir o destinatário na obrigação de proceder à
demolição e tem ainda a pretensão de produzir o efeito de facto consistente na
demolição).
• Situação individual e concreta: O ato administrativo vale para uma situação
individual e concreta, tal como se encontra consagrado no artigo 148º do CPA.
Estas notas permitem distinguir o ato administrativo do regulamento
administrativo, o qual se carateriza precisamente pelo caráter geral e abstrato,
próprio dos atos normativos (artigo 135º do CPA). A referência à situação
individual e concreta evidencia o sentido ou recorte não normativo do ato
administrativo. Este não constitui uma regra ou uma norma para uma situação
aplicável, sempre que esta ocorra. Mas antes, o ato administrativo traduz-se
numa decisão para uma situação única que atinge destinatários determinados
e individualizados. Neste sentido, o ato administrativo é representativo da
forma específica do agir da Administração, enquanto atuação concreta e em
relação com o cidadão, com cada cidadão. Neste contexto, por situação
individual deve entender-se a exigência de o ato administrativo se referir à
situação jurídica de uma pessoa determinada ou de várias pessoas
determinadas. Quer dizer, o caráter individual não reclama que o ato
administrativo se dirija a uma única pessoa, exige, sim, que os seus
destinatários se encontrem determinados e, portanto, individualizados pela
declaração. O caráter individual não deve, porém, afastar-se da figura dos
designados atos administrativos gerais: trata-se de atos concretos, mas que
não atingem um círculo de destinatários individualizados. O artigo 52º/3 do
CPTA refere-se a estes atos, quando estabelece que o não exercício do direito
de impugnar um ato que não individualize os seus destinatários não obsta à
impugnação dos seus atos de execução ou aplicação cujos destinatários sejam
individualmente identificados. Ao conceito devem ainda reconduzir-se os atos
administrativos intransitivos, que não têm destinatário (exemplo: ato de
afetação de um bem ao domínio público). Além de individual, a situação a que
o ato se reporta deve ser concreta: quer dizer, o ato administrativo aplica-se a
uma situação e esgota-se nessa mesma aplicação. O propósito do ato consome-
se na sua aplicação ao caso concreto, não tendo a pretensão, como as normas,
de valer para o futuro e de se aplicar todas as vezes que uma situação ocorrer.
O ato administrativo não assenta numa hipótese ou previsão, mas antes numa
resposta. No entanto, como já foi afirmado, as determinações da
Administração com a natureza abstrata (sejam gerais ou individuais),
reconduzem-se à figura do Regulamento Administrativo.
o Ato administrativo no Direito da União Europeia: O ato administrativo,
como ato de exercício do poder administrativo numa situação concreta
e individual, é também uma categoria do Direito da União Europeia. Os
Tratados não definem, nem aludem expressamente à figura (o qual não
deve confundir-se com a decisão, que nos termos do artigo 288º do
TFUE, pode ter um caráter normativo, como o atesta o facto de poder
não designar os destinatários). Mas a partir de vários preceitos e
também da jurisprudência, é viável definir o ato administrativos da
União Europeia como o ato de exercício de um poder administrativo
praticado por uma instituição ou órgão da União numa situação
concreta dirigido a particulares ou aos Estados-Membros (a autorização
a que se refere o artigo 105º/2 do TFUE, ou a decisão de supressão ou
de modificação de auxílios nos termos do artigo 108º/2 do TFUE).
o Ato administrativo no Direito Constitucional: A figura do ato
administrativo tem acolhimento no texto constitucional, através do
artigo 268º/3, em que se define os aspetos do regime jurídico do ato
administrativo (notificação e fundamentação dos atos que afetam
direitos ou interesses legalmente protegidos). O nº4 do artigo 268º da
CRP, por sua vez, regula aspetos relacionados com a garantia da tutela
jurisdicional efetiva dos particulares em face de atos administrativos
lesivos (impugnação) e devidos (condenação). A referência à figura
neste plano traduz, de uma forma indireta, o reconhecimento
constitucional de um “sistema de administração de ato administrativo”
e que tem o efeito de legitimar o regime jurídico do ato administrativo.
o Questão da “capacidade para a prática de atos administrativos: A
declaração de uma autoridade administrativa é uma condição
necessária do ato administrativo, mas não se revela necessário que essa
autoridade detenha competência para a emissão da declaração, pois o
facto de dispor de competência para proferir a declaração com o
conteúdo respetivo não põe em causa a existência, mas apenas a
validade do ato. Por outro lado, também não se revela necessário que a
lei confira àquela autoridade a capacidade para a prática de atos
administrativos. Sobre esta questão, deve dizer-se que, no direito
português, não se tem discutido o tema da capacidade da
Administração para a prática de atos administrativos e, em particular, o
valor jurídico autónomo do conceito formal de ato administrativo. Ora,
o valor jurídico autónomo do conceito de ato administrativo revela-se
no facto de este, enquanto forma de uma declaração, convocar,
imediatamente, um regime jurídico que, em si mesmo, contribui para
reforçar a posição de supremacia que a Administração Pública já detém
na relação jurídica que o ato disciplina. Eis o que decorre de o ato
administrativo constituir um título executivo e, muitas vezes, estar
dotado de força executória (declaração suscetível de ser imediatamente
executada e, muitas vezes, por meios da própria entidade
administrativa, sem intervenção judicial), bem como de instituir um
ónus de impugnação para o interessado (não havendo impugnação no
prazo legal, em regra de três meses, o ato torna-se inatacável e, ao fim
de um prazo, acabará por se consolidar na ordem jurídica). Em si
mesma, a forma “ato administrativo” acrescenta à autoridade material
intrínseca das declarações o caráter executivo, a força executória, em
que no caso da ordem, por se tratar de ato administrativo, esta pode
ser executada por meios coativos da própria Administração no caso de
não acatamento (artigo 157º/2 do CPA), bem como o ónus de
impugnação. Este tema da capacidade para a prática de atos
administrativos foi, no passado, discutido, sobretudo a propósito da
natureza das declarações, emitidas no exercício de poderes legais, por
contraentes públicos no desenvolvimento de relações contratuais. Hoje,
com o Código dos Contratos Públicos, a dúvida sobre a natureza dessas
declarações, que chegou a existir, encontra-se resolvida, em que, por
um lado, o elenco dos poderes do contraente público (artigo 302º do
CCP) e, por outro lado, a indicação explicita de que essas declarações
revestem natureza de ato administrativo (artigo 307º/2 do CCP). Esta
última norma cumpre, afinal, a função de atribuir aos contraentes
públicos uma capacidade para a prática de atos administrativos. Em
geral, a dúvida sobre se, numa situação específica, a Administração está
autorizada a agir por via do ato administrativo, pode esclarecer-se com
base exclusivamente na determinação da natureza do poder conferido
pela norma de competência. Isto quer dizer, haverá de ser a
interpretação da norma de competência material a conduzir o julgador
à conclusão de que uma certa instância administrativa se encontra, ou
não, investida de um poder próprio para a tomada de uma decisão de
autoridade aplicável a uma dada situação. Se este for o caso, ou seja, s a
lei entregar à Administração um “poder próprio de decisão”, então, as
pronúncias emitidas no exercício desse poder qualificam-se como atos
administrativos, desde que preencham os restantes elementos do
conceito, assim como a capacidade formal para a prática de atos
administrativos afere-se em função da interpretação das normas de
competência material.

Funções do ato administrativo


• Função de concretização e individualização: Está aqui em causa o que a
doutrina alemã tem designado função material ou substantiva, que assinala o
facto de o ato administrativo constituir um meio ou instrumento jurídico de
aplicação da lei e dos seus comandos normativos (enunciados de forma geral e
abstrata) a situações concretas da vida e perante cidadãos determinados. Ao
ato administrativo associa-se, portanto, uma dimensão de “contacto” direto e
imediato dos poderes públicos com os cidadãos e de “regulação” de uma
situação específica da vida real.
• Estabilização de situações jurídicas: Esta função tem uma ressalva para casos
especiais, como demonstram os regimes de revogação e da anulação do ato
administrativo. O ato administrativo tem uma propensão para a estabilidade e
para pôr em marcha efeitos jurídicos definitivos, que manifestam uma especial
“capacidade de resistência”. Esta força de estabilização tem implicações no
plano da eficácia jurídica vinculativa, a qual opera independentemente da
confirmação da legalidade (autotutela declarativa da Administração), ao
remeter para os interesses o “ónus de impugnação” do ato em prazo
relativamente curto (em regra, três meses após a notificação).
• Procedimental: O ato administrativo constitui a decisão formal de conclusão de
um procedimento administrativo. Neste contexto, a qualificação de uma
declaração de uma autoridade da Administração como ato administrativo
mobiliza imediatamente a aplicação de um regime jurídico predefinido com
dimensões formais e procedimentais, mas também materiais (neste caso, o
regime da revogação e da anulação do ato administrativo).
• Titulação: Ao ato administrativo associa-se um caráter de executividade,
conceito que traduz o facto de o mesmo constituir um “título executivo”. Por
esta razão, ao contrário do que sucede em regra no direito privado, a
declaração em que o ato administrativo se concretiza pode fundar diretamente
uma execução sem necessidade de intervenção ou intermediação judicial
declarativa. Quer isto dizer que, uma vez praticado e eficaz, o ato está em
condições de ser executado, no âmbito de um processo (executivo) movido
contra o destinatário (execução coerciva, que nos termos do CPA de 2015, se
processa, em regra, pela via jurisdicional, segundo os artigos 176º/1 e 183º) ou
contra a própria Administração (artigo 157º/3 do CPTA).
• Processual: O ato administrativo constitui também uma categoria processual,
que releva no plano do direito do processo administrativo. Neste domínio,
desempenha a função de circunscrever o âmbito de aplicação de certas formas
de processo, como é o caso da “ação administrativa”, a qual acolhe pedidos de
impugnação e de condenação à prática de atos administrativos. Assim, o ato
administrativo condiciona ou delimita o campo de utilização de mecanismos
específicos de tutela jurisdicional em face à Administração Pública.

Conteúdo do ato administrativo


O ato administrativo visa produzir efeitos jurídicos determinados: nisto consiste o seu
conteúdo, o qual se reporta, portanto, aos efeitos que o ato pretende promover na
ordem jurídica, que conhecem, em regra, uma repercussão na esfera jurídica do
destinatário ou de terceiros. Esses efeitos podem consistir em “autorizar”, “proibir”,
“impor”, “anular” ou ainda “revogar”. Cada ato administrativo tem um conteúdo
principal, isto é, o que o caraterize e distingue como um ato típico, mas pode também
contar com um conteúdo acessório. Surgem aqui as cláusulas acessórias do ato
administrativo, que ao abrigo do artigo 149º do CPA são as seguintes: condição,
termo, modo e reserva.

Procedimento do ato administrativo


Em princípio, a decisão em que se traduz o ato administrativo é adotada no âmbito de
um procedimento administrativo. Este surge, pois, como um ato que integra o
conjunto de atos, de medidas e de diligências que compõem um procedimento
administrativo. Dizer que o ato administrativo é praticado ou nasce num procedimento
significa que há uma série de atos (“com efeitos meramente procedimentais”)
sucessivamente praticados segundo uma certa sequência em vista da “formação” ou
da “produção de efeitos jurídicos” do ato administrativo. O princípio da
procedimentalidade do ato administrativo conhece desvios na figura do ato
administrativo desprocedimentalizado: trata-se de um ato “livre de procedimento”,
que se consubstancia numa decisão que o órgão competente adota na sequência de
um processo decisório puramente interno e psicológico e que, portanto, desconhece
qualquer momento juridicamente autónomo de formação ou de preparação. Exemplos
de escola são as ordens de polícia, adotadas pelas autoridades competentes em reação
direta e imediata à verificação das circunstâncias concretas que as exigem (artigo
175º/2 do CPA). A expulsão do aluno de uma sala de aula e a anulação de uma prova
de exame de um aluno “apanhado a copiar” constituem outros exemplos de aplicação
desta figura. A admissibilidade de atos administrativos sem procedimento depende da
possibilidade legal e, em concreto, do modo como a lei configura a competência e os
termos do respetivo exercício.
Existe uma regra de relação biunívoca entre procedimento de formação de ato
administrativo e ato administrativo: cada ato administrativo tem o “seu”
procedimento e cada procedimento (de formação de ato administrativo) conta com o
“seu” ato administrativo. Isto sucede mesmo quando um determinado resultado
jurídico que se pretende alcançar se produz no âmbito de dois ou mais procedimentos
administrativos que se interligam: assim, para a abertura de certas instalações
industriais é necessária uma autorização industrial, uma licença ambiental e uma
licença urbanística. Nestes casos, sucedem-se e interligam-se e para a produção de um
resultado determinado, vários procedimentos, cada um com a sua decisão:
encadeamento de procedimentos administrativos. Numa compreensão unitária deste
fenómeno, utilizam-se por vezes os conceitos de procedimento complexo (Artigo 77º/3
do CPA) ou de operação procedimental complexa, para captar o momento de unidade
que interliga os vários procedimentos que se sucedem no tempo (encadeamento ou
sucessão de procedimentos). Considerando o exemplo acima, os conceitos apresenta-
se adequados para referenciar, por exemplo, “o procedimento de instalação da
indústria X ou Y”. Neste contexto, a referência ao procedimento não significa
necessariamente que se esteja em face de um procedimento simples, no qual se
pratique apenas um ato administrativo.
O procedimento de formação de atos administrativos apresenta naturalmente uma
configuração muito variada, em função, sobretudo, do tipo de ato administrativo a
praticar: o procedimento disciplinar, que pode conduzir à aplicação de uma sanção
disciplinar, conhece uma fisionomia específica e é, além disso, composto por atos e
medidas que o distinguem certamente do procedimento para a atribuição de um
subsídio, para a concessão do uso de um bem público ou para a revogação de uma
ordem previamente imposta. Tendo isto em consideração, o que se apresenta é
chamar a atenção para determinados “momentos” que, tendencialmente, se
encontram presentes em todos os procedimentos de formação de atos
administrativos, e o conteúdo de cada uma dessas fases apresenta-se muito variado,
mas, como se disse, tendencialmente, trata-se de fases que existem em todos os
procedimentos. Especificamente sobre o procedimento de formação do ato
administrativo no CPA: artigos 102º a 133º.
• Iniciativa: A iniciativa do procedimento de formação do ato administrativo é,
na maior parte dos casos, particular (interessado em obter uma decisão da
Administração) ou oficiosa (da mesma instância da Administração que vai
proferir a decisão), mas há ainda situações de hétero-iniciativa pública (de
instância da Administração diferente da que vai proferir a decisão).
o Iniciativa particular: Os procedimentos de iniciativa particular visam a
produção de efeitos jurídicos favoráveis ou ampliativos para o
requerente e têm por objeto interesses pretensivos. O particular que
promove o procedimento procura, através deste, obter uma vantagem
na sua esfera jurídica. Pode, contudo, suceder que a produção da
situação de vantagem se associe à produção de um efeito desfavorável
para um terceiro (exemplo: empresa que requer a aplicação de sanções
para empresa concorrente). Em casos especiais, a lei pode mesmo
dissociar a iniciativa procedimental da produção de uma vantagem para
a esfera jurídico do requerente (exemplo: procedimentos destinados à
resolução administrativa de litígios, em que o requerente se dirige ao
órgão administrativo competente para que este resolva um conflito
entre o requerente e um terceiro, como sucede na competência de
resolução de litígios da ANACOM). A apresentação do requerimento
implica sempre, para o órgão que o recebe, uma obrigação de proceder.
O requerimento está na génese de uma relação jurídica procedimental:
àquela obrigação do órgão administrativo contrapõe-se o direito do
requerente a uma pronúncia ou resposta. A obrigação de proceder
decorre do órgão que recebe o requerimento estar adstrito a
desenvolver uma atividade procedimental, de verificação do
preenchimento dos pressupostos procedimentais, que pode tratar-se de
pressupostos de caráter subjetivo (competência do órgão, legitimidade
do requerente) ou objetivo (existência e inteligibilidade do
requerimento). Se estes pressupostos não estão preenchidos, diz-se que
existem “questões que prejudiquem o desenvolvimento normal do
procedimento”, como afirma o artigo 109º do CPA. O órgão deve,
então, tomar uma decisão que consistirá, em regra, em pôr termo ao
procedimento por falta de pressupostos procedimentais (decisão de
arquivamento do procedimento). No caso do artigo 108º/3 do CPA, há
lugar ao “indeferimento liminar do requerimento” não identificado ou
cujo pedido seja ininteligível. Atente-se, porém, ao disposto do artigo
41º do CPA relativamente à hipótese de “apresentação do
requerimento a órgão incompetente”: remessa oficiosa do
requerimento para o órgão competente, disso se notificando o
particular. Não deve confundir-se a obrigação de proceder com a
obrigação de decidir: a primeiro decorre imediatamente da entrada do
requerimento na Administração; por seu lado, a obrigação de decidir
traduz-se na obrigação de proferir uma decisão sobre o requerimento
apresentado e reclama a verificação dos pressupostos procedimentais.
Portanto, num procedimento em que se requer uma autorização, a
obrigação de decidir consiste na obrigação de proferir uma decisão de
deferimento ou de indeferimento do pedido de autorização. A
obrigação de decidir corresponde, portanto, à obrigação de praticar um
ato administrativo. Aqui há um ato administrativo devido, quer dizer,
um ato administrativo que a Administração tem o dever de praticar
dentro de um certo prazo, que em regra o prazo para o cumprimento
da obrigação de decisão é de 90 dias, como resulta do artigo 128º/1 do
CPA. Quando previsto na lei como ato de iniciativa, o requerimento é
um pressuposto procedimental e sem ele, o procedimento não pode ter
início e a decisão que a Administração venha a tomar é ilegal. Por
exemplo, diferentemente, nos termos do Código das Expropriações, a
requisição de imóveis de entidades privadas que, em caso de urgente
necessidade, sejam necessários a realização de atividades de manifesto
interesse público é determinada mediante portaria de membro do
Governo, oficiosamente ou a solicitação de instituições públicas ou
instituições particulares de interesse público. Ora, relativamente à
legitimidade procedimental do requerente importa recordar o círculo
de titulares do “direito de iniciativa procedimental” e, portanto,
responder à questão de saber quem pode iniciar um procedimento
administrativo, de acordo com o artigo 68º do CPA. Este pressuposto de
legitimidade procedimental do requerente assume-se fundamental para
se apurar a presença de um requerimento no sentido específico de ato
de iniciativa que constitui o órgão administrativo na obrigação de
decidir. Neste contexto, existe uma associação entre requerimento e
ato administrativo, surgindo o requerimento como o ato jurídico em
que o autor requer a produção de um efeito que a Administração irá
produzir mediante a prática de um ato administrativo (como sucede no
caso de requerimento de uma autorização, concessão, da atribuição de
uma bolsa de estudo, etc). Por falta de legitimidade procedimental do
autor, não é requerimento o ato pelo qual um cidadão apresenta uma
“participação”, uma chamada “denúncia” ou uma “queixa”, com o
objetivo de levar a Administração a exercer uma competência. Estes
não constituem atos de iniciativa procedimental, mas antes atos pré-
procedimentais, que levam à Administração o conhecimento de factos e
situações que podem conduzi-la a iniciar um procedimento de iniciativa
oficiosa. A associação entre requerimento e ato administrativo reclama
que se distinga o requerimento enquanto ato de iniciativa
procedimental que constitui a Administração na obrigação de decidir do
ato pelo qual o particular “requer” a passagem de uma certidão (artigo
83º/3 do CPA) ou requer certas diligências de prova (Artigo 116º/3 do
CPA): estes requerimentos não são atos de iniciativa procedimental,
nem estão na origem de qualquer obrigação de decidir. Por outro lado,
deve notar-se que existem atos de iniciativa procedimental dos
particulares a que a lei não atribui a designação de requerimento: eis o
que sucede com a “notificação prévia de uma operação de
concentração de empresas” (Lei da Concorrência) ou com a
“comunicação prévia com prazo” necessária para a exploração de certos
estabelecimentos industriais (Lei do Sistema da Indústria Responsável).
Em ambos os casos, apesar de a lei lhes atribuir outro nome, trata-se de
atos de iniciativa procedimental, que constituem a Administração na
obrigação de proferir uma decisão. Por fim, observe-se que o
requerimento é o nome que o CPA atribui aos atos de iniciativa
particular nos procedimentos administrativos de 1º grau.
Diferentemente, nos procedimentos de 2º grau, que visam a
impugnação administrativa de uma decisão da Administração, o ato de
iniciativa particular designa-se reclamação (se a impugnação se dirigir
ao autor da decisão) ou recurso (se a impugnação se dirige ao superior
hierárquico do autor do ato (recurso hierárquico) ou ao órgão colegial
de que este seja membro, ao delegante ou subdelegante ou ao órgão
com poderes de supervisão, tutela ou de superintendência sobre o
autor do ato (recursos administrativos especiais)).
o Iniciativa oficiosa: Os procedimentos desencadeados pela instância
administrativa competente para a prática do ato administrativo e que
vai concluir o procedimento designam-se de procedimentos de iniciativa
oficiosa. Exemplos: promoção de procedimentos de embargo e de
demolição de obras ilegais ou procedimento de requisição de salas e
recintos necessários para a realização de ações de campanha eleitoral,
iniciados e concluídos pelo Presidente da Câmara Municipal. Aos
procedimentos de iniciativa oficiosa reconduzem-se ainda os
procedimentos que, por força de um esquema legal de separação
hierárquica de competências, são iniciados por um órgão e concluídos
por outro órgão. Embora a descoincidência entre “órgão de iniciativa” e
“órgão decisor” pareça apontar para um caso de hétero-iniciativa, deve,
contudo, reconduzir-se ao tipo de iniciativa oficiosa o procedimento em
que um órgão com competência de iniciativa põe em marcha um
procedimento administrativo que vai ser concluído e decidido por um
outro órgão, mas numa “lógica de continuidade” ou de unidade
procedimental e não de “alteridade”: os dois órgãos envolvidos estão
numa relação sequencial (um inicia e outro completa o procedimento).
Esta situação verifica-se com o procedimento disciplinar dos
trabalhadores em funções públicas. O facto de poder não haver
coincidência entre órgão de iniciativa e o órgão decisor não exclui a
qualificação do procedimento disciplinar como procedimento de
iniciativa oficiosa. Ao contrário do que sucede nos casos de hétero-
iniciativa, nos procedimentos de iniciativa oficiosa não existe sempre
um explícito ato de iniciativa, quer dizer, este não se revela sempre
como um ato formalmente autónomo e, portanto, identificável. Quando
este é o caso, o ato de iniciativa há de revelar-se através de um ato
posterior, como, por exemplo, o ato de comunicação do início oficioso
do procedimento a que se refere o nº1 do artigo 110º do CPA, devendo
considerar-se o nº3 do referido preceito legal. Quanto tenha
autonomia, põe-se a questão de saber se o ato de iniciativa oficiosa do
procedimento corresponde, em si mesmo, a um ato administrativo. Em
geral, a resposta é negativa: o ato de promoção do procedimento
constitui um ato procedimental com eficácia jurídica interna. Mas, em
certos casos, o ato de promoção do procedimento pode produzir
imediatamente uma eficácia jurídica externa, qualificando-se então
como ato administrativo (suscetível de impugnação judicial), devendo-
se ter em consideração o artigo 51º/1 do CPTA. Uma vez que a iniciativa
é oficiosa, pertence à Administração a decisão sobre a promoção do
procedimento. Em primeiro lugar, para esclarecer que a Administração
pode não dispor de uma liberdade para decidir entre iniciar ou não
iniciar um procedimento. Há procedimentos cuja iniciativa repoisa
numa decisão livre da Administração (instauração de um procedimento
para a atribuição de uma condecoração a um cidadão ilustre). Noutros
casos, porém, a iniciativa oficiosa do procedimento pode associar-se à
verificação, em concreto, de pressupostos legais da ação administrativa.
Em geral, a determinação do início do procedimento poderá resultar de
uma “vinculação legal estrita” ou de um “juízo discricionário” da
Administração: princípio da legalidade vs princípio da oportunidade da
iniciativa oficiosa. A regra é a da oportunidade, mas por força da lei, de
regulamento ou de contrato administrativo, a Administração pode
encontrar-se obrigada a iniciar um procedimento ou a praticar um ato
administrativo (que exige iniciar um procedimento) por sua iniciativa,
sem o requerimento do interessado nesse sentido. Em segundo lugar,
importa notar que, em geral, o procedimento de iniciativa oficiosa não
exclui a consideração de eventuais particulares titulares de um interesse
no início do procedimento. Deste ponto de vista, deve-se distinguir
entre os titulares de um “interesse de facto” e os titulares de um
“interesse juridicamente protegido”. Os primeiros podem denunciar,
participar e até solicitar a instauração do procedimento, mas a
Administração não fica, por força disso, obrigada a promover o
procedimento, como sucede nos casos em que a lei imponha à
Administração o dever de comunicar ao participante, denunciante ou
queixoso a sua decisão sobre a participação, denúncia ou queixa (artigo
13º/1 do CPA). Estes atos de participação, de denúncia ou de queixa
não constituem atos de iniciativa procedimental. A situação revela-se
outra quando o particular tenham um interesse juridicamente protegido
no âmbito da decisão a tomar ou que possa vir a ser tomada no
procedimento de iniciativa oficiosa. Agora, por ser titular de um
interesse juridicamente protegido, o particular tem “legitimidade
procedimental” para iniciar o procedimento administrativo de
demolição da obra ilegal e pode apresentar o requerimento com esse
objetivo. Assim, por força da legitimidade da iniciativa particular, um
procedimento que em geral se apresenta como de iniciativa oficiosa vê-
se convertido num procedimento de hétero-iniciativa. Quer dizer, o
particular inicia o procedimento, com a apresentação do requerimento,
e a Administração deve continuá-lo, bem como tomar a decisão final
(obrigação de decidir), em que estes casos se verificam na legitimidade
procedimental para a proteção de interesses difusos. Nos
procedimentos de iniciativa oficiosa coloca-se ainda a questão de saber
se em que termos se pode aceitar a existência de uma obrigação de
decidir, ou seja, de proferir uma decisão que conclua o procedimento.
Não existe uma resposta com uma validade geral, mas em relação aos
procedimentos cujo início oficioso foi comunicado, parece de exigir a
tomada de uma decisão de conclusão do procedimento, mesmo que se
trate de uma decisão de desistência ou de arquivamento do
procedimento. Para além disso, em outros casos, o início do
procedimento pode suscitar nos particulares uma “expetativa legítima”
no sentido da conclusão do mesmo através de uma decisão substantiva
ou de fundo: não será fácil obter a condenação da Administração a
adotar a decisão favorável a que o procedimento poderia conduzir, mas
pode suceder que a lei imponha esse resultado (transformado em
devido o ato administrativo a praticar neste âmbito do procedimento de
iniciativa oficiosa), o que a tomada de uma decisão com um certo
conteúdo decorra de uma exigência de proteção dos direitos do
particular. Note-se que pode suceder que os particulares tenham
assumido custos em consequência da abertura do procedimento e para
nele participar. Ora, ainda que se entenda que, mesmo nesses casos, a
Administração pode, em certas circunstâncias, ordenar o arquivamento,
renunciar ou desistir do procedimento, esta deve não só tomar uma
decisão expressa nesse sentido, como assumir o dever de indemnizar os
lesados. Por fim, pode admitir-se a inexistência de um dever de
conclusão do procedimento, quando este se tenha iniciado, mas não
tenha ultrapassado uma dimensão puramente interna.
o Iniciativa Pública não oficioso: Além da iniciativa particular e oficiosa,
há ainda a iniciativa pública, categoria própria dos procedimentos que
se desenrolam nas relações interadministrativas, ou seja, entre
entidades públicas ou entre órgãos administrativos. Consoante os casos,
os atos públicos de iniciativa procedimental de iniciativa designam-se de
pedidos ou propostas. Os pedidos (pedido de uma autorização ou de
aprovação de um órgão a outro) constituem meros atos de iniciativa,
que manifestam um interesse do órgão solicitante em que outro órgão
pratique um ato administrativo. A apresentação de um pedido implica
uma obrigação de decidir: nos termos da lei, a ausência de decisão
sobre o pedido no prazo estabelecido tem os efeitos previstos no artigo
130º/4 do CPA, e apesar da epígrafe do artigo 130º do CPA (ato tácito),
não parece que surja neste caso um ato tácito, uma vez que a ausência
de decisão (após a interpelação) apenas conduz a que se prescinda da
autorização ou aprovação pedidas. As propostas são atos de iniciativa
em que o órgão proponente se pronuncia sobre o conteúdo do ato
administrativo a praticar. As propostas dizem-se facultativas, quando a
existência das mesmas não é necessário para que o órgão decisor
exerça a competência em questão e adote a decisão proposta.
Diferentemente, as propostas obrigatórias são as que se apresentam
necessárias para que o órgão decisor exerça a competência em questão
e adote a decisão proposta (como sucede quando a lei estabelece que
uma certa competência de um órgão se exerce sob proposta de outro
órgão). As propostas obrigatórias são vinculantes, quando o órgão
decisor, além de não poder decidir sem a proposta, também não pode
decidir com alterações ao conteúdo da mesma, restando-lhe, então,
decidir em conformidade ou rejeitar a proposta. Se a lei nada
estabelecer, parece dever entender-se que as propostas obrigatórias
não são vinculantes, pelo que o órgão decisor pode decidir em
conformidade, rejeitar a proposta ou adotar uma decisão com conteúdo
diferente da proposta. Regra geral, as propostas constituem atos finais
de um procedimento que se desenvolve no interior do órgão
administrativo com poderes de impulso. Na verdade, a proposta
pressupõe um trabalho efetuado em vista na determinação do
conteúdo do ato administrativo que o órgão proponente pretende ver
praticado. Com alguma frequência, os procedimentos de iniciativa
pública surgem como um desenvolvimento de outros procedimentos
administrativos, como por exemplo no procedimento de autorização de
instalações industriais (iniciativa particular), é a entidade a quem a
autorização é requerida que tem o dever de pedir autorizações e
aprovações a outras entidades que se revelem necessárias. Surge aqui a
hipótese de encadeamento de procedimentos administrativo.
• Instrução: A instrução (artigos 115º a 121º do CPA) é a fase do procedimento
destinada à aquisição e verificação de factos e situações (pressupostos do ato
administrativo) e à avaliação e ponderação dos interesses coenvolvidos ou
implicados no ato a praticar. Assim, se o particular requereu a autorização para
a abertura de uma indústria, o trabalho de instrução do procedimento visa
colocar a Administração na posso do conhecimento necessário para proferir
uma decisão sobre o requerimento, o que implica uma tarefa de verificação do
preenchimento dos requisitos legais para a concessão da autorização e, em
certos casos, de ponderação do interesse do particular em obter a autorização
em face dos interesses de outros particulares (como os moradores do local
para o qual se prevê a instalação) e de interesses públicos envolvidos. A
competência para a direção da instrução cabe ao órgão competente para a
decisão, segundo o artigo 55º/1 do CPA. Todavia, a lei obriga esse órgão a, em
regra, delegar essa competência no responsável pela direção do procedimento.
A instrução é uma fase procedimental caraterizada pela variedade dos atos ou
diligências a realizar e dos atores que intervêm (interessados, entidades
públicas). Podemos, assim, percecionar em muitos procedimentos duas
categorias de diligências: probatórias e consultivas. Além disso, a instrução
assume-se como o momento procedimental de realização do valor
constitucional da participação dos interessados na formação das decisões que
lhes dizem respeito. Diz-se, por vezes, que a Administração tem o senhorio ou o
domínio do procedimento, tratando-se de uma formulação com uma
repercussão direta na fase da instrução, e exprime um princípio de oficialidade
ou de inquisitório quanto ao desenvolvimento da tramitação procedimental
nesta fase (artigo 58º do CPA relativamente ao princípio do inquisitório).
Compreende-se que a responsabilidade pela instrução caiba à Administração,
posto que é esta que tem a incumbência de tomar a decisão final do
procedimento e de o fazer em conformidade com o direito e a lei.
Relativamente ao princípio da oficialidade como critério para a delimitação das
diligências a realizar, é o corolário da ideia segundo a qual cabe à
Administração a responsabilidade de se colocar em posição de decidir bem e de
acordo com o direito. Assim, como inscrito no artigo 58º do CPA, os órgãos
administrativos “podem” proceder às “diligências que considerem
convenientes” para a instrução. A lei acolhe, pois, um cânone de
discricionariedade procedimental, conferindo à Administração um poder
jurídico de definição das diligências a realizar. Mas como sucede em geral com
a discricionariedade administrativa, a discricionariedade procedimental não
constitui um poder livre do direito, o que significa que se compreende o
disposto no artigo 115º/1 do CPA, onde se estabelece que o órgão competente
“deve” averiguar “todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a
justa (e rápida) decisão do procedimento”. A lei indica que a Administração tem
um dever de instrução, em que deve averiguar a verdade material. A decisão
final pode ver-se inquinada por défice da instrução sempre que a
Administração não cuida de realizar todas as diligências que se tornam
necessárias para verificar a exatidão de factos e aplicar corretamente o direito.
O dever de averiguação de todos os factos relevantes em cada caso é, em
princípio, inconciliável com uma prévia e genérica definição taxativa dos factos
a considerar ou a ponderar num determinado tipo de procedimento (no
procedimento para certificar a idoneidade profissional de uma pessoa, a
Administração não pode fixar antecipadamente de uma forma definitiva os
elementos de prova a apresentar pelos interessados), devendo-se ter em conta
o Acórdão do STA de 25/02/2005.
o Diligências probatórias: A instrução abrange as diligências destinadas a
provar factos. O CPA atribui à Administração o dever de averiguar todos
os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida
decisão do procedimento. Todavia, esse dever da Administração
articula-se com o ónus de prova que o artigo 116º do CPA atribui aos
interessados. Este ónus de prova constitui uma expressão particular do
dever geral de cooperação “com vista à fixação rigorosa dos
pressupostos da decisão e à obtenção de decisões legais e justas”,
inscrito no artigo 60º/1 do CPA. Pode aliás haver situações em que o
interessado tem o designado monopólio da prova, na medida em que só
ele esteja em condições de provar factos com interesse para a decisão.
Quando assim suceda e, em geral, quando a Administração enfrenta
grandes dificuldades na obtenção de prova, o dever de colaboração do
interessado assume um peso ainda mais preponderante. Veja-se, neste
sentido, o artigo 117º/1 do CPA, que autoriza o órgão instrutor a
determinar aos interessados a prestação de informações, a
apresentação de documentos ou coisas, a sujeitar-se a inspeções e a
colaborar noutros meios de prova. Sobre a falta de prestação de provas,
o artigo 119º do CPA determina que o incumprimento (ilegítimo) da
notificação para a apresentação de provas ou prestação de informações
“é livremente apreciada para efeitos de prova, consoante o caso”,
embora não dispense o órgão administrativo de procurar averiguar os
factos. Porém, acrescenta o nº3 do mesmo preceito, quando as
informações, documentos ou atos solicitados ao interessado “sejam
necessários à apreciação do pedido por ele formulado, não deve ser
dado seguimento ao procedimento, disso se notificando o particular”
(da decisão de arquivamento). Ao conceito de diligências probatórias
reconduzem-se todas as diligências e atos que permitem à
Administração adquirir ciência sobre a matéria em causa: aqui se
integram os exames, as vistorias, visitas ao local, as avaliações,
verificações técnicas, relatórios periciais e outros atos análogos.
o Diligências consultivas e de promoção de pronúncias de outras
entidades: Além das diligências probatórias, destinadas a atestar a
exatidão de factos ou de situações, a instrução do procedimento conta
também com uma fase de consulta e de diálogo entre vários
organismos da Administração. Inúmeras decisões administrativas
convocam saberes que se encontram dispersos por vários setores da
Administração: suponha-se a instalação de uma indústria pode exigir
uma pronúncia sobre o impacto ambiental, outra sobre o risco de
acidentes graves, outra sobre a libertação de gases com efeito de
estufa. A isto acresce a pronúncia sobre a localização ou sobre o
cumprimento das regras de ordenamento do território e de urbanismo.
Ora, em situações destas, o órgão principal pode ter a incumbência de
coordenação do procedimento, funcionando como um “balcão único”
ou “ponto de contacto” do interessado e encarregando-se de acionar os
mecanismos de consulta de relacionamento interadministrativo. Pode
surgir um procedimento administrativo complexo ou simples, consoante
as pronúncias dos organismos instados pelo órgão principal se
qualificam como atos ou decisões administrativas ou antes como atos
jurídicos sem caráter decisório. Em termos funcionais, a distinção
compreende-se à luz de uma opção legislativa entre “repartir” o poder
de decisão por várias instâncias administrativas (procedimento
complexo) ou concentrar o poder de decisão num órgão, embora
impondo-lhe o dever de consultar outros órgãos e, claro, de ponderar as
pronúncias destes na sua decisão (procedimento simples). Neste
sentido, a fase da instrução do procedimento do ato administrativo
pode ser um momento de promoção de novos procedimentos (pedidos
de aprovação, de autorização por parte de outros órgãos decisores) ou,
pelo contrário, de recolha de opiniões e de juízos de outros órgãos
(órgãos consultivos) que o órgão principal terá de considerar na sua
decisão. Uma figura jurídica especialmente relevante no âmbito da
instrução de um procedimento simples é o parecer. O parecer pode
definir-se como o ato jurídico pelo qual um órgão administrativo com
funções consultivas se pronuncia, num plano técnico, jurídico ou de
boa administração, sobre uma decisão em preparação, tendo
subjacente um juízo opinativo ou crítico, não conhecendo um caráter
decisório. Nos termos do artigo 91º/1 do CPA, os pareceres podem ser
obrigatórios ou facultativos “consoante sejam ou não exigidos por lei”.
Este critério de distinção não se revela compreensível: deve, pois,
entender-se que o parecer é facultativo ou obrigatório consoante o
órgão instrutor do procedimento “possa” ou “deva” solicitá-lo ao órgão
consultivo. Se o parecer obrigatório não for solicitado, o ato
administrativo padecerá de um vício relativo ao procedimento.
Contudo, o facto de o parecer se ordenar como facultativo não lhe
retira relevo jurídico, pois uma vez emitido o órgão decisor tem o dever
específico de fundamentar a decisão na parte em que a mesma venha
eventualmente a contrariar o parecer. Deste ponto de vista não existe
nenhuma diferença entre o parecer facultativo e o parecer obrigatório.
Os pareceres obrigatórios qualificam-se como vinculativos ou não
vinculativos, “conforme as respetivas conclusões tenham ou não de ser
seguidas pelo órgão competente para a decisão”. Se, nos termos da lei,
o parecer é vinculativo, o órgão consultivo acaba por determinar o
sentido da decisão, degradando-se assim a posição do órgão decisor,
que, na prática, se limita a desenvolver uma atividade de exteriorização
de uma decisão com conteúdo preestabelecido. Os pareceres
(totalmente) vinculativos constituem uma raridade. Todavia, um caso já
relativamente frequente consiste em a lei exigir que uma decisão
(exemplo: decisão de autorização) “só pode ser” adotada se tiver apoio
num parecer: agora, o parecer revela-se vinculativo, se for negativo ou
desfavorável à autorização, mas já não vinculativo se for positivo ou
favorável à concessão da autorização. Estes pareceres, cuja
vinculatividade depende do sentido das respetivas conclusões, dizem-se
pareceres conformes. Além das diligências consultivas, integram
também a fase de instrução diligências realizadas por outros órgãos da
Administração que, em muitos casos, são chamados a prestar auxílio ao
órgão competente para a decisão final do procedimento, sendo esta a
figura do auxílio administrativo (artigo 66ºº do CPA).
o Conferências procedimentais: Artigos 77º a 81º do CPA.
o Participação de interessados no procedimento: A fase de instrução do
procedimento administrativo constitui o momento crucial para efetivar
os valores da participação dos interessados na formação das decisões
que lhes dizem respeito, segundo os artigos 267º/5 da CRP e 8º do CPA,
bem como da adequada participação dos mesmos no desempenho da
função administrativa (artigo 12º do CPA). A delimitação do círculo de
interessados para “intervir” no procedimento segue o critério de
legitimidade procedimental para “iniciar” o procedimento, segundo o
artigo 68º do CPA.
o Formação consensualizada do ato administrativo: A participação dos
interessados no procedimento exprime uma nota de abertura do
sistema administrativo à consideração dos interesses, das pretensões e
dos pontos de vistas dos particulares. O procedimento, sobretudo na
fase de instrução, surge como o local adequado para a composição de
interesses, para a diminuição de tensões entre interesses conflituantes
e em colisão, no quadro de uma lógica de mediação e de prevenção de
conflitos. Quer dizer, o procedimento é sede de realização do princípio
da prossecução do interesse público e da proteção dos interesses dos
cidadãos (artigo 4º do CPA), bem como o momento azado para
assegurar a adequada participação dos interessados no desempenho da
função administrativa (artigo 7º/1 do CPA). A instrução do
procedimento constitui uma oportunidade para a construção de
consensos entre os vários intervenientes e, em certos casos, para uma
conformação consensual do próprio conteúdo do ato a praticar. Este,
apesar da sua unilateralidade (decisão unilateral de um órgão
administrativo) pode conhecer uma génese consensual, quando o
respetivo conteúdo resulta de um acordo formal ou informal entre a
Administração e o interessado. A existência de “conversações” e de
“diálogos” entre a Administração e os interessados cria momentos e
“espaços de negociação”, de apresentação de propostas e de
contraproposta, apesar de estar em causa a formação de um ato
unilateral. Sobretudo em casos de grande complexidade, com múltiplas
variáveis a considerar e a ponderar, em contextos de discricionariedade
administrativa, a instrução do procedimento pode transformar-se, e
bem, numa arena de negociação da discricionariedade. Um exemplo
desta situação pode ver-se na figura do ato administrativo de aceitação
de compromissos: ato administrativo pelo qual a Administração aceita
compromissos propostos por um particular e converte tais
compromissos em imposições, quer dizer, em obrigações cujo
cumprimento impõe ao mesmo particular (estas existem com
frequência, no âmbito de aplicação do direito administrativo da
concorrência). O caso dos acordos endoprocedimentais ao abrigo do
artigo 57º/3 do CPA, bem como a conclusão do procedimento mediante
um contrato: artigo 127º do CPA.
• Audiência dos interessados: Nos termos da lei, os interessados têm o direito
de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo
ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta, ao abrigo do
artigo 121º/1 do CPA. A audiência dos interessados constitui um instrumento
de realização do princípio da participação dos particulares no procedimento
administrativo, segundo o artigo 12º do CPA. O direito de audiência
corresponde a um direito legal, conferido por lei. O direito fundamental
(constitucional) de participação dos cidadãos na formação das decisões que
lhes dizem respeito (artigo 267º/5 da CRP) realiza-se por variadas formas e não
deve confundir-se com o dever (oficioso) que a lei impõe à Administração de
ouvir os interessados. A audiência serve para permitir ao interessado introduzir
elementos que enriqueçam o “património cognoscitivo da Administração”,
instaurando um contraditório que visa a melhor ponderação do interesse
público com os interesses dos interessados. A audiência não pode constituir um
simulacro formal, devendo ser considerar um trâmite substancial,
considerando-se supérflua a omissão de audiência nos casos em que o vício
não produza um dano efetivo ao privado ou uma deficiência da instrução
procedimental. Resulta implícito da lei que o direito de audiência incide sobre
um projeto de decisão, mas que não se apresenta contudo, vinculativo para a
Administração, que pode vir a alterar, ainda que possa ter de repetir o trâmite
da audiência. Conforme a decisão do órgão instrutor, a audiência pode ser
escrita ou oral e pode realizar-se por videoconferência. O CPA prevê vários
casos de dispensa de audiência dos interessados, segundo artigo 124º do CPA,
em que esta terá de ser justificada. Sem prejuízo da realização de eventuais
diligências complementares que se mostrem convenientes, ao abrigo do artigo
125º do CPA, após a realização da audiência (ou da decisão de dispensa ou que
se pronuncie sobre a inexistência da audiência), o procedimento segue para a
fase da decisão. Nos termos do artigo 126º do CPA, quando o responsável pela
direção da instrução não for o órgão competente para a decisão final, elaborará
um relatório no qual indica o pedido do interessado, resume o conteúdo do
procedimento e formula uma proposta de decisão, sintetizando as razões de
facto e de direito que a justificam. Na hipótese de a instrução ter sido dirigida
pelo órgão competente para a decisão final, não há lugar à elaboração do
relatório final.
• Decisão: Um momento crucial do procedimento do ato administrativo coincide
naturalmente com a tomada da decisão final, quer dizer, com a prática do ato
administrativo. Nos termos do artigo 155º/2 do CPA, o ato considera-se
praticado quando seja emitida uma decisão que identifique o autor e indique o
destinatário, se for o caso e o objeto a que se refere o seu conteúdo. Sobretudo
nos procedimentos de iniciativa particular, em que o requerimento implica
para a Administração, uma obrigação de decidir dentro de um prazo (em regra
de 90 dais), põe-se a questão de saber qual a consequência de a Administração
não tomar qualquer decisão dentro desse prazo. Estamos aí num cenário de
inércia da Administração, que corresponde à omissão da prática de um ato
administrativo legalmente devido (decisão sobre o requerimento apresentado).
Em regra, a essa omissão não se associa a conclusão do procedimento com um
sentido específico. O procedimento fica, pois, sem decisão e extingue-se pelo
decurso do tempo (caducidade). O interessado (requerente) poderá reagir pela
via judicial, propondo uma ação administrativa especial de condenação da
Administração à prática do ato devido (que deve ser proposta no prazo de um
ano a contar do fim do prazo para emissão do ato devido, ou seja, em regra,
um ano após o prazo de 90 dias para a conclusão do procedimento). Em certos
particulares, a lei cria uma ficção jurídica e faz corresponder a inércia da
Administração à emissão de um ato positivo, de deferimento do requerimento,
surgindo, então, a figura de deferimento tácito, a que se refere o artigo 130º do
CPA. Nas situações mais comuns, a Administração pratica o ato administrativo,
tomando a decisão final do procedimento de forma expressa. Quando
praticado na forma escrita, o ato tem de conter as menções indicadas no artigo
151º do CPA. Na hipótese da prática do ato por órgão singular, não existe, em
termos procedimentais, nenhuma disciplina a seguir. Mas estando em causa
um órgão colegial, o ato administrativo será um ato colegial, e torna-se
necessário observar as regras procedimentais que regulam a formação desta
categoria de atos: artigos 21º a 35º do CPA. O particularismo procedimental da
fase da decisão neste caso justifica que se fale aqui de um subprocedimento
colegial. Por outro lado, a decisão do procedimento pode ser simples ou em
coautoria, consoante a adoção da mesma caiba a um único órgão (singular ou
colegial) ou à reunião de declarações de dois ou mais órgãos: exemplos de
decisões em coautoria são os despachos conjuntos de dois ministros. Apesar de
se basear numa convergência de vontades, a decisão em coautoria constitui
uma decisão unilateral e não um contrato. No contrato, as partes produzem um
acordo para produzir direitos e obrigações para elas mesmas, enquanto que no
ato administrativo em coautoria, os coautores acordam em adotar uma decisão
com o objetivo de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros (os
destinatários). Apesar de desencadeado em vista da produção de um ato
administrativo, o procedimento administrativo pode acabar por conduzir à
celebração de um contrato: suponha-se que um particular requer à autoridade
competente uma autorização para exercer uma determinada atividade, apesar
de a lei pressupor que a dita autorização é atribuída por um ato administrativo
(unilateral), pode suceder que a mesma venha a ser incluída num contrato a
celebrar entre o órgão competente e o requerente, que é o contrato sobre
exercício de poderes público com objeto passível de ato administrativo (veja-
se o Decreto-Lei nº 92/2010 de 26 de julho). Nos termos do artigo 127º do CPA,
o procedimento pode também extinguir-se por um contrato, que substitui o
ato administrativo: contrato com objeto passível de ato administrativo.
• Integração de eficácia: O procedimento extingue-se pela tomada da decisão
final ou por qualquer outro dos factos previstos no Código, como indica o artigo
93º do CPA. Compreende-se o sentido da formulação legal, até porque a
tomada de decisão final corresponde à prática do ato administrativo. Ora,
sendo precisamente do procedimento de “formação do ato administrativo”
que está em causa, parece fazer sentido que se conclua que o procedimento de
formação se completa no momento da prática do ato. Todavia, o facto de o ato
existir no mundo jurídico não significa que esteja em condições de produzir
imediatamente os seus efeitos jurídicos. Quando o ato administrativo começa a
produzir os seus efeitos desde a data em que é praticado diz-se que se trata de
um ato administrativo de eficácia imediata. O nº1 do artigo 155º do CPA
assume que esta é a regra. Quando assim suceda, o procedimento
administrativo termina efetivamente com a tomada da decisão final, com a
prática do ato administrativo. Sucede, porém, que, em inúmeros casos, o ato
administrativo conhece uma eficácia diferida, quer dizer, o ato é praticado,
mas não fica logo apto a produzir os seus efeitos jurídicos (artigo 157º do CPA).
Nestes casos, o procedimento traduz o ato, mas não produz um ato eficaz. Para
realizar a sua finalidade (formação de um ato administrativo com eficácia
jurídica), o procedimento tem de prosseguir com o objetivo de reunir os
requisitos procedimentais de produção da eficácia do ato administrativo. Surge,
então, uma nova fase do procedimento administrativo: a fase integrativa de
eficácia. Importa sublinhar que, não existe uma associação completa entre as
categorias do ato administrativo de eficácia diferida e a existência de uma fase
procedimental de integração de eficácia. Com efeito, há casos em que a
eficácia diferida do ato administrativo não resulta da existência de uma fase
procedimental integração de eficácia (exemplos: atos administrativos com
condição suspensiva ou termo inicial, em que há um ato com eficácia
condicionada, segundo o artigo 157º/b do CPA). A fase de integração de
eficácia reúne os atos jurídicos ou materiais, da Administração ou de
particulares, cuja prática se revela indispensável para que o ato administrativo
comece a produzir os seus efeitos jurídicos. Aqui se incluem os atos de controlo
preventivo (nas relações interadministrativas), como a aprovação ou visto a
conceder por um órgão de controlo (visto do Tribunal de Contas, como
condição de eficácia de certos atos que envolvam despesa pública). A
competência para tomar uma certa decisão pertence a um órgão, mas a lei
exige que um outro órgão aprove ou conceda o seu visto como requisito de
eficácia daquela decisão. No caso em análise, o controlo preventivo radica em
atos de integração de eficácia: trata-se de um controlo preventivo, mas que se
efetiva em momento posterior à prática de um ato administrativo (controlo
preventivo ex post). Contudo, em muitas situações, a lei estabelece um
controlo preventivo prévio à prática do ato administrativo, exigindo que o
órgão decisor solicite uma autorização prévia a outro órgão (controlo
preventivo ex ante), em que aqui o ato de controlo não é condição de eficácia,
mas sim um requisito de validade do ato administrativo principal. Por
consequente, são também atos integrativos de eficácia os atos de publicação,
quando legalmente obrigatória, como indica o artigo 158º/2 do CPA (a falta de
publicação do ato, quando legalmente exigida, implica a sua ineficácia). O
mesmo se diga da notificação do ato administrativo ao “destinatário”: antes da
notificação ao destinatário, o ato administrativo não produz os seus efeitos
jurídicos. A notificação é, pois, condição de eficácia jurídica objetiva do ato
administrativo para o respetivo destinatário, não assim quanto a outros
interessados (diferentes do destinatário), em relação aos quais a notificação é
apenas condição de eficácia subjetiva ou de oponibilidade. Integram ainda esta
fase, atos de complemento executivo, como a emissão de um diploma ou
alvará que titula a decisão e que lhe confere eficácia, o pagamento de taxas
pelo particular ou o termo da aceitação da decisão. Em regra, a prática destes
atos deve ocorrer num determinado prazo, sob pena de caducidade da decisão
e de extinção do procedimento (relativamente à falta de pagamento das taxas
deve-se ter em conta o artigo 133º/1 do CPA). Uma função de integração de
eficácia têm também as atas (ou minutas de atas) relativas a reuniões de
órgãos colegiais, em que nos termos da lei, os atos colegiais só adquirem
eficácia depois de consignados em ata aprovada (ou em minuta assinada),
segundo os artigos 34º/6 e 150º/2 do CPA.

Classificação dos atos administrativos


Em razão da amplitude das áreas de intervenção e da grande diversidade dos tipos de
atuação administrativa, verifica-se uma multiplicidade das classificações doutrinárias,
resultante da variedade possível dos critérios adotados, bem como uma disparidade,
decorrente da falta de consenso entre os autores quanto ao alcance dos conceitos
utilizados.
Algumas espécies doutrinárias de atos com relevo prático:

• Atos de eficácia duradoura: Os efeitos (em contraposição aos atos de eficácia


instantânea) não se esgotam no momento da sua prática e criam uma relação
jurídica que se prolonga no tempo.
• Atos negativos: Não conferem os efeitos pretendidos, designadamente o
indeferimento expresso de requerimentos e a recusa de apreciação de pedidos.
• Atos constitutivos de direitos: Enquanto atos que visam constituir posições
jurídicas subjetiva favoráveis na esfera jurídica dos destinatários ou de
terceiros.
• Atos provisórios: Atos cujos efeitos dependem necessariamente de uma futura
pronúncia definitiva.
• Atos precários: Atos cujos efeitos podem terminar por estarem sujeitos a
revogação “discricionária” (por disposição legal ou por reserva de revogação)
ou por dependerem de “condições resolutivas” (legais ou apostas ao ato pelo
seu autor).
• Pré-decisões: Entendidas como atos que, procedendo o ato final de um
procedimento ou o ato que define a situação jurídica do interessado no âmbito
de outro procedimento, decidem, vinculativamente, sobre a existência de
condições de requisitos de que depende a prática de tal ato.
o Atos prévios: Subcategoria das pré-decisões em que, embora decidindo
sobre um aspeto relevante da decisão final, não constituem, só por si,
efeitos jurídicos na esfera jurídica do destinatário (não constituindo atos
administrativos em relação a estes).
o Atos parciais: Decisões constitutivos de efeitos externos antecipadas no
que respeita a uma parte ou a um aspeto da decisão final global.
• Promessas administrativas: Entendidas como atos geradores de uma auto-
vinculação unilateral à prática futura de atos (ou à não adoção de uma certa
medida).

Classificação de atos administrativos quanto ao conteúdo: Nesta classificação, tem-se


em conta o conteúdo, isto é, os efeitos que visam produzir na esfera jurídica do
destinatário (independentemente agora dos efeitos que produzam relativamente a
terceiros).

• Atos desfavoráveis (provocam situações de desvantagens para o respetivo


destinatário):
o Atos ablatórios: Suprimem, comprimem ou retiram direitos ou
faculdades (como a expropriação de um terreno, a apreensão da carta
de condução, o encerramento de um estabelecimento ou a resolução
de um contrato administrativo).
o Atos impositivos: Ordens, sejam comandos, que impõe obrigações de
conteúdo positivo ou de fazer (demolir um prédio), de dar (liquidação
da taxa), ou de suportar (inspeção policial) ou ainda proibições, que têm
um conteúdo negativo, restringindo a liberdade (proibição de circular,
interdição de venda de medicamento).
o Indeferimentos: Recusa, pelo órgão competente, total ou parcial, da
prática do ato favorável ou da produção de efeitos jurídicos requerida
pelo interessado.
• Atos favoráveis (desencadeiam benefícios para os destinatários, particulares
ou públicos):
o Concessões (e outros atos que conferem ou ampliam direitos ou
poderes administrativos ou extinguem obrigações): As concessões
podem ser translativas, se transmitem direitos ou poderes (já)
existentes na titularidade da Administração, ou constitutivas, se criam
“ex novo” direitos ou poderes de que a Administração não pode ser
titular, mas que só ela pode criar em favor dos particulares. Os casos
típicos da concessão translativa são as concessões de serviço público e
as concessões de poderes públicos (por exemplo, a acreditação e
certificação). Por sua vez, são hipóteses frequentes de concessão
constitutiva as concessões de uso privativo do domínio público
(esplanadas, exploração de cais portuários, gestão de parques de
estacionamento, utilização do subsolo para a instalação de redes).
Embora, atualmente, as concessões, pelo menos as mais complexas,
operam quase sempre pela via do contrato e não através de atos
administrativos individuais e concretos. A delegação de poderes entre
órgãos administrativos tem a natureza de uma concessão constitutiva.
Para além das concessões, há outros atos que conferem direitos, como,
por exemplo, a promessa (da prática de um ato favorável) e a
adjudicação (de uma posição contratual). Também são atos favoráveis
os atos que ampliam a esfera jurídica do destinatário, ao terem como
efeito a extinção ou limitação de deveres, ónus e sujeições perante a
Administração, incluindo os atos de renúncia administrativa.
o Autorizações: Em sentido amplo que, por iniciativa do interessado,
visam remover um limite imposto pela lei ao exercício de uma atividade
fora do domínio administrativo da entidade autorizante, ou seja,
quando está em causa o exercício de uma atividade da esfera própria do
destinatário da autorização, seja um particular ou outro órgão
administrativo. Dentro desta categoria geral, pode-se distinguir:
▪ Autorizações nas relações entre a Administração e os
particulares (na sequência de normas legais que limitam as
liberdades, com maior ou menor intensidade, fazendo depender
a atuação do particular de uma intervenção administrativa
favorável):
• Dispensas: Removem, a título excecional, no caso
concreto (e que não se confundem com as isenções, que
são gerais e abstratas), um dever especial, relativo a uma
atividade em regra estritamente proibida ou imposta por
lei, à qual não corresponde um direito da Administração
(exemplo: autorização excecional para a construção em
zona de reserva agrícola ou de reserva ecológica).
• Licenças: Estas são autorizações constitutivas, que
constituem direitos subjetivos em favor dos particulares
em áreas de atuação sujeitas a proibição relativa
(preventiva) pela lei, uma vez acautelada no caso
concreto a não lesão do interesse que justificou a
proibição legal. Trata-se de atividades privadas que
também podem ser de interesse público e que a
Administração deva promover ou fomentar (licenças para
desenvolvimento de atividade industrial ou para
funcionamento de estações emissoras de rádio).
• Autorizações propriamente ditas: Estas são autorizações
permissivas, que permitem o exercício pelos particulares
da atividade correspondente a um direito subjetivo pré-
existente, apenas condicionado pela lei a uma
intervenção administrativa, em regra vinculada. As
autorizações propriamente ditas visam remover limites
impostos pela lei ao exercício do direito pelo particular
(exemplo: a autorização para sair do país, a habilitação
para exercício de uma profissão comum, a autorização do
trabalhador para acumulação de funções públicas e
privadas).
• Reconhecimentos: Enquanto permissões de exercício de
atividade por particulares já autorizados por outra
autoridade, designadamente de outro Estado, como por
exemplo, os reconhecimentos para atividades de
prestação de serviços, ao abrigo da Diretiva nº
2006/123/CE e também o reconhecimento de
qualificações profissionais, ao abrigo da Diretiva
2005/36/CE.
• Deve-se ter em consideração que nem sempre a lei utiliza
os conceitos doutrinais adequados ao regime que
estabelece, bem como a existência de zonas de fronteira
entre estas categorias de atos. Por exemplo, as licenças
de uso e porte de armas situam-se na fronteira entre as
dispensas e as licenças, as licenças de construção são
para alguns autores autorizações permissivas,
pressupondo que o direito de propriedade inclui a
faculdade de construir. As designações legais dos atos
permissivos do exercício de atividades são variadas,
utilizando-se, por exemplo, a “validação”, a
“autenticação”, o “registo” e a “certificação” de
capacidades e competências. Atualmente, na linha de
uma orientação europeia, a tendência para a
simplificação administrativa inclui uma política que
substitui as autorizações, designadamente as
autorizações permissivas, por “declarações” ou
“comunicações prévias” do interessado à Administração
de que preenche os pressupostos legais e
regulamentares para o exercício de uma determinada
atividade ou para uma determinada atuação. Os efeitos
jurídicos produzem-se se não houver oposição do órgão
competente (rejeição) ou se ela não se verificar dentro
de determinado prazo (que está prevista para certas
operações urbanísticas), em que por vezes a lei prevê um
reforço da fiscalização posterior, com sanções mais
pesadas, segundo o Decreto-Lei nº 48/2011, de 1 de
Abril. As comunicações prévias, com ou sem prazo,
dependem de previsão legal expressa e estão atualmente
previstas no artigo 134º do CPA, que estabelece o
respetivo regime. Importante é que, nas comunicações
prévias com prazo, a ausência de pronúncia do órgão
competente não dá origem a um ato de deferimento
tácito, mas habilita o interessado a exercer a atividade
pretendia, sem prejuízo de a Administração usar os seus
poderes para defender a legalidade, designadamente
proibindo atuações particulares ilícitas, segundo o artigo
134º/3 do CPA.
▪ Autorizações nas relações entre órgãos administrativos:
• Autorizações constitutivas da legitimação: Distintas das
delegações de competências, em que o órgão
autorizante confere ao órgão autorizado a possibilidade
de praticar num caso concreto um ato administrativo (ou
um outro ato jurídico) da competência do destinatário,
para cuja prática o órgão autorizado (já) é, em abstrato,
competente).
• Aprovações: Desencadeiam a eficácia do ato
administrativo aprovado (normalmente, depois de este
estar constituído), no quadro de um controlo preventivo
externo, que pode ser de legalidade e também de
mérito, conforme o disposto na lei nas respetivas
relações interorgânicas.
• Atos relativos a status: Os atos relativos a status são atos de eficácia
instantânea, através dos quais se procede à criação (sobretudo por admissões,
como nomeação, matrícula, inscrição, internamento), à modificação
(promoção, suspensão, transferência) ou à extinção (demissão, expulsão,
desvinculação, “alta” hospitalar) de estatutos, em regra, de estatutos pessoais
(funcionário, militar, aluno, educando, internado, preso), mas também reais
(classificação constitutiva, afetação ou desafetação de um bem do domínio
público). Deve-se ter em conta o caráter objetivo e regulamentar do “estatuto”
(conjunto articulado de direitos e de deveres) que se destaca e se torna
independente relativamente aos atos concretos que o atribuem. Resulta daí a
possibilidade de modificação do status por via geral e abstrata, mesmo que tais
modificações sejam desfavoráveis, não sendo possível, em princípio, invocar
direitos adquiridos à aplicação das normas vigentes à data da admissão, salvo
casos excecionais, quando a lei o determine (direito à irredutibilidade do
salário) ou quando deva relevar o princípio da proteção da confiança.
• Atos secundários ou de 2º Grau: Os atos secundários são atos que visam
produzir efeitos sobre um outro ato administrativo anterior, que constitui o
respetivo objeto, como a revogação, a anulação, a reforma, a ratificação ou
convalidação e a conversão. Não se devem confundir os atos secundários com
os “atos contrários”. Os atos contrários não atuam sobre o ato, mas sobre a
relação jurídica determinada pelo ato precedente, como sucede, por exemplo,
com a demissão, relativamente, à nomeação do funcionário (é um ato que
extingue um status) ou a reversão, relativamente ao ato de expropriação do
imóvel (não se anula, nem se revoga a declaração de utilidade pública
expropriativa).

Classificação dos outros atos jurídicos da Administração: Também são muito diversos
quanto ao conteúdo os outros atos jurídicos da Administração, em especial os atos
instrumentais, que desempenham funções específicas nos variadíssimos
procedimentos administrativos.

• Atos de conteúdo decisório: Deliberações prévias (despachos com instruções


concretas, aprovação de projetos de arquitetura) e acordos preliminares (entre
órgãos públicos ou com privados sobre termos de uma atuação
administrativos), bem como atos de iniciativa interorgânica, seja no interesse
do órgão que toma a iniciativa como requisições (de um órgão a solicitar a
prática de atos pelo órgão competente) e designações (de representantes para
a nomeação como titular de um órgão), ou até no interesse do destinatário (ou
de ambos), como as propostas (estas que no fundo, implicam uma co-decisão,
pois que o órgão que pratica o ato não é obrigado a aceitar o conteúdo da
proposta, mas depende dela para tomar a decisão).
• Atos de conteúdo declarativo: As verificações (relatórios de vistorias ou de
exames periciais, atestados, certidões, diplomas, registos, atas, autos) e
avaliações (relatórios de avaliação e, sobretudo, os pareceres). Estas não se
devem confundir com as “verificações e avaliações constitutivas” que, por
criarem certeza jurídica, são verdadeiros atos administrativos.
• Comunicações: As intimações para a adoção ou abstenção de uma conduta
(não são avisos, admoestações, ou ameaças de prática de um ato
administrativo, quando estes ou estas sejam meros factos jurídicos, ou
comportamentos), bem como as publicações e as notificações de decisões
administrativas.
• Atos internos: Praticados no âmbito de relações jurídicas internas (exemplo:
ordens dos superiores hierárquicos).
• Atos jurídicos unilaterais da Administração: Como os atos integrados em
procedimentos administrativos: atos de iniciativa (propostas); atos de instrução
com função de avaliação (pareceres) ou de verificação de factos; atos de
comunicação (notificações e publicações).
• Atos jurídicos unilaterais de efeitos externos: Como as certidões, certificações
ou os diplomas.
• Atos ou operações materiais: Como a remoção de um veículo, o abate de uma
árvore.
• Atos informais: Não são atos materiais, mas não produzem efeitos jurídicos,
sendo soft law, como as recomendações, os avisos ou as advertências.
• Contratos: Contratos sobre o exercício de poderes públicos e contratos de
colaboração.

Eficácia do ato administrativo


A distinção teórica e prática entre validade e eficácia de atos administrativos: Em
regra, a eficácia de um ato administrativo está associada à sua validade, em que os
atos que são práticos com respeito pela lei devem produzir os efeitos jurídicos
correspondentes. Já os atos que não respeitam as normas jurídicas não devem
produzir os efeitos pretendidos. No entanto, os dois conceitos são diferentes e não
têm uma correspondência biunívoca.

• Validade do ato administrativo: Respeita a momentos intrínsecos do ato,


depende do cumprimento do respetivo padrão normativo de formação, isto é,
se o ato comporta, ou não, ilegalidades (vícios), e denota a vitalidade ou
aptidão para produzir efeitos.
• Eficácia do ato administrativo: Respeita a circunstâncias extrínsecas ao ato de
que dependa a operatividade ou produção efetiva dos efeitos visados pela
decisão.
Isto significa, desde logo, que há atos administrativos válidos, mas não operativos.
Assim, acontece com:

• Os atos de eficácia diferida, por estarem sujeitos a termo inicial, por força da
lei, ou de cláusula acessória aposta ao ato pelo respetivo autor.
• Atos de eficácia condicionada, por o seu procedimento incluir uma fase
integrativa de eficácia ou por a produção dos efeitos do ato depender da
verificação de uma condição, quer se trate de uma condição legal ou de uma
cláusula acessória condicional aposta pelo autor do ato.
• Atos cuja eficácia se encontra suspensa, seja por efeito legal de impugnação,
por decisão judicial cautelar ou por decisão administrativa.
Por sua vez, há atos inválidos que são produtores de efeitos jurídicos. Por um lado, os
atos portadores de vícios que se tornem (apenas) anuláveis têm eficácia provisória,
que se torna mesmo definitiva, caso se tornem insuscetíveis de impugnação judicial,
por decurso do prazo respetivo (atos inimpugnáveis). Por outro lado, embora só
excecionalmente, podem ser reconhecidos efeitos putativos aos atos nulos, dando
relevo jurídico a situações de facto por eles criadas, perante o decurso do tempo, com
fundamento em princípios jurídicos fundamentais, como os princípios da boa fé, da
proteção da confiança legítima e da proporcionalidade.
Atos de eficácia instantânea e atos de eficácia duradoura: Os atos administrativos
têm eficácia instantânea quando os seus efeitos se esgotam no momento em que se
tornam eficazes, isto é, aí se incluindo também certos atos que dão origem a situações
duradouras, como acontece com os atos extintivos e com aqueles que criam status. Os
atos têm eficácia duradoura, quando criam e sustentam “relações de trato sucessivo”
entre a Administração Pública e os particulares. Este tipo de atos suscita problemas
específicos em função das vicissitudes do tempo, tendo em conta que, durante a
respetiva vigência, pode haver alterações das circunstâncias de facto, das normas
aplicáveis ou da conceção administrativa do interesse público, que permitam ou
determinem a sua modificação, anulação ou revogação, designadamente quando haja
espaços de discricionariedade ou de autonomia decisória.

Início da eficácia: A contagem dos efeitos jurídicos do ato administrativo reporta-se,


em regra, ou ao momento em que se desencadeia a eficácia (ex nunc) ou então ao
momento constitutivo do ato (ex tunc).
A retroatividade propriamente dita verifica-se quando a lei ou o órgão decisor
determinam a produção dos efeitos de um ato (ou de alguns deles) a contar de um
momento anterior à respetiva constituição. Nos casos de retrospetividade ou
retroatividade inautêntica determina-se a aplicação do ato, para o futuro, a situações
duradouras já constituídas.
Há a considerar, desde logo, as situações de retrodatação, que se verificam nos casos
em que o ato é pratico em momento constitutivo deslocado no tempo,
concretamente, quando os efeitos de um ato são reportados a uma data passada, pois
esses efeitos deviam ter sido produzidos, por imposição legal, em momento anterior
ao da sua prática efetiva.
Também não implicam, em rigor, verdadeira retroatividade as situações de
retrotração: que acontece nos casos de eficácia ex tunc, sempre que os efeitos de um
ato se reportem naturalmente ou necessariamente a um momento anterior, com
acontece com os efeitos das decisões de anulação ou de sanação de outro ato (embora
esta situação suscite alguns problemas temporais semelhantes aos da retroatividade).
Desta forma, o fenómeno da retrotração consiste em reportar o início dos efeitos de
um ato administrativo de eficácia diferida ao momento em que o mesmo foi praticado.
Exemplo prático relativamente a este fenómeno de retrotração:

• Data da prática do ato: 10 de abril


• Data da publicação legalmente obrigatória (facto integrativo de eficácia): 15 de
abril
• Entre 10 e 15 de abril, o ato não produz os seus efeitos, uma vez que está
dependente de um facto integrativo, que é a publicação, e que ainda não
ocorreu.
• No dia 15 de abril, tem lugar a publicação, e então pergunta-se: o ato
administrativo começa a produzir efeitos desde esse mesmo dia ou vai
reportar-se o início dos seus efeitos à data da sua prática, no dia 10 de abril?
o Se produz efeitos desde dia 15 de abril: ato de eficácia diferida.
o Se, por força da lei ou de estipulação do próprio ato, produz efeitos
desde 10 de abril: ato de eficácia diferida, mas com retrotração.
As regras sobre a contagem da eficácia no CPA (artigos 155º a 160º): O CPA
estabelece como regra geral da “eficácia ex nunc”: os efeitos do ato produzem-se
desde a data em for praticado, ao abrigo do artigo 155º. No entanto, a lei admite
exceções, quando a lei ou próprio ato lhe atribuam “eficácia retroativa” (artigo 156º
do CPA), “eficácia diferida” ou “eficácia condicionada” (artigo 157º do CPA).
No que respeita às situações de eficácia retroativa, a lei consagra o princípio geral de
não retroatividade dos atos administrativos, com algumas limitações. Por um lado,
estabelece como “exceções” os casos de atos meramente interpretativos (que são
casos de escasso relevo) e os atos de execução de sentenças anulatórias (desde que
não sejam renovadores do ato anulado), em que a essa retroatividade resultaria da lei.
Por outro lado, permite a atribuição de efeitos retroativos pelo respetivo autor
relativamente a atos de efeitos inteiramente favoráveis, se justificada, bem como nos
casos especiais de atos extintivos de 2º grau (revogatórios), praticados na sequência
de reclamação ou no contexto de recurso hierárquico. Na pressuposição de que a
retroatividade implica a afetação de posições jurídicos estáveis já constituídas, verifica-
se que, bem vistas as coisas, a lei só admite a retroatividade perfeita nos casos de atos
favoráveis, desde que a decisão pudesse ser validamente tomada com o mesmo
conteúdo nesse momento anterior ao qual os efeitos são reportados, justamente
porque aí não há ofensa de direitos ou posições jurídicas dos particulares, nem uma
ilegalidade substancial.
Impõe-se um entendimento limitado de a possibilidade de a lei atribuir ou permitir em
outras situações a atribuição de efeitos retroativos a atos administrativos (previstas no
artigo 156º/2 alínea c) e d) do CPA). Tem de ser fundamentada e não pode pôr em
causa direitos adquiridos (salvo em casos de “expropriação” ou de “sacrifício” legítimo
de direitos, com a devida indemnização), nem princípios jurídicos fundamentais, sob
pena da inconstitucionalidade.
O artigo 157º do CPA contempla situações diversas, só havendo lugar verdadeiramente
a um diferimento da eficácia na hipótese de o ato depender de termo inicial ou
suspensivo. Nas restantes hipóteses, a eficácia está “condicionada”, seja à aprovação
do ato, ao referendo ou à verificação da condição acessória ou da condição legal, de
modo que a decisão poderá, conforme as circunstâncias, a natureza do ato ou a
disposição da lei, produzir os seus efeitos no momento em que se verifica o facto
condicionante ou reportá-los (retrotração) ao momento constitutivo do ato.
A eficácia dos atos constitutivos de deveres ou encargos é sempre diferida, porque
depende da sua notificação aos destinatários, dado que os efeitos desfavoráveis só
lhes serão oponíveis após a notificação, ao abrigo do artigo 160º do CPA.
Por fim, deve ter-se em conta a distinção entre o momento em que se desencadeia a
eficácia e a data à qual se reporta o início da produção dos efeitos: na realidade, a
eficácia de um ato pode ser simultaneamente condicionada (quanto ao desencadear
da eficácia, se dependente de trâmite integrativo da eficácia ou de cláusula acessória),
por um lado, e retrotrativa (quanto ao reporte ou à contagem da produção dos
efeitos), por outro. Assim, por exemplo, um ato sujeito a condição suspensiva poderá,
se a condição se vier a verificar, produzir os seus efeitos desde o momento
constitutivo.

Quadro explicativo das várias categorias da eficácia do ato administrativo:


Quando se inicia a produção de feitos do ato administrativo?

• Regra: No momento em que é praticado (existência jurídica) – artigo 155º/1 do


CPA. Este é um ato administrativo de eficácia imediata.
• Exceção: Num momento posterior ao da sua prática. Este é um ato
administrativo de eficácia diferida ou condicionada.
Para quando se dirigem ou projetam os efeitos do ato administrativo?

• Regra: Para o futuro, tendo como referência o momento da sua prática


(existência jurídica) – regra que se deduz do artigo 156º do CPA. Este é um ato
administrativo com eficácia prospetiva (ex nunc).
• Exceção: Para o passado, tendo como referência o momento da sua prática
(existência). Este é um ato administrativo com eficácia retroativa (ex tunc).

Execução do ato administrativo


A conceção oitocentista dos sistemas de administração executiva afirmava o “privilégio
de execução prévia” dos atos administrativos, fundado numa “presunção de legalidade
administrativa”, em que a Administração Pública tinha o poder geral de executar as
suas decisões pelos próprios meios, coativamente, se fosse caso disso, sem
necessidade de recorrer ao tribunal. Atualmente, esta conceção de executoriedade é
insustentável no quadro de uma administração democrática, em que os administrados
são cidadãos titulares de direitos perante as autoridades administrativas. Não se pode
falar de uma verdadeira presunção de legalidade dos atos administrativos, nem faz
sentido reconhecer à Administração um poder geral de uso da força fora das situações
excecionais ou de urgência. Entre nós, a executoriedade foi durante algum tempo
concebida como requisito de impugnabilidade imediato de atos administrativos
(teriam de ser “definitivos e executórios” na formulação de Marcello Caetano), uma
posição que está hoje ultrapassado, em especial pela confusão que suscita dos
problemas da executoriedade com os problemas (prévios) da eficácia, confusão que,
no entanto, se verifica ainda no nº1 do artigo 150º do CPA, pois que os atos suspensos
ou dependentes de aprovação não são sequer eficazes (por sua vez, os atos
confirmativos não são sequer decisões).
É importante salientar a diferença entre imperatividade, ou seja, autoridade ou
obrigatoriedade decorrente do poder de constituição unilateral de efeitos jurídicos na
esfera dos particulares (tradicionalmente designado por poder de “autotutela
declarativa”), que é caraterística de qualquer ato administrativo, e a executoriedade,
que consiste no poder de execução coativa por meios próprios, sem necessidade de
mandado judicial, das próprias decisões administrativas, qualidade que só tem sentido
para determinados tipos de atos e que hoje só em termos limitados é admissível. Deve
atender-se, desde logo, à figura da exequibilidade dos atos administrativos: os atos
exequíveis, em sentido estrito, são aqueles que necessitam ou admitam uma
atividade administrativa de execução para a produção dos efeitos visados; os atos não-
exequíveis, pelo contrário, são capazes de produzir por si só (desde que eficazes) os
efeitos visados, sem necessidade ou admissibilidade de execução (como sucede com
os atos negativos, atos relativos a status e com grande parte de atos favoráveis).
Portanto, os problemas de execução e da executoriedade, como forma de execução
coativa, só existem, como é evidente, quanto aos atos administrativos que sejam
exequíveis, isto é, que tenham de ser executados.
Por sua vez, a executividade (fora executiva ou “autotutela executiva”) diz respeito à
função tituladora do ato administrativo e corresponde à capacidade de basear ou
titular uma execução sem necessidade da pronúncia de outro poder. Esta é uma
qualidade típica dos atos administrativos exequíveis (desde que eficazes) que não se
confunde com a executoriedade, já que se manifesta também nos casos em que a
execução é feita pelo tribunal ou por mandado judicial, visto que é a decisão
administrativa o título executivo que os tribunais executam ou mandam executar (não
havendo necessidade de uma decisão judicial substantiva).
A executoriedade em sentido estrito deve ser entendida como a qualidade de alguns
dos atos administrativos constitutivos de obrigações ou deveres que, em determinadas
circunstâncias, possibilita à Administração a sua execução coativa sem necessidade de
mandado judicial, quando os particulares não cumpram voluntariamente os deveres
impostos por esses mesmos atos.
O problema central é o da validade geral do princípio da executoriedade (execução
prévia) enquanto regra da força jurídica dos atos administrativos suscetíveis de
execução coativa (atos exequíveis que criem deveres para os particulares, desde que
eficazes). Atualmente, a executoriedade em sentido estrito não deve valor como
princípio geral de execução:

• Num plano doutrinário: defende-se que o alargamento da intervenção


administrativa na vida dos privados não é compatível com a manutenção do
princípio, sob pena de total subjugação dos particulares (ameaçado pela sanção
criminal de desobediência).
• Num plano normativo: Entende-se que a execução coerciva só é legítima em
situações de urgência devidamente fundamentada (quando as circunstâncias
do caso demonstrem inequivocamente que a demora na execução causa um
prejuízo insuportável para o interesse público), ou nos casos previstos expressa
e inequivocamente na lei (o que terá feito uma ponderação abstrata dos
interesses em presença), execução que, aliás, salvo urgência justificada, só
deverá ser admitida depois de passado um determinado prazo mínimo (que
permita o requerimento judicial, pelo particular, de medidas cautelar
adequadas).
O artigo 176º/1 do CPA, introduzido em 2015, inverte o princípio geral anterior da
executoriedade dos atos administrativos: a execução coerciva, pela própria
Administração, sem recurso aos tribunais, de obrigações ou limitações impostas por
atos administrativos só é admissível “nos casos e segundo as formas e termos
expressamente previstos na lei, ou em situações de urgente necessidade pública,
devidamente fundamentada”. No entanto, a alteração, que é justificada por uma ideia
de legalidade no uso da força pela Administração, não é tão extensa como podia
parecer, pois que já antes a lei reconhecia:
1. Que o problema da execução coativa pela Administração só se põe
relativamente a atos que imponham obrigações aos destinatários ou
estabeleçam limites aos seus direitos e liberdades, e desde que sejam eficazes;
2. Que a execução coativa dos atos administrativos pela Administração não valia:
a. Para os atos que impusessem ou implicassem o dever de efetuar
prestações pecuniárias, que são executados nos tribunais tributários,
em processos de execução fiscal, segundo os artigos 176º/2 e 179º do
CPA.
b. Para os atos administrativos que impusessem obrigações positivas de
prestação de facto infungível (obrigações pessoalíssimas), na medida
em que a lei considerava necessária a respetiva previsão legal expressa
(exceção da liberdade – atual artigo 178º/2 do CPA), que se tem
admitido, designadamente, quando haja deveres de suportar
(vacinação, internamento) e em casos de detenção, deslocação ou
expulsão de pessoas.
Para além disso, também a posse administrativa de coisas devidas, tendo em conta a
garantia constitucional da propriedade, só excecionalmente se poderia fazer sem
intervenção judicial, por exemplo, quando se tratasse de posse de bens do domínio
público ou de coisas que integrassem o património cultural. Lembre-se, ainda que esta
limitação da executoriedade administrativa vale apenas para imposições feitas por
atos administrativos e, por isso, não é aplicável à adoção de medidas policiais de
coação direta, dirigidas à execução de obrigações decorrentes diretamente da lei,
como está expressamente afirmado no artigo 175º/2 do CPA. Essas medidas,
destinadas a prevenir o perigo ou a evitar a continuação ou consumação do
incumprimento da lei, serão em regra suscetíveis de execução coativa, com respeito
pelos princípios da proporcionalidade, tal como determina o artigo 272º/2 da CRP. ~

Procedimento de execução e as garantias dos particulares: O CPA regula com


densidade normativa, em termos genéricos e sem prejuízo de normas especiais, o
procedimento de execução de atos administrativos.

• Impõe a prática prévia de um ato exequendo (artigo 177º/1 do CPA), com a


consequente inadmissibilidade de decisões implícitas (quando desfavoráveis e
exequíveis).
• Salvo em estado de necessidade, tem de haver uma decisão autónoma,
devidamente fundamentada, de proceder à execução, determinando o
conteúdo e os termos desta (artigo 177º/2 do CPA).
• A decisão de executar deve ser notificada, autonomamente ou conjuntamente
com a notificação do ato exequendo, com a cominação de um prazo razoável
para o cumprimento da obrigação (artigo 177, nºs 3 e 4 do CPA).
• Admite a fixação de sanções pecuniárias, quando a obrigação é de prestação de
facto (artigo 181º do CPA).
• Prescreve e assegura o respeito, em todas as situações, pelos princípios da
adequação, da necessidade e da proporcionalidade na escolha do modo de
execução coerciva (artigo 266º/2 da CRP e artigo 178º do CPA).
• Estabelece as garantias dos executados, designadamente de impugnação
administrativa e de acessos aos meios contenciosos (artigo 182º do CPA).

Modalidades de execução coativa: A execução coativa, em caso de incumprimento


voluntário, varia conforme os diversos tipos de deveres impostos aos particulares, que
podem ser de prestação pecuniária, de prestação de coisa certa ou de prestação de
facto (dever de fazer, de não fazer ou de suportar), que pode ser fungível ou infungível
ou ainda do respeito por ações ou omissões impostas por atos (artigos 175º/1 e 179º a
181º do CPA). É de salientar a possibilidade de o incumprimento de uma prestação
de facto fungível dar lugar a uma execução de prestação pecuniária (se a
Administração optar por realizar a execução em via substitutiva, diretamente ou por
intermédio de terceiro, à custa do executado), bem como a circunstância de o
incumprimento de uma obrigação de prestação de facto negativa (dever de não fazer),
que, em si, não é suscetível de gerar uma execução, poder gerar uma obrigação de
repristinação e a correspondente execução coativa.

Estrutura e requisitos de validade do ato administrativo


São pensáveis dois modelos básicos para apresentar uma conceção estrutural de ato
administrativo: um modelo teórico e definitório, baseado no inventário de um
conjunto de elementos essenciais, enquanto partes componentes de uma edição
lógica; um modelo prático e teleológico, que visa estabelecer um esquema descritivo
dos aspetos significativos do ato, capaz de fornecer uma explicação coerente do seu
regime de funcionamento e orientado fundamentalmente pela necessidade de
construção de uma teoria das invalidades. É adotado, seguindo o Senhor Doutor
Rogério Soares, este último modelo, no qual se procura identificar os momentos que
sejam relevantes para efeitos de localização dos diversos tipos de vícios de que o ato
pode padecer, bem como para avaliação das consequências do respetivo desvalor,
tendo em vista, designadamente, as diferenças de regime de invalidade, que variam
em função do alcance e da gravidade do defeito. Considera-se, assim, como momentos
relevantes do ato, o sujeito, o objeto e a estatuição, distinguindo, dentro desta, os
aspetos substanciais relativos ao fim e ao conteúdo, e os aspetos formais, que incluem
o procedimento de formação e a forma de exteriorização.

O Sujeito:
As pessoas coletivas que integram a Administração Pública em sentido organizativo
são, através dos respetivos órgãos, os sujeitos típicos do ato administrativo, embora se
admitam outros sujeitos de direito administrativo: como as entidades privadas que
exerçam poderes públicos e órgãos de entidades públicas não administrativas.
Relativamente, aos requisitos de validade do ato administrativo quanto ao sujeito,
para que o ato se constitua validamente, é preciso que o órgão que o pratica:

• Atue dentro das atribuições (finalidades) legais da pessoa coletiva (ou


ministério) a que pertence;
• Exerça competências (poderes abstratos) que lhe tenham sido concedidos pela
lei (ou que tenham sido nele delegadas com base na lei) em razão da matéria,
da hierarquia e do território;
• Possua legitimação para exercer no caso concreto a competência, verificando-
se os requisitos e condições legais de exercício do poder. Ex: os órgãos colegais
necessitam de quórum ou o órgão que vai praticar o ato administrativo, só o
pode fazer depois de pedir uma autorização a outro órgão.

O Objeto:
O objeto do ato administrativo é o “ente no qual se projetam diretamente os efeitos
que o ato visa produzir”. Este objeto pode ser uma pessoa (nomeação, autorização,
imposição de um comportamento), uma coisa (expropriação, classificação de bens) ou
um outro ato administrativo (revogação, anulação, ratificação). O objeto, em sentido
estrito, distingue-se do “conteúdo” (os efeitos jurídicos que o ato visa produzir) e do
“fim” (a finalidade de interesse público visada) do ato, embora se verifique o uso
corrente dos conceitos de objeto mediato (objeto propriamente dito) e de objeto
imediato (conteúdo) como conceitos ligados entre si. Por vezes, a lei e a doutrinam
utilizam até o conceito com o alcance de englobar, simultaneamente, o objeto e o
conteúdo (ou trata-os em conjunto, como sucede no artigo 161º/2/c do CPA).
Relativamente aos requisitos de validade do ato administrativo relativos ao objeto,
embora sejam diversas as arrumações doutrinárias, consideram-se fundamentalmente
os seguintes requisitos:

• A existência (possibilidade física ou jurídica): O objeto tem de existir no plano


dos factos e do direito, de modo que não é possível a requisição de uma coisa
já perecida, a nomeação de uma pessoa falecida ou a revogação de um ato já
extinto.
• A idoneidade (adequação do objeto ao conteúdo): O objeto, enquanto tal, tem
de preencher as qualificações necessárias para suportar os efeitos do ato, não
se podendo validamente nomear como funcionário uma pessoa que não reúna
os requisitos legais (de idade ou de habilitações literárias) ou expropriar um
terreno incluído no domínio público.
• A legitimação (qualificação específica para sofrer em concreto os efeitos do
ato): O objeto, para além de idóneo em abstrato, tem de preencher condições
subjetivas legais para, no âmbito de um concurso, não se poder validamente
adjudicar um contrato a um candidato cuja proposta tenha sido excluída ou
nomear para alguém que não tenha sido candidato ou que tenha desistido.
• A determinação (determinabilidade identificadora, conforme o tipo de ato): O
objeto, seja pessoa, coisa ou ato, tem de ser perfeitamente individualizado ou
determinado. Assim, não é válida a decisão de promover “o funcionário mais
experiente” de um serviço ou de declaração de utilidade públicos dos “terrenos
necessários” para a realização de uma certa obra pública.

A estatuição:
A estatuição refere-se à decisão, em si, isto é, à declaração formal que visa produzir
transformações no mundo jurídico. Tendo em conta a sua complexidade, vamos
encará-la de diversas perspetivas, distinguindo as dimensões substantivas das
dimensões formais e instrumentais e desdobrando-as em momentos juridicamente
significativos, tendo em vista os efeitos práticos referidos.

• Aspetos substanciais:
o O Fim: Nas “normas-condição”, como são tradicionalmente as normas
que preveem e regulam a prática de atos administrativos, a definição
legal do fim do ato não é expressa, decorrendo da formulação dos
pressupostos (pressupostos abstratos ou hipotéticos), isto é, das
circunstâncias da vida que revelam a existência do interesse público que
o ato administrativo visa satisfazer. No exemplo utilizado: “quando um
prédio ameace ruína, a câmara municipal pode ordenar a sua demolição
ou reconstrução”, a hipótese da norma não enuncia, mas revela qual é o
interesse público a prosseguir, que é, no caso, o da segurança de
pessoas e bens. Genericamente, podemos definir “pressupostos”, neste
sentido de indicadores do fim, como aquelas circunstâncias, não
referentes ao sujeito ou ao objeto, de cuja ocorrência a lei faz depender
a validade da decisão (“hipótese normativa”). A verificação desses
pressupostos hipotéticos nos casos concretos da vida (pressupostos
reais) impõe e justifica a decisão administrativo (a justificação constitui
a fundamentação formal do ato pela comprovação concreta da
existência real dos pressupostos definidos em abstrato na norma
habilitante). Há dificuldades naturais na concretização do fim quando a
lei utiliza conceitos indeterminados na formulação da hipótese
normativa, em que a avaliação administrativa dos pressupostos legais,
para efeitos da verificação da sua ocorrência no caso concreto, pode ser
juridicamente vinculada ou então remeter o agente para uma
“valoração própria do exercício da função administrativa”. A
concretização do fim do ato administrativo (isto é, a concretização do
interesse público específico que a lei visa assegurar ao prever a decisão
administrativa), que está em primeira linha a cargo da Administração
que vai atuar, tem necessariamente influência na determinação do
conteúdo (dos efeitos do ato), na medida em que este dependa de
escolha discricionária (particularmente na aplicação dos preceitos
normativos que acoplem uma “indeterminação conceitual” na hipótese
com uma “indeterminação estrutural” na estatuição).
o O Conteúdo: De algum modo em paralelo com o objeto, são os
seguintes os requisitos de validade do ato relativos ao conteúdo (ou ao
objeto imediato, entendido como os efeitos que o ato visa produzir):
▪ A compreensibilidade: o conteúdo tem de ser suscetível de
compreensão racional, não podendo ser contraditório, vago ou
ininteligível (exemplo: ato de licenciamento de loteamento no
qual se determina que o pagamento de uma compensação pelo
particular a ser criada e aprovada pela Assembleia Municipal).
▪ A possibilidade: os efeitos visados não podem ser impossíveis
fisicamente ou contrariar uma proibição legal absolutamente
imperativa.
▪ A licitude: os efeitos visados têm de ser conformes à ordem
jurídica (não é válida, por exemplo, a habilitação profissional
para o exercício de uma atividade criminosa).
▪ A legitimidade: a decisão não pode ofender diretamente normas
ou princípios que regem a atividade administrativa.
No conteúdo do ato administrativo, como já afirmado no capítulo do conteúdo do ato
administrativo, há a considerar o seu conteúdo principal. Este conteúdo principal
inclui, quer o conteúdo legal típico (os efeitos que, nos termos da lei, cada tipo de ato
visa normalmente produzir), quer o conteúdo discricionário específico determinado
pelo autor do ato no caso concreto (“cláusulas particulares”). Por outro lado, deve ter-
se em consideração as cláusulas acessórias. No quadro do exercício de poderes
discricionários, é importante distinguir entre as cláusulas particulares (que respeitam
ao conteúdo principal do ato, tal como é concretizado ou determinado no caso
específico pelo órgão competente no uso dos seus poderes próprios) e as respetivas
cláusulas acessórias (em que, embora, igualmente discricionárias, apenas respeitam à
eficácia do ato ou então determinam aspetos marginais ou não imprescindíveis do
respetivo conteúdo). As cláusulas acessórias permitem adotar o conteúdo do ato às
circunstâncias do caso concreto, presentes ou futuras, e implicam sempre, ainda de
que de diversas maneiras, uma limitação do alcance normal do ato principal.
O artigo 149º do CPA prevê os seguintes tipos de cláusulas acessórias:

• Condição: A eficácia do ato fica dependente de um acontecimento futuro e


incerto, mas possível, cuja verificação a desencadeia (condição suspensiva) ou a
extingue (condição resolutiva). Haverá uma condição potestativa (ou impura)
quando o acontecimento depende da vontade de alguém, designadamente do
destinatário.
• Termo: A eficácia do ato fica dependente de um acontecimento futuro e certo,
muitas vezes um prazo, cuja verificação a desencadeia (termo inicial) ou a
extingue (termo final).
• Modo: O modo consiste num encargo (dever de fazer, não fazer ou suportar),
imposto num ato de conteúdo principal positivamente favorável (autorização,
concessão), encargo que, ao contrário da condição e do termo, não afeta a
eficácia do ato, e cujo incumprimento pelo destinatário pode levar a uma
execução, eventualmente coativa, ou a outras consequências sancionatórias,
incluindo a possibilidade de revogação do ato administrativo.
• Reserva: Através da qual o autor do ato se reversa o exercício de um poder ou
faculdade que, de outro modo, não teria ou não poderia exercer (poder de
revogação de ato favorável, poder de imposição de novos encargos em atos de
eficácia duradoura ou outros poderes legítimos).
Os três primeiros tipos de cláusulas acessórias já eram previstas no CPA originário. A
reserva, que é admitida na generalidade dos países, enquanto cláusula específica do
ato administrativo, foi introduzida na revisão de 2015, e tende a ter, pela sua
adaptabilidade às mudanças, uma importância acrescida numa sociedade de incerteza
e de risco.
Porém, verificam-se na prática especiais dificuldades na distinção entre cláusula
particular, condição potestativa e modo, enquanto cláusulas que surgem sobretudo
em atos favoráveis:
• Cláusula particular: integra o conteúdo principal da decisão concreta e o
respetivo conteúdo corresponde a uma modalidade necessária de exercício da
atividade autorizada ou concedida (licença para vender bolos na praia, mas em
invólucros fechados).
• Condição potestativa: implica um ónus, a verificação prévia de um pressuposto
dependente da vontade do destinatário, mas que não constitua uma obrigação
deste (licença para instalar um andaime, com a condição de fazer um seguro ou
assinar um termo de responsabilidade).
• Modo: impõe uma obrigação ao destinatário, alheia ao conteúdo típico da
autorização ou que não seja de verificação prévia, embora dependa desse
conteúdo principal (obrigação de pavimentar o passeio público em frente ao
edifício, imposta na licença de construção).
A Administração Pública não é livre na aposição de cláusulas acessórias aos atos
administrativos, estando sujeita a limites, que agora constam expressamente do artigo
149º/1 e 2 do CPA:
1. Pressupõe-se a existência de capacidade discricionária do órgão competente, já
que não se admite, em regra, a aposição de cláusulas acessórias em atos
estritamente vinculados (atos relativos a status ou atos verificativos) e,
relativamente a atos a que correspondem direitos dos destinatários, só vale
quando a lei o preveja ou para assegurar a verificação futura de pressupostos
legais ainda não preenchidos no momento da prática do ato.
2. São proibidas as cláusulas cuja aposição implique a descaraterização do fim ou
do conteúdo principal do ato tal como é legalmente configurado.
3. Exige-se a verificação de uma relação direta (adequada) entre a cláusula
acessória e o conteúdo típico do ato (mesmo quanto ao modo).
4. Impõe-se o respeito pelos princípios jurídicos aplicáveis (designadamente, a
proibição do arbítrio e da desproporção, em caso de cláusulas desfavoráveis).
Há ainda a considerar o problema específico dos limites à “reserva de revogação” que
sempre foi muito discutido na doutrina e que está atualmente regulado no artigo
167º/2/d do CPA. Aí se dispõe que a reserva de revogação de atos constitutivos de
direitos só é admissível na medida em que “o quadro normativo aplicável consinta a
precarização do ato em causa” e a cláusula preveja um “circunstancialismo específico”
que justifique a revogação. O Senhor Doutor Vieira de Andrade entende que o regime
da revogação, ao estabelecer exceções ao regime da livre revogabilidade (artigo
167º/1, 2 e 3 do CPA), não exclui a possibilidade da reserva de revogação de atos
favoráveis, aplicando-se apenas aos atos de conteúdo irrevogável por determinação
legal e aos atos constitutivos de direitos (posições juridicamente consolidadas) ou de
interesses legalmente protegidos que tenham criado na esfera do particular um efeito
jurídico estável e consistente (que tenham gerado uma confiança legítima digna de
proteção). Sustenta-se, por isso, que, a par dos atos provisórios e precários (incluindo
os atos cuja revogação esteja prevista expressamente na lei ou seja exigida pela
natureza do ato ou por princípios jurídicos fundamentais) são revogáveis os atos (ainda
que favoráveis) que tenham sido sujeitos pelo autor a uma cláusula de reserva de
revogação. Evita-se, assim, que a Administração Pública seja colocada perante o
dilema de ter de recusar ou de ter de autorizar para sempre ou definitivamente uma
determinada atividade, comportamento ou atuação, quando tenha dúvidas
relativamente ao futuro, dilema que pode ser prejudicial tanto para a Administração
como para o particular. Ponto é que o autor do ato administrativo disponha de um
espaço discricionário (que permita a precarização) e que a reserva seja densificada nos
seus pressupostos (determine as circunstâncias em que a revogação pode operar). Esta
hipótese não é afastada pela possibilidade de revogação prevista atualmente, na
alínea c) do nº2 do artigo 167º do CPA, já que este preceito legal se refere apenas à
revogação de atos que não poderiam ter sido praticados em face dos conhecimentos
ou dados supervenientes.
A relação entre o fim e o conteúdo: Há uma relação direta entre o fim e o conteúdo,
que assume especial relevância na metodologia da formação da “vontade
administrativa” quando os atos administrativos envolvem momentos discricionários de
decisão. A avaliação integrada das considerações e valorações em que se baseia o juízo
de preenchimento no caso concreto dos pressupostos legais (e, portanto, da
verificação do fim de interesse público em causa), projeta-se nos argumentos e
ponderações que permitem a escolha administrativa da melhor solução para o
interesse público, tal como foi concretizado, funcionando como motivos da decisão. A
ponderação com vista à decisão implica um “vai-vem” argumentativo entre a hipótese
e a estatuição normativa baseado nas circunstâncias do caso concreto.

• Aspetos formais:
o O Procedimento: Neste contexto, interessa especialmente o
procedimento legal, que engloba os trâmites normativamente
obrigatórios, embora haja procedimentos voluntários, auto-escolhidos
pelo agente administrativo, que revelam juridicamente apenas do ponto
de vista de necessária racionalidade das condutas. A Administração está
sujeita ao cumprimento ordenado dos trâmites legalmente fixados, cuja
falta ou desvio se repercute na validade da decisão, devendo notar-se
que relevam neste plano os atos jurídicos procedimentais e não
quaisquer formalidades. Acresce que há preceitos legais ou
regulamentares simplesmente indicativos, cuja violação é causa de
meras irregularidades. Contudo, a projeção do conteúdo dos atos
preparatórios na feitura do ato administrativo não diz respeito ao
procedimento administrativo, como por exemplo, um parecer erróneo
pode afetar a validade do ato decisório quanto ao conteúdo, mas não
dá origem a um vício procedimental.
o A Forma: A forma designa a manifestação exterior do ato
administrativo, ou seja, a maneira como a própria decisão se exterioriza
(oral, escrita, sinais, gestos). Neste sentido, não são formas as
documentações probatórias (como, por exemplo, as atas que
comprovam as decisões tomadas nas reuniões dos órgãos colegiais) ou
as meramente comunicativas (as notificações ou as publicações). O
princípio que rege a matéria é o da liberdade de forma, embora a forma
escrita ainda seja a mais frequente e surja como forma supletiva, nos
termos do artigo 150º/1 do CPA, ela não vale, em regra para os atos dos
órgãos colegiais, que são praticados oralmente e reduzidos a escrito
(nº2 do artigo 150º do CPA), e pode ser afastada por lei ou pela
natureza e circunstância do ato (além da oralidade, hoje é frequente a
prática de atos administrativos por via eletrónica). O dever de
fundamentação expressa dos atos administrativos (artigos 152º a 154º
do CPA) é um dever formal, porque a “justificação” (comprovação de
que se verificam no caso concreto os pressupostos vinculados do ato) e
a “motivação” (a indicação das razões específicas das escolhas
discricionárias) têm de ser contextuais, isto é, têm de constar da forma
pública que contém a decisão, ainda que por remissão. Existem
declarações anómalas, como, por exemplo, as que consubstanciam os
atos tácitos ou os atos concludentes. A identificação destes atos
administrativos escondidos é importante sobretudo para efeitos da
respetiva impugnação judicial. Porém, um dos grandes problemas da
“forma” é o do relevo jurídico do silêncio da Administração, que pode
ser entendido como incumprimento do dever de pronúncia, mas
também pode ter valor decisório, seja de assentimento ou diferimento
ou, pelo contrário, de recusa ou indeferimento. Em matéria de ato
silente deve entender-se, atualmente, o seguinte:
▪ Consumou-se o desaparecimento da figura do indeferimento
silente, com a revogação do antigo artigo 109º do CPA (que
referia o chamado “indeferimento tácito”), revogação que já
resultava tacitamente da entrada em vigor, em 2004, do CPTA.
▪ Mantém-se o deferimento silente (deferimento tácito) como ato
administrativo de criação legal, com isenção de forma e com o
conteúdo definido pelo requerimento, nos casos expressamente
previstos na lei (artigo 130º do CPA), embora haja contradições
fortes na doutrina. Uma parte propõe que se generalize a figura
para as atuações particulares sujeitas a autorização (na linha da
Diretiva dos Serviços da União Europeia, para as atividades
económicas), outra parte sustenta a limitação da sua
admissibilidade ou mesmo, radicalmente, a extinção da figura.
▪ Subsistem casos especiais em que o silêncio releva como mero
facto jurídico, que serve apenas para abrir a via contenciosa,
funcionando como pressuposto processual de uma ação judicial.
Isto é o que sucede, por exemplo, com o silêncio perante
impugnação administrativa (artigo 198º/4 do CPA) ou perante o
requerimento de reversão de prédio expropriado (artigo 74º/4
do Código das Expropriações).
Invalidade do ato administrativo
A legitimidade do ato administrativo, entendida em sentido amplo, tem a ver com a
sua aptidão para prosseguir o interesse público de acordo com as normas e princípios
jurídicos (legalidade e juridicidade) e as normas de boa administração (conveniência e
mérito). Interessa, em especial, o estudo dos vícios de “legalidade” ou “juridicidade”,
por incumprimento de disposições normativas e princípios jurídicos, com exclusão dos
vícios de mérito (inoportunidade ou inconveniência), na medida em que só aqueles,
por força do princípio da separação dos poderes, são suscetíveis de controlo judicial
(artigo 3º/1 do CPTA). Em geral, distinguem-se os vícios invalidantes (ilegalidades que
afetam potencialmente os efeitos do ato) e os vícios não-invalidantes (meras
irregularidades que não são suscetíveis de afetar a produção normal dos efeitos pelo
ato).
Inexistência do ato administrativo e sua inadequação atual no quadro de um modelo
prático e teleológico: Deve começar-se por distinguir categoricamente as situações de
inexistência das situações de invalidade do ato administrativo.

• Inexistência do ato administrativo: Verifica-se em todas as situações em que


não há ato sequer, ou seja, há uma inércia ou silêncio, em que o ato não está
ainda procedimentalmente constituído, ou, então, há um ato que não é um ato
administrativo (não é uma decisão, ou é um ato privado da Administração ou
de um privado não detentor de poderes públicos). Em qualquer destes casos,
falta uma decisão formalmente imputável a um ente com poderes
administrativos.
Esta situação de inexistência não deve confundir-se com a construção jurídica do ato
administrativo inexistente, em que a inexistência seja vista, designadamente por
qualificação legislativa expressa, como uma forma extremamente grave de invalidade
de uma decisão aparentemente imputável à Administração ou que esta pretenda fazer
valer como tal.
A inexistência não é, hoje, uma categoria necessária enquanto tipo de invalidade,
distinta da nulidade. No entanto, tendo em que conta que por vezes as próprias leis se
referem a atos inexistentes, em contextos que não podem significar a mera situação
de facto de inexistência, pode admitir-se a figura para efeitos de impugnação. Já não
se pode é falar de uma “nulidade-inexistência”, para caraterizar um subconjunto de
atos nulos, com vícios muito graves, aos quais se devesse aplicar, por princípio, em
termos radicais, o regime da nulidade, porque o CPA revisto eliminou a categoria das
nulidades por natureza (por “falta de elementos essenciais”).

Tipos de invalidade:
São tipos de invalidade a nulidade (que determina a improdutividade total do ato
como ato jurídico) e a anulabilidade (que confere ao ato uma produtividade provisória
e condicionada). Embora o CPA não o refira expressamente, verifica-se a existência de
invalidades mistas, às quais se aplicam regimes especiais (diferentes dos regimes
gerais da nulidade ou da anulabilidade), previstos na lei (exemplo: determinados atos
urbanísticos, em que se estabelece um prazo para a impugnação de atos nulos) ou
impostos pela natureza e circunstâncias do ato (exemplo: em caso de atos
administrativos praticados sob forma legislativa ou regulamentar, que não estão
sujeitos a ónus de impugnação autónoma).
A anulabilidade tem sido visto como a consequência normal da ilegalidade ou, pelo
menos, como o regime típico da invalidade do ato administrativo, em contraposição
com o regime típico da nulidade do negócio jurídico de direito privado. Em construção
parece, à primeira vista, paradoxal, tendo em conta, como já Kelsen salientou, a
especial vinculação da Administração à legalidade e ao interesse público, mas tem
resistido aos tempos, associada primeiro à autoridade administrativa como privilégio
público, revive em contexto democrático como garantia da segurança jurídica, da
proteção da confiança legítima e da praticabilidade, num universo em que se
desenvolvem exponencialmente as áreas de intervenção administrativa e aí ganham
importância decisiva as atividades autorizativa, concessória e prestadora, que visam a
construção de direitos e a produção de efeitos favoráveis para os particulares. Embora
à ideia de poder se tenha sobreposto a de serviço e a Administração fechada e
autocrática tenha sido substituída por uma administração aberta, participada e
respeitadora dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, são
justamente os direitos dos particulares que exigem agora, em grande medida, a força
estabilizadora do ato administrativo e um regime de invalidade que a assegura de
forma consequente, seja através de um ónus de impugnação pelos interessados num
prazo curto, seja através da limitação de poderes de autotutela administrativa da
legalidade.

As diferenças de regime legal entre a anulabilidade e a nulidade (artigos 162º a 164º


do CPA):
No que respeita à eficácia, a improdutividade absoluta do ato nulo (relativamente aos
efeitos próprios visados), contrasta com a eficácia provisória do ato anulável,
submetido a um ónus de impugnação, e, mais ainda, com a eventual eficácia plena dos
atos anuláveis tornados inimpugnáveis (por não ter havido impugnação tempestiva). A
ineficácia do ato nulo não exprime uma incapacidade que resulta da lei com efeito
automático (ipso iure), que o tribunal ou órgão administrativo competente se limitam
a declarar, enquanto a perturbação da eficácia do ato anulável só se produz mediante
uma pronúncia de anulação, seja administrativa ou judicial, que anule o ato
administrativo. Não deve, aliás, por isso mesmo, confundir-se um ato nulo
(originariamente) com um ato anulado, já que este produziu validamente efeitos,
ainda que provisórios, até à anulação.
Admite-se a ratificação (convalidação), reforma ou conversão dos atos anuláveis, mas,
apesar de se passar a admitir (em 2015) a reforma e a conversão, mantém-se a
impossibilidade da ratificação dos atos nulos (artigo 164º do CPA). Portanto, as figuras
de regularização (ou de convalidação) do ato administrativo, que visam eliminar vícios
que afetem a validade do ato administrativo, são as seguintes:

• Ratificação: Traduz-se em proceder à eliminação de vícios orgânicos


(incompetência do autor do ato) e formais (não adoção pelo ato de uma forma
solene que a lei exige). É o caso do ato praticado sem fundamentação, que
pode ser objeto de uma ratificação posterior, praticando-se o ato com a
respetiva fundamentação (Exemplo: O Diretor-Geral pode ratificar o ato
administrativo do Diretor-Regional).
• Reforma: Refere-se à eliminação de partes ou cláusulas do conteúdo do ato
que são ilegais (exemplo: eliminação de uma condição ilegal). Deste modo,
conserva-se a parte não afetada pela ilegalidade do ato que foi praticado. A
reforma só é possível se o ato administrativo for divisível em partes e vai
eliminar o ponto defeituoso do mesmo, de modo a torná-lo são.
• Conversão: Envolve a transformação do tipo de ato administrativo praticado
(que, naquela configuração típica, não poderia ter sido praticado no caso), por
um outro tipo de ato administrativo (não se confunde com a reforma, em que
nesta, o ato reformado mantém-se na sua dimensão típica e na conversão, o
ato novo é tipicamente diferente do ato primitivo).
No entanto, verifica-se uma certa aproximação dos regimes, na medida em que a
anulação tem eficácia ex tunc, tal como a declaração de nulidade. Acresce que, entre
nós, por um lado, se admite a anulação do ato administrativo pela própria
Administração, mesmo quando foi ela a causadora do vício (não tem de propor uma
ação judicial) e, por outro lado, não se salvaguarda, como regra, a proteção da
confiança legítima do interessado dentro do prazo da impugnabilidade judicial. O rigor
do regime legal da nulidade pode em muitas circunstâncias revelar-se excessivo,
designadamente quanto à impossibilidade de ratificação (artigo 164º/2 do CPA) e
quanto ao regime da imprescritibilidade do poder de conhecimento da nulidade por
qualquer autoridade administrativa ou judicial ou da sua declaração pelos tribunais
competentes (artigo 162º/2 do CPA).
A moderação desse rigor resulta, quer da possibilidade de haver disposições legais
limitadoras dos efeitos típicos da nulidade (“salvo disposição legal em contrário”), quer
sobretudo da possibilidade de reconhecimento jurídico de efeitos ou situações de
facto produzidos pelo ato nulo, com fundamento em princípios jurídicos fundamentais,
como os princípios da segurança jurídica, da boa fé e da proteção de confiança legítima
ou o princípio da proporcionalidade, designadamente associados ao decurso do
tempo, que hoje está mais claramente prevista no nº3 do artigo 162º do CPA. No que
respeita à anulabilidade, é de salientar que o CPA, em 2015, na linha de uma prática
jurisprudencial alargada, embora contestada por alguma doutrina, e com o objetivo de
a disciplinar normativamente, passou a admitir a não produção do efeito anulatório,
apesar da invalidade, em três circunstâncias (artigo 163º/5 do CPA):
1. Desde logo, permite-se o aproveitamento do ato, isto é, a sua não anulação
pelo juiz, apesar da invalidade, quando o conteúdo do ato não possa ser outro,
nos casos de conteúdo devido, legalmente vinculado, ou de redução da
discricionariedade a zero (“quando a apreciação do caso concreto permita
identificar apenas uma solução como legalmente possível”). A Administração,
na sequência da anulação, iria praticar outro ato com os mesmos efeitos,
diferentemente da Lei Italiana, não se ressalva, porém, a eventual existência de
um interesse relevante na anulação, casos em que poderá, então, haver, entre
nós, lugar a indeminização. O efeito anulatório não se produz, por força da lei,
apesar de o ato não ser válido, já que o vício, seja formal ou substancial, se
mantém. O aproveitamento verifica-se mais frequentemente quando se trata
de atos favoráveis, mas é igualmente possível quanto a atos desfavoráveis (por
exemplo: aproveitamento de um ato anulável de indeferimento de projeto de
arquitetura que contrariava o PDM – Acórdão do STA de 22/03/2011).
2. Por outro lado, admite-se a irrelevância do vício de procedimento ou de forma
quando o fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha
sido alcançado por outra via, isto é, quando da violação não tenha resultado no
caso uma lesão efetiva dos valores e interesses protegidos pelo preceito formal
ou procedimental violado, por esses valores ou interesses terem sido
suficientemente protegidos por outra via (trâmite substituível por outro ou
forma suprível por outra), que corresponde à situação tradicionalmente
formulada pela jurisprudência como “degradação das formalidades essenciais
não essenciais”.
3. Por fim, o vício gerador de invalidade também é improdutivo, na prática,
quando, no caso concreto, se comprove, sem margem para dúvidas, que,
mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo, isto é,
que não teve qualquer influência na decisão. Esta situação pode resultar de
vícios formais ou procedimentais (designadamente, em atos eleitorais ou em
decisões de órgãos colegiais, com relevância para o Acórdão do STA de
26/10/2010), mas em muitos casos, resultará de vícios substanciais (por
exemplo, nos casos tradicionais de fundamentos ou motivos superabundantes).
Note-se que, em todas estas situações, não estamos perante um poder do juiz ou uma
faculdade da Administração, mas perante uma inibição, por determinação legal, da
produção do efeito anulatório em casos concretos. Tal como não se trata aqui, salvo
porventura no caso da irrelevância, de uma validação legal do ato, dado que a
ilegalidade e a invalidade se mantêm, de modo que não está excluída a possibilidade
de indemnização, se tiver havido a causação de danos que afetem direitos ou
interesses legalmente protegidos de particulares, seja por danos não patrimoniais
(para quem os admita em caso de violação de preceitos formais), seja por danos
causados por diferenciação temporal (hipotética).
Os casos de nulidade:
O CPA prevê, atualmente, um único fundamento para a nulidade dos atos
administrativos: a determinação expressa da lei, seja nos casos previstos no artigo
161º/2 do CPA, seja nas situações previstas em leis avulsas. Deixou de prever, por
razões de segurança jurídica, as chamadas nulidades por natureza, que se verificavam
mediante a falta de qualquer elemento essencial do ato administrativo.
O artigo 161º/2 do CPA identifica uma série de hipóteses de nulidade, que
correspondem a uma tradição jurisprudencial e legislativa (ligadas às invalidades dos
atos da administração local), acrescida em 2015 de várias situações, propostas ou
detetadas ao longo do tempo pela doutrina e pela jurisprudência. Os casos previstos
no CPA respeitam a vícios relativos a momentos essenciais relativos ao sujeito, ao
objeto, ao fim, ao conteúdo e à forma e ao procedimento do ato (nessa medida, a
qualificação legal pretende corresponder a uma identificação de nulidades por
natureza) ou melhor, a um critério substancial, que também presidiu à qualificação das
novas hipóteses, introduzidas em 2015 (alíneas e), j), k) e l)).
De facto, entende-se que há necessidade de uma teoria “científica” dos vícios, apoiada
numa conceção estrutural do ato administrativo, não sendo adequada a importação
automática do figurino francês, transmudando em categorias abstratas o que fora
pensado e construído como “aberturas” à medida das necessidades práticas num
processo de evolução jurisprudencial (de que constitui referência exemplar a categoria
indiferenciada de “violação de lei”). Apesar de a lei portuguesa consagrar a tipicidade
das nulidades, isso resulta de uma opção pela segurança, mas não põe em causa a
escolha de uma conceção substancial de nulidade, continuando a impor-se, quer para
efeitos de política legislativa, quer para efeitos de interpretação e aplicação das
normas legais, uma teoria das invalidades substancialmente coerente e que tenha em
consideração a espécie de atos em causa.
No que respeita à nulidade, o Senhor Doutor Vieira de Andrade entende que devem
ser considerados nulos por natureza aqueles atos que sofram de um vício
especialmente grave e, em princípio, evidente, avaliado em concreto em função das
caraterísticas essenciais de cada tipo de ato administrativo.
Tem-se posto o problema de saber se o critério de gravidade deve ser
complementado, à alemã, por uma ideia de evidência para o cidadão médio, avaliadas
as circunstâncias, quer do vício, quer da sua gravidade (um vício de tal modo grave que
não possa esperar-se de nenhum cidadão médio que as cumpra ou respeite). Esta
caraterística que, para além de constituir uma garantia da excecionalidade e de uma
maior certeza na identificação da figura, está intimamente associada ao regime de
invocação universal da nulidade. O critério de gravidade (do vício) deve, pois, ser
complementado por uma ideia de evidência, para uma avaliação e aplicação adequada
do alcance das qualificações legais de invalidades. Assim, a partir das hipóteses
previstas no artigo 161º/2 do CPA, devem considerar-se nulas as decisões
administrativas com vícios graves e evidentes, equiparáveis à falta de elementos
essenciais do ato administrativo, incluindo os que caraterizam cada espécie concreta.
É isso que explica, por exemplo as nulidades agora introduzidas, na alínea j) (numa
verificação constitutiva, enquanto ato certificativo, deve ter-se por elemento essencial
a veracidade dos factos certificados, sendo a falsidade equiparável à carência absoluta
de objeto ou de conteúdo), na alínea k) (um ato administrativo que vise impor uma
obrigação pecuniária aos particulares, como a liquidação de um imposto, tem como
elemento essencial do tipo a respetiva base legal impositiva), ou na alínea e) (o desvio
de poder para a realização de interesses privados, comparado com o desvio de poder
outros fins públicos, é especialmente grave e, em regra, “evidente numa avaliação
razoável das circunstâncias”, pois que não só não se cumpre o fim legal como se revela
que o agente administrativo utiliza os poderes públicos que lhe foram confiados para
proveito pessoal ou, de todo o modo, para satisfazer os interesses privados de
alguém).
E é esse critério substancial que permitirá considerar nulo, seja com base na alínea d),
seja com base na alínea l), um ato sancionatório em que não tenha sido dada
oportunidade de defesa ao destinatário. De facto, como a jurisprudência hoje admite,
“a nulidade haverá sempre de reportar-se a um desvalor da atividade administrativa
com o qual o princípio da legalidade não pode conviver, mesmo em nome da
segurança e da estabilidade, como acontece no regime-regra da anulabilidade”. Assim,
por exemplo, deve ser nulo um ato administrativo que contenha uma ilegalidade tão
grave que ponha em causa os fundamentos do sistema jurídico, não sendo, em
princípio, aceitável que produza efeitos jurídicos, muito menos efeitos jurídicos
estabilizados.
Neste contexto, os critérios da evidência e da gravidade, ainda que não sejam, só por
si, decisivos para a qualificação do desvalor do ato administrativo como nulidade,
serão relevantes na aplicação da norma, sobretudo naqueles casos em que a
enumeração legal revela alguma imprecisão conceitual, como acontece, por exemplo
com a “ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental”, com “coação
moral”, “deliberação tomada tumultuosamente”, ou mesmo “carência absoluta de
forma legal” e “preterição total do procedimento legalmente exigido”.

Conexão entre vícios e tipos de invalidade dos atos:


A partir destes critérios é possível elaborar uma tabela de conexão, ainda que
meramente tendencial, entre vícios e tipos de invalidade dos atos em função do
momento estrutural afetado.

• Vícios relativos ao sujeito: Usurpação de poder, falta de atribuições,


incompetência e falta de legitimação.
São nulos os atos praticados com usurpação de poder ou fora das atribuições (artigo
161º/2/a e b do CPA). Qualificação que valerá também para os atos administrativos
praticados por órgão territorialmente incompetente na administração descentralizada.
São, igualmente, nulos os atos com faltas graves de legitimação (falta de convocatória
do órgão colegial ou falta de reunião, falta absoluta de investidura do titular), devendo
tumultuosidade ou a falta de quórum (artigo 161º/2/h do CPA) ser interpretadas, nos
casos concretos, em função da sua gravidade (o tumulto terá de ser violento e, quanto
ao quórum, há-de ter-se em conta o disposto no artigo 29º/2 e 3 do CPA).
São ainda nulos, os atos praticados sob coação absoluta (física) ou coação moral
(artigo 161º/2/f do CPA), mas justifica-se uma “redução teleológica” da coação moral,
que deve ser grave e evidente para gerar a nulidade.
Os restantes vícios da vontade (dolo, negligência) não revelam, em regra, diretamente
(autonomamente) como vícios do sujeito, mas revelam indiretamente como vícios de
fim ou de conteúdo, designadamente como indícios ou manifestações de uso incorreto
do poder discricionário.

• Vícios relativos ao objeto: Impossibilidade, indeterminação, falta de


idoneidade e falta de legitimação.
Serão nulos, em princípio, os atos cujo objeto seja impossível (física ou juridicamente)
ou indeterminado (artigo 161º/2/c do CPA). Serão anuláveis, em regra, os atos nas
situações de falta de idoneidade ou de falta de legitimação do objeto.

• Vícios relativas à estatuição


Vícios formais:
1. Vícios de procedimento: Estes resultam da falta de trâmites processuais e que
provocam, em geral, a anulabilidade, mas me alguns casos, geram a nulidade,
como sucede neste último caso na violação de certos direitos fundamentais
procedimentais, designadamente em atos sancionatórios ou a preterição total
do procedimento legalmente exigido, ao abrigo do artigo 161º/2/d e l do CPA.
Igualmente, estes vícios de procedimento podem constituir meras
irregularidades, que não devem ser confundidos com os vícios que ocorram nos
atos do procedimento, por exemplo, pareceres ou provas ilegais, que podem
influir na decisão e projetar-se nela, determinando, então vícios de conteúdo.
2. Vícios de forma: Os vícios de forma consistem no incumprimento do modo de
exteriorização do ato, incluindo a falta ou a insuficiência da fundamentação
obrigatória, geram, em regra, a anulabilidade do ato. No entanto, podem
provocar a nulidade nos casos mais graves, quando se verifique uma carência
absoluta de forma legal, ao abrigo do artigo 161º/2/g do CPA. Ainda podem
constituir meras irregularidades, quando estejamos perante aspetos formais
menores, que devam qualificar-se, em si, como formas “não-essenciais”.
A posição jurisprudencial tradicional de “degradação das formalidades essenciais não-
essenciais”, quando não afetassem a validade substancial do ato administrativo
(degradação justificada por razões de segurança jurídica e, sobretudo, de economia
processual), foi objeto de uma resposta crítica de parte da doutrina, baseada na
revalorização do “direito das formas”, que tende a conferir relevância invalidante à
violação de preceitos formais, sobretudo ao incumprimento de normas procedimentais
e daquelas que visam assegurar a imparcialidade subjetiva dos titulares dos órgãos
decisores. No entanto, nos casos de anulabilidade formal ou procedimental, a lei
prevê, hoje, uma limitação dos efeitos invalidantes dos vícios em algumas situações
típicas, tendo em conta a instrumentalidade dos preceitos. É de salientar a menor
relevância dos vícios formais no contexto de um contencioso administrativo de base
subjetivista, na medida em que o processo visa apenas, nem principalmente, assegurar
a legalidade, mas a garantia dos direitos e interesses legalmente protegidos dos
particulares. Essa menor relevância manifesta-se sobretudo no âmbito das ações com
pedidos condenatórios, na medida em que os preceitos formais infringidos visem
assegurar apenas interesses públicos e não interesses dos particulares (cuja ofensa
será, em regra, pressuposto de legitimidade processual para a propositura desse tipo
de ação), embora deva presumir-se a intenção protetora sempre que uma norma de
direito objetivo seja necessária ou adequada à realização de determinados interesses
particulares. Na mesma linha subjetivista, há atualmente um movimento, oriundo do
direito europeu, no sentido da valorização das formas procedimentais que visam
proteger os particulares, designadamente, dos direitos à audiência prévia, à
fundamentação e à informação procedimental, no quadro de um “direito a uma boa
administração”, consagrado na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia
(artigo 41º). As soluções judiciais devem, por isso, basear-se na ponderação cuidadosa
das circunstâncias relevantes, em vista de uma harmonização racional adequada dos
valores e princípios (formais e substanciais) em conflito nos casos concretos.
Vícios substanciais:
1. Vícios de fim: Os vícios de fim têm relevo autónomo apenas no domínio
vinculado, quando falte o pressuposto abstrato (falta de base legal) ou
pressuposto de facto (a situação concreta invocada não existe, como no erro de
facto, ou não é subsumível na hipótese legal, como no erro de qualificação dos
factos ou erro de direito quanto aos factos). No domínio discricionário, quer se
trate de espaço de avaliação relativo à própria hipótese legal, quer se trate de
uma prerrogativa de decisão ou de um poder de escolha conferido na
estatuição, os vícios relativos aos pressupostos projetam-se sempre na escolha
do conteúdo (por exemplo, nos casos tradicionais de desvio de poder).
Normalmente, os vícios relativos aos pressupostos conduzem à anulabilidade,
mas podem gerar nulidades em circunstâncias que tornem a ilegalidade
especialmente grave, tal como quando a falta de base legal se equipara à falta
de atribuições (exemplo: quando o fim prosseguido pelo ato seja um interesse
privado ilícito, ou em caso de falta de lei habilitante em matéria de imposição
tributária, segundo as alíneas e) e k) do nº2 do artigo 161º do CPA).
2. Vícios de conteúdo: Os vícios de conteúdo incluem, quer os defeitos que
afetam diretamente o conteúdo, quer as incorreções relativas aos motivos que
estiveram na base da decisão discricionária (sendo então, em rigor, vícios na
relação fim-conteúdo). Em geral, o conteúdo viciado conduz à anulabilidade do
ato, mas também aqui se verificam alguns casos de nulidade, como a
impossibilidade, a incompreensibilidade e a ilicitude grave do conteúdo,
designadamente nos casos em que constitua ou seja determinado pela prática
de um crime ou ofenda o conteúdo essencial de um direito fundamental, bem
como, nos casos de ato administrativo certificativo, a sua falsidade (artigo
161º/2/c, d, j do CPA). Os vícios no uso de poderes discricionários, que se
verificam quando os motivos invocados pelo autor do ato para tomar a decisão
se comprovam inexistentes, deficientes, falsos, desviados, errados,
irrelevantes, contraditórios, incongruentes ou ilegítimos, são vícios na relação
fim-conteúdo (vícios funcionais da decisão), normalmente associados à violação
de princípios jurídicos (imparcialidade, justiça, igualdade, proporcionalidade,
racionalidade, veracidade, boa fé) que provocam, na generalidade dos casos, a
anulabilidade do ato.
3. Vícios da decisão: Os vícios da decisão poderão ser vistos como uma categoria
autónoma, quando se trate de vícios funcionais que não produzam
necessariamente um conteúdo ilegítimo, de tal modo que, apesar de o vício ser
substancial o ato possa ser renovado pela Administração com o mesmo
conteúdo. Esta situação poderá ocorrer nas hipóteses de “não consideração de
todas as circunstâncias relevantes” (em violação do princípio da
imparcialmente, na dimensão objetiva) e de “não uso do poder discricionário”
(que deveria ter sido exercido no caso concreto, mas não foi aplicando-se uma
regra abstrata) pelo órgão administrativo. Nessas situações, é possível a
renovação se, consideradas todas as circunstâncias ou usadas as faculdades
discricionárias, o autor entenda dever praticar um ato com os mesmos efeitos.
Portanto, relativamente aos vícios de conteúdo no uso de poderes discricionário, estes
podem abranger as seguintes situações:

• A violação do conteúdo essencial de um direito fundamental (Exemplo: a


Administração decide proibir a manifestação de um grupo ou aplica uma sanção
disciplinar sem audiência).
• Vícios da vontade, como o erro, o dolo e a coação, em que não há vontade livre e
esclarecida. Convém notar que, nas situações de dolo e de coação, não é a
Administração que comete a ilegalidade, mas o particular que engana, de forma
consciente, o agente administrativo para obter um certo ato favorável (Exemplo: o
agente administrativo é forçado a praticar um ato sob coação física ou psicológica).
• Na relação fim-conteúdo (relação que ocorre nos atos discricionários pode dar-se o
vício designado de desvio de poder. Portanto, haverá desvio de poder nas
seguintes situações:
➢ Desvio de poder para fins de interesse público: quando o órgão visa alcançar
um fim de interesse público, embora diverso daquele que a lei impõe. Exemplo:
o caso de exercícios de poderes de polícia, não para fins de segurança pública,
mas para obter receitas para o domínio público.
➢ Desvio de poder para fins de interesse privado: Quando o órgão não prossegue
um fim de interesse público, mas um fim de interesse privado. Exemplos:
razões de amizade, parentesco, obtenção de vantagens patrimoniais ou
pecuniárias. Este é um vício muito grave que gera a nulidade do ato
administrativo.
• Vícios no uso de poderes discricionários (como já referido) podem implicar a
análise dos motivos expostos pelo decisor, como motivos inexistentes, deficientes,
falsos, contraditórios, incongruentes, que são vícios na relação fim-conteúdo
(vícios funcionais da decisão) e que estão, normalmente, associados à violação de
princípios jurídicos (imparcialidade, justiça, igualdade, proporcionalidade,
racionalidade) por não consideração de todas as circunstâncias relevantes no caso.
Assim, os vícios de conteúdo no uso de poderes discricionários provocam a
anulabilidade do ato administrativo. Por seu turno, as exceções que provocam a
nulidade do ato são as seguintes: violação do conteúdo essencial de um direito
fundamental, coação absoluta e o desvio de poder para a prossecução do interesse
privado.

Revogação, declaração de nulidade, anulação e regularização do ato


administrativo
Os atos administrativos inválidos podem ser objeto de “revisão” administrativa, isto é,
de uma reapreciação negativa ou divergente, pelo próprio autor ou por órgão dotado
de competência bastante, da qual pode resultar a convalidação do ato (ratificação,
reforma e conversão) ou então a sua invalidação.
A declaração de nulidade dos atos administrativos:
Tradicionalmente, a nulidade dos atos administrativos era invocável, a todo o tempo,
por qualquer interessado e podia ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer
tribunal ou órgão administrativo. Partia-se do princípio de que o ato nulo era
absolutamente improdutivo e de que tal declaração não seria mais do que o
reconhecimento de uma evidência jurídica em casos raros. E, a partir destas
caraterísticas legalmente definidas, a doutrina e a jurisprudência concluíam ainda que
o ato nulo não tem força jurídica, não é vinculativo, não tem força executiva, nem
força executória, de modo que nenhum órgão ou agente administrativo teria de o
acatar (o subalterno não deveria obediência a ordens nulas do superior, mesmo que
não implicassem a prática de um crime) e os particulares poderiam desobedecer-lhe,
exercendo o seu direito de resistência. No fundo, tudo parecia passar como se o ato
administrativo não existisse.
Só que este panorama apocalíptico do regime da nulidade, que foi elaborado tendo
em mente os atos da “administração agressiva” e uma tipificação legal muito restrita
dos casos e dos vícios gerados de nulidade, é excessivamente radical e não responde
em termos adequados à realidade dos tempos de hoje, até tendo em conta o
alargamento do conceito e das espécies de ato administrativo, bem como uma
extensão da categoria da nulidade e o consequente caráter problemático da
qualificação da invalidade. Por isso, foram-se admitindo algumas compreensões no
que respeita ao regime legal da nulidade, em que para além de se prever a
impugnação judicial e a suspensão da eficácia de atos nulos, reconheceram-se efeitos
putativos a situações de facto criadas por atos nulos por consideração de princípios
jurídicos. E, sobretudo, ao nível da doutrina, manifestou-se o desconforto de boa parte
dos autores perante um regime que se revelava tão rígido e tão insensível à
consideração da realidade e dos valores e interesses em jogo. Assim, por exemplo:
1) Não deveria ser admissível a declaração de nulidade por qualquer órgão
administrativo ou qualquer tribunal, tal como não deveria ser admitida sempre a
declaração de nulidade a todo o tempo.
2) A nulidade deveria ser suscetível de convalidação em determinados casos e,
sempre, de conversão (expressa).
3) Os agentes administrativos não teriam o dever de desobedecer (ou não poderiam
desobedecer) as ordens nulas ou baseadas em atos nulos, a não se que
implicassem a prática de um crime (ou porventura a ofensa de um conteúdo
essencial de um direito fundamental do cidadão).
Tratava-se de introduzir alguma flexibilidade no regime, em função da diversidade de
situações, e de reconhecer a dificuldade problemática, o que suscitou propostas de
modulação do regime e de diferenciação interna (por exemplo, reconhecendo uma
força de “nulidade-inexistência”, evidente e especialmente grave, à qual se aplicaria o
regime radical, admitindo compreensões do regime em outras situações menos
graves). É dizer que a opção legislativa por uma categoria da nulidade, a par da
anulabilidade, no que respeita às atuações administrativas, não justificava injustiças ou
iniquidades de resultado, nem devia dispensar os operadores jurídicos de pensarem e
de atuarem racionalmente.
A revisão do CPA em 2015 veio ao encontro de algumas destas preocupações:

• Restringiu o âmbito de aplicação do regime da nulidade, ao impor uma


determinação legal expressa desse tipo de invalidade.
• Teve em conta a diferença entre a declaração formal e o conhecimento da
nulidade: se é admissível a competência de qualquer órgão ou de qualquer tribunal
para o conhecimento da nulidade (e consequente desaplicação do ato), já só os
órgãos administrativos competentes para a anulação ou os tribunais
administrativos podem proceder à declaração da nulidade de um ato
administrativo.
• Admitiu que os atos nulos, verificados os pressupostos respetivos, possam ser
objeto de reforma e de conversão.
• Clarificou e alargou a possibilidade da atribuição de efeitos jurídicos a situações de
facto decorrentes de atos nulos, que antes se limitava às hipóteses de decurso do
tempo, associados a princípios gerais de direito (o que permitiu uma interpretação
restritiva da jurisprudência, que limitava o alcance do preceito às situações de
usucapião).
Ainda assim, o regime da improdutividade total e a invocação perpétua da nulidade
não deixa de ser especialmente rígido, sendo suscetível de afetar desrazoavelmente
interesses dignos de proteção jurídica. Por exemplo, talvez não devesse admitir-se a
declaração de nulidade de atos favoráveis a todo o tempo, mas apenas num prazo
razoável, contado do conhecimento do vício, dentro de um limite máximo, e medido
também em função da boa-fé do particular beneficiado (caso particular do prazo de
caducidade de 10 anos para a declaração de nulidade de atos urbanísticos). Tal como
deveria recusar-se ou limitar-se em certas hipóteses a competência administrativa
para a declaração de nulidade, designadamente quando não é evidente a existência
desse tipo de invalidade ou, relativamente a determinados vícios, quando estes sejam
inteiramente imputáveis ao órgão administrativo, devendo exigir-se, então, a
declaração da nulidade por via judicial.
Neste contexto, interessa em especial analisar o alcance da nulidade do ato perante os
seus destinatários, em que a lei refere-se apenas à possibilidade de invocação pelos
interessados. Os destinatários do ato pode, obviamente, invocar a nulidade da decisão
(em regra, a todo o tempo) perante as autoridades administrativas ou judiciais
competentes, para que estas declarem ou conheçam a nulidade. O problema é o de
saber se têm o ónus de fazê-lo se quiserem evitar ou reagir contra a modificação da
situação de facto que o ato nuo muitas vezes produz. Ou seja, como devem os
destinatários comportar-se perante um ato que considerem nulo? O artigo 21º da
CRP consagra o direito de resistência dos cidadãos perante quaisquer ordens que
ofendam os seus direitos, liberdades e garantias, mas na lei nada se diz relativamente
a outras situações, que não digam respeito a atos impositivos ou ablativos, ou que não
ofendam direitos fundamentais daquela qualidade. Tem de entender-se, no entanto,
que o regime da nulidade não inclui, fora o referido caso do direito de resistência, a
possibilidade de os destinatários pura e simplesmente ignorarem ou desobedecerem a
uma decisão de um órgão administrativo dotado de poderes de autoridade, como se
esta não existisse, por considerarem que, em seu juízo ou opinião, o ato é nulo. Não
pode generalizar-se o poder de conhecimento autónomo da nulidade e a consequente
liberdade, direito ou poder de desaplicação do ato nulo, sobretudo quando a
identificação da figura não seja de solução vidente, e o risco de um juízo errado há-de
correr por conta do destinatário que não cumpra a decisão, não podendo justificar-se
com a boa fé. Uma vez mais, há que distinguir as situações, só se justificando a
radicalidade do regime nos casos mais graves, quando seja evidente para um cidadão
médio a ofensa insuportável de valores básicos de legalidade.
O conhecimento da nulidade pelos destinatários, com a consequente desaplicação do
ato administrativo, há-de pressupor o exercício de um direito próprio anterior (um
direito radicado na esfera jurídica do particular) ou de uma competência própria do
órgão ou agente administrativo (incluindo uma competência de execução), desde que
esse direito ou essa competência não dependam, eles próprias, da eficácia do ato
considerado nulo. Assim, é óbvio que o requerente não pode, por exemplo, ignorar um
indeferimento, que considere nulo, de uma dispensa ou licença (ou mesmo a recusa de
renovação de uma licença, embora possa haver aí um interesse legalmente protegido):
o particular tem de reagir judicialmente perante o ato (hoje, através de uma ação de
condenação, armada com as respetivas providências cautelares), visto que não
adquiriu o direito a exercer a atividade. Não será assim, em princípio, no caso de se
tratar de uma autorização permissiva, porque o particular já é titular do direito,
embora na prática possa haver obstáculos ao exercício efetivo do seu direito, por ser
necessária a colaboração administrativa (por exemplo, a se for indispensável a
passagem de alvará).
Já não é tão claro, mas algo de semelhante deverá valer, em regra, nos casos em que o
ato desfavorável é um ato de segundo grau, que anula ou declara nulo um ato
anterior, constitutivo de direitos ou poderes. O particular ou o órgão administrativo
não podem ignorar ou desaplicar o ato administrativo secundário e exercer o direito
ou o poder conferido pelo ato de 1º grau, a não ser que se trate de um caso em que
não possa haver dúvidas razoáveis sobre a nulidade, por o vício ser evidente e
especialmente grave. Pense-se, por exemplo, num caso em que o ato de segundo grau
viola claramente uma decisão judicial transitada em julgado, embora, mesmo aí, o
particular possa ser na prática obrigado a obter a declaração de nulidade, por o
exercício da atividade depender de outras pronúncias administrativas.
Esta limitação do conhecimento da nulidade dos atos administrativos de autoridade
aos casos de nulidade especialmente grave e evidente valerá do mesmo modo, se
estiverem em causa atos ablativos, proibitivos ou impositivos de obrigações,
designadamente quando não se trate de exercício de direitos, liberdades e garantias:
o particular não goza do direito de resistência e será, muitas vezes ou até em regra,
obrigado a suportar os efeitos de facto das decisões administrativas nulas, que a
Administração pretenderá executar, se for caso disso, coercivamente. Cabe, ao
particular, por via judicial, proteção contra a atuação administrativa, bem como a
reconstituição da situação de facto anterior, caso o tribunal confirme a existência de
nulidade. Por isso, torna-se fundamental a garantia de uma tutela judicial efetiva do
particular nestas situações, daí que a lei preveja a impugnação judicial e, sobretudo, a
própria suspensão da eficácia de atos nulos (que oferece a vantagem de desencadear a
proibição de execução do ato pela mera notificação judicial da apresentação do
requerimento de suspensão), sendo certo que, atualmente se admite, designadamente
em situações graves e urgentes, a convolação do processo cautelar, permitindo ao juiz
antecipar o juízo sobre a causa principal (artigo 121º do CPTA).
A garantia de um amparo judicial, principalmente em situações de urgência, permite
evitar o risco de uma invocação errada pelos particulares, com prejuízo para eles e
para o interesse público, pois que mesmo nos casos que envolvam ofensa a direitos
fundamentais, deve haver um uso prudente do direito de resistência.
A questão do conhecimento e da invocação da nulidade dos atos administrativos não
surge, porém, apenas no âmbito das relações externas, entre a Administração e os
cidadãos, ganhando outra dimensão quando se trate de aplicação do regime nas
relações administrativas internas. Aqui perdem espaço os direitos dos particulares e
entram em consideração valores de disciplina, de segurança jurídica e de eficácia
associados à organização e ao funcionamento das instituições. Embora, a doutrina
administrativa ainda se divida sobre o assunto, na opinião do Senhor Doutor Vieira de
Andrade, o dever de obediência do agente ou titular de órgão sujeito a hierarquia há-
de, em princípio, prevalecer, mesmo nos casos de nulidade, justamente para assegurar
a disciplina e o normal funcionamento dos serviços públicos. Ressalva-se,
naturalmente, a hipótese de a execução do ato administrativo envolver a prática de
um crime, e porventura, outras situações evidentes de nulidade-inexistência, como
aquelas em que esteja em causa o conteúdo essencial de direitos, liberdades e
garantias dos cidadãos, embora, sobretudo, nestas últimas hipóteses, se exija sempre
a prudência do agente ou titular, que há-de possuir conhecimentos jurídicos e estar
convencido da ofensa ao valor constitucional.
Contudo, situação diferente é a de um órgão, mesmo que subalterno, quando seja
titular de uma competência própria, ainda que seja de mera execução, no exercício da
qual poderá conhecer da nulidade do ato exequendo.

Anulação administrativa de atos administrativos:


A lei permite a anulação dos atos por decisão administrativa, oficiosa ou mediante a
reclamação ou recurso dos interessados. No entanto, o CPA, até 2015, incluía a
anulação administrativa numa figura complexa de revogação. Acontece, porém, que se
trata de figuras bem diferentes, como é reconhecido na generalidade da doutrina
europeia:

• Revogação propriamente dita: É um ato que se dirige a fazer cessar os efeitos


doutro ato administrativo, por se entender que não é conveniente para o interesse
público, manter esses efeitos produzidos anteriormente.
• Revogação anulatória ou anulação: É um ato através do qual se pretende destruir
os efeitos de um ato anterior, mas com fundamento na sua ilegalidade, ou pelo
menos, num vício que o torna ilegítimo e, por isso, inválido.
Assim, a revogação propriamente dita distingue-se da revogação anulatória quanto à
função, porque naquela está em causa o exercício de uma atividade administrativa
ativa, enquanto que neste se cumpre uma função de (auto)controlo. Por isso mesmo,
há uma diferença entre o fundamento da revogação propriamente dita, que é
tipicamente a inconveniência atual para o interesse público, tal como é configurado
pelo agente, da manutenção dos efeitos do ato que é revogado, e o fundamento ou a
causa do ato na anulação, que é a ilegalidade do ato. Daí decorre outra diferença: o
poder de revogação pertence a quem possa legalmente praticar o ato, ou seja, integra
uma competência dispositiva, enquanto para a anulação de um ato administrativo
pode ser competente qualquer órgão que tenha um poder de controlo, uma
competência de fiscalização (na maior parte dos casos, além do autor potencial e do
delegante, o superior hierárquico, mas muitas vezes também o titular de um poder de
superintendência e até de tutela, se tal estiver expressamente previsto na lei).
São ainda patentes as diferenças quanto ao respetivo objeto (mediado): enquanto são
suscetíveis de anulação administrativa quaisquer atos, à revogação propriamente dita
estão sujeitos apenas alguns tipos de atos, isto é, os que produzem efeitos atuais ou
potenciais (não caducados nem esgotados), designadamente os atos com eficácia
duradoura (os atos de eficácia instantânea, mas ainda não executados).
Por último, também os efeitos de uma e outra figura são diversos. Os efeitos da
revogação são efeitos para o futuro (ex nunc), embora possam, em certos casos e em
certas condições, ser retrotraídos a um momento anterior (desde logo, quando se
revogue um ato na sequência de impugnação administrativa ou nos casos previstos no
artigo 171º/1 do CPA). Enquanto, os efeitos naturais da revogação anulatória ou
anulação se produzem ex tunc, reportando-se ao momento da prática do ato anulado
(ou ao da existência do vício, nos casos de invalidade superveniente), embora possam,
excecionalmente, valer apenas para o futuro (como se prevê no artigo 168º/4/b e no
artigo 171º/3 do CPA).
Em face desta distinção profunda entre as duas figuras, percebe-se que a revisão do
CPA, em 2015, as tenha separado e autonomizado, embora as tenha tratado na mesma
secção. Isto não apenas, nem fundamentalmente, por uma questão conceitual ou de
asseio formal, para satisfazer puras preocupações analíticas ou alguns interesses
doutrinários, mas porque a circunstância de estas duas figuras aparecerem tratadas
em conjunto causava na prática alguns problemas e podia conduzir a soluções
erróneas ou inadequadas.
Competência para a anulação administrativa: Os atos administrativos podem ser
objeto de anulação administrativa pelo órgão que os praticou e pelo respetivo superior
hierárquico, bem como, em caso de delegação de poderes, pelo órgão delegante ou
subdelegante. Por sua vez, os atos administrativos praticados por órgãos sujeitos a
superintendência ou tutela administrativa só podem ser objeto de anulação
administrativa pelos órgãos com poderes de superintendência ou tutela nos casos
expressamente permitidos por lei, ao abrigo do artigo 169º/3, 4 e 5 do CPA. A
anulação administrativa poderá ser oficiosa ou na sequência de reclamação ou
recurso administrativo dos interessados. Há aqui uma diferenciação entre a
revogação e a anulação, dado que os superiores hierárquicos não podem revogar os
atos dos subalternos quando se trate de ato da competência exclusiva destes (artigo
169º/2 do CPA).

O regime da anulação administrativa originário do CPA:


Até 2015, o CPA estabelecia a proibição total ou a admissibilidade livre da anulação
administrativa (“revogação anulatória”), conforme tivesse decorrido, ou não, o prazo
de impugnação judicial (ou tivesse já havido lugar, ou não, à contestação da
autoridade recorrida). Optara-se por uma pura solução temporal de total precariedade
do ato até um certo momento, e de estabilidade absoluta a partir daí, sem considerar
aspetos substanciais relevantes que recomendariam porventura diferenciações de
regime. Por exemplo, não se consideravam as diferenças entre atos constitutivos de
direitos, atos precárias e atos desfavoráveis, que podem ser decisivas para a
ponderação dos interesses no caso, tal como não se dava relevo à boa fé ou à má fé do
particular, que é importante para saber em que medida o particular tem direito à
proteção da confiança que depositou no ato. Esta solução legislativa partia de um
postulado tradicional na doutrina e jurisprudência portuguesas: o de que a queda do
prazo do recurso contencioso implicava a sanação do vício e, portanto, a validação do
ato anulável, mesmo que o vício não fosse irrelevante nem tivesse sido efetivamente
eliminado.
No entanto, este postulado era inaceitável, quer ao nível dogmático, quer ao nível
prático. No plano da construção jurídica, havia razão para perguntar se não estaríamos
perante um tributo indevido à doutrina do direito privado. Aí, percebia-se
perfeitamente que o ato meramente anulável se convalidasse caso os únicos
interessados na anulação não promovessem o apuramento judicial do vício. Mas será
que isso devia valer também para o ato administrativo, sendo certo que a invalidade
não era estabelecida, as mais das vezes, no interesse particular? É certo que o prazo
decisivo neste contexto era o do Ministério Público (um ano), mas será que este podia
ser considerado, para este efeito, o representante exclusivo do interesse público ou da
legalidade? Verificou-se que seria mais adequado ao caráter público da ilegalidade que
o mero decurso do prazo, mesmo quando o vício gere apenas a anulabilidade, não
implicasse a pura e simples validação do ato administrativo, sem prejuízo de o ato
ganhar alguma estabilidade, quer na medida em que se torne inimpugnável perante
um tribunal, quer na medida em que outros valores ou interesses substanciais
imponham a sua imodificabilidade pela Administração.
E esta conclusão ao nível dogmático impôs-se ainda mais na medida em que a pura
sanação do ato pelo decurso do prazo, para além de outros efeitos laterais menos
bons, impedia a obtenção de soluções de justiça material nos casos concretos. Por
exemplo:

• Por que não admitir a anulação, para além do prazo de impugnação judicial, de um
ato desfavorável? Ou até de um ato favorável, quando o particular estivesse de má
fé ou por outra razão não fosse titular de uma posição subjetiva de confiança (na
estabilidade do ato) merecedora de proteção jurídica?
• Por que não proteger melhor a confiança do particular de boa fé, mesmo antes de
decorrido o prazo máximo de impugnação, limitando os poderes de anulação
administrativa e impondo uma ponderação entre os seus “direitos” e a legalidade
ou o interesse público (até porque são diferentes as causas de ilegalidade e pode
mesmo haver, sem ilegalidade, má fé latente na pretensão administrativa de
anulação)?
É certo que a jurisprudência poderia fazer distinções para além da lei e até em certa
medida corrigir a própria norma legal de acordo com os princípios jurídicos. No
entanto, era mais prudente e seguro efetuar uma modificação do texto legal, como em
boa medida se fez em 2015. Por outro lado, também não se podia aceitar a proibição
da anulação administrativa para além do momento processual da contestação da
autoridade recorrida, como dispunha antes no CPA. Se o processo administrativo se
prolongava, pelas razões mais variadas, às vezes por muitos anos, devia admitir-se que
o órgão administrativo competente pudesse anular o ato administrativo, em momento
posterior à contestação, quando só então chegou à conclusão de que o ato era
realmente ilegal. E não se pode dizer que o Tribunal ou o processo fiquem
prejudicados na sua dignidade, porque os motivos da anulação tardia serão, em
regram sérios e, de qualquer modo, há-de valer aqui o princípio do dispositivo ou da
auto-responsabilidade das partes. Esta solução está desde 2015 consagrada no CPA, no
artigo 168º/3, e, aliás já se tinha tornado entretanto imperativa com a nova legislação
do processo administrativo (artigo 64º do CPTA).

Regime atual da anulação administrativa:


Desde logo, é relevante saber se há, ou não, impugnação administrativa ou judicial do
ato administrativo. No caso de haver impugnação administrativa, os requisitos e os
prazos de decisão são os estabelecidos na secção relativa às reclamações e recursos
administrativos, segundo os artigos 184º e ss do CPA. Quando o ato administrativo
tenha sido objeto de impugnação jurisdicional, a anulação administrativa pode ter
lugar até ao encerramento da discussão (artigo 168º/3 do CPA) em consonância com o
disposto no artigo 64º do CPTA, e não apenas, como antes, até à contestação
(“resposta”) da entidade administrativa.
No que respeita à anulação oficiosa, o prazo-regra para a anulação administrativa é
agora de seis meses e conta-se da data do conhecimento, pelo órgão competente, da
causa da invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do autor, desde o
momento da cessação do erro. No entanto, para além deste prazo, há a considerar
outros condicionalismos temporais e substanciais, que revelam uma diferença de
regime entre os atos administrativos constitutivos de direitos e outros, considerando-
se constitutivos de direitos “os atos administrativos que atribuam ou reconheçam
situações jurídicas de vantagem ou eliminem deveres, ónus, encargos ou sujeições,
salvo quando a sua precariedade decorra da lei ou da natureza do ato”, segundo o
artigo 167º/3 do CPA.

• Os atos constitutivos de direitos só podem, em regra, ser objeto de anulação


administrativa dentro do prazo máximo de um ano, a contar da respetiva data de
emissão, ao abrigo do artigo 168º/2 do CPA. No entanto, excecionalmente, os atos
constitutivos de direitos podem ser objeto de anulação administrativa dentro do
prazo de cinco anos, a contar da data da respetiva emissão (salvo se a lei ou o
direito da União Europeia prescreverem prazo diferente), em três circunstâncias
elencadas no artigo 168º/4 do CPA:
➢ Quando o respetivo beneficiário tenha utilizado artifício fraudulento com vista
à obtenção da sua prática;
➢ Quando se trate de atos constitutivos de direitos à obtenção de prestações
periódicas, no âmbito de uma relação continuada, caso em que a anulação tem
eficácia apenas para o futuro (salvo se tiver sido usado artifício fraudulento),
em que este regime valia já para as prestações periódicas no domínio da
segurança social.
➢ Quando se trate de atos constitutivos de direitos de conteúdo pecuniário, cuja
legalidade, nos termos da legislação aplicável, possa ser objeto de fiscalização
administrativa para além do prazo de um ano, com imposição do dever de
restituição das quantias indevidamente auferidas.
Para salvaguarda do princípio da proteção da confiança legítima, determina-se, em
geral, que a anulação administrativa de atos constitutivos de direitos constitui os
beneficiários que desconhecessem sem culpa a existência da invalidade (que estejam,
por isso, de boa fé) e tenham auferido, tirado partido ou feito uso da posição de
vantagem em que o ato os colocava (e tenham efetuado um investimento de
confiança), no direito de serem indemnizados pelos danos anormais que sofram em
consequência da anulação, ao abrigo do artigo 168º/6 do CPA.

• Os restantes atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa,


mesmo que se tenham tornado judicialmente inimpugnáveis, desde que não tenha
decorrido o prazo máximo de cinco anos, a contar da respetiva emissão.
A lei determina ainda, ao abrigo do artigo 168º/5 do CPA, que, quando o ato se tenha
tornado inimpugnável pela via jurisdicional, ele só pode ser objeto de anulação
administrativa oficiosa, tornando claro que não há, nessas situações, direito do
interessado a impugnação administrativa.
Este regime rompe com a tradicional correspondência perfeita entre os prazos da
impugnabilidade judicial e da anulabilidade administrativa, com um duplo
fundamento: o decurso do prazo de impugnação judicial não torna o ato válido, e pode
haver boas razões para a anulação administrativa de atos tornados inimpugnáveis, seja
de atos desfavoráveis, seja mesmo, em circunstâncias excecionais, de atos
constitutivos de direitos, embora sempre dentro do prazo máximo de cinco anos,
como garantia de estabilidade. Portanto, trata-se de substituir uma solução puramente
temporal, por uma solução substancial, racional e razoável, que atenda aos valores e
interesses em presença nas situações concretas da vida, incluindo regimes especiais,
com soluções diferenciadas, para responder a problemas decorrentes das vicissitudes
a que estão sujeitos os atos administrativos de eficácia duradoura. Assim, explica-se a
distinção entre o regime dos atos constitutivos de direitos e os não constitutivos de
direitos, designadamente, atos que imponham obrigações ou proibições, quanto à
respetiva estabilidade perante o poder de autocontrolo anulatório da Administração.
A lógica da proteção da confiança leva a que se estabeleça o prazo máximo de um ano,
a contar da prática do ato administrativo, para a anulação administrativa dos atos
constitutivos de direitos, que coincide com o prazo para o Ministério Público, em
defesa da legalidade, invocar judicialmente eventuais vícios, admitindo-se, em
situações excecionais, devidamente identificadas, a anulação dentro do prazo de cinco
anos, quando essa confiança não mereça proteção (por má fé), não mereça proteção
total ou deva ceder, ainda que mediante indemnização, perante a primazia do
interesse público. Isto, naturalmente, fora dos casos em que tenha havido impugnação
judicial, em que a anulação só pode ter lugar até ao encerramento da discussão.
Assim, está em causa, pois, nas distintas e diversas situações, o equilíbrio entre a
garantia da legalidade e a estabilidade associada à confiança legítima dos beneficiários
das decisões administrativas. É outra a lógica que preside à solução para os atos não
constitutivos de direitos. Por um lado, não há aqui que salvaguardar a confiança do
destinatário do ato que, pelo contrário, estará interessado na anulação e, por isso, o
prazo máximo de estabilização é mais longo. Por outro lado, não se justifica que a
Administração possa demorar mais de seis meses a anular oficiosamente o ato, a partir
do momento em que toma consciência da ilegalidade, designadamente nas situações
em que o ato se tenha tornado judicialmente inimpugnável (o mesmo valendo para os
casos em que o ato ainda seja impugnável, designadamente pelo Ministério Público).
Em qualquer caso, justifica-se a estabilização dos efeitos da decisão num prazo
máximo de cinco anos, por razões de segurança e de praticabilidade.
Outra é a questão de saber se há dever de anulação administrativa do ato, quando a
Administração verifique ou tome consciência da ilegalidade, em especial quando se
trate da anulação oficiosa de um ato não constitutivos de direitos já judicialmente
inimpugnável. A Administração Pública, nestas situações, para além de poder proceder
à sua convalidação (artigo 164º do CPA) ou aproveitamento (artigo 163º/5 do CPA),
pode anular o ato apenas com efeitos para o futuro (artigo 171º/3 do CPA). No
entender do Senhor Doutor Viera de Andrade, deve, em geral, ponderar a decisão, não
tendo em conta apenas ilegalidade, mas também a gravidade do vício, as
circunstâncias do caso e os interesses em presença, designadamente interesses
públicos relevantes ou de contrainteressados, bem como regimes legais específicos,
tais como, por exemplo, o dos atos administrativos contratuais. Essa ponderação, por
constituir uma decisão administrativa, ainda que de controlo, deve ter em conta a
realização do interesse público, à luz dos princípios jurídicos fundamentais aplicáveis.
De facto, não se compreenderia bem que se permitisse, em circunstâncias especiais, o
reconhecimento de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos
(artigo 162º/3 do CPA) e não se reconhecesse essa possibilidade de ponderação de
interesses, relativamente, a atos anuláveis.
Uma situação especial diz respeito à anulação de “atos consequentes” de atos
anulados. Estes atos eram até 2015 considerados nulos, embora com reserva dos
interesses legítimos de contrainteressados, mas agora passam a ser apenas anuláveis,
tendo em conta a sua remoção do elemento estabelecido no artigo 161º. No entanto,
nos termos do artigo 172º/2 do CPA, quando haja uma anulação administrativa de um
ato, a Administração, no quadro do seu dever de reconstituição da situação hipotética
atual (da situação que existira se o ato anulado não tivesse sido praticado) pode ter o
dever de “anular, reformar ou substituir atos consequentes sem dependência do
prazo”. O CPTA estabelecia já um regime específico para a invalidação dos atos
consequentes de atos anulados judicialmente, regime que agora é, no essencial,
transposto para a anulação administrativa, ressalvando-se a posição dos beneficiários
de boa fé de atos consequentes praticados há mais de um ano, em termos primários
ou, pelo menos, mediante indemnização (artigo 172º/3 do CPA), além da fixação de
um regime específico de trabalhadores (artigo 172º/4 do CPA). Este regime implica um
cuidado especial na delimitação do conceito de ato consequente e na aplicação do
respetivo regime invalidatório.
Desde logo, na linha da jurisprudência que sei veio consolidando no quadro da
anulação judicial, são atos consequentes para este efeito apenas os atos cuja
manutenção seja incompatível com a reconstituição da situação hipotética exigida
pela anulação, considerados os respetivos fundamentos e alcance. Depois contra a
posição dominante na doutrina e na jurisprudência, não deverão ser protegidos
apenas os interesses de terceiros, estranhos à relação jurídica tocada pelo ato anulado,
mas também os interesses dos beneficiários diretos do ato consequente, que podem
estar de boa fé, apesar de não desconhecerem a precariedade.
Por fim, diga-se que não se compreenderia, no contexto normativo do CPA, uma
anulação do ato consequente “sem dependência de prazo”, no sentido de uma
anulação a qualquer momento, em que na realidade, quer dizer-se o seguinte:
“mesmo que se tenha tornado inimpugnável”, valendo os limites temporais fixados no
artigo 168º do CPA, que estabelece um prazo de seis meses após o conhecimento do
vício e o prazo geral de cinco anos para qualquer anulação administrativa, contado do
momento da prática do ato. Na prática, a anulação do ato consequente terá lugar até a
sequência imediata da anulação, que está sujeita a esses limites.

Reclamação e recursos administrativos


As impugnações administrativas desempenham um papel potencialmente relevante na
fiscalização da legalidade e também da oportunidade administrativa (mérito), bem
como na garantia dos direitos e interesses dos particulares, que dispõem da
possibilidade de fazer o autor refletir sobre a decisão tomada ou de convocar, para
uma eventual revisão do ato, um órgão superior, supostamente mais habilitado ou de
vistas mais largas. Do mesmo modo, o particular pode, atualmente, apelar para o autor
do ato ou para o órgão superior, reagindo contra a omissão ilegal de atos
administrativos, solicitando a sua prática (artigo 184º do CPA).
Impugnações de atos administrativos e reações contra a omissão de atos
administrativos:

• Reclamações e recursos: Classificação em função do órgão a quem se dirigem


(o autor do ato ou outro órgão), segundo os artigos 191º/1, 193º/1 e 198º/1 do
CPA.
• Reclamações e recursos contra atos administrativos e reclamações e recursos
de reação contra a omissão de atos administrativos: Classificação em função
da existência, ou não, de um ato administrativo e da natureza da reação: artigo
184º/1/a e b do CPA.
• Reclamações e recursos facultativos e reclamações e recursos necessários:
Classificação em função da articulação com os meios de reação judicial (“via
judicial”) contra atos administrativos ou contra a omissão de atos
administrativos, segundo o artigo 185º/1 e 2 do CPA e o artigo 3º do Decreto-
Lei nº 4/2015 (diploma de aprovação do CPA).
• Reclamações e recursos por ilegalidade e reclamações e recursos por
inconveniência: Classificação em função dos fundamentos da impugnação ou
da reação contra a omissão, segundo o artigo 185º/3 do CPA.

As Reclamações:
Através da reclamação, os interessados (artigo 186º do CPA) solicitam uma revisão da
primeira decisão ao órgão autor do ato, em princípio no prazo de 15 dias (artigo 191º
do CPA, que se conta nos termos do artigo 188º/1 e 2 do CPA) ou, em caso de omissão
ilegal, no prazo de um ano (artigo 187º do CPA, que se conta nos termos do artigo
188º/3 do CPA). Salvo disposição legal em contrário, pode haver reclamações relativas
a quaisquer atos administrativos, nos termos do artigo 191º/1 do CPA, que, no
entanto, contém uma exceção no nº2 do referido preceito legal, quanto aos atos que,
eles próprios, decisão da reclamação ou recurso. A previsão legal em contrário pode
resultar da regulação exaustiva das impugnações admissíveis, sem previsão da
reclamação (como acontece até há pouco tempo com o Decreto-Lei nº 197/99, de 8 de
Junho).
A reclamação perdeu grande parte da sua importância prática, na medida em que, na
generalidade dos procedimentos administrativos, o interessado tem agora,
normalmente, a possibilidade de se pronunciar em sede de audiência prévia, no fim da
instrução e antes da decisão final.
Espécies: A reclamação é, em regra, facultativa, mas pode ser necessária, quando, por
determinação legal expressa ou inequívoca, seja pressuposto da impugnação judicial
ou condenação à prática do ato, segundo o artigo 185º/1 e 2 do CPA. Na reclamação
pode solicitar-se a declaração de nulidade, a anulação do ato ou a respetiva
convalidação, se o ato for considerado ilegal, ou a sua suspensão, revogação,
modificação ou substituição, por razões de oportunidade ou conveniência (artigo
185º/3 do CPA).
Efeitos: A reclamação não suspende a eficácia do ato administrativo, a não se quando
seja uma reclamação necessária, ou então quando o autor do ato, oficiosamente ou a
pedido dos interessados, considere que a execução imediata causa ao destinatário
prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação e a suspensão não cause prejuízo de
maior gravidade ao interesse público, segundo o nº2 do artigo 189º do CPA. Mas,
como qualquer impugnação administrativa, suspende o prazo de impugnação judicial,
embora não impeça o reclamante de propor a ação respetiva e de requerer as
providências cautelares (artigo 59º/4 e 5 do CPTA, bem como o artigo 190º/3 e 4 do
CPA).
Procedimento:

• Apresentação da reclamação: Apresentação por meio de requerimento (artigo


184º/3 do CPA).
• Rejeição da reclamação: A reclamação pode ser rejeitada nos termos (por
analogia) do artigo 196º do CPA.
• Instrução e notificação dos contrainteressados: Notificação dos
contrainteressados (pessoas que podem ser prejudicadas pelo deferimento da
reclamação), segundo o artigo 192º/1 do CPA.
• Decisão: Prazo de 30 dias (a lei não esclarece, mas deve entender-se após a
apresentação da reclamação), segundo o artigo 192º/2 do CPA. Conteúdo da
decisão: confirmação (equivale ao indeferimento da reclamação), revogação,
anulação, modificação ou substituição do ato reclamado, ou prática de ato
ilegalmente omitido, segundo o nº2 do artigo 192º do CPA.
• Consequências do decurso do prazo para a decisão da reclamação (sem que a
decisão seja proferida): No caso de reclamação necessária, há a possibilidade de
utilização da via judicial ou (ainda) da via administrativa (recurso hierárquico),
segundo o artigo 192º/3 do CPA. Já no caso de a reclamação ser facultativa, há a
retoma do curso do prazo de propositura de ações judiciais, segundo o artigo
190º/3 do CPA.

Os Recursos Hierárquicos:
Salvo disposição legal em contrário, podem ser objeto de recurso hierárquico todos os
atos administrativos praticados por órgãos subalternos, isto é, sujeitos a poderes de
hierarquia de outros órgãos. Os interessados podem agora também, por esse meio,
reagir contra omissão ilegal de atos administrativos por um órgão subalterno, segundo
o artigo 193º do CPA. O interessado solicita ao superior hierárquico do órgão autor, a
revisão do ato, que, como no caso da reclamação, pode consistir na respetiva
declaração de nulidade, anulação ou convalidação, se o ato for considerado ilegal (ou a
mera confirmação, no caso contrário). O superior poderá suspender, revogar,
modificar ou substituir o ato administrativo, por razões de oportunidade ou
conveniência, ainda que em sentido desfavorável ao recorrente, mas só quando
disponha de poderes dispositivos (não de mera fiscalização), por não se tratar de uma
competência exclusiva do subalterno, ao abrigo do nº1 do artigo 197º do CPA.
Espécies: O recurso hierárquico é, em regra, facultativo, mas pode ser necessário,
quando, por determinação legal expressa, seja pressuposto da impugnação judicial ou
da condenação à prática do ato, segundo o artigo 185º/1 e 2 do CPA. Quanto à
conformidade com a Constituição da previsão legal de impugnações administrativas
necessárias, o Tribunal Constitucional e o STA, ao contrário do que defende uma parte
da doutrina, entendem (e bem, segundo o Senhor Doutor Vieira de Andrade), que não
há inconstitucionalidade, porque se trata da fixação, por lei, de um pressuposto
processual que constitui um mero condicionamento ou, quando muito, de uma
restrição legítima (justificada e proporcional) do direito de acesso aos tribunais, cujo
conteúdo essencial não é tocado. Para efeitos de segurança jurídica, relativamente às
impugnações existentes à data, o artigo 3º do Decreto-Lei nº 4/2015, que aprovou, fixa
as expressões legais, cuja utilização significa o seu caráter “necessário”.
Efeitos da interposição: O recurso hierárquico necessário suspende a eficácia do ato
administrativo até à respetiva decisão ou esgotamento do prazo para decidir, ao abrigo
do artigo 189º/1 do CPA, data em que começará, igualmente, a correr o prazo de
impugnação judicial. Por outro lado, o recurso hierárquico facultativo não suspende
automaticamente a eficácia do ato administrativo, a não ser que o autor ou o superior,
ponderando o interesse público e os interesses do destinatário, determine a
suspensão. Mas suspende (não interrompe) o prazo de impugnação judicial ou para
pedir a condenação à prática do ato, embora não impeça o recorrente de propor no
Tribunal a ação respetiva, segundos os artigos 189º e 190º do CPA e o artigo 59º/4 e 5
do CPTA.
Procedimento: O CPA regula, atualmente, com especial cuidado, o procedimento de
recurso, a interpor, em princípio, no prazo da impugnação judicial (ou no prazo de 30
dias se o recurso for necessário), segundo o artigo 193º/2 do CPA. O recurso é
apresentado ao órgão recorrido, que, depois de proceder à notificação de eventuais
contrainteressados, se pronuncia sobre o recurso e remete ao órgão competente. No
entanto, não havendo oposição, o órgão recorrido pode dar-lhe provimento ou, em
caso de omissão, praticar o ato solicitado, dando conhecimento ao órgão superior
(artigo 196º do CPA). A decisão do superior expressa pode ser de confirmação ou de
revisão, anulando ou então revogando, modificando, substituindo ou praticando o ato,
conforme os seus poderes (e sem sujeição ao pedido, eventualmente em sentido
desfavorável ao recorrente), nos termos do artigo 197º do CPA, não sendo necessária a
audiência prévia, a não ser em algumas situações de modificação ou substituição. A
eventual falta de decisão dentro do prazo, bem como a confirmação do ato não
constituem atos de indeferimento, mas um facto ou um ato jurídico que desencadeia a
eficácia do ato recorrido, bem com o início da contagem do prazo para a respetiva
impugnação judicial ou, em caso de omissão, para o pedido de condenação à prática
do ato devido (artigo 198º/4 do CPA). De forma sucinta, o procedimento dos recursos
hierárquicos é o seguinte:

• Interposição do recurso: Aqui deve ter-se em conta os artigos 184º/3 e 194º do


CPA. Os efeitos da interposição do recurso de atos administrativos:
o Quanto aos efeitos do ato impugnado, variáveis em função de o recurso
ser necessário ou facultativo (artigo 189º do CPA);
o Quanto aos prazos de impugnação judicial (artigo 190º/3 e 4 do CPA).
• Rejeição do recurso: Artigo 196º do CPA
• Tramitação: Artigo 195º do CPA
o Fase do recurso no órgão recorrido
▪ Notificação dos contrainteressados;
▪ Pronúncia do órgão recorrido e remessa para o superior;
▪ O órgão recorrido (autor do ato administrativo) pode revogar,
anular, modificar ou substituir o (seu) ato administrativo,
quando os contrainteressados não hajam deduzido oposição e
os elementos constantes do processo demonstrem
suficientemente a procedência do recurso e, no caso de
modificação ou substituição, desde que o novo ato não seja
menos favorável para o recorrente, havendo informação ao
órgão superior.
▪ O órgão responsável pelo incumprimento do dever de decisão
pode praticar o ato ilegalmente omitido na pendência do
recurso hierárquico, disso dando conhecimento ao órgão
competente para conhecer do recurso e notificando o
recorrente e os contrainteressados que hajam deduzido
oposição. Neste caso, o recorrente ou os contrainteressados
podem requerer que o recurso prossiga contra o ato praticado,
com a faculdade de alegação de novos fundamentos e da junção
dos elementos probatórios que considerem pertinentes (este
requerimento deve ser apresentado dentro do prazo previsto
para a interposição do recurso hierárquico contra o ato
administrativo praticado).
o Fase do recurso no superior:
▪ Recebido o recurso, o órgão superior deve considerar o
requerimento do recurso, as alegações dos contrainteressados,
se existirem, bem como a pronúncia do autor do ato
administrativo.
• Decisão do recurso:
o Prazo: 30 dias a contar da data da remessa do processo para o superior
hierárquico (artigo 198º/1 do CPA). Prorrogação do prazo até ao
máximo de 90 dias, quando haja lugar à realização de nova instrução ou
de diligências complementares.
o Conteúdo da decisão: Confirmação (equivale ao indeferimento do
recurso) ou anulação. No caso de o autor do ato não ter competência
exclusiva, pode haver lugar a revogação, modificação ou substituição do
ato recorrido, segundo artigo 197º/1 do CPA. Há uma exigência de
fundamentação, segundo o nº2 do artigo 197º do CPA.
o Caso de anulação do procedimento administrativo (de primeiro grau):
Artigo 197º/3 do CPA.
o No recurso contra omissões, o superior hierárquico pode praticar o ato
omitido, se a competência do subalterno não for exclusiva, ou se a
competência do autor do subalterno for exclusiva, pode ordenar a
prática do ato omitido, segundo o nº4 do artigo 197º do CPA.
• Decurso do prazo para a decisão do recurso:
o Recurso necessário: Possibilidade de utilização da via judicial, ao abrigo
do artigo 198º/4 do CPA.
o Recurso facultativo: Se for o caso, retoma-se o curso do prazo de
propositura de ações judiciais, segundo o artigo 190º/3 do CPA.

Recursos Administrativos Especiais:


Trata-se de recursos, ou seja, meios de impugnação ou reação dirigidos a órgãos
diferentes daquele que praticou o ato administrativo, sendo que entre o autor do ato e
o órgão do recurso não existe uma relação hierarquia. São admitidos apenas nos casos
expressamente previstos em lei especial. Assim, as outras formas especiais de
impugnação administrativa são, atualmente, nos termos do artigo 199º do CPA:

• Os “recursos especiais”: Recurso para outro órgão da mesma pessoa coletiva,


onde ou quando não haja hierarquia, incluindo o recurso de atos do órgão
delegado para o delegante ou da decisão de membro, comissão, secção ou de
segmento de órgão colegial para o plenário (mesmo que a lei refira a
impugnação como “reclamação”, como acontece na impugnação de decisões
da secção disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público para o
respetivo Plenário, embora não fosse esse, até 2015, o entendimento
dominante na jurisprudência administrativa).
• Os “recursos tutelares”: Estes acontecem quando se recorre para o órgão de
outra pessoa coletiva, com poderes de superintendência ou de tutela.
O recurso para o delegante (em regra, facultativo) é sempre admissível, tendo em
conta a plenitude dos poderes do delegante, relativamente aos atos do delegado,
decorrente de lhe pertencer a competência exercida, embora o artigo 199º/2 do CPA,
por erro manifesto, que deve ser objeto de correção teleológica, exija para o efeito
expressa disposição legal.
Já os restantes recursos, designadamente o recurso para o órgão superintendente ou
tutor, dependem de previsão legal expressa, que determina também a competência do
órgão para o qual se recorre para produzir os efeitos pretendidos: a declaração de
nulidade, anulação, ou, se assim estiver estabelecido, revogação, suspensão,
modificação ou até substituição do ato praticado pelo órgão recorrido, a prever
expressamente nas situações de recurso tutelar (artigo 199º/1, 3 e 4 do CPA).
A estes recursos é aplicável o regime do recurso hierárquico, conforme sejam
necessários ou facultativos, mas, nos recursos tutelares, com as adaptações
necessárias para salvaguardar da autonomia da entidade tutelada (artigo 199º/5 do
CPA).

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