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Inação administrativa
A alusão à ação administrativa remete para um “fazer”, materializa-se na adoção de
um comportamento positivo, que pode consistir, por exemplo na tomada de decisões,
na emissão de declarações ou na realização até operações materiais. A relevância
jurídica e material da ação administrativa decorre precisamente do fazer, do agir, do
atuar. É naturalmente por via de condutas positivas (fazer) que a Administração
prossegue as suas missões. Contudo, o “não fazer” (inação, inércia ou omissão)
também assume relevo na vida administrativa e, em certas condições, pode conceber-
se como facto jurídico ou até como ato jurídico. Eis a razão por que o não fazer não
pode deixar de ser considerado no estudo de uma teoria geral da ação administrativa.
Como conceito negativo, porquanto definido por referência a um comportamento
positivo, a inação administrativa suscita a consideração específica do direito nos
cenários em que, nos termos da lei, a Administração “deveria” ter atuado. Neste
sentido, a inação, enquanto situação juridicamente relevante, corresponde ao
resultado de não se ter feito o que era legalmente devido. As consequências jurídicas
da inação apresentam variações, que dependem, desde logo, de a mesma se verificar
em procedimentos de iniciativa externa ou em procedimentos de iniciativa oficiosa.
Procedimento Administrativo
Inicialmente, impõe-se averiguar qual a justificação para a aprovação de um CPA. Ora,
desde logo, o incremento funcional das tarefas da Administração Pública portuguesa
nos mais diversos setores, assim como a necessidade de reforçar a eficiência da sua
ação e de garantir a participação dos cidadãos, justificaram a elaboração de um Código
do Procedimento Administrativo. Por conseguinte, a Constituição da República
Portuguesa, no seu artigo 267º/5 consagrou que “o processamento da atividade
administrativa será objeto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a
utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou
deliberações que lhes dissessem respeito”. Foi, portanto, em cumprimento desse
preceito constitucional que se elabora o Código do Procedimento Administrativo de
1991 que veio a ser alterado em 1996 e esteve em vigor até 2015. Em 2015 deu-se
uma reforma legislativa e foi aprovado no novo Código do Procedimento
Administrativo de 2015, pelo Decreto-Lei nº 4/2015 de 7 de janeiro. Será este novo
CPA de 2015, muito diferente do anterior CPA de 1991? O Código do Procedimento
Administrativo continua dividido em quatro partes, contudo a Parte III foi
profundamente reformulada com dois títulos: um título primeiro, com sete capítulos,
que fixa um regime comum com disposições aplicáveis em geral aos procedimentos
administrativos; um título segundo, com dois capítulos, cada um deles aplicável ao
Procedimento do Regulamento administrativo e do Ato administrativo. No título
primeiro da Parte III, integram o regime comum aplicável em geral aos procedimentos
administrativos instituídos e a algumas figuras jurídicas como as seguintes:
Conferências procedimentais que são reguladas num capítulo próprio; acordos
endoprocedimentais; conceito de responsável pela direção do procedimento e o
princípio da adequação procedimental; figura do auxílio administrativo; instrução por
meios eletrónicos, comunicações por meios eletrónicos e balcão único eletrónico.
O procedimento administrativo constitui uma figura de âmbito geral, presente em
todos os momentos da ação administrativa. O artigo 1º/1 do CPA define o
procedimento administrativo como uma sucessão ordenada de atos e formalidades
relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da
Administração Pública. O legislador de 2015 introduziu alterações na definição de
procedimento administrativo que constava na versão originária do CPA. Nesta, o
procedimento era apresentado como uma sucessão ordenada de atos e formalidades
tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua
execução. Agora, os atos e formalidades deixam de ser tendentes, passando a ser
relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da
Administração, deixando a vontade de ser referenciada à Administração Pública,
passando a associar-se aos “órgãos da Administração Pública”. Ora, na opinião do
Doutor Costa Gonçalves a substituição de “tendentes” por “relativos” desvaloriza a
referência finalista que une todos os atos de um procedimento, pois, efetivamente,
todos eles “tendem” para a realização de um mesmo objetivo e, por outro lado,
quanto à segunda alteração, dir-se-á que a anterior referência genérica e mais ou
menos desprendida de rigor técnico a uma “vontade da Administração Pública”, ainda
se podia aceitar, mas o mesmo já não se pode dizer da atual alusão a uma “vontade
dos órgãos da Administração Pública”. Esta última alteração aparenta responder a uma
exigência de apuro técnico, mas acaba por gerar um resultado absurdo, pois decorre
da natureza das coisas que os órgãos da Administração Pública não têm vontade, já
que são desprovidos de existência física, e têm competências e contam com os seus
titulares para as exercer. Assim, em vez da alusão à vontade, o conceito legal ganharia
em associar o procedimento administrativo à adoção de medidas ou à prática de atos
com efeitos jurídico-administrativos pelos órgãos da Administração ou por entidades
no exercício de poderes públicos. Em face ao que foi apurado, o Doutor Costa
Gonçalves define o procedimento administrativo como o conjunto ordenado e
sequencial de atos e de diligências tendentes à formação, manifestação e execução
de medidas e de atos de caráter jurídico-administrativo adotados pelos órgãos da
Administração Público ou por quaisquer entidades no exercício de poderes públicos
administrativos.
O procedimento administrativo não constitui uma “forma” de ação administrativa, mas
antes uma série encadeada de atos que tem como desfecho a produção de um
resultado concretizado na adoção de uma determinada “medida administrativa” ou de
um certo “ato jurídico-administrativo”, que corresponde ao “ato final” da série ou
sequência procedimental: este ato final, que constitui também o “ato principal” da
série procedimental, pode ser um regulamento, um ato administrativo ou um contrato
administrativo, mas também outro ato jurídico de Direito Administrativo ou até uma
operação material (apreensão de um equipamento ou a prestação de informação). O
conceito de procedimento administrativo pressupõe, pois, um encadeamento ou
sucessão de atos e diligências estruturalmente diferentes e autónomos praticados em
vista da produção de um determinado resultado jurídico ou material, traduzido na
prática de um ato ou de uma medida principal ou final. Contudo, pressupõe e também
sugere uma ideia de movimento, de sucessão, de sequência encadeada de atos e de
medidas que vão sendo praticados sucessivamente e cuja prática se associa a uma
marcha, a um percurso no sentido da produção de um resultado. A definição legal
alude a uma “sucessão ordenada de atos e formalidades”, o que associa o
procedimento a um movimento com “ordem”, de uma marcha ordenada, coerente e
racionalmente encadeada e articulada dos trâmites procedimentais. O procedimento
traduz, por outro lado, a “identidade de um fim mediato” da série de atos e medidas
que o integram: cada ato e medida que se sucede e se articula com os outros atos e
medidas no desenvolvimento do procedimento persegue um fim imediato próprio,
mas, além deste, persegue ainda um fim mediato, comum a todos os outros, na
medida em que, como estes, se destina a criar ou a estabelecer as condições para a
produção do mesmo resultado.
Em concreto, o procedimento administrativo agrega as providências, a diligências e
atos tendentes à formação, manifestação e execução de um ato principal ou final:
1. Relativos à formação, temos os atos e formalidades procedimentais que põem
o procedimento em marcha e que, em geral, visam preparar a prático do ato
principal (atos de iniciativa e ato de instrução).
2. Relativos à manifestação são os atos e formalidades relativos ao momento
constitutivo, à própria prática do ato principal, tal como sucede, por exemplo,
com as formalidades relativas à forma e formalização do ato, à sua publicação e
notificação.
3. Relativos à execução são as providências adotadas com o sentido de executar e
de realizar os efeitos práticos definidos no ato principal.
A consideração do procedimento administrativo enquanto “conjunto ou série de atos”,
sem desvalorizar a posição central do ato principal, postula, todavia, uma visão mais
abrangente e completa do desenvolvimento da atividade administrativa que precede a
adoção daquele ato e, nalguns casos, da atividade que ocorre depois desse momento.
Neste sentido, o procedimento contribui para um certo redimensionamento da
importância atribuída ao ato que representa o seu desfecho ou resultado final, o qua
tem de se compreender, de certo modo, como mais um ato da série procedimental. O
procedimento administrativo refere-se, claro, ao desenvolvimento da atividade
administrativa, da Administração Pública. Isto mesmo é destacado no conceito legal,
na parte em que alude à “vontade dos órgãos da Administração Pública”. Sucede,
porém, que, dentro do espírito do próprio CPA, talvez fizesse mais sentido associar o
conceito de procedimento administrativo à formação, manifestação e execução de
atos adotados por “quaisquer entidades no exercício de poderes públicos”, consagrado
no artigo 2º/1 do CPA. Apesar de, como acaba de se afirmar, a ideia de procedimento
administrativo nos remeter, de imediato, para uma intervenção administrativa,
realizada por órgãos da Administração Pública e por entidades no exercício de poderes
públicos, deve notar-se que o procedimento é a sede de acolhimento de formas de
participação dos interessados na ação administrativa e, de modo particular, daqueles
que, na condição de destinatários, pretendem obter ou vão sofrer os efeitos jurídicos e
práticos dos atos e das medidas da administração.
Regulamento Administrativo
Forma do regulamento
Os diplomas do Governo tomam a forma de decretos regulamentares,
necessariamente, quando sejam regulamentos independentes, nos termos do artigo
112º/6 da CRP. Estes podem tomar a forma de resoluções do Conselho de Ministros
(quando estas contenham regulamentos), de portarias genéricas (emanadas por um
ou mais ministérios, mas em nome do governo) e de despachos normativos
(ministeriais). Os regulamentos regionais mais importantes assumem a forma mais
solene de decretos regulamentares regionais (artigo 233º/1 da CRP). Os regulamentos
das autarquias locais não têm forma típica, mas os regulamentos locais de polícia
adotam tradicionalmente a forma de posturas (frequentemente compiladas em
códigos de posturas municipais). Os restantes regulamentos, emanados por entes
institucionais e corporativos (estaduais ou autónomos) não revestem formas solenes
específicas, salvo quanto aos estatutos auto-aprovados (por exemplo, das
universidades e respetivas unidades orgânicas).
Ato Administrativo
Classificação dos outros atos jurídicos da Administração: Também são muito diversos
quanto ao conteúdo os outros atos jurídicos da Administração, em especial os atos
instrumentais, que desempenham funções específicas nos variadíssimos
procedimentos administrativos.
• Os atos de eficácia diferida, por estarem sujeitos a termo inicial, por força da
lei, ou de cláusula acessória aposta ao ato pelo respetivo autor.
• Atos de eficácia condicionada, por o seu procedimento incluir uma fase
integrativa de eficácia ou por a produção dos efeitos do ato depender da
verificação de uma condição, quer se trate de uma condição legal ou de uma
cláusula acessória condicional aposta pelo autor do ato.
• Atos cuja eficácia se encontra suspensa, seja por efeito legal de impugnação,
por decisão judicial cautelar ou por decisão administrativa.
Por sua vez, há atos inválidos que são produtores de efeitos jurídicos. Por um lado, os
atos portadores de vícios que se tornem (apenas) anuláveis têm eficácia provisória,
que se torna mesmo definitiva, caso se tornem insuscetíveis de impugnação judicial,
por decurso do prazo respetivo (atos inimpugnáveis). Por outro lado, embora só
excecionalmente, podem ser reconhecidos efeitos putativos aos atos nulos, dando
relevo jurídico a situações de facto por eles criadas, perante o decurso do tempo, com
fundamento em princípios jurídicos fundamentais, como os princípios da boa fé, da
proteção da confiança legítima e da proporcionalidade.
Atos de eficácia instantânea e atos de eficácia duradoura: Os atos administrativos
têm eficácia instantânea quando os seus efeitos se esgotam no momento em que se
tornam eficazes, isto é, aí se incluindo também certos atos que dão origem a situações
duradouras, como acontece com os atos extintivos e com aqueles que criam status. Os
atos têm eficácia duradoura, quando criam e sustentam “relações de trato sucessivo”
entre a Administração Pública e os particulares. Este tipo de atos suscita problemas
específicos em função das vicissitudes do tempo, tendo em conta que, durante a
respetiva vigência, pode haver alterações das circunstâncias de facto, das normas
aplicáveis ou da conceção administrativa do interesse público, que permitam ou
determinem a sua modificação, anulação ou revogação, designadamente quando haja
espaços de discricionariedade ou de autonomia decisória.
O Sujeito:
As pessoas coletivas que integram a Administração Pública em sentido organizativo
são, através dos respetivos órgãos, os sujeitos típicos do ato administrativo, embora se
admitam outros sujeitos de direito administrativo: como as entidades privadas que
exerçam poderes públicos e órgãos de entidades públicas não administrativas.
Relativamente, aos requisitos de validade do ato administrativo quanto ao sujeito,
para que o ato se constitua validamente, é preciso que o órgão que o pratica:
O Objeto:
O objeto do ato administrativo é o “ente no qual se projetam diretamente os efeitos
que o ato visa produzir”. Este objeto pode ser uma pessoa (nomeação, autorização,
imposição de um comportamento), uma coisa (expropriação, classificação de bens) ou
um outro ato administrativo (revogação, anulação, ratificação). O objeto, em sentido
estrito, distingue-se do “conteúdo” (os efeitos jurídicos que o ato visa produzir) e do
“fim” (a finalidade de interesse público visada) do ato, embora se verifique o uso
corrente dos conceitos de objeto mediato (objeto propriamente dito) e de objeto
imediato (conteúdo) como conceitos ligados entre si. Por vezes, a lei e a doutrinam
utilizam até o conceito com o alcance de englobar, simultaneamente, o objeto e o
conteúdo (ou trata-os em conjunto, como sucede no artigo 161º/2/c do CPA).
Relativamente aos requisitos de validade do ato administrativo relativos ao objeto,
embora sejam diversas as arrumações doutrinárias, consideram-se fundamentalmente
os seguintes requisitos:
A estatuição:
A estatuição refere-se à decisão, em si, isto é, à declaração formal que visa produzir
transformações no mundo jurídico. Tendo em conta a sua complexidade, vamos
encará-la de diversas perspetivas, distinguindo as dimensões substantivas das
dimensões formais e instrumentais e desdobrando-as em momentos juridicamente
significativos, tendo em vista os efeitos práticos referidos.
• Aspetos substanciais:
o O Fim: Nas “normas-condição”, como são tradicionalmente as normas
que preveem e regulam a prática de atos administrativos, a definição
legal do fim do ato não é expressa, decorrendo da formulação dos
pressupostos (pressupostos abstratos ou hipotéticos), isto é, das
circunstâncias da vida que revelam a existência do interesse público que
o ato administrativo visa satisfazer. No exemplo utilizado: “quando um
prédio ameace ruína, a câmara municipal pode ordenar a sua demolição
ou reconstrução”, a hipótese da norma não enuncia, mas revela qual é o
interesse público a prosseguir, que é, no caso, o da segurança de
pessoas e bens. Genericamente, podemos definir “pressupostos”, neste
sentido de indicadores do fim, como aquelas circunstâncias, não
referentes ao sujeito ou ao objeto, de cuja ocorrência a lei faz depender
a validade da decisão (“hipótese normativa”). A verificação desses
pressupostos hipotéticos nos casos concretos da vida (pressupostos
reais) impõe e justifica a decisão administrativo (a justificação constitui
a fundamentação formal do ato pela comprovação concreta da
existência real dos pressupostos definidos em abstrato na norma
habilitante). Há dificuldades naturais na concretização do fim quando a
lei utiliza conceitos indeterminados na formulação da hipótese
normativa, em que a avaliação administrativa dos pressupostos legais,
para efeitos da verificação da sua ocorrência no caso concreto, pode ser
juridicamente vinculada ou então remeter o agente para uma
“valoração própria do exercício da função administrativa”. A
concretização do fim do ato administrativo (isto é, a concretização do
interesse público específico que a lei visa assegurar ao prever a decisão
administrativa), que está em primeira linha a cargo da Administração
que vai atuar, tem necessariamente influência na determinação do
conteúdo (dos efeitos do ato), na medida em que este dependa de
escolha discricionária (particularmente na aplicação dos preceitos
normativos que acoplem uma “indeterminação conceitual” na hipótese
com uma “indeterminação estrutural” na estatuição).
o O Conteúdo: De algum modo em paralelo com o objeto, são os
seguintes os requisitos de validade do ato relativos ao conteúdo (ou ao
objeto imediato, entendido como os efeitos que o ato visa produzir):
▪ A compreensibilidade: o conteúdo tem de ser suscetível de
compreensão racional, não podendo ser contraditório, vago ou
ininteligível (exemplo: ato de licenciamento de loteamento no
qual se determina que o pagamento de uma compensação pelo
particular a ser criada e aprovada pela Assembleia Municipal).
▪ A possibilidade: os efeitos visados não podem ser impossíveis
fisicamente ou contrariar uma proibição legal absolutamente
imperativa.
▪ A licitude: os efeitos visados têm de ser conformes à ordem
jurídica (não é válida, por exemplo, a habilitação profissional
para o exercício de uma atividade criminosa).
▪ A legitimidade: a decisão não pode ofender diretamente normas
ou princípios que regem a atividade administrativa.
No conteúdo do ato administrativo, como já afirmado no capítulo do conteúdo do ato
administrativo, há a considerar o seu conteúdo principal. Este conteúdo principal
inclui, quer o conteúdo legal típico (os efeitos que, nos termos da lei, cada tipo de ato
visa normalmente produzir), quer o conteúdo discricionário específico determinado
pelo autor do ato no caso concreto (“cláusulas particulares”). Por outro lado, deve ter-
se em consideração as cláusulas acessórias. No quadro do exercício de poderes
discricionários, é importante distinguir entre as cláusulas particulares (que respeitam
ao conteúdo principal do ato, tal como é concretizado ou determinado no caso
específico pelo órgão competente no uso dos seus poderes próprios) e as respetivas
cláusulas acessórias (em que, embora, igualmente discricionárias, apenas respeitam à
eficácia do ato ou então determinam aspetos marginais ou não imprescindíveis do
respetivo conteúdo). As cláusulas acessórias permitem adotar o conteúdo do ato às
circunstâncias do caso concreto, presentes ou futuras, e implicam sempre, ainda de
que de diversas maneiras, uma limitação do alcance normal do ato principal.
O artigo 149º do CPA prevê os seguintes tipos de cláusulas acessórias:
• Aspetos formais:
o O Procedimento: Neste contexto, interessa especialmente o
procedimento legal, que engloba os trâmites normativamente
obrigatórios, embora haja procedimentos voluntários, auto-escolhidos
pelo agente administrativo, que revelam juridicamente apenas do ponto
de vista de necessária racionalidade das condutas. A Administração está
sujeita ao cumprimento ordenado dos trâmites legalmente fixados, cuja
falta ou desvio se repercute na validade da decisão, devendo notar-se
que relevam neste plano os atos jurídicos procedimentais e não
quaisquer formalidades. Acresce que há preceitos legais ou
regulamentares simplesmente indicativos, cuja violação é causa de
meras irregularidades. Contudo, a projeção do conteúdo dos atos
preparatórios na feitura do ato administrativo não diz respeito ao
procedimento administrativo, como por exemplo, um parecer erróneo
pode afetar a validade do ato decisório quanto ao conteúdo, mas não
dá origem a um vício procedimental.
o A Forma: A forma designa a manifestação exterior do ato
administrativo, ou seja, a maneira como a própria decisão se exterioriza
(oral, escrita, sinais, gestos). Neste sentido, não são formas as
documentações probatórias (como, por exemplo, as atas que
comprovam as decisões tomadas nas reuniões dos órgãos colegiais) ou
as meramente comunicativas (as notificações ou as publicações). O
princípio que rege a matéria é o da liberdade de forma, embora a forma
escrita ainda seja a mais frequente e surja como forma supletiva, nos
termos do artigo 150º/1 do CPA, ela não vale, em regra para os atos dos
órgãos colegiais, que são praticados oralmente e reduzidos a escrito
(nº2 do artigo 150º do CPA), e pode ser afastada por lei ou pela
natureza e circunstância do ato (além da oralidade, hoje é frequente a
prática de atos administrativos por via eletrónica). O dever de
fundamentação expressa dos atos administrativos (artigos 152º a 154º
do CPA) é um dever formal, porque a “justificação” (comprovação de
que se verificam no caso concreto os pressupostos vinculados do ato) e
a “motivação” (a indicação das razões específicas das escolhas
discricionárias) têm de ser contextuais, isto é, têm de constar da forma
pública que contém a decisão, ainda que por remissão. Existem
declarações anómalas, como, por exemplo, as que consubstanciam os
atos tácitos ou os atos concludentes. A identificação destes atos
administrativos escondidos é importante sobretudo para efeitos da
respetiva impugnação judicial. Porém, um dos grandes problemas da
“forma” é o do relevo jurídico do silêncio da Administração, que pode
ser entendido como incumprimento do dever de pronúncia, mas
também pode ter valor decisório, seja de assentimento ou diferimento
ou, pelo contrário, de recusa ou indeferimento. Em matéria de ato
silente deve entender-se, atualmente, o seguinte:
▪ Consumou-se o desaparecimento da figura do indeferimento
silente, com a revogação do antigo artigo 109º do CPA (que
referia o chamado “indeferimento tácito”), revogação que já
resultava tacitamente da entrada em vigor, em 2004, do CPTA.
▪ Mantém-se o deferimento silente (deferimento tácito) como ato
administrativo de criação legal, com isenção de forma e com o
conteúdo definido pelo requerimento, nos casos expressamente
previstos na lei (artigo 130º do CPA), embora haja contradições
fortes na doutrina. Uma parte propõe que se generalize a figura
para as atuações particulares sujeitas a autorização (na linha da
Diretiva dos Serviços da União Europeia, para as atividades
económicas), outra parte sustenta a limitação da sua
admissibilidade ou mesmo, radicalmente, a extinção da figura.
▪ Subsistem casos especiais em que o silêncio releva como mero
facto jurídico, que serve apenas para abrir a via contenciosa,
funcionando como pressuposto processual de uma ação judicial.
Isto é o que sucede, por exemplo, com o silêncio perante
impugnação administrativa (artigo 198º/4 do CPA) ou perante o
requerimento de reversão de prédio expropriado (artigo 74º/4
do Código das Expropriações).
Invalidade do ato administrativo
A legitimidade do ato administrativo, entendida em sentido amplo, tem a ver com a
sua aptidão para prosseguir o interesse público de acordo com as normas e princípios
jurídicos (legalidade e juridicidade) e as normas de boa administração (conveniência e
mérito). Interessa, em especial, o estudo dos vícios de “legalidade” ou “juridicidade”,
por incumprimento de disposições normativas e princípios jurídicos, com exclusão dos
vícios de mérito (inoportunidade ou inconveniência), na medida em que só aqueles,
por força do princípio da separação dos poderes, são suscetíveis de controlo judicial
(artigo 3º/1 do CPTA). Em geral, distinguem-se os vícios invalidantes (ilegalidades que
afetam potencialmente os efeitos do ato) e os vícios não-invalidantes (meras
irregularidades que não são suscetíveis de afetar a produção normal dos efeitos pelo
ato).
Inexistência do ato administrativo e sua inadequação atual no quadro de um modelo
prático e teleológico: Deve começar-se por distinguir categoricamente as situações de
inexistência das situações de invalidade do ato administrativo.
Tipos de invalidade:
São tipos de invalidade a nulidade (que determina a improdutividade total do ato
como ato jurídico) e a anulabilidade (que confere ao ato uma produtividade provisória
e condicionada). Embora o CPA não o refira expressamente, verifica-se a existência de
invalidades mistas, às quais se aplicam regimes especiais (diferentes dos regimes
gerais da nulidade ou da anulabilidade), previstos na lei (exemplo: determinados atos
urbanísticos, em que se estabelece um prazo para a impugnação de atos nulos) ou
impostos pela natureza e circunstâncias do ato (exemplo: em caso de atos
administrativos praticados sob forma legislativa ou regulamentar, que não estão
sujeitos a ónus de impugnação autónoma).
A anulabilidade tem sido visto como a consequência normal da ilegalidade ou, pelo
menos, como o regime típico da invalidade do ato administrativo, em contraposição
com o regime típico da nulidade do negócio jurídico de direito privado. Em construção
parece, à primeira vista, paradoxal, tendo em conta, como já Kelsen salientou, a
especial vinculação da Administração à legalidade e ao interesse público, mas tem
resistido aos tempos, associada primeiro à autoridade administrativa como privilégio
público, revive em contexto democrático como garantia da segurança jurídica, da
proteção da confiança legítima e da praticabilidade, num universo em que se
desenvolvem exponencialmente as áreas de intervenção administrativa e aí ganham
importância decisiva as atividades autorizativa, concessória e prestadora, que visam a
construção de direitos e a produção de efeitos favoráveis para os particulares. Embora
à ideia de poder se tenha sobreposto a de serviço e a Administração fechada e
autocrática tenha sido substituída por uma administração aberta, participada e
respeitadora dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, são
justamente os direitos dos particulares que exigem agora, em grande medida, a força
estabilizadora do ato administrativo e um regime de invalidade que a assegura de
forma consequente, seja através de um ónus de impugnação pelos interessados num
prazo curto, seja através da limitação de poderes de autotutela administrativa da
legalidade.
• Por que não admitir a anulação, para além do prazo de impugnação judicial, de um
ato desfavorável? Ou até de um ato favorável, quando o particular estivesse de má
fé ou por outra razão não fosse titular de uma posição subjetiva de confiança (na
estabilidade do ato) merecedora de proteção jurídica?
• Por que não proteger melhor a confiança do particular de boa fé, mesmo antes de
decorrido o prazo máximo de impugnação, limitando os poderes de anulação
administrativa e impondo uma ponderação entre os seus “direitos” e a legalidade
ou o interesse público (até porque são diferentes as causas de ilegalidade e pode
mesmo haver, sem ilegalidade, má fé latente na pretensão administrativa de
anulação)?
É certo que a jurisprudência poderia fazer distinções para além da lei e até em certa
medida corrigir a própria norma legal de acordo com os princípios jurídicos. No
entanto, era mais prudente e seguro efetuar uma modificação do texto legal, como em
boa medida se fez em 2015. Por outro lado, também não se podia aceitar a proibição
da anulação administrativa para além do momento processual da contestação da
autoridade recorrida, como dispunha antes no CPA. Se o processo administrativo se
prolongava, pelas razões mais variadas, às vezes por muitos anos, devia admitir-se que
o órgão administrativo competente pudesse anular o ato administrativo, em momento
posterior à contestação, quando só então chegou à conclusão de que o ato era
realmente ilegal. E não se pode dizer que o Tribunal ou o processo fiquem
prejudicados na sua dignidade, porque os motivos da anulação tardia serão, em
regram sérios e, de qualquer modo, há-de valer aqui o princípio do dispositivo ou da
auto-responsabilidade das partes. Esta solução está desde 2015 consagrada no CPA, no
artigo 168º/3, e, aliás já se tinha tornado entretanto imperativa com a nova legislação
do processo administrativo (artigo 64º do CPTA).
As Reclamações:
Através da reclamação, os interessados (artigo 186º do CPA) solicitam uma revisão da
primeira decisão ao órgão autor do ato, em princípio no prazo de 15 dias (artigo 191º
do CPA, que se conta nos termos do artigo 188º/1 e 2 do CPA) ou, em caso de omissão
ilegal, no prazo de um ano (artigo 187º do CPA, que se conta nos termos do artigo
188º/3 do CPA). Salvo disposição legal em contrário, pode haver reclamações relativas
a quaisquer atos administrativos, nos termos do artigo 191º/1 do CPA, que, no
entanto, contém uma exceção no nº2 do referido preceito legal, quanto aos atos que,
eles próprios, decisão da reclamação ou recurso. A previsão legal em contrário pode
resultar da regulação exaustiva das impugnações admissíveis, sem previsão da
reclamação (como acontece até há pouco tempo com o Decreto-Lei nº 197/99, de 8 de
Junho).
A reclamação perdeu grande parte da sua importância prática, na medida em que, na
generalidade dos procedimentos administrativos, o interessado tem agora,
normalmente, a possibilidade de se pronunciar em sede de audiência prévia, no fim da
instrução e antes da decisão final.
Espécies: A reclamação é, em regra, facultativa, mas pode ser necessária, quando, por
determinação legal expressa ou inequívoca, seja pressuposto da impugnação judicial
ou condenação à prática do ato, segundo o artigo 185º/1 e 2 do CPA. Na reclamação
pode solicitar-se a declaração de nulidade, a anulação do ato ou a respetiva
convalidação, se o ato for considerado ilegal, ou a sua suspensão, revogação,
modificação ou substituição, por razões de oportunidade ou conveniência (artigo
185º/3 do CPA).
Efeitos: A reclamação não suspende a eficácia do ato administrativo, a não se quando
seja uma reclamação necessária, ou então quando o autor do ato, oficiosamente ou a
pedido dos interessados, considere que a execução imediata causa ao destinatário
prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação e a suspensão não cause prejuízo de
maior gravidade ao interesse público, segundo o nº2 do artigo 189º do CPA. Mas,
como qualquer impugnação administrativa, suspende o prazo de impugnação judicial,
embora não impeça o reclamante de propor a ação respetiva e de requerer as
providências cautelares (artigo 59º/4 e 5 do CPTA, bem como o artigo 190º/3 e 4 do
CPA).
Procedimento:
Os Recursos Hierárquicos:
Salvo disposição legal em contrário, podem ser objeto de recurso hierárquico todos os
atos administrativos praticados por órgãos subalternos, isto é, sujeitos a poderes de
hierarquia de outros órgãos. Os interessados podem agora também, por esse meio,
reagir contra omissão ilegal de atos administrativos por um órgão subalterno, segundo
o artigo 193º do CPA. O interessado solicita ao superior hierárquico do órgão autor, a
revisão do ato, que, como no caso da reclamação, pode consistir na respetiva
declaração de nulidade, anulação ou convalidação, se o ato for considerado ilegal (ou a
mera confirmação, no caso contrário). O superior poderá suspender, revogar,
modificar ou substituir o ato administrativo, por razões de oportunidade ou
conveniência, ainda que em sentido desfavorável ao recorrente, mas só quando
disponha de poderes dispositivos (não de mera fiscalização), por não se tratar de uma
competência exclusiva do subalterno, ao abrigo do nº1 do artigo 197º do CPA.
Espécies: O recurso hierárquico é, em regra, facultativo, mas pode ser necessário,
quando, por determinação legal expressa, seja pressuposto da impugnação judicial ou
da condenação à prática do ato, segundo o artigo 185º/1 e 2 do CPA. Quanto à
conformidade com a Constituição da previsão legal de impugnações administrativas
necessárias, o Tribunal Constitucional e o STA, ao contrário do que defende uma parte
da doutrina, entendem (e bem, segundo o Senhor Doutor Vieira de Andrade), que não
há inconstitucionalidade, porque se trata da fixação, por lei, de um pressuposto
processual que constitui um mero condicionamento ou, quando muito, de uma
restrição legítima (justificada e proporcional) do direito de acesso aos tribunais, cujo
conteúdo essencial não é tocado. Para efeitos de segurança jurídica, relativamente às
impugnações existentes à data, o artigo 3º do Decreto-Lei nº 4/2015, que aprovou, fixa
as expressões legais, cuja utilização significa o seu caráter “necessário”.
Efeitos da interposição: O recurso hierárquico necessário suspende a eficácia do ato
administrativo até à respetiva decisão ou esgotamento do prazo para decidir, ao abrigo
do artigo 189º/1 do CPA, data em que começará, igualmente, a correr o prazo de
impugnação judicial. Por outro lado, o recurso hierárquico facultativo não suspende
automaticamente a eficácia do ato administrativo, a não ser que o autor ou o superior,
ponderando o interesse público e os interesses do destinatário, determine a
suspensão. Mas suspende (não interrompe) o prazo de impugnação judicial ou para
pedir a condenação à prática do ato, embora não impeça o recorrente de propor no
Tribunal a ação respetiva, segundos os artigos 189º e 190º do CPA e o artigo 59º/4 e 5
do CPTA.
Procedimento: O CPA regula, atualmente, com especial cuidado, o procedimento de
recurso, a interpor, em princípio, no prazo da impugnação judicial (ou no prazo de 30
dias se o recurso for necessário), segundo o artigo 193º/2 do CPA. O recurso é
apresentado ao órgão recorrido, que, depois de proceder à notificação de eventuais
contrainteressados, se pronuncia sobre o recurso e remete ao órgão competente. No
entanto, não havendo oposição, o órgão recorrido pode dar-lhe provimento ou, em
caso de omissão, praticar o ato solicitado, dando conhecimento ao órgão superior
(artigo 196º do CPA). A decisão do superior expressa pode ser de confirmação ou de
revisão, anulando ou então revogando, modificando, substituindo ou praticando o ato,
conforme os seus poderes (e sem sujeição ao pedido, eventualmente em sentido
desfavorável ao recorrente), nos termos do artigo 197º do CPA, não sendo necessária a
audiência prévia, a não ser em algumas situações de modificação ou substituição. A
eventual falta de decisão dentro do prazo, bem como a confirmação do ato não
constituem atos de indeferimento, mas um facto ou um ato jurídico que desencadeia a
eficácia do ato recorrido, bem com o início da contagem do prazo para a respetiva
impugnação judicial ou, em caso de omissão, para o pedido de condenação à prática
do ato devido (artigo 198º/4 do CPA). De forma sucinta, o procedimento dos recursos
hierárquicos é o seguinte: