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Direito Administrativo

Aula n.º 1 – 21-09-2020 – ‘1. Apresentação aos alunos. 2. Visita guiada ao programa da disciplina. 3.
Indicações bibliográficas. 4. Avaliação de conhecimentos.’

Bibliografia
Freitas do Amaral – Curso de Direito Administrativo
Paulo Otero – Legalidade e Administração Pública
Legislação – Coletânea (ao nosso critério)

Aula n.º 2 – 22-09-2020 – ‘I. INTRODUÇÃO 1. O direito administrativo: noção, ubiquidade e relevância
teorético-prática. 2. O direito administrativo e a Administração pública. Uma relação fundamental, mas insuficiente.
3. Génese e desenvolvimento histórico da nossa disciplina. Do direito administrativo de garantia da Administração
ao direito administrativo de garantia do particular.’

Relevância e ubiquidade do Direito Administrativo


Nos estados modernos, quer pelos condicionalismos administrativos das atividades dos
particulares, quer pelo papel dos poderes públicos na prestação de serviços públicos essenciais, a
vida social depende em grande parte da Administração Pública.
Nesta medida, o Dto. Administrativo rodeia-nos por todos os lados (quotidianamente, mas
também ao longo de toda a vida).
Sem dar conta, muitas vezes de uma forma inadvertida, um grande número de aspetos da vida dos
cidadãos, das empresas e até de outras organizações sociais, depende de uma autorização ou de
uma licença administrativa; ou está mais ou menos limitada pela Administração Pública (ex.:
desde a abertura de uma empresa, a construção de uma habitação, da condução de um veículo).
Portanto, todas estas atividades estão condicionadas pelo agir da Administração e pelo Dto.
Administrativo.
Uma percentagem importante dos cidadãos ativos presta serviços à Administração. Por outro lado,
uma parte considerável das condições materiais de vida coletiva depende de serviços fornecidos
pela Administração ou até por entidades particulares no exercício de funções públicas,
nomeadamente através da figura da concessão (nos contratos de concessão de obras ou serviços
públicos).
Em síntese, a Administração planeia, regulamenta, fiscaliza e sanciona; mas também concede
subsídios, fornece prestações, incentiva e fomenta a atividade económica.
Relevam também, no Dto. Administrativo, numerosos atos da nossa vida quotidiana (ex.: a
certidão de nascimento, o passaporte, a licença de construção, a licença de um cão, a matrícula
na Universidade, a coima por estacionamento irregular de um veículo, o concurso de acesso a
um lugar na função pública, a sanção disciplinar de um funcionário público, a empreitada de
obras públicas, os serviços públicos da educação, saúde e Segurança Social).
Inclui-se ainda a responsabilidade civil extracontratual da Administração (do Estado e das demais
entidades públicas) pelos prejuízos causados pela sua atividade ou inatividade/por omissões
indevidas (ex.: quando um particular requer um ato administrativo e a Administração, tendo um
prazo para o praticar, não o faz.) O dever de decisão da Administração está previsto no art.
13.º do Código Administrativo – OMISSÃO ILEGAL.
(Relevam os artigos 66.º e ss. do CPPA – Código do Processo nos Tribunais Administrativos)

Exercício mental para expressar a ubiquidade do Dto. Administrativo na vida quotidiana:


Recordar todos os atos que praticamos desde que nos levantamos. Acordar; tomar banho; tomar
o pequeno almoço; descer no elevador; pegar no carro e conduzir até à faculdade. Tudo isto
envolve serviços prestados, direta ou indiretamente, pela Administração. Até chegar à Faculdade
que é igualmente uma fundação pública de Direito Privado.

Vê-se aqui o conjunto de atividades, que de uma forma inadvertida, fomos tomando numa
esfera no âmbito do Direito Administrativo. Daí a ideia da presença do Dto. Administrativo em
toda a nossa vida.

Outro exemplo: o direito de propriedade de natureza análoga está igualmente condicionado por
normas de Direito Urbanístico que são de certa maneira normas de Direito Administrativo
especial (que tem o objetivo de qualificar um terreno como edificável, por exemplo)

«Assim, onde quer que exista e se manifeste com intensidade suficiente uma necessidade coletiva, aí surgirá um serviço
público destinado a satisfazê-la, em nome e no interesse da coletividade» - FA p.27

Noção introdutória operativa de Dto. Administrativo


Esta noção é meramente introdutória e operativa e, por isso, insuficiente para expressar
corretamente as alterações que a disciplina tem vindo a sofrer.
O Direito Administrativo é o ramo de Direito Público que regula a Administração Pública e a
atividade administrativa. De uma forma mais específica, trata-se, pois, do conjunto de normas e
princípios de Direito Público que têm por objeto específico disciplinar a organização, o
funcionamento e a atividade da Administração, bem como as suas relações com os particulares,
ou seja, os cidadãos.
O que carateriza atualmente a atividade materialmente administrativa, regulada pelo Dto.
Administrativo, é o facto de a Administração deter por um lado, poderes da autoridade nas suas
relações com os particulares, poderes que não existem nas relações entre particulares (como por
exemplo, o poder de expropriar, de aplicar sanções). Mas, por outro lado, se tem esse poder e
prerrogativas, a Administração está igualmente sujeita a obrigações especiais a que os
particulares, nas suas relações intersubjetivas, não estão obrigados (como por exemplo, o dever
de fundamentação das suas decisões).
(ex.: Quando a Administração pretende contratar um funcionário, não o pode fazer sem que haja
um procedimento administrativo/ concursal. Por outro lado, um particular/empresa não está
obrigado a isto (não está obrigado a nenhum procedimento administrativo pré-contratual
dirigido à escolha de um funcionário).

Assim, se por um lado a Administração tem poderes, também está sujeita a limitações,
restrições e obrigações especiais, exigíveis em função da tutela jurídica dos particulares (que
têm direito de acesso à função pública).

Sob o ponto de vista dos particulares, o Dto. Administrativo significa por um lado limitações ou
restrições (ex.: a tal necessidade de obter autorizações), mas significa também o benefício de
prestações e vantagens (ex.: subsídios, serviços públicos da educação e da saúde – como os
serviços a serem fornecidos na situação pandémica pela qual estamos a passar).
Podemos notar que, atualmente, nem todas as normas que regem a organização e o funcionamento
da Administração, bem como as suas relações com os particulares, são normas de Dto.
Administrativo. Na verdade, nem todas são normas de Direito Público, podendo as relações com
os particulares ser também regidas pelo Direito Privado (Dto. Civil, Dto. Comercial e do Dto. do
Trabalho – nomeadamente quando se trata de atividades de gestão privada da Administração).

(ex: criação e gestão de uma sociedade comercial de capitais públicos; uma relação de emprego
ao abrigo do contrato individual de trabalho; o arrendamento de um prédio para instalação de
um determinado serviço público – ao lado da atividade de gestão pública, a Administração exerce
uma atividade de gestão privada)

Daí que na definição tradicional de Dto. Administrativo não baste mencionar o objeto, a
organização e a atividade. É desde logo necessário referir que o Dto. Administrativo só rege as
relações jurídico-públicas com os particulares em que ela se apresenta nessa qualidade, e não a
atividade de gestão privada (em que a Administração surge como um particular, estabelecendo
relações jurídico-privadas com os particulares). Portanto, há aqui uma atividade de gestão privada
em que a Administração também se pode envolver como se fosse um particular.

O Dto. Administrativo e a Administração Pública


(O Dto. Administrativo não é atualmente apenas o Dto. da Administração Pública)

A noção que demos de Dto. Administrativo carece de algumas qualificações adicionais e, na


verdade, a primeira tentação, numa aproximação desprevenida ao Dto. Administrativo, é pensar
que este é o Dto. da Administração Pública.

Todavia, a antiga equação Administração Pública = Dto. Administrativo (que nunca foi
absoluta) já não corresponde à realidade.
Por um lado, nem toda a Administração é regida pelo Dto. Administrativo; por outro lado,
nem só a Administração Pública é regida pelo Dto. Administrativo.
Em termos estritos, o Dto. Administrativo rege apenas a atividade propriamente administrativa
da Administração Pública e não a sua atividade de gestão privada. Mas também rege a atividade
materialmente administrativa de outros órgãos públicos (Parlamento ou Tribunais) que não
integram a Administração, mas também das entidades privadas quando estas atuam no exercício
de poderes públicos (jurídico-administrativos).
Como já referimos antes, a atividade jurídico-privada da Administração tende a aumentar, não se
limitando aos espaços exíguos onde sempre se verificou. A Administração prefere cada vez mais
utilizar formas organizadoras e modos de atuação do Direito Privado, em vez de formas
organizadoras e modos de atuação típicos do Dto. Administrativo (ex.: a forma de emprego
público é frequentemente o contrato individual de trabalho).
Fala-se mesmo a este propósito numa «fuga da Administração para o Dto. Privado», que se tem
acentuado fundamentalmente a partir da década de 80 do século passado, em virtude do fenómeno
do neoliberalismo.
Porém, esta limitação estrita do Dto. Administrativo enquanto Direito da atividade de gestão
pública da Administração é objeto na medida em que devemos entender que mesmo a atividade
de gestão privada da Administração não pode ser inteiramente equiparada a um particular. É que
a Administração, mesmo quando desenvolve a atividade de gestão privada, está sujeita a limites
e a vinculações de Dto. Administrativo impostos pela prossecução de Direito Público a que a
Administração está jurídico-constitucionalmente vinculada nos termos do artigo 266.º/1 da CRP
(E também pela observância de regras e de princípios como o princípio da igualdade e da
imparcialidade – ex.: obrigações de transparência e objetividade na escolha dos fornecedores
de bens ou serviços da Administração; o recrutamento do pessoal em regime do contrato de
trabalho).

Portanto, a Administração pode realizar um contrato individual de trabalho, mas não o pode fazer
sem que tenha existido previamente um procedimento administrativo concursal. E é a partir desse
procedimento que pode realizar um contrato de trabalho.

Daí que os alemães tenham vindo a falar num Direito Privado Administrativo (a atividade de
gestão privada não é inteiramente regida pelo Direito Privado). Por aqui já se vê uma certa
miscigenação que carateriza atualmente o Dto. Administrativo.
Assim sendo, a noção moderna de Dto. Administrativo deve compreender não somente o direito
que rege a atividade de gestão pública, mas também incluir as qualificações jurídico-
administrativas aplicáveis à atividade de gestão do Direito Privado (o tal Direito Privado
Administrativo). Em contrapartida, o Direito Administrativo disciplina a atividade materialmente
administrativa de órgãos e entidades que não integram organicamente a Administração Pública
(assim, a Administração Pública em sentido próprio não tem hoje o monopólio da função
administrativa). É o caso dos demais órgãos do Estado (políticos, governativos e jurisdicionais)
que desempenham tarefas administrativas auxiliares dos seus serviços de apoio.

Deste modo, o objeto do Direito Administrativo compreende também este fenómeno da


atividade do Direito Administrativo fora da Administração.
(ex.: Se houver um litígio entre um concessionário (pessoa jurídica privada que atua
funcionalmente no exercício de poderes jurídico-administrativos) e um particular, este está
sujeito à jurisdição administrativa que resulta do artigo 4.º, n.º 1, d) do ETAF)

Pressupostos históricos do Dto. Administrativo


Podemos dizer que o Dto. Administrativo é um Direito relativamente recente na história da
enciclopédia jurídica, sendo contemporâneo do nascimento da Era Constitucional como produto
das revoluções liberais, em particular da Revolução Francesa (1789), como produto da separação
de poderes e da subordinação do poder executivo ao poder legislativo.
Na tradição europeia continental o Dto. Administrativo assenta em três fundamentos históricos
fundamentais.

Primeiro pressuposto do Direito Administrativo:


A sujeição da Administração e da atividade à lei, isto é, a vinculação jurídica das entidades
públicas administrativas à lei.
Nesta medida só pode haver Dto. Administrativo depois do fim do Estado Absoluto, na sequência
das revoluções liberais (fundamentalmente da francesa – finais do séc. XVIII início do séc. XIX),
na medida em que o Estado Absoluto pontificava uma concentração de poderes. Assistia-se a uma
imunidade do soberano perante a lei - «Legibus absolutus».
A vinculação jurídica da Administração tem o seu fulcro originário no princípio da legalidade da
Administração, princípio este que é fundamental, ou ontológico, do Dto. Administrativo, isto é,
da subordinação da Administração à lei.
Princípio este intimamente por sua vez intimamente ligado ao princípio da separação de poderes,
com a referida supremacia do poder legislativo sobre o poder executivo.
Além do mais, princípio da legalidade, no início do Estado Liberal, confundia-se com a lei em
sentido estrito, sendo o único parâmetro externo que veiculava a atividade administrativa.

Segundo pressuposto do Direito Administrativo:


O segundo fundamento histórico refere-se à especialidade do Dto. da Administração face ao
Direito que rege os particulares e as relações entre eles.
A sujeição jurídica da Administração (sujeição à lei) não se traduziu na sua sujeição ao Direito
comum dos particulares, mas sim a um direito especial, a um direito público emergente, o Dto.
Administrativo, que era inicialmente caraterizado por privilégios e prerrogativas da
Administração exorbitantes do Direito Privado (ex.: privilégio de execução prévia); e
caraterizado, também, por substanciais diferenças das figuras do Dto. Administrativo e das
correspondentes instituições do Direito Privado.
(É certo que as principais categorias do Direito Administrativo foram inspiradas nas figuras
jurídicas do Direito Privado, nomeadamente do Direito Civil)
Basta comparar o regime da função pública com a relação laboral privada; ou o regime do domínio
publico com o regime da propriedade privada; ou o regime da responsabilidade civil da
administração com o regime comum da responsabilidade civil dos particulares; ou o regime dos
contratos administrativos com o regime de contratos do direito privado, etc. Não há dúvida
nenhuma que o Dto. Administrativo era o conjunto de exceções ao Direito Civil (até sistematizar
dogmaticamente as suas categorias jurídicas próprias).

Terceiro pressuposto do Direito Administrativo:


O terceiro pressuposto do Dto. Administrativo está ligado ao precedente (a tal especialidade do
Dto. Administrativo).
No início da Era Constitucional constatava-se uma imunidade da Administração perante os
Tribunais Comuns. (A Administração, no início da era constitucional, correspondia ao Estado
de Direito Liberal – fiscalizava essencialmente, uma vez que não havia uma Administração
prestacional).
À luz de uma leitura radical do princípio da separação de poderes a Administração tinha uma
certa imunidade perante os Tribunais Comuns, e daí a criação de uma jurisdição administrativa,
precisamente para conhecer das questões dos litígios de contencioso administrativos.
Na França, que foi o berço natural do Dto. Administrativo, os revolucionários franceses
começaram por afirmar uma total independência da Administração perante os Tribunais Comuns,
que ficavam inibidos de fiscalizar a atividade administrativa.
A justiça administrativa havia de surgir lentamente ao lado da justiça comum como meio
autónomo de proteger os cidadãos da Administração (ex.: Conselho de Estado – que surge como
um órgão superior da Administração e que só depois se foi autonomizando constituindo hoje o
Conselho de Estado tal como o conhecemos).
Portanto, a criação da jurisdição administrativa foi um esforço lento que passou pela criação de
um sistema próprio de tribunais e de meios de tutela dos particulares perante a Administração.
Todavia a existência de uma jurisdição administrativa não constitui, a nosso ver, um elemento
definidor do Dto. Administrativo uma vez que existem países que têm um sistema judicial
unificado; um sistema de meios de tutela essencialmente comum ao Direito Administrativo e ao
Direito Privado (Sistemas de Common Law; Brasil).

Síntese da evolução do Dto. Administrativo


Na sua origem o Dto. Administrativo tem como função essencial reconhecer à Administração
prerrogativas e poderes de autoridade face aos particulares de modo a prosseguir melhor o
interesse público.
Tem como caraterística a pobreza inicial dos meios de tutela dos particulares, praticamente
limitados aos recursos de contencioso, uma vez que estes correspondiam à forma principal de
atuação da Administração (através do ato administrativo).
De uma forma sintética, por um lado, o que caraterizava esta primeira fase do Dto. Administrativo
era o facto de Administração estar sujeita ao princípio da legalidade que se circunscrevia
praticamente à lei, sendo a sua forma de atuação principal o ato (enquanto manifestação desse
poder).
Existia uma clara deficiência da tutela judicial, uma vez que inicialmente os tribunais
administrativos não eram em bom rigor verdadeiros tribunais administrativos em sentido próprio,
não oferecendo as garantias de independência que oferecem atualmente.
Por fim, outro aspeto que caracterizava inicialmente este Dto. Administrativo era o facto de este
ser um Dto. Administrativo de garantia da Administração (mais da Administração do que dos
particulares, apesar de já tutelar os particulares ainda que deficitariamente).
Além disso, tinha-se ainda que a discricionariedade administrativa era entendida como um poder
originário da Administração. A discricionariedade ainda não era vista como um poder
efetivamente jurídico, atribuído pela lei.

Daí que, em suma, o Dto. Administrativo desta primeira fase era essencialmente um poder de
garantia da Administração e dos seus poderes de autoridade.

Porém, com o tempo, e sobretudo com o sucessivo alargamento das tarefas administrativas, e
também de acordo com a evolução da jurisprudência e da própria doutrina, o Dto. Administrativo
foi mudando de natureza, passando também a cuidar da proteção dos direitos e dos interesses
legalmente protegidos dos particulares perante a Administração.
Assim, a par dos poderes de que a Administração gozava, esta foi sendo sujeita a obrigações
procedimentais (primeiro as leis e depois códigos de procedimento – ex.: transparência,
fundamentação, procedimentalidade) e a obrigações materiais (ex.: regras e princípios da
igualdade, da imparcialidade e da proporcionalidade em sentido amplo/proibição do excesso -
adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). Tudo isto em função dos
particulares.
Concomitantemente, foi-se acentuando a independência dos tribunais da justiça administrativa
bem como os meios de proteção judicial dos particulares. Hoje podemos dizer que vigora uma
tutela jurisdicional efetiva das posições jurídicas dos particulares – artigo 20.º e artigo 268.º, n.º
4 da CRP, artigo 2.º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos.
O Dto. Administrativo foi-se transformando progressivamente num instrumento de limitação dos
poderes da Administração e de proteção dos administrados contra a Administração.
Deste modo o Dto. Administrativo assenta num equilíbrio entre, por um lado, proporcionar à
Administração os meios apropriados à prossecução dos interesses públicos e, por outro lado,
garantir aos particulares os meios de proteção administrativa e judiciais adequados à tutela efetiva
das suas posições jurídicas.

Portanto, e em suma, uma conceção equilibrada do Dto. Administrativo, na atualidade, tem de


integrar duas vertentes:

 Por um lado, o Dto. Administrativo tem por objeto os meios e os modos nos quais a
Administração prossegue no interesse público, mesmo contra os particulares –
DIMENSÃO OBJETIVA.

 Por outro lado, o Dto. Administrativo tem por objeto a defesa dos direitos e dos interesses
legalmente protegidos dos particulares face à Administração, mesmo contra os interesses
da Administração – DIMENSÃO SUBJETIVA.
(Na justiça administrativa tem-se vindo a subjetivar crescentemente o Dto. Administrativo –
passa a ser mais garantístico, passa a ter não só a atuação da Administração como objeto, mas
também a tutela das posições jurídicas dos particulares)

É nesta dialética que se joga a dinâmica do moderno Dto. Administrativo. Qualquer das
decisões do Dto. Administrativo que assente unilateralmente nos poderes da Administração ou
apenas na tutela das posições jurídicas dos particulares são visões distorcidas do Dto.
Administrativo.

Maioritariamente o interesse público prevalece sobre a tutela das posições particulares, mas nem
sempre. Há vezes em que o interesse público há de ceder perante aquelas. Há que fazer uma
ponderação em concreto das posições jurídicas envolvidas dos particulares, por um lado, e da
Administração, por outro.
Atualmente o Dto. Administrativo é em grande medida um Dto. Administrativo de garantia das
posições jurídicas substantivas favoráveis dos particulares. Assim, o que carateriza atualmente o
Dto. Administrativo é, também, a sujeição da Administração a um bloco de juridicidade e ao
Direito – art. 266º/1 CRP + Código do Procedimento Administrativo art. 3º.

Aula n.º 3 – 28-09-2020 – ‘Continuação da aula anterior. 4. Características e problemas atuais do direito
administrativo. 5. Autonomia do direito administrativo como direito público. Diálogo crescentemente conflitual com
o direito civil em consequência de formas inéditas de hibridização entre o direito público e o direito privado.

Autonomia do Dto. Administrativo


No princípio do Dto. Administrativo este não era mais do que um conjunto de exceções ao Direito
Comum. A ideia básica era a de que o Direito Civil era o Direito regra sendo apenas derrogado
por normas exorbitantes de Direito Administrativo. Todavia, mercê do desenvolvimento da
Doutrina e da Jurisprudência, e também da autoridade crescente do legislador, vieram multiplicar-
se as exceções. Foi sendo redigido um verdadeiro sistema de normas de Direito Administrativo.
Foram também sendo apurados princípios próprios destas normas sem recorrer aos princípios
oriundos do Direito Privado. Assim sendo, a partir de certa altura o Direito Administrativo deixou
de ser um conjunto avulso de normas excecionais em relação ao Direito Privado, em especial ao
Direito Civil, para ser um direito dotado de autonomia sistémica, regido também ele por princípios
sistemáticos próprios.
Historicamente, houve Direito Administrativo como direito específico da organização e da
atividade administrativa antes de se dar conta que ele existia como ramo próprio e autónomo, até
porque na sua pátria de origem (França) a sua construção foi obra da jurisprudência
administrativa, mais precisamente das decisões do Conselho de Estado.
A mais conhecida formulação oficial do reconhecimento do Direito Administrativo como ramo
de Direito específico, diferente do que rege relações entre particulares foi, aliás bastante tardia e
deve-se ao célebre Acórdão Blanco.
Blanco era uma criança que foi atropelada numa empresa de produção de tabaco e então o
Tribunal de Conflitos francês veio dizer duas coisas: «aplicava-se um regime jurídico específico
para a responsabilidade dos poderes públicos» e, por outro lado, «que a competência era dos
tribunais administrativos e não dos tribunais judiciais».
Deve notar-se também que o ensino do Direito Administrativo já tinha entrado no ensino das
Faculdades de Direito.

Assim, note-se que Direito Administrativo surgiu antes de nos darmos conta da sua existência
como ramo próprio e autónomo do Direito Público

Em síntese, hoje ninguém põe em causa que o Direito Administrativo goza de autonomia como
ramo de Direito específico, como direito próprio da Administração, da atividade administrativa e
das relações jurídico-administrativas que a Administração estabelece com os particulares.

Podemos notar relativamente aos ramos de Direito Privado mais antigos que o Direito
Administrativo é caraterizado por alguns traços específicos:

 A sua juventude histórica;


 A nossa disciplina carateriza-se ainda a nível da sua atividade por uma certa instabilidade
normativa;
 Um certo défice de codificação das suas normas (défice já suprido entre nós);
 A falta de consolidação da sua construção dogmática (o Direito Administrativo foi
inspirar-se no Direito Civil para construir os seus institutos jurídicos próprios – ex.: o ato
administrativo que era visto sobretudo como um negócio jurídico de Direito Público; o
contrato administrativo inspira-se no contrato de Direito Privado; o domínio público
inspira-se na propriedade privada).

Este diálogo conflitual regressou novamente, na medida em que o Direito Administrativo tem-se
vindo a privatizar formal e materialmente, nomeadamente com a privatização formal e material
do seu objeto; e ao nível da Administração em sentido organizatório e da atividade administrativa
que utiliza cada vez mais instrumentos jurídicos de Direito privado em vez de instrumentos
jurídicos de Direito Público

O Direito Administrativo como Direito Público


Não há dúvida de que o Direito Administrativo fosse sempre Direito Público fosse qual fosse
o critério a que recorrêssemos entre o Direito Público e o Direito Privado, não obstante a certa
miscigenação na fronteira entre Direito Público e Direito Privado.

 Quer utilizando o critério dos sujeitos – que aponta para a ideia de que um dos sujeitos
da atividade administrativa e da relação jurídica administrativa é necessariamente uma
pessoa coletiva de Direito Público; ou que, mesmo sendo uma pessoa coletiva de Direito
Privado ela tem de atuar no exercício de funções públicas – FA p. 124
 Quer utilizando o critério dos interesses – compete ao Direito Administrativo e à
Administração Pública a prossecução e a realização de interesses públicos (sem se
divorciar da proteção jurídica e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos
particulares) – FA p. 123

 Quer no critério da sujeição – a relação jurídico-administrativa não implica uma relação


de inteira paridade de sujeitos públicos por um lado e de sujeitos privados por outro.
Portanto, mesmo sendo que atualmente o particular é elevado à categoria de sujeito com
todas as garantias face à Administração, a relação jurídica carateriza sempre um pendor
mais ou menos acentuado da supremacia da Administração em virtude da tal vinculação
jurídico-constitucional da Administração à realização de um interesse público (que deve
prevalecer sobre as posições jurídicas dos particulares) – FA p. 124

(Mesmo até na relação jurídico-administrativa mais paritária/ equilibrada, que é a relação


jurídica contratual no âmbito do Direito da contratação pública, a Administração pode
definir que os privados não têm nas suas relações intersubjetivas (???)

Artigo 302.º do Código dos Contratos Públicos – a Administração pode resolver unilateralmente
o contrato ainda que fique obrigada a indemnizar o contratante privado ou ficando obrigada a
regularizar o equilíbrio financeiro entre as partes.

Para concluir deve notar-se que a evolução não é linear. A crescente privatização que esta expressa
na frase da «fuga do Direito Administrativo e da Administração para o Direito Privado» não altera
a natureza jurídico-pública do Direito Administrativo. Apenas significa que o Direito
Administrativo deixou de disciplinar toda a atividade jurídica da Administração. Há uma espécie
de dualismo jurídico.
Como vimos, mesmo quando atua segundo o Direito Privado, a Administração não está imune a
qualificações de Direito Público que de certo modo contaminam o Direito Privado.

A ciência do Direito Administrativo


(O Direito Administrativo como ramo do Direito e como disciplina)

O Direito Administrativo como ramo do Direito, ou seja, como sistema normativo, como
conjunto de normas jurídicas é uma coisa. Outra será a disciplina do Direito Administrativo como
ramo da disciplina do Direito, que tem como objeto o estudo do Direito Administrativo (a sua
sistematização e também a sua elaboração dogmática - Doutrina).
 Como ramo do Direito, falamos no Direito Administrativo quando dizemos que o regime
da função pública ou o regime da contratação pública faz parte do Direito Administrativo.
Como ramo do Direito, o Direito Administrativo é um produto das respetivas fontes jurídicas,
principalmente do legislador, sendo que atualmente não estamos perante um legislador nacional,
mas sim supranacional
E muitas vezes até nos confrontamos com um Direito Administrativo global (oriundo das
instituições internacionais, que atuam com um Soft Law, apesar da força propulsora que acabam
por ter)

 Falamos no segundo sentido quando nos referimos à análise e ao estudo das normas e
princípios do Direito Administrativo, no sentido de apurar as soluções estabelecidas pela
lei e a elaborar sob a sua lógica e consistência.

Se o Direito Administrativo como ramo do Direito é um produto das respetivas fontes, como
disciplina jurídica/ ramo da ciência jurídica o Direito Administrativo é sobretudo um produto da
Doutrina entendida como saber e conhecimento dedicado à elaboração dogmática e à construção
teorética do Direito Administrativo: sobretudo através de monografias e artigos especializados.
É isso que se trata sobretudo no ensino do Direito Administrativo, não podendo prescindir
sobretudo desta dimensão de ramo da ciência jurídica.

NOTA: É claro que quando se fala nesta Doutrina é sobretudo uma doutrina universitária, sendo
os professores universitários a produzirem tal Doutrina, através de manuais, monografias e artigos
especializados publicados em revistas. Não obstante, noutros países juridicamente mais cultos
como a França, a Alemanha e a Itália, há também uma espécie de doutrina orgânica, produzida
pela jurisprudência dos tribunais administrativos.
Este diálogo da doutrina universitária com a doutrina orgânica dos tribunais tem motivado
avanços substanciais da nossa disciplina, sobretudo em França, em que o Direito Administrativo
continua a ter uma grande dimensão.

O Direito Administrativo como ramo do Direito é mais antigo que o Direito Administrativo
enquanto disciplina/ ramo da ciência jurídica

Isto porque:

 O Direito Administrativo em grande medida surgiu nos finais do século XVIII e inícios
do século XIX com a Revolução Francesa;
 Enquanto o Direito Administrativo enquanto saber dedicado à elaboração dogmática e à
construção teorética do Direito Administrativo surge mais tarde (fim do século XIX)
através de autores como La Ferrier, Hauriou, Laband, Yellinek, Ottomayer, Orlando e
Santirromen.
O Direito Administrativo evoluiu passando por 3 fases:
A Administração Pública e o Direito Administrativo dependem essencialmente das tarefas e do
tipo de Estado a que pertencem. Assim, o Direito Administrativo é muito mais exíguo num Estado
Liberal do que num Estado intervencionista.
Num Estado abstencionista a Administração tende a ser reduzida e com ela o Direito
Administrativo. Por contrapartida, num Estado intervencionista a atuação da Administração é
muito mais ampla, recaindo sobre esta a principal carga da Administração Pública.
Do ponto de vista constitucional podemos falar em 3 tipos de Estado, quer quanto às tarefas que
desenvolve, quer quanto à sua relação com a sociedade.

 Estado Liberal (dominou do século XIX até à primeira Guerra Mundial)


 Estado Intervencionista (motivado pela intervenção bélica dos Estados
 Estado Social de Direito (décadas de 50, 60 e 70 – período aurífero)

NOTA: A partir da década de 80 temos o Estado mínimo regulador, onde se verifica uma
retração do Estado e, portanto, da Administração Pública na sociedade.

Portanto, como se sabe no Estado liberal a ideia básica prende-se com o abstencionismo,
assentando na não intervenção na esfera social e no afastamento em relação às atividades
económicas. Há a separação entre Estado e economia e entre Estado e sociedade. Esta dicotomia
está, no fundo, no cerne da construção do modelo liberal.
A metamorfose do Estado Liberal no Estado Intervencionista, em primeiro, e depois no Estado
Social, passa por uma intervenção crescente na esfera económica, quer como fiscalizador na
atividade privada quer pela organização de serviços públicos dedicado ao fornecimento de
prestações básicas aos cidadãos. Aqui em vez de uma relação de autoridade e de poder temos uma
relação de serviço, entre o Estado como servidor e os particulares como beneficiários desse
serviço estadual.
A partir dos anos 80 do século passado até aos dias de hoje, os fenómenos da liberalização
voltaram a entrar, sobreveio a crítica neoliberal ao Estado intervencionista, seguiu-se a
desintervenção do Estado, a liberalização e a privatização dos serviços públicos; e o Estado
Administração assume-se como Estado Regulador das atividades económicas sociais. Não é por
acaso que o que o carateriza é uma nova figura jurídico-administrativa do ponto de vista
organizatório – AUTORIDADES ADMINISTRATIVAS INDEPENDENTES.

SÍNTESE:
Portanto, se quiséssemos sintetizar os traços da evolução do Direito Administrativo e da respetiva
Administração nós diríamos que:

 Estes passaram por grandes transformações desde o início da Época Liberal até a
atualidade.
 A Administração do Estado Liberal era exígua, centralizada, hierarquizada e separada da
esfera privada.
 Com o tempo, sobretudo com a intervenção do Estado na sociedade na economia, tornou-
se mais extensa, mais complexa, menos centralizada.
Em primeiro lugar verifica-se, da 1ª para a 2ª fase, uma ampliação das tarefas da Administração
Pública, passando esta a realizar funções que na Época Liberal pertenciam ao foro privado.

(ex.: a criação de bens essenciais: água, saneamento, energia, transportes coletivos; a


garantia quando a privação de rendimentos (seguro de acidente, de saúde, de desemprego, de
reforma, segurança social, habitação)

2ª fase do Estado intervencionista que existiu durante grande parte do século XX com
epicentro nas décadas de 50, 60 e 70

ATUALMENTE através da privatização de empresas e das funções estaduais e da


concentração das tarefas estaduais numa função reguladora traduziu-se numa alteração
dramática da dimensão das tarefas públicas em geral, e administrativas em particular. Há menos
empresas públicas e menos serviços públicos, mas mais autoridades fiscalizadoras - autoridades
administrativas independentes.
Com o aumento de tarefas veio também o aumento de serviços administrativos (mais serviços,
mais pessoal e necessidade de mais recursos financeiros ao serviço da Administração)

(ex.: no século XIX os Governos eram compostos por um número muito limitado de Ministros
que correspondia às funções governativas da época – Estado não intervencionista. Só em 1851
é que foi criado o Ministério de obras públicas e apenas na 1ª República é que haviam de
surgir os Ministérios da Educação, da Agricultura e do Trabalho. Outros já só surgiram depois
de 1974, como o Ministério do Ambiente)

Isto deu lugar (consequência lógica) a uma diferenciação e pluralização organizatória (institutos
públicos, empresas públicas e autoridades administrativas independentes).
Em consequência disso, a Administração perdeu aquela unidade inicial e tornou-se uma
Administração mais plural, mas também mais fragmentada.
Assim talvez devêssemos falar numa Administração Pública no plural e não singular

Outra nota característica é a participação dos particulares quer na Administração entendida como
organização administrativa, quer na participação dos particulares interessados nos procedimentos
administrativos (regulados no Código Administrativo de 2015 criado pelo Decreto-Lei n.º 4, 2015
de 7 de janeiro).
Aula n.º 4 – 29-09-2020 – ‘Continuação da aula anterior. 6. A função administrativa entre as funções do
Estado (remissão). 7. A Administração pública: noção poliédrica e evolução. 8. Os sistemas de administração.’

Traços principais do Direito Administrativo contemporâneo

 Um dos primeiros traços essenciais refere-se à procedimentalização da atividade


administrativa.
Na verdade, esta procedimentalização da atividade administrativa é também um dos aspetos mais
relevantes e modernos do Direito Administrativo atual, na medida em que a Administração deixa
de poder livremente tomar decisões unilateralmente (sem ouvir os interessados), estando por outro
lado legalmente obrigado a seguir os tramites (fases do procedimento administrativo que é
concluído por uma decisão administrativa em sentido amplo – pode culminar num ato
administrativo, num regulamento administrativo ou na celebração de um contrato público)
Desde logo existe o facto de o responsável pela direção do procedimento estar obrigado a seguir
uma tramitação normativa e previamente definida, onde é obrigado por lei a praticar determinados
atos numa determinada linha temporal.
(ex.: não fazia sentido fazer uma audiência prévia dos interessados depois de tomada a decisão
administrativa)
A lógica jurídica da audiência prévia dos interessados é a de anteceder a formação de um projeto
de decisão e ainda, portanto, contestar esse projeto de decisão de modo de melhorá-lo à luz das
perspetivas dos particulares.

Como iremos ver há ainda muitas outras vantagens da procedimentalização da atividade


administrativa. É que deixa de ser relevante apenas, para efeitos processuais contenciosos, o ato
final do procedimento: ato horizontalmente definitivo. Em virtude da própria tramitação do
procedimento e da individualização das fases que o compõem, os atos que terminam com uma
dessas fases, não sendo o ato final, serão sempre os atos que definem e constituem ou modificam
uma situação jurídica do particular.

(ex.: Procedimento concursal para vaga na administração e numa fase é excluído do


procedimento. O particular deve impugnar contenciosamente esse ato, porque senão fica
impedido depois de impugnar o ato administrativo final)

Nos termos do artigo 51.º, n.º 3 do CPA a regra é: a não impugnação do ato procedimental não
preclude o direito de impugnar o ato final; mas há uma situação em que o particular está
legalmente obrigado a atacar o ato procedimental sob pena de não poder impugnar posteriormente
o ato final.

A procedimentalização da atividade administrativa tem muitas vantagens, uma vez que traduz a
modernidade do Direito Administrativo na medida em que consubstancia jurídico-formalmente
aquilo que é a relação jurídico administrativa.
REGRA: não pode haver ato administrativo, nem regulamento, nem contrato sem que estas
decisões sejam precedidas de um procedimento administrativo – de iniciativa oficiosa da
Administração ou de iniciativa particular (artigo 53.º CPA).

 Uma segunda característica do Direito Administrativo atual tem que ver com uma certa
desadministratação da Administração, isto é, uma desintervenção Administração do
Estado
Isto que tem como consequência a redução do espaço público, e, portanto, do objeto do Direito
Administrativo. Há aqui um imanescimento do corpo do Direito Administrativo. Esta nota é digna
de ser assinalada uma vez que o Estado de administração deixa de intervir na esfera económica e
na prestação de serviços públicos essenciais, passando esses serviços muitas vezes pela
privatização do setor público empresarial.
Um outro sinal desta desintervenção traduz-se na externalização de serviços públicos que deixam
de ser assegurados pelas entidades que compõem a Administração Pública em sentido orgânico,
para serem desempenhadas pior entidades privadas no exercício de poderes públicos.

 Uma terceira característica do Direito Administrativo resulta do que acabamos de dizer,


tratando-se da privatização do Direito Administrativo e consequentemente da
Administração (não só nas formas organizatórias mas também nas formas de atividade
administrativa)
Uma contrapartida na desintervenção administrativa do estado é a privatização do Direito
Administrativo e da Administração.

Por privatização entendem-se vários fenómenos distintos:


o Adoção de formas e mecanismos típicos da gestão privada pela Administração –
privatização das formas de gestão e privatização das formas de organização.

o Delegação ou concessão de tarefas públicas a entidades privadas – concessão de


serviços públicos, concessão de obras públicas, entrega da gestão de
estabelecimentos públicos a entidades privadas.

o Alienação de ativos públicos a entidades privadas – privatização de empresas e


venda de património, bem como o abandono de tarefas públicas e a sua devolução
de empresas privadas (despublicização ou privatização material)

 Um outro aspeto característico do atual Direito Administrativo tem que ver com a forma
de gestão administrativa.
Esta mudança é mais recente (tem algumas décadas) e tem a ver com a importação de métodos de
gestão privada para a Administração Pública. Os argumentos têm que ver com a eficiência,
satisfação dos utentes, dos serviços administrativos etc.
Esta nova gestão pública significa uma certa empresarialização das formas de governo e traduz-
se na adoção de mecanismos de tipo empresarial: a introdução de instrumentos concorrenciais, os
prémios ao desempenho do serviço de funcionários, de avaliação de desempenho e da aplicação
de regimes de Direito Privado a favor do contrato individual de trabalho. – A NOVA GESTÃO
PÚBLICA
Aqui tem-se algumas reservas, uma vez que a qualidade da gestão público-privada não tem a ver
com a sua natureza, mas sim com a qualidade dos seus operadores. Esta gestão só será má se
quem ocupa os seus órgãos não tiverem, por exemplo, uma qualificação e o profissionalismo
adequado.

 Outra característica do Direito Administrativo atual é a sua europeização.


Há aqui, com a integração na União Europeia, lugar a um grande impacto a vários níveis, não só
porque se verifica uma transferência de funções administrativas para a União Europeia, mas
também porque as Administrações Públicas nacionais funcionam como delegações da
Administração Pública comunitária.
Repare-se que como em grande parte as fontes do Direito Administrativo são fontes de origem
comunitária (regulamentos, diretivas, etc.), isso significa que há aqui um fenómeno não só de
integração jurídica, económica e financeira, mas também um fenómeno de integração
administrativa, o que significa que há tendência de falar em Administração nacional e
Administração comunitária / ordenamento jurídico nacional e ordenamento jurídico
europeu – DEVE FALAR-SE NUM ORDENAMENTO COMPOSTO.
Aponta-se muitas vezes que esta europeização da Administração é de certo modo fruto da
pressão comunitária para a liberalização dos serviços públicos essenciais (telecomunicações,
energias, transportes, etc.).
Muito embora, não é absolutamente certo que a privatização do Direito Administrativo seja uma
consequência direta na integração do Direito da União Europeia
Numa situação de normalidade pode dizer-se que o legislador nacional privatiza e o legislador
europeu publicita.

 Por último, assiste-se a uma certa desmaterialização do Direito Administrativo e da


Administração
Esta desmaterialização do Direito Administrativo e da Administração consiste na utilização de
meios eletrónicos e na desformalização e desmaterialização de procedimentos administrativos
(artigos 61.º, 62.º e 63.º do CPA).
Há também um aumento do número de procedimentos administrativos praticados à distância,
como por exemplo concursos públicos, requerimentos administrativos, notificação de atos
administrativos, autorizações, registos, etc.
É claro que este desenvolvimento altera consideravelmente a relação dos particulares com a
Administração, dispensando a relação subjetiva, presencial, bem como a organização dos serviços
administrativos – fenómeno que vivemos hoje fruto de uma situação atípica (pandemia) e que
poderá viralizar.
Problemas atuais do Direito Administrativo
É verdade que assistimos a grandes transformações por que está a passar o Estado e a
Administração Pública e que colocam problemas e desafios ao Direito Administrativo que tendem
a abalar o edifício tradicional do Direito Administrativo (e numa visão otimista a abrir novas
fronteiras).

 A nova gestão pública tem implicações no Direito Administrativo clássico.


Como se viu, a ideia da nova gestão pública assenta na transferência dos paradigmas e dos
princípios da gestão privada para a Administração, como a empresarialização de serviços, os
mecanismos de tipo de mercado, o prémio de desempenho, a avaliação de desempenho – isto
coloca problemas delicados, porque normalmente estas avaliações de desempenho correspondem
a critérios muito quantitativos.
(ex.: o médico que faz mais cirurgias; o juiz que refere mais sentenças; o professor que corrija
mais exames – pode colocar-se de parte o critério qualitativo)

A verdade é que também esta nova gestão pública pode criar uma pressão sobre muitos princípios
clássicos do Direito Administrativo, designadamente no que toca à desvalorização do controlo
hierárquico e no abandono dos métodos tradicionais de gestão financeira e contabilística, optando-
se por regimes de Direito Privado.

 Um segundo problema é a fuga do Direito Administrativo para o Direito Privado


NOTA: expressão curiosa, porque parece uma expressão psicanalítica.
Há problemas sérios na medida em que isso pode permitir à Administração furtar-se aos limites
e condicionalismos estabelecidos pelo Direito Público, bem como substituir os tribunais
administrativos por tribunais comuns, como tribunais de controlo.

Por que razão é assim?


Se tradicionalmente havia a ideia de que os tribunais administrativos eram sub tribunais;
atualmente os tribunais administrativos e a sua justiça são de plena jurisdição, tendo o juiz
fortíssimos poderes.
Em suma, hoje estamos numa fase nova da justiça administrativa que não receia qualquer
comparação com a justiça cível.

Será que esta fuga do Direito Administrativo para o Direito Privado pode ser ilimitada? Não há
limites jurídico constitucionais? Não há uma reserva constitucional de Direito Administrativo e
de Administração Pública?
Creio que sim – artigos 266.º-272.º CRP.
Muitas destas privatizações são coisas que correspondem a modas e que não são sequer eficientes
do ponto de vista empresarial.

 Quanto à desintervenção do Estado e as suas consequências, nomeadamente ao nível da


gestão privada de serviços públicos, poder-se-á dizer que esta tem por consequência o
abandono de certos serviços públicos ou a sua concessão a entidades privadas.
Em qualquer caso, tal implica a remoção do espaço operacional do Direito Administrativo e
coloca problemas de controlo da sua gestão e articulação entre os interesses públicos e privados.

 Um outro problema curioso tem que ver com a desgovernamentalização da


Administração, sobretudo operada através da criação das autoridades administrativas
independentes (267º, n.º 3 CRP).
A desgovernamentalização da Administração é um fenómeno marcante do atual Direito
Administrativo, sobretudo em áreas económico financeiras, onde ficam as autoridades
reguladoras independentes e certas autoridades de garantia dos Direitos Fundamentais.
Entendendo-se que seria benéfico, quer em áreas económico financeiras, quer em áreas em que
os Direitos Fundamentais seriam mais garantidos e protegidos juridicamente através da ação
destas atividades administrativas independentes.
Ora, como iremos ver as Autoridades Administrativas Independentes estão imunes ao controlo
governamental. Embora sejam de criação estadual, a verdade é que elas funcionam
independentemente do Governo, não recebendo instruções, sendo os seus titulares inamovíveis e
gozando de uma grande autonomia inclusive financeira.
Assim, estas são imunes ao controlo governamental, pelo que o Governo não pode responder por
elas perante o Parlamento nem perante os eleitores. Isto cria problemas com os princípios
democráticos, visto que esta não responde perante os seus atos, nem perante o Governo nem mais
ninguém.
Estas Entidades Administrativas Independentes são o epifenómeno do Estado mínimo regulador.

 Chama-se por último ao problema da europeização do Direito Administrativo.


Sem dúvida que a europeização do Direito Administrativo coloca muitas implicações ao nível do
Direito Administrativo dos Estados membros, na medida em que o Direito da União Europeia
constitui hoje a fonte normativa mais forte dos ordenamentos jurídicos nacionais e em particular
dos Direitos Administrativos nacionais.
Se olharmos para grande parte das fontes do Direito Administrativo têm origem direta ou indireta
no Direito da União Europeia, onde pontificam fundamentalmente os regulamentos e as diretivas.
Em particular o Direito Europeu tem impacto quer em termos substantivos – nas ajudas do Estado,
compras públicas, direito da concorrência, etc. – quer em termos procedimentais e processuais –
procedimentos consursais, medidas cautelares no caso dos contratos públicos de aquisição de bens
e serviços. Portanto, há aqui uma modelação e uma conformação que muitas vezes vai para além
disso.
É claro que há outro aspeto importante que é o fenómeno da globalização. Fala-se a este
propósito do Direito Administrativo global, não obstante não há nenhuma Constituição Global
nem nenhuma fonte de Direito universal. O particular ainda não é um sujeito de Direito pleno no
plano internacional, continuando a ser os Estados e as Organizações Internacionais, o que não
quer dizer que este Direito Internacional não tenha uma força propulsora e ordenadora nos
ordenamentos jurídicos nacionais (até derivado a uma União Europeia).

A problemática da reserva da Administração


A questão da reserva da Administração consiste em saber se existe uma esfera de atividade
exclusiva dela, de tal modo que não pode ser apropriada pelo legislador, nem confiada aos
Tribunais.
Tal como há uma reserva de lei (matérias constitucionalmente reservadas ao legislador – artigos
174.º e 175.º da CRP) e uma reserva dos tribunais (matérias constitucionalmente reservadas
para decisão judicial – artigos 202.º e ss.), que não podem ser invadidas pela Administração,
coloca-se também a hipótese de haver uma reserva da Administração de que ela não pode ser
privada.
A questão da reserva da Administração tem sido colocada em relação ao legislador. Aquilo que
se procura esclarecer é se a lei pode tudo, incluindo substituir-se à Administração; ou se há uma
função administrativa materialmente definida relativamente à qual não será possível a incidência
de atos legislativos, em especial da AR que não tem funções administrativas. Mas também se
coloca tal questão em relação aos titulares do poder (Governo e ALR)
O princípio da separação de poderes impõe uma resposta positiva a esta questão. Repare-se
que se o poder legislativo pudesse consumir a atividade legislativa estaria em risco o próprio
princípio da separação de poderes. É que sem princípio não existe separação de funções.
Como já se referiu a CRP é explicita em considerar o Governo o órgão superior da Administração
Pública, havendo uma explicita separação constitucional entre a função legislativa e a função
administrativa em relação ao próprio Governo – artigos 198.º e 199.º da CRP
Por maioria de razão tal separação deve existir entre o Governo Administração (Governo
enquanto órgão administrativo) e a Assembleia da República.
Repare-se que isto é delicado porque o jurista deve estar atento, uma vez que muitas vezes nos
orçamentos gerais do Estado, onde deveriam existir apenas normas jurídicas gerais e abstratas,
verifica-se a existência de atos administrativos, e normas muito concretas (consubstanciam atos
materialmente administrativos).

CPPA art.52.º, n.º 1 – a impugnabilidade dos atos administrativos não depende da respetiva
forma.
O intérprete tem de estar muito atento, uma vez que muitas vezes o ato não tem a forma
administrativa, mas vem arroupado em formas regulamentares ou legislativas. E quando assim
é trata-se de atos materialmente administrativos, cuja jurisdição cabe aos Tribunais
Administrativos e não propriamente a um Tribunal Constitucional.
Se falarmos da reserva da Administração esta requer, em matéria administrativa e jurídica, que
os atos administrativos sejam, em principio, monopólio da Administração (em princípio,
porque podem haver entidades privadas que atuando no exercício de poderes públicos podem
praticar atos administrativos – caso dos concessionários; um órgão público que não administrativo
podem praticar atos e elaborar regulamentos) e que a lei seja, em princípio, uma norma geral
e abstrata (não deve servir para praticar atos materialmente administrativos: leis medida, leis
concretas, leis individuais).
Já no que tange à atividade regulamentar da Administração (regulamentos administrativos), ela
compartilha esta atividade (artigo 241.º CRP) e tem natureza normativa de modo que não faz o
mesmo sentido falar numa reserva de regulamento, até porque este regulamento tem sempre
origem numa abdicação ou numa insuficiência normativa do legislador.
Imagine-se que o legislador pretende esgotar a disciplina normativa de um determinado regime
jurídico, dispensando o regulamento, isto deve-se considerar dentro da liberdade legislativa.
Tal como o legislador pode abdicar do seu poder legislativo material em favor da Administração,
também pode consumir a função administrativa regulamentar, não obstante deve atender-se à
disciplina interna dos serviços administrativos uma vez que se trata de uma atividade com uma
natureza intrinsecamente administrativa, não devendo o legislador ocupar-se dessa matéria a um
nível excessivamente densificado.
No entanto, mesmo quanto à função regulamentar há situações em que inequivocamente o
legislador tem de parar perante uma reserva da Administração. Trata-se daqueles casos em que o
poder normativo da Administração está protegido constitucionalmente. A lei não pode consumir
e inutilizar a autonomia normativa regulamentar reconhecida pela CRP a determinadas entidades
públicas administrativas (autonomia normativa regulamentar dos artigos 241.º e 76.º, n.º 2
CRP), o que impede que a lei consuma por via legislativa o espaço de autonomia deixado pela
CRP aos órgãos locais e aos órgãos universitários.

Quer o princípio da autonomia do poder local, que confere autonomia normativa regulamentar,
quer no que respeita às Universidades, que têm autonomia estatutária, deve impedir que a lei
consuma por via legislativa o espaço de autonomia deixado pela CRP aos órgãos locais e aos
órgãos universitários.
Daí que a tutela administrativa do Estado por intermédio do Governo no exercício da sua função
administrativa só possa ser, quando estão em causa, competências exclusivas das autarquias
locais, uma tutela de mera legalidade. – Artigo 241.º CRP.
Como se disse, o problema da reserva da Administração deve colocar-se também em relação aos
Tribunais, impedindo a lei de proceder a uma judicialização da função administrativa.
Obviamente que a título principal os Tribunais não podem praticar a função administrativa.
Administração Pública
A Administração Pública é preciso entendê-la de acordo com uma noção poliédrica. Esta
apresenta dois sentidos muito distintos:

 Administração Pública em sentido orgânico ou subjetivo, como organização


administrativa
Como organização administrativa a Administração Pública é o sistema de entidades, órgãos,
serviços e agentes do Estado, bem como das demais pessoas coletivas públicas, que asseguram a
título principal e em nome da coletividade a satisfação regular e contínua dos interesses públicos
previamente definidos e qualificados pelo legislador (segurança, cultura e bem-estar – FA pp. 29-33).
Neste sentido a Administração tem como elementos básicos as pessoas coletivas de Direito
Público. Em bom rigor há várias «administrações» (administração do Estado, a administração
autónoma local, administração autónoma regional, a administração autónoma não local, a
administração independente, etc.).
«A terminar, acrescente-se que a Administração Pública, tal como definimos, é nos dias de hoje um vasto conjunto de
entidades e organismos, departamentos e serviços, agentes e funcionários, que não é fácil conhecer de forma rigorosa»
- FA pp. 32-33

De qualquer modo, qualquer Administração Pública, qualquer organização administrativa tem


como elementos básicos constituintes as pessoas coletivas de Direito Público. Estas pessoas
manifestam a sua vontade através de órgãos administrativos, que têm ao seu dispor os serviços
administrativos que pertencem a cada entidade pública e que atuam na dependência e sobre a
égide dos respetivos órgãos.
«O enorme e denso aparelho que referimos – constituído por organizações e por indivíduos – existe para atuar. Dessa
atuação nasce a atividade administrativa, ou administração pública em sentido material.» - FA p.34

 Administração Pública em sentido objetivo ou material


A Administração a agir, a atuar, a tomar decisões administrativas, a praticar atos, a elaborar
regulamentos, a celebrar contratos, com vista à satisfação regular de determinadas atividades…
Em bom rigor estamos a falar de atividade administrativa.
«Daí que a ‘administração pública’ em sentido material possa ser definida como a atividade típica dos serviços
públicos e agentes administrativos desenvolvida no interesse geral da coletividade, com vista à satisfação regular e
contínua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar, obtendo para o efeito os recursos mais
adequados e utilizando as formas mais convenientes.» - FA p.34

É certo que, tradicionalmente, a palavra «administração» reunia quer a vertente da organização,


quer a da atividade. De tal forma que o Doutor Marcelo Caettano utilizava a administração pública
como «atividade» com letra minúscula e como «organização» em letras maiúsculas.
É certo que deveria existir uma correspondência entre o âmbito material de cada um destes
sentidos, sendo a atividade administrativa desempenhada pelos órgãos e serviços administrativos.
Todavia, hoje esta equação não é totalmente absoluta pelo facto de uma boa parte da atividade
administrativa ser levada a cabo quer por órgãos públicos que não integram a Administração, e,
sobretudo, por entidades privadas quando estas atuam no exercício de funções públicas.
«(…) não se confunde, com efeito, nem com a administração privada, nem com as outras atividades públicas, não
administrativas.» - FA p.36
No fundo a Administração Pública tem em comum com a Administração do setor privado
(empresas e outras organizações privadas) a ideia de organizar e gerir atividades, reunindo para o
efeito meios materiais e humanos para a chegada a certos resultados que estão ao serviço da
prossecução de certos fins.
Não é por acaso que falamos na tanto na administração e gestão de empresas privadas como na
administração e gestão dos serviços e estabelecimentos públicos.

O que distingue verdadeiramente estas ‘administrações’ (administração de gestão pública e


administração de gestão privada) tem que ver com 3 aspetos:

 Diferença de atores (poderes públicos/ entidades particulares);


 Meios (meios públicos/ meios privados);
Administração privada: «(…) os meios jurídicos que cada pessoa utiliza para atuar caraterizam-se pela igualdade
entre as partes (…) O contrato é, assim, o instrumento típico do mundo das relações privadas.» - FA p.38

Administração pública: «A administração pública tem de poder desenvolver-se segundo as exigências próprias do bem
comum. Por isso a lei permite a utilização de determinados meios de autoridade (…)» - FA. P.39

 Fins (a administração pública procura satisfazer os interesses públicos/ as entidades


privadas têm fins naturalmente privados, de lucro ou não económicos) – daqui derivam
vários métodos que tradicionalmente distinguem a administração pública da privada.
«Muitas das vezes verificar-se-á coincidência entre a utilidade particular das formas de administração privada e a
utilidade social, coletiva, dessas mesmas formas (…) Mas o facto de o resultados das atividades privadas ser
socialmente útil à coletividade (…) não significa que o fim dessa administração privada seja a prossecução direta do
interesse geral: o fim principal é aí, diferentemente, a prossecução de um interesse particular, ainda que
tendencialmente coincidente com o interesse público.» - FA pp. 37 e 38

Se quisermos dar uma noção de Administração Pública que englobe os dois sentidos diríamos
(subjetivo e objetivo): a Administração Pública como sendo a organização e a atividade pública que consiste
em combinar os meios humanos e materiais necessários para desempenhar as tarefas necessárias requeridas
para prosseguir um interesse público, ou seja, os interesses da comunidade organizada em Estado, tal como
resulta da CRP e da Lei em cada país e em cada época (segurança externa; ordem pública; serviços coletivos
básicos: saúde, educação, água, gás; ferrovias, infraestruturas, ordenamento urbanístico do território,
desenvolvimento económico-social; bem-estar; a qualidade de vida: cultura e desporto)

O artigo 199.º CRP define as funções administrativas do Governo (reporta-se ao Governo


enquanto órgão administrativo).
O Governo trata-se, então, do órgão superior da Administração Pública estadual nos termos do
artigo 182.º CRP - incluindo nele um elenco elucidativo da função administrativa, incluindo nessa
função, entre outras tarefas, a elaboração de regulamentos, a direção dos serviços e da atividade
administrativa; superintendência e a tutela sobre a administração indireta e a tutela de mera
legalidade sobre a administração autónoma.
Este artigo 199.º CRP consagra ainda um conjunto de funções administrativas do Governo,
nomeadamente em matérias de gestão do pessoal administrativo e de gestão financeira (execução
do Orçamento); e em geral, a prática de todos os atos e a tomada de todas as providências
necessárias para a realização de fins cuja Administração está incumbida.
Por outro lado, a função administrativa desenvolve uma atividade material (atividades
operacionais): remoção de uma viatura de via pública, vigilância policial; prestação de cuidados
de saúde num hospital público; atividades letivas numa escola pública.

Para concluir dir-se-á que o que diferencia essencialmente a administração/gestão pública é que
ela é uma atividade instrumental e subordinada a objetivos heterónomos, definidos por outras
instâncias, nomeadamente pelo poder político em geral e pelo legislador em particular.
Na Administração Pública a lei define pelo menos a competência de cada órgão e os fins da sua
atividade, assim como as atribuições da própria entidade pública.
Quem define o interesse público primário é a lei. A Administração não goza de qualquer margem
de liberdade quanto à determinação dos interesses públicos que lhe incumbe realizar, concretizar
e satisfazer.
«(…) a definição que acima demos de ‘administração pública em sentido material ou objetivo’ (…) atividade típica
dos organismos e indivíduos que, sob a direção ou fiscalização do poder político, desempenham em nome da
coletividade a tarefa de prover à satisfação regular e contínua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-
estar económico e social, nos termos estabelecidos pela legislação aplicável e sob o controlo dos tribunais
competentes» - FA p.43

(ler FA pp. 39-44)

Bibliografia:
COLAÇO ANTUNES, A Ciência Jurídica Administrativa – Noções Fundamentais, reimpressão, Coimbra, 2020, pp.
17 a 53 e 149 a 177; FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 4ª ed., Coimbra, 2016, pp.
25 a 43, 87 e seguintes, e 115 a 137. COLAÇO ANTUNES, Para um Direito Administrativo de Garantia do Cidadão
e da Administração, Coimbra, 2000, pp. 48 a 65; VITAL MOREIRA, Administração Autónoma e Associações
Públicas, Coimbra, 1997, pp. 43 a 46; COLAÇO ANTUNES, O Direito Administrativo e a sua Justiça no Início do
Século XXI, Coimbra, 2001, pp. 11 a 24 e 32 a 46.
Aula n.º 5 – 06-10-2020 – ‘9. O direito administrativo como Sonderweg da construção europeia. 10. As fontes
do direito administrativo. 10.1. Tipologia e diversificação das fontes de direito administrativo. 10.2. Fontes internas
e externas, com especial atenção à Constituição administrativa, ao regulamento e ao direito da União Europeia.’.

Funções de Administração
Quanto às funções da Administração é preciso ter em conta que esta pode ser vista por um lado
como poder público e, por outro, como serviço público. Portanto, a Administração Pública
contemporânea apresenta-nos estas duas grandes vertentes.

Numa certa perspetiva a Administração aparece como poder público, como autoridade: quando
fiscaliza, expropria, sanciona e emite ordens para os particulares; noutra perspetiva a
Administração Pública surge como serviço público, como instituição destinada à satisfação de
interesses públicos: quando organiza escolas e centros de saúde públicos, quando garante o
mínimo de subsistência, quando cria e põe em ação serviços públicos essenciais na área da saúde,
educação, etc.

Esta dupla vertente da Administração traduz-se em dois tipos diversos de relações jurídico-
administrativas com os particulares:

 Como autoridade, a Administração exerce essencialmente uma atividade intrusiva na


esfera de liberdade ou do património dos particulares (fiscaliza, expropria, tributa, pune)
– chama-se por influência da doutrina alemã a Administração agressiva.

1ª fase do Direito Administrativo correspondente ao Estado de Direito Liberal

 Como serviço público a Administração consiste em proporcionar prestações


administrativas, quer em matérias de educação, cuidados de saúde, transportes públicos,
subvenções sociais, etc., por vezes a título gratuito e, por vezes, consistentes em
prestações pecuniárias – Administração prestacional

Administração típica do Estado Social de Direito/ Estado Intervencionista

No Estado oitocentista a Administração, no contexto do Estado Liberal, era agressiva e reduzida,


votada à garantia e segurança da ordem pública, consistindo essencialmente em atividades de
polícia e numa função de natureza sancionatória.
No século XX, com o Estado Social, a Administração assumiu novas funções de garantia de
condições de subsistência e de bem-estar coletivo que acrescentaram a tal vertente da
Administração de prestações. Estas duas vertentes mantêm-se presentes, há uma face da
Administração que é mais vista como autoridade e uma outra de uma Administração mais ao
serviço do interesse público.
A par destas funções a Administração Pública desempenha ainda outras 2 funções essenciais:

 Função reguladora, sobretudo levada a cabo pelas entidades administrativas


independentes – votada à ordenação e à disciplina da vida económica e social.

 Função infraestrutural – destinada a lançar infraestruturas matérias da coletividade – é


a tal atividade de natureza material.

Convém estabelecer uma relação entre as funções administrativas (Administração


poder/serviço):
Com efeito, ainda com algumas limitações impostas pelo fenómeno neoliberal, a Administração
Pública é caraterizada por uma certa diversidade e multifuncionalidade. A cada uma das suas
funções típicas: ordem, segurança pública, punição de infrações às ordens administrativas,
prestações sociais, fomento económico, intervenção na atividade económica, ordenamento
territorial e urbanístico, etc., correspondem diferentes institutos jurídicos típicos do Direito
Administrativo: o direito polícia, a sanção administrativa, o serviço público, a subvenção, a
empresa pública.

Sistemas de Administração

Há aqui que referir uma dicotomia clássica: quer o Direito Administrativo, quer a
Administração não apresentam a mesma natureza em todas as épocas, nem sequer em todos os
países.
Aparecem, então, dois grandes modos típicos de organizar a gestão pública.
Quando falamos em sistemas de Administração estamos a querer referir-nos ao modo jurídico de
organização e controlo da Administração.

A dicotomia clássica que se estabelece:

 Entre sistema de administração judiciária – as decisões impositivas têm de ser


legitimadas por uma sentença que autorize judicialmente a administração a executa-a.
Sistema de Administração de tipo anglo-saxónico

 E sistema de administração executiva – a Administração tem autotutela declarativa


– poder de definir o Direito no caso concreto – e tem o poder de executar a decisão por
meios próprios, se necessário de forma coativa quando se deparar com uma resistência
ativa ou passiva do destinatário do ato.
Sistema de Administração de tipo francês
Síntese inicial com base em Freitas do Amaral – pp. 87-90
«(…) o sistema tradicional da Monarquia constitucional europeia assentava nas caraterísticas
seguintes:
a) Indiferenciação das funções administrativa e jurisdicional e, consequentemente,
inexistência de uma separação rigorosa entre os órgãos do poder executivo e do poder
judicial.
b) Não subordinação da Administração Pública ao princípio da legalidade e,
consequentemente, insuficiência do sistema de garantias jurídicas dos particulares face
à Administração.
Quanto ao primeiro aspeto (…) Atribuições diferentes eram dadas indiferentemente, e sobre o
mesmo indivíduo eram acumuladas jurisdições não só incompatíveis, mas destruidoras umas das
outras». Numa palavra, não havia separação de poderes.
Quanto ao segundo aspeto (…) não havia, de todo em todo, normas que regulassem a
Administração Pública, ou então que essas normas nem sempre revestiam caráter jurídico,
podendo ser meras instruções ou diretivas internas, sem caráter obrigatório externo. (…) Isto
significa que os particulares não se podiam queixar de ofensas cometidas pela Administração
aos seus direitos ou interesses legítimos (…) Numa palavra, não havia Estado de Direito.
(…)
O panorama foi, como se sabe, profundamente alterado a partir de 1688, com a Grande
Revolução em Inglaterra, e de 1789, com a Revolução Francesa.
O efeito destas revoluções foi enorme, designadamente nos sistemas administrativos dos dois
países e, depois, nos das restantes nações.
(…) Consagrou-se a separação dos poderes.
Por outro lado, proclamaram-se os direitos humanos como direitos naturais anteriores e
superiores do Estado ou do poder político – e, com isso, não só a Administração Pública ficou
submetida a verdadeiras normas jurídicas, de caráter externo e obrigatórias para todos, como
os particulares ganharam o direito de invocar essas normas a seu favor na defesa de direitos ou
interesses legítimos porventura ofendidos pela Administração. Nasceu o Estado de Direito.
Até às revoluções liberais, vigora pois o sistema administrativo tradicional, assente na confusão
dos poderes e na inexistência do Estado de Direito; depois das revoluções liberais, estabelecem-
se os sistemas administrativos modernos, baseados na separação dos poderes e no Estado de
Direito.»
Caraterísticas típicas do Sistema de Administração executiva (francês)
(modelo ideal que na realidade nunca se verificou)

 A existência do Direito Administrativo enquanto Direito específico da atividade


administrativa, que vem regular e disciplinar a atividade administrativa e as relações
jurídico-administrativas que a Administração estabelece com os particulares e também
com outras entidades; - FA pp. 96 e 97 – ponto e)

 A Administração goza de privilégios e prerrogativas, nomeadamente na designação


inicial do privilégio da execução prévia, que consiste no poder de definição e
concretização de decisões administrativas contra os particulares, sem necessidade de
recurso prévio aos Tribunais;
«(…) as decisões unilaterais da Administração Pública têm em regra força executória própria, e podem por isso mesmo
ser impostas pela coação aos particulares, sem necessidade de qualquer intervenção prévia do poder judicial.» - FA
pp. 97 e 98

 Existem Tribunais próprios para a justiça administrativa, como existem ainda Tribunais
de conflitos para dirimir conflitos entre Tribunais Administrativos e entre os Tribunais
Administrativos e os Judiciários;
«(…) são criados tribunais administrativos- que não eram verdadeiros tribunais, mas órgãos da Administração, em
regra independentes e imparciais – incumbidos de fiscalizar a legalidade dos atos da Administração e de julgar o
contencioso dos seus contratos e da sua responsabilidade civil.» - FA p. 96

 Os particulares neste modelo não tinham o poder de condenar a Administração a adotar


ou não determinada conduta, sendo a Administração independente dos Tribunais, os quais
não lhe podem dar ordens, nem impor proibições; - FA p. 98 – ponto g)

 Havia uma responsabilidade direta do Estado pelos danos causados pelos seus
funcionários a terceiros, e havia certos privilégios e imunidades penais dos funcionários
públicos.

Caraterísticas típicas do Sistema de Administração judiciária (anglo-saxónico)

 Inicialmente a inexistência de um Direito Administrativo substantivo ou autónomo como


ramo de Direito, dizendo-se que a Administração nas suas relações jurídicas era regida
pelo Direito Privado – o Direito ordenador de acordo com este modelo era o Direito
comum;

 Não se reconhece à Administração o poder de tomar decisões que afetem os cidadãos sem
ter obtido previamente uma sentença favorável (sem estar legitimada por uma autorização
judicial materializada numa sentença favorável);
«(…) as decisões unilaterais da Administração não têm em princípio força executória própria, não podendo por isso
ser impostas pela coação sem uma prévia intervenção do poder judicial» - FA p. 92
 O controlo jurisdicional da Administração é incumbido aos Tribunais Judiciais/ comuns;

 Possibilidade de os cidadãos obterem dos Tribunais uma condenação da Administração


a uma obrigação de comportamento – estes meios condenatórios de obrigar
Administração a praticar atos ilegalmente omissos apareceu muito mais cedo no sistema
de Administração judiciária – sistema mais garantístico da tutela dos particulares;
«(…) os cidadãos dispõem de um sistema de garantias contra as ilegalidades e abusos da Administração Pública» -
FA p. 93

 Possibilidade de os cidadãos obterem dos Tribunais uma condenação da Administração


em matéria de responsabilidade civil e penal dos funcionários da Administração pelos
atos ilegais lesivos de terceiros, sem gozarem de qualquer privilégio e responsabilidade
do Estado.

(FA pp. 99 e 100)

Posteriormente deu-se um esbatimento progressivo das diferenças entre os dois modelos. Tratava-
se de tipos mentais que nunca existiram na realidade em sentido puro. Além disso o decurso do
tempo veio a conduzir a mudanças que atenuaram o fosso entre os dois sistemas de
Administração.
Essa convergência relativa ocorreu tanto por efeito da judicialização do sistema de Administração
executiva, tal como pela executivização do sistema de Administração judiciária.

Judicialização do sistema de Administração executiva


Este fenómeno manifesta-se da seguinte forma: em primeiro lugar, há aqui uma moderação dos
privilégios e das prerrogativas da Administração. A executividade não é uma caraterística de
todos os atos administrativos, mas de alguns atos administrativos, para além de que o reforço
tutelar veio permitir uma tutela preventiva e, portanto, veio evitar que muitos atos fossem
executados pela via administrativa sem recurso aos Tribunais.
Há também um aumento colossal dos meios de tutela judicial dos cidadãos contra a Administração
– a nossa justiça administrativa é hoje um sistema de plena jurisdição; consagrando uma tutela
judicial efetiva e plena dos cidadãos face à Administração.
A justiça administrativa começou por ser uma justiça a favor da Administração e hoje poder-
se-á considerar uma justiça contra a Administração

Então, há este aumento dos meios de tutela judicial dos cidadãos contra a Administração, quer ao
nível dos processos cautelares, quer ao nível ainda dos processos executivos – a Administração
não goza agora de qualquer discricionariedade e o juiz hoje pode condená-la.
Outra caraterística é que hoje há uma clara autonomização e independência dos Tribunais
Administrativos – artigo 202.º e seguintes CRP, particularmente o artigo 203.º da CRP.
Executivização do sistema de Administração judiciária
Admite-se a criação e existência de um ramo de Direito Administrativo especial; a existência pelo
menos de um Direito Administrativo substantivo.
A Administração anglo-saxónica adquiriu poderes de atuação mais fortes face aos particulares e
chegaram mesmo a criar-se Tribunais Administrativos, que se tratam de órgãos de Administração
ativos e não de verdadeiros Tribunais (estas entidades funcionavam para a resolução de conflitos
com os particulares, mas dotados de alguma independência ainda que crescentemente
judicializados – mas não são propriamente Tribunais Administrativos)

A diferença entre os dois sistemas:


 Enquanto no sistema de Administração executiva há dualismo jurisdicional: há
jurisdição comum para tratar dos conflitos emergentes das relações intersubjetivas dos
particulares e sujeitas, portanto, ao Direito Privado; e jurisdição administrativa para
apreciar os conflitos emergentes das relações jurídico-administrativas (artigo 212.º
CRP);
 Ao passo que no modelo do sistema de Administração judiciária há monismo
jurisdicional. É o Direito comum e, portanto, o Direito Privado, que disciplina tanto as
relações entre particulares, como as relações entre os particulares e a Administração.
O Tribunal competente para decidir é o Tribunal Comum.

«Mas houve, de facto, uma significativa aproximação entre eles nomeadamente na organização administrativa, no
direito regulador da Administração, no regime de execução das decisões administrativas, e no elenco de garantias
jurídicas dos particulares.

Onde apesar de tudo as diferenças se mantêm mais nítidas e contrastantes é nos tribunais a cuja fiscalização é
submetida a Administração Pública – na Inglaterra os tribunais comuns, em França os tribunais administrativos. Ali
unidade de jurisdição, aqui dualidade de jurisdições.» - FA pp. 112 e 113

Sistema administrativo português


O nosso sistema foi, durante o século XIX e grande parte do século XX, influenciado pelo Direito
Administrativo francês; e foi desde o início um sistema pertencente à família da Administração
executiva. Tal foi mudando com a CRP de 1976 e com a reforma do CPA de 2015.
A nível constitucional convém chamar à atenção de que não existe um explícito reconhecimento
do sistema de Administração executiva. Apesar disso, não há lugar a dúvidas de que tal sistema
de Administração executiva está implicitamente pressuposto naquilo que designamos como
Constituição Administrativa da CRP – conjunto de normas constitucionais que têm por objeto
a disciplina da Administração na vertente da organização e da atividade administrativa.
Mas, como se disse, parecem não restar dúvidas de que este sistema de administração francês está
implicitamente pressuposto na CRP, nomeadamente na CRP Administrativa, através de certos
indícios de onde afloram traços do sistema de Administração executiva:

 Instituição de uma ordem judicial autónoma constituída pela jurisdição administrativa,


tribunais estes separados dos Tribunais Judiciais (artigos 209.º e 212.º CRP).
 Outro traço é o regime de responsabilidade direta e principal da Administração pelos
danos causados pelos seus órgãos e agentes, desde que atuem no exercício das suas
funções e por causa desse exercício (princípio da responsabilidade solidária – artigo
22.º CRP)

(FA – p. 114)

O novo CPA (2015) veio de certa maneira fazer aparentemente uma transformação bastante
acentuada que, se fosse levada às últimas consequências, teríamos passado de um sistema de
Administração executiva a um de Administração judiciaria – artigos 176.º e 183.º do CPA
Artigo 176.º, n.º 1 CPA

«Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior, a satisfação de obrigações e o respeito por
limitações decorrentes de atos administrativos só podem ser impostos coercivamente pela Administração
nos casos e segundo as formas e termos expressamente previstos na lei, ou em situações de urgente
necessidade pública devidamente fundamentada.»

Esta norma veio de certa maneira fazer eco da evolução doutrinal. A Doutrina Administrativa
moderna já há muito determinava que a autotutela executiva não era uma caraterística de todos
os atos administrativos, mas apenas dos impositivos e desfavoráveis (que impõem encargos ou
deveres que carecem da colaboração do respetivo destinatário). Em segundo lugar a
executoriedade (execução coativa) deve ser limitada a situações inequivocamente previstas na lei
– só quando a lei o permite e apenas em situações de estado de necessidade para a Administração.
No fundo o CPA veio plasmar em forma de lei essa nova doutrina, nomeadamente no artigo 176.º
CPA. Só que como iremos ver este artigo está dependente de uma lei que nunca foi aprovada.

Artigo 183.º do CPA

«Sempre que, nos termos do presente Código e demais legislação aplicável, a satisfação de obrigações
ou o respeito por limitações decorrentes de atos administrativos não possa ser imposto coercivamente
pela Administração, esta pode solicitar a respetiva execução ao tribunal administrativo competente, nos
termos do disposto na lei processual administrativa.»

Conjugando o artigo 176.º, n.º 1 CPA com o artigo 183.º CPA haveria determinados casos que
teriam de ser expressamente previstos na lei (através de uma lei avulsa) em que a Administração
gozava da executoriedade (autotutela administrativa). Na generalidade dos casos a Administração
teria de recorrer a uma autorização judicial prévia para poder executar legitimamente os seus atos
desfavoráveis.
Só que o diploma que veio aprovar o CPA (Decreto-lei n.º 4/ 2015, de 7 de janeiro) diz o
seguinte:
Artigo 8.º - Aplicação no tempo e produção de efeitos

2. «O n.º 1 do artigo 176.º do CPA aplica-se a partir da data da entrada em vigor do diploma que define
os casos, as formas e os termos em que os atos administrativos podem ser impostos coercivamente pela
Administração, a aprovar no prazo de 60 dias a contar da data da entrada em vigor do presente decreto-
lei.»

Este diploma nunca «viu a luz do dia» e, portanto, se diz que é uma reforma dependente
deste diploma.

Artigo 6.º - Norma transitória

«O n.º 2 do artigo 149.º do decreto-lei n.º 442/91, de 15 de novembro, alterado pelo decreto-lei n.º 6/96,
de 31 de janeiro, mantém-se em vigor até à entrada em vigor do diploma referido n.º 2 do artigo 8.º.»

Situação bizarra e paradoxal – mantém-se em vigor o artigo 149.º, n.º 2 do Código anterior
(1991)

O legislador traduziu uma certa evolução do sistema jurídico, do CPA, mas, porventura, terá ido
longe demais ao apontar para um novo modelo de administração judiciária, esquecendo-se que
para esse efeito não só teria de publicar este documento nunca publicado, e esqueceu-se, por outro
lado, de consagrar um processo executivo para que a Administração pudesse obter a chancela para
executar validamente os seus atos (não existe esse processo executivo).
Trata-se, portanto, de uma evolução com outra complexidade; é um salto demasiado amplo para
um país com uma Administração que não é propriamente ótima e que não tem o cidadão ideal.

«Deve ser caso raro que a principal alteração estabelecida num novo Código fique adiada sine die…»

Fontes e normas do Direito Administrativo

Fontes do Direito – verdadeiramente é uma metáfora, uma vez que dá entender que há uma
fonte mítica e transcendente de onde jorram as normas jurídicas, mas o Direito também regula os
modos de criação e produção do próprio Direito. No fundo a fonte de Direito é o próprio Direito.
Fontes do Direito em bom rigor deveria ser o procedimento legislativo. Contudo, no Código Civil,
nos seus artigos primeiros, não vemos qualquer referência ao procedimento legislativo. O que se
vê lá são os resultados desse mesmo procedimento.
Dito isto, num discurso mais objetivamente ligado ao contexto do Direito Administrativo, no
início esse Direito surge sobre a égide do império lei, num contexto dominado pelo positivismo
jurídico, e nessa medida o Direito era apenas o que fosse formalmente declarado ou positivado
sobre a forma de lei.
Assim a única fonte primária do Direito Administrativo era a lei em sentido formal/ estrito, como
vontade normativa das assembleias representativas, complementada com regulamentos da própria
Administração naquele espaço que fosse deixado livre pela lei.
No século XIX a própria CRP só era fonte de Direito na medida em que fosse concretizada pela
lei (a Constituição estava sobre reserva de lei). De qualquer modo as normas constitucionais de
natureza administrativa eram praticamente inexistentes (Administração agressiva).
O mesmo sucedia no Direito Internacional, onde durante muito tempo prevaleceu uma conceção
dualista do mesmo, segundo a qual este só valia na ordem interna quando transposto por via de
lei (não era uma fonte direta na ordem jurídica interna).

Desde então verificou-se uma evolução jurídica, havendo desde logo uma proliferação e
diversificação de fontes do Direito Administrativo:

 O papel específico da jurisprudência administrativa – mais no que diz respeito ao Direito


Administrativo francês, que é um Direito de origem jurisprudencial, não tendo tanto
impacto entre nós
 O reconhecimento do Direito Internacional como fonte autónoma na ordem jurídica
interna, bem como o crescimento da importância das normas internacionais de Direito
Administrativo
 Aparecimento de uma nova ordem jurídica supranacional (antes a CEE; agora a CE), que
tem impacto relevante no âmbito do Direito Administrativo e particularmente das suas
fontes
 Crescente papel dos regulamentos da própria Administração – incluindo mais
recentemente a importância dos regulamentos das autoridades reguladoras independentes
e reguladoras profissionais
 Descentralização territorial da produção normativa, essencialmente através de fenómenos
de regionalização político-administrativa e da autonomia normativa das autarquias locais
(artigo 241.º CRP), bem como de outras instituições públicas (Universidades – poder
regulamentar e autonomia estatutária – e ordens profissionais)
 Desenvolvimento de formas convencionais de produção normativa, com origem quer em
convenções entre entidades públicas, quer entre entidades públicas e particulares
 Fenómeno emergente que não se pode considerar fonte de Direito em sentido próprio,
mas que tem cada vez maior conformação – soft law administrativo (normas sem força
vinculativa própria – recomendações, conselhos, advertências – mas que imperam no
Direito Administrativo global e depois também ao nível da própria União Europeia)

Outro aspeto tem que ver com a sistematização e organização de fontes de Direito
Administrativo que podem seguir vários critérios:
 Critério da sua relação com a Administração – há que definir fontes hétero
vinculativas ou fontes auto vinculativas (conforme sejam exteriores ou internas à
Administração)

 Hétero vinculativas – fontes extranacionais, a CRP, os atos legislativos


(leis, DL e DLR)
 Auto vinculativas – envolvem a intervenção da própria Administração
na definição das suas normas; agrupam-se em dois tipos:

o Formação unilateral - regulamentos administrativos e


estatutos
o Formação bilateral ou convencional – convenções
normativas

 Critério da origem – utilizando este critério temos, por um lado, fontes externas/
extranacionais e as fontes internas/ nacionais:

 Fontes externas/ extranacionais – encontram-se as normas de Direito


Europeu; normas de Direito Internacional (artigo 8.º, n.º 2 CRP); normas
provenientes de Organizações Internacionais de que Portugal seja
membro (8.º, n.º 3 CRP), normas oriundas da União Europeia (artigo 8.º,
n.º 4 CRP)

 Fontes internas/ nacionais – todas as demais (leis, regulamentos, etc.)

(O critério que vamos seguir é o critério da origem)

Aula n.º 6 – 12-10-2020 – ‘Continuação da aula anterior.’


Fontes externas
As fontes externas são aquelas cujo processo de formação tem lugar no plano internacional ou
supranacional. Sem prejuízo das normas e princípios de Direito Internacional geral ou comum
(origem consuetudinária), devemos reconhecer que a mais importante fonte de Direito
Internacional relevante como fonte de Direito Administrativo são convencionais
internacionais (dois tipos de instrumentos: tratados e acordos em forma simplificada).
Estes acordos sob forma simplificada, que não são obrigatoriamente assinados entre Estados,
podendo ocorrer entre Governos ou entre Organizações Internacionais de um ou mais Estados,
revestem uma maior solenidade relativamente aos tratados, uma vez que desempenham, por
vezes, em relação aos tratados uma função de tipo regulamentar, sendo nessa medida legítima a
analogia com a relação que no plano do Direito Interno existe entre lei e regulamento.
Por isso, são instrumentos que não carecem, de aprovação parlamentar, nem de ratificação por
parte do Chefe do Estado. Ainda que em Portugal os respetivos decretos de aprovação careçam
de assinatura presencial (artigos 135.º b) e 161.º i) CRP).
É ainda de notar que, para além do Direito Internacional Convencional, temos como fonte de
Direito Internacional Público, também relevante no plano jurídico-administrativo, as normas
emanadas por órgãos competentes de Organizações Internacionais de que Portugal seja
parte (não se inclui aqui a União Europeia que desde o tratado de Maastricht deixou de ser uma
Organização Internacional em sentido próprio) – artigo 8.º, n.º 3 CRP
Portanto, convém salientar também que é crescente a importância do Direito Internacional como
fonte do Direito Administrativo. Existem convenções internacionais sobre as mais variadas
matérias de Direito administrativo (Direito Consular, direito dos estrangeiros, extradições, direito
de asilo, assuntos aduaneiros etc.). portanto, existe muita matéria de Direito Internacional que
interessa ao Direito Administrativo como fonte de Direito.
No que se refere ao valor do Direito Internacional Convencional enquanto fonte de Direito, o n.º
2 do artigo 8.º da CRP dispõe o seguinte:

«As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na


ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado
Português»

Quanto ao regime jurídico, nós podemos dizer que houve uma alteração profunda relativamente
ao que acontecia no início da era constitucional.
Agora, a CRP parece apontar para um regime de receção automática das normas internacionais
convencionais na ordem interna, sem necessidade de transposição legislativa.
Todavia, a ratificação e assinatura é condição da própria validade internacional das convenções e
da sua vinculação internacional, e não funciona como condições de receção na ordem jurídica
interna, sendo que o único requisito adicional para a receção da norma na ordem jurídica interna
é a publicação oficial no Diário da República.
Isto é importante, porque a receção automática implica a eficácia direta das normas de Direito
Internacional na ordem internacional, sendo por isso fonte imediata de direitos e deveres, e sendo
também de aplicação direta pelos Tribunais e pelos demais operadores jurídicos, salvo se o seu
valor normativo se esgotar no plano das relações internacionais.

Hierarquia
Quanto à hierarquia, as normas de Direito Internacional Convencional estão num plano abaixo da
Constituição, estão-lhe hierarquicamente condicionadas, ficando por isso ao alcance dos
processos de fiscalização da constitucionalidade.
Se forem submetidas a fiscalização preventiva não chegam sequer a vincular o Estado; o
Presidente da República não poderá ratificar os tratados nem assinar os instrumentos de aprovação
dos acordos sob forma simplificada; nem muito menos chegam a entrar em vigor na ordem
jurídica interna.
Portanto, o Estado não pode comprometer-se licitamente no plano internacional com soluções
incompatíveis com a CRP, podendo ficar sujeito a responsabilidade internacional (se não puder
cumprir com as suas obrigações internacionais por causa da tal inconstitucionalidade da convenção em
causa).

A CRP, todavia, admite que em casos excecionais a aplicação de convenções internacionais não
fica prejudicada quando se trate de uma inconstitucionalidade orgânica ou formal (artigo 277.º,
n.º 2 CRP); o que não acontece com a inconstitucionalidade material.
Não há dúvida de que as normas estão num plano infraconstitucional; a dúvida coloca-se mais na
relação entre as normas de Direito Internacional e a legislação ordinária.
Ora, na falta de uma norma constitucional expressa, podemos dizer que a generalidade da
Doutrina aponta para a primazia do Direito Internacional sobre o Direito Interno
infraconstitucional, pelo que os Tribunais devem desaplicar o Direito Interno em benefício da
aplicação do Direito Internacional – princípio da prevalência do Direito Internacional.
A própria CRP (artigo 8.º, n.º 2) parece insinuar essa superioridade na medida em que contém a
última frase «…enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português». Parece que a
própria CRP dá sinais claros dessa primazia do Direito Internacional convencional sobre a
legislação ordinária interna.

Todavia, é preciso sempre estabelecer algumas mediações, no sentido de apontar para soluções
diferenciadas:
(ex.: de acordo com a natureza dos instrumentos normativos em conflito – lei de valor
reforçado. Será que ela deverá ceder perante um simples acordo internacional sob forma
simplificada, cuja aprovação interna nem pressupõe a intervenção parlamentar?)

Creio que não, portanto há que ter em conta a natureza do Direito Interno, que deverá prevalecer
perante um acordo sob forma simplificada que não prevê sequer a intervenção do nosso
Parlamento.

Mais importante como fonte do Direito Administrativo português, e de todos os outros Estados,
é o Direito da União Europeia; o Direito Administrativo Europeu.
Como se sabe, também há que distinguir o Direito Europeu originário do Direito Comunitário
derivado. O originário corresponde ao direito dos tratados que instituíram as várias comunidades
até à figura da União Europeia. Este direito dos tratados (primário) corresponde de certa maneira
a um Direito Constitucional da União Europeia. Enquanto o derivado corresponde ao Direito
Interno (ordinário – Leis; DL; DLR).
Ora, quanto a estas fontes, sobretudo do Direito Comunitário derivado, nos termos do artigo 288.º
do TFUE destacam-se 2 atos legislativos de primeira importância: regulamentos e diretivas.
É muito importante para o Direito Administrativo, porque grande parte das suas fontes têm uma
influência direta ou indireta do Direito da União Europeia (sobretudo diretivas) - em âmbito do
direito dos consumidores, da contratação pública, do ambiente – grande maioria das normas que
constituem as fontes de Direito Administrativo são de origem supranacional.

 Os regulamentos são os atos legislativos da União Europeia por excelência; têm força
vinculativa direta sobre os Estados-membros e os respetivos nacionais (indivíduos e
pessoas coletivas).

 Enquanto que as diretivas apenas vinculam os Estados Membros quanto ao resultado a


atingir, mas não quanto aos meios de o conseguir. Ao contrário dos regulamentos, as
diretivas carecem de um ato de transposição para a ordem jurídica interna através de uma
fonte nacional (lei ou decreto-lei consoante o conteúdo verse ou não sobre matéria
reservada exclusiva da Assembleia).
Sem esta conversão legislativa interna as diretivas não produzem em princípio efeitos na ordem
jurídica nacional.
Quanto aos regulamentos comunitários, estes prescindem de qualquer transposição legislativa,
valendo a regra da receção automática e da eficácia direta, que vigora no plano do Direito da
União Europeia.

No fundo estamos aqui perante o princípio do efeito direto do Direito da União Europeia
– este tem sido desenvolvido sobretudo pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União
Europeia, salientando fundamentalmente 2 acórdãos – este entendimento decorre da própria CRP
- artigo 8.º, n.º 4
A importância do Direito da União Europeia como fonte do Direito Administrativo português é
crescente, cobrindo áreas do Direito Administrativo económico, do direito da contratação pública,
do direito da regulação, dos consumidores, do ambiente, etc.

Hierarquia
O mais complicado é o problema da hierarquia. Que posição assume o Direito da União
Europeia no sistema das fontes nacionais (no sistema normativo nacional)?

Parece consensual desde o início, tanto na ordem comunitária como na interna, o entendimento
segundo o qual o Direito Comunitário prevalece sobre o Direito Interno, até a fim de prosseguir
uma característica essencial do Direito da União Europeia que é a uniformidade – A União Europeia
não seria possível se os Estados-membros pudessem licitamente derrogar o seu direito através da legislação
interna.

Isto significa desde logo que os Tribunais Nacionais devem desaplicar o Direito Interno que seja
desconforme com o Direito da União Europeia e, no limite, que as próprias Administrações
nacionais ficam constituídas no dever de não aplicar normas legais internas não conformes com
o Direito Internacional (sacrificando o princípio da legalidade interna – já é mais questionável
este ponto).
A questão mais problemática é a relação do Direito da União Europeia com o Direito
Constitucional. Durante um tempo coexistiu a defesa da primazia do Direito da União Europeia
sobre a própria CRP por parte dos ius comunitaristas, com a defesa da prevalência das
Constituições nacionais por parte dos ius constitucionalistas nos Tribunais nacionais.
Ora, como já foi dito, a nosso ver, de acordo com o Direito da União Europeia, pelo menos de
acordo com a interpretação da jurisprudência feita pelo TJUE as suas normas gozam de primazia
geral sobre o Direito Interno, incluindo do Direito Constitucional. – Artigo 8.º, n.º 4 CRP.
Neste sentido, este artigo 8.º, n.º 4 CRP passou a incluir uma cláusula de imunidade do Direito
da União Europeia face à própria CRP, não podendo o Direito da União Europeia ser sujeito a
escrutínio constitucional e ficando os Tribunais nacionais obrigados a aplicar o Direito da União
Europeia mesmo que contrário à CRP.
Nessa interpretação a referida norma constitucional contém uma derrogação implícita do disposto
no n.º 1 do artigo 277.º CRP que diz «São inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto
na Constituição ou os princípios nela consignados».

É necessário não confundir as coisas: a prevalência que falamos do Direito da União Europeia
sobre o Direito Constitucional interno não se verifica na fiscalização preventiva da
constitucionalidade dos tratados da União Europeia, uma vez que nesse momento ainda não são
vinculativos.
Portanto, concluindo o ponto, nos termos da parte final do artigo 8.º, n.º 4 da CRP o Direito da
União Europeia só não prevalece sobre o Direito Interno quando violar princípios fundamentais
do Estado de Direito – o que é improvável, dado que a União Europeia assenta nos mesmos princípios.

Fontes internas
Especial atenção à Constituição, em especial à Constituição Administrativa, e aos
regulamentos

O que está aqui em causa é a Constituição Administrativa, que é o conjunto de normas e


princípios constitucionais respeitantes à Administração Pública.
Note-se que as Constituições não se restringem, hoje, à Constituição política em sentido estrito
(Constituição do Estado); não são hoje apenas o estatuto da pessoa coletiva «Estado» - definindo
a sua organização, a competência dos seus órgãos, etc.
Para além disso, as Constituições modernas (Portuguesa 1976 e Italiana de 1948, ou a espanhola
de 1978 e a brasileira de 1988), consagram algumas normas constitucionais que têm por objeto a
Administração, quer como organização, quer como atividade.
Todas estas Constituições incluem também um conjunto de normas e princípios orientadores dos
vários ramos do Direito. E dois dos ramos em que se nota uma maior presença da Constituição
são Direito Administrativo e o Direito Penal.

NOTA: Ao falarmos de Constituição Administrativa falamos em Direito Constitucional


Administrativo ou Direito Administrativo Constitucional.

Relação entre a CRP e a Administração Pública ou o Direito Administrativo


Em 1924 o grande Ottomayer disse «o Direito Constitucional passa e o Direito Administrativo
permanece» - o que no seu contexto histórico tinha razão.
Em 1959 Fritz Berner vem dizer que «o Direito Administrativo não passa de Direito
Constitucional concretizado». Podíamos dizer já que o Direito Administrativo também é hoje, e
muito, Direito da União Europeia concretizado. Daí que, como iremos ver na parte final da
arrumação das fontes, uma hierarquia diferente em função destas alterações que a integração dos
ordenamentos jurídicos nacionais sofreu por integração em organizações supranacionais (ex.:
União Europeia).
Portanto, ambas as perspetivas são válidas. É certo que as Constituições sempre foram fonte
primária do Direito Administrativo (em maior ou menor medida). Há numerosas Constituições,
nomeadamente europeias, que consagram um conjunto de normas constitucionais dirigidas à
Administração Pública.
As Constituições liberais dedicavam poucas normas à administração local, porque se entendia que
era a Administração local que tinha como papel desenvolver a atividade administrativa – mais do
que a Administração do Estado (mínimo).
Saliente-se a diferença entre as Constituições liberais e a Republicana.
A CRP (1976), para além de numerosas normas esparsas pelo texto constitucional relativas à
administração regional, ou relativas à administração autónoma local, tem uma espécie de
NÚCLEO DURO DA CONSTITUIÇÃO ADMINISTRATIVA:

 Artigos 266.º - 272.º – nesta medida a CRP de 1976 consagra uma autêntica revolução
administrativa.

Princípios constitucionais gerais com incidência na Administração


Estamos a fazer apelo a princípios e preceitos constitucionais que não são exclusivamente
dedicados à Administração, mas que, todavia, tem uma incidência direta sobre ela:

 Princípio do Estado de Direito – artigo 2.º CRP


 Princípio democrático – artigo 2.º CRP
 Princípio do Estado Social – segunda parte do artigo 2.º CRP – remete para artigo 58.º
a 79.º CRP (DESC)
 Princípio do Estado unitário
 Princípio da subsidiariedade – artigo 6.º CRP
 Integração na União Europeia – artigo 7.º, n.º 6 e artigo 8.º, n.º 4 CRP
 Reserva parlamentar de legislação nos artigos 164.º e 165.º CRP que abrange numerosas
áreas atinentes à Administração Pública – umas integram a reserva de competência
absoluta, e outras a reserva de competência relativa – artigo 164.º d), n), o), u) e artigo
165.º e), q), r), s), t), u), v), z), etc.

Também a Constituição é importante em matéria de consagração de Direitos Fundamentais com


incidência administrativa.
Aqui referimo-nos a vários Direitos Fundamentais e princípios constitucionais a eles respeitantes
com incidência direta na Administração:

 Princípio da vinculação direta das entidades públicas pelos DLG fundamentais – artigo
18.º, n.º 1 CRP
 Princípio da tutela judicial efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos – artigo
20.º, n.º 1 e n.º 5 e artigo 268.º, n.º 4 CRP
 Princípio da responsabilidade civil do Estado e das demais entidades públicas por danos
causados pelos titulares dos órgãos, funcionários e agentes no exercício das suas funções
e por causa desse exercício – artigo 22.º CRP
 Responsabilidade civil e criminal - artigo 271.º CRP
 Direito à participação na vida pública e à informação sobre gestão dos assuntos públicos
– artigo 48.º
 Direitos de participação e informação dos interessados na administração e nos
procedimentos administrativos – artigos 267.º, n.º 1 e n.º 5 e artigo 268.º, n.º 1 e n.º 2
 Direito de acesso à função pública – artigo 47.º, n.º 2
 Garantia institucional do regime da função pública - artigo 269.º
 Direito de petição – artigo 52.º, n.º 1
 Garantia constitucional da alta administração universitária – artigo 76.º, n.º 2
 Numerosos direitos económicos sociais e culturais positivos – artigos 58.º a 79.º

Aula n.º 7 – 13-10-2020 – ‘10.3. A ordenação das fontes de direito administrativo. 11. As normas de direito
administrativo. 11.1. Noção e tipologia. 11.2. A interpretação no direito administrativo. ‘

Normas constitucionais sobre a organização administrativa

 Princípio da descentralização administrativa e o princípio da desconcentração


administrativa – artigos 6.º, n.º 1 e 267.º, n.º 2 CRP
 Princípio da subsidiariedade – artigo 6.º, n.º 1 CRP – origem comunitária

Estes princípios (descentralização e subsidiariedade) estão na base da criação das administrações


autónomas territoriais e não territoriais (administração autónoma regional dos Açores e da
Madeira e a administração autónoma local constituída pelas autarquias locais, municípios e
freguesias).
Enquanto que o princípio da desconcentração está na base da criação de um setor da
administração direta do Estado, que pode ser central (constituída pelos Ministérios e direções
gerais) ou periférica (regional ou local do Estado – serviços territorialmente desconcentrados) –
ex.: a figura do ordenador civil entretanto extinta).

Normas constitucionais sobre a atividade administrativa


Os princípios fundamentais da atividade administrativa podem ter natureza material e
procedimental.

Quanto aos primeiros (natureza material) desde logo há que assinalar (artigo 266.º, n.º 1 CRP):

 Os princípios da prossecução do interesse público;


 Conjugado com o princípio do respeito dos interesses legalmente protegidos dos
cidadãos
No artigo 266.º, n.º 2 temos os princípios da:

 Igualdade
 Proporcionalidade
 Imparcialidade
 Justiça
 Boa-fé
 Legalidade administrativa
 Constitucionalidade

Quanto aos princípios de natureza mais procedimental:

 Por um lado, a própria CRP no artigo 267.º, n.º 5 consagra uma imposição constitucional
dirigida ao legislador, no sentido de este disciplinar o processamento da atividade
legislativa – no sentido de este criar uma lei do procedimento que venha disciplinar
previamente o desenvolvimento da atividade administrativa levada a cabo, em regra, pela
Administração Pública.

 O segundo princípio de natureza procedimental tem que ver com os limites


constitucionais dos regulamentos administrativos – artigo 241.º e 112.º, n.º 5, 6 e 7 CRP.

 Outro aspeto que a CRP valoriza do ponto de vista do Direito Administrativo são os
direitos e as garantias constitucionais dos particulares perante a Administração.
Também aqui estes direitos têm uma natureza por um lado procedimental (direitos de
participação, direito à informação administrativa, direito à notificação dos atos
administrativos – artigo 267.º, n.º 5 e artigo 268.º, n.º 1, 2 e 3 CRP.

 Convém ainda referir garantias jurisdicionais – garantia da tutela jurisdicional efetiva


– artigo 20.º e 268.º, n.º 4 CRP.
Se se reparar, a evolução do Direito Administrativo positivo sofreu sempre uma evolução
benéfica onde têm importância três revisões constitucionais (82/89/97)

Portanto, este princípio anteriormente falado tem uma tripla dimensão:


1- Quer ao nível dos processos declarativos (para cada pretensão legitimamente deduzida
deve corresponder sempre uma via judicial adequada – tem de haver sempre um meio
processual ajustado que permita aceder ao tribunal e satisfazer a respetiva pretensão);

2- Tem também uma dimensão cautelar (artigo 51.º, n.º 1 CPA – prevê que a ação principal
normalmente não tem esse efeito de suspender a eficácia do ato e de impedir a execução
do ato por parte da Administração, o que requer providências cautelares),

3- Quer ao nível dos processos executivos (antigamente o juiz não dispunha de meios para
fazer executar a sentença por parte da Administração. Hoje o legislador oferece ao juiz
meios para que este possa exigir à Administração a execução da sentença – ex.: medidas
pecuniárias compulsórias artigo 169.º CPPA)
 Importa por último referir o direito à indemnização dos danos causados pela
Administração, segundo a qual a Administração assume a responsabilidade
solidariamente para com o titular do órgão, funcionário ou agente por danos causados por
ação ou omissão destes – responsabilidade solidária (artigo 22.º CRP)

A CRP dá também muita importância aos funcionários do Estado – artigo 269.º CRP – e
estabelece inclusive regimes especiais para os militares e agentes militarizados (artigo 270.º CRP,
onde se admitem algumas restrições legais aos direitos de petição, capacidade eleitoral passiva,
expressão, manifestação, reunião, etc.)

Outro aspeto que a Constituição Administrativa realça são as normas relativas aos Tribunais
Administrativos. Esta estabelece a autonomia da jurisdição administrativa em relação às demais
ordens judiciais, como é próprio dos sistemas de Administração executiva.
Portanto, os Tribunais Administrativos constituem uma categoria de tribunais
constitucionalmente garantida, nos termos do artigo 209.º, n.º 1, alínea b) CRP – (Supremo
Tribunal Administrativo; Tribunal Central do Norte e do Sul, Tribunais Administrativos de Círculo)

Como iremos ver no sistema judicial administrativo, ao contrário do que acontece nos Tribunais
comuns, não há três graus de jurisdição, normalmente há apenas duas instâncias de decisão para
cada processo.
Em regra, as sentenças proferidas pelos Tribunais Administrativos de Círculo são recorríveis para
os Tribunais Centrais do Norte ou do Sul, consoante a localização geográfica do respetivo
Tribunal Administrativo de Círculo de que se recorre.

NOTA: Pode haver, nos termos do artigo 151.º do CPPA, recursos per saltum– neste caso o
recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo vai per saltum
dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo.
Por isso se diz que em regra só há duas instâncias de decisão em cada processo
Não há dúvida de que, por força da Constituição, os Tribunais Administrativos constituem uma
ordem judicial própria e autónoma, uma categoria de Tribunais constitucionalmente garantidos
(artigo 209.º, n.º 1 CRP), tendo por tribunal superior o Supremo Tribunal Administrativo.

O Supremo Tribunal Administrativo pode surgir como tribunal de recurso, mas também como
tribunal de primeira instância – artigo 24.º ETAF
É ainda de salientar que a própria CRP delimita o âmbito de jurisdição administrativa – artigo
212.º CRP.

NOTA: a matéria de expropriações consagra-se na dualidade de jurisdições.


Existem matérias administrativas que a própria CRP dirige, por exemplo, ao Tribunal
Constitucional – artigo 223.º, n.º 2, alínea c) CRP.
Acontece que ao Tribunal de Contas compete-lhe fiscalizar a legalidade das despesas públicas e
julgas as despesas públicas, bem como efetivar a responsabilidade por infrações financeiras –
artigo 214.º CRP.
Provedor de Justiça artigo 23.º CRP - órgão independente com o seu titular designado pela
Assembleia da República – artigo 163.º, alínea h) CRP – compete-lhe fazer recomendações
necessárias para fazer a reparação de injustiças decorrentes quer de atos ilegais, quer de atos que
configurem uma má Administração.

Três revisões (1982/ 1989/ 1997)


Estas revisões tiveram um efeito de densificação das matérias administrativas do texto
constitucional a vários níveis:

 Há um reforço da vinculação constitucional da Administração (1)


 Contribuíram para uma maior complexidade da estrutura organizatória da Administração
(2)
 Permitiram um maior alargamento e reforço dos direitos e garantias dos particulares
perante a Administração (3)
 Permitiram a constitucionalização da justiça administrativa (4)

 Reforço da vinculação constitucional da Administração (1)


Originariamente a Administração só estava constitucionalmente vinculada aos princípios da
justiça e da imparcialidade, enquanto que no texto vigente se acrescentaram os princípios da
igualdade, da proporcionalidade e da boa-fé.
Inicialmente entendia-se que o princípio da justiça englobava todos os outros princípios e daí a
desnecessidade de os enumerar. Contudo, não foi esse o pensamento do legislador no texto atual.
Na revisão de 1989 foram acrescentados os princípios da igualdade e da proporcionalidade. E na
revisão de 1997 acrescentou-se o princípio da boa-fé, que já se encontrava no Código do
Procedimento de 97. Estes princípios vêm também disciplinados no CPA, nos artigos 3.º e
seguintes.
O CPA de 2015 veio introduzir novos princípios: princípio da razoabilidade e da boa
administração, que de certa maneira já estavam implícitos em princípios do Código anterior, como
por exemplo, no princípio da proporcionalidade, mas que agora adquiriam consagração autónoma.
Não devemos desvalorizar estes princípios, na medida em que eles são também um limite à
atividade administrativa, sobretudo à atividade administrativa que atua no exercício de poderes
discricionários – a decisão não é válida se violar um destes princípios.
Portanto, digamos que se o fizer estamos perante um vício da violação de lei – configura uma
invalidade, neste caso, uma anulabilidade.
 Maior complexidade da estrutura organizatória da Administração (2)
Aqui refere-se que na revisão de 1982 foram constitucionalizadas as associações públicas (artigo
267.º, n.º 4 CRP).
Na revisão de 1997 foram acrescentados nos números 3 e 6 as entidades administrativas
independentes e foi consagrado constitucionalmente no n.º 6 a figura das entidades privadas que
exercem poderes públicos (artigos 267.º, n.º 3 e 267.º, n.º 6).

 Alargamento e reforço dos direitos e garantias dos particulares perante a


Administração (3)
Primeiro verifica-se um reforço dos direitos ao nível procedimental. Inicialmente, o texto
originário da Constituição Portuguesa só garantia o direito dos administrados conhecerem o
andamento do procedimento e as decisões finais que viessem a ser tomadas.
Com as revisões constitucionais passou a consagrar-se o direito à notificação dos atos
administrativos – aliás quando o ato é secretício só se torna vinculativo do particular quando é
devidamente notificado –, o direito à fundamentação expressa dos atos (artigo 268.º, n.º 3 CRP),
bem como o acesso aos artigos e aos registos administrativos – princípio da Administração
aberta (artigo 268.º, n.º 2 CRP).
Acresce-se ainda o artigo 268.º, n.º 6 CRP - «… a lei fixará um prazo máximo de resposta por parte
da Administração.»

No que respeita às garantias jurisdicionais elas são ainda mais importantes e decisivas.
Inicialmente só estava constitucionalmente garantido o tradicional recurso contencioso contra
atos administrativos (artigo 25.º LEFTA – Lei do Processo dos Tribunais Administrativos).
Também aqui há progressos enormes: desde logo as revisões constitucionais vieram no sentido
de fomentar o legislador a criar uma justiça administrativa mais garantística, em que o objeto do
processo fosse também a tutela jurisdicional efetiva das posições jurídicas eventualmente
ofendidas pela atuação ou omissão da Administração. – (artigo 268.º, n.º 4 CRP)

É claro que todas estas modificações não foram obtidas logo, passando pelas revisões:

 Revisão de 1982 – estabeleceu-se a garantia do recurso de atos ilegais,


independentemente da sua forma – um ato administrativo pode muitas vezes estar
travestido num regulamento ou numa lei (individual e concreta).
 Revisão de 1982 – consagrou-se um novo meio processual – ação para reconhecer um
interesse ou direito legalmente protegido.
 Revisão de 1989 – introduziu alterações de grande porte – por um lado o recurso
contencioso passou a ater por objeto atos ilegais que lesem os direitos ou interesses
legalmente protegidos – artigo 268.º, n.º 4 CRP – o que quer dizer que o objeto do
processo passou a ser o ato, mas também a tutela dos direitos e interesses legalmente
protegidos e lesados por esse mesmo ato.
 Revisão de 1997 – teve também um papel importante e alterou na parte final o n.º4 do
artigo 268.º CRP - assim, este n.º 4 passou a valorizar dois aspetos essenciais – por um
lado veio consagrar a «determinação da prática de atos legalmente devidos» e valorizou
a tutela cautelar que era muito deficitária: «…a adoção de medidas cautelares
adequadas».
Na LEFTA praticamente o único processo cautelar era o pedido de suspensão da eficácia do ato,
havendo uma pobreza de medidas cautelares.

 Constitucionalização da justiça administrativa


Na versão originária da CRP os Tribunais Administrativos já apareciam com a mesma categoria
dos demais e, portanto, integrados no poder judicial como órgãos de soberania, superando as
dúvidas anteriores à Constituição sobre se eles seriam verdadeiros tribunais.
Mas faltava um aspeto importante: é que na versão originária da Constituição os Tribunais
Administrativos eram constitucionalmente facultativos – se não existisse lei poderiam não haver
Tribunais Administrativos. Estes tribunais acabaram por consolidar a sua posição constitucional
na revisão de 1989 que eliminou a natureza facultativa e aditou o artigo 209.º CRP, incluindo a
definição da sua competência judicial (artigo 212.º, n.º 3)
Concomitantemente, ainda que de menor importância, foi estipulada a independência dos
conselhos das magistraturas dos Tribunais Administrativos, com a participação de membros
eleitos pelos próprios juízes (artigo 217.º, n.º 2 CRP).

Tendo uma dualidade de jurisdições (Tribunais judiciais e administrativos) tornou-se


necessário prever conflitos de jurisdição entre as duas ordens de tribunais – artigo 209.º, n.º 3
CRP – aditado na primeira revisão constitucional de 1982.
Como há dualidade de jurisdições, pode haver casos de fronteira que despoletem conflitos de
jurisdição. Nessa medida, e para solucionar os problemas de jurisdição entre os Tribunais Comuns
e os Administrativos, criaram-se os Tribunais de Conflito (artigo 209.º, n.º 3).

Para culminar colocam-se uma série de questões problematizantes:

 Existe na CRP uma garantia institucional do sistema da Administração executiva?


Parece que a reforma levada a cabo pelo legislador do CPA de 2015 mostrava que não havia uma
garantia constitucional do sistema de Administração executiva.

 Existe uma garantia institucional da função pública como regime especial da relação de
emprego público?
A pergunta é pertinente, porque a Administração está a recorrer em doses consideráveis à
celebração dos contratos individuais de trabalho (Direito Privado) e não aos contratos de trabalho
em funções públicas (contratos administrativos).
 Será que a lei pode proceder à privatização jurídica da atividade administrativa – tal fuga
par ao Direito Privado – ou existirá uma reserva constitucional de Direito Administrativo?
Entende-se que sim, há.

 Existe uma reserva de Administração, ou reserva de poder executivo, imune à intervenção


da Assembleia da República; ou será que esta pode intervir por via legislativa na atividade
administrativa?
Ora, muitas vezes a Assembleia da República pratica atos administrativos sob a forma de ato
legislativo, o que não parece constitucionalmente apropriado ou adequado.

 Em torno do n.º 3 do artigo 212.º da CRP, questiona-se se os Tribunais administrativos


e fiscais gozam de uma reserva material de competência exclusiva em matérias de
disputas jurídico-administrativas.

 Questiona-se se o princípio da legalidade é o mesmo no que toca à administração


agressiva e no que se refere à administração de prestações? Será que só relativamente à
Administração agressiva é que o princípio da legalidade funciona como limite e
fundamento, enquanto na Administração prestacional vigora o princípio da legalidade
unicamente como limite?
Entende-se que o princípio da legalidade aplicar-se-á nas duas vertentes, quer como limite, quer
como fundamento, em todo o tipo de atividade administrativa – quer esta exerça uma função mais
reguladora, quer seja mais prestacional.
Estas, entre outras, são muitas das dúvidas que a evolução do Direito Administrativo coloca
relativamente ao nosso texto constitucional.

A segunda fonte de Direito Administrativo mais importante é a lei.

No moderno Estado de Direito Democrático, a lei serve como pressuposto e fundamento da


atividade administrativa, continuando a ser a principal fonte direta do Direito Administrativo.
Cabe-lhe no mínimo fixar os interesses públicos a seguir pela Administração (quem determina os
fins é o legislador, não tendo a Administração discricionariedade) e cabe-lhe definir os órgãos
administrativos competentes para tomar uma determinada decisão.
De acordo com o princípio da legalidade em sentido amplo espera-se uma atuação da
Administração não só conforme e compatível com a lei, mas também baseada na lei (norma jurídica
em sentido amplo) – princípio da legalidade como limite e como fundamento.

«NÃO HÁ ATIVIDADE ADMINISTRATIVA SEM LEI»


O princípio da legalidade no moderno Direito Administrativo assume essas duas dimensões.
ATOS LEGISLATIVOS: No ordenamento jurídico estadual temos as leis, os decretos-leis
e os decretos legislativos regionais – artigo 112.º, n.º 1 CRP.

Qual o lugar da lei no ordenamento jurídico?


Os atos legislativos estão sujeitos à Constituição – princípio da constitucionalidade das leis; e
também estão sujeitas às normas de Direito Internacional e do Direito da União Europeia. Neste
caso, os tribunais devem desaplicar as normas que violem a Constituição e as leis desconformes
com as normas de Direito Internacional vigentes na ordem interna e as que estão desconformes
com as normas de Direito da União Europeia.

NOTA: As normas das leis reforçadas prevalecem sobre as normas legislativas comuns, pelo que
as demais leis também podem ser ilegais por violação de uma norma de valor reforçado, pelo que
devem também ser desaplicadas pelos tribunais.
As leis regionais, para além de terem de respeitar a Constituição, elas podem estabelecer regimes
próprios divergentes das leis nacionais, só tendo de respeitar as leis da competência reservada dos
órgãos legislativos da República e as leis de valor reforçado. Por força da autonomia político-
administrativa consagrada constitucionalmente, o legislador das Regiões Autónomas poderá criar
uma ordem jurídica autónoma.

São também fontes do Direito Administrativo os princípios gerais de Direito – aqueles


princípios que são comuns a todos os ramos de Direito – e os princípios gerais do Direito
Administrativo.
Convém notar que se tratam de princípios que podem ser expressos (contidos numa norma) ou
implícitos (o intérprete tem que os destilar com base na interpretação de um conceito legal), que
informam a ordem jurídica administrativa sendo de considerar a sua importância por várias
razões, nomeadamente a natureza complexa, instável e fragmentária do Direito Administrativo.
Os princípios dão uma certa coerência e racionalidade ao sistema jurídico-administrativo.
Muitas vezes assistimos a uma falta de racionalidade sistemática das normas administrativas
potenciada por um legislador motorizado. E daí a tal infixidez e turbulência de que se falava. É
nesse sentido que os princípios vão inculcar uma tal racionalidade e coerência sistemática a este
tecido normativo que nem sempre oferece as caraterísticas da homogeneidade e da
sistematicidade.

Princípios implícitos
Vamos buscar a matéria prima dos princípios à ratio dos atos legislativos. É a partir deste material
que devemos retirar os princípios gerais e formadores da disciplina. São princípios que o
legislador consagrou implicitamente, e que obrigam o intérprete a destilar destas normas (mais
genéricas ou mais particulares) os Princípios Gerais do Direito Administrativo – isto só quando
os princípios não estão expressos.

(ex.: princípio do aproveitamento dos atos administrativos (artigo 163.º, n.º 5 CPA 2015)
Antes de ser consagrado este princípio era lido a partir dos artigos:

 121.º do CPA 9 – atual artigo 149.º CPA – matéria de cláusulas acessórias e legais
 137.º do CPA 91 – atual artigo 164.º CPA – sanação dos atos administrativos
 148.º CPA 91 – atual artigo 174.º CPA – retificação dos atos administrativos)

Podemos dizer que os princípios gerais do Direito Administrativo são abstrações criadas pela
jurisprudência e pela doutrina a partir das normas legais de Direito Administrativo; e nessa
medida constituem diretrizes que foram extraídas das normas positivas, mas que ainda não foram
positivadas – ex.: princípio da continuidade dos serviços públicos.
Assim, os princípios fazem parte do bloco de legalidade ainda que cedam perante uma norma
legal escrita que os contrarie.

Princípios expressos
O que acontece com os princípios quando passam a ser reconhecidos expressamente por uma
norma de Direito positivo?

Perdem autonomia como fonte de Direito.


Atente-se que estes não perdem a qualidade material de princípios gerais de Direito
Administrativo; o que perdem é a autonomia como fonte de Direito, visto que passam a fazer
parte integrante das fontes legais ou constitucionais conforme o documento jurídicos onde estejam
reconhecidos.
Assim, não é de difícil compreensão a constante desatualização do elenco dos princípios gerais
do Direito Administrativo: uns deixam de o ser por se terem tornado incompatíveis com normas
legais escritas supervenientes.
Funções dos princípios gerais de Direito Administrativo:

 Conferem unidade ao ordenamento jurídico-administrativo


 Servem de parâmetro normativo ao exercício de poderes discricionários – um ato
administrativo pode não violar nenhum preceito legal administrativo, mas pode violar um
princípio geral de Direito Administrativo – vigoram neste sentido essencialmente os
princípios da proporcionalidade e da igualdade
 Servem como critério hermenêutico/ interpretativo das normas jurídico-positivas
 Servem também para integrar as próprias lacunas do ordenamento jurídico-administrativo

Quanto à hierarquia, os princípios gerais do Direito Administrativo têm a mesma vinculação que
as leis. Estão também subordinados à CRP, bem como às qualificações indicadas no Direito da
União Europeia.
E cedem também perante a norma legal que os contrarie. Poder-se-á dizer que, por um lado,
tratando-se de princípios implícitos, uma lei pode derrogá-los, já um princípio expresso numa lei
acaba por ter a mesma relevância jurídica que uma lei.
Diga-se, por fim, que um princípio geral de Direito Administrativo não é incompatível com a
vigência de um preceito legal contrário, desde que o princípio geral possa ser retirado de outros
preceitos que o revelem noutros domínios. Portanto, a matéria prima tem que ser colhida noutra
norma e não naquela em que o princípio está em colisão.

Razão dos princípios e dos regulamentos: os princípios prevalecem sobre regulamentos, não
podendo ser derrogado por estes. Todavia, por vezes o legislador estabelece expressamente que
os princípios gerais de Direito Administrativo só são invocáveis na falta de previsão legal ou
regulamento – duvida-se da constitucionalidade deste preceito, sobretudo no que respeita à parte
regulamentar.

Bibliografia:
COLAÇO ANTUNES, A Ciência Jurídica Administrativa – Noções Fundamentais, Coimbra, 2020, pp. 48 a 55; 149 a
197; 201 a 209 e 383 a 387, nota 591; COLAÇO ANTUNES, O Direito Administrativo sem Estado. Crise ou Fim de
um Paradigma?, Coimbra, 2008, pp. 19 a 77; VITAL MOREIRA, "Constituição e Direito Administrativo", in AB
UNO AD OMNES - 75 Anos da Coimbra Editora, Coimbra, 1998, pp. 1141-1165; M. REBELO DE SOUSA / A.
SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, vol. I, Lisboa, 2004, pp. 57 a 68.
Aula n.º 8 – 19-10-2020 – ‘Continuação da aula anterior.’

Regulamentos
A importância dos regulamentos deriva em grande parte, por um lado, da sua enorme quantidade
(há uma torrencialidade de regulamentos) e também do papel que desempenha na ordem jurídico-
administrativa, quer como instrumento de concretização administrativa das leis, quer como uma
expressão do poder normativo próprio das Administrações autónomas (autarquias locais/
Universidades/ ordens profissionais/ associações públicas).
Portanto, nestas entidades que fazem parte da administração autónoma, umas de natureza
territorial e outras de natureza institucional, como é o caso das Universidades, e outras de natureza
associativa/ corporativa, como é o caso das ordens profissionais, os regulamentos são uma
importante fonte do Direito Administrativo.

Sumariamente, quais são as razões que levam ao protagonismo do regulamento?


Em primeiro lugar o regulamento é elaborado por entidades administrativas mais próximas da
realidade e que se movem com mais à vontade em domínios mais especializados. Portanto, nessa
medida, o regulamento constitui um instrumento adequado à necessária densificação do
regime geral imposto pela lei, permitindo ao mesmo tempo que a lei fique reservada para a
definição das regras jurídicas essenciais e nucleares à vida em sociedade.
Portanto, no fundo, com o regulamento cria-se um patamar normativo intermédio entre a lei e o
ato administrativo.

Uma outra vantagem do regulamento no Direito Administrativo tem que ver com o facto de
vivermos numa sociedade de risco (como dizia um sociólogo germânico) e muitas vezes em
profunda mutação e com uma grande imprevisibilidade (como é o momento que estamos a viver).
E neste caso, o regulamento tem vantagem perante a lei, uma vez que esta está normalmente
sujeita a um procedimento constitucional, solene e de certo modo complexo; ao contrário do
regulamento que tem um procedimento mais rápido (não tem a densidade do procedimento que
está na base da prática de atos administrativos).
Como iremos ver, são muito poucas as normas no CPA relativas à elaboração procedimental do
regulamento.
O regulamento é por um lado fonte de Direito e também é forma de atividade jurídica da
Administração. Agora só o estudamos como fonte de Direito.
Portanto, o regulamento é uma elaboração menos solene que a lei e é então um instrumento
normativo mais adequado a responder a situações caraterizadas por uma certa imprevisibilidade
e por mutações profundas. É certo que o regulamento não pode invadir matérias de reserva de lei.

Se quisermos dar uma noção de regulamento dizemos que:


São normas jurídicas emitidas pela Administração no exercício de poderes administrativos.
Mas vamos confrontar esta noção simples e operativa com a noção que nos oferece o legislador
(peca muito por definições).
Artigo 135.º CPA

«Para efeito do disposto no presente Código, consideram-se regulamentos administrativos as normas


jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem, produzir efeitos
jurídicos externos»

Nesta noção fornecida pelo legislador não se faz nenhuma referência à Administração, o que quer
dizer que o regulamento tanto pode ser elaborado por uma pessoa coletiva de Direito Público
como por uma pessoa coletiva de Direito Privado.
Portanto, parece que aqui o critério da personalidade jurídica não é relevante. O que é relevante
aqui parece ser o critério da capacidade jurídica pública.

É indiferente se a entidade tem uma natureza pública ou privada, o que importa é que
atue no exercício de poderes jurídico-administrativos

(ex.: a Administração se não atuar no âmbito da Administração de gestão pública não pode
elaborar regulamentos)
(ex.: um particular, quando atua no exercício de tarefas públicas, podem praticar atos
administrativos e elaborar regulamentos)

Isto acontece, sobretudo, em virtude dos fenómenos de liberalização, despublicização, quer da


Administração enquanto poder, quer enquanto forma da atividade administrativa.
Repare-se também que a noção que nos é dada no artigo 135.º CPA só se refere aos regulamentos
externos (aqueles que produzem efeitos jurídicos no ordenamento jurídico geral e, portanto, para
fora dos muros da Administração).
Aliás, é curioso que o regulamento ao contrário da lei não se aplica a casos individuais. A esses
casos individuais e concretos aplicam-se os atos administrativos (há, no entanto, casos de fronteira
– podendo haver um ato administrativo geral ou coletivo). Mas de qualquer modo é sempre um
caso concreto e, normalmente, o destinatário pode não ser uma única pessoa, mas são pessoas ou
destinatários individualizados sempre.
Já na lei pode haver leis medidas, concretas e individuais, que se aplicam a situações individuais.

Desta noção que demos de regulamento transparecem 3 elementos:

 Elemento normativo - Transparência – no regulamento estão normas jurídicas que


como tal têm as características da generalidade e abstração.
Enquanto norma jurídica, o regulamento é dotado de vinculatividade jurídico-normativa, podendo
ser aplicado coativamente, se necessário, e o seu incumprimento/violação por parte dos
destinatários pode ser objeto de sanções (administrativas, disciplinares e penais).
 Elemento orgânico (agora diluído, não aparecendo na definição dada pelo legislador
no CPA).
Quando falamos no elemento orgânico temos de dizer que os regulamentos são em regra emitidos
por autoridades administrativas.
Esta vertente da noção de regulamento administrativo faz apelo ao problema geral da titularidade
do poder regulamentar (há neste domínio uma grande fragmentação que acompanha a
fragmentação da própria Administração – fenómeno da pluralidade organizatória da
Administração) e a montante também do respetivo fundamento jurídico-constitucional.
Como ideia geral, pode dizer-se que a titularidade do poder regulamentar encontra-se hoje
dispersa por várias entidades, correspondendo à evolução da Administração Pública
contemporânea.

Não obstante, este elemento orgânico aparece agora um pouco mitigado, porque também existem
regulamentos emitidos por órgãos públicos não integrantes da Administração:

 Assembleias Legislativas Regionais (que aprovam os regulamentos regionais);

 Assembleia da República (que estando predominantemente vocacionada para o exercício


da função legislativa também desempenha funções administrativas e nesses casos poderá
emitir normas regulamentares - ex.: regulamento de acesso dos cidadãos ao plenário do
Parlamento);

 Igual se passa com os tribunais (que podem ser chamados a fazer tarefas administrativas
auxiliares e, portanto, aprovar regulamentos – ex.: regulamento de organização dos
recursos humanos do tribunal com vista a assegurar uma distribuição equitativa dos
processos pelos juízes)

O poder regulamentar pode ainda ser reconhecido a entidades privadas que exerçam, com
fundamento num título público, uma atividade ou função administrativa (entidades
concessionárias de serviços, obras e bens públicos, quando a lei permite que disciplinem por via
normativa regulamentar as suas relações com os utentes desses serviços – ex.: contrato
administrativo de concessão de serviços públicos/ contrato de concessão de obras publicas).
É também o que acontece com pessoas coletivas privadas de utilidade pública (federações
desportivas, na medida em que a lei de bases prevê que as normas provindas das federações
desportivas com estatuto de utilidade pública configurem normas públicas; verdadeiros
regulamentos administrativos)

Sobre isto há já um acórdão do Tribunal Constitucional - «Acórdão 472/89»


NOTA: há aqui uma dispersão dramática do poder regulamentar, porque a competência/
titularidade não é só da Administração. Pode ser de órgãos que integram subjetivamente a
Administração ou de entidades privadas dotadas de utilidade pública ou que atuem no exercício
de funções públicas. – Artigo 135.º CPA
 Elemento funcional – os regulamentos administrativos são sempre emitidos no
exercício da função administrativa, o que nos remete para a distinção material das funções
do Estado.
Importa salientar que este elemento assume particular importância quando nos referimos ao
Governo (tripla personalidade: órgão político (art. 197.º CRP), legislativo (art. 198.º CRP) e
administrativo (art. 199.º e 182.º CRP)).
Em suma, o Governo exerce a função legislativa através de Decretos-Lei e a normativa através
dos regulamentos.
Repare-se que podemos dizer, para concluir, que no fundo os regulamentos administrativos são
uma espécie de ordenamento jurídico particular da Administração: conjunto de normas jurídicas
gerais e abstratas que as entidades administrativas têm competência para elaborar.

Estatutos de algumas entidades públicas com autonomia estatutária


Algumas entidades públicas dispõem do poder de elaborar e fixar normas relativas à sua própria
organização e ao seu funcionamento, sendo normalmente incorporadas nos estatutos
(documento).
Quando assim acontece, diz-se que estas entidades gozam de autonomia estatutária.
O caso mais paradigmático é fornecido pelas Universidades, cuja autonomia estatutária resulta
diretamente da CRP nos termos do artigo 76.º, n.º 2. Os estatutos das Universidades devem conter
as normas fundamentais da sua organização interna, bem como o regime da autonomia das
respetivas unidades orgânicas (das Faculdades).
A CRP e a lei reconhecem a estas entidades um poder normativo próprio (autonomia normativa)
ao abrigo do qual estabelecem a sua organização interna (poder de auto-organização) e fixam
as regras fundamentais de governo da instituição universitária e das respetivas unidades orgânicas
(poder de autogoverno).
NOTA: Ambos estes poderes (auto-organização e poder de autogoverno) são elementos nucleares
da função desempenhada pelos estatutos.

Repare-se que estas normas regulamentares têm um valor normativo reforçado, servindo de
parâmetro e de critério hétero-vinculativo para os órgãos de gestão das Universidades e das
respetivas unidades orgânicas (Faculdades – espécie de constituição destes entes autónomos).

Na medida em que estes regulamentos constituem expressão dos poderes de autorregulação,


autogoverno e autogestão, podem qualificar-se como regulamentos autónomos

Note-se ainda que noutros casos de administração autónoma, como a administração autónoma
local e as associações públicas, não existe autonomia estatutária, sendo os estatutos aprovados
por via de lei.
Portanto, esta autonomia estatutária refere-se apenas às Universidades enquanto institutos
autónomos. Obviamente, no que respeita à sua vinculação, os estatutos estão sujeitos às normas
de origem externa (normas internacionais, normas de Direito da União Europeia, Constituição,
leis e princípios gerais)

Convenções normativas
Na generalidade dos casos, em Direito Administrativo, as fontes de produção normativa resultam
do exercício de um poder unilateralmente vinculativo. Contudo, nos tempos mais recentes, tem
emergido outro tipo de atos de produção normativa, cuja emissão pressupõe a participação e até
a conjugação de vontades de diversos intervenientes ou sujeitos, podendo ser só entre entes
públicos ou sendo entre entes públicos e entes privados.

(ex.: acordos de concertação social; acordos endo-procedimentais – artigo 57.º CPA (são
acordos feitos quando o plano do procedimento está em ação e refere-se a atos administrativos
discricionários))
(ex.: contratos administrativos – contratos de concessão de obras públicas, de empreitada de
obras públicas)

Nestes contratos a produção de efeitos jurídicos resulta do consenso/ acordo entre os respetivos
intervenientes – auto vinculação bilateral.

Mas estes contratos não produzem efeitos jurídicos apenas em relação às partes que neles
intervêm?
A regra é essa, mas também é verdade que alguns deles têm uma eficácia jurídica que não se
limita às partes intervenientes na sua formação e celebração, abrangendo outros sujeitos/
destinatários.

(ex.: contratos administrativos com eficácia normativa e os contratos regulamentares)

No primeiro caso, o contrato, para além de vincular as respetivas partes, contem cláusulas que
têm por destinatários ou beneficiários outros sujeitos, sujeitos esses que são terceiros em relação
ao contrato.

(ex.: contrato de concessão de serviço público.


Deste contrato deriva para o concessionário o dever de gerir o serviço público, e para a
administração o direto de exigir ao concessionário que faça a melhor gestão do serviço com
vista à satisfação das necessidades dos utentes/ beneficiários)
Num segundo caso, os contratos regulamentares têm por conteúdo cláusulas que prescrevem
critérios e padrões de conduta aplicáveis a terceiros (pessoas que não participam no contrato),
ficando constituídas no dever de agir em conformidade com o que está prescrito naquelas
cláusulas.
(ex.: acordo entre o estado e a associação nacional de farmácias, com vista ao fornecimento de
medicamentos aos utentes do SNS)

Pode-se referir ainda o soft law, que em bom rigor é fonte de Direito Administrativo (estas
normas não têm valor vinculativo, nem caráter imperativo).
É certo que estas normas têm tido um grande crescimento, contudo, trata-se de atuações
administrativas informais com maior ou menor conteúdo normativo e que têm em comum o facto
de não terem força vinculativa.
Contudo, o facto de não obrigarem à adoção de um comportamento não significa que sejam
desprovidos de relevância jurídica, nomeadamente para efeitos de responsabilidade civil.

Ordenação das fontes de Direito Administrativo


Por hierarquia das fontes é habitual entender-se uma espécie de escalonamento das fontes do
Direito, isto é, dos modos de produção das normas jurídicas, a que está associado um principio
com o mesmo nome (hierarquia), que reclama que a cada ato de criação de Direito se conforme
com aquele que na mesma hierarquia o precede – visão piramidal kelsiniana.
Contudo, a hierarquia das fontes não deixa de ser também uma organização vertical das próprias
normas que delas emergem, e que pode fundar-se em razões de diversa ordem: razões de natureza
procedimental, material, orgânica, lógica e até de natureza axiológica.
Na verdade, aquilo que em última análise está em causa é a relação de equivalência ou de
subordinação entre normas, que podem muitas vezes até provir da mesma fonte (leis que podem
estar em situação de paridade ou em situação de subordinação quando estejam em causa leis de
valor reforçado).
Portanto, o princípio da hierarquia permite resolver situações de conflito/colisão de normas,
prevalecendo a de maior força jurídica. Num cenário de equivalência jurídica este princípio tem
de dar lugar a outros critérios: lei especial derroga lei geral ou lei posterior derrogar lei anterior.

Há um aspeto que o princípio da hierarquia não dá resposta:


O de saber se a Administração, à semelhança dos tribunais, fica obrigada a desaplicar normas
legais ou regulamentares que constituem a sua referência normativa imediata e que não estão
conformes com normas de escalão superior – ex.: normas de direito comunitário ou de direito
constitucional.

(ex.: imagine-se que a Administração pratica um ato administrativo que está de acordo com o
regulamento aplicável, mas o regulamento viola a lei, que é o parâmetro normativo superior)
Nestes casos, recai sobre a Administração um dever de fiscalizar a constitucionalidade e a
legalidade das disposições legais que mais diretamente disciplinam a sua atuação?
O Tribunal Constitucional determina que não, baseando-se fundamentalmente em dois
argumentos: princípio da separação de poderes e no subprincípio da precedência da lei. –
Não há nenhuma norma legal que atribua essa competência à Administração; tal está
constitucionalmente atribuído aos tribunais - artigo 202.º e 204.º CRP.
Esta tese não é incontroversa e, portanto, há uma tese oposta.
Há um terceiro elemento que densifica mais as coisas. De acordo com o Direito da União Europeia
(primado e o efeito direto), e de acordo com a sua jurisprudência, a Administração é obrigada a
desaplicar qualquer norma interna que esteja em desconformidade com o Direito da União
Europeia (seja originário ou derivado). – Prevalência da tese jurisprudencial da União
Europeia.
Portanto, há aqui uma visão mais interna e dominante ao nível dos ius constitucionalistas e é uma
tese mais comunitarista que impõe o dever de desaplicar um regulamento quando ele viole uma
lei, ou de desaplicar a lei quando ela é inconstitucional ou viola uma norma de Direito da União
Europeia.
Para concluir diga-se que há uma revolução nas fontes, embora esta matéria possa recolher outras
posições.

No topo das fontes de Direito Administrativo está o Direito da União Europeia – artigo 8.º n.º
4 CRP e jurisprudência do TJUE – Acórdãos Simmenthal e Costa Enel.
A seguir, obviamente, vem a CRP, que está no topo das fontes internas e, numa hierarquia geral,
em segundo lugar.
Em terceiro lugar virá o Direito Internacional e o proveniente de Organizações Internacionais
de que Portugal seja membro. Este prevalecerá sobre o Direito ordinário interno, embora seja
infraconstitucional.
Posteriormente, vêm os atos legislativos (Leis e Decretos-Lei – que têm normalmente o mesmo
valor jurídico, salvo tratando-se de leis com valor reforçado).
Temos depois os Princípios Gerais do Direito Administrativo, depois os regulamentos
(subordinados às leis e aos princípios gerais de Direito) e, por último, poder-se-á fazer uma
referência mínima ao costume (pela escassa medida em que é relevante no Direito Administrativo
- é de afastar a possibilidade de um costume contra legem).
Aula n.º 9 – 20-10-2020 – ‘II. A ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA 1. Noção de organização administrativa.
2. Elementos básicos da organização administrativa. 3. As pessoas coletivas públicas. O critério da personalidade
pública. 4. Tipologia das pessoas coletivas públicas.’

O problema da tipologia das normas de Direito Administrativo


Tal como nos outros ramos do direito o Direito administrativo é constituído por regras jurídicas
e por princípios. Também aqui as normas jurídicas têm natureza prescritiva: podem estabelecer
uma permissão, uma faculdade, uma imposição, uma obrigação de fazer ou prestar, ou uma
interdição de um comportamento.
Os princípios adquirem uma importância ainda maior em virtude fragmentariedade e da dispersão
dramática que acontece em muitas esferas do Direito Administrativo, visto que a codificação,
apesar de ter avançado bastante, ainda tem áreas onde temos uma «selva» de legislação avulsa.
Estes princípios constituem paradigmas de conteúdo axiológico-normativo de natureza mais
flexível que as regras, mas que tem esse dom de informar toda a ordem jurídico-administrativa,
conferir unidade, racionalidade e sentido – ex.: princípio da igualdade, da imparcialidade da
proporcionalidade.
(FA pp. 124-130)

As normas administrativas podem classificar-se de acordo com vários critérios:

 De acordo com as fontes: temos normas comunitárias, normas constitucionais, normas


internacionais, normas legais, normas regulamentares, normas convencionais, normas
estatutárias, etc.

 Quanto ao objeto:

o Normas organizatórias (dispõem sobre a organização de entidades


administrativas – ex.: uma lei que vem criar um instituto público e regula toda a
sua estrutura orgânica);

o Normas procedimentais (normas que versam sobre o modo de atuação da


Administração – ex.: regras de aplicação de sanções disciplinares ou regras
contraordenacionais)

o Normas materiais (aquelas que estabelecem soluções ou parâmetros normativos


das decisões administrativas - ex.: quando as normas fixam os requisitos para a
atribuição de uma licença administrativa, quando fixam os requisitos para a
aquisição de um ato administrativo de utilidade pública)

Também as normas administrativas, tal como as outras normas, têm um âmbito temporal,
âmbito territorial e âmbito pessoal.
Quanto à aplicação temporal, tal como sucede nos outros ramos de Direito, as normas de Direito
Administrativo entram em vigor na data nelas fixada e na falta de previsão depois de decorrido o
período da vactio legis previsto na lei. Vigora por tempo indefinido até serem revogadas ou
substituídas por outras, salvo se tiverem carater temporário ou se estiverem sujeitas a um prazo
ou condição resolutiva.
As normas de Direito Administrativo não têm caráter retroativo, limitando-se, em princípio, a
dispor para o futuro. Mas podem atribuir-se efeitos retroativos aplicando-se neste caso a factos
ou situações passadas, ressalvadas sempre as proibições constitucionais de retroatividade (quer
em matéria sancionatória, quer em matéria fiscal; ou ainda quando choca com o princípio da
proteção da confiança legítima).

Princípio da proteção da confiança legítima – no nosso CPA aparece mais como uma
manifestação do princípio da boa fé, mas que se preferiu autonomizar do princípio da boa fé.

Quanto à aplicação territorial é que há uma novidade: é verdade é que o princípio básico é o de
que as normas de Direito Administrativo só valem para as pessoas, factos e situações que ocorram
no território sob juridicidade da entidade que as emitiu – âmbito nacional para as normas de
caráter estadual, caráter regional para as normas das Regiões Autónomas e âmbito local para as
normas de natureza local.

Qual o princípio da territorialidade?


O problema, hoje, é que por força de integração na União Europeia e pelo fenómeno da
globalização, o Direito Administrativo é em grande parte desterritorializado. Este princípio da
territorialidade pode, pois, cair em certas situações.

(ex.: o caso dos atos administrativos transnacionais – imagine-se que uma empresa polaca
carece de uma autorização para produzir e comercializar um novo produto alimentar.
Será que esta empresa polaca precisa de 27 autorizações?
Pode não precisar)

Se estivermos no âmbito do DUE em que haja uma grande uniformização entre os sistemas
jurídicos nacionais que compõem a ordem jurídica comunitária, esse ato administrativo tem
efeitos radiantes na ordem dos restantes Estados Membros, produzindo eficácia jurídica junto das
pessoas jurídicas e das administrações que fazem parte do Estado da Administração recetora
A administração recetora dos outros Estados Membros não tem sequer o poder de controlar a
validade desse ato à luz do Direito comum aplicável.

NOTA: noutros domínios em que não há essa harmonização ao nível do DUE obviamente que
estamos perante um princípio do reconhecimento limitado, o que abre as portas à possibilidade
de as administrações hospedeiras (nacionais recetoras) terem um certo poder de controlo sobre
esses atos e sobre os efeitos que produzem nos seus ordenamentos jurídicos.
À medida que vamos caminhado para um ordenamento jurídico de fins gerais da União Europeia,
em que se vão integrando os ordenamentos jurídicos dos vários Estados Membros, o Direito
Administrativo vai adquirindo uma transnacionalidade que não existiria sem esta harmonização.
É certo que há áreas ao nível do DUE em que não acontece ainda esta harmonização.
Como se vê aqui está uma novidade importante da conformação dos ordenamentos jurídicos
nacionais, e em particular, dos direitos administrativos nacionais, pelo Direito da União Europeia,
em particular pelo Direitos Administrativo Europeu.

Quanto ao âmbito de aplicação pessoal, os destinatários das normas de Direito Administrativo


variam bastante: podem ser os particulares que residam ou se encontrem num determinado
território, sendo neste caso a norma de aplicação universal, mas também podem estas normas
referir-se somente a determinadas categorias de pessoas (ex.: identificadas por uma
nacionalidade) e até normas que se aplicam apenas a uma categoria profissional ou normas
relativas ao sexo das pessoas (normas só para as mulheres para eliminar discriminações).

No caso das normas dos entes públicos territoriais (Estado, Regiões Autónomas e autarquias
locais), que são pessoas coletivas públicas primárias, que resultam diretamente da CRP e da lei.
No caso destes as normas de pessoas coletivas públicas territoriais, as normas de Direito
Administrativo podem abranger indiferenciadamente todo os particulares.
No caso das pessoas coletivas institucionais (instituto público), que têm fins específicos e ligados
só a determinadas categorias de pessoas, as suas normas referem-se normalmente só a estas
No caso das normas das instituições públicas profissionais estas dirigem-se apenas a regular a
categoria de pessoas que constituem o seu substrato pessoal (Ordem dos advogados – normas que
regulam o acesso à profissão e que têm, por exemplo, normas de caráter deontológico e
disciplinar).
Digamos que o âmbito pessoal da aplicação das normas de Direito Administrativo varia muito
consoante estejamos perante pessoas coletivas públicas territoriais ou pessoas coletivas públicas
institucionais ou territoriais, que têm um âmbito de aplicação mais reduzido, limitando-se às
pessoas que as constituem essa ordem profissional ou que estão ligadas a esse instituto.

Interpretação e integração das normas de Direito Administrativo


Tal como qualquer outra norma jurídica, as normas de Direito Administrativo podem e devem ser
interpretadas e integradas pelos próprios titulares do poder normativo que as redigiu –
interpretação autêntica.
(ex.: podem ser naturalmente interpretadas normas pelos tribunais na sua aplicação aos casos
submetidos a seu julgamento – interpretação jurisprudencial)

Também pode haver interpretações doutrinárias e também interpretação feita pela própria
Administração (interpretação administrativa).
Não existe em Portugal uma competência judicial para adotar interpretações vinculativas das
normas jurídicas, como sucedia quando existiam os chamados «assentos».
Hoje, as decisões de fixação de jurisprudência têm uma eficácia limitada aos tribunais.
NOTA: note-se o problema que resulta da interpretação regulamentar das leis.
De facto, há vários regulamentos, de acordo com a sua relação mais ou menos intensa com a lei.
Ora, o problema põe-se essencialmente relativamente aos regulamentos executivos, cuja função
normal é precisar ou esclarecer o sentido, ou preencher as lacunas regulamentares. No fundo, são
regulamentos que visam traduzir com mais clareza o sentido da lei.

Sucede que o artigo 112.º, n.º 5 CPR diz «nenhuma lei pode criar outras categorias de atos
legislativos ou conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar,
integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.»
Portanto, esta disposição constitucional proíbe as leis de conferir a atos de outra natureza o poder
de interpretar ou integrar, com eficácia externa, qualquer dos seus preceitos. Mas, em bom rigor,
essa norma não proíbe a interpretação ou integração regulamentar das leis. O que ela proíbe,
afinal, é que a lei confira esse poder a atos não legislativos.
O sentido da norma constitucional só pode ser um: proibir a lei de delegar em regulamentos a sua
interpretação ou integração com força legislativa a título, por exemplo, de interpretação autêntica
delegada – o que poderia permitir ações de interpretação ou integração modificativas ou até
inovatórias relativamente ao espírito da lei e á letra da lei.
Em suma, os regulamentos não ficam proibidos de interpretar e integrar as leis, desde que o faça
vinculado aos cânones de interpretação e de integração, isto é, sem utilizar estes procedimentos
para modificar o sentido da lei, fixando uma interpretação diferente da lei.
O sentido não foi de inconstitucionalizar a interpretação por via regulamentar, mas sim para
obviar esta prática patológica de o legislador remeter para despachos normativos ministeriais a
interpretação e integração.
A interpretação regulamentar das leis pode ter efeitos meramente internos (ex.: quando são
normas sobre a organização e funcionamento dos serviços, normas sobre o expediente, normas
sobre a distribuição de tarefas – circulares e instruções gerais)

NOTA: o professor não considera que as circulares sejam normas puramente internas - problema
das circulares no âmbito da administração fiscal – diz-se que estas têm uma eficácia puramente
interna, porque o seu destinatário é o subalterno. Obviamente que o subalterno vai aplicar a
interpretação fixada pelo superior hierárquico fixada através da respetiva circular, esquecendo-se
que o destinatário último da circular é o contribuinte. Devemos ter uma noção bastante restritiva
dos regulamentos internos.
Os regulamentos internos sofrem de duas limitações graves: a jurisprudência entende que os
regulamentos, por não terem efeitos jurídicos externos, não podem atingir de uma forma lesiva a
esfera jurídica do destinatário (contribuinte) – como não tem essa eficácia externa e não são
lesivas, não podem ser impugnadas contenciosamente, o que quer dizer que há aqui uma esfera
que escapa à sindicabilidade do controlo jurisdicional dos tribunais.

Os regulamentos também podem ter efeitos externos se efetivados através de regulamentos


executivos ou através de leis – artigo 135.º CPA
CAPÍTULO II
Domínio da organização administrativa
(A administração como organização administrativa – em sentido subjetivo ou orgânico)

Não é possível individualizar um setor da atividade administrativa sem que exista uma
organização dentro do poder público encarregada dessa tarefa – é impossível haver atividade sem
organização. Muitas vezes a organização administrativa tem ou pode ter reflexos ao nível dos
Direitos Fundamentais dos particulares.
(ex.: uma Administração mais concentrada ou mais descentralizada é indiferente para o
exercício dos direitos dos particulares? Não é)

Ao falarmos da organização temos de relacioná-la com a atividade e com os direitos e interesses


legalmente protegidos dos particulares.

Podíamos começar por dizer que a organização administrativa consiste no conjunto de


unidades organizatórias que desempenham a título principal a função administrativa.
«Entendemos por ‘organização administrativa’ o modo de estruturação concreta que, em cada época, a lei dá à
Administração Pública de um dado país» - FA p.613

Portanto, a organização administrativa corresponde à noção de Administração Pública em sentido


subjetivo ou orgânico, que se distingue da noção de Administração Pública em sentido objetivo
ou material que designa a atividade administrativa (atividade da Administração).
Contudo, o âmbito destes dois sentidos não coincide. Há atividade administrativa praticada por
entidades que não integram a administração pública.

Na organização administrativa pontificam elementos básicos:

 Pessoas coletivas públicas de Direito público – manifestam-se através de órgãos


administrativos, bem como através dos serviços administrativos que pertencem a cada
entidade pública e que atuam na dependência desses órgãos.

Deve, no entanto, sublinhar-se que atualmente a Administração Pública compreende também:

 Entidades públicas constituídas de acordo com o Direito Privado – sujeitas ao


Direito Privado, cujos órgãos são os próprios desse tipo de entidades.
Uma das tendências atuais da organização administrativa é a crescente privatização das formas
organizatórias e não apenas no setor empresarial público, mas também no setor administrativo em
sentido próprio – FUGA PARA O DIREITO PRIVADO – fundações, instituições, sociedades
comerciais.
Não integram obviamente a organização administrativa os órgãos do Estado, que desempenham
outras funções a título principal, nem os tribunais.
Também não integram a organização administrativa em sentido estrito as entidades particulares
encarregadas do desempenho de tarefas administrativas – entidades concessionárias ou
delegatárias de funções públicas.
Há parte da Doutrina que tende a integrar organicamente estas entidades. O professor entende que
estas só funcionalmente constituem a Administração, mas não do ponto de vista orgânico nem
subjetivo.

Para se perceber, a atual Administração Pública é muito diferente da que existia na época liberal.
Se bem que, com as limitações instituídas na década de 80, assistimos a uma retração do Estado
de administração na sua intervenção.

De qualquer modo, mesmo com essas limitações, a Administração do ponto de vista da sua
organização carateriza-se:

 Aumento da complexidade da organização administrativa

 Desconcentração funcional e territorial da Administração do Estado – sobretudo


através do princípio da desconcentração

 Proliferação de institutos públicos – muitas vezes demasiados até

 Existência de associações públicas profissionais

 Criação de Regiões Autónomas

 Desgovernamentalização da Administração e a criação das célebres entidades


administrativas independentes

 Crescente recurso a formas organizatórias de Direito Privado – mesmo fora do direito


empresarial

 Externalização de tarefas administrativas que tradicionalmente pertenciam a entidades


públicas e que passaram a ser levadas a cabo por entidades privadas

 Contratualização das relações entre entidades administrativas (inter administrativa)

Pessoa coletiva de Direito Público ou de Direito Privado


Muitas vezes o legislador não define, nem qualifica aquela pessoa coletiva nem como pública,
nem como privada, remetendo para o intérprete essa tarefa.

Critério da personalidade de Direito Público – será suficiente para sabermos se estamos


perante um ente de natureza pública ou de natureza privada?
Isso é importante, porque a partir dessa qualificação como pública ou como privada ficamos a
saber qual o Direito que se aplica; e por outro lado, também, e consequentemente, qual a jurisdição
competente para esses litígios emergentes das relações jurídicas.
A Administração Pública é normalmente representada nas suas relações com os particulares por
pessoas coletivas públicas, através dos respetivos órgãos administrativos.
Na verdade, são as pessoas coletivas de Direito Público que gozam de personalidade/ capacidade
jurídica (capacidade para contratar; para ser proprietário; para responder pelos danos causados
pela sua atividade; para demandar e ser demandado judicialmente). Nas relações jurídico-
administrativas pelo menos um dos sujeitos é, em regra, uma pessoa coletiva pública.
Numa primeira aproximação, as pessoas coletivas de Direito Público são sujeitas a um regime de
Direito Público, o que as distingue das pessoas coletivas privadas, uma vez que aquelas estão
sujeitas a um regime típico caraterizado por um conjunto de fatores entre os quais avultam os
seguintes:

 As pessoas coletivas públicas são de criação pública,


 Gozam de prerrogativas de autoridade,
 Não têm a possibilidade de auto dissolução,
 Estão sujeitas à jurisdição administrativa

Ora, inicialmente, o problema não se punha, porque as pessoas coletivas públicas eram apenas o
Estado e as demais pessoas coletivas públicas territoriais – pessoas coletivas públicas primárias;
diretamente instituídas pela CRP, que mais tipicamente correspondem ao modelo de regime
público anteriormente referido.
A distinção entre as pessoas coletivas públicas e privadas não suscita qualquer dificuldade.

O problema é que a partir de determinada altura, as entidades públicas territoriais começaram a


criar entes públicos instrumentais que só parcialmente detinham os predicados da publicidade (de
criação pública, com detenção de prerrogativas de autoridade, a impossibilidade de auto
dissolução, etc.), a par da criação de outras pessoas coletivas típicas do Direito Privado – ex.:
associações e fundações.
Por outro lado, a lei começou a cometer tarefas públicas a entes de natureza privada ou público-
privada, submetendo-as a um regime mais ou menos publicista, sem que resultasse da lei se se
tratava de entidades públicas ou privadas.
Portanto, a criação pelo Estado de pessoas coletivas de Direito Privado, a admissão de entidades
particulares dotadas de funções públicas, a emergência de novos formatos organizatórios mistos
(quer quanto à composição quer quanto ao regime), não tardaram a perturbar os antigos
critérios de distinção e a criar dúvidas de se valia a pena fazer a distinção entre pessoas coletivas
públicas ou privadas.
Entre estes dois mundos emergiu uma escala de entidades de graduações múltiplas entre o núcleo
das entidades inquestionavelmente públicas e as pessoas coletivas puramente privadas.
Tornou-se, por isso, necessário estabelecer um critério de qualificação das tais entidades, que
permitisse determinar a distinção entre personalidade pública e personalidade privada, já que
dessa qualificação poderia distinguir o regime jurídico aplicável em tudo o que não estivesse
determinado pela lei e a competência para julgar os litígios (tribunais administrativos ou
judiciais).
Este critério de qualificação tornou-se imprescindível quando começaram a proliferar pessoas
coletivas públicas distintas do Estado e das demais entidades territoriais e que só detinham os
predicados típicos das pessoas coletivas públicas, o que resultou num certo obscurecimento da
fronteira entre Direito Público e Direito Privado.
NOTA: o privado decide tornando público e o público decide transformando em privado.

O principal interesse da distinção está no estabelecimento do regime jurídico aplicável a essas


entidades.
No início havia uma identificação entre personalidade pública e regime jurídico-público; havia,
portanto, uma identificação entre Administração e pessoa coletiva de Direito Público –
consequencialmente o regime era sempre de Direito Público.
Portanto, as pessoas coletivas públicas atuariam sempre sobre a égide do Direito Público e com
uma capacidade jurídica de Direito Público, ao passo que as pessoas de privadas atuariam sobre
a égide do Direito Privado, tendo unicamente capacidade jurídica privada.

Este mundo claro já não existe. Na verdade, a partir de certa altura, deu-se um fenómeno
curioso: à qualificação jurídica como pública ou privada de uma determinada entidade passou a
não corresponder necessariamente um regime jurídico correspetivo em toda a sua extensão
(pública ou privada conforme os casos).

As pessoas coletivas públicas passaram a poder segundo sobre o Direito Privado (atividade de
gestão privada), e algumas instituições particulares de interesse público passaram a funcionar em
termos de Direito Público. Daqui resulta que as entidades públicas tanto dispõem de capacidade
jurídica pública, como de capacidade jurídica privada e tanto desenvolvem uma atividade de
gestão pública como de gestão privada.
O mesmo se podendo afirmar em relação a algumas pessoas coletivas de privadas.
Em bom rigor, o problema do critério da publicidade não se aplica em relação às pessoas coletivas
territoriais de fins múltiplos: Estado, Regiões Autónomas e pessoas coletivas locais.

O problema da caraterização e da identificação da personalidade pública só se coloca para


as pessoas coletivas derivadas (criadas pelas pessoas coletivas territoriais/ primárias). E,
portanto, é relativamente a estas entidades que se coloca o problema da sua qualificação.
Repare-se que não estamos aqui à procura de uma definição da pessoa coletiva pública, mas sim
à procura de um critério da sua identificação. O que se pretende não é saber o que é um ente
público, mas sim reconhecê-lo, ou seja, saber quais são os sinais ou marcas decisivas para a sua
identificação.
Critérios
 A personalidade pública resultava de um critério misto:
o Critério para a iniciativa para a sua criação: são públicas as que são criadas
por ato do Estado;
o Critério da finalidade: são públicas as que têm por finalidade satisfazer
interesses públicos
o Critério dos poderes exorbitantes: são públicas as que são dotadas dos poderes
de autoridade
A dificuldade é de tal ordem que a doutrina diz que só a utilização conjunta dos três critérios é
que nos permite identificar a personalidade pública e, consequentemente, a pessoa coletiva de
Direito Público.

Freitas do Amaral
Nesta perspetiva, Freitas do Amaral parte de um critério misto, combinando a criação, o fim e a
capacidade jurídica da entidade em causa, sendo por isso pessoas coletivas públicas aquelas que
são criadas por iniciativa pública, para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos
e, por isso, dotadas, em nome próprio, de poderes e deveres públicos. FA pp. 618-620

Vital Moreira
Vital Moreira adota também um critério misto, mas conjuga apenas 2 subcritérios. Para este autor,
são de considerar pessoas coletivas públicas, na falta de qualificação legislativa, as criadas pelo
Estado ou por qualquer ente público primário, que detenham o predicado fundamental de pessoas
coletivas públicas – posse de prerrogativas de Direito Público. Conjuga-se a conjugação do
critério da iniciativa para a sua criação (criado por pessoas coletivas públicas primárias) e do
critério dos poderes exorbitantes (detenção de poderes de autoridade).

Em regra, costuma dizer-se que estes critérios só valem na falta de qualificação legal, uma vez
que devem ser consideradas como pessoas coletivas públicas todas as qualificadas por lei como
tal.
Da aplicação destes critérios resulta que são pessoas coletivas públicas as seguintes: o Estado e
as demais entidades coletivas territoriais (autarquias locais e Regiões Autónomas – pessoas
coletivas públicas primárias); as entidades como tal qualificadas pela lei; as entidades criadas pelo
Estado ou por outras pessoas coletivas públicas territoriais desde que compartilhem o referidos
predicados fundamentais das pessoas coletivas públicas (prerrogativas de poder público).

Opinião professor: falando apenas do critério da personalidade pública, o professor também


estaria de acordo com a utilização de um critério misto, mas para o professor as vertentes
determinantes seriam o critério da iniciativa pública quanto à sua criação e o das finalidades
prosseguidas pelas pessoas coletivas de Direito Público (que não pode deixar de ser a realização
de interesses públicos previamente definidos).
Isto porque apontar como critério determinante a existência de poderes exorbitantes é esquecer
que a Administração, através das pessoas coletivas de Direito Público, atua muitas vezes na veste
de Direito Privado, não deixando, no entanto, de estar ao serviço do Direito Público.
Por outro lado, também assistimos à possibilidade de as pessoas coletivas privadas atuarem no
exercício de poderes jurídico-administrativos no cumprimento de tarefas públicas e nesse sentido
deterem prerrogativas de autoridade – a Administração externaliza tarefas públicas e delega-as
a entidades privadas.

Outra coisa questionável: no fundo esta doutrina tem subjacente a ideia de que a personalidade
jurídica em sentido próprio/ axiológico e valorativo é a personalidade jurídica privada. Para esta
doutrina está subjacente que a personalidade publica é de geometria variável, podendo haver
formas de personalidade jurídica incompleta.

Hoje tenderia a seguir uma doutrina clássica italiana que entende que o que distingue uma
entidade pública de uma privada não é o critério da personalidade jurídica (por ser comum a
ambas), mas sim o aspeto determinante da capacidade jurídica pública nas pessoas coletivas de
Direito Privado e o da capacidade jurídica privada nas pessoas coletivas de Direito Privado.
De certo modo este critério tende para desvalorizar este fenómeno da fuga para o Direito Privado.
O que importa aqui é o exercício da função, independentemente da natureza jurídica da entidade.
O elemento determinante é o elemento da capacidade jurídica exercida (pública ou privada).

(ex.: definição de ato administrativo – artigo 148.º CPA – por contraposição ao código de
1991)

O CPA de 1991 dizia no artigo 120.º «para efeitos da presente lei consideram-se atos
administrativos as decisões dos órgãos da administração, que ao abrigo de normas do Direito
Público, visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta»
Atual artigo 148.º CPA – «para efeitos do disposto no presente código, consideram-se atos
administrativos as decisões que no exercício de poderes jurídico-administrativos visem produzir
efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta»

Agora não diz de quem – aqui o critério não é o da personalidade jurídica, mas sim o da
capacidade jurídica. Se a administração atuar no exercício da capacidade jurídica privada (ex.:
celebrar um contrato de arrendamento/ celebrar um contrato individual de trabalho), tal não é
um ato administrativo.
O critério passa, então, a ser o da capacidade jurídica, independentemente da natureza jurídica da
entidade, independentemente de a personalidade ser pública ou privada.
O critério da personalidade jurídica já não é suficiente para sabermos se devemos aplicar um
regime de direito publico ou de direito privado, para sabermos qual a jurisdição com competência
para apreciar determinado litígio.
(ex.: artigo 2.º CPA – «As disposições do presente código, respeitantes aos princípios gerais,
ao procedimento e à atividade administrativa são aplicáveis à conduta de quaisquer entidades,
independentemente da sua natureza, adotadas no exercício de poderes públicos, ou reguladas
de modo específico por disposições de Direito Administrativo»
Aqui ainda está mais claro pela expressão «independentemente da sua natureza» - tem que ver
com a ideia de crescente objetivação da Administração. A administração em sentido orgânico e
subjetivo está cada vez mais a dar lugar a uma Administração em sentido objetivo/ funcional.
Para se ver a complexidade do assunto, refira-se que, em princípio, uma pessoa coletiva de Direito
Público tem substrato de origem pública e estão sujeitas a um regime de Direito Público, enquanto
as pessoas coletivas de Direito Privado têm naturalmente um substrato de Direito Privado e estão
sujeitas a um regime de Direito Privado.

Contudo há desvios:

 Pessoas coletivas públicas com substrato de natureza privada – ex.: ordens profissionais
 Pessoas coletivas privadas com substrato de natureza pública – ex.: sociedades de
capitais públicos (empresas públicas)
 Pessoas coletivas públicas com regime essencialmente de Direito Privado – ex.: entidades
públicas empresariais
 Pessoas coletivas privadas com regime parcialmente de Direito Público – ex.: entidades
privadas que exercem poderes públicos

O regime jurídico-público a que se encontram em regra subordinadas as pessoas coletivas de


Direito Público não é uniforme, e é, atualmente, diferenciado.
A verdade é que o que importa salientar é que a distinção entre o mundo público e o mundo
privado é cada vez mais complexa e muitas vezes só recorremos à qualificação jurídica
(operação intelectual onde, na ausência de uma qualificação legal, o intérprete é chamado a
submeter um determinado objeto a uma determinada categoria jurídica, para daí poder definir o
regime jurídico aplicável).

As entidades públicas empresarias são definidas legalmente (DL 133) como pessoas coletivas de
Direito Público, mas substantivamente aplica-se fundamentalmente o Direito Privado. Qual o
critério que deve prevalecer? A definição dada pelo legislador ou o regime substantivo aplicável?
O prof tende a inclinar-se para o regime substantivo aplicável. Assim, formalmente são pessoas
coletivas de Direito Público, mas materialmente/ substantivamente são pessoas coletivas de
Direito Privado.

Bibliografia:
COLAÇO ANTUNES, A Ciência Jurídica Administrativa, op. cit., pp. 117 a 147; FREITAS DO AMARAL, Curso...,
op. cit., pp. 613-624; VITAL MOREIRA, Administração Autónoma..., op. cit., pp. 257-280 e 306-327; MARIA DA
GLÓRIA DIAS GARCIA, "A organização administrativa", in DJAP, vol. VI, pp. 235-244.
Aula n.º 10 – 26-10-2020 – ‘Continuação da aula anterior.’
Tipologia das pessoas coletivas de Direito Público

Quem estuda a organização administrativa contemporânea, nomeadamente a nossa, depara-se


com uma extrema variedade e heterogeneidade de pessoas coletivas públicas, em virtude, não só
da expansão da esfera administrativa, mas também da sua diferenciação organizatória.
Desta grande variedade e heterogeneidade não existe «A» pessoa coletiva pública, o que existe
são diferentes tipos de pessoas coletivas públicas, que apresentam entre si diferenças
significativas em vários aspetos: natureza das dos seus substratos, amplitude das suas funções,
regime jurídico da atividade, relação com o Estado.
Sendo assim, dada a enorme variedade de pessoas coletivas públicas, impõe-se algum esforço em
ordem a proceder a sua classificação e caraterização tipológica:

 Distingue-se o Estado de ente públicos menores ou infra estaduais


Freitas do Amaral fala de entes públicos subordinados, mas não nos parece que esta afirmação
esteja correta, uma vez que existem entes públicos menores sem qualquer subordinação ao Estado
Administração (administração autónoma, seja territorial ou não territorial, por exemplo, onde só
existe uma relação jurídica de tutela mera legalidade – artigo 242.º CRP – Lei 27/96).
Assim, a designação mais adequada é a diferença entre Estado e entidades infra estaduais/ entes
públicos menores.
O Estado é uma pessoa coletiva pública, tanto do ponto de vista do Direito Internacional Público
nas relações entre Estados e entre Estados e Organizações Internacionais, como do ponto de vista
do Direito Interno.
No plano do Direito Constitucional o Estado constitui mesmo a personificação jurídica da
coletividade nacional – os seus órgãos são de soberania e os seus poderes abrangem as tradicionais
e clássicas funções do Estado – legislativa, executiva e judicial.
Porém, sob o ponto de vista do Direito Administrativo o Estado é apenas o Estado de
Administração. Este Estado de Administração é a principal entidade pública administrativa, sendo
considerada como a pessoa coletiva pública universal, pessoa coletiva pública de fins gerais
(quanto ao âmbito territorial, pessoal e funcional da sua ação).
Desta forma, sabendo que o Estado Administração tem como órgão principal o Governo no
exercício da sua função administrativa, e por contraposição ao Estado Administração todas as
restantes pessoas coletivas públicas infra estaduais tem uma função parcial.
Portanto, a primeira classificação básica que se faz é a que distingue o Estado como pessoa
coletiva pública universal e todos os demais entes públicos infra estaduais.
Estas últimas entidades são de natureza exclusivamente administrativa, à exceção das Regiões
Autónomas, em virtude da sua autonomia político-legislativa, visto que não desempenham outras
funções estaduais (desempenham uma função meramente administrativa) e têm atribuições
administrativas de escopo mais restrito que as do Estado (que detém atribuições mais amplas em
todos os âmbitos – territorial, pessoal e funcional).
E todas estas entidades infra estaduais dependem em maior ou menor grau do Estado
Administração: quanto à sua existência e quanto à sua atividade (o Estado Administração,
através do Governo, exerce pelo menos tutela de legalidade sobre estas entidades, sobretudo
quando estão em causa atribuições exclusivas destas entidades infra estaduais)

 Distingue-se entre pessoas coletivas públicas territoriais e pessoas coletivas


públicas funcionais
Esta distinção entre entes territoriais (Estado, Regiões Autónomas e Autarquias Locais) e
funcionais (associações públicas, instituições públicas) assenta primordialmente no critério do
território.
Quanto às primeiras, o território faz mesmo parte da sua definição; já quanto às segundas o
território é de certo modo irrelevante, salvo para delimitar o âmbito da sua jurisdição/ da sua
competência.
Tal distinção pode ser feita segundo os seguintes traços diferenciadores:

 As pessoas coletivas públicas territoriais têm uma base territorial (personificam


juridicamente coletividades públicas territorialmente enraizadas), ao passo que nas
funcionais o território não entra na sua definição, tendo quando muito uma
importância na delimitação da circunscrição onde exerce as suas competências.

 Em segundo lugar os entes territoriais são dotados de um substrato populacional


universal (pessoas que vivem naquela circunscrição administrativa); ao passo que as
pessoas coletivas públicas funcionais quando têm substrato pessoal não se trata de uma
coletividade de cidadãos definidos somente pelo território de residência, trata-se de um
substrato pessoal definido por uma conexão funcional/ por um vínculo de natureza
profissional.

 Num terceiro elemento dizemos que as pessoas coletivas públicas territoriais têm um
caráter originário e necessário (são pessoas coletivas públicas primárias que resultam
diretamente da Constituição e da lei), ao passo que os funcionais têm um caráter
contingente.

 Os entes territoriais têm uma generalidade de atribuições, são pessoas coletivas


públicas de fins gerais, criadas para satisfazer as necessidades gerais da respetiva
população, ao passo que os entes funcionais têm atribuições mais específicas.

 Quanto ao quinto elemento distintivo os entes territoriais têm uma tipificação


constitucional (artigos 225.º e 236.º e seguintes CRP), enquanto os funcionais têm um
caráter, em princípio, atípico e singular (podem ter concretização constitucional –
associações públicas - artigo 267.º, n.º 4 CRP).

 Por último, quanto aos entes territoriais, estes têm o poder para criar outros entes
públicos e o poder para exercer um controlo sobre eles mesmos (quer o Estado
Administração, quer as Regiões Autónomas, quer a Administração Autónoma Local têm
uma administração indireta, porque têm o poder para criar entes públicos instrumentais
(empresas públicas ou institutos públicos), que em princípio os entes funcionais não
têm);
 Distinção entre institutos públicos e associações/ corporações públicas
Antes de proceder a esta distinção, chame-se à atenção da utilização de uma noção de instituto
público num sentido amplo e não rigoroso. Assim, vamos abranger na categoria dos institutos
públicos todas as pessoas coletivas públicas de base institucional, incluindo os serviços públicos
personalizados e as fundações públicas. É neste sentido amplo que vamos comparar por um lado
institutos públicos e, por outro, associações públicas.
A distinção dos institutos públicos assim entendidos e das associações públicas pode ser
apresentado como uma réplica da distinção que se apresenta no Direito Civil entre as fundações
e as associações.
Enquanto as associações têm um substrato pessoal, um conjunto de pessoas; as fundações ou
instituições têm por substrato um fundo patrimonial ou uma instituição.
Claro que a vida é muito mais rica e a realidade apresenta-nos muitas vezes entidades híbridas,
por exemplo, entidades institucionais com traços corporativos (ex.: universidades). Nestas
situações deve contar o elemento predominante – no caso das Universidades é o traço
institucional.

 Entes públicos de natureza associativa: neste caso importa proceder a uma


distinção entre associações públicas em sentido estrito, que congregam particulares; e
as associações de entidades públicas com entidades privadas, cuja natureza e função
são bastante diferentes.
As primeiras são normalmente uma forma de associação oficial e obrigatória dos particulares à
atividade administrativa seguindo os cânones da autoadministração, ao passo que as segundas são
simples formas de cooperação administrativa, sendo muitas vezes de criação facultativa, nem
sequer revestindo frequentemente um estatuto jurídico de direito publico, mas sim de direito
privado.
Se se reservar a noção de associações públicas em sentido próprio para as primeiras então pode
recorrer-se a noções alternativas para as associações entre entidades públicas ou entre entidades
públicas com entidades privadas – fala-se neste caso em consórcios públicos, associações inter
administrativas, formas de cooperação inter administrativas.

Ora, se quiséssemos também aqui apresentar os traços distintivos dir-se-ia que:


Os institutos públicos são criações do Direito e da técnica jurídico-administrativa – são de uma
certa maneira entes fictícios; ao passo que nas associações públicas/ autarquia local há um
substrato territorial, populacional ou sociológico.

 Quanto aos institutos públicos tem o seu substrato constituído por um acervo patrimonial
ou por uma personificação de uma função/ serviço público ou estabelecimento público;
por outro lado, nas associações públicas o substrato é pessoal, no sentido de
personificação de um agrupamento de pessoas unida pelo vínculo jurídico profissional.
 Quanto aos institutos públicos, estes são criados por outras pessoas coletivas públicas
cujos fins prosseguem (criados pelas pessoas coletivas públicas primárias) – portanto,
estes institutos promovem e prosseguem interesses públicos da Administração principal/
mãe, sendo também sua caraterística o facto de os entes serem hétero designados. Quanto
às associações públicas, estas promovem a prossecução de interesses próprios dos seus
membros e fazem-no mediante órgãos representativos – têm uma competência genérica
e própria para cuidar dos interesses dos seus membros.

 Os institutos públicos obedecem a uma vontade externa de hétero governo, ao passo que
as associações públicas são governadas por uma vontade interna/ autónoma/ imanente
(autogoverno).

 Em quarto lugar, os institutos públicos são instrumentos da Administração Estadual/


Administração Autónoma Regional (Lei quadro dos institutos públicos – não é apenas o
Estado que pode criar institutos públicos, também a Administração Autónoma Regional) – no
fundo constituem formas de descentralização imprópria. Quanto às associações
públicas são formas de descentralização administrativa, sem terem de prestar contas
ao governo, e prosseguindo os interesses que lhe são confiados pela Constituição e pela
lei.

 Por último, quanto aos institutos públicos, o Estado exerce sobre eles um poder de
superintendência (poder de orientação) e um poder de tutela (de legalidade e de mérito).
Já quanto às associações públicas, o Estado sobre elas exerce apenas um poder de tutela
de legalidade (sobretudo quando estão em causa atribuições exclusivas destas entidades).

 Distinção entre pessoas coletivas de dependentes e independentes


Esta distinção vale apenas para os entes públicos menores/ infra estaduais em relação ao Estado
ou a outras pessoas coletivas públicas territoriais (necessárias ou primárias – Administração
autónoma local e Administração Regional das RA dos Açores e da Madeira).

Se quiséssemos fazer uma distinção através de algumas caraterísticas diferenciadoras diríamos


que:

 Do lado dos entes públicos dependentes (institutos públicos ou fundações públicas)


estes são criados por outros entes públicos, por razões muitas vezes de eficácia e
conveniência administrativa. Por outro lado, os entes públicos independentes gozam de
autonomia em relação a outros entes.
Claro que estamos a utilizar aqui uma noção de entes públicos independentes muito ampla.

 Além do mais, os entes públicos dependentes gozam de uma incapacidade de prosseguir


outros fins que não os dos entes que os criou, portanto, estão subordinados à prossecução
de atribuições da entidade principal, ao passo que os entes públicos independentes têm
uma capacidade de definir por si mesmo a sua própria orientação, podendo mesmo
divergir da orientação do Estado Administração.
 Em terceiro lugar, quanto aos entes públicos dependentes os seus orientadores são
nomeados pela Administração mãe/ matriz, ao passo que nos entes públicos
independentes existe uma substancial independência nos seus órgãos face ao Estado,
quer quanto ao modo de nomeação, modo de exoneração, quer quanto ao modo de ação.

 Os entes públicos dependentes estão ainda sujeitos a orientação e controlo de mérito da


entidade mãe (para além do controlo de legalidade); já os entes públicos independentes
não estão sujeitos a uma orientação do Estado nem a controlo de mérito da sua ação (não
há controlo de legalidade, superintendência e mérito).

 Os entes públicos dependentes pertencem à Administração indireta, ao passo que os


entes públicos independentes pertencem à administração autónoma ou à administração
independente.

NOTA: importa dizer que a independência administrativa nunca é absoluta, uma vez que há
sempre um poder que o Estado mantém que é o de poder extinguir os entes públicos menores.
Normalmente existe também uma tutela de legalidade, visando assegurar a legalidade de ação dos
entes.
Nos entes públicos independentes lato sensu (com grande autonomia relativamente à
Administração do Estado) devemos integrar os entes públicos autónomos (autarquias locais e
associações públicas), dotados de autodeterminação e de autogoverno.
Por sua vez, nas entidades dependentes enquadram-se em geral os institutos públicos, fundações
públicas, empresas públicas – entes públicos de base institucional, que compõem a administração
indireta do Estado.
Obviamente que também aqui poderá verificar-se a existência de situações mais ou menos
híbridas. Mesmo os entes mais estritamente instrumentais não deixam de ter um elemento de
independência e autonomia, que é inerente à própria personalidade jurídica destes serviços
públicos personalizados; como as entidades jurídicas mais genuinamente independentes e
autónomas não estão isentas de uma componente de instrumentalidade, na medida em que a sua
existência e até a definição das suas atribuições públicas dependem do ordenamento e da lei.
Mesmo as entidades mais independentes e mais autónomas, por exemplo, nunca deixam de
depender de um controlo de mera legalidade por parte da Administração principal.

 Distinção entre o setor público administrativo e o setor público empresarial

 O primeiro é constituído pela Administração direta do Estado e das demais pessoas


coletivas públicas territoriais. O setor publico administrativo é constituído quer pela
Administração direta destas entidades, bem como pela sua Administração indireta não
empresarial (fundamentalmente institutos públicos). Ao lado deste setor público
administrativo, temos o setor publico empresarial, constituído pelas empresas públicas
nas suas várias modalidades (entidades públicas empresariais, que a lei qualifica como
pessoas coletivas de Direito Público e as sociedades de capitais, que são pessoas coletivas
de Direito Privado).
 Esta distinção é relevante quer sob o ponto de vista do regime jurídico, na medida em que
o setor público administrativo tem uma natureza mais público-administrativa, enquanto
o setor público empresarial se rege por um regime jurídico predominantemente privado.

 O setor público empresarial está tendencialmente sujeito a regras empresariais e da


economia de mercado, ao passo que o setor público administrativo está sujeito às regras
de gestão financeira e contabilística do setor.

No entanto, tal como podem existir pessoas coletivas de Direito Privado no setor público
administrativo (embora seja mais raro), também podem existir pessoas coletivas de Direito
Público no setor publico empresarial (entidades públicas empresariais).
Para concluir, há entidades que nem sempre é fácil de qualificar e enquadrar (ex.: Banco de
Portugal – visto inicialmente como uma entidade administrativa independente, mas que
apresenta um caráter supranacional em certa medida)
Contudo, tem caraterísticas de instituto público independente, mas também exerce operações
bancárias e delas procura retirar proveitos e vantagens.

Aula n.º 11 – 27-10-2020 – ‘5. Desconcentração e descentralização administrativa. A descentralização


imprópria (devolução de poderes) e o princípio da subsidiariedade. 6. Administração direta, Administração indireta
e Administração autónoma. Tipos de Administração autónoma. 7. Hierarquia, superintendência e tutela. ‘

Princípios constitucionais relativos à organização administrativa


Vamos dar continuidade à matéria da última aula. Vimos a tipologia das pessoas coletivas de
Direito Público, uma vez que a pessoa coletiva de Direito Público é um elemento básico da
Administração.
Portanto, tem sentido perceber que há uma variedade e heterogeneidade de pessoas coletivas
públicas (caraterísticas variáveis, que estão na génese da explicação da sua integração num ou
noutro setor da organização administrativa – direta, indireta, autónoma, periférica, regional ou
local do Estado).

Porque é que avançamos para os princípios da desconcentração, descentralização e


subsidiariedade?
Porque estes princípios são fundacionais e de certo modo orientadores dos vários setores da
organização administrativa.

O princípio da desconcentração administrativa está na base da Administração periférica,


local ou regional do Estado – a Administração do Estado é direta ou indireta; dentro da
Administração direta temos a Administração central, mas também temos a Administração
periférica (o Estado tem serviços e entidades territorialmente desconcentradas e, portanto, mais
próximas das populações).
Já o princípio da descentralização administrativa está na base da criação da Administração
autónoma em sentido amplo.

Depois temos uma situação intermédia, que é o princípio da descentralização imprópria


ou por serviços («devolução de poderes»). Esta descentralização dá lugar à célebre Administração
indireta.

Nos termos do artigo 267.º, n.º 1 e n.º 2 CRP, a Administração deve ser estruturada de modo a
evitar a burocratização e a aproximar os serviços da população, de modo a assegurar a
participação dos interessados na sua gestão efetiva, devendo a lei estabelecer adequadas formas
de descentralização e desconcentração administrativa, sem prejuízo da necessária eficácia e
unidade da ação administrativa e dos poderes de superintendência do Governo.
Decorre, portanto, deste normativo (n.º 1 e n.º 2.º do artigo 267.º CRP) que dois dos mais
importantes princípios constitucionais respeitantes à organização administrativa são os princípios
da desconcentração e da descentralização administrativa.
A referência ao princípio da descentralização administrativa encontra-se também consagrada no
artigo 6.º, n.º 1, tal como aparece neste normativo o princípio da subsidiariedade.

Ora, mas em que consistem estes princípios da desconcentração e da descentralização


administrativa? O que é que os distingue um do outro?

DESCONCENTRAÇÃO
Artigo 267.º, n.º 2 CRP

«A lei estabelecerá adequadas formas de (…) desconcentração administrativa, sem prejuízo da


necessária eficácia e unidade de ação e dos poderes de direção, superintendência e tutela dos órgãos
competentes.»

A desconcentração administrativa diz respeito à divisão de funções dentro da organização


administrativa de uma mesma pessoa coletiva pública, estando ligada à distribuição, em regra,
vertical, pelos diferentes órgãos da mesma pessoa coletiva pública.
Portanto trata-se de repartir funções e competências pelos diferentes órgãos dentro da mesma
pessoa coletiva pública.

Neste sentido, uma mesma pessoa coletiva pública será concentrada quando o superior
hierárquico for o único órgão competente para tomar decisões, ficando os subalternos limitados
às tarefas de preparação e execução das decisões do referido superior hierárquico. – F.A. p. 690

Ao passo que, será desconcentrada quando o poder decisório estiver repartido entre o superior
hierárquico e um ou vários subalternos, ainda que com direção e supervisão daquele. – F.A. p. 690
«(…) em rigor, não existem sistemas integralmente concentrados, nem sistemas absolutamente desconcentrados. O
que normalmente sucede é que os sistemas se nos apresentam mais ou menos concentrados – ou mais ou menos
desconcentrados.» - F.A. p. 690

Não obstante a situação normal ser a de desconcentração vertical, esta pode ser:

 Funcional ou burocrática (ex.: do Ministro para as Direções-Gerais – ou das Direções-


Gerais para as repartições)
 Ou pode ser territorial (ex.: dos serviços centrais dos ministérios para a administração
periférica do Estado – escolas, repartições de finanças, conservatórias).

Além do mais, a desconcentração pode ser horizontal que efetua mediante a divisão de tarefas
entre vários órgãos de acordo com um critério funcional (ex.: entre os vários ministros dentro do
Governo; entre as várias Direções-Gerais de cada ministério).
A desconcentração administrativa, no fundo, traduz-se num processo de descongestionamento de
competências e pode encontrar-se tanto na Administração do Estado, como numa Administração
descentralizada, como um Município.

Uma administração desconcentrada implica, em regra, uma maior eficiência da atividade


administrativa; uma maior rapidez de resposta, permitindo em função disso uma melhor qualidade
administrativa do serviço («… já que a desconcentração viabiliza a especialização de funções, propiciando um
conhecimento mais aprofundado dos assuntos a resolver; enfim, a desconcentração, enquanto liberta os superiores da
tomada de decisões de menor relevância, cria-lhes condições para ponderarem a resolução de questões de maior
responsabilidade que lhes ficam reservadas. – F.A. pp. 691/692)

Também aqui há desvantagens, nomeadamente a de implicar múltiplos centros decisórios, o


que pode, por vezes, dificultar uma decisão administrativa harmoniosa, coerente e concertada.

É relevante que se diga que a desconcentração tanto pode ser originária, como derivada.

 A desconcentração administrativa é originária quando a distribuição dos poderes dentro


da mesma pessoa coletiva é feita diretamente pela lei

 É derivada quando é feita pela delegação de poderes – «(…) carecendo embora de permissão
legal expressa, só se efetiva mediante um ato específico praticado para o efeito pelo superior.» - F.A. p. 693

(ex.: se uma nova lei atribui a competência para conceder licença de férias para os Diretores-
Gerais quando antes era concedida aos Ministros – originária) – F.A. p. 693
(ex.: se a lei permite que os Ministros deleguem essa competência de concessão de férias aos
funcionários nos Diretores-Gerais – derivada) – F.A. p. 693

Quando a desconcentração é originária há aqui uma transferência da competência, já quando se


trata de uma desconcentração derivada, não há uma transferência de competência – há apenas
uma transferência do exercício de competência.
Como iremos ver a competência é sempre do órgão delegante, sendo que o que se transfere é,
quando muito, o exercício dessa competência – norma do CPA – artigo 49.º CPA
Portanto, num caso há transferência de competências (originária) e noutro há a transferência
apenas do exercício da competência (derivado) – a titularidade da competência mantém-se no
órgão delegante.
Para concluir o ponto da desconcentração administrativa, diga-se que a mais importante forma é
a da desconcentração territorial da Administração do Estado, que dá lugar à distinção entre
administração local, administração regional ou administração central.

«O problema da maior ou menor concentração existente não tem nada a ver com as relações entre o Estado e as
demais pessoas coletivas públicas (como sucede com o problema da descentralização): é uma questão que se põe
apenas dentro do Estado, ou apenas dentro de qualquer outra entidade pública.» - F.A. p.689

DESCENTRALIZAÇÃO
NOTA:

(Ver a questão da diferença entre a descentralização em sentido jurídico e a descentralização em sentido político-
administrativo – F.A. pp.723-725)

«A razão pela qual convém distinguir os conceitos de centralização e descentralização no plano jurídico e no plano
político-administrativo é simples de entender: é que a descentralização jurídica pode na prática constituir um véu
enganador que recobre a realidade de uma forte centralização político-administrativa.» - F.A. p. 724

Dito isto vamos ver a descentralização que é uma figura nada unívoca – é um pouco polissémica.
É certo que há, sobretudo, aqui duas noções de descentralização administrativa: uma em sentido
muito amplo e uma em sentido restrito.

Começando pelo princípio, num sentido muito amplo, a descentralização significa a repartição
de atribuições por uma pluralidade de pessoas coletivas públicas diferentes do Estado – «onde
exista uma entidade com personalidade jurídica distinta do Estado, teremos descentralização
administrativa». Portanto, parece que o critério da personalidade jurídica se configura como
necessário e suficiente nesta noção amplíssima para caraterizar o princípio da descentralização.
Se seguíssemos esta perspetiva, a descentralização corresponderia a qualquer transferência de
atribuições da organização administrativa do Estado para outros organismos administrativos
personalizados. De acordo com esta perspetiva a descentralização em sentido técnico seria um
simples instrumento de repartição de tarefas entre a Administração direta do Estado e uma
variedade de entes administrativos por ele criados e encarregues da realização de tarefas
administrativas específicas.
Este é um sentido impróprio e muito amplo.

O segundo, ainda amplo, mas mais acolhível aponta para a ideia de que a administração
descentralizada deve ser entendida como aquela em que as tarefas que não pertencem
exclusivamente aos serviços administrativos do Estado, antes se encontram repartidas em medida
considerável por outras entidades administrativas infra estaduais, desde que dotadas de algum
grau de autonomia em relação ao Estado.
Aparece aqui um segundo critério a somar ao critério da personalidade jurídica: critério de um
grau de autonomia material em relação ao Estado. Assim, não basta apenas a personalidade
jurídica própria para se falar em descentralização, mas também alguma autonomia em relação ao
Estado.
Por último, atualmente, defende-se que para que exista verdadeira descentralização, em sentido
próprio, não basta autonomia jurídica própria, a existência de património separado, nem
autonomia administrativa financeira – requer-se sobretudo que as entidades infra estaduais
tenham a capacidade para gerir autonomamente os seus assuntos.
Porque algumas destas características fazem parte da Administração indireta (como a autonomia
jurídica, administrativa e financeira) – o que a administração indireta nunca tem, e que é a matriz
da administração autónoma, é a capacidade de auto-orientação das suas medidas e o
autogoverno.
Do que acabamos de dizer, conclui-se que há vários sentidos possíveis para a descentralização
administrativa.

Ora, o mais amplo e menos exigente conceito de descentralização faz coincidir esta com
todo e qualquer exercício de funções administrativas por serviços ou organismos administrativos
não integrados na Administração central. Quer dizer que se adotássemos este sentido amplo a
descentralização não se distinguiria da desconcentração administrativa.

Um outro sentido muito amplo, mas mais restrito, abrange todas as entidades
administrativas infra estaduais com funções administrativas, mesmo que puramente instrumentais
– segundo este pensamento a descentralização corresponderia a uma descentralização em sentido
impróprio/ por serviços.

Para chegar finalmente ao conceito mais restrito (sentido originário) vemos que se equivale a
descentralização à administração autónoma – ao reconhecimento de autarquias locais e de
associações públicas.

Então qual o conceito que podemos dar de descentralização (que tem relevância para a própria
concetualização da noção de Administração autónoma)?

Hoje, a verdadeira descentralização corresponde a este último conceito referido. A


descentralização é, assim, aquele processo que dá origem a pessoas coletivas públicas com
personalidade jurídica própria, com órgãos eleitos no e pelo ente descentralizado, com as
características de autogestão de interesses próprios e que estão sujeitas a uma tutela do Estado
limitada à fiscalização da legalidade dos seus atos – neste sentido, a descentralização é o
processo de estabelecimento e alargamento das Administrações autónomas.
Assim, a concentração/ desconcentração não se confunde com a centralização/ descentralização: «… aquelas
correspondem a um processo de distribuição da competência pelos diferentes graus da hierarquia no âmbito de uma
pessoa coletiva pública, ao passo que a centralização e a descentralização assentam na inexistência ou no
reconhecimento de pessoas coletivas públicas autónomas, distintas do Estado.» - F.A. p. 690

Veja-se a este propósito as quatro combinações possíveis – F.A. p. 691

Quanto à descentralização por serviços/ descentralização em sentido impróprio esta é


também uma expressão polissémica.
É certo que se se encontrar a expressão de descentralização técnica ou descentralização
personalizada estamos a falar da mesma coisa.
Esta é um sistema em que alguns interesses públicos do Estado ou de outras pessoas coletivas
públicas primárias são postos por lei a cargo de pessoas coletivas públicas de fins singulares.
Descentralização por serviço é o processo que dá origem a entidades administrativas que
prosseguem em nome próprio interesses públicos de outra pessoa coletiva pública cujos
órgãos são designados por um ato do Governo podendo por ele ser demitidos e onde se nota uma
intervenção acentuada do Governo na sua gestão.
Por outras palavras, é o processo que dá origem à chamada Administração estadual indireta,
composta essencialmente por entes de fins singulares/ instrumentais.
A preferência pela expressão «descentralização em sentido impróprio», em vez da tradicional
expressão de «devolução de poderes» deve-se ao facto de a CRP se referir apenas à dicotomia
desconcentração / descentralização. – Artigo 267.º, n.º 2 CRP e artigo 6.º, n.º 1 CRP

«A centralização tem, teoricamente, algumas vantagens: assegura melhor que qualquer outro sistema a unidade do
Estado; garante a homogeneidade da ação política e administrativa desenvolvida no país; e permite uma melhor
coordenação do exercício da função administrativa.

Pelo contrário, a centralização tem numerosos inconvenientes: gera a hipertrofia do Estado, provocando o gigantismo
do poder central; é fonte de ineficácia da ação administrativa, porque quer confiar tudo ao Estado; é causa de elevados
custos financeiros relativamente ao exercício da ação administrativa; abafa a vida local autónoma (…); não respeita
as liberdades locais; e faz depender todo o sistema administrativo da insensibilidade do poder central (…)

Daqui decorrem, correlativamente, as vantagens da descentralização (…)

Mas a descentralização também oferece alguns inconvenientes: o primeiro é o de gerar alguma descoordenação no
exercício da função administrativa; e o segundo é o de abrir a porta ao mau uso dos poderes discricionários da
Administração por parte de pessoas nem sempre bem preparadas para os exercer.» - F.A. pp.725/726

SUBSIDARIEDADE
O princípio da subsidiariedade está expressamente previsto no artigo 6.º, n.º 1 CRP, mas é
claramente um princípio de extração comunitária – artigo 5.º TUE.
Digamos que, tentando definir este princípio dizemos que é o princípio pelo qual se atribui
preferência às Administrações infra estaduais em detrimento da Administração estadual tendo um
princípio favorável à ampliação da esfera dos poderes públicos menores à custa de uma certa
perda de poderes dos entes públicos superiores – o Estado deve ser subsidiário em relação às
Administrações infra estaduais, fundamentalmente às Administrações autónomas.
De acordo com o princípio da subsidiariedade deve entender-se que às comunidades locais e
regionais devem ser reconhecidas todas as atribuições indispensáveis à satisfação dos interesses
públicos dessas coletividades, desde que estas coletividades estejam em condições de satisfazer
com vantagem as tais necessidades gerais da coletividade em relação às demais entidades
superiores.

Quando as comunidades locais estão em melhores condições para satisfazer os interesses públicos
dos residentes daquela circunscrição (vantagens técnicas, humanas e financeiras) devem ser-lhes
fornecidas atribuições indispensáveis, necessárias e suficientes para a realização desses mesmos
interesses públicos das pessoas que vivem nessa circunscrição.

Da CRP resultam alguns princípios favoráveis a esta ampliação:

 Princípio constitucional da garantia da autonomia do poder local e regional – artigo 227.º


e 237.º CRP respetivamente

 Princípio da descentralização administrativa – artigo 267.º, n.º 2 CRP

Atente-se que não se deve fazer uma ligação direta mimética entre o princípio da descentralização
e o princípio da subsidiariedade, porque uma coisa é aquele primeiro principio e outra coisa é a
ideia de que o Estado só deve ocupar-se daquilo para que não estejam aptas a ocupar-se as
coletividades territoriais ou profissionais.
O princípio da subsidiariedade, enquanto importante princípio de repartição de tarefas
administrativas, decorre do artigo 6.º, n.º 1, que o convoca expressamente no contexto da
autoadministração local e da descentralização democrática da Administração Pública.
O princípio da subsidiariedade é autónomo quanto ao princípio da descentralização, mas são
complementares na ideia do reforço das Administrações autónomas relativamente à
Administração do Estado.

Depois do estudo dos princípios orientadores estamos em condições de abordar os conceitos e as


ideias básicas sobre a Administração direta, Administração indireta e Administração autónoma.
As pessoas coletivas de Direito Público agrupam-se no Direito Português em 2 grandes setores:

 Administração do Estado
 Administrações autónomas

Estamos no âmbito do primeiro quando nos encontramos no domínio das entidades públicas que
têm como escopo prosseguir a satisfação de interesses públicos de caráter nacional e que estão a
cargo do Estado, visto que o Estado num plano de Direito Administrativo nacional é a tal pessoa
coletiva pública primária e universal.
Quanto às administrações autónomas, importa distinguir:

 Administrações territoriais (Administração autónoma regional dos Açores e da


Madeira e Administração local)
 Administrações não territoriais (natureza associativa – associações públicas).
Dentro de cada uma delas é possível distinguir, quer dentro da Administração do Estado, quer
dentro das autónomas, uma Administração direta e uma indireta, sendo que o que as
distingue é: conforme a ação administrativa seja levada a cabo pelos serviços diretos é
administração direta, se for levada a cabo por entidades instrumentais dependentes daquelas
devemos falar numa Administração indireta.

Em que consiste cada uma delas?

 Administração direta
NOTA: nós vamos ver em que consiste cada uma delas por referência à Administração do Estado
– MAS NÃO É SÓ O ESTADO QUE TEM ADMINISTRAÇÃO DIRETA E INDIRETA

Enquadra-se dentro da Administração direta do Estado toda a atividade administrativa levada a


cabo pelos próprios serviços administrativos do Estado, sob a direção do Governo, embora
repartida por tantos departamentos quantos ministérios.
Os serviços administrativos, ao nível da administração direta, são organizados de forma
piramidal, o que significa que a relação que se estabelece entre os vários órgãos que a compõem
é uma relação hierárquica (pontifica na Administração direta um poder de direção do superior
hierárquico e o dever de obediência do subalterno).
«h) Instrumentalidade: a administração do Estado é subordinada, não é independente nem autónoma. Constitui um
instrumento para o desempenho dos fins do Estado. É por isso que a Constituição submete a administração direta do
Estado, civil e militar, ao poder de direção do Governo (art. 199.º, alínea d))» – FA p. 202

Dentro da Administração direta do Estado vamos encontrar órgãos centrais, cuja competência se
estende a todo o território nacional (direções gerais e ministérios – Administração central do
Estado), mas vamos também encontrar órgãos locais ou regionais (Administração periférica do
Estado) – (não confundir com a administração autónoma regional ou local propriamente dita).

NOTA: Na linguagem corrente a expressão «Administração central» costuma ser utilizada no


sentido amplo de modo a abranger toda a Administração estadual, seja ela direta ou indireta, por
contraposição à Administração regional das Regiões Autónomas e à Administração local das
autarquias locais.
 Administração indireta
Podemos começar por dizer que a Administração indireta do Estado é aquela que é realizada por
conta do Estado, mas por intermédio de outros entes administrativos que não o Estado.
É a prossecução de atribuições de uma entidade administrativa por intermédio de outra
entidade administrativa, só que a primeira é a Administração «mãe» e a segunda é a
Administração instrumental/ de fins específicos/ indireta.
«(…) o Estado confia a outros sujeitos de direito a realização dos seus próprios fins. É a isto que se chama
administração indireta do Estado, ou «administração estadual indireta»: administração estadual, porque se trata de
prosseguir fins do Estado; indireta, porque não é realizada pelo próprio Estado, mas sim por outras entidades, que
ele cria para esse efeito na sua dependência.» - FA p. 299

A Administração indireta é o conjunto das entidades públicas que desenvolvem com


personalidade jurídica própria e autonomia administrativa e financeira (mas sob controlo do
Estado) uma atividade administrativa destinada à realização dos interesses públicos
personificados no Estado – FA p. 299
Se quiséssemos encontrar algum fundamento para esta Administração estadual indireta – deu-se
pelo constante alargamento e complexificação da vida administrativa, o que acabou por reclamar
a constituição de pessoas coletivas públicas auxiliares do Estado com vista à prossecução em
nome próprio de certos fins, designadamente de natureza técnica, económica, social e cultural na
convicção de que seriam melhor realizados num clima de relativa autonomia em relação ao
Governo (enquanto órgão administrativo).
Trata-se de autênticas criações instrumentais do Estado – são ficções jurídicas, na medida em que
não correspondem a nenhuma coletividade ou agrupamento infra estadual.

Quais são as características desta Administração indireta?


O que carateriza os entes públicos agrupados na Administração indireta do Estado é o facto de:

 Não prosseguirem interesses públicos próprios, mas interesses da Administração «mãe»

 Não definirem a sua própria orientação (hétero determinada pela entidade mãe)

 As respetivas atribuições e poderes também não são da sua autoria. De certa maneira a
Administração indireta (ainda é estadual, na medida em que as suas tarefas ainda são do
Estado), não obstante estas entidades atuam por órgãos próprios e, apesar de ser pelo
interesse do Estado, estas fazem-no em nome próprio.

 Têm personalidade jurídica própria

 Têm património próprio

 Têm pessoal próprio

 Praticam atos administrativos


Nesta medida gozam de autonomia administrativa, uma vez que podem tomar as suas próprias
decisões, que são diretamente impugnáveis perante os tribunais administrativos.
 Têm autonomia financeira, na medida em que realizam as suas próprias despesas, cobram
receitas próprias e organizam as suas contas

No entanto, a Administração indireta, sendo instrumental e dependente, portanto, do Estado, está


sujeita a formas de orientação e controlo por parte do Estado, o que se justifica, porque o Estado
pretende assegurar que a atuação destas entidades se conforme, não só com as suas orientações,
mas com os seus próprios fins.

Esta dependência reveste duas formas:

 Por um lado, através da superintendência – que consiste nas orientações, recomendações,


diretivas e fixação de prioridades de ação dadas aos entes que compõem a administração
indireta;
 Por outro lado, consiste num controlo preventivo ou sucessivo, não só da sua atividade,
mas também do mérito da sua atividade

«É também caraterística essencial da administração estadual indireta a sua sujeição aos poderes de superintendência
e tutela do Governo …» - FA p. 304

No Direito Administrativo português há várias espécies e organismos que pertencem à referida


Administração indireta do Estado: distingue-se dentro desta os institutos públicos e as empresas
públicas.
«A separação entre institutos públicos e empresas públicas, que julgamos fundada em bons argumentos de ordem
jurídica, baseia-se também na distinção – hoje definitivamente consagrada na terminologia económica e financeira –
entre o setor público administrativo (SPA) e o setor público empresarial (SPE)» - FA pp. 307 e 308

NOTA: FENÓMENO PERVERSO – na medida em que é possível que o Estado encarregue do


desempenho de tarefas administrativas suas, não um ente instrumental propositadamente criado,
mas uma entidade já existente e pertencente à Administração autónoma.

(ex.: o Estado encarregar as autarquias locais (municípios) do desempenho de funções que são
suas e cuja titularidade o Estado não quer perder)

Estamos perante uma forma de Administração indireta sobre as autarquias locais, na medida em
que o Estado mantém uma função de orientação semelhante à exercida sobre os seus entes
instrumentais (fazem parte da Administração direta).
Assim, muitas vezes, chama-se perversamente «descentralização» a fenómenos como este, em
que o Estado encarrega do desempenho de tarefas administrativas que são suas não um ente
instrumental, que faz parte da Administração indireta, mas um ente da Administração autónoma,
chamando-lhe «descentralização» – viola-se aqui a matriz da administração autónoma de auto-
orientação das suas decisões.
Na realidade, o que se está a transferir nem são atribuições, mas sim competências que o Estado
não quer perder, que em bom rigor deveriam ser levadas a cabo por entidades que constituem a
Administração indireta do Estado

PREVERSÃO DE CONVERTER A ADMINISTRAÇÃO AUTÓNOMA EM


ADMINISTRAÇÃO INDIRETA

É também necessário ter em conta que nem só o Estado pode ter Administração indireta. Quem
diz Administração indireta do Estado, diz Administração indireta das demais entidades de fins
públicos – também as Regiões Autónomas e as autarquias locais têm administração indireta,
também podem destacar certas das suas atribuições e volvê-los para organismos criados para o
efeito, que ficam depois sobre a sua orientação.

 LEI QUADRO DOS INSTITUTOS PÚBLICOS (LEI 3/2004, 15 de janeiro) – logo


num dos seus primeiros artigos dá uma resposta normativa a esta questão.

Artigo 2.º - verificamos que a Administração indireta não é o monopólio da


Administração do Estado.
Aqui a diferença é que os segundos só podem criar empresas públicas municipais
(resultou em grande medida da privatização dos serviços municipalizados)

Para concluir este ponto poderíamos dizer que também podem ser titulares da Administração
indireta quase todas as entidades administrativas (Estado; RA, autarquias locais, associações
públicas, institutos públicos podem ter na sua dependência outros institutos públicos etc.)

(ex.: as universidades são em regra institutos públicos autónomos – nós podemos considerar,
visto que tem uma estrutura federal constituída por várias unidades orgânicas (faculdades),
poderíamos considerar as Faculdades como sub institutos públicos, enquanto integrantes do
instituto público «mãe» que é a Universidade)

 Administração autónoma
Enquanto a Administração direta ou indireta do Estado prossegue interesses próprios da
coletividade nacional, as administrações autónomas, como expressão da autoadministração das
coletividades que representam, estão organizadas segundo princípios eletivos e representativos,
cuidando de interesses específicos dessas comunidades.
«A administração autónoma é aquela que prossegue interesses públicos próprios das pessoas que a constituem e por
isso se dirige a si mesma, definindo com independência a orientação das suas atividades, sem sujeição a hierarquia
ou a superintendência do Governo.» - FA p. 360
Características das entidades que pertencem Administração autónoma:

 Prossecução de interesses públicos específicos


 Representatividade dos seus órgãos
 Autoadministração – sem dependência de qualquer instrução ou orientação heterónoma

O fundamento, ao contrário da Administração indireta, da Administração autónoma está no


reconhecimento das especificidades dos interesses de certas coletividades. No fundo, o
fundamento da Administração autónoma assenta no reconhecimento da capacidade de
autoadministração dessas coletividades infra estaduais, obedecendo ao objetivo da
democratização pública – A Administração autónoma assenta no reconhecimento de um certo
pluralismo social das coletividades contemporâneas.

Se quiséssemos oferecer uma definição de Administração autónoma diríamos que consiste


na administração de interesses públicos próprios de certas coletividades ou formações sociais
infra estaduais (natureza territorial ou profissional) por intermédio de pessoas coletivas públicas
territoriais ou de associações de Direito Público dotadas de poderes administrativos, que exercem
sobre responsabilidade própria, sem sujeição a qualquer poder de direção ou de superintendência
do Estado (nem sequer há tutela do mérito – há quando muito tutela de mera legalidade).
«O único poder que constitucionalmente o Governo pode exercer sobre a administração autónoma é o poder de tutela
(alínea d) do artigo 199.º, n.º 4 do artigo 229.º e artigo 242.º da Constituição), que (…) é um mero poder de fiscalização
ou controlo, que não permite dirigir nem orientar as entidades a ele submetidas.» - FA p. 361

Daqui decorrem os elementos constitutivos do conceito de Administração autónoma, elementos


esses que são cumulativos:

 Terá de existir uma coletividade territorial dotada de especificidade dentro da


coletividade nacional global
Isto significa que a Administração autónoma é a administração dos assuntos de certa coletividade
por ela própria – ela pressupõe um agrupamento ou coletividade infra estadual investido de
funções administrativas.
A ideia de agrupamento pressupõe uma comunidade de interesses e uma certa homogeneidade
entre os seus elementos, pelo que devem partilhar de uma característica comum relevante sob o
ponto de vista das tarefas administrativas em causa.

(ex.: as autarquias locais devem partilhar o elemento comum da residência, as associações


públicas profissionais da profissão)

 Prossecução de interesses públicos específicos dessa coletividade infra estadual


Está implícita a ideia de uma distinção material das tarefas coletivas do Estado e as tarefas
administrativas específicas de uma determinada coletividade infra estadual, consideradas como
interesses próprios dessas coletividades territoriais ou formações sociais.
Tarefas próprias são aquelas que tem especificamente a ver com os interesses da coletividade
em causa, e que podem ser destacadas e geridas autonomamente em relação às tarefas públicas
gerais da coletividade nacional e que, portanto, não estão nem devem estar confiadas à
Administração do Estado.

 Administração autónoma quer dizer Administração pelos próprios administrados,


seja diretamente, seja por intermédio dos seus representantes – significa autogoverno

 Essencial ao conceito de Administração autónoma é a ideia de que os respetivos órgãos


gozam de autonomia em face ao Estado e estabelecem mesmo a sua própria
orientação/ esfera de ação

Estão livres de instruções/ orientações estaduais (à margem de qualquer controlo de mérito) e


atuam sobre responsabilidade própria

Na esfera da sua liberdade de ação, os órgãos da Administração são naturalmente responsáveis


perante a respetiva coletividade e não perante o Governo. Sob pena de deixar de ser
Administração autónoma tem de supor sempre uma certa medida de autodeterminação e uma
contenção do controlo estadual.

Para concluir este ponto diríamos que a Administração autónoma NÃO QUER DIZER
INDEPENDÊNCIA ABSOLUTA, porque a administração autónoma está sempre sujeita a tutela
estadual – 242.º, 199.º, d), 267.º, n.º 2 CRP

Limitada ao controlo da mera legalidade – está excluída a superintendência e a tutela do


controlo de mérito

Se pretendermos traçar uma linha distintiva entre Administração autónoma e a Administração


estadual indireta, podemos dizer que na primeira os entes dão a si próprios uma orientação
político-administrativa que não lhes é definida pelo Estado, ao passo que na Administração
indireta o Estado orienta a sua ação através da emissão de diretivas.
A administração autónoma tem um controlo apenas de mera legalidade, ao passo que na
administração indireta podemos ter não só o controlo de mera legalidade, mas também de mérito,
conveniência, etc.
Por último, quanto à Administração autónoma temos autogoverno; já na administração indireta
os órgãos dirigentes são nomeados pela administração principal, sendo responsáveis perante ela,
que os pode destituir.
Quanto à Administração autónoma há dois tipos distintos:

 Administração autónoma territorial – o território faz parte da sua definição; do


substrato das respetivas instâncias

 Administração autónoma funcional/ corporativa/ não territorial/ associativa – o


território não é relevante na definição do substrato das pessoas que o integram

O que não significa que seja indiferente, na medida em que é possível que determinadas
entidades tenham um âmbito territorialmente limitado – o que sucede nestes casos é que
o território não é o único critério na definição do substrato pessoal, nem sequer o principal
critério (ao contrário da administração autónoma territorial)

A autonomia que caracteriza a Administração autónoma pode assumir várias dimensões,


chamando-se à atenção que não são todas elas obrigatórias e que algumas são comuns à
Administração indireta:

 Autonomia jurídica – estabelece-se um centro de imputação de relações jurídicas, de


direitos e deveres, de património pessoal e órgãos próprios

 Autonomia administrativa – possibilidade de realizar atos administrativos suscetíveis


de impugnação direta contra os atos em via contenciosa

 Autonomia financeira – garantia de receitas próprias e capacidade de as afetar segundo


um orçamento próprio – pode compor-se numa autonomia patrimonial, orçamental, de
tesouraria, creditícia, normativa

 Autonomia disciplinar interna

 Autonomia sancionatória

 Autonomia organizatória

 Autodeterminação – EXCLUSIVA DA ADMINISTRAÇÃO AUTONOMA

 Autogoverno (com aplicação rigorosa do princípio democrático) – EXCLUSIVA DA


ADMINISTRAÇÃO AUTONOMA

Portanto, saliente-se, para terminar, que algumas destas dimensões da autonomia encontram-se
também na Administração indireta, como é o caso das três primeiras, contudo nunca dispõe de
autodeterminação e de autogoverno (que são elementos caraterizadores da Administração
autónoma – sendo nestes dois elementos que reside a diferença específica entre a uma associação
pública e um instituto público, entre uma Administração autónoma e uma Administração indireta)
Hierarquia, superintendência e tutela

São relações jurídicas que se estabelecem. A hierarquia é uma relação interorgânica (entre
órgãos da mesma pessoa coletiva), ao passo que a superintendência e a tutela são relações
intersubjetivas (entre órgãos de pessoas coletivas distintas).
Nos termos do artigo 199.º, alínea d) da CRP compete ao Governo, no exercício da sua função
administrativa, e como órgão superior da Administração Pública

 Dirigir os serviços e a atividade da administração direta do Estado


 Superintender da administração indireta
 Exercer a tutela sobre esta e sobre a administração autónoma

Só que a tutela que se exerce sobre estas administrações são distintas. Enquanto que sobre a
administração indireta exerce tutela de legalidade e tutela de mérito, na administração autónoma
não existe tutela de mérito, mas sim de mera legalidade (de fiscalização da legalidade e
juridicidade dos atos praticados pela entidade tutelada).

HIERARQUIA
É o modelo de organização administrativa vertical constituído por 2 ou mais órgãos que
prosseguem atribuições comuns, uma vez que são órgãos da mesma pessoa coletiva pública
– órgãos esses ligados por um vínculo jurídico (relação hierárquica) que confere ao superior
hierárquico o poder de direção e o ao subalterno o dever de obediência. – F.A. p. 667

«Por outro lado, o modelo hierárquico carateriza-se pelos seguintes traços específicos:

a) Existência de um vínculo entre doi ou mais órgãos e agentes administrativos (…)


b) Comunidade de atribuições entre os elementos da hierarquia (…)
c) Vínculo jurídico constituído pelo poder de direção e pelo dever de obediência (…)» - F.A. p. 668

O poder típico da relação hierárquica é o poder de direção que consiste no poder de emanar
comandos vinculativos a todos os órgãos subordinados. Esses comandos podem ser específicos
para uma situação concreta e individualizada (ORDENS) ou podem gozar de aplicação
generalizada e abstrata para situações futuras (INSTRUÇÕES). O superior também não está
impedido de emanar diretivas sobre os subalternos, conferindo, assim, ao subalterno uma certa
margem de discricionariedade para o cumprimento desses objetivos pré-determinados. – F.A. – p.
674

NOTA: O poder de direção não carece de consagração legal expressa – trata-se de um poder
inerente ao desempenho de funções de chefia do superior hierárquico. «Ou seja, não é necessário que
a lei refira explicitamente a existência desse poder para que o superior disponha da faculdade de dar ordena ou
instruções: essa competência decorre da própria natureza das funções do superior hierárquico.». – F.A. pp. 674/675

O poder de direção confere ao superior o poder de emanar comandos vinculativos sobre todas as
áreas de competência do órgão subalterno, mesmo que este goze de discricionariedade e pode
emanar comandos vinculativos, mesmo naquelas situações em que o superior não tem
competência para realizar atos externos (matérias em que o subalterno tem uma competência
exclusiva) – AO PODER DE DIREÇÃO CORRESPONDE UM DEVER DE OBEDIÊNCIA
Aula n.º 12 – 02-11-2020 – ‘8. A Administração do Estado. O Governo como órgão superior da Administração
pública estadual e a organização central dos Ministérios. Os serviços periféricos da Administração do Estado. 9. A
Administração autónoma regional. Residualidade da Administração "periférica" do Estado nas Regiões
Autónomas.’.

«O «dever de obediência» consiste na obrigação de o subalterno cumprir as ordens ou instruções dos seus legítimos
superiores hierárquicos, dadas em objeto de serviço e sob a forma legal.» - F.A. p. 681

Este dever de obediência, para existir, é necessário que se reúnam 3 requisitos cumulativos –
artigo 271.º, n.º 2 CRP:

 Que as ordens emanadas resultem de um legítimo superior hierárquico


 Que incidam sobre matéria de serviço
 E com forma legal

No entanto, deve ter-se em consideração que não existe o dever de obediência quando a
ordem ou a instrução implique a prática de um crime. Neste caso decai o dever de obediência –
artigo 271.º, n.º 3 CRP. Ou então quando provenha de um ato nulo, nos termos dos artigos 161.º
CPA (enumera as situações que conduzem à nulidade) e 162.º CPA (define o regime jurídico).
Portanto, só nestas duas situações é que não há dever de obediência. Em todas as restantes
situações haverá sempre dever de obediência, mesmo que as ordens e instruções sejam
ilegais (a menos que se traduzam na prática de um crime, ou que provenham de um ato nulo/
inexistente, onde o ato padece de um vício evidente e grave). Assim, na generalidade dos casos,
mesmo que a atuação da Administração seja ilegal, há dever obediência.

O que é que sucede para que o subalterno fique excluído da responsabilidade civil perante
terceiros?

O que ele deve fazer é reclamar ou exigir a confirmação da ordem por escrito, fazendo
expressa menção de que a considera ilegal e, mesmo com a menção de cumprimento imediato,
basta que a reclamação com a opinião sobre a ilegalidade da ordem seja enviada imediatamente
após a execução do ato por parte do órgão subalterno.
Para o subalterno ficar isento de qualquer responsabilidade civil perante terceiros lesados, este
deve reclamar ou exigir a confirmação da ordem, chamando expressamente à atenção de que, na
sua opinião, aquele ato padece de ilegalidade.

«(…) o superior hierárquico é, e tem de ser, o «responsável pela totalidade da função». Por isso há-de poder assegurar,
no âmbito do serviço que lhe está confiado, a unidade da ação administrativa.

Ora, esta não se consegue apenas com o poder de direção (…)» - F.A. p. 674

Para além do poder de direção o superior hierárquico goza de outros poderes: poder de
supervisão.
O poder de supervisão é um poder quase hierárquico: forma de relacionamento interorgânico
em que o órgão supervisionante não pode dar ordens sobre o órgão supervisionado, mas pode
atuar sobre os atos deste, designadamente, anulando-os.
«(…) consiste na faculdade de o superior revogar, anular ou suspender os atos administrativos praticados pelo
subalterno.» - F.A. p. 675

(ex.: relação entre a Câmara Municipal e os membros desta individualmente considerados)

Este poder de supervisão pode ser acionado ex officio (por iniciativa do superior), ou mediante
solicitação do interessado através de um recurso hierárquico – artigos 184.º e seguintes e 193.º e
seguintes CPTA

Goza ainda de poder de inspeção: que se traduz no poder de fiscalizar o funcionamento dos
subalternos e o funcionamento dos serviços. «É um poder instrumental em relação aos poderes de direção,
supervisão e disciplinar: pois é com base nas informações recolhidas através do exercício do poder de inspeção que o
superior hierárquico decidirá usar ou não, e em que termos, esses três poderes principais.» - F.A. p. 676

Tem também poder disciplinar: traduz-se na possibilidade de o superior hierárquico punir o


subalterno mediante a aplicação de sanções previstas na lei, em consequência das infrações à
disciplina da função pública cometidas.

Tem ainda o poder de decidir recursos hierárquicos, isto é, o poder de reapreciar os casos
anteriormente decididos pelo subalterno, podendo, nos termos do artigo 197.º CPA, confirmar ou
anular o ato (em caso de competências exclusivas), mas se a competência for concorrente, pode
também nos termos do artigo 197.º, n.º1, 2ª parte, revogá-lo, modificá-lo ou substituí-lo, ainda
que em sentido desfavorável ao recorrente. «Recurso hierárquico»

Tem ainda o poder de decidir conflitos de competências: traduz-se na faculdade de o


superior declarar, em caso de conflito positivo ou negativo entre os seus subalternos, a qual
deles pertence a competência conferida por lei – artigos 51º e 52.º CPA
Para concluir este ponto sobre a hierarquia, dir-se-ia que as relações de hierarquia são comuns à
organização interna de todos os tipos de Administração, seja estadual, autónoma, direta ou
indireta. Todavia, podem variar de caso para caso o grau e a intensidade dos poderes hierárquicos.

«(…) a superintendência difere também do poder de direção, típico da hierarquia, e é menos forte do que ele, porque
o poder de direção do superior hierárquico consiste na faculdade de dar ordens ou instruções, a que corresponde o
dever de obediência a umas e outras, enquanto a superintendência se traduz apenas numa faculdade de emitir diretivas
ou recomendações.» - F.A. p. 746

SUPERINTENDÊNCIA

A superintendência é uma relação jurídica intersubjetiva (envolve a relação entre órgãos de


pessoas coletivas públicas distintas).
A superintendência é o poder conferido ao Estado, exercido sempre pelo Governo ou outra pessoa
coletiva pública de fins múltiplos (pessoas coletivas públicas primárias ou necessárias –
autarquias locais e Regiões Autónomas), poder esse que se traduz no poder de definir objetivos e
guiar a atuação das pessoas coletivas públicas de fins singulares colocadas por lei na sua
dependência. – F.A. p. 744
Já vimos que o Estado tem uma Administração indireta (institutos públicos e empresas públicas),
como também a Administração autónoma regional pode ter institutos públicos regionais e
empresas públicas regionais – e até a Administração autónoma local, mas apenas circunscrita às
empresas públicas municipais, não podendo ter institutos.
Portanto, qualquer destas pessoas coletivas públicas primárias têm administração indireta sobre a
qual é exercido este poder em que se traduz a superintendência.
Trata-se, pois, de um poder de orientação, ou seja, de um poder de emitir diretivas e
recomendações sobre a prossecução das atribuições das entidades que lhes estão sujeitas – é
natural que assim seja, porque se estas entidades prosseguem fins que, em bom rigor, pertencem
à Administração mãe, é natural que juridicamente esta seja dotada de poderes de controlo – por
um lado a superintendência e, como veremos a seguir, a tutela.
Ainda na superintendência pode dizer-se que é a típica relação jurídica que na sequência de um
processo de descentralização em sentido impróprio/ por serviços/ devolução de poderes, passa a
ligar o Estado à Administração estadual indireta, embora também exista neste âmbito tutela
administrativa.
Para concluir, pode dizer-se que a superintendência faz parte integrante da noção de
Administração indireta, pelo que não precisa de estar expressamente prevista por lei em cada
caso.
«E à superintendência, (…) damos um outro sentido (…) – o de poder de definir a orientação da atividade a desenvolver
pelas pessoas coletivas públicas que exerçam formas de administração indireta.» - F.A. p. 746

TUTELA
Quanto à tutela, em sentido amplo, consiste no conjunto de poderes de controlo e intervenção de
uma pessoa coletiva pública na gestão de uma outra pessoa coletiva pública, no sentido de
assegurar a legalidade e/ou o mérito da sua atuação.

Desta definição resultam, desde logo, algumas caraterísticas – F.A. p. 729:

 A relação jurídica tutelar pressupõe a existência de duas pessoas coletivas públicas


distintas: a pessoa coletiva pública tutelar e a pessoa coletiva pública tutelada;

 O fim da tutela administrativa é assegurar, em nome da entidade tutelar, que a entidade


tutelada cumpra as leis em vigor (tutela de mera legalidade) e, caso a lei o permita,
garantir que sejam adotadas as medidas mais convenientes e oportunas para a prossecução
de interesses públicos.
Quanto ao fim:

A tutela é de legalidade quando visa controlar a legalidade das decisões da entidade tutelada.

A tutela é de mérito quando visa controlar a conveniência/ a oportunidade, que pode ser de
natureza administrativa, técnica ou financeira, das decisões da entidade tutelada.

Portanto, a tutela ao contrário da superintendência, tanto se exerce sobre a Administração indireta


como sobre a Administração autónoma. Porém são distintos, nos dois casos, o fim e a intensidade
da tutela:

 Na Administração autónoma a tutela é, em regra, limitada à tutela de legalidade e é


menos intensa que na Administração indireta.

 Na Administração indireta a tutela, além de controlar a legalidade, incide também


sobre o mérito da ação administrativa e é frequentemente muito intensa, ainda que seja
variável o grau da sua intensidade.

É de notar que a tutela que o Governo exerce sobre as autarquias locais, quando estejam em causa
apenas atribuições exclusivas das autarquias locais, é apenas uma tutela de mera legalidade
– artigo 242.º, n.º 1 CRP – devendo ser inconstitucionais as disposições legais que alarguem no
âmbito das atribuições próprias das autarquias os poderes de intervenção do Governo.
Pode, no entanto, haver tutela de mérito sobre institutos públicos e empresas públicas. F.A. p. 731

Assim, quanto ao fim, a tutela pode ser de legalidade ou de mérito.

Quanto ao conteúdo a tutela pode ser:

 Inspetiva: poder de fiscalizar a organização e o funcionamento dos órgãos ou serviços


e ainda os documentos e as contas da entidade tutelada
 Integrativa: poder de emitir pareceres vinculantes e, especialmente, o poder de autorizar
ou aprovar os atos da entidade tutelada;
 Sancionatória: poder de aplicar sanções administrativas por irregularidades que tenham
sido detetadas pela entidade tutelar;
 Revogatória: poder de anular ou revogar os atos administrativos praticados pela
entidade tutelada;
NOTA: este poder, se se quiser manter nos limites constitucionais, dever-se-ia manter, quanto
muito, no poder de anular, e nunca de revogar

 Substitutiva: poder de a entidade tutelar suprir as omissões das entidades tuteladas,


praticando, em vez e por conta delas, essas operações necessárias
No que respeita em especial à tutela integrativa há que distinguir a autorização (a priori –
intervém antes da prática do ato) da aprovação (a posteriori – intervém depois da prática do
ato).
INTEGRATIVA

Isto quer significar que a autorização é, portanto, uma condição/ requisito do exercício da
competência e, por isso, um requisito da validade do ato; ao passo que a aprovação é apenas
uma condição da eficácia deste (para produzir efeitos jurídicos externos ele carece de aprovação).
Assim, se a entidade tutelada praticasse um ato sem a prévia autorização da entidade tutelar, o ato
padecia de um vício, visto que não se tinha cumprido um requisito de validade do ato. Por outro
lado, a ausência de aprovação é tão-somente um requisito de eficácia do ato. – F.A. pp. 732-734

Portanto, é de notar que relativamente às autarquias locais e, em geral, às demais formas da


Administração autónoma, só são aceitáveis, em geral, especialmente quando estejam em causa
atribuições exclusivas dos entes autónomos, as duas primeiras modalidades de tutela (inspetiva e
integrativa – esta última, unicamente desde que cumpridos os necessários requisitos). Em regra,
o legislador confina-se à tutela de cariz inspetivo.
Não obstante, a CRP estabelece uma tutela mais limitada relativamente às autarquias locais
(artigo 242.º CRP), no sentido de não poder envolver o mérito, a oportunidade e a conveniência
da atividade administrativa, mas tão somente a legalidade e a correção jurídica da atuação dos
entes tutelados.
Entende-se que isto deve estender-se a todas as outras entidades da Administração autónoma,
designadamente a Administração autónoma não territorial, de cariz associativo – associações
públicas profissionais/ ordens profissionais.
Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, onde está
previsto uma tutela de mera legalidade relativamente às associações públicas – artigo 45.º

ATENÇÃO: apesar de a tutela ser de mera legalidade pode, no entanto, admitir-se que a tutela
verse sobre o mérito da atividade desenvolvida pelo ente autónomo – certa contração da esfera de
autonomia deste ente autónoma.
Mas esta tutela de mérito, a existir a título excecional, seria sempre diferente da tutela de mérito
que se exerce pela administração principal relativamente às entidades que fazem parte da
administração indireta.
Neste caso é caso é apenas destinada a verificar se os atos praticados pelo ente autónomo não
prejudicam interesses relevantes gerais (de âmbito mais nacionais), mas não pode, em todo o caso,
incidir sobre a bondade ou correção das opções tomadas dentro da liberdade de conformação do
ente administrativo autónomo.

Aqui digamos que o controlo de mérito excecional, a admitir-se, era só para ver se o interesse
público local não estaria a diminuir ilicitamente um interesse público de maior âmbito – nunca
incide sobre a oportunidade e conveniência de uma determinada opção tomada pelo ente
autónomo.
«Temos aqui, portanto, três realidades distintas:

a) A administração direta do Estado: o Governo está em relação a ela na posição de superior hierárquico,
dispondo nomeadamente do poder de direção;
b) A administração indireta do Estado: ao Governo cabe sobre ela a responsabilidade da superintendência,
possuindo designadamente o poder de orientação;
c) A administração autónoma: pertence ao Governo desempenhar quanto a ela a função da tutela
administrativa, competindo-lhe exercer em especial um conjunto de poderes de controlo.» - F.A. p. 745

Outra questão que se pode colocar aqui é: tem sentido existir uma norma na CRP (artigo 242.º)
que permita ao Estado, por intermédio do Governo, exercer a tutela de legalidade da fiscalização
da legalidade de correção jurídica dos atos praticados por um ente autónomo?

Num Estado juridicamente culto, a competência deveria ser dos tribunais, e não à administração
do Estado. Quem diz a última palavra quanto à legalidade e juridicidade da atuação administrativa
são os tribunais.
Em puridade jurídica esta competência nunca deveria ser própria da Administração do Estado,
nem que se trate da Administração central.
Esta necessidade de uma tutela de legalidade, não deveria competir, numa situação de
normalidade jurídica e democrática à Administração do Estado.

Para concluir, dir-se-ia que só há tutela quando e nas formas previstas na lei - «pas de tutele
sans texte» – NÃO HÁ TUTELA SEM BASE LEGAL.

NOTA: A superintendência «É, pois, um poder mais amplo, mais intenso, mais forte, do que a tutela administrativa.
Porque esta tem apenas por fim controlar a atuação das entidades a ela sujeitas, ao passo que a superintendência se
destina a orientar a ação das entidades a ela submetidas». – F.A. p. 744

Depois de analisar os conceitos fundamentais da organização administrativa estamos, portanto,


capacitados para passar a analisar em concreto o caso português.

Suspensão reflexiva sobre a arquitetura territorial da organização administrativa:


Uma das caraterísticas fundamentais da organização administrativa num Estado territorialmente
descentralizado como nosso é a existência, abaixo da administração estadual, de vários níveis
de administração infra estadual dotados de autonomia e independência em relação àquela.
No caso português existe, portanto, abaixo da administração do Estado, a Administração regional
dos Açores e da Madeira e a Administração regional autónoma representada pelas autarquias
locais.
Quanto às ilhas existem 3 níveis de administração territorial, ao passo que no continente só
existem 2.
Enquanto que no continente, por enquanto, temos apenas dois níveis de administração territorial,
na administração autónoma regional temos 3 níveis:

 Administração autónoma regional


 Administração autónoma local
 Administração regional periférica do Estado – mantêm-se alguns órgãos e serviços do
Estado nas Regiões Autónomas – ex.: forças de segurança, Universidades e politécnicos

Por outro lado, como as administrações territoriais de nível superior podem ter serviços
territorialmente desconcentrados (em circunscrições regionais ou locais), dá-se uma coabitação
territorial dos serviços dos vários níveis de administração territorial:

 ASSIM, os serviços locais do Estado – uma escola, uma repartição de finanças, a


polícia, etc. coexistem dentro da mesma circunscrição com os serviços de administração
municipal.
 Os serviços regionais do Estado, localizados nas Regiões Autónomas, coexistem com os
serviços de Administração das próprias Regiões.

Bibliografia:
FREITAS DO AMARAL, Curso..., op. cit., pp. 689-692, 723-728 e 741-749; VITAL MOREIRA, Administração
Autónoma..., op. cit., pp. 142-159; FREITAS DO AMARAL, Curso..., op. cit., 193-206, 297-308 e 359-362; VITAL
MOREIRA, Administração Autónoma..., op. cit., pp. 104-126, 137-142 e 167-170; FREITAS DO AMARAL,
Curso..., op. cit., pp. 211-236, 243-245 e 281-296; VITAL MOREIRA, Administração Autónoma..., op. cit., pp. 206-
219; FREITAS DO AMARAL, Curso..., op. cit., pp. 665-688, 729-740 e 744-750
Aula n.º 13 – 03-11-2020 – ‘Continuação da aula anterior. 11. Administração indireta das autarquias locais.
12. A tutela estadual sobre as autarquias locais. Da delimitação da tutela quanto ao fim à falta dela quanto aos
meios, desde que compatíveis com o princípio constitucional da autonomia local.’

Administração do Estado
Depois de analisar os conceitos fundamentais da organização administrativa, estamos em
condições de passar a analisar em concreto o caso português, começando naturalmente pela
Administração do Estado.
«c) Na terceira – aceção administrativa -, o Estado é a pessoa coletiva pública que, no seio da comunidade nacional,
desempenha sob a direção do Governo, a atividade administrativa.» - FA p. 194

Dentro da Administração do Estado, começaremos pela Administração direta (composta pela


Administração central e periférica/ regional ou local do Estado) e, dentro desta, a Administração
central.

Administração
central

Administração Direta
Administração
Periférica/ Regional
ou Local do Estado
Administração do
Estado

Empresas Públicas

Administração
Indireta

Institutos Públicos

ADMINISTRAÇÃO DIRETA
«… é a atividade exercida por serviços integrados na pessoa coletiva Estado» - FA p. 200

CENTRAL
«O que mais releva, no plano administrativo, é a orientação superior do conjunto da administração pública do
Governo (CRP, art. 199.º, alínea d)), é a distribuição das competências pelos diferentes órgãos centrais e locais, e é a
separação entre o Estado e as demais pessoas coletivas públicas – regiões autónomas, autarquias locais, institutos
públicos, empresas públicas, associações públicas.» - FA p. 194

Nesta perspetiva, o primeiro objeto de análise será o Governo como órgão superior da
Administração Pública estadual – artigo 182.º e seguintes da CRP, competindo ao Governo,
enquanto órgão administrativo, nos termos do artigo 199.º CRP:

 Garantir a boa execução das leis – alíneas c) e e)


 Assegurar o bom funcionamento da Administração Pública – alíneas a) e d)
 Promover a satisfação das necessidades coletivas (interesses públicos) – alínea g)
O Governo exerce a sua competência de forma colegial, através do Conselho de Ministros, ou
individualmente, através dos vários membros do Governo, a começar pelo Primeiro Ministro.
Entende-se normalmente que a atuação colegial do Governo só necessária naqueles casos em que
a lei expressamente tal impõe. Na verdade, nos termos do artigo 38.º do DL 169-B/2019, de 3 de
dezembro que aprova a lei orgânica do Governo, o Conselho de Ministros reúne ordinariamente
todas as semanas às quintas feiras.
Na verdade, a estrutura da Administração é ministerial ou departamental, sendo cada Ministério
uma espécie de organização relativamente autónoma e separada dos demais. Os ministros, por
sua vez, são os vértices da pirâmide administrativa de cada ministério, dispondo de poderes
regulamentares e sancionatórios e cabendo-lhes ainda os poderes de direção e supervisão sobre a
correspondente Administração direta, bem como os poderes de tutela e superintendência da
Administração indireta.
Em termos de Direito Administrativo, embora os ministérios sejam formalmente órgãos, a
verdade é que enquanto departamentos da Administração central do Estado, são frequentemente
equiparados a pessoas coletivas distintas para certos efeitos, de tal modo que, por exemplo, a
violação da esfera de ação de cada Ministro vale como incompetência absoluta, e não como
simples incompetência relativa.
Por sua vez, a incompetência absoluta gera a nulidade nos termos do artigo 161.º, n.º 2, b) CPA.
Como funcionam como organizações autónomas, uma espécie de pessoas coletivas públicas, eles
têm atribuições e não competências.

Segundo ainda a CRP e o artigo 183.º, há que distinguir entre figuras essenciais do Governo
e figuras eventuais. Falando dos primeiros, o Governo é constituído pelo Primeiro Ministro,
pelos Ministros (figuras essenciais), e por Vice-Primeiros Ministros, Secretários de Estado e
subsecretários do Estado (figuras eventuais).
Contudo, ninguém considera, hoje, Secretários do Estado como figuras eventuais – são raros os
casos de Ministérios sem Secretários de Estado, ainda que não disponham em hipótese alguma de
competência própria, limitando-se a exercer em cada caso a competência que neles seja delegada
pelo Primeiro Ministro ou pelo Ministro respetivo (com ou sem poderes de delegação).
Isto pode ler-se no artigo 11.º, n.º 1 do DL 169-B/2019, de 3 de dezembro.
A coordenação da ação cabe em primeiro lugar ao Primeiro Ministro, ao qual cumpre, de
harmonia com o artigo 201.º, n.º 1, alíneas a) e b) CRP, dirigir a política geral e o funcionamento
do Governo.
A coordenação da ação governativa pode também ser feita pelo Conselho de Ministros como
órgão colegial que é – artigo 200.º CRP. Podem existir Conselhos de Ministros setoriais/
especializados para certas áreas – artigo 184.º, n.º 2 CRP, sendo que, por vezes, existe também
uma terceira forma de cooperação interministerial, que consiste na criação de comissões
interministeriais, junto de certos Ministérios compostos por representantes desse Ministério e de
representantes de Ministérios cuja esfera de ação possa influir na ação daquele – caso da comissão
interministerial para os assuntos florestais.
Portanto, a organização de cada Governo consta da sua própria lei orgânica, sobre a forma de DL,
que estabelece o número, a designação e as atribuições dos Ministérios que compõem o Governo.
Na verdade, a matéria respeitante à sua própria organização e funcionamento é da exclusiva
competência legislativa do Governo – artigo 198.º, n.º 2 CRP.
O número e a designação dos Ministérios têm uma repartição de esferas de ações que varia muito
de Governo para Governo, podendo afirmar-se, todavia, que a tendência prevalecente, até tempos
relativamente recentes, vai no sentido de um acréscimo progressivo do número de Ministérios,
em virtude da complexificação da intervenção direta ou não do Estado na Administração.
A verdade é que se trata de um domínio que se inscreve na esfera de conformação política
autónoma do Governo, razão pela qual a determinação da respetiva composição orgânica não
obedece a uma estrutura rígida ou fixa, mas apresenta uma geometria variável, de acordo com a
coloração ideológica de que é composto o Governo.
O critério que preside à delimitação das esferas de atribuições recíprocas dos Ministérios assume
frequentemente uma natureza mista, passando, em primeiro lugar, pela identificação dos
serviços e organismos que passam a estar submetidos à sua direção, orientação e controlo, ou, em
segundo lugar, pela individualização das áreas funcionais.

Organização central dos Ministérios


Vamos analisar a organização central dos Ministérios. A Administração central, dentro da
Administração direta, é composta fundamentalmente pelos Ministérios e pelas Direções-
Gerais.
Aqui pontifica a Lei n.º 4/2004, de 15 de janeiro, cuja última alteração foi feita através da Lei
64/2011, de 22 de dezembro – relativa aos princípios e normas a que obedece a organização da
Administração direta do Estado (em bom rigor só da Administração central).
Os Ministérios, como departamentos da Administração central do Estado, são dirigidos pelos
respetivos Ministros. Atualmente, obedecem, quanto à sua organização interna, a um esquema
tipo moldado nas suas linhas vertebradoras pela Lei n.º 4/2004, de 15 de janeiro.
Cada Ministério dispõe, contudo, da sua própria lei orgânica, aprovada pela forma de DL, que
regula a organização e a competência dos diversos órgãos e serviços, além de designar também
os entes da Administração direta ou indireta, sob a dependência do Ministério de que se trata –
artigo 4.º da Lei 4/2004, 15 de janeiro
A estrutura interna de cada Ministério consta dos vários tipos de serviços, para além dos
gabinetes ministeriais (cujos membros são de livre nomeação e exoneração ministerial):

 Serviços executivos
 Serviços de controlo, auditoria e fiscalização
 Serviços de coordenação

Artigo 11.º, n.º 2, al. a), b) e c) Lei n.º 4/2004, de 15 de janeiro

Os serviços executivos executam as atribuições específicas de cada Ministério, garantindo a


prossecução das políticas públicas sob sua responsabilidade.

Entre os serviços de segundo tipo encontram-se os serviços inspetivos: inspeções gerais ou


regionais, aos quais se acha cometido o exercício de funções permanentes de acompanhamento e
de avaliação da execução de políticas públicas, podendo inclusive integrar funções inspetivas ou
de auditoria.
O terceiro grupo, que compreende os serviços de coordenação, compreende os serviços de
natureza intra ou interministerial, que promovem a articulação em domínios cuja onde esta
necessidade seja permanente.

A criação, restruturação, fusão e extinção dos serviços é aprovada, nos termos do artigo 24.º,
n.º 1, por decreto regulamentar.
As Direções-Gerais são a espinha dorsal da organização administrativa dos Ministérios,
organizando-se, por sua vez, as Direções-Gerais em direções de serviços e divisões. O número de
Direções-Gerais varia de Ministério para Ministério. Estas Direções-Gerais são chefiadas por um
Diretor-Geral podendo ser acompanhado por um ou mais Subdiretor-Geral.

A propósito ainda da organização interna dos serviços executivos e dos serviços de controlo e
fiscalização, há que mencionar que a Lei 4/2004, de 15 de janeiro aponta para um modelo
organizacional que se desdobra em dois modelos estruturais fundamentalmente distintos:

 Estrutura hierarquizada: é constituída por uma estrutura nuclear tendencialmente


fixa composta pelas direções de serviços, a aprovar por portaria conjunta do membro do
Governo competente e ainda pelo Ministro das Finanças – artigo 21.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 4

A opção por uma estrutura internamente hierarquizada não afasta a possibilidade de, por
despacho, haver lugar à constituição de equipas de projetos temporários e com objetivos
especificados, em ordem a garantir padrões mais elevados de eficácia e flexibilidade – artigo 20.º,
n.º 3

 Estrutura matricial: esta estrutura é sobretudo uma estrutura interdisciplinar – artigo


22.º, n.º 1

Artigo 22.º
Estrutura matricial
1 - A estrutura matricial é adotada sempre que as áreas operativas do serviço possam desenvolver-se
essencialmente por projetos, devendo agrupar-se por centros de competências ou de produto bem
identificados, visando assegurar a constituição de equipas multidisciplinares com base na mobilidade
funcional.

Para além das missões a desenvolver diretamente pelos serviços fixos, cumpre ainda destacar as
que não se deixam reconduzir a esta lógica e que neles não se esgotam, convocando
essencialmente uma natureza ou um caráter temporário – estruturas de missão criadas por
Resolução de Conselho de Ministros - artigo 28.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3
Estas estruturas de missão têm caráter obrigatoriamente temporário e objetivos contratualizados,
dependendo de uma logística de um serviço já existente – ex.: uma Secretaria Geral

«Nem todos os órgãos e serviços do Estado exercem competência extensiva a todo o território nacional; nem todos
são, pois, órgãos e serviços centrais. Há também órgãos e serviços locais, instalados em diversos pontos do território
nacional e com competência limitada a certas áreas (circunscrições). Num caso, fala-se de administração central do
Estado; no outro, de administração local do Estado.» - FA p. 199
PERIFÉRICA // REGIONAL OU LOCAL DO ESTADO
NOTA: não confundir a Administração regional ou local do Estado com a Administração
autónoma local das autarquias locais, nem com a Administração autónoma regional dos Açores e
da Madeira.
Quando falamos da Administração regional ou local do Estado estamos a falar de uma
Administração territorialmente desconcentrada (fruto da desconcentração), ao passo que quando
falamos da Administração autónoma (territoriais ou não) são fruto da descentralização – FA p. 199
«Assim, uma coisa são as autarquias locais – municípios, freguesias, etc. – e outra são os órgãos periféricos da
administração central – que tanto podem ser órgãos locais do Estado (por ex., os «serviços de finanças», que
pertencem ao Ministério das Finanças), como os órgãos exteriores do Estado (por ex. «embaixadas» e «consulados»),
como órgãos locais de institutos públicos (por ex., as delegações regionais do INEM), como ainda órgãos externos de
empresas públicas …» - F.A. p. 282

Quanto a esta Administração podemos dizer que ao lado dos serviços e órgãos centrais, em geral
sediados em Lisboa, com competência sobre todo o território, temos órgãos e serviços
periféricos do Estado – de âmbito regional e local – órgãos e serviços regionais, distritais e
concelhios.
«(…) na periferia estão e atuam quer os órgãos e serviços locais (regionais, distritais, concelhios ou de freguesia),
quer os órgãos e serviços sedeados no estrangeiro (embaixadas, consulados, serviços de turismo, núcleos de apoio à
emigração, serviços de fomento da exportação, etc.)» - F.A. p. 281

Esta Administração constitui uma expressão da desconcentração territorial da Administração


do Estado.
Trata-se de órgãos e de serviços que dispõem de uma competência limitada a uma certa área
territorial e que funcionam na dependência dos respetivos órgãos centrais, ou seja, são órgãos da
pessoa coletiva pública «Estado», que funcionam na dependência direta ou hierárquica do
Governo e que exercem uma competência limitada a uma determinada circunscrição
administrativa – ex.: direções regionais de vários departamentos, repartições notariais, etc.
No entanto, por vezes, os serviços da Administração desconcentrada do Estado dispõem de
personalidade jurídica – sendo, neste caso, autênticos institutos públicos territoriais, o que lhes
confere maior autonomia e limita o poder de direção do Governo sobre ele – neste caso tratar-se-
ia da uma espécie da Administração indireta periférica (!!ESQUECER ESTE ASPETO!!)

«… a administração periférica compreende as seguintes espécies:

a) Órgãos e serviços locais do Estado – administração local do Estado


Administração periférica interna
b) Órgãos e serviços locais de institutos públicos e de associações públicas
c) Órgãos e serviços externos do Estado
Administração
d) Órgãos e serviços externos de institutos públicos e associações públicas»
periférica
externa

Para efeitos da delimitação da área de competência dos órgãos regionais e locais do Estado,
procede-se à divisão do território em diversas circunscrições administrativas:

 Divisão administrativa geral (regiões, distritos e concelhos)


 Divisões administrativas especiais
«Chamam-se ‘circunscrições administrativas’ as zonas existentes no país para efeitos de administração local» - F.A.
p. 289

NOTA: quando se fala aqui em regiões, não são regiões administrativas, que nunca chegaram a
ser instituídas (apesar de consagradas na CRP como uma autarquia local intermédia).
Como iremos ver foi sobre o âmbito territorial destas regiões (5), que foi tentado, inicialmente,
ser desenhado o mapa das regiões administrativas. Este não teve grande sucesso, porque se
procedeu a uma divisão das regiões administrativas ERRADA, na medida em que elas estavam
desenhadas de acordo com uma separação entre o litoral e o interior. Ora, o objetivo da
descentralização administrativa é conferir mera homogeneidade territorial em termos
económicos, sociais, etc.
Desta feita, a divisão entre o litoral e o interior iria acentuar ainda mais essas diferenças a nível
social, económico, cultural e tecnológico.

A divisões administrativas especiais, por sua vez, assumem grande variedade: para efeitos
de administração hidráulica existem as bacias hidrográficas dos rios; para efeitos de
administração florestal existem as circunscrições florestais – F.A. p. 290.
«Quer dizer: para certos efeitos especiais, existem divisões do território que não coincidem com a divisão básica.» -
F.A. p. 290

Uma vez que as várias circunscrições administrativas especiais não coincidem entre si, isto torna
o sistema das divisões administrativas do nosso país extremamente confuso, complexo e
agressivo.

Nas divisões administrativas gerais, importa destacar os distritos administrativos no


continente e as circunscrições regionais que são mais extensas do que os distritos e que
correspondem à divisão do território continental do país em 5:

 Norte,
 Centro,
 Lisboa e Vale do Tejo,
 Alentejo,
 Algarve

Todavia, no que respeita ao continente, existem dois critérios de desenho destas circunscrições:

 Segundo o primeiro, as regiões correspondem a agrupamentos de distritos administrativos


– ex.: a região Centro engloba os distritos de Coimbra, Aveiro, Viseu, Castelo Branco e
Leiria

Tal é a base territorial da administração regional da saúde, da educação e da Segurança Social.


 De acordo com o segundo modelo, as regiões correspondem à área definida para efeitos
das NUT II, onde, embora correspondam grosso modo a agrupamentos de distritos, as
suas fronteiras não coincidem com as fronteiras dos distritos – ex.: a região Centro não
abarca os municípios do norte do distrito de Aveiro, Viseu e da Guarda

Tem por base territorial este segundo modelo a administração regional do ordenamento do
território, da economia, da cultura do ambiente, etc.

Órgãos da administração periférica do Estado

 Antes: Governadores Civis


 Hoje: Comissões de coordenação e de desenvolvimento regional em cada uma das 5
NUTS do continente – segue-se o segundo modelo, que se baseia na nomenclatura das
unidades territoriais (NUTS II da União Europeia)

O diploma que disciplina a orgânica das Comissões de Coordenação e de Desenvolvimento


Regional é o DL 228/2012, de 25 de outubro, com uma alteração muito recente, feita pelo DL
27/2020, de 17 de junho, que introduziu alteações essencialmente quanto à eleição do presidente
de cada Comissão de coordenação e de desenvolvimento regional.
Nos termos do artigo 3.º, cada Comissão de coordenação e de desenvolvimento regional é dirigida
por um Presidente e mais dois Vice-Presidentes, tendo ainda como órgãos o Fiscal Único e ainda
o Conselho de Coordenação Intersetorial e o Conselho Regional.

No artigo 3.º (alínea a) a f)) – organiza-se o processo eleitoral conferindo uma maior
burocratização aos órgãos

No artigo 1.º do DL 228/2012, de 25 de outubro diz-se «As comissões de coordenação e


desenvolvimento regional, abreviadamente designadas por CCDR, são serviços periféricos da
administração direta do Estado, dotados de autonomia administrativa e financeira».
Portanto, não cabe qualquer dúvida que atualmente os órgãos mais representativos desta
Administração periférica do Estado são estas Comissões de Coordenação e de Desenvolvimento
Regional. São organismos dotados de autonomia financeira (artigo 1.º, n.º 1) e de prerrogativas
de autoridade nas áreas do planeamento, do ordenamento do território e do ambiente, dependendo
do Ministério da tutela de que tem variado nome (atualmente é o Ministério da coesão territorial).

A sua circunscrição territorial são as NUTS II, e uma particularidade destas Comissões é o facto
de ser uma espécie interface entre a Administração estadual e a Administração
autónoma local, para efeitos de planeamento, ordenamento do território e ambiente e ainda de
gestão dos apoios comunitários e nacionais ao desenvolvimento regional – artigo 2.º, n.º 3, alínea
b) DL 228/2012
As Comissões de coordenação e desenvolvimento regional ocupam um lugar perfeitamente
singular no espetro da Administração regional do Estado, na medida em que apresentam
características que as diferenciam dois demais serviços regionais desconcentrados do Estado:

 Caráter assaz abrangente


 Condição de plataforma intermédia entre o Estado e os municípios , prestando-
se frequentemente apoio técnico e fornecendo-lhes serviços

Esta função referida está consagrada no artigo 2.º, n.º 3, alínea f) «Garantir a elaboração,
acompanhamento e avaliação dos instrumentos de gestão territorial, assegurando a sua
articulação com os instrumentos de gestão territorial de âmbito nacional e regional»

NOTA: este artigo 2.º tem como epígrafe «missões e atribuições», o que, na consideração do
prof. está errado, na medida em que quem tem atribuições são as pessoas coletivas públicas e aqui
estamos simplesmente a tratar de um organismo territorialmente desconcentrado com
competências.

Salientem-se ainda dois órgãos: o Conselho regional – artigo 7.º - órgão consultivo da
Comissão de coordenação e desenvolvimento regional (há 5 Comissões correspondentes às NUTS
II), e que tem uma natureza representativa e participativa interessante, porque ele é representativo
dos vários interesses e entidades relevantes para a prossecução dos seus fins – artigo 7.º, n.º 1

No artigo 7.º, n.º 2 é referenciada a composição do mesmo:


2 - O conselho regional é composto por:
a) Presidentes das câmaras municipais abrangidas na área geográfica de atuação da respetiva CCDR;
b) Dois representantes das freguesias da área de intervenção da respetiva CCDR, indicados pela Associação
Nacional de Freguesias (ANAFRE);
c) Um representante de cada entidade com assento na comissão permanente de concertação social do Conselho
Económico e Social, por elas indicado;
d) Dois representantes das universidades sediadas na região, indicados pelo conselho de reitores;
e) Um representante dos institutos politécnicos sediados na região, indicado pelo Conselho Coordenador dos
Institutos Superiores Politécnicos;
f) Um representante das entidades regionais de turismo, por elas indicado;
g) Dois representantes das organizações não-governamentais do ambiente, indicados pela respetiva confederação
nacional;
h) Dois representantes das associações de desenvolvimento regional, indicados pela Associação Nacional das
Agências de Desenvolvimento Regional;
i) Um representante das associações de desenvolvimento local, indicado pela Federação Portuguesa de Associações
de Desenvolvimento Local;
j) Um representante das associações cívicas com expressão regional, indicado pela Associação Portuguesa para o
Desenvolvimento Local;
k) Até duas individualidades de reconhecido mérito na região, indicados sob proposta do presidente da CCDR.

Assim, vemos que o Conselho regional, apesar de consultivo, é um órgão bastante importante na
medida em que congrega uma série de entidades representativas também noutros planos de
relevantes interesses económicos, sociais e culturais da Administração.
Todavia salienta-se ainda o Conselho de Coordenação Intersectorial. Em virtude da
proliferação de serviços periféricos da Administração do Estado, pode-se justificar a necessidade
de uma coordenação transversal dos serviços dos diferentes Ministérios e institutos públicos
nacionais a nível de cada circunscrição territorial – artigo 6.º DL 228/2012, 25 de outubro.
Em conclusão, a par das Direções regionais, as Comissões de coordenação e desenvolvimento
regional são, talvez, os organismos mais importantes da Administração periférica do Estado/ da
Administração regional do Estado.

ADMINISTRAÇÃO INDIRETA
«… é uma atividade que, embora desenvolvida para realização dos fins do Estado, é exercida por pessoas coletivas
públicas distintas do Estado.» - FA p. 200

Depois de analisar a Administração direta do Estado, quer central, quer periférica, vamos tratar
da Administração indireta do Estado.
NOTA: mais adiante vamos falar das entidades que fazem parte da Administração indireta do
Estado:

 Institutos públicos – Lei n.º 3/2004, de 15 de janeiro – lei quadro dos institutos públicos
 Empresas públicas – DL 133/2013, de 3 de outubro
A par da Administração direta do Estado, existe uma extensa Administração indireta constituída
por numerosos institutos públicos (fazem parte do setor público administrativo) e empresas
públicas (constituem o setor público empresarial).

Cada uma destas entidades esta adstrita a um Ministério – Ministério da tutela – cabendo ao
respetivo Ministro nomear os respetivos dirigentes, ou propor a nomeação ao Primeiro Ministro,
e exercer os respetivos poderes de superintendência e de tutela.
Por isso, cada Ministério dispõe de um número maior ou menor de «satélites administrativos»
gravitando à sua volta. Os Ministérios com um maior número de institutos públicos adstritos são
o da saúde e o do ensino superior (embora as Universidades gozem de uma grande autonomia
e de autogoverno o que as afasta da Administração indireta).
As universidades têm igualmente autonomia estatutária e, por isso, embora alguma doutrina tenda
a incluí-las numa espécie de Administração indireta com autogoverno, isso é uma contradição nos
termos – O QUE DEFINE A ADMINISTRAÇÃO AUTÓNOMA É O AUTOGOVERNO E
A AUTO ADMINISTRAÇÃO

Quando abordarmos o regime jurídico dos institutos públicos vamos ver que a par do regime geral
temos um regime especial – artigo 48.º Lei n.º 3/2004.
Podemos falar numa Administração indireta unicamente quando falamos no regime geral.
Contudo, há institutos públicos de regime especial e esses podem integrar a Administração
autónoma institucional (Universidades Públicas) e até a Administração independente
(Autoridades Reguladoras Independentes)
Assim, dizer que, genericamente, os institutos públicos constituem a Administração indireta é um
erro. Estará correto se nos referi-nos unicamente aos institutos públicos de regime geral.
ADMINISTRAÇÃO AUTÓNOMA REGIONAL
Um aspeto que a carateriza é a sua autonomia político-administrativa. Com efeito, as Regiões
Autónomas são pessoas coletivas públicas territoriais que, ao contrário das autarquias locais que
dispõem apenas de poderes administrativos, detêm poderes legislativos e poderes políticos,
dispondo também de governo próprio.

As Regiões Autónomas são, então, uma expressão genuína da autonomia político-


administrativa e não somente da autonomia administrativa

Por isso mesmo a Administração regional é naturalmente independente da Administração do


Estado que não exerce sobre ela nenhum poder de tutela – é inteiramente autónoma neste
sentido.
Claro que esta Administração regional não é autónoma em relação aos órgãos de poder regionais,
isto é, aos órgãos de governo próprio dos quais dependem. – É autónoma em relação aos órgãos
de poder nacionais.

Ora, vamos ver em traços largos a organização administrativa da Administração regional. A


organização administrativa regional decorre em primeiro lugar da CRP – artigos 225.º e seguintes
CRP –; dos estatutos político-administrativos próprios das respetivas Regiões; das leis da
República de aplicação regional e os respetivos regulamentos de aplicação e, por último, das leis
e dos decretos regulamentares regionais.

As Administrações das Regiões Autónomas têm como órgão superior, no respetivo território, os
Governos Regionais.

A Administração direta regional (1) organiza-se de modo semelhante à Administração do


Estado:

 A nível regional existem as Secretarias Regionais, que correspondem aos Ministérios do


Governo da República, tendo por titular um secretario regional, que corresponde ao
Ministro do Governo da República.
As Secretarias Regionais, por sua vez, organizam-se em Direções regionais e Direções
de serviços.
Apesar da pequena dimensão territorial das Regiões Autónomas, não está excluída a hipótese de
uma Administração periférica (serviços territorialmente desconcentrados) – na medida em que há
territórios descontínuos que implicam uma grande dispersão regional – manifestamente evidente
no caso dos Açores.

Alem da Administração direta regional existe uma Administração indireta regional (2)
constituída por institutos públicos regionais e empresas publicas regionais – artigo 2.º da lei
3/2004, de 15 de janeiro
A Administração indireta não é monopólio da Administração do Estado.
A Administração regional e a sua relação com a Administração do Estado
A administração regional autónoma é inteiramente independente da Administração do Estado,
uma vez que as Regiões Autónomas gozam de autonomia político-administrativa. Esta
Administração autónoma regional está apenas submetida aos seus órgãos de governo próprio, por
isso não existe qualquer forma de tutela estadual sobre a Administração autónoma regional.

Disso se distingue da Administração autónoma local – que está sujeita a tutela estadual no
continente e a tutela regional nas Regiões Autónomas.

A única interferência do Estado na Administração regional autónoma é de natureza legislativa


e não administrativa

Isto ocorre em virtude da extensa regionalização dos serviços administrativos, muito mais extensa
do que a regionalização dos poderes legislativos. A implementação de muitas leis administrativas
nacionais cabe, nas Regiões Autónomas, à respetiva Administração regional e não aos residuais
serviços administrativos do Estado territorialmente desconcentrados.
No entanto, nas Regiões Autónomas encontramos ainda serviços e órgãos pertencentes à
Administração periférica do Estado, havendo, assim, uma coabitação entre Administração própria
das Regiões Autónomas e Administração regional do Estado – mas saliente-se que o número de
serviços regionais do Estado é bastante reduzido dada a extensa regionalização de serviços a
que se procedeu, com transferência de quase todos os serviços do Estado para a Administração
autónoma regional.

Ressalvam-se, contudo, os serviços relacionados com a defesa e segurança (forças de militares/


forças militares), os serviços judiciais e afins, registos e notariado, serviços tributários e ainda as
Universidades e institutos politécnicos.
Como se vê, mantem-se aqui alguma Administração periférica regional do Estado nas Regiões
Autónomas, mas com uma presença bastante residual.
O Estado é representado em cada uma das Regiões Autónomas por um Representante da
República, nomeado e exonerado pelo Presidente da República, depois de ouvido o Governo –
artigo 230.º CRP.
Hoje, estes Representantes da República nas Regiões Autónomas só têm praticamente
competências políticas: defesa da CRP e regulação do sistema de governo regional, tendo perdido
as competências administrativas sobre os serviços administrativos do Estado nas regiões de que
dispunham na versão originária da CRP.
ADMINISTRAÇÃO AUTÓNOMA LOCAL
Começaremos pela análise da sua natureza jurídica. Neste sentido, as autarquias locais são pessoas
coletivas públicas de base territorial – assentam numa fração do território –, que asseguram a
prossecução de interesses públicos próprios do agregado populacional respetivo, através de
órgãos próprios, eleitos pela coletividade local. Por isso se diz que são pessoas coletivas
públicas de população e de território.
A expressão «autarquias locais» privilegia a autonomia das coletividades locais, sendo que, em
alguns países, estas ainda são designadas de corporações territoriais para assentar a dupla face a
que acabamos de aludir.

Elementos essenciais da noção de «autarquia local»:

 Território
«Trata-se de uma tripla função: (…) identificar a autarquia local (…) definir a população respetiva (…) delimitar as
atribuições e as competências da autarquia e dos seus órgãos, em razão do lugar» - F.A. p. 410

 Agregado populacional – pessoas aí residentes


«Tem obviamente a maior importância, porque é em função dele que se definem os interesses a prosseguir pela
autarquia e, também, porque a população constitui o substrato humano da autarquia local.» - F.A. p. 411

 Interesses comuns – interesses locais ou de incidência local (diferentes dos interesses


nacionais)
«São estes interesses que servem de fundamento à existência das autarquias locais, as quais se formam para
prosseguir os interesses privativos das populações locais, resultantes do facto de elas conviverem numa área
restrita, unidas pelos laços de vizinhança.» - F.A. p. 411

 Órgãos representativos da população

«(…) as autarquias locais são todas, e cada uma delas, pessoas coletivas distintas do Estado. As autarquias locais
não fazem parte do Estado, não são o Estado, não pertencem ao Estado. São entidades independentes e
completamente distintas do Estado – embora possam por ele ser fiscalizadas, controladas ou subsidiadas.» - F.A. p.
409

A autonomia local traduz-se juridicamente num fenómeno de genuína Administração autónoma


territorial, caraterizada pela prossecução de interesses públicos próprios, pelo autogoverno, e
pela autonomia de orientação – bem como ainda pela autonomia normativa, pela autonomia
financeira e pela autonomia administrativa.
Fontes normativas da Administração autónoma local

Em primeiro lugar, a existência das autarquias locais resulta diretamente da CRP, que também
identifica os seus tipos e estatui sobre a sua organização e poderes – artigos 235.º e seguintes
CRP (ver pp. 424-426 Freitas do Amaral)

«1. A organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais.


2. As autarquias locais são pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos,
que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas.»

Já o desenvolvimento legislativo do regime das autarquias locais está disperso por vários
diplomas (ex.: Lei 75/2013; Lei 169/99; Lei 27/96), sendo que devemos ainda acrescentar uma
fonte importante de natureza internacional: a Carta Europeia da autonomia local –
instrumento de Direito Internacional de aplicação direta.
Durante cerca de 140 anos – de 1836 a 1974 – a Administração local era regulada por um
instrumento legislativo unitário impropriamente designado de Código Administrativo, que se
devia ao facto de na altura a função administrativa caber menos ao Estado e mais às coletividades
locais (às autarquias locais).
O Código Administrativo de 1936-1940 foi o de mais longa duração perdurou até 1974,
acompanhando a longevidade política do Estado Novo. Tratava-se de um Código centralizador e
nada democrático, tendo de ser substituído quase integralmente a partir do 25 de abril de 1974 e,
sobretudo, a partir da CRP de 1976.

Porque se nota hoje a fragmentação legislativa ao nível da Administração autónoma local?


A falta de consolidação de alguns aspetos do regime jurídico das autarquias locais se deve ao
sistema de Governo, às atribuições autárquicas e às finanças locais não estarem ainda
devidamente consolidados.

Tem-se verificado codificações parciais – Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro que estabelece o
regime jurídico das autarquias locais (aprova os estatutos das entidades intermunicipais e estabelece o
regime jurídico das transferências de competências do estado para as autarquias locais e para as entidades
intermunicipais).

Este diploma veio introduzir, mas não revogar a Lei 169/99 de 18 de setembro, que é relativa
ao quadro de competências e ao regime de funcionamento dos órgãos das autarquias locais.
Ainda que bastante alterado não podemos excluir a relevância deste diploma (Lei 169/99, de 18
de setembro).
A matéria relativamente ao regime das autarquias locais, incluindo as finanças locais, é de reserva
relativa da Assembleia da República – artigo 165.º, alínea q) CRP –, ressalvando certos aspetos
que são da competência exclusiva da Assembleia da República – artigo 164.º, alíneas l), m), n)
e r) CRP.
Tipologia das autarquias locais e respetivos órgãos
São autarquias locais no continente as freguesias e os municípios; e constitucionalmente as
regiões administrativas (ainda não instituídas).
«(…) o sistema português de autarquias locais compõe-se atualmente de freguesias e municípios, devendo evoluir
para um sistema de freguesias, municípios e regiões» - F.A. p.422

Nas Regiões Autónomas há somente freguesias e municípios, cabendo a criação, extinção e


modificação das autarquias locais, à Assembleia da República no continente e às Assembleias
Legislativas Regionais nas Regiões Autónomas – artigo 164.º, alínea n) CRP.
Todas estas autarquias locais tem um órgão deliberativo – a Assembleia – diretamente eleito
pelos cidadãos, por um sistema eleitoral proporcional; e um órgão executivo, também colegial,
responsável perante aquele, que nos termos constitucionais pode ou não ser diretamente eleito em
votação separada como sucede hoje relativamente à Câmara Municipal – artigo 239.º CRP.

 Freguesias
As freguesias são autarquias locais inframunicipais, que visam a prossecução de interesses
públicos próprios da população residente em cada área paroquial. Têm como órgãos a Junta de
Freguesia (corpo administrativo comporto pelo Presidente e por um certo número de vogais) e
Assembleia de Freguesia – Lei n.º 166/99, 18 de setembro – artigo 4.º, artigo 5.º e 24.º + artigos
244.º e seguintes CRP
A Junta de Freguesia é o órgão colegial executivo (artigo 24.º Lei 166/99) e a Assembleia da
Freguesia é órgão colegial deliberativo (artigo 5.º Lei 166/99).

NOTA: «autarquias locais inframunicipais» - «queremos referir-nos à área maior ou menor a que respeitam,
não pretendendo de modo algum inculcar que entre as autarquias de grau diferente haja qualquer vínculo de
supremacia ou subordinação – não há hierarquia entre as autarquias locais; a sobreposição de algumas em relação
a outras não afeta a independência de cada uma» - F.A. pp. 422/423

Artigo 4.º
Constituição
A assembleia de freguesia é eleita por sufrágio universal, direto e secreto dos cidadãos recenseados na
área da freguesia, segundo o sistema de representação proporcional.

Artigo 5.º
Composição
1 - A assembleia de freguesia é composta por 19 membros quando o número de eleitores for superior a
20000, por 13 membros quando for igual ou inferior a 20000 e superior a 5000, por 9 membros quando
for igual ou inferior a 5000 e superior a 1000 e por 7 membros quando for igual ou inferior a 1000.
2 - Nas freguesias com mais de 30000 eleitores, o número de membros atrás referido é aumentado de
mais um por cada 10000 eleitores para além daquele número.
3 - Quando, por aplicação da regra anterior, o resultado for par, o número de membros obtido é
aumentado de mais um.
Artigo 24.º
Composição
1 - Nas freguesias com mais de 150 eleitores, o presidente da junta é o cidadão que encabeçar a lista
mais votada na eleição para a assembleia de freguesia e, nas restantes, é o cidadão eleito pelo plenário
de cidadãos eleitores recenseados na freguesia.
2 - Os vogais são eleitos pela assembleia de freguesia ou pelo plenário de cidadãos eleitores, de entre
os seus membros, mediante proposta do presidente da junta, nos termos do artigo 9.º, tendo em conta
que:
a) Nas freguesias com 5000 ou menos eleitores há dois vogais;
b) Nas freguesias com mais de 5000 eleitores e menos de 20000 eleitores há quatro vogais;
c) Nas freguesias com 20000 ou mais eleitores há seis vogais.

Competências destes órgãos


À Junta de Freguesia compete, no essencial:

 Assegurar e execução das deliberações da Assembleia de Freguesia e das normas legais


regulamentares aplicáveis (função executiva)
 Garantir a gestão permanente dos bens e dos bens, serviços e pessoal a cargo da freguesia
(função de gestão)

Artigo 16.º Lei 75/2013, 12 de setembro

À Assembleia de Freguesia cabe-lhe:

 Uma função eleitoral – procede à eleição dos vogais da Junta (artigo 17.º, n.º 1, alínea a)
e b) Lei 75/2013, 12 de setembro)
 Uma função de orientação geral, designadamente por via de aprovação de normas gerais
em matérias de interesse fundamental para a freguesia e através do exercício dos
respetivos poderes tributários
 Uma função de acompanhamento e de fiscalização da atuação desenvolvida pela Junta de
Freguesia
 Uma função de decisão superior em domínios subtraídos por lei à competência da Junta

Artigo 9.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro

 Municípios
Quanto aos municípios são autarquias locais que visam a prossecução de interesses próprios da
população da circunscrição concelhia, diante de órgãos representativos por ela eleitos, sendo que
são órgãos do município a Assembleia Municipal e a Câmara Municipal (podemos destacar
ainda um órgão unipessoal que é o Presidente da Câmara Municipal) – artigos 250.º e seguintes
No que respeita às funções da Assembleia Municipal elas são previstas fundamentalmente no
artigo 25.º da Lei 75/2013, de 12 de setembro:

 Função de orientação geral – artigo 25.º, n.º 1, alíneas a) e b)


 Função tributária – artigo 25.º, n.º 1, alínea c)
 Função de decisão do superior – artigo 25.º, n.º 1, alínea i)

As competências da Câmara Municipal estão previstas no artigo 32.º e seguintes:

 Função executiva – artigo 33.º, n.º 1, alínea d)


 Função de decisão superior – artigo 33.º, n.º 1, alínea g)
 Função gestionária – artigo 33.º, n.º 1, alínea z (numa das suas subdivisões)

Bibliografia:
FREITAS DO AMARAL, Curso..., op. cit., pp. 281-284; 407-426; FREITAS DO AMARAL, Curso..., op. cit., pp.
309-357; 363-405; COLAÇO ANTUNES, A Ciência Jurídica Administrativa, op. cit., pp. 99 a 117; VITAL
MOREIRA, Administração Autónoma..., op. cit., pp. 380-408; 541-568.
Aula n.º 14 – 09-11-2020 – ‘Continuação da aula anterior. 13. Regime jurídico do associativismo autárquico.’

Temos vindo a tratar da Administração autónoma, tendo referido a sua natureza jurídica, das
fontes normativas, da tipologia das autarquias locais e dos respetivos órgãos – assinalando que
quer os municípios como as freguesias têm um órgão executivo (Câmara Municipal/ Junta de
Freguesia) e um deliberativo (Assembleia Municipal/ Assembleia de Freguesia).
Assinalamos as suas competências e funções de cada um destes órgãos e iríamos agora falar das
regiões administrativas quanto à tipologia das autarquias locais e dos respetivos órgãos.
Antes disso, refira-se a Lei 169/99, de 12 de setembro (define o quadro de competências e o regime
jurídico de funcionamento das autarquias locais) que, ao nível dos órgãos do município, mais
especificamente ao nível da Câmara Municipal (artigo 57.º), faz-nos menção de que a composição
deste órgão depende, quanto ao número de variadores, do número de eleitores na respetiva
circunscrição administrativa – o número de eleitores tem clara influência no número de variadores
e, portanto, na composição deste órgão colegial executivo.

NOTA: À exceção da Câmara Municipal do município de Lisboa e da Câmara Municipal do


município do Porto.

 Regiões administrativas

Estas são uma terceira autarquia local, apenas prevista na Constituição no artigo 236.º, mas que
ainda não foi instituída.
As regiões administrativas são autarquias locais supramunicipais, que visam a prossecução de
interesses próprios das respetivas populações que a lei considere serem mais bem geridos e
tutelados em áreas intermédias entre o escalão nacional e o escalão municipal.
Tem previstos, na Constituição, como órgãos a Junta Regional e a Assembleia Regional. Prevê-
se a existência de um representante do Governo, nomeado pelo Conselho de Ministros, junto
de cada uma das regiões administrativas a criar – espécie de governador civil regional. Tem,
contudo, uma constitucionalidade duvidosa, na medida em que os governadores civis já foram
extintos – artigo 262.º CRP.
É certo que a CRP diz que «pode criar», isto é, aponta para uma ideia de discricionariedade
administrativa, não estando obrigada a criar este órgão junto das regiões administrativas. Quando
se utiliza este termo entre a hipótese e a estatuição da norma vê-se que o legislador pretende
conceder ao órgão legiferante (decisor) uma certa discricionariedade (legislativa neste caso).
Contudo, desde a revisão constitucional de 1997, as regiões administrativas só podem ser
instituídas em concreto diante prévia autorização em referendo – artigo 256.º CRP, uma vez que
numa primeira tentativa, em 1998, a criação das regiões e o respetivo mapa regional não lograram
pela sua distribuição vertical e não horizontal.

NOTA: não há hierarquia entre as autarquias locais – trata-se de estruturas administrativas


territorialmente sobrepostas e independentes; o que não significa que haja uma certa articulação
entre elas decorrente, designadamente, da composição dos seus órgãos.
Repare-se que os Presidentes das Juntas de Freguesia integram as Assembleias Municipais
respetivas, nos termos do artigo 251.º CRP.
O artigo 260.º CRP prevê que membros das Assembleias Municipais (órgão deliberativo do
município) integrem as Assembleias Regionais.
Já, por sua vez, a CRP, de forma um pouco paradoxal, estabelece uma hierarquia entre
regulamentos emanados pelas várias autarquias locais, nos termos do artigo 241.º CRP.

Outro aspeto que vamos tratar são as atribuições locais (1), a autonomia regulamentar (2), as
finanças locais (3), os serviços administrativos locais (4), a administração indireta da
Administração local (5) e a tutela administrativa (6).

Quanto às atribuições locais (1) – para a atribuição das atribuições municipais assumem relevo
os princípios da descentralização, da subsidiariedade e da generalidade das atribuições.

Com este último princípio pretende afirmar-se que deve caber às autarquias locais todas as
atribuições, sejam a prossecução de todos os interesses específicos dessas coletividades infra
estaduais, ou seja, interesses próprios dos respetivos residentes dessa circunscrição
administrativa. É que, ao contrário dos institutos públicos, empresas públicas ou instituições
públicas, as autarquias locais não visam a prossecução de interesses específicos ou setoriais, são
sim pessoas coletivas públicas primárias/ necessárias – pessoas coletivas públicas territoriais de
fins múltiplos.

Tarefas próprias são aquelas que têm especificamente a ver com os interesses da coletividade
em causa, e que podem ser destacadas e geridas autonomamente em relação às tarefas públicas
gerais que estão confiadas à Administração do Estado. Note-se, porém, que a lei abandonou o
sistema de cláusula geral para o substituir por um elenco exemplificativo de atribuições
municipais – artigo 23.º Lei 75/2013, de 12 de setembro.

Artigo 23.º
Atribuições do município

1 - Constituem atribuições do município a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas
populações, em articulação com as freguesias.
2 - Os municípios dispõem de atribuições, designadamente, nos seguintes domínios:
a) Equipamento rural e urbano; b) Energia; c) Transportes e comunicações; d) Educação, ensino e formação
profissional; e) Património, cultura e ciência; f) Tempos livres e desporto; g) Saúde; h) Ação social; i) Habitação;
j) Proteção civil; k) Ambiente e saneamento básico; l) Defesa do consumidor; m) Promoção do desenvolvimento; n)
Ordenamento do território e urbanismo; o) Polícia municipal; p) Cooperação externa.

Na definição das atribuições municipais, a lei goza de uma relativa margem de liberdade de
conformação destas atribuições, dada a natureza relativamente imprecisa da expressão
constitucional de interesses próprios do artigo 235.º, n.º 2 CRP – esta expressão utilizada pelo
legislador constitucional é como que um conceito jurídico relativamente indeterminado, o que
confere uma margem de decisão ao legislador.
Contudo, esta margem legislativa de liberdade para desenhar o universo das atribuições
municipais deve ser de certo modo confrontada com os princípios da descentralização e da
subsidiariedade, que constituem limites relevantes à liberdade de conformação legislativa dada
pela expressão imprecisa de «interesses próprios».

Quanto à autonomia regulamentar (2), as autarquias locais gozam de autonomia


regulamentar/ de poder regulamentar próprio (artigo 241.º CRP), nos limites da CRP. Trata-se,
portanto, de um poder regulamentar no âmbito das atribuições autárquicas, que só está limitado
pela reserva de lei e pelo disposto em leis e regulamentos de grau superior (preferência da lei e
do regulamento superior).
Uma parte da doutrina, como por exemplo, Vieira de Andrade, compreende que a autonomia
regulamentar das autarquias locais, sendo uma expressão da autonomia local e de um poder
normativo democrático, pode justificar uma certa capacidade de intervir em matéria da reserva da
competência legislativa da Assembleia da República (ex.: regulação dos DLG fixados no artigo
165.º, n.º 1, b) CRP)
Esta observação é pertinente, sobretudo, no âmbito da planificação urbanística. Os planos
territoriais, nos temos do Decreto-Lei 80/2015, que disciplina esta matéria do regime jurídico dos
planos e dos programas, conferem ao Plano do diretor municipal a possibilidade de classificar e
qualificar o solo e, posteriormente, com base na qualificação anterior, qualificar ou não o solo
como área edificável.
Nestes planos, de acordo com o artigo 3.º do DL 80/2015, gozam de uma auto planificação
(vinculam as entidades que os elaboram), hétero planificação (vinculam outras entidades
públicas) e planificação pluri-subjetiva (as normas emanadas deste plano – regulamento
administrativo – vinculam direta e imediatamente os seus destinatários, sem necessitarem da
concretização ou da mediação de um ato administrativo).
É claro que o direito de propriedade não é o bem um DLG, é um direito de natureza análoga aos
DLG, pelo que é pertinente a leitura que faz o Doutor Vieira de Andrade que parte do princípio
que só é inteligível se tivermos uma noção bastante elástica do subprincípio da reserva de lei.
Ora, se advogássemos uma tese de uma noção restrita da reserva de lei, todos os planos seriam
indiferentes independentemente da morfologia dos solos, das características das cidades, etc.

Ora, quanto às finanças locais (3), as autarquias locais dispõem de autonomia financeira, no
sentido de que dispõem de meios financeiros próprios, independentes das transferências do
Orçamento do Estado, tendo também autonomia de gestão desses meios mediante um Orçamento
próprio, aprovado pelos seus próprios órgãos e aplicável também às despesas por si decididas
segundo a sua exclusiva autoridade.
Contudo, os meios financeiros próprios (ex.: impostos locais) podem não ser suficientes, não
garantindo receitas suficientes às autarquias locais para a prossecução dos interesses que lhes
estão legalmente cometidos. Daí o facto de a autonomia financeira poder exigir o reforço mediante
meios financeiros suplementares – normalmente proporcionados pelo Orçamento do Estado,
precisamente para assegurar essa coesão territorial do país.
O regime das finanças locais encontra-se estabelecido no artigo 238.º CRP e na Lei 73/2013,
de 3 de setembro, sendo que o artigo 238.º CRP define os princípios fundamentais nesta matéria,
bem como as receitas próprias que cabem às autarquias locais.
Entre os recursos próprios contam-se impostos privativos.

Quais são estes impostos privativos do município? Impostos sobre o património imobiliário, sobre
as transações imobiliárias e sobre os veículos automóveis. Mas, além destes impostos privativos,
têm também a possibilidade de aplicar taxas pelos serviços autárquicos, em que avultam as taxas
ligadas ao urbanismo e edificação (o que aumenta consideravelmente os rendimentos patrimoniais
das autarquias locais). – NÃO É POR ACASO QUE, DURANTE MUITO TEMPO, SE
CONSTRUIU EXTRAORDINARIAMENTE
Além dos recursos próprios, a lei garante aos municípios, bem como às freguesias transferências
estaduais, de acordo com certos critérios objetivos de modo a reforçar os meios financeiros das
autarquias, sobretudo tendo em conta o objetivo de ajudar as autarquias locais mais pobres.
Contam-se ainda os financiamentos comunitários: Fundo de Coesão, Fundo de Desenvolvimento
Regional, Fundo de Coesão Social Europeu.

Outro ponto a ver é o dos serviços administrativos locais (4), no qual deve ficar clara uma
leitura mais restrita e uma mais extensa, que nos permite distinguir entre os serviços
administrativos propriamente ditos dos serviços municipalizados.
As autarquias locais, como qualquer outra pessoa de coletiva de direito público, tomam decisões
mediante os seus órgãos e desempenham as suas tarefas por meio de serviços administrativos –
as decisões antes de ser tomadas têm de ser estudadas e preparadas e, depois disso, têm de ser
executadas - a preparação e execução dessas decisões cabem aos serviços administrativos.

No caso dos municípios a lei distingue duas grandes categorias:

 Serviços municipais em serviço restrito – serviços propriamente administrativos do


município, que, não dispondo de autonomia, são diretamente geridos pelos órgãos do
município, como pela Câmara Municipal que obviamente gere a Secretaria da Câmara.

 Serviços municipalizados – são aqueles serviços que, embora não tenham


personalidade jurídica, dispõem dentro da Administração municipal de organização e
gestão relativamente autónoma sobre o ponto de vista administrativo e financeiro, e cuja
gestão é entregue a um conselho de administração privativo – artigo 8.º e seguintes da
lei n.º 50/2012 de 31 de agosto

Para Freitas do Amaral os serviços municipalizados são verdadeiras empresas públicas


municipais, que por não terem personalidade jurídica estão integradas na pessoa coletiva pública
«município» - TRATA-SE NO FUNDO DE UMA ADMINISTRAÇÃO SEMIDIRETA
VISTO QUE A AUTONOMIA DE GESTÃO É LIMITADA PELA AUSÊNCIA DE
PERSONALIDADE JURÍDICA
Pelo que as relações de propriedade, contratuais e de responsabilidade civil são sempre imputadas
à pessoa coletiva de Direito Público «município».

Mas esta Lei 50/2012, de 31 de agosto refere-se, nos artigos 19.º e seguintes, às empresas públicas
municipais.
O problema é este: os serviços municipalizados eram tradicionalmente a forma de organização
administrativa dos serviços públicos locais prestados aos municípios – ex.: água, eletricidade,
saneamento, transportes coletivos – beneficiando da autonomia de gestão que lhe era conferida.
Mas, recentemente, tem-se verificado uma reconversão dos serviços municipalizados em
empresas públicas municipais, dotadas de personalidade jurídica e de regime empresarial.
Por outro lado, em alguns casos, deu-se a concessão desses serviços públicos a empresas privadas,
por um lado, e também a empresas públicas estaduais, por outro – TENDO DEIXADO DE SER
PRESTADOS PELO MUNICÍPIO DE FORMA DIRETA
A figura dos serviços municipalizados ocupou historicamente um lugar importante na
administração local; de certa maneira a Lei 50/2012 tenta recuperar essa importância, mas não há
dúvida de que a sua relevância tem dado lugar á criação de empresas públicas municipais.

Quanto à administração indireta das autarquias locais (5) relembremo-nos que a


existência de administração indireta não é monopólio da Administração do Estado – as autarquias
locais podem também, tal como o Estado, criar entidades auxiliares que desenvolvem com
personalidade jurídica própria e autonomia administrativa uma atividade administrativa destinada
à realização dos seus fins. Portanto, são entidades instrumentais e de fins singulares.
Nem só o estado pode ter administração indireta, porventura também as Regiões Autónomas e
autarquias locais o podem. Na verdade, também as autarquias locais podem destacar certas das
suas atribuições e devolvê-las para organismos criados para o efeito, que ficam sobre a sua
orientação. A lei, contudo, NÃO RECONHECE o poder de criar institutos públicos
municipais.
Nos últimos tempos teve um grande desenvolvimento a criação de empresas municipais, quer por
efeitos da transformação dos antigos serviços municipalizados, quer por efeitos da
empresarialização direta de antigos serviços da administração direta municipal. Além disso, a
impossibilidade de criar institutos públicos tem levado os municípios a criar empresas municipais
sem verdadeiro objeto empresaria, para gerir os serviços públicos municipais mediante retribuição
municipal.
Outra forma de administração indireta nas autarquias locais consiste na criação de fundações de
Direito Privado com poderes delegados pelas autarquias locais.
O regime jurídico da tutela estadual (6) sobre as autarquias locais consta do artigo 242.º da
CRP, ao qual se acrescente a Lei n.º 27/96, de 1 de agosto.
Decorre do artigo 242.º CRP um regime limitativo e restritivo da intervenção tutelar retirando,
nesse sentido, uma grande margem de manobra ao legislador. Uma vez que, nos termos do n.º 1
do artigo anteriormente referido, a tutela sobre as autarquias locais é, em primeiro lugar,
exclusivamente destinada a verificar o cumprimento da lei (TUTELA DE ESTRITA
LEGALIDADE), tornando por isso ilegítima a atribuição, aos órgãos titulares, de poderes de
controlo do mérito, de conveniência ou de oportunidade das atuações dos órgãos autárquicos.
Se existe uma limitação quanto ao fim (a tutela só pode ser de legalidade), já não existe um limite
quanto aos meios, salvo na medida em que eles possam ser incompatíveis com autonomia local
garantida constitucionalmente.
Assim, o poder tutelar não tem de se limitar forçosamente à tutela inspetiva ou de fiscalização.
Esta é a modalidade de tutela normal, mas não a modalidade de tutela exclusiva. Assim pode
haver outras modalidades de tutela, desde que observem o limite constitucional da verificação do
cumprimento da lei.
Por isso, deve reconhecer-se designadamente formas de tutela integrativa, desde que se cumpram
três requisitos. Assim, estas formas de tutela integrativa seriam constitucionalmente admissíveis
desde que:

 Estejam expressamente previstas na lei


 Sejam necessárias e adequadas à realização dos interesses públicos em causa – princípio
da proporcionalidade
 E proporcionais na compressão da autonomia local garantida constitucionalmente

O regime legal geral da tutela do Estado sobre as autarquias locais encontra-se estabelecido na
Lei 27/96, de 1 de agosto. Contudo este define unicamente o regime da tutela inspetiva, nada
estabelecendo quanto às restantes modalidades. É certo que outras modalidades podem estar e
estão estabelecidas noutras leis.

Esta Lei 27/96, de 1 de agosto é MAIS E MENOS que uma lei da tutela administrativa:

 É menos do que uma lei da tutela administrativa, porque não trata de toda a tutela, mas
só da tutela inspetiva;

 Por outro lado, é mais do que uma lei da tutela administrativa na medida em que
estabelece instrumentos de natureza processual contra os titulares dos órgãos autárquicos
– ex.: ações de perda de mandato ou de dissolução de órgãos autárquicos, que podem
ser propostos nos termos do artigo 11.º lei 27/96, de 1 agosto

O que está aqui em causa são ações processuais, relativas à perda de mandatos e à
dissolução de órgãos autárquicos (que obviamente não integram o conceito de tutela
administrativa) – LEI QUE É MAIS QUE UMA LEI DA TUTELA
ADMINISTRATIVA
Se esta for uma lei da tutela administrativa deve, por definição, ser exclusivamente exercida por
meios administrativos, o que não se verifica no que acabamos de ver.
O artigo 15.º Lei 27/96, de 1 de agosto, na redação que foi dada pelo Decreto-Lei 214 G/2015,
de 2 de outubro – alteração considerável ao CPTA e ao ETAF – no artigo 9.º do mesmo, passa a
ter a seguinte redação «As ações para declaração de perda do mandato e de dissolução de órgãos
autárquicos ou entidades equiparadas têm caráter urgente e seguem os termos do processo do
contencioso eleitoral, previstos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos».
Portanto, trata-se de um processo urgente principal (contencioso eleitoral) – não estamos a falar
de um processo urgente cautelar/ acessório. Assim, nós temos a ação administrativa que é o
processo normal (com a sua tramitação própria) e depois temos sobre determinadas matérias
processos urgentes atendendo à sensibilidade dos Direitos Fundamentais em causa.

Caraterísticas desta tutela administrativa, tal como vem definidos na Lei 27/96:

 Exclusão de medidas de tutela administrativa sancionatória


A competência para aplicar as sanções destinadas a efetivar a responsabilidade dos membros dos
órgãos autárquicos compete exclusivamente aos tribunais administrativos - artigo 11.º, n.º 1

 Definem-se com objetividade os fundamentos de perda de mandato e de dissolução dos


órgãos autárquicos – artigos 8.º e 9.º

 Os membros do Governo que asseguram poderes de tutela deixaram de ter legitimidade


processual ativa para proporem ações de perda de mandato ou de dissolução dos órgãos
autárquicos - artigo 11.º, n.º 2

 Admissão de causas justificativas e desculpatórias para a prática de ações ou omissões


graves – artigo 10.º

 Desaparece a elegibilidade do autarca como consequência necessária da perda de


mandato ou de dissolução do órgão autárquico - artigo 13.º

 As decisões relativas à perda de mandato e de dissolução dos órgãos autárquicos só


podem basear-se nos fundamentos previstos na lei 27/96, de 1 de agosto
Aula n.º 15 – 10-11-2020 – ‘14. Os institutos públicos: noção, modalidades e formas típicas de organização.
15. As empresas públicas: a) O conceito de setor público empresarial; b) Dualidade de formas de organização; c) O
critério de influência pública dominante: a prevalência da forma sobre a substância; d) O regime de Direito privado
como imposição do princípio da concorrência; e) Especificidades de Direito público.’

O objeto da aula será o tratamento das pessoas coletivas públicas que integram a Administração
indireta do Estado, mas também a Administração autónoma regional e a Administração autónoma
local.

INSTITUTOS PÚBLICOS
Desde logo, o diploma fundamental nesta matéria, com sucessivas alterações, é a Lei-Quadro
n.º 3/2004, de 15 de janeiro (última alteração em 2015)

Ora, no sentido ainda abrangente podemos definir os institutos públicos como pessoas
coletivas de Direito Público de tipo institucional, na medida em que assentam sobre uma
organização de caráter material e não em pessoas, criadas para assegurar o desempenho de tarefas/
funções administrativas – pessoas coletivas públicas de fins únicos e não de fins múltiplos –
pertencentes ao Estado ou a outra pessoa coletiva pública territorial (embora não esteja vedada a
possibilidade de outras pessoas coletivas criarem igualmente institutos).
Neste sentido, estes institutos públicos distinguem-se essencialmente de associações públicas,
porque estas têm um substrato pessoal. O substrato dos institutos públicos tanto pode ser um
serviço administrativo, um fundo ou património, um estabelecimento público ou até um
empreendimento comercial ou industrial.

Porque é que incluímos neste substrato dos institutos públicos os empreendimentos comerciais
ou industriais?
Tem sentido fazer esta referência numa perspetiva histórica, dado que em países juridicamente
cultos e próximos desde há muito que se distinguia entre institutos públicos administrativos e
institutos públicos económicos, empresariais, comerciais ou industriais.
Sendo estes últimos justamente os institutos públicos de substrato empresarial constituídos pelo
tal estabelecimento público de índole comercial/ empresarial.

Qual a razão para esta distinção?

Deve-se essencialmente à diferença de regime jurídico de cada uma destas modalidades


de institutos públicos.
 Enquanto os institutos públicos administrativos estão, em geral, sujeitos a um regime de
Direito Público,
 A segunda categoria (institutos públicos empresariais) está normalmente sujeita a um
regime pautado por normas de Direito Privado
O passo seguinte, entre nós, foi o de assumir plenamente esta distinção entre institutos públicos
administrativos e institutos públicos empresariais, desagregando os institutos públicos
empresariais da noção de instituto público e autonomizando uma categoria própria de
empresas públicas – os institutos empresariais deram lugar às célebres entidades públicas
empresarias, que são uma das principais categorias de empresas públicas disciplinadas no DL
133/2013, de 3 de outubro.
Parece-nos em que Portugal prevalece hoje um conceito restrito de «instituto público», que separa
os institutos propriamente ditos e as entidades públicas empresariais (que têm um estatuto de
Direito Público, ainda que se rejam praticamente pelo Direito Privado, assim como as sociedades
de capitais públicos).

Os institutos públicos são criados e extintos pelo Estado – artigos 9.º e 10.º -; e são em geral
um instrumento da entidade matriz da Administração principal que designa os seus dirigentes e
exerce superintendência e tutela sobre eles - artigos 19.º, 20.º, 41.º e 42.º da Lei-Quadro dos
institutos públicos.

Por isso mesmo, pertencem, em geral, à Administração indireta do Estado ou das Regiões
Autónomas

EXCEÇÃO:

Mas, em certas condições, os institutos públicos podem também configurar:

 Formas de Administração autónoma (ex.: Universidades qualificadas como institutos


públicos autónomos);
 Formas de Administração independente (ex.: entidades administrativas independentes)

A Lei-Quadro em grande medida, salvaguardada a exceção do artigo 48.º onde vem esta
referência aos INSTITUTOS DE REGIME ESPECIAL, consagram um regime comum dos
institutos públicos

NOTA: São os institutos de regime comum que integram, normalmente, a Administração


indireta.

Mas como já se disse isso não equivale a abranger todos os institutos públicos, uma vez que pode
haver institutos públicos autónomos, como as Universidades, e institutos públicos independentes,
como as autoridades reguladoras independentes (que integram a Administração independente).
Para além das pessoas coletivas públicas territoriais (neste caso: Estado e Regiões Autónomas –
dado que as autarquias não podem criar institutos públicos), em teoria, também as associações
públicas podem ser titulares de institutos públicos; e até os próprios institutos públicos podem ter
uma espécie que se designa por sub institutos, que se criam por lei.
Portanto, neste sentido poderíamos dizer que os institutos públicos não gozam de garantia
institucional na lei fundamental, sendo apenas referidos no artigo 227.º, n.º 1, alínea o) CRP a
propósito das Regiões Autónomas.
A EXCEÇÃO a esta mesma afirmação são as Universidades, que gozam de garantia institucional
como institutos autónomos nos termos do artigo 76.º CRP, não podendo, por isso, estes serem
transformados em serviços diretos ou indiretos da Administração do Estado – Lei-Quadro n.º
3/2004 + artigo 76.º, n.º 2 CRP.

A criação de institutos públicos não é da exclusiva competência parlamentar, podendo ser


criados pelo Governo por via de diploma legislativo. São de criação e dissolução livre pelo
legislador, mas a sua criação tem que ser justificada, nos termos do artigo 10.º, n.º 2 Lei-Quadro
n.º 3/2004.

Artigo 10.º
Requisitos e processos de criação

2 - A criação de um instituto público será sempre precedida de um estudo sobre a sua necessidade e implicações
financeiras e sobre os seus efeitos relativamente ao sector em que vai exercer a sua atividade.

Portanto, o regime específico e a organização de cada instituto constam do diploma de criação e


dos respetivos estatutos, posteriormente aprovado por regulamento governamental. Não existe
reserva de lei para esse regime, salvo quanto aos aspetos fundamentais que devem constar do
diploma legislativo de criação – artigo 9.º, n.º 1 Lei-Quadro n.º 3/2004

Os institutos públicos podem ser doutrinariamente tidos de várias maneiras de acordo com o seu
substrato. A doutrina, de acordo com este critério, distinguia 3 modalidades:

 Serviços personalizados – serviços administrativos de caráter operacional ou


executivo, a que a lei atribui personalidade jurídica e autonomia administrativa e
financeira.
São quase verdadeiros departamentos de direção geral que a lei autonomiza para que possam
desempenhar melhor as suas funções.
(ex.: instituto da vinha e do vinho do Porto)

 Fundos e fundações públicas, ou seja, patrimónios afetados á prossecução de fins


públicos especiais
(ex.: instituições da Segurança Social – artigo 3.º, n.º 2 Lei-Quadro)

 Estabelecimentos públicos – entendidos como institutos públicos de caráter cultural


ou social organizados em serviços abertos ao público e destinados a efetuarem prestações
individuais aos cidadãos que delas careçam

(ex.: hospitais públicos, bibliotecas, museus – sempre e quando estejam dotados de


personalidade jurídica –; universidades públicas – embora possuam um regime
especial que lhes confira uma autonomia estatutária, científica e pedagógica)
Como se dizia a lei ELIMINOU de certa maneira esta modalidade de estabelecimentos públicos –
o artigo 3.º da Lei-Quadro n.º 3/2004, de 15 de janeiro só refere as 2 primeiras modalidades,
considerando os estabelecimentos como organismos ou departamentos dos serviços ou fundos
personalizados.
DOUTRINARIAMENTE HAVIA 3 MODALIDADES, MAS LEGALMENTE SÓ HÁ
DUAS

Funções dos institutos públicos

Os institutos públicos são muito versáteis, podendo ter:

 Funções prestacionais, sendo o suporte institucional de serviços públicos em sentido


próprio
(ex.: instituições de assistência, estabelecimentos de saúde e institutos de ensino)

 Funções reguladoras
(ex.: instituto da vinha e do vinho; institutos da farmácia e do medicamento)

 Função de apoio e fomento das entidades privadas


(ex.: instituto de apoio às pequenas e médias empresas industriais)

Organização e regime jurídico dos institutos públicos


Quanto à organização e regime jurídico, os institutos públicos possuem órgãos próprios e
necessários, entre os quais:

 Conselho Diretivo (artigo 18.º Lei-Quadro 3/2004 - órgão executivo) – órgão principal
 Conselho Fiscal (artigos 26.º a 28.º Lei-Quadro 3/2004 - órgão de fiscalização)
 Podem ter a criação de um Conselho Consultivo (artigo 29.º a 32.º Lei-Quadro 2004 -
órgão consultivo)

Por via de regra, os titulares dos órgãos dos institutos públicos são livremente nomeados e
exonerados pelo Governo; e o seu mandato é 5 anos, salvo demissão ou destituição – artigo 19.º,
n.º 4 e 20.º, n.º 1 Lei-Quadro n.º 3/2004

Como elementos da Administração indireta, os institutos públicos (de regime comum) estão
sujeitos a tutela e superintendência – artigos 41.º e 42.º da Lei-Quadro. A tutela é particularmente
intensa no que respeita à gestão financeira e em geral encontram-se adstritos a um ministério em
particular, designado ministério da tutela.
Existem algumas categorias de institutos públicos com regimes especiais . Uma coisa são
os institutos públicos de regime comum e outra são os institutos públicos de regime especial. São
estes últimos que podem dar lugar a formas de organização administrativa diferente
(Administração autónoma e independente) – artigo 48.º da Lei-Quadro n.º 3/2004.
Podem existir, portanto, alguns institutos públicos com regimes especiais mais ou menos
divergentes do previsto na Lei-Quadro, entre os quais contam os estabelecimentos de ensino
superior (universidades e escolas de ensino superior politécnico), os estabelecimentos do SNS e,
ainda, as instituições públicas de solidariedade e segurança social.

Artigo 48.º
Normas especiais

1 - Gozam de regime especial, com derrogação do regime comum na estrita medida necessária à sua
especificidade, os seguintes tipos de institutos públicos:
a) As universidades e escolas de ensino superior politécnico;
b) As instituições públicas de solidariedade e segurança social;
c) Os estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde;
d) (Revogada.)
e) (Revogada.)
f) (Revogada.)

NOTA: o professor considera como institutos públicos de regimes especiais as entidades


administrativas independentes, sendo que, a seu ver, estas foram por lapso removidas do
elenco do artigo 48.º da Lei-Quadro n.º 3/2004, de 15 de janeiro.

Falarmos em categorias especiais de institutos públicos, significa que, além dos institutos públicos
de estatuto comum, a Lei-Quadro reconhece algumas categorias de institutos públicos de regime
especial – previstas no artigo 48.º da Lei Quadro n.º 3/2004, de 15 de janeiro.

NOTA: CASO DAS UNIVERSIDADES - As Universidades, ao serem institutos públicos autónomos,


para além de terem autonomia científica e pedagógica, têm autonomia estatutária consagrada
constitucionalmente, coisa que os outros institutos não têm. Assim, na opinião do professor, estes
institutos públicos não se integram na Administração indireta, mas sim na Administração
autónoma institucional. É claro que há doutrina que defende que é administração indireta com
autogoverno.

EM SUMA:
Assim, por um lado, há que distinguir os institutos públicos de regime comum que integram a
Administração indireta e os institutos públicos de regime especial que podem integrar outros tipos
de Administração, nomeadamente a Administração autónoma institucional, como acontece com
as Universidades; ou a Administração independente, como acontece com as entidades
administrativas independentes (que apesar de eliminadas erraticamente).
EMPRESAS PÚBLICAS

Neste caso das empresas públicas e do setor público empresarial pontifica DL


133/2013, de 3 de outubro

Para começar, em sentido genérico, são empresas públicas todas as organizações económicas
criadas com capitais públicos, ou dominadas pelo poder público, e organizadas sobre forma
empresarial, independentemente da sua configuração jurídico-institucional.

Num sentido menos amplo só podemos falar de empresas públicas quando essas organizações
forem dotadas de personalidade jurídica, com autonomia de gestão (nomeadamente em matéria
de propriedade, liberdade contratual, responsabilidade), embora sob controlo dos órgãos da
Administração Pública. Neste sentido restrito a expressão exclui os serviços e estabelecimentos
públicos empresariais desprovidos de personalidade jurídica. Por isso é que nós, ao contrário
do Professor Freitas do Amaral, consideramos que os serviços municipalizados não integram a
noção de empresa pública.
Entre nós, a noção de empresa pública nasceu no final do Estado Novo, sobre a forma de entidades
públicas empresariais, dotadas de capital próprio, personalidade jurídica de Direito Público e de
uma gestão empresarial. Portanto, resultaram da desagregação dos institutos públicos
empresariais, dando ligar às entidades públicas empresariais.
Na altura constitui uma novidade, visto que os serviços públicos de natureza económica,
nomeadamente os serviços públicos prestacionais (ex.: CTT), revestiam até aí a natureza de
institutos públicos, estando por isso sujeitos a um regime de gestão administrativa.
Depois de 1974, a generalidade das empresas assumiu este modelo de entidade pública
empresarial (DL 260/76), sendo que, a partir dos anos 80 e sobretudo nos finais dos anos 80, as
empresas públicas começaram a transformarem-se em sociedades de capitais públicos, tendo em
vista a sua privatização – MODELO ESTE QUE SE TORNOU UM MODELO PRINCIPAL
DE EMPRESA PUBLICA.

Nos termos DL 133/2013, de 3 de outubro, a noção de empresa pública, no regime jurídico-


administrativo português, engloba dois tipos jurídicos muito distintos:

 Empresas de tipo institucional/ entes públicos empresariais


Estas começaram por ser o regime comum das empresas públicas, passando depois a ser o modelo
mais secundário, dando lugar à primariedade das sociedades de capitais públicos. Isto pode, desde
logo, notar-se no artigo 5.º DL 133/2013
São pessoas coletivas de Direito Público, cujo regime jurídico vem previsto nos artigos 56.º e
seguintes DL 133/2013.

 Empresas de natureza societária/ sociedades de capitais públicos


Estas têm o seu capital representado em partes sociais, designadamente ações, e constituem
pessoas coletivas de Direito Privado. Além do mais, estas são regidas pela Lei das Sociedades
Comerciais.
Quanto ao objeto destacam-se ainda as empresas de serviços públicos, consagradas no artigo 55.º
DL 133/2013, que são aquelas empresas públicas encarregadas da gestão de serviços de interesse
económico geral. Portanto, importa destacar que estas empresas de serviço público são empresas
que fornecem prestações aos particulares em regime de serviço público, para satisfação de
necessidades coletivas básicas, como a água e os transportes ferroviários.

Deve observar-se, porém, que não existe uma coincidência entre setor empresarial
público e empresas de serviço público. Nem todas as empresas públicas são empresas de
serviço público, dado que há muitas empresas públicas que não têm a incumbência da prestação
de serviços públicos. Por outro lado, nem só as empresas públicas podem ser empresas de serviço
público – pode haver concessão de serviços públicos a empreas privadas.

Entes públicos empresariais


Quanto aos entes públicos empresariais vejam-se o artigo 56.º e seguintes DL 133/2013.
Os entes públicos empresariais são qualificados como pessoas coletivas de Direito Público,
embora se rejam fundamentalmente por normas de Direito Privado – não porque este Direito
Privado se lhes aplique automaticamente, mas porque o Direito Administrativo manda aplicar o
Direito Privado. A atividade que desenvolvem não é de gestão pública, mas sim de gestão privada.
Isto é assim na medida em que a sua vocação e orientação para o mercado necessita de uma grande
liberdade de ação, mobilidade e flexibilidade do modo de funcionamento, que são facilitadas pela
utilização do Direito Privado.
No entanto, sempre que necessário, e visto que são pessoas coletivas de Direito Público, podem
lançar mão do Direito Público, na medida em que têm a seu cargo altos interesses públicos cuja
salvaguarda pode exigir a utilização de meios de ius imperi.

Quanto à sua estrutura orgânica, ela vem definida no artigo 60.º, apontando para a ideia de
que a administração e fiscalização das entidades públicas empresariais deve estruturar-se segundo
as modalidades e com as designações previstas paras as sociedades de capitais públicos (pessoas
coletivas de direito privado)

Sociedades de capitais públicos


Portanto, quanto às sociedades de capitais públicos, deve observar-se que, em virtude destas, o
número de entes públicos empresariais diminui bastante – a maior parte das empresas públicas
reveste agora a natureza de sociedades de capitais públicos.
As sociedades de capitais públicos são pessoas coletivas de Direito Privado e estão, portanto,
sujeitas ao regime das Sociedades Comerciais.
Nos termos da Lei Comercial, os seus órgãos incluem uma Assembleia Geral; a expressão do
capital social, mesmo quando o acionista é um só; um órgão de administração nomeado e
responsável perante a Assembleia Geral e um órgão de fiscalização – artigo 31.º e seguintes DL
133/2013.
NOTA: os poderes do Estado, como acionistas dessas empresas, são desempenhados por
delegados indicados, normalmente, pelo ministro das finanças e pelo ministro da tutela, cabendo-
lhes propor e tomar, na Assembleia Geral, as decisões atinentes à gestão da empresa, incluindo a
designação dos administradores.
Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o conselho de administração de empresas
públicas integra sempre um elemento designado ou proposto pelo membro do Governo
responsável pela área das finanças, que deve aprovar qualquer matéria cujo impacto financeiro na
empresa pública seja superior a 1% do ativo líquido – artigo 31.º, n.º 4
A falta de anuência do membro do conselho de administração designado ou proposto pelo
membro do Governo responsável pela área das finanças relativamente a qualquer matéria referida
no número anterior determina a sua submissão a deliberação da assembleia geral ou, não existindo
este órgão, a despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e do
respetivo sector de atividade – artigo 31.º, n.º 5.

Ao lado das sociedades de capitais integralmente públicos, existem também sociedades de


capitais mistos, em que o capital é partilhado por entidades públicas e por entidades privadas.

ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS
As associações públicas fazem parte da Administração autónoma associativa/ Administração
autónoma não territorial – referimo-nos, essencialmente, às ordens profissionais, cujo diploma
que rege esta matéria é a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro.

Portanto, as associações públicas (corporações públicas – designação da doutrina) são pessoas


coletivas de Direito Público – artigo 4.º, n.º 1 Lei 2/2013, de natureza associativa, criadas por ato
do poder público – artigo 7.º Lei 2/2013.
Estas desempenham tarefas administrativas próprias, relacionadas com os interesses próprios dos
seus membros, e, em princípio, se governam-se a si mesmas através de órgãos próprios – por via
de regra, sem dependência de ordens ou orientações heterónomas (governamental), pese embora
sujeitas a tutela administrativa de mera legalidade (artigo 45.º Lei 2/2013).

Artigo 45.º
Tutela administrativa

1 - As associações públicas profissionais não estão sujeitas a superintendência governamental nem a tutela de
mérito, ressalvados, quanto a esta, os casos especialmente previstos na lei.
2 - As associações públicas profissionais estão sujeitas a tutela de legalidade idêntica à exercida pelo Governo
sobre a administração autónoma territorial.
3 - A lei de criação ou os estatutos de cada associação pública profissional estabelecem qual o membro do Governo
que exerce os poderes de tutela sobre cada associação pública profissional.
4 - Ressalvado o disposto no número seguinte, a tutela administrativa sobre as associações públicas profissionais é
de natureza inspetiva.

(…)
Ao contrário das associações privadas, que são expressão de uma liberdade de associação, as
associações públicas são uma expressão do poder do Estado para congregar oficialmente certas
categorias de particulares e incumbi-los unilateralmente do exercício de certos poderes públicos.

Elementos constitutivos da noção típica de associação pública:

 A existência de uma coletividade de membros que compõe uma determinada profissão


 A criação ou reconhecimento por ato público – por lei – artigo 7.º
 Tem uma estrutura associativa, isto é, organizatória que assenta na coletividade dos seus
membros – artigo 2.º
 Possuem autogoverno, isto é, as associações públicas são governadas por órgãos próprios
representativos dos seus membros – artigo 15.º
 Desempenham tarefas públicas confiadas aos próprios interessados (coabitação entre o
interesse público e o interesse destes grupos profissionais) – artigo 5.º
 Gozam de autodeterminação, isto é, da capacidade de decisão própria, de auto-orientação
e responsabilidade própria

Podemos sintetizar que, com as associações públicas a lei entrega a organizações de sujeitos
privados a prossecução de um interesse público que coincide pelo menos parcialmente com os
interesses particulares dos seus membros – POR ISSO CONSTITUTEM UM FENOMENO
DE ADMINISTRAÇÃO AUTONOMA
Para além das administrações públicas profissionais, nós podemos constatar associações públicas
económicas, culturais (de academias), de assistência e Segurança Social, desportivas, religiosas.

No entanto, as mais típicas associações públicas são as de caráter profissional – ordens


profissionais e figuras afins que são formadas pelos membros de certa profissão de interesse
público, com o fim de precisamente, por delegação de poderes do Estado, poderem regular e
disciplinar o exercício da respetiva atividade profissional - artigo 2.º, 2ª parte e artigo 5.º

Há também quem considere como associações públicas as associações de entidades públicas –


ex.: associações de municípios.
Quanto a nós, trata-se de figuras distintas que não passam de formas de cooperação
interadministrativa – seria melhor qualificá-las de consórcios públicos que não são verdadeiras
Associações Públicas, porque estas pressupõem um abstrato de entidades particulares.
Portanto, no entendimento do Professor, não se deve aplicar associação pública em sentido amplo
a formas de cooperação e associação entre municípios como resulta do artigo 63.º e seguintes da
Lei 75/2013.
Nós temos aqui uma noção restrita de associações públicas que assenta num substrato de entidades
particulares, e não num substrato de entidades publicas, como acontece com certas formas de
cooperação interadministrativa.
Regime jurídico das associações públicas
As associações públicas estão consagradas na CRP e gozam de um especial estatuto
constitucional.
Este regime consiste em determinados traços característicos:

 A legislação que lhe respeita é reserva relativa da Assembleia da República – artigo 165.º,
n.º 1, f)
 Só podem ser constituídas para a satisfação de necessidades específicas – artigo 267.º,
n.º 4;
 Não podem exercer funções próprias das associações sindicais – artigo 267.º, n.º 4 CRP;
 A sua organização interna deve basear-se no respeito dos direitos dos seus membros e na
formação democrática dos seus órgãos.

Regime legal das associações públicas


Diga-se que as associações públicas são criadas por lei que define o substrato pessoal, as suas
atribuições (artigo 5.º) e a sua organização (artigo 13.º e ss.).
Apesar de serem normalmente formas de autoadministração, as associações públicas não gozam
de autonomia estatutária, porque os seus estatutos são aprovados por lei – artigo 8.º. Em geral
dispõem de amplos poderes regulamentares e poderes sancionatórios (poder disciplinar
profissional – artigo 18.º)
Do ponto de vista do seu regime jurídico, as associações públicas embora sendo pessoas coletivas
de Direito Público estão legalmente sujeitas a um regime dualista, em que o exercício dos seus
poderes privados está sujeito ao Direito Público – artigo 4.º.

Artigo 4.º
Natureza e regime jurídico

1 - As associações públicas profissionais são pessoas coletivas de direito público e estão sujeitas a um regime de
direito público no desempenho das suas atribuições.
2 - Em tudo o que não estiver regulado na presente lei e na respetiva lei de criação, bem como nos seus estatutos,
são subsidiariamente aplicáveis às associações públicas profissionais:
a) No que respeita às suas atribuições e ao exercício dos poderes públicos que lhes sejam conferidos, o Código do
Procedimento Administrativo, com as necessárias adaptações, e os princípios gerais de direito administrativo;
b) No que respeita à sua organização interna, as normas e os princípios que regem as associações de direito
privado.

Assim, aplica-se aqui, também, um regime de Direito Privado, mas aplica-se, essencialmente, o
regime de Direito Público.
Portanto, no que respeita aos poderes que são atribuídos por lei convém notar que estas gozam de
um conjunto de poderes que lhes são atribuídos por lei e que são fundamentais para a configuração
jurídicas das associações públicas profissionais. Primeiramente, gozam do privilégio da
unicidade – artigo 13.º, n.º 1 Lei 2/2013 -, o que significa que só pode haver uma associação
pública para prosseguir cada interesse por essa forma no país.
Em segundo lugar beneficiam do princípio da obrigatoriedade de inscrição para o exercício
da função – artigo 24.º, n.º 1.

Depois podem impor cotização obrigatória. No caso das ordens profissionais, controlam o
acesso à profissão do ponto de vista deontológico; exercem sobre os seus membros poderes
disciplinares, que podem ir até à interdição do exercício da profissão, nos termos do artigo 25.º,
n.º 2.

Por último, todas gozam de autonomia regulamentar, administrativa, financeira, disciplinar e


até jurídica, mas nenhuma dispõe de autonomia estatutária.

Deveres e sujeições das associações públicas


Quando aos seus deveres e sujeições, as associações públicas têm de colaborar com o Estado em
tudo o que lhes seja solicitado no âmbito das suas funções, mas com salvaguarda da sua
independência, têm de respeitar na sua atuação os princípios fundamentais do Direito
Administrativo (as decisões unilaterais que tomem são consideradas atos administrativos,
contenciosamente impugnáveis diante dos Tribunais Administrativos); e a responsabilidade
patrimonial a que estão sujeitas é também a responsabilidade administrativa – artigo 46.º Lei
2/2013.

ENTIDADES ADMINISTRATIVAS INDEPENDENTES


Falamos aqui na tal Administração independente, cujo diploma principal na matéria é a Lei-
quadro n.º 67/2013, de 28 de agosto

Ora, numa primeira aproximação ampla são administrações independentes todas as entidades
administrativas que definem elas mesmas a sua orientação, claro que dentro das atribuições e
competências estabelecidas pela CRP e pela lei, sem receberem orientações heterónomas e sem
estarem sujeitas ao controlo de outras entidades quanto ao modo como prosseguem os seus fins
ou exercem as suas atividades – ESTÁ EXCLUÍDA QUALQUER TUTELA DE MÉRITO
Cabem aqui todas as entidades administrativas territoriais e até as demais formas de
Administração autónoma.
Porém, quando falamos de entidades administrativas independentes (artigo 267.º, n.º 3 CRP) não
estamos a falar neste sentido amplo. Quando nos referimos às entidades administrativas
independentes em sentido próprio (estrito) elas não correspondem à autoadministração de
coletividades territoriais ou funcionais, porque não representam fenómenos de administração
autónoma.
Por outro lado, embora tratando-se, em geral, de prosseguir fins do Estado por meio de entidades
por ele criadas, elas estão longe, contudo, de corresponder ao paradigma da Administração
indireta, porquanto não se encontram numa situação de dependência/instrumentalidade, antes
gozando de uma substancial independência perante à Administração do Estado – NÃO ESTÃO
SUJEITAS A SUPERINTENDÊNCIA NEM A CONTROLO DE MÉRITO
Assim, compartilham as características da Administração autónoma sem, no entanto, serem uma
expressão da autodeterminação própria da Administração autónoma.
No fundo a Administração independente tem características que a aproxima da Administração
autónoma, sem, no entanto, corresponder a expressões desta, por não haver formas e
autoadministração ou de autogoverno.
Noutra mão, apesar de as entidades administrativas independentes serem criadas pelo Estado para
realizarem tarefas administrativas que lhe competem (ao Estado), estão isentas de subordinação
e controlo, como se se tratasse de Administração autónoma.
Há aqui uma ideia de instrumentalização, na medida em que são entidades realizam tarefas e
funções administrativas que competem ao Estado, mas que, ao mesmo tempo, o Estado isenta de
qualquer subordinação ou controlo, o que as afasta da Administração indireta.
Têm elementos que se aproximam da Administração indireta sem constituírem Administração
indireta; e têm elementos de Administração autónoma, sem, no entanto, constituírem
Administração autónoma, por não gozarem da autoadministração nem do autogoverno que dão a
matriz à Administração autónoma.
A filosofia que lhe está subjacente encontra-se na preocupação de assegurar a
desgovernamentalização e a neutralidade política de certas esferas administrativas, vedando a
intervenção governamental nestas esferas.

Repare-se que os organismos da Administração independente têm normalmente uma série de


características:

 Os seus titulares nem sempre são nomeados pelo Governo, podendo ser nomeados pelo
Parlamento – ex.: autoridades de garantia de certos Direitos Fundamentais
Se as autoridades reguladoras independentes têm os seus membros designados pelo Governo, já
as autoridades de garantia de certos Direitos Fundamentais têm os seus membros também
nomeados pelo Parlamento.

 Contudo, mesmo quando os membros das autoridades reguladoras independentes são


nomeados pelo Governo, estes não o representam nem seguem instruções dele.

 O mandato é, em geral, mais longo do que o dos organismos da Administração indireta –


artigo 20.º Lei-quadro 67/2013

 Os seus titulares são inamovíveis e responsáveis pelas posições/opiniões que adotem no


exercício das suas funções

 Não devem obediência a nenhum outro órgão, e a sua atividade não está sujeita a
superintendência alheia ou de controlo de mérito – artigo 45.º Lei-quadro 67/2013

 Dispõem em geral de receitas próprias (forma reforçada de autonomia financeira – artigo


36.º Lei-quadro 67/2013)
Funções:

 Desempenham funções de consulta de informação e de proposta ao Governo ou, mais


frequentemente, dispõem de funções de administração ativa incluindo poderes
regulamentares e sancionatórios (artigos 40.º, 42.º e 43.º Lei-quadro 67/2013)

No caso de incluírem, portanto, poderes regulamentares e sancionatórios deveríamos falar, não


de entidades administrativas independentes, mas de autoridades administrativas independentes.

Bibliografia:
FREITAS DO AMARAL, Curso..., op. cit., pp. 309-357; COLAÇO ANTUNES, A Ciência Jurídica Administrativa,
op. cit., pp. 99 a 117; VITAL MOREIRA, Administração Autónoma..., op. cit., pp. 380-408; 541-568; J. COUTINHO,
O Público e o Privado na Organização Administrativa, Coimbra, 2017, p. 401-438; PAULO OTERO, "Institutos
públicos", in DJAP, vol. V, pp. 250-273.
Aula n.º 16 – 16-11-2020 – ‘16. As associações públicas: definição, modalidades e organização. 17. A
Administração independente. 18. As entidades administrativas de direito privado e o exercício privado de funções
públicas.’

Modalidades de entidades administrativas independentes:

No entendimento do professor há duas modalidades fundamentais de Entidades Administrativas


Independentes:

 Autoridades reguladoras independentes


 Autoridades de garantia de certos Direitos Fundamentais

NOTA: A Lei-quadro das Autoridades Administrativas Independentes, ainda que apenas com
funções de regulação da atividade económica, tem um regime apenas relativo a uma das
modalidades das Entidades Administrativas Independentes: autoridades reguladoras
independentes

As autoridades reguladoras independentes são, em geral, autoridades criadas pelo


Governo, sendo os seus membros nomeadas por ele e que têm funções meramente regulatórias:
estas não participam na atividade regulada ou na gestão dos serviços regulados (tem uma função
estritamente regulatória e, nalguns casos, sancionatória).

(ex.: Contam-se entre estas modalidades a Comissão de mercados de valores imobiliários,


entidade reguladora dos serviços energéticos, a autoridade nacional de telecomunicações
(artigo 4.º)

Mas, no artigo 3.º, n.º 3 da Lei 67/2013, vêm enumeradas as autoridades reguladoras
independentes: autoridade da concorrência, institutos de seguros de Portugal, instituto nacional
de aviação civil, entidade reguladora da saúde, etc.
Agora, por um lado, estas dependem mais do Governo, por outro lado, atuam mais no campo
económico-financeiro.

Por outro lado, a segunda modalidade, relativa às autoridades de garantia de certos Direitos
Fundamentais, são normalmente criadas pela Assembleia da República e funcionam junto dela,
sendo os seus titulares eleitos por ela, e cujas suas funções consistem em assegurar a proteção de
certos Direitos Fundamentais.

(ex.: é o caso da Autoridade Reguladora da Comunicação Social, da Comissão nacional de


eleições, da Comissão nacional de proteção de dados pessoais, da Comissão de acesso aos
documentos informativos, da Comissão para a fiscalização dos segredos de Estado)
No fundo, quer em matéria económico-financeira, quer em matéria de garantia de certos Direitos
Fundamentais entendeu-se proceder a uma certa desgovernamentalização de certas esferas
administrativas, por se entender que os direitos das entidades em causa e das pessoas ficariam
melhor garantidos através destas entidades administrativas independentes.
Em Portugal, até à revisão constitucional de 1997, não havia um explicito fundamento
constitucional desta Administração Independente, salvo nos casos expressamente previstos na
CRP: como Alta Autoridade para a Comunicação Social (a atual autoridade reguladora da
comunicação social).
Outros poderiam ser admitidos quando a lei fundamental requeria expressamente a independência
ou imparcialidade política para certas esferas administrativas, como sucedia com a Comissão
Nacional de Eleições.
Mas, na falta de uma cláusula geral facultativa da criação legislativa de novas instâncias
resultavam de Administração Independente, resultavam sempre constitucionalmente
problemáticos os casos para os quais não existia uma explícita credencial constitucional.

Foi relativamente a estes problemas que, no fundo, o artigo 277º, n.º 3 CRP veio procurar
resolver, consagrando expressamente a criação de Entidades Administrativas Independentes.
Estas Entidades Administrativas Independentes são, então, criadas por lei (artigo 7.º da Lei
67/2013), podendo, a ver do professor, tratar-se de um Decreto-Lei governamental, visto que a
CRP não parece estabelecer nenhuma reserva de competência parlamentar nesta matéria, salvo
no caso especial da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, prevista diretamente na
Constituição.

As Entidades Administrativas Independentes tanto podem ter personalidade jurídica como não:

 As autoridades reguladoras independentes têm personalidade jurídica

 Já as que estão sobre a égide da Assembleia da República – autoridades de garantia de


certos Direitos Fundamentais –, em geral, não detém personalidade jurídica, o que
significa que, quando assim é, trata-se tecnicamente se institutos públicos/ serviços
públicos personalizados, embora não pertençam à Administração Indireta, dada a sua
independência administrativa

A diferença entre os institutos públicos comuns e os que se qualificam como autoridades


reguladoras independentes é importante. E certo que o legislador na Lei-quadro dos Institutos
Públicos, no artigo 48.º, veio revogar a alínea f) relativa às autoridades administrativas
independentes (o professor continua a considerar as entidades administrativas independentes
como institutos públicos independentes que fazem parte da Administração Independente e não da
Indireta).
As entidades administrativas independentes, sobretudo as autoridades reguladoras, são dotadas,
por lei, de extensos poderes normativos – artigo 40.º, n.º 2 e n.º 3 -, detêm poderes de fiscalização
e supervisão (de polícia) e poderes sancionatórios – artigos 42.º e 43.º da Lei 67/2013
Algumas têm ainda poderes para dirimir conflitos entre entidades privadas (ex.: julgamento de
recursos sobre o direito de resposta para a autoridade reguladora da Comunicação Social).

No entanto, a Administração Independente tem limites (artigo 6.º), quer quanto à amplitude dos
seus poderes, quer quanto ao número e extensão dos setores administrativos que lhe são confiados.

 Quanto à amplitude dos seus poderes, devemos notar, desde logo, que as autoridades
administrativas independentes:
 Não podem ter poderes normativos nos domínios de reserva de lei;
 Nem podem ter poderes jurisdicionais, que devem caber aos tribunais;
 Nem devem ter poderes que se traduzam numa forma de desoneração das
funções de definição das orientações básicas da Administração, que
constitucionalmente cabem ao Governo (artigo 199.º CRP)

 No que respeita ao número e extensão dos setores administrativos que lhe são
confiados, deve entender-se que vigora o princípio segundo o qual as autoridades
administrativas independentes não podem seguir um princípio geral da organização
administrativa.
Elas devem ser sempre uma solução especial, e mesmo excecional, devidamente
justificada, para esferas contadas da Administração.

É que, para além do mais, é necessário não esquecer que nos casos da Administração
Independente estamos perante fenómenos de eliminação/moderação da responsabilidade
democrática destas entidades, justificada pela independência e imparcialidade, ligadas à sua
legitimidade técnico-profissional.

Todavia, a Lei 67/2013, no artigo 17.º, n.º 2, diz:


«2 - Os membros do conselho de administração são escolhidos de entre indivíduos com reconhecida
idoneidade, competência técnica, aptidão, experiência profissional e formação adequadas ao exercício
das respetivas funções, competindo a sua indicação ao membro do Governo responsável pela principal
área de atividade económica sobre a qual incide a atuação da entidade reguladora.»

Notando-se aqui uma preocupação de moderar a irresponsabilidade democrática destas entidades.

As alterações vêm, depois, no n.º 3 e no n.º 4, fundamentalmente, do mesmo artigo 17.º

«3 - Os membros do conselho de administração são designados por resolução do Conselho de Ministros,


tendo em consideração o parecer fundamentado da comissão competente da Assembleia da República.»
«4 - Para efeitos do número anterior, a emissão do parecer é precedida de audição na comissão
parlamentar competente, a pedido do Governo, o qual deve ser acompanhado de parecer da Comissão de
Recrutamento e Seleção para a Administração Pública relativo à adequação do perfil do indivíduo às
funções a desempenhar, incluindo o cumprimento das regras de incompatibilidade e impedimento
aplicáveis.»

Nota-se aqui já uma certa preocupação de criar uma maior democratização destas entidades,
com a envolvência do Parlamento, ainda que de uma forma não muito intensa: há aqui algum
escrutínio parlamentar, mas continuam a não ser eleitos pelo próprio Parlamento, como acontece
já em alguns países.
Isto deve-se ao «mito de a sua legitimidade» decorrer de uma certa autolegitimação pessoal dos
seus membros, ou seja, uma espécie de legitimação técnica que é um pouco alheia à legitimação
democrática, que carateriza a Administração comum e que torna o Governo responsável por ela
em relação ao Parlamento.

NOTA: no artigo 5.º da Lei 67/2013 vem explícito o regime jurídico destas entidades; no artigo
7.º vem a sua criação e ainda, quanto aos limites desta criação, deve referir-se o artigo 6.º, n.º 1 e
n.º 2.
O artigo 9.º refere ainda o ministério responsável (Ministério da Tutela); o artigo 10.º é relativo
aos órgãos e a partir do artigo 15.º temos a organização dos seus serviços (como funcionam os
respetivos órgãos e serviços).
Note-se que o mandato destas entidades é mais longo do que no caso dos institutos públicos (6
anos), sendo irresponsáveis e inamovíveis pelas opiniões e decisões que tomarem no exercício
das suas funções - artigo 20.º

É claro que a independência destas entidades não é completa – devemos tomar em


consideração o que diz o artigo 45.º, n.º 2, n.º 3 e n.º 4 – a independência das entidades
administrativas independentes é relativa, havendo algumas interferências do Governo enquanto
órgão administrativo na atividade destas entidades administrativas independentes.
ENTIDADES ADMINISTRATIVAS DE DIREITO PRIVADO

Quando se fala nas entidades administrativas de Direito Privado estamos a referir-nos a


uma forma de privatização organizatória da Administração. Normalmente, quando se fala em
privatização fala-se em privatização do Direito Administrativo tem mais a ver com a privatização
das formas de atividade, mantendo-se o estatuto de Direito Público da entidade. Mas, neste caso,
quando falamos de entidades administrativas de Direito Privado, a privatização centra-se na
forma da organização, pelo que as entidades públicas passam a ter uma natureza jurídica privada
quando antes podiam ter uma natureza jurídica pública.
Portanto, devemos salientar que, a par com as entidades administrativas, a Administração recorre
cada vez mais a organizações administrativas com estatuto jurídico-privado: administração
mediante entidades criadas pelas próprias autoridades administrativas, segundo o Direito Privado.
São pessoas coletivas formalmente privadas, mas com substrato público, porque são criadas e
formadas por entidades públicas: sociedades de capitais públicas (o capital pertence
maioritariamente a entidades públicas).
Há também outras formas, como as associações de entidades públicas criadas ao abrigo do Direito
Civil, como as comunidades intermunicipais.

Por vezes, são entidades de composição mista público-privada : sociedades mistas,


associações mistas, fundações mistas, cooperações mistas. Nestes casos estamos perante uma
modalidade do fenómeno de parcerias público-privadas em sentido genérico, que podem revestir
outros formatos que não a integração numa mesma entidade.
Quanto a parte pública tem uma posição dominantes temos uma situação de equiparação às
entidades exclusivamente públicas – assim pode ocorrer com as sociedades de capitais mistos,
que alei considera como empresas públicas quando se verifique o predomínio da parte pública
(artigo 3.º e 5.º, n.º 1 do DL n.º 133/2013, de 3 de outubro), bem como as funções erigidas pelo
Estado ou por outras entidades públicas, em parceria com entidades privadas.

ESTAMOS AQUI PERANTE A VERTENTE DA PRIVATIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO


NA SUA FORMA ORGANIZATORIA

Para já tem incidido sobre o setor empresarial público, mas começa a verificar-se alguma
privatização no setor público administrativo, o que acentuaria de forma dramática a privatização
organizatória da Administração.

Estas entidades administrativas privadas são de criação pública, têm composição pública, têm
financiamento público e têm missão pública. No entanto, não são pessoas coletivas de Direito
Público, mas pessoas coletivas de Direito Privado, estando em quase tudo sujeitas a este: quer
quanto ao património, quanto à gestão financeira, quanto aos contratos, quanto à responsabilidade
civil extracontratual, quer quanto às vias de execução das dívidas, etc.
QUESTÃO: A proliferação destas entidades pode levar-nos a algum problema de
inconstitucionalidade?
Crê-se que não: a admissibilidade constitucional destas entidades administrativas privadas, em
princípio, não suscita objeções, uma vez que, pese embora a CRP não as preveja, também não as
proíbe explicitamente, nem impõe que a Administração Pública consista somente em
organizações jurídico-públicas.

No entanto, a doutrina tende a assinalar alguns limites:

 Estas entidades não podem ser criadas para o desempenho de tarefas públicas, que
por natureza não podem deixar de ser prosseguidas por entidades públicas.
Isto se se entender que o núcleo duro da constituição administrativa consagra uma reserva
constitucional das entidades de Direito Público (artigos 266.º a 272.º CRP).
O limite tem de ser posto à luz, em termos constitucionais, de uma defensável reserva
constitucional.

 Não podem tornar-se uma solução genérica/comum da organização administrativa –


senão não faria sentido a tal reserva constitucional

Para terminar, apesar de criadas e regidas pelo Direito Privado, não deixam de ser entidades
administrativas – pertencem à organização administrativa e desempenham tarefas administrativas
– pelo que não podem fugir à vinculação aos Direitos Fundamentais e ao respeito pelos princípios
fundamentais da atividade administrativa, nomeadamente aos princípios da imparcialidade, da
igualdade de tratamento, da proporcionalidade, etc.
Por mais ampla que seja a liberdade de escolha das formas organizatórias de administração
privada, esta não pode servir de expediente para contornar os princípios constitucionais relativos
à organização e à atividade da Administração Pública – ENTENDIMENTO MAIS RAZOÁVEL
QUE CORRESPONDE À LETRA E AO ESPÍRITO DA LEI FUNDAMENTAL

EXERCÍCIO DE FUNÇÕES PÚBLICAS POR ENTIDADES PARTICULARES

 Tipo de privatização mais soft – administração por entidades particulares


Um dos traços mais característicos da administração contemporânea é o envolvimento de
particulares na atividade administrativa. Esta intervenção dos particulares pode assumir diferentes
formas e graus de intensidade distintos.
Todavia, parece que, para sintetizar no essencial, a forma mais tradicional foi a concessão de
obras públicas, de serviços públicos ou de exploração de domínio público, que podem ser
feitas através de atos administrativos ou de contratos. Estes últimos são os mais utilizados, isto é,
através de contratos de concessão de obras públicas, de contratos de concessão de serviços
públicos ou de contratos de exploração do domínio público.
NOTA: normalmente através destas formas o poder público confia, durante um certo número de
anos (por vezes períodos extraordinariamente longos), devendo, na opinião do professor, haver
uma fundamentação de tais períodos nos próprios contratos.
Parece uma ideia insólita, mas não é. Está em causa o erário público, porque se envolve montantes
financeiros extraordinariamente elevados. Crê-se que, para além de se fundamentar a decisão de
contratar ou de escolha de um determinado procedimento, deveria fundamentar-se a duração dos
contratos. Normalmente estes contratos (quer a sua durabilidade, quer os montantes fixados)
excedem-se sempre.

Fenómeno curioso: quando a participação envolve a partilha de poderes decisórios temos a


COADMINISTRAÇÃO.

Conclui-se dizendo que: é claro que esta forma de participação de privados em tarefas
administrativas tem-se vindo a desenvolver e a cobrir outras áreas. Se, inicialmente, só abrangia
determinadas infraestruturas, bem como os tradicionais serviços públicos de rede, energia, água,
saneamento e telecomunicações, hoje estas figuras têm sido aplicadas a estabelecimentos públicos
na área social e cultural (de saúde; escolas).
A participação e este desempenho de tarefas públicas por particulares pode assumir formas
jurídico-públicas e formas jurídico-privadas.
As entidades privadas que sejam beneficiárias da delegação de tarefas públicas podem revestir
vários tipos: sociedades comerciais, cooperativas, associações ou fundações.
É certo que a CRP, nos termos do artigo 267.º, n.º 6, aponta para que a relação jurídico-
administrativa que se estabelece entre o poder público e a entidade delegatária de tarefas públicas
possa envolver um controlo do primeiros sobre o segundo, a qual podemos reconhecer como uma
relação de tutela e de superintendência.

NOTA: Há quem considere que estas entidades fazem parte da Administração Indireta (seriam
uma espécie de administração indireta privada). Crê-se que não – quanto muito são Administração
Indireta em sentido funcional, desempenhando funções e tarefas administrativas, mas não
integrando orgânica e subjetivamente a Administração (267.º, n.º 6 CRP)

É de notar que, no desempenho de tarefas administrativas, as entidades particulares/ privadas


ficam sujeitas ao Direito Administrativo, sobretudo quando atuam no exercício de poderes de
autoridade (quando têm poderes jurídico-administrativos). O artigo 2.º, n.º 1 CPA manda aplicar
o CPA à atividade destas entidades quando elas atuam no exercício de poderes jurídico-
administrativos, estando, por isso também sujeitos ao controlo jurisdicional dos Tribunais
Administrativos, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea d) CPA.
Artigo 2.º
Âmbito de aplicação
1 - As disposições do presente Código respeitantes aos princípios gerais, ao procedimento e à atividade
administrativa são aplicáveis à conduta de quaisquer entidades, independentemente da sua natureza,
adotada no exercício de poderes públicos ou regulada de modo específico por disposições de direito
administrativo.

Para concluir, apesar de haver, atualmente, uma credencial constitucional, nos termos do artigo
267.º, n.º 6 CRP, a nosso ver isso não valida toda e qualquer transferência de tarefas públicas/
administrativas para o setor privado – devem ficar excluídas as matérias que a CRP reserva
expressa ou implicitamente aos poderes públicos enquanto tais.
O exercício de tarefas administrativas por entidades particulares NÃO SE PODE TORNAR O
PRINCÍPIO/REGRA. São necessárias, a CRP legitima-as, mas não se pode tornar numa forma
hegemónica de atuação administrativa, sob forma de nos confrontarmos com uma forma
inadmissível ou inconstitucional o sentido útil do texto constitucional.

Bibliografia:
COLAÇO ANTUNES, O Direito Administrativo e a sua Justiça no Início do Século XXI, op. cit., pp. 15 a 32;
FREITAS DO AMARAL, Curso..., op. cit., pp. 363-406; COLAÇO ANTUNES, A Ciência Jurídica Administrativa,
op. cit., pp. 99 a 117; VITAL MOREIRA, Administração Autónoma..., op. cit., pp. 380-408; 541-568; J.
COUTINHO, O Público e o Privado na Organização Administrativa, op. cit., p. 665 e ss.
Aula n.º 17 - 17-11-2020 – ‘19. Os órgãos administrativos - noção, funções e tipologia. As regras de
funcionamento dos órgãos colegiais. 20. Atribuições e competências. Definição e distinção. O caso especial do
Estado face à organização horizontal do Governo por Ministérios relativamente independentes. 20.1. A competência
em particular. 21. Da delegação de poderes. 22. Noção e natureza jurídica da delegação de poderes; regime
jurídico; suplência e substituição de órgãos. 23. Conflitos de atribuições e de competências.’

Como é que as pessoas coletivas funcionam?

 Análise dos órgãos


 Distinção entre atribuições e competências
 Funcionamento dos órgãos colegiais – artigos 20.º e seguintes CPA
 Figura da delegação de poderes
 Figura da substituição

Quando se fala em formas de cooperação interadministrativa quer-se dizer que hoje em dia os
organismos administrativos estabelecem frequentemente relações de cooperação entre si para a
prossecução de interesses comuns entre si – genericamente pode designar-se estes esquemas por
parcerias jurídico-públicas.
Esta cooperação tanto pode revestir-se de ocasionalidade e, nesse caso, reveste, em princípio, a
forma contratual ou para-contratual (ex.: protocolos e iniciativas comuns), como pode revestir
formas mais estáveis e institucionais, mediante a criação de organismos administrativos conjuntos
ou então a participação de organismos administrativos na vida de outras entidades
administrativas.

As formas de cooperação organizatória podem assumir ora formas jurídico-públicas, ora


formas jurídico-privadas.
No primeiro caso estão por exemplo as associações de municípios de Direito Público – artigos
relativos à Lei 75/2013 que fixa o regime jurídico das autarquias locais – artigo 63.º que tem que
ver com as comunidades intermunicipais. Nos termos do n.º 1 deste artigo podem ser instituídas
associações públicas de autarquias locais para a prossecução conjunta das respetivas atribuições
nos termos da presente lei.

Artigo 63.º
Natureza e fins
1 - Podem ser instituídas associações públicas de autarquias locais para a prossecução conjunta das
respetivas atribuições, nos termos da presente lei.
2 - São associações de autarquias locais as áreas metropolitanas, as comunidades intermunicipais e as
associações de freguesias e de municípios de fins específicos.
3 - São entidades intermunicipais a área metropolitana e a comunidade intermunicipal.
Ora, sobre este aspeto pontualiza-se:
Por um lado, ao contrário do que diz o legislador quando refere «podem ser instituídas associações
públicas», nós adotamos um conceito de associação pública mais estrito, uma vez que a
associação pública em sentido próprio pressupõe um substrato de entidades particulares. Quando
se trata de associações entre entidades administrativas parece mais apropriado fala-se em
consórcios públicos/ formas de cooperação interadministrativa – aqui o substrato não
é o de entidades particulares, mas sim de entidades públicas.
Entende-se que se deve distinguir esta forma associativa entre entidades administrativas daquelas
outras que se consideram associações públicas em sentido próprio.

Aqui, nas associações de autarquias locais destacam-se as áreas metropolitanas e as


comunidades intermunicipais, para além da associação de municípios e freguesia de fins
específicos.
Neste sentido, as formas de cooperação organizatória podem assumir formas jurídico-públicas ou
formas jurídico-privadas. Entende-se que as áreas metropolitanas são pessoas coletivas de Direito
Público de natureza associativa e de âmbito territorial e têm como finalidade prosseguir interesses
comuns aos dos municípios que as integram.

Já as comunidades intermunicipais são tratadas a partir do artigo 80.º da Lei 75/2013. Estas,
não deixando de ter atribuições e órgãos próprios (artigo 81.º e 83.º e ss.), nos termos do artigo
80.º, n.º 2, constituem-se por contratos nos termos previstos na Lei Civil, sendo outorgantes os
Presidentes dos órgãos dos municípios envolvidos.

Portanto, as formas de cooperação organizatória, como formas jurídico-públicas,


encontramos as associações de municípios de Direito Público como as áreas metropolitanas, mas
não já as associações de municípios de Direito Privado.

Cabem no modelo das formas jurídico-privadas as sociedades de capitais públicos, em que o


capital cabe a várias entidades públicas ou a fundações de Direito Privado, instituídas por
entidades públicas ou associações de Direito Privado constituídas por elas.
Por outro lado, pode tratar-se de organismos homogéneos conglobando entidades públicas da
mesma espécie (ex.: associativismo autárquico; constituição de uma empresa intermunicipal),
ou pode associar entidades públicas de diversa natureza (ex.: fundação de Direito Privado
participada pelo Estado).

ASSIM, AS POSSIBILIDADES DE COMBINAÇÃO SÃO INESGOTÁVEIS

NOTA: estas entidades que consubstanciam uma certa forma de associativismo autárquico (área
metropolitana e as comunidades intermunicipais) no nosso ver são formas sui generis de
associações de municípios compreendidos nas respetivas áreas de influência. Assim, não se trata
da criação de novas autarquias locais (definidas no artigo 236.º CRP – freguesias, municípios e
regiões administrativas) – SERIA INCONSTITUCIONAL EM VIRTUDE DA TIPICIDADE
DAS AUTARQUIAS LOCAIS
Não são associações públicas também, mas mais consórcios públicos; não constituem a criação
de novas autarquias locais – o que seria inconstitucional como já visto.
Dito isto vamos ver como funcionam por dentro as pessoas coletivas de Direito Público que são
o elemento principal da Administração:

As pessoas coletivas são dirigidas por órgãos, cabendo-lhes tomar decisões em nome da pessoa
coletiva que integram – manifestar a vontade imputável a essa pessoa coletiva. São eles (órgãos)
que realizam as atribuições da pessoa coletiva pública respetiva, mediante o exercício de
competências que lhes tenham sido conferidas para esse efeito.
Pode haver pessoas coletivas com um único órgão, mas a regra geral é a constatação de que as
pessoas coletivas de Direito Público possuem vários órgãos (executivos, deliberativos, dirigentes,
subordinados, principais, auxiliares), o que significa que esta pluralidade de órgãos implica uma
repartição de competências entre eles – uma espécie de separação de poderes.

Classificação dos órgãos:


O próprio CPA no artigo 20.º, n.º 2 diz: «Os órgãos são, nos termos das normas que os instituem ou
preveem a sua instituição, singulares ou colegiais e permanentes ou temporários.».

Vamos enumerar uma lista maior:

 Órgãos singulares: têm um só titular


 Órgãos colegiais: tem 3 ou mais titulares. Os órgãos colegiais têm regras especiais de
funcionamento

 Órgãos centrais: são aqueles que têm competência sobre todo o território nacional
 Órgãos locais: têm a sua competência limitada a uma circunscrição administrativa

 Órgãos primários: são aqueles que dispõem de competência própria para decidir as
matérias que lhes estão confiadas
 Órgãos secundários: apenas dispõem de competências delegada
 Órgãos vicários: exercem a sua competência por substituição de outros órgãos

 Órgãos representativos: aqueles cujos titulares são livremente designados por eleição
 Órgãos não representativos: os restantes

 Órgãos ativos: são aqueles a quem compete tomar decisões ou executá-las – aqueles que
consubstanciam a administração ativa
 Órgãos consultivos: fazem parte da administração consultiva, e cuja função é dar
pareceres e opiniões de modo a esclarecer os órgãos ativos, fornecendo-lhes os
conhecimentos necessários
 Órgãos de controlo: fiscalizam a regularidade do funcionamento dos outros órgãos
Depois existem ainda órgãos (ativos) decisórios ou executivos e deliberativos (no caso de serem colegiais) / órgãos
permanentes ou temporários/ órgãos simples ou complexos – Freitas do Amaral pp. 628/629

Funcionamento dos órgãos colegiais – artigo 20.º e seguintes do CPA:


 IMPORTANTE: ver definições das páginas 630-635 de Freitas do Amaral

Desde logo o artigo 20.º, n.º 1 CPA refere os elementos estruturais do órgão: «1 – São órgãos da
Administração Pública os centros institucionalizados titulares de poderes e deveres para efeitos da prática
de atos jurídicos imputáveis à pessoa coletiva.».

O exposto no artigo 20.º, n.º 3 CPA deve-se à variedade de órgãos e trata-se de uma faculdade e
não de uma vinculação – há aqui alguma margem de liberdade de decisão e de discricionariedade.

«Durante décadas, não houve em Portugal nenhum diploma legislativo que regulasse de forma genérica o regime
jurídico da constituição e funcionamento dos órgãos colegiais da Administração Pública (…) A situação inverteu-se
em 1991 com o primeiro Código do Procedimento Administrativo (…)» - F.A. p. 630

(artigos 21.º a 35.º CPA)


Artigo 21.º CPA – normalmente, os órgãos colegiais, sempre que a lei não disponha de forma
diferente, têm um Presidente e um Secretário a eleger pelos membros que compõem o órgão
colegial (n.º 1). O Presidente do órgão tem múltiplos poderes e funções: desde logo, cabe-lhe abrir
ou encerrar as reuniões, assegurar a sua boa ordem, dirigir os trabalhos e assegurar o cumprimento
das leis e a regularidade das deliberações, suspender ou encerrar antecipadamente as reuniões
diante decisão fundamentada – n.º 2 e n.º 3
Compete ao Secretário redigir os projetos de atas das reuniões, passá-las ao livro respetivo uma
vez aprovadas, organizar o expediente e, em geral, coadjuvar o presidente no que por este lhe for
determinado.
Nos termos do n.º 4, o Presidente do órgão é ainda o guardião da legalidade do funcionamento do
órgão e das respetivas deliberações. Esta competência parece competir exclusivamente ao
Presidente (legitimidade processual ativa).

No artigo 22.º CPA temos a suplência do Presidente e do Secretário. Quando ocorra ausência ou
impedimento destes membros eles são substituídos pelo vogal mais antigo (no caso do
Presidente) e pelo vogal mais moderno (no caso do Secretário) – o vogal mais moderno é aquele
que mais recentemente adquiriu o grau.

Há que atender também que há dois tipos de reuniões: reuniões ordinárias e reuniões
extraordinárias (artigo 23.º CPA).

Normalmente cabe ao Presidente a fixação e as horas das reuniões ordinárias (n.º 1) ou pode
o órgão deliberar que as reuniões ordinárias sejam realizadas todos os meses na primeira quarta
feira de cada mês. De qualquer modo, qualquer alteração do dia ou da hora fixada para essas
reuniões deve ser comunicada a todos os membros do órgão.
Quando às reuniões extraordinárias, são convocadas ad hoc (quando há assuntos urgentes
para tratar). Tambem aqui compete, em princípio, a convocatória ao Presidente, salvo disposição
em especial, sendo de salientar, nos termos do artigo 24.º, n.º 2, que o Presidente é obrigado a
proceder à convocação sempre que pelo menos 1/3 dos vogais o solicitem por escrito, invocando
o assunto que desejam ver tratado.
É de salientar o n.º 5, que prevê a solução para os casos em que o Presidente não procede à
convocação requerida no n.º 2, podendo o requerente, neste caso, invocá-la diretamente, com
invocação dessa circunstância. Trata-se de dar uma resposta àquelas situações de recusa ou
conduta omissiva por parte do Presidente quanto à convocatória que teria sido solicitada nos
termos do n.º 2 do artigo 24.º
Nos termos do n.º 6, a convocatória efetuada de acordo com o disposto no número anterior deve
ser feita com antecedência mínima de 48 horas.
Qualquer órgão colegial só pode deliberar em reunião formalmente convocada e realizada, sendo
por isso inexistentes quaisquer pretensas decisões tomadas por auscultação telefónica, ou por
circuito integrado de televisão, por exemplo.

Outro aspeto importante é a ordem do dia – artigo 25.º CPA - documento onde se fixam as
matérias a tratar na reunião. É esta a sua grande finalidade no sentido de delimitar o objeto das
reuniões, sob pena de ilegalidades – só se podem tratar, em princípio, os temas agendados na
ordem do dia.
A ordem do dia é estabelecida pelo Presidente nos termos do artigo 25.º, n.º 1, e salvo disposição
em contrário, deve incluir os assuntos que para esse fim forem invocados por qualquer vogal
desde que sejam da competência do órgão e desde que o pedido tenha sido apresentado por escrito
com uma antecedência mínima de 5 dias sobre a data da reunião.
Quanto ao objeto da deliberação, nos termos do artigo 26.º CPA, só podem ser tomadas
deliberações cujo objeto se inclua na ordem do dia da reunião.
EXCEÇÃO no n.º 2 do artigo 26.º – só se aplica às reuniões ordinárias – excetua-se o disposto
no número anterior os casos em que, numa reunião ordinária, pelo menos 2/3 dos membros do
órgão reconheçam a urgência da deliberação imediata sobre um assunto não incluído na ordem
do dia – este juízo de urgência deve ser devidamente fundamentado.
No artigo 27.º CPA estabelece-se que, em princípio, as reuniões não são públicas, mas quando a
lei o determinar, ou o órgão tiver deliberado nesse sentido, os assistentes às reuniões públicas
podem intervir para comunicar ou pedir informações ou expressar opiniões sobre assuntos
relevantes da competência daquele (ex.: artigo 49.º, n.º 2 Lei 75/2013)

A violação das disposições sobre convocação de reuniões, incluindo as relativas aos prazos, gera
a ilegalidade das deliberações tomadas, salvo se todos os membros do órgão comparecerem à
reunião e nenhum suscitar oposição à sua realização – artigo 28.º CPA

Há dois tipos de quórum: o quórum de reunião e o quórum deliberativo.

O artigo 29.º CPA fala do quórum de reunião/ de funcionamento. Neste sentido o n.º 1 diz
que os órgãos colegiais só podem, em regra deliberar quando esteja presente a maioria do número
legal dos seus membros com direito a voto - exige-se aqui a presença de um número mínimo de
membros para que o órgão possa funcionar legitimamente.
Nos termos do n.º 3 sempre que se não disponha de forma diferente, os órgãos colegiais reunidos
em segunda convocatória podem deliberar desde que esteja presente um terço dos seus membros
com direito a voto.
É importante o n.º 4 – o quórum dos órgãos colegiais compostos por três membros é sempre de
dois, mesmo em segunda convocatória. É certo que aqui pressupõe-se que, em caso de empate,
um dos membros tenha um voto de qualidade, porventura, desde logo, por ser o vogal mais
antigo na categoria.

Nos termos do artigo 30.º CPA, salvo determinação da lei em contrário, noa órgãos consultivos
da Administração não são permitidas abstenções; dizendo-se o mesmo quando se trate de órgãos
deliberativos a exercer funções consultivas.

Quanto às formas de votação – artigo 31.º CPA: pode ser nominal (pública) ou por
escrutínio secreto (deve aplicar-se quando estejam em causa comportamentos ou qualidades
de pessoas – n.º 2 – ex.: deliberação sobre a aplicação de uma sanção disciplinar)
NOTA: Como se fundamenta uma deliberação votada por escrutínio secreto? Neste caso, o
Presidente do órgão elabora a fundamentação tendo presente a discussão que foi feita
anteriormente (discussão que tiver antecedido a votação por escrutínio direto).
É importante ainda atender ao n.º 4 do artigo 31.º CPA que diz que não podem estar presentes no
momento da discussão, nem da votação os membros do órgão que se encontrem ou se considerem
impedidos.

Quanto ao quórum deliberativo – artigo 32.º CPA questiona-se: qual maioria exigida nas
deliberações para que sejam válidas?
As deliberações são tomadas por uma maioria absoluta de votos dos membros presentes à reunião,
salvo nos casos em que, por disposição legal ou estatutária, se exija maioria qualificada ou seja
suficiente maioria relativa – artigo 32.º, n.º 1 CPA.
Portanto, há três formas de deliberar: por maioria absoluta (regra), por maioria qualificada
(quando a lei exige) ou através de uma maioria relativa.

 Quando se trata de uma maioria absoluta aponta-se para a ideia de que têm que estar
reunidos mais de metade dos membros presentes – o número dos que votam a favor tem
que se superior ao dos que votam contra ou se abstêm.

 Na maioria relativa – o que está em jogo são mais votos a favor do que contra, mas
excluem-se os que se abstêm – a maioria calcula-se em função dos que votam somente a
favor ou contra (pelo que não se impõe que mais de metade do total de membros vote a
favor)
Ao contrário da maioria absoluta, só se contabilizam os que votam (a favor ou contra).

Se se verificar um empate numa votação, o Presidente tem voto de qualidade (artigo 33.º, n.º
1 CPA). Se por acaso o empate se verificar numa votação por escrutínio secreto inicia-se uma
nova votação e se o empate se mantiver adia-se.
Nos termos do artigo 33.º, n.º 3 CPA, se, na primeira votação da reunião seguinte, se mantiver o
empate, procede-se a votação nominal, na qual a maioria relativa é suficiente.

Por último temos a ata da reunião (artigo 34.º CPA) – é um documento onde se reúnem todas
as deliberações que foram tomadas durante a reunião (n.º 1) e é um requisito da eficácia dos atos.
As atas, nos termos do n.º 2, são lavradas pelos secretários e submetidas à aprovação dos membros
no final da respetiva reunião ou início da reunião seguinte, sendo assinadas, após aprovação, pelo
presidente e pelo secretário.
Nos termos do n.º 3, não participam na aprovação da ata os membros que não tenham estado
presentes na reunião a que ela respeita.
É importante chamar ainda atenção para o n.º 4 que nos casos em que o órgão assim o delibere, a
ata é aprovada, logo na reunião a que diga respeito, em minuta sintética, devendo depois ser
transcrita com maior concretização e novamente submetida a aprovação. Uma minuta é uma
forma recolhida da ata em que se contém os elementos essenciais.
Veja-se ainda o n.º 6. As decisões dos órgãos colegiais só pela respetiva ata poderão ser
aprovadas, salvo os casos de extravio ou falsidade, em que – perante a Administração ou em
tribunal – serão admitidos todos os meios de prova para reconstituir a verdade dos factos.

Por último há aqui o registo na ata do voto de vencido, o que é muito importante, porque o
membro pretende com o mesmo exonerar-se de qualquer eventual responsabilidade pelas
deliberações tomadas (seja penal, disciplinar ou civil) – artigo 35.º, n.º 2 CPA.

NOTA: chama-se ainda a atenção para o artigo 30.º, cuja epígrafe é «proibição da abstenção»

Tratado este tema de análise e interpretação dos artigos que consubstanciam o funcionamento
dos órgãos colegiais passaríamos agora a analisar as atribuições e competências dos órgãos

Atribuições e competências dos órgãos:


As pessoas coletivas de Direito Público existem para prosseguir determinados fins. Aos fins que
as pessoas coletivas públicas prosseguem chamamos atribuições – assim as atribuições são os
interesses públicos que a lei incumbe a uma pessoa coletiva pública de prosseguir e realizar. Para
o fazerem, as pessoas coletivas precisam de órgãos, necessitando estes, por sua vez, de poderes
funcionais.
Ao conjunto de poderes funcionais que a lei confere aos órgãos das pessoas coletivas públicas
para assegurar a prossecução das atribuições destas chamamos de competências. Portanto, quem
realiza as atribuições das pessoas coletivas públicas são os órgãos, mas, para que o consigam, os
órgãos têm de estar dotados de poderes funcionais.

Em princípio, na maior parte dos casos, as atribuições referem-se a pessoas coletivas públicas,
enquanto que a competência se reporta aos órgãos
NOTA: muitas vezes, na doutrina estrangeira não se faz uma separação nítida entre competências
e atribuições, não obstante, no ordenamento jurídico português faz-se essa clara distinção.

A lei especificará as atribuições de cada pessoa coletiva e, noutro plano, a competência de cada
órgão. Assim, por exemplo, no caso dos municípios estes têm as atribuições definidas na lei, cujas
são prosseguidas pelos seus órgãos (Assembleia Municipal, Câmara Municipal e Presidente da
Câmara) através dos tais poderes funcionais que a lei lhes confere – competências.

No caso das pessoas coletivas privadas não é assim – são os seus criados que definem nos
seus estatutos as respetivas atribuições – atribuições autodefinidas. Já no caso das pessoas
coletivas públicas, tendo em conta o princípio da legalidade, elas só têm as atribuições que lhe
são conferidas por lei.
Note-se, porém, que é muito variável o âmbito das atribuições ao nível das várias pessoas
coletivas públicas. A pessoa coletiva pública «Estado» no ordenamento jurídico interno é uma
pessoa coletiva pública necessária e primária de fins gerais; mas há outras que têm atribuições
genéricas, como por exemplo a administração autónoma local e a administração autónoma das
Regiões Autónomas.

Por outro lado, temos as pessoas coletivas derivadas, que são criadas por estas pessoas
coletivas públicas necessárias/primárias – são híbridas e de fins singulares, meramente
instrumentais (ex.: institutos públicos).

Em qualquer caso os órgãos respetivos só podem exercer os seus poderes no âmbito das
atribuições para cada entidade administrativa. Chama-se princípio da especialidade à regra
segundo a qual os órgãos da pessoa coletiva só podem atuar na prossecução das atribuições da
pessoa coletiva que integram.

Daqui resulta que qualquer órgão da administração, ao agir, encontra uma dupla limitação:

 Limitado pela sua própria competência, não podendo invadir a esfera da competência
dos outros órgãos da mesma pessoa coletiva
 Limitado pelas atribuições da pessoa coletiva em cujo nome atua, não podendo
praticar qualquer ato sobre matérias estranhas às atribuições da pessoa coletiva a que
pertence

Atribuições e competências acabam por se limitar reciprocamente: nenhum órgão pode


prosseguir as atribuições da pessoa coletiva pública a que pertence por meio de competências que
não sejam as suas, mas também não pode exercer a sua competência para prosseguir atribuições
alheias à pessoa coletiva na qual se integra.

Tudo isto é assim, em geral, nas pessoas coletivas públicas. No entanto, no caso do Estado a
questão é mais complexa. Com efeito, e por consequência da repartição horizontal do Governo
em Ministérios relativamente independentes, convencionou-se que as atribuições administrativas
dos Estados estão repartidas pelos próprios Ministérios.
Os órgãos dos Ministérios são o Ministro e o Diretor-Geral, estando dotado de competências para
prosseguir as atribuições dos Ministérios.

Formalmente um Ministério é um órgão, mas na realidade para certos efeitos ele funciona
como uma pessoa coletiva pública, na medida em que a estrutura horizontal departamental
distribui as atribuições pelos vários Ministérios.
Assim, os Ministérios têm atribuições e, nessa medida, funcionam como entidades
administrativas autónomas/ pessoas coletivas públicas

Portanto, para se perceber a diferença do caso do Estado para a generalidade das restantes pessoas
coletivas públicas poder-se-á dizer que, em geral, os órgãos têm competências diferentes para
prosseguir as mesmas atribuições da pessoa coletiva pública a que pertencem.

(ex.: A Câmara Municipal e o Presidente da Câmara têm competências diferentes para


prosseguir as mesmas atribuições)

No caso do Estado não é assim, porque os vários Ministros, que são órgãos, têm competências
idênticas para prosseguir atribuições diferentes. Aqui as próprias atribuições estão repartidas
pelos vários ministérios pelo que cada Ministério possui atribuições específicas.

(ex.: Ministério das Finanças; Ministério da saúde; Ministério da Educação; etc.)


Obviamente que o Ministério da Saúde não pode ter atribuições iguais ao Ministério da Economia
ou das Finanças – A SITUAÇÃO É DIFERENTE, porque os Ministérios devido à estrutura
departamental e horizontal dos Governos, distribuem as atribuições pelos vários Ministérios,
competindo aos órgãos (Ministro e Direção-Geral) realizar através das suas competências as
respetivas atribuições.
MAS AQUI AS COMPETÊNCIAS SÃO IDÊNTICAS ENTRE SI, O QUE VARIA SÃO AS
ATRIBUIÇÕES

«Isto significa, em termos práticos, que se o Ministro A praticar um ato sobre matéria estranha ao seu ministérios,
porque incluída nas atribuições do ministério B, a ilegalidade desse seu ato não será apenas a incompetência por
falta de competência, mas sim a incompetência por falta de atribuições. Quer dizer: o ato não será meramente
anulável, mas nulo.» - F.A. p. 643

Esta distinção entre atribuições e competências tem importância não só para se perceber a
distinção entre os fins que se prossegue e os meios materiais que se utiliza para os prosseguir,
mas sobretudo, porque a lei estabelece uma consequência jurídica diferente no caso de os órgãos
da administração praticarem atos estranhos às atribuições das pessoas coletivas públicas em que
se integram ou fora da competência confiada a cada órgão – isto é a sanção é mais grave no caso
da violação das atribuições: enquanto os atos praticados fora das atribuições são nulos, os
atos praticados fora das competências dos órgãos são anuláveis – artigo 161.º, n.º 2, al. b) e
163.º, n.º 1 CPA

(ex.: se o Ministro da Defesa praticar um ato sobre matéria incluída nas atribuições do
Ministério das Finanças esse ato é nulo por violação das atribuições, e não somente anulável)

(ex.: se na Faculdade o Conselho executivo praticar um ato que é da competência do Conselho


Pedagógico há uma violação de competências e, portanto, a consequência é a anulabilidade)

 Quanto está em causa uma violação das atribuições: vício de incompetência absoluta
– consequência jurídica é a nulidade

 Quanto está em causa uma violação das competências: vício de incompetência relativa
– consequência jurídica é a anulabilidade

Quanto à competência em especial cumpre sublinhar o princípio de que ela só pode ser
conferida, delimitada ou retirada por lei – princípio da legalidade da competência (artigo
36.º CPA).

Deste princípio decorrem vários corolários estabelecidos no artigo 36.º CPA:

 A competência não se presume – só há competência quando a lei inequivocamente a


confere inequivocamente a um órgão
EXCEÇÃO: figura da competência implícita

 A competência é imodificável – nem a Administração nem os particulares podem alterar


o conteúdo e a repartição constituída por lei

 A competência é irrenunciável e inalienável – os órgãos administrativos não podem


renunciar os seus poderes ou transferi-los para outros órgãos, ressalvados os casos de
delegações de poderes e figuras afins

Artigo 36.º
Irrenunciabilidade e inalienabilidade
1 - A competência é definida por lei ou por regulamento e é irrenunciável e inalienável, sem prejuízo do
disposto quanto à delegação de poderes, à suplência e à substituição.
2 - É nulo todo o ato ou contrato que tenha por objeto a renúncia à titularidade ou ao exercício da
competência conferida aos órgãos administrativos, sem prejuízo da delegação de poderes e figuras afins
legalmente previstas.
Quanto ao n.º 2 do artigo 36.º CPA vemos que a renúncia ou a alienação da competência tem
como consequência a nulidade.

A repartição das competências pelos vários órgãos de uma pessoa coletiva pode obedecer a
vários critérios:

 Em razão da matéria: tem em vista fazer corresponder um especial interesse ou grupo


de interesses a um órgão particular adequado a realizá-lo (ex.: quando a lei diz, por
exemplo, que à Assembleia Municipal incumbe fazer regulamentos e ao Presidente da
Câmara celebrar contratos)
 Em razão do território: a distribuição das competências é feita atribuindo a cada órgão
uma determinada circunscrição ou área territorial sobre a qual pode exercer a sua
competência
 Em razão da hierarquia: não passa de uma forma especial de repartição em razão da
matéria
 Em razão do tempo: em princípio, só há competência administrativa em relação ao
presente – a competência não pode ser exercida nem em relação ao passado, nem em
relação ao futuro

«(…) um ato administrativo praticado por certo órgão da Administração contra as regras que delimitam a competência
dir-se-á ferido de incompetência – incompetência em razão da matéria, incompetência em razão da hierarquia,
incompetência em razão do território ou incompetência em razão do tempo, conforme for o caso.

Os quatro critérios expostos acima são cumuláveis e todos têm de atuar em simultâneo: um órgão administrativo que
tome uma decisão só não incorrerá no vício de incompetência se for, ao mesmo tempo, o órgão competente para tomar
tal decisão quer em razão da matéria, quer em razão da hierarquia, quer em razão do território, quer em razão do
tempo. Bastará que o não seja à luz de um só desses critérios para se tornar automaticamente em órgão incompetente
para a prática do ato pretendido.» - F.A. p. 645

Figura da delegação de poderes


A delegação de poderes está prevista no artigo 44.º e seguintes CPA (Capítulo IV).
«(…) a ‘delegação de poderes’ (ou ‘delegação de competência’) é o ato pelo qual um órgão da Administração,
normalmente competente para decidir em determinada matéria, permite, de acordo com a lei, que outro órgão ou
agente pratiquem atos administrativos sobre a mesma matéria.» - F.A. p. 694

NOTA: «(…) a lei exclui hoje expressamente que a globalidade dos poderes de um órgão possa ser delegada (CPA,
art. 45.º, al. a)). Aliás, a recusa de delegação total impõe-se como uma evidência: primeiro, porque isso seria aceitar
que o delegante renunciasse ao desempenho do seu cargo (…); segundo, porque há competências indelegáveis por
determinação da lei; e terceiro, porque há mesmo competências indelegáveis por natureza, é o caso, por exemplo, so
poder disciplinar sobre o delegado» - F.A. pp. 699/700
A primeira questão: qual a noção e natureza jurídica da delegação?
Por vezes, acontece que a lei, atribuindo a um órgão a competência para a prática de determinados
atos, permite que esse órgão a delegue a outro órgão. Para sabermos em que consiste esse ato de
delegação de poderes é necessário determinar previamente a natureza jurídica do instituto.

Várias teses:
 Tese da transferência ou da alienação da competência
 Tese da autorização
 Tese de transferência do exercício
 Tese da transferência ou da alienação da competência
Aqui a delegação de poderes é um ato de transmissão ou alienação da competência do delegante
para o delegado. A titularidade de poderes que pertencia ao delegante passa, por força do ato de
delegação e com fundamento na lei habilitante da delegação, para a esfera da competência do
delegado.

 Tese da autorização
O que acontece aqui é que a lei de habilitação, que prevê a possibilidade de delegação, confere,
desde logo, uma competência condicional ao delegado sobre as matérias em que permite a
delegação.
Deste modo, antes da delegação, o delegado já é virtualmente competente, só que não pode
exercer a competência enquanto o delegante não o permitir. O ato de delegação visa facultar ao
delegado o exercício de uma competência que, embora condicionada a uma autorização do
delegante, já é, antes da delegação, uma competência própria do delegado. Deste modo, a
delegação será um ato pelo qual um órgão permite a outro o exercício de uma competência
própria, tendo por isso a natureza de uma delegação.
O que se vem aqui autorizar é o exercício de uma competência que já é, antes da delegação,
virtualmente uma competência própria do delegado.

ANÁLISE CRÍTICA:

Quer uma quer outra não traduzem a verdadeira natureza do ato da delegação de poderes. Com
efeito, se a delegação fosse uma autêntica alienação os poderes delegados deixariam de pertencer
ao delegante; a titularidade de tais poderes passaria na íntegra para o delegado, sendo que o
delegante ficaria afastado de toda e qualquer responsabilidade quanto aos poderes delegados e
quanto à matéria incluída no objeto de delegação. No entanto, como iremos ver, essa não é a
concretização do nosso ordenamento jurídico – artigo 49.º CPA (o delegante mantém um conjunto
de poderes que só se compreendem por, de facto, não ter havido a tal alienação).
No que respeita à segunda tese, esta também deve ser recusada. É que na delegação de poderes a
competência é exclusivamente do delegante, não existindo na esfera do delegado ainda antes do
ato de delegação. Como também se verá, o delegado exerce uma competência alheia e não uma
competência própria
 Tese da transferência do exercício: ADOTADA NO CURSO
Quanto a nós, a tese que mais se coaduna com o regime jurídico imposto pelo CPA é a que vê a
natureza jurídica da delegação de poderes como um ato pelo qual um órgão de uma pessoa coletiva
pública permite que outro órgão, em princípio da mesma pessoa coletiva, exerça um órgão que
continua a ser do primeiro órgão (delegante).
Com a delegação cria-se no delegado uma qualificação para o exercício em nome próprio de uma
competência alheia (na medida em que esta continua a ser do órgão delegante).
Com isto queremos afirmar que a competência continua a pertencer ao delegante, pese embora a
delegação.
Não se transfere a competência, mas quando muito o exercício dessa competência

Regime jurídico da delegação de poderes:

«Por conseguinte, lei de habilitação, existência de delegante e delegado (ou melhor, de um órgão que pode delegar e
de um órgão ou agente em quem se possa delegar), e ato de delegação – tais são as condições ou requisitos que a
ordem jurídica exige para que haja delegação de poderes.» - F.A. p. 695

Cumpre salientar a possibilidade de a delegação de poderes depender de a lei a prever – artigo


44.º, n.º 1 CPA. Sem habilitação legal a delegação corresponderia a uma renúncia da
competência, sendo, por isso, nos termos do artigo 36.º CPA, nula. Portanto, neste caso o ato que
viesse a ser praticado ao abrigo da delegação sofria um vício de incompetência absoluta, que daria
lugar a uma nulidade

EXCEÇÃO

Porém, nos casos previstos no n.º 3 e n.º 4 verifica-se a dispensa de uma habilitação legal
especifica: o CPA dispensa uma habilitação legal específica, funcionando estes artigos como uma
HABILITAÇÃO LEGAL GENÉRICA.
Portanto, neste caso à habilitação legal específica substitui-se uma habilitação legal genérica,
permitindo ao órgão delegante delegar a competência no seu imediato inferior hierárquico, mas
só para determinados atos de administração ordinária.
Habilitação genérica: «(…) a lei permite que certos órgãos deleguem, sempre que quiserem, alguns dos seus poderes
em determinados outros órgãos, de tal modo que uma só lei de habilitação serve de fundamento a todo e qualquer
ato de delegação praticado entre esses tipos de órgãos […] neste tipo de delegações só podem ser delegados poderes
para a prática de atis de administração ordinária, por oposição aos atos de administração extraordinária que ficam
sempre indelegáveis, salvo lei de habilitação específica.» - F.A. p. 699

A delegação carece de outro pressuposto, não sendo necessária apenas a existência de uma
habilitação legal – 2.ª parte do n.º 1 do artigo 44.º CPA. Portanto, neste caso constitui-se o
segundo requisito da delegação de poderes – a existência de um ato de delegação de poderes,
uma vez que a previsão legal constitui unicamente uma mera faculdade, que necessita de ser
concretizada com a prática do ato de delegação de poderes.
Depois é importante o artigo 46.º CPA. É que a lei permite que uma competência delegada seja
subdelegada. No caso da primeira subdelegação, para o efeito, não é necessário, ao contrário da
delegação, uma autorização legal – o que é necessário é que a lei não a proíba e que o delegante
autorize o delegado a subdelegar.
Mas o artigo 46.º, n.º 2 CPA permite ainda uma segunda subdelegação, isto é, permite que o
subdelegado subdelegue as competências que lhe haviam sido subdelegadas, desde que a lei não
o impeça e desde que o delegante ou o subdelegante não tenham vedada essa possibilidade.
«Há ainda uma outra classificação de delegações de poderes, que distingue entre a delegação propriamente dita, ou
de 1.º grau, e a subdelegação de poderes, que pode ser uma delegação de 2.º grau, ou de 3.º, ou de 4.º, etc., conforme
o número de subdelegações que forem praticadas (…). A subdelegação é uma espécie do género delegação, porque é
uma delegação de poderes delegados.» - F.A. pp. 700/701

Do ponto de vista do conteúdo, o delegante deverá especificar os poderes que são delegados –
artigo 47.º, n.º 1 CPA – ou os atos que podem ser praticados. Com isto, a lei pretende impedir
delegações genéricas. A especificação dos poderes delegados deve ser feita positivamente, através
de uma enumeração explícita dos poderes delegados ou dos atos que o delegado pode praticar e
não de forma negativa através de uma reserva genérica de delegações de poderes em favor do
delegado.
«Como já sabemos, há na competência dos órgãos da Administração poderes delegáveis e poderes indelegáveis: na
dúvida, deverá interpretar-se o ato de delegação no sentido de que não terá querido abranger poderes indelegáveis.»
- F.A. p. 702

NÃO DEVE HAVER UMA RESERVA GENERICA DE COMPETENCIA A FAVOR DO


DELEGADO

Os atos de delegação e subdelegação estão sujeitos a publicação – artigo 47.º, n.º 2 CPA – sob
pena de INEFICÁCIA. Trata-se de proteger, sobretudo, os administrados.
Os atos praticados ao abrigo da delegação ou subdelegação de poderes não publicados, ou feitos
antes da publicação, são ATOS INVALIDOS, por incompetência do respetivo autor, visto que o
ato de transmissão do exercício de competência ainda não produziu efeitos.

«Falta de algum dos requisitos exigidos por lei: os requisitos quanto ao conteúdo são requisitos de validade, pelo
que a falta de qualquer deles torna o ato de delegação inválido; os requisitos quanto à publicação são requisitos de
eficácia, donde se segue que a falta de qualquer deles torna o ato de delegação ineficaz.» - F.A. p. 702

A lei exige ainda que o delegado e o subdelegado façam menção da sua qualidade no uso da
delegação e da subdelegação – artigo 48.º CPA
Esta exigência era importante para determinar os meios de reação administrativa contra os atos
praticados pelo delegado ou pelo subdelegado. Atualmente não é assim, porque, por força do
artigo 199.º, n.º 2 CPA, diz-se:
«2 - Sem prejuízo dos recursos previstos no número anterior, pode ainda haver lugar, por expressa
disposição legal, a recurso para o delegante ou subdelegante dos atos praticados pelo delegado ou
subdelegado.»
Ora, a verdade é que, de certa maneira o artigo 199.º CPA, ao prever esta norma
(incompreensível) vem eliminar a categoria geral do recurso dos atos praticados do delegado para
o delegante, o que só é possível quando houver expressa consagração legal.
Se não houver uma expressa consagração legal a permitir esse recurso ele não existe, quando
antes não havia esta limitação. E, portanto, normalmente estes recursos (como não há hierarquia
na relação da delegação de poderes) eram sempre facultativos, o que significava que o lesado pela
prática do ato emanado pelo delegado poderia recorrer contenciosamente e imediatamente para o
Tribunal.
Portanto, esta norma vem de certo modo prejudicar a possibilidade conjugada com o artigo 199º,
n.º 2, sendo que agora o escopo deste artigo 48.º é um pouco diferente.

Artigo 48.º
Menção da qualidade de delegado ou subdelegado
1 - O órgão delegado ou subdelegado deve mencionar essa qualidade no uso da delegação ou
subdelegação.
2 - A falta de menção da delegação ou subdelegação no ato praticado ao seu abrigo, ou a menção
incorreta da sua existência e do seu conteúdo, não afeta a validade do ato, mas os interessados não
podem ser prejudicados no exercício dos seus direitos pelo desconhecimento da existência da delegação
ou subdelegação.

Portanto, esta solução é nova. O prejuízo a que se refere esta disposição legal é aquele que poderia
resultar da utilização de meios de impugnação administrativa inadequada, devendo entender-se
que o recurso administrativo do ato do delegado não possa ser rejeitado.
No entanto, ele está sempre limitado por aquela norma do artigo 199.º CPA que acabou com a
categoria geral do recurso dos atos praticados pelo delegado para o delegante.
Por outro lado, há que ter em conta que, nos termos do n.º 5 do artigo 44.º CPA, «Os atos praticados
ao abrigo de delegação ou subdelegação de poderes valem como se tivessem sido praticados pelo delegante
ou subdelegante.».

De certa maneira esta é também uma norma contraditória. Contudo, o seu sentido último significa
que os atos praticados pelo delegado ou pelo subdelegado é como se tivessem sido praticados
pelo delegante ou pelo subdelegante. Portanto, significa que estes atos são direta e imediatamente
impugnáveis judicialmente junto do Tribunal competente.
Aula n.º 18 – 23-11-2020 – ‘Continuação da aula anterior. III - INTERESSE PÙBLICO, PODER
ADMINISTRATIVO E FUNÇÃO ADMINISTRATIVA 1 - Poderes e limites da Administração. 1.1. Os poderes típicos
de autoridade da Administração; 1.2. Os limites da Administração.’

Artigo 49.º
Poderes do delegante ou subdelegante
1 - O órgão delegante ou subdelegante pode emitir diretivas ou instruções vinculativas para o delegado
ou subdelegado sobre o modo como devem ser exercidos os poderes delegados ou subdelegados.
2 - O órgão delegante ou subdelegante tem o poder de avocar, bem como o de anular, revogar ou
substituir o ato praticado pelo delegado ou subdelegado ao abrigo da delegação ou subdelegação.

A delegação cria para o delegado o poder/dever de exercer a competência delegada – artigo 49.º
CPA – este artigo vem legitimar a nossa opção pela terceira tese sobre a natureza jurídica do ato
de delegação como transferência apenas do exercício da competência (e não da própria
competência).

Quais os poderes do delegante ou subdelegante?


O órgão delegante ou subdelegante pode emitir diretivas ou instruções vinculativas para o
delegado ou subdelegado sobre o modo como devem ser exercidos os poderes delegados ou
subdelegados – artigo 49.º, n.º 1 CPA – isto significa que do caráter vinculado da diretiva resulta
um dever legal de a considerar, fixando-se o modo de exercício da competência, mas isso não
significa que a diretiva determine o conteúdo do ato a praticar, que deve ser sempre escolhido
pelo órgão delegado.
Ora, nos termos do n.º 2 do artigo 49.º CPA, o órgão delegante ou subdelegante tem ainda o poder
de avocar a competência delegada.
NOTA: A avocação é o poder que o órgão delegante tem de chamar a si o caso concreto ou o
procedimento, isto é, a condução do procedimento ou a decisão, caso o procedimento já tenha
sido concluído. Portanto, com a avocação preclude-se a competência do órgão delegado, mas
apenas em relação ao caso abrangido, subsistindo ela quanto aos outros – VERIFICA-SE
APENAS NO CASO CONCRETO MANTENDO-SE NAS RESTANTES RELAÇÕES
JURÍDICAS
O delegante pode ainda anular, revogar ou substituir o ato praticado pelo delegado ou
subdelegado, ao abrigo da delegação ou subdelegação – artigo 49.º, n.º 2 CPA. Portanto, vê-se
aqui o conjunto de poderes (fortíssimos) do delegante ou do subdelegante.
Ora, se o delegante tem estes poderes é porque não se alienou; não houve aqui uma transferência
de poderes – HOUVE, QUANDO MUITO, UMA TRANSFERENCIA DO EXERCICIO

EXTINÇÃO DA DELEGAÇÃO OU DA SUBDELEGAÇÃO

Artigo 50.º CPA – a extinção da delegação ou subdelegação pode ser feita por duas formas:

 alínea a) – revogação ou anulação do ato de delegação ou subdelegação;


 alínea b) – caducidade, quer porque os efeitos ou prazos da delegação se esgotaram,
quer porque os titulares dos órgãos (delegante, delegado e subdelegado) mudaram.
Esta solução mostra que a delegação é considerada, entre nós, como um ato intuitus personae –
ato fundado numa relação de confiança pessoal entre o delegante e o subdelegado.

Substituição e suplência
Quanto à substituição e à suplência, veja-se o que dizem os artigos 43.º CPA e 42.º CPA,
respetivamente:

 Suplência: é um modo de exercício da competência, quando se verifica ausência, falta


ou impedimento do titular do órgão ou do agente. Contudo, esta cessa logo que
terminarem os motivos que a determinaram.

Artigo 42.º
Suplência
1 - Nos casos de ausência, falta ou impedimento do titular do órgão ou do agente, cabe ao suplente
designado na lei, nos estatutos ou no regimento, agir no exercício da competência desse órgão ou
agente.
2 - Na falta de designação, a suplência cabe ao inferior hierárquico imediato e, em caso de igualdade
de posições, ao mais antigo.
3 - O exercício de funções em suplência abrange os poderes delegados ou subdelegados no órgão ou no
agente.

NOTA: a suplência deve ser utilizada quando a competência do órgão não pode deixar de ser
exercida por razões de imediato interesse público.

 Substituição: estamos a falar de um tipo de relação jurídica interorgânica. Em


primeiro lugar, a substituição envolve a atribuição de competência ao órgão substituto e,
em segundo lugar, depende de lei habilitante.

Artigo 43.º
Substituição de órgãos
Nos casos em que a lei habilita um órgão a suceder, temporária ou pontualmente, no exercício da
competência que normalmente pertence a outro órgão, o órgão substituto exerce como competência
própria e exclusiva os poderes do órgão substituído, suspendendo-se a aplicação da norma atributiva
da competência deste último.

Isto quer dizer que a competência do órgão substituído se transforma em competência exclusiva
e própria do órgão substituto – funciona como se tivesse posse das competências que pertenciam
ao órgão substituto.
RESOLUÇÃO DE CONFLITOS DE ATRIBUIÇÕES E DE COMPETÊNCIAS

Vejamos agora a questão da resolução de conflitos de atribuições e competências – artigos 51.º e


52.º CPA. Na prática da vida administrativa ocorrem frequentemente conflitos de atribuições entre
duas ou mais entidades e conflitos de competências entre dois ou mais órgãos da mesma entidade.

 Os conflitos de atribuições versam sobre a existência ou prossecução de um determinado


interesse público.
 Enquanto os conflitos de competência tem que ver com a existência ou exercício de um
poder funcional (a competência).

Os conflitos podem ser positivos ou negativos:

 São positivos quando duas ou mais entidades ou órgãos reivindicam para si o exercício
da mesma atribuição ou da mesma competência, respetivamente.
 Ou são negativos quando duas ou mais entidades ou órgãos consideram
simultaneamente que não lhes competem as atribuições ou competências para decidir um
dado caso concreto, respetivamente.

O CPA de 2015 veio definir no artigo 51.º os critérios gerais para a resolução dos referidos
conflitos.

Os conflitos de competências são normalmente resolvidos por via administrativa – por decisão
do órgão da pessoa coletiva em causa que tenha poderes de supervisão sobre os órgãos em
conflito, ou seja, o superior hierárquico com poderes hierárquicos com poderes de autoridade
sobre os órgãos em causa – artigo 51.º, n.º 2 CPA.

Os conflitos de atribuições têm soluções diversas consoante as entidades em conflito, podendo


a competência caber a um ministro, ao Primeiro-Ministro ou até aos Tribunais Administrativos
(ex.: conflito entre um Município e um Ministério, ou entre dois Municípios).
Diz o artigo 51.º, n.º 1 CPA:

Artigo 51.º
Competência para a resolução de conflitos

1 - Os conflitos de atribuições são resolvidos:


a) Pelos tribunais administrativos, mediante processo de conflito entre órgãos administrativos, quando envolvam
órgãos de pessoas coletivas diferentes ou no caso de conflitos entre autoridades administrativas independentes;
b) Pelo Primeiro-Ministro, quando envolvam órgãos de ministérios diferentes;
c) Pelo ministro, quando envolvam pessoas coletivas dotadas de autonomia, sujeitas ao seu poder de
superintendência;
d) Pelo Presidente do Governo Regional, quando envolvam órgãos de secretarias regionais diferentes;
e) Pelo secretário regional, quando envolvam pessoas coletivas dotadas de autonomia sujeitas, ao seu poder de
superintendência.

NOTA: não esquecer que os ministérios têm atribuições.


Como se resolvem estes conflitos administrativos?
A solução é dada pelo artigo 52.º CPA. Desde logo, a resolução administrativa dos conflitos pode
operar por duas formas:

 Acordo entre os órgãos em conflito


 Decisão do órgão com competência

Quem pode solicitar esta resolução de um conflito?


Pode ser solicitada, nos termos do artigo 52.º, n.º 2 CPA, por qualquer interessado (qualquer
pessoa prejudicada pela existência desse conflito) ou deve ser oficiosamente solicitada pelos
órgãos em conflito logo que dele tenham conhecimento.
Nos termos do artigo 52.º, n.º 2 CPA «O órgão competente para a resolução deve ouvir os órgãos
em conflito, se estes ainda se não tiverem pronunciado, e proferir a decisão no prazo de 30 dias.».
Estes atos de resolução administrativa de conflitos de competências e de atribuições podem eles
mesmos ser impugnados judicialmente como qualquer outro ato administrativo nos termos do
CPA – artigos 50.º e seguintes.
Portanto, seguir-se-ia aqui o pedido anulatório da referida decisão.

Garantias de imparcialidade
(Impedimentos, escusa e suspeição – artigo 69.º e ss. CPA)

 Impedimentos
Os impedimentos respeitantes à participação em procedimentos administrativos de titulares de
órgãos ou agentes que tenham um interesse pessoal na decisão aparece no CPA sobre a designação
de garantias de imparcialidade (artigo 69.º e seguintes), embora não visem apenas assegurar os
valores inerentes ao princípio constitucional e legal da imparcialidade administrativa. O que está
em causa é o próprio princípio da prossecução do interesse público.

IMPEDIMENTO VS. INCOMPATIBILIDADE

Quando falamos de impedimento este inibe o titular de um órgão (agente administrativo) de


intervir em situações concretas em que seja detentor de um interesse pessoal que afete a sua
imparcialidade.

Já a incompatibilidade aparece associada à ideia de impossibilidade de exercício simultâneo


de dois cargos ou funções em abstrato conflituante entre si. Traduz de certa maneira a natureza
inconciliável da acumulação na mesma pessoa de dois estatutos profissionais ou ligados ao
exercício que mais que uma atividade – artigo 19.º, n.º 1, a), b) e c) Lei 67/2013.
Enquanto a figura do impedimento tem que ver com casos concretos ou procedimentos
determinados (ex.: proibição de decidir a concessão de um subsídio público requerido pelo
cônjuge da própria autoridade administrativa); as incompatibilidades são fixadas de maneira
abstrata.

Quanto ao regime jurídico pontificam os artigos 69.º a 72.º CPA. O artigo 69.º CPA fixa as
situações de impedimento, embora muitas outras leis estabeleçam outras para hipóteses e cargos
especiais. Esta enumeração é TAXATIVA.
No fundo trata-se de impedir a intervenção de autoridades administrativas em procedimentos ou
decisões administrativas que envolvam um interesse pessoal direto, de parentesco ou afinidade
próxima, de relação equiparada, de interesse pessoal em questão semelhante, ou em casos em que
o órgão administrativo tenha participado ou obtido intervenção

NOTA: As relações de parentesco são mais apertadas que no caso da escusa ou suspeição que
veremos mais à frente.

ARGUIÇÃO DO IMPEDIMENTO

Quanto à arguição do impedimento, este pode ser invocado pelo próprio agente ou ser arguido
pelos interessados cabendo ao superior hierárquico daquele proceder à sua (ou ao presidente do
órgão colegial a que ele pertença) verificação e competente declaração, caso se confirme – artigo
70.º CPA
Trata-se de uma simples constatação em relação à existência de uma situação de facto prevista na
lei. Daí a natureza declarativa do impedimento: BASTA A VERIFICAÇÃO DOS
PRESSUPOSTOS DE FACTO PREVISTOS NA LEI

Quanto aos efeitos da arguição, a simples invocação ou arguição do impedimento implica a


suspensão da intervenção do órgão ou agente administrativo em causa no correspondente
procedimento administrativo – artigo 71.º CPA
Verificado e declarado o impedimento pelo superior hierárquico, o impedido deve ser substituído,
nos termos das regras do artigo 72.º. Pode, contudo, o superior hierárquico que decidiu o
impedimento avocar a decisão da questão (se não o impedido pode ser substituído segundo as
regras assinaladas no artigo 70.º).
No caso de membros de órgão colegial, se não houver substituto, a decisão será tomada pelo órgão
colegial sem a participação do membro impedido.

Quanto às sanções, os atos praticados por um órgão em situação de impedimento, mesmo não
declarado, padecem de invalidade, podendo ser judicialmente impugnados - artigo 76.º CPA
A consequência jurídica que resulta de uma atuação irregular neste domínio é a invalidade do ato
e, mais concretamente, a ANULABILIDADE DO ATO
 Escusa e a suspeição – REFEREM-SE AO TITULAR DO ORGAO

 Escusa ou dispensa é o incidente referido no artigo 73.º CPA, quando ele é


desencadeado pelo próprio titular do órgão ou agente

 Suspeição: o incidente é suscitado por qualquer interessado no procedimento.

Ao contrário dos impedimentos, que pressupõem uma mera verificação dos pressupostos fixados
na lei que conduz ao impedimento e à invalidade do ato praticado pelo impedido, no caso da
suspeição o risco da parcialidade de atuação do titular do órgão não é tão evidente (ex.: pelo uso
de conceitos indeterminados) – enumeração EXEMPLIFICATIVA no artigo 73.º CPA.

(ex.: as relações de parentesco são mais afastadas)

Nos termos do artigo 73.º, n.º 1, al. d) CPA, diz «se houve inimizade grave ou grande intimidade
entre o titular do órgão ou agente, ou o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições
análogas às dos cônjuges, e a pessoa com interesse direto no procedimento, ato ou contrato» -
repare-se que aqui a dificuldade não está tanto na inimizade grave (que se manifesta por uma
conduta que denuncia factualmente uma adversidade relativamente a uma pessoa através de atos
contrários de natureza negativa, sem fundamento e explicação racional).
NOTA: não se conhece nenhuma anulação de um ato praticado por um órgão administrativo alvo
de uma suspeição no domínio de uma grande intimidade.
A intimidade é um termo difícil de precisar no seu conteúdo e nunca ninguém invocou isso.

Dito isto, saliente-se que no caso da escusa e da suspeição os casos não são tão claros como no
impedimento, portanto, o risco aqui de parcialidade parece maior.
Portanto, até as relações de parentesco são mais afastadas. Além disso, a utilização de conceitos
jurídicos indeterminados torna difícil precisar as situações que ponham em causa a retidão e a
imparcialidade do agente/ funcionário.

Por estas razões, no caso de uma suspeição, os efeitos jurídicos não dependem imediatamente da
lei, mas carecem aqui de uma avaliação administrativa da situação concreta que estiver em causa
pelo órgão competente, pelo que neste caso a proibição não decorre direta e imediatamente da lei,
deixando-se para um órgão da Administração a apreciação e a resolução final do incidente,
atendendo ao caráter da pessoa que está numa situação suscetível de levantar suspeição e de uma
adequada ponderação e valoração dos bens jurídicos e dos interesses em causa.
Ou seja, eu posso achar que a situação é suscetível de levantar alguma suspeição, mas o meu
conhecimento da pessoa aponta para que esta seja uma pessoa reta e daí a necessidade de avaliação
concreta (ao contrário do impedimento). Apesar de, abstratamente, poder suscitar-se com
razoabilidade a suspeição, o conhecimento da retidão, da decência da pessoa, pode manter o
funcionário em funções.
REGIME DA ESCUSA E DA SUSPEIÇÃO

Para concluir, o regime da escusa e da suspeição encontram-se definidos nos artigos 74.º e 75.º
CPA que remetem em grande parte para o regime dos impedimentos. Mas há aqui uma diferença
muito importante:

Enquanto, no impedimento, o superior hierárquico ou outra entidade competente para resolver


o caso só tem de verificar a existência dos pressupostos fácticos do impedimento,
desencadeando-se automaticamente os efeitos de direito que lhe estão associados, já no caso da
escusa e da suspeição o superior hierárquico não só tem de verificar a existência dos
pressupostos fácticos, como no caso tem de verificar se no caso concreto isso é suscetível de
afetar a isenção ou a região da pessoa em causa.
Em todo o caso, decidida positivamente a escusa e a suspeição, o agente em causa fica impedido
de intervir, devendo naturalmente ser substituído.

NOTA: O artigo 76.º CPA quanto às sanções continua a referir-se como acontecia no Código de
91 apenas aos impedimentos. Assim, parece que a lei continua a ser omissa na sanção dos atos
praticados por quem esteja numa situação que, em abstrato, devia ser suscetível de gerar um
pedido de escusa ou levantamento de uma suspeição, parecendo a contrario que não padecem de
nenhum vício, daí se concluindo que nem o agente nem o interessado viram motivo para isso.
Há, porém, sempre a possibilidade de o interessado apenas vir a saber supervenientemente de uma
situação geradora de suspeição, o que levantaria uma questão delicada de uma potencial
anulabilidade do ato superveniente.

Bibliografia:
COLAÇO ANTUNES, A Ciência Jurídica Administrativa, op. cit., pp. 209 a 222; FREITAS DO AMARAL, Curso...,
op. cit., pp. 627-652; A. SALGADO DE MATOS, “A delegação de poderes”, in Comentários ao Novo CPA, Lisboa,
2015, pp. 209-227; COLAÇO ANTUNES, O Direito Administrativo e a sua Justiça..., op. cit., pp. 19-32; VITAL
MOREIRA, Administração Autónoma..., op. cit., pp. 126-137; ROGÉRIO SOARES, Direito Administrativo, Coimbra,
1978, pp. 237-263; FREITAS DO AMARAL, Curso..., op. cit., pp. 693-721.
Aula n.º 19 – 24-11-2020 – ‘2. O interesse público enquanto vínculo teleológico da Administração. 3. As
posições jurídicas substantivas favoráveis e as posições jurídicas de desvantagem dos particulares face à
Administração. 4. A centralidade da relação jurídico-administrativa. 5. As garantias e procedimentais (e
processuais) e o seu caráter instrumental relativamente às posições jurídicas substantivas favoráveis. 6. As formas
de atividade administrativa (noção breve e remissão).’.

Interesse Público, poder administrativo e função administrativa

Conceito de relação jurídico-administrativa


No Direito Administrativo tradicional privilegiava-se o protagonismo da Administração, quer
enquanto organização, quer enquanto atividade administrativa (mais no sentido das formas da
ação administrativa), e com especial ênfase para o ato administrativo, que era expressão por
excelência da decisão unilateral autoritária da supremacia da Administração sobre os particulares.
Entretanto, as coisas alteraram-se, não tão rapidamente como no Direito Civil, que, pelo menos
desde o século XIX, assenta o seu modelo expositivo no conceito fundamental de relação jurídica.
Ora, o Direito Administrativo tem sido historicamente mais lento, e só nas últimas décadas tem
afirmado este conceito de relação jurídico-administrativa, que tem várias consequências positivas.
Desde logo, diga-se que a centralidade desta categoria jurídica no Direito Administrativo resulta
de uma disposição constitucional – artigo 212.º, n.º 3 CRP: «compete aos tribunais
administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto
dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas»

Portanto, daí digamos que esta centralidade tem o seu conhecimento ao mais alto nível. Talvez
fosse metodologicamente adequado passar para a noção de relação jurídico-administrativa
(típica):
 A relação jurídico-administrativa é uma relação estabelecida entre a Administração e os
particulares, disciplinada pelo Direito Administrativo, em regra, mediante a atribuição de
um direito a um dos sujeitos e a imposição do correspondente dever jurídico/ obrigação
ou sujeição a outro sujeito (passivo).

Portanto, a centralidade do Direito Administrativo já não está no ato administrativo, mas sim
nesta categoria fundamental da relação jurídica
Portanto, a perspetiva da relação jurídica como um instrumento essencial do Direito
Administrativo tem, desde logo, algumas vantagens:

 Com ela o particular deixa de ser visto como um mero administrado (sujeito aos poderes
exorbitantes da Administração Pública), passando a ser visto como a outra parte na
relação jurídica, como um sujeito, que mesmo subordinado aos poderes administrativos,
se mantém titular de alguns direitos e garantias, nomeadamente aqueles que constituem
o seu estatuto jurídico-constitucional.
Tudo isto numa relação que é bastante complexa, abrangendo-se os direitos e as garantias
dos particulares.
 Além de uma diferente consideração da posição jurídica relativa aos particulares no
contexto do Direito Administrativo, o esquema explicativo da relação jurídica permite
também compreender melhor certos fenómenos, que não podem ser devidamente
captados através da perspetiva do ato administrativo: é o que sucede com o regime
jurídico das relações unilaterais da administração, que projetam a sua eficácia não
somente sobre a esfera jurídica do destinatário do ato, mas também na esfera jurídica de
terceiros (ex.: a concessão de um subsídio a uma certa empresa pode prejudicar a
posição das empresas concorrentes).
Ora, estas novas situações são perfeitamente enquadráveis e explicáveis no contexto das
relações jurídico-administrativas.

No entanto, como dito, a relação jurídico-administrativa típica é a que se estabelece entre a


Administração e os particulares, mas há outras, nomeadamente:

 Entre pessoas coletivas de Direito Público – relações interadministrativas (ex.: de


superintendência ou de tutela entre órgãos de pessoas coletivas públicas diferentes);

 Entre pessoas coletivas de Direito Público com os respetivos órgãos, agentes ou


funcionários – relações de imputação jurídica da vontade do órgão à pessoa coletiva
pública onde estão inseridos

 As relações de órgãos com os seus membros e titulares (ex.: direitos e deveres


funcionais que os membros de um órgão colegial têm);

 Entre órgãos administrativos (ex.: delegação de poderes);

 Relações de pessoas privadas com pessoas privadas, desde que uma surja munida de
poderes jurídico-administrativos e subordinada também a um regime de Direito
Administrativo (ex.: relação entre um concessionário de serviço público e os respetivos
utentes)

Quanto ao conteúdo estas relações podem assumir várias formas: simétricas, assimétricas,
dissimétricas e poligonais.

 Relações jurídicas simétricas: caraterizam-se pelo facto de à posição passiva de um


sujeito corresponder exatamente uma posição ativa de outro sujeito (ex.: relações
emergentes da prática de atos administrativos expropriativos)

 Relações jurídicas assimétricas: a posição passiva de um sujeito não encontra


correspondência num direito de outro sujeito (ex.: o dever jurídico-público de
conservação e manutenção das estradas públicas pelos municípios)

 Relações jurídicas dissimétricas: aqui cada um dos sujeitos é simultaneamente titular


perante o outro de posições ativas e passivas conexas entre si (ex.: contrato
administrativo sinalagmático)

 Relações jurídicas poligonais: intervêm mais de dois sujeitos em conjuntos


interligados de posições ativas e passivas (ex.: sucede em matéria de ordenamento do
território e do urbanismo)
A relação jurídica poligonal é hoje bastante extensa: o conceito de vizinhança do Código Civil,
no Direito Administrativo, é muito mais ampla, por exemplo. De certa maneira, nesta relação
jurídica poligonal o terceiro lesado é titular de posições jurídicas com a mesma valia jurídica, com
a mesma qualidade axiológico-normativa.
No fundo, através desta relação jurídica poligonal publiciza-se não só a relação entre a
Administração e o destinatário do ato, mas também a relação da Administração com esses
terceiros lesados, bem como a própria relação intersubjetiva entre o beneficiário do ato que é o
autor material, muitas vezes, dos danos provocados na esfera jurídica de terceiros.

Dito isto, e atendendo à matéria a ser desenvolvida de seguida, convém ter em conta que estamos
sempre a falar no âmbito de uma relação jurídico-administrativa, em que o cidadão já não é visto
como um mero administrado, mas como um sujeito (como parte da relação jurídica).
Óbvio que uma relação jurídica administrativa não se pode equiparar a uma relação jurídica
privada. De qualquer modo é um conceito jurídico fundamental que confere direitos às
partes e que veio para o Direito Administrativo.

Poderes e limites da Administração


(sempre com esta base da relação jurídico-administrativa)

O Direito Administrativo moderno é caraterizado por 2 traços essenciais:

 O reconhecimento à Administração de poderes e prerrogativas nas suas relações com os


particulares, que não existem nas relações dos particulares entre si
 A imposição à Administração de limites e restrições à sua atuação a que os particulares
não estão sujeitos na sua atividade

Poderes da Administração:

 Poder regulamentar: a Administração, através dele, pode disciplinar por via


normativa as suas relações jurídicas com os particulares, bem como as relações entre os
particulares, condicionando unilateralmente os seus direitos e os seus interesses (ex.:
planos de ordenamento do território, como o plano de Diretor Municipal)
 Poder de autotutela declarativa: a Administração tem o poder de definir a situação
jurídica do particular face à Administração, sem necessidade de recorrer previamente aos
tribunais, cabendo depois aos particulares o encargo de irem eles a tribunal para obterem
a sua anulação ou a declaração da nulidade (ex.: é assim que a Administração concede
ou nega uma licença, aplicação de sanções, imposição de proibições, etc.)

 Autotutela executiva: privilégio que a Administração tem de executar as suas decisões


unilateralmente sem recurso à via judiciária. Permite à Administração fazer executar os
seus próprios atos, pelos seus próprios meios (administrativos), contra os particulares.
Por vezes, em caso de urgência ou necessidade, nem se exige uma decisão previa – artigo
175.º e seguintes CPA
 Poder sancionatório: poder de, por definição unilateral, punir os particulares pelas
infrações às leis ou aos regulamentos em vigor, ou pelo incumprimento das obrigações e
limitações decorrentes de atos e contratos administrativos, com aplicação de sanções, que
podem ir desde o pagamento de uma quantia (coimas e multas) até à perda de regalias
(ex.: suspensão da atividade profissional).

Este poder sancionatório da Administração é muito abrangente, devendo citar-se, desde


já, as sanções disciplinares para as infrações dos funcionários públicos e algumas
categorias de utentes de serviços públicos; e também as coimas para as contraordenações.

 Poder que a Administração tem de se apropriar de bens particular


(expropriação por utilidade pública) e o poder de os utilizar temporariamente
para fins de utilidade pública (requisição por utilidade publica)

No procedimento por utilidade pública temos um código vertido na Lei 168/99, de 18 de


setembro, tendo sido alterada pela Lei 56/2008 de 4 de setembro.

Ora, na expropriação por utilidade pública há 2 subprocedimentos: o subprocedimento


administrativo que começa com a resolução e termina no ato declarativo de utilidade
pública – artigo 10.º Código de Expropriações
Se o expropriado quiser debater a validade da expropriação, a competência é dos
Tribunais Administrativos, mas se quiser discutir litigiosamente o valor da indemnização,
a competência é dos Tribunais Judiciais.
Portanto, há um subprocedimento administrativo, mas depois há um subprocedimento
judicial, que, neste caso, é dos tribunais judiciais.

 Nas relações contratuais: enquanto que os contratos de Direito Privado se baseiam na


imodificabilidade unilateral dos contratos e na impossibilidade de uma parte o rescindir
unilateralmente – pacta sunt servanda; nos contratos administrativos, a Administração
pode, não só alterar unilateralmente o conteúdo dos contratos (ainda que ficando
obrigada a repor o equilíbrio financeiro do contrato), como resolver unilateralmente
o contrato (ficando vinculada a proceder a uma justa indemnização à entidade particular
em causa).

Quanto às limitações:
NOÇÃO DE EQUILIBRIO: estes poderes e estes limites agora jogam-se no âmbito de
uma relação jurídico-administrativa, disciplinada no essencial pelo CPA

No confronto com os particulares, a Administração não goza somente de poderes de autoridade e


prerrogativas, também está sujeita a limitações e obrigações que os particulares não têm na sua
esfera jurídica privada, nem nas suas relações entre si.
 Obrigação de respeitar os direitos e interesses legalmente protegidos dos
particulares – artigo 266.º, n.º 1 CRP
Acontece que estes direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares não
incluem somente os direitos gerais das pessoas, que valem igualmente nas relações entre
privados, importa desde logo recordar que a maior parte dos Direitos Fundamentais
previstos na CRP visam especificamente a defesa das pessoas contra o Estado, incluindo
a Administração (e só derivadamente é que se aplicam, e na medida em que se aplicam,
às relações entre particulares)
Existem ainda numerosos direitos dirigidos especificamente contra a Administração – são
específicos das relações jurídico-administrativas (ex.: direito de informação
procedimental – direito de acesso aos atos do procedimento (ata); e direito de
informação não procedimental – direito de acesso aos documentos e registos
administrativos)

 Princípio da legalidade (em sentido amplo) da Administração: enquanto que a


atividade privada assenta na autonomia privada e na liberdade contratual (podendo os
particulares fazer ou não fazer tudo o que a lei não proíba), já a Administração está
vinculada à lei sob uma dupla perspetiva: quer porque tem de fazer o que ela ordena,
quer porque só pode fazer o que ela ordena.

É certo que a Administração beneficia de um poder de decisão livre mais ou menos


extenso (pode discricionário), mas esse poder também só existe se e na medida em que a
lei o confira, estando ainda sujeito a importantes condicionalismos e limitações,
nomeadamente os princípios que regem a atividade administrativa (princípio da
proporcionalidade, da igualdade, da imparcialidade, da boa-fé, da proteção da confiança
legítima)

 A Administração está jurídico-constitucionalmente condicionada pelo fim de


toda a atividade administrativa, que só pode ser o interesse público.
No fundo, o interesse público é o fundamento e o limite principal de toda a atividade
administrativa.
Assim, a Administração não pode agir sem ser para a realização de um interesse público,
sob pena de haver um desvio de poder (estar a seguir um interesse público secundário e
não um principal; ou, pior que isso, em vez de estar a seguir um interesse público, estar a
seguir um interesse privado) – artigo 162.º CPA

Enquanto os particulares gozam de uma ampla autonomia no desenvolvimento da sua atividade,


sem controlo das suas motivações, a Administração não tem liberdade de escolha dos fins – o
poder discricionário relaciona-se com a liberdade de tomar decisões relativamente a fins ou a
interesses públicos pré-determinadamente fixados pela lei, porque quem define e qualifica o
interesse público a prosseguir pela Administração é a lei.
A Administração só tem liberdade quanto aos meios para os prosseguir e quanto à tomada de
decisão para os realizar.
Mesmo quando a Administração atua no espaço deixado livre pela lei para escolher a solução
mais adequada para cada situação, esta continua longe de ter total liberdade – para além de se
pautar pelo interesse público relevante em cada caso, tem ainda de respeitar um conjunto de
princípios fundamentais da atividade administrativa (artigo 266.º, n.º 2 e artigo 13.º e seguintes
CPA), como também terá que garantir e proteger, de uma forma proporcional, os direitos
subjetivos e os interesses legalmente protegidos (que são as posições jurídicas substantivas
favoráveis dos particulares).

 Cumprimento dos requisitos procedimentais da atividade administrativa:


qualquer atividade administrativa está hoje disciplinada pelo CPA, o que significa que o
palco jurídico da prática de um ato administrativo, de emanação de um regulamento ou
da celebração de um contrato administrativo são sempres disciplinados por uma
procedimento previamente disciplinado normativamente/ pela lei.
Portanto, aplica-se esta disciplina normativa contida nas leis do procedimento administrativo a
todas as manifestações da atividade administrativa, como sejam os atos, os contratos e os
regulamentos. Desde logo, o direito de intervir na fase instrutória, uma vez que é nesta fase que
o particular pode trazer para o procedimento provas, factos e reclamações que vão ajudar o
órgão competente da decisão no sentido de não poder ignorar as posições jurídicas dos
particulares, bem como os fundamentos e as provas que apresentam em sua defesa.
Tambem o direito de participação nomeadamente na fase da audiência previa dos interessados,
que é talvez o epicentro da democracia procedimental.

 Por último sublinha-se que, enquanto os particulares gerem com autonomia e


independência os seus negócios e atividades, dentro dos limites da lei mas sem terem de
prestar contas, a Administração tem de prestar contas da sua atividade perante
outras entidades. Está sujeita, por isso, a formas intensas de controlo externo: para
além do controlo jurisdicional, feito pelos Tribunais Administrativos, da legalidade da
sua atuação, refira-se aqui, e a titulo de exemplo, o escrutínio politico da Assembleia da
República, a fiscalização do Provedor de Justiça, a fiscalização financeira do Tribunal de
Contas, que não se limita ao controlo da legalidade das Finanças Públicas (muitas vezes
opera aqui também um controlo de mérito, assinalado pelo Tribunal de Contas por gastos
excessivos, por demoras na realização das obras, pelo dinheiro que se investiu, etc.)

Relação entre o interesse público e o interesse dos particulares


A seguir importa vez como se posicionam os particulares perante a Administração, o que equivale
a dizer a RELAÇÃO ENTRE O INTERESSE PUBLICO E OS INTERESSES DOS
PARTICULARES.
O interesse público é o momento teleológico necessário de toda e qualquer atividade da
Administração. É por causa dele que ela existe e é em função dele que ela atual – daí que digamos
que o interesse público é o fundamento e o limite da atividade administrativa.
Todavia esta missão não pode ser levada a cabo por parte da Administração de modo arbitrário e
abusivo, como se se tratasse de uma atividade desregulada e sem limites, pelo contrário, a
Administração deve prosseguir o interesse público tal como definido pela CRP ou pela lei e no
âmbito de um quadro normativo estabelecido heteronomamente – princípio da legalidade em
sentido amplo
Por outro lado, deve respeitar sempre e garantir a defesa das posições jurídicas dos cidadãos. É
precisamente o ponto de equilíbrio que carateriza o Direito Administrativo: por um lado a
prossecução do interesse público legalmente definidos, no respeito dos direitos e interesses dos
cidadãos – artigo 266.º, n.º 1 CRP e artigo 4.º CPA

A posição dos particulares em face dos entes públicos pode agrupar-se em duas categorias,
consoante o que resulta do conteúdo das normas: seja uma proteção ou ampliação da sua esfera
jurídica; ou uma limitação ou restrição da mesma esfera jurídica:

 Proteção da esfera jurídica: vantagens - posições jurídicas ativas/ favoráveis


 Limitação/ restrição da esfera jurídica: desvantagens - posições jurídicas passivas
(ex.: deveres/obrigações/ónus/sujeições)

Quanto às posições jurídicas de vantagem, há que assinalar fundamentalmente os direitos


subjetivos (1) e os interesses legalmente protegidos (2) (nova designação de interesses legítimos).

 Direitos subjetivos (1)


Para que exista um direito subjetivo é necessário:

 Que exista um interesse próprio de um sujeito de direito,


 Que a lei proteja diretamente esse interesse,
 Que em consequência disso o seu titular possa legalmente exigir de outrem um ou mais
comportamentos que satisfaçam o direito próprio,
 Que a lei imponha aos restantes sujeitos de direito a obrigação de adotar um ou mais
comportamentos que satisfaçam o interesse do titular do direito subjetivo,
 Que a lei dê ao titular do direito subjetivo a sua plena realização em caso de violação ou
não cumprimento, nomeadamente com recurso, por exemplo, à via judicial.

(ex.: imagine-se que uma lei passa a determinar que ao fim de 5 anos acompanhados de
classificações de excelente por parte de um funcionário implica uma subida de escalão que
reflete uma melhoria no salário)
Se a lei disser diretamente isto, a Administração não tem nenhum tipo de discricionariedade, pois
a lei protege diretamente a pretensão do particular.

(ex.: imagine-se que a lei diz que o resgate de uma determinada concessão de um serviço
público da lugar a uma indemnização por parte da Administração – isto significa que a
Administração está vinculada a proceder ao pagamento dessa justa indemnização, e se não o
fizer o tribunal será chamado a condenar a Administração a esse preciso pagamento)
NOTA: o que é o resgate? – faculdade concedida à Administração, por expressa determinação
legal ou por cláusula contratual da concessão do contrato, de extinguir a relação juridicamente
emergente do contrato de concessão.

Em todas estas situações estamos perante direitos subjetivos, figura esta que entronca com
a relação de uma atividade administrativa vinculada, enquanto o interesse legalmente
protegido diz mais respeito a uma atividade administrativa discricionária.

Portanto, como se vê, é clara a situação da posição dos direitos subjetivos – PRINCIPAL
POSIÇÃO SUBSTANTIVA FAVORÁVEL

 Interesses legalmente protegidos (2)


Para que exista um interesse legalmente protegido é necessário:

 Que exista um interesse próprio de um sujeito direto,


 Que a lei proteja diretamente um interesse público (a lei não visa proteger diretamente a
posição jurídica do particular), que se for corretamente prosseguido implicará a satisfação
simultânea do interesse individual referido. Daí que o interesse legalmente protegido seja
uma posição jurídica reflexa,
 O titular do interesse privado não pode legalmente exigir da Administração uma
satisfação do interesse, podendo sim exigir que não prejudique o seu interesse legalmente
protegido de forma ilegal;
 Que a lei, não impondo à Administração que satisfaça o interesse do particular, a proíba
de realizar um interesse público com ele conexo de forma ilegal;
 Que, em consequência disto, lei dê a possibilidade de o particular obter a anulação dos
atos pelos quais a Administração tenha prejudicado ilegalmente o interesse privado. A
Administração poderá reconsiderar a sua atuação, praticando um novo ato que não tem
necessariamente de ir de encontro ao interesse do particular que venceu o recurso – o que
o particular tem direito é que esse interesse seja prejudicado ilegalmente com a
atuação da Administração
(ex.: imaginemos que a lei estabelece que o superior hierárquico de um serviço pode conceder
um prémio anual aos funcionários com as melhores propostas – isto significa que o superior
hierárquico tem o poder de apreciar livremente as questões apresentadas)
Nenhum funcionário tem, à partida, qualquer direito subjetivo ao prémio, ainda que se considere
o melhor – e não tem um direito subjetivos, porque não tem uma proteção legal ao seu interesse,
nos termos de essa proteção significar um direito ao prémio. Mas todos têm o interesse legalmente
protegido de direito ao prémio.
Isto significa apenas que se o prémio for atribuído por amizade ou de solidariedade, por exemplo,
ou outra forma ilegal, todos os outros funcionários têm o direito de recorrerem – mas ao
recorrerem não têm o direito a obter do tribunal uma sentença que, anulando o prémio concedido
ilegalmente, o atribua a um outro candidato específico. A Administração, por sua vez, tem a
possibilidade de reapreciar a questão e, desde que não volte a cometer a ilegalidade, pode atribuir
o prémio a quem entender que apresentou as melhores sugestões.
Realmente aqui estamos no âmbito de um exercício com uma certa discricionariedade – a lei
concede alguma liberdade ao órgão decisório.

Então qual é a vantagem que a lei reconheça interesses legalmente protegidos se, após o
recurso/impugnação contenciosa, a situação pode ficar a mesma?

 Quem sofreu ilegalmente o prejuízo pode afastá-lo


 Alem do mais, afastado o prejuízo legal, o titular do interesse legitimo tem uma nova
possibilidade de satisfazer o seu interesse (embora nenhum tenha, por mera anulação
obtida, o direito de o receber)

(ex.: imaginemos que a lei estabelece para preencher o lugar de professor catedrático um
conjunto de requisitos para se poder concorrer a um concurso público. Suponhamos que
concorrem 3 pessoas e que o júri atribui o primeiro lugar a um dos concorrentes, que nem
sequer cumpre os requisitos legais exigidos para concorrer)
Ora, isto significa que qualquer dos outros candidatos podem impugnar contenciosamente essa
decisão e, por consequência, terão uma nova oportunidade para conseguir realizar a sua pretensão,
mas NENHUM DELES TEM DIREITO A ESSE LUGAR ASSEGURADO. O júri não tem
obrigação jurídica de nomear este ou aquele – o júri reabre a apreciação da situação, terá de afastar
o candidato que não cumpre os requisitos legais, e reabre o procedimento onde foi cometida a
ilegalidade, mas continua com a possibilidade de escolher aquele que considerar mais apto.

(ex.: imaginemos que um funcionário comete uma infração disciplinar, ficando nos termos da
lei sujeito a um processo disciplinar, no qual se averiguam os factos, se ouvem as testemunhas,
confrontam as provas, podendo esse processo culminar numa decisão em que o superior
hierárquico aplicará ou não uma determinada pena ao funcionário (que poderá ser num caso
extremo a demissão))
A lei exige que ninguém seja punido sem ser previamente ouvido – artigo 269.º, n.º 3 e 161.º, n.º
2, al. b) CPA (o ato seria nulo se tal não se fizesse). Imagine-se que não houve audição e o
funcionário recorre para o tribunal pedindo a anulação da pena a que foi sujeito, com esse
fundamento.
Se o Tribunal Administrativo verificar que efetivamente foi assim anula a pena disciplinar
imposta ao funcionário que implica que ele deixa de estar demitido e regressa à sua anterior
condição de funcionário público.

Significa isto que ele tem direito a ser funcionário?


Não, a Administração reabrirá o processo disciplinar e refará o processo retomando no ponto em
que foi violada a lei, isto é, no ponto em que tenha sido necessário ouvir o funcionário na matéria.
Assim, se a defesa do arguido for, por exemplo, falsa ou não convincente, a Administração tem o
direito de voltar a aplicar-lhe a mesma pena (que poderá novamente ir até à demissão). A situação
em que o funcionário estava não era um direito subjetivos, era apenas um interesse legalmente
protegido.
Em ambas as figuras (direito subjetivo e interesse legalmente protegido) existe sempre um
interesse privado reconhecido e protegido pela lei, mas a diferença é que no direito subjetivo
essa proteção é direta e imediata pela lei (de tal modo que o particular tem a faculdade de exigir
à Administração Pública um comportamento que satisfaça plenamente o seu interesse privado),
ao passo que no interesse legalmente protegido, porque a proteção legal é meramente indireta
ou reflexa, o particular pode apenas exigir à Administração um comportamento que respeite a
legalidade.

EM SUMA:

 No direito subjetivo o que existe verdadeiramente é um direito à satisfação de um


interesse próprio,
 No interesse legalmente protegido existe apenas um direito à legalidade das decisões
que versem sobre o seu interesse próprio

Esta distinção parece relevante, pese embora a aproximação das duas figuras, até porque a tutela
jurisdicional é muito mais efetiva/plena quando se trata de um direito subjetivo do que quando se
trata de um interesse legalmente protegido.

Estas posições jurídicas subjetivas favoráveis dos particulares podem sofrer alguma
compressão nas relações especiais de poder (de Direito Administrativo):
Ao lado das relações gerais do poder Administrativo a que estamos todos os particulares
submetidos por igual à Administração, existem outras relações que apenas se estabelecem entre
a Administração e certas categorias de particulares, em virtude de um contacto mais intenso que
só em relação a elas se verifica – RELAÇÕES ESPECIAIS DE DIREITO
ADMINISTRATIVO.

Estas relações especiais de poder/ de Direito Administrativo tratam-se situações que se fundam
num título específico, nos termos do qual o particular se coloca por vontade própria, por força da
lei ou de uma decisão judicial, ou por ato administrativo, no âmbito de uma determinada esfera
da atividade administrativa e que propicia uma ligação mais intensa do que aquela que em geral
todos mantêm com o Estado.

(ex.: pessoas que ingressam na função pública, pessoas que prestam serviços militares, pessoas
que prestam serviços nos presidiários, pessoas internadas nos estabelecimentos de acolhimento
menores, quando ingressamos numa Universidade pública na qualidade de estudantes)

Uma das questões clássicas a este propósito é a de saber se: no domínio jurídico constituído
por estas relações especiais, valem ou não as pedras basilares do Direito Administrativo no que
respeita aos limites da atividade administrativa e à proteção dos interesses dos administrados,
nomeadamente o princípio da legalidade, ou se, pelo contrário existe aqui alguma exceção a
esses princípios.
Na conceção atual, o que é certo é que as relações especiais de Direito Administrativo não
constituem um espaço a-jurídico, nem implicam qualquer renuncia por parte dos particulares aos
Direitos Fundamentais que o ordenamento jurídico lhes reconhece ou atribui – não constituem
deste modo uma exceção ao princípio da legalidade em nenhuma das suas vertentes.
Compete, por efeito, à lei estabelecer ou autorizar o estabelecimento das especificidades
necessárias pela relação especial de Direito Administrativo, incluindo algumas limitações aos
direitos dos interessados que se revelem necessárias, adequadas e imprescindíveis.
A própria CRP pode apontar para regime especiais em certos casos (artigo 270.º CRP – militares
e membros das forças de segurança).
De facto, as relações especiais de Direito Administrativo podem justificar, em alguns casos, uma
restrição mais ou menos intensa dos Direitos Fundamentais dos que nela estão envolvidos – ex.:
inviolabilidade de correspondência é praticamente intangível no quadro das relações gerais, mas
pode sofrer limites quando esteja em causa correspondência destinada a um presidiário; a
liberdade física de um doente num hospital é necessariamente diferente da que goza fora do
hospital; a liberdade de associação dos militares não é igual à dos civis)

Em suma, há restrições normativas que são inaceitáveis no contexto da relação geral de


poder e legitimas se enquadradas numa relação especial de poder

Mas uma coisa é admitir estas limitações, outra é dispensar a aplicação das regras que presidem,
em geral, a tais limitações, designadamente a previsão legal, o princípio da proporcionalidade,
etc.

Como se tem assinalado na doutrina, há que distinguir neste domínio 2 hipóteses entre a relação
fundamental e a relação de funcionamento ou orgânica:

 Na relação fundamental o particular aparece antes de tudo mais como uma pessoa,
titular de Direitos Fundamentais não limitáveis por qualquer regulamento com caráter
normativo-inovatório.
Depois acresce que, dentro da relação fundamental, o administrado, visto agora dentro de uma
condição especial (estudante, militar, doente), conserva ainda necessariamente o núcleo
essencial dos seus Direitos Fundamentais, embora se permitam algumas restrições mais ou
menos intensas desses direitos, desde que tenham por base a lei e se forem proporcionais.
Ou seja, admite-se que nas relações especiais de Direito Administrativo possam justificar
limitações mais fortes de certos direitos, mas serão sempre situações que carecem de
enquadramento legal prévia, pois é à lei a quem cabe estabelecer as condições e os
pressupostos genéricos dessas limitações.
Portanto, na relação fundamental o funcionário enquanto pessoa é titular de Direitos
Fundamentais e nesse aspeto não vê limitados significativamente esses Direitos
Fundamentais.
 Relação de funcionamento/ orgânica: o funcionário é visto como elemento da
máquina administrativa, quando, por exemplo, estamos perante normas que disciplinam
a organização e funcionamento dos serviços; distribuição de tarefas, etc. Assim sendo,
aqui é que pode haver mais limitações.
Na relação orgânica, que aliás deve ser vista com um âmbito cada vez mais circunscrito, a
posição jurídica do particular deve ser analisada no quadro de uma disciplina interna da
organização administrativa onde ele está inserido

(ex.: a delimitação dos horários das aulas numa Universidade tem uma natureza mais
organizatória – mais interna// contrariamente à atribuição de uma nota)

Bibliografia:
COLAÇO ANTUNES, A Ciência Jurídica Administrativa, op. cit., pp. 223 a 259; 499 a 509; COLAÇO ANTUNES, O
Direito Administrativo e a sua Justiça..., op. cit., pp. 32-64; FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito
Administrativo, vol. II, Coimbra, 2016, pp. 9 a 28 e 55-63; ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, vol. I,
Coimbra, 1984, pp. 344-369; RUI MACHETE, "Privilégio de execução prévia", in DJAP, vol. VI, pp. 448 e ss;
COLAÇO ANTUNES, A Teoria do Acto e a Justiça Administrativa, Coimbra, 2006, pp. 38-43; MARCELO REBELO
DE SOUSA, Lições..., op. cit., p. 99 e ss; VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, Coimbra 2015, p. 56 e
ss; COLAÇO ANTUNES, Direito Público do Ambiente, Coimbra, 2008, pp. 109-119.
Aula n.º 20 – 30-11-2020 – ‘Continuação da aula anterior. 7. Os princípios fundamentais da atividade
administrativa. 7.1. O princípio da legalidade (noção, o princípio da legalidade no Estado de Direito liberal, o
princípio da legalidade na atualidade, incidência do princípio da legalidade, princípio da legalidade e hierarquia
normativa, o princípio da legalidade e o estado de necessidade, a presunção de legalidade dos atos administrativos e
a sua desatualidade). 7.2. O princípio da imparcialidade (remissão).’

Princípios fundamentais da atividade administrativa


Os princípios fundamentais da atividade administrativa podem merecer ou não consagração
expressa na CRP, pelo que nem todos esses princípios estão consagrados na CRP – os que estão
consagrados são o princípio da juridicidade, da imparcialidade, da prossecução do interesse
público, do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, da igualdade,
da proporcionalidade, da boa fé, da justiça e da responsabilidade civil.
No entanto, estes princípios expressamente consagrados na CRP não são os únicos princípios
gerais que vinculam a atividade administrativa. Além desses, temos também os princípios da
concorrência, da sustentabilidade, da precaução, do estado de necessidade administrativa e da
boa administração (artigo 5º CPA) – sem consagração constitucional expressa
Por outro lado, também devemos ter em conta que, quando falamos de princípios gerais da
atividade administrativa também falamos em princípios que disciplinam o conteúdo e sentido do
agir administrativo – eles vinculam a materialidade da atividade administrativa. Por isso mesmo,
não se confundem com os princípios gerais do procedimento administrativo.

O procedimento administrativo traduz-se num conjunto de fazes e etapas preordenadas que


antecedem a prática de um ato jurídico e que se destinam a averiguar e estabelecer com exatidão
os factos relevantes à tomada de uma decisão, ponderar com equidistância os interesses relevantes
à tomada dessa mesma decisão, garantindo-se, ao longo de toda esta dinâmica, a participação dos
interessados. A prática do ato jurídico põe termo a esse mesmo procedimento administrativo, que
o antecede.
Assim sendo, os princípios gerais do procedimento administrativo cingem-se ao procedimento
que antecede a prática de um ato jurídico. Já os princípios gerais da atividade administrativa
vinculam o conteúdo e sentido do ato jurídico propriamente dito.
No entanto, há alguns princípios gerais da atividade administrativa que efetivamente têm uma
dimensão procedimental, ou seja, têm uma aplicação nos dois domínios anteriormente referidos
– princípio da boa-fé e da boa administração.

 Princípio da legalidade
O princípio da legalidade é o princípio fundamental do Direito Administrativo, sendo originário
deste.
Como se sabe, o nascimento do Direito Administrativo supôs a submissão do poder público ao
Direito, em contraposição com o princípio da imunidade jurídica típica do Estado Absoluto.
Desde o início que essa ideia fundamental se designa pelo princípio da legalidade da
Administração, que não é mais do que uma componente do princípio do Estado de Direito e,
de certo modo, uma consequência da separação dos poderes.
Entre nós, o princípio da legalidade está expressamente mencionado, desde logo, no artigo 3.º
CPA e no artigo 266.º, n.º 2 CRP.

Numa definição elementar, o princípio da legalidade quer dizer que a Administração deve
atuar dentro da lei, e não contra ou à margem desta. É, porém, necessário ter presente que,
quando atualmente se fala na subordinação da Administração à lei, tal deve ser entendido como a
subordinação da Administração a um bloco normativo global, isto é, ao conjunto composto pelo
Direito da União Europeia (1), pela Constituição (2), pelo Direito Internacional (3), pelos
Princípios Gerais de Direito (4), pelas leis ordinárias (5) e pelos regulamentos (6).

De facto, no início do Estado de Direito (século XIX), a lei era o único parâmetro externo da
atividade administrativa. Como a Constituição não era considerada uma norma diretamente
exequível por si mesma, dependendo do legislador para ser concretizada (ESTAVA SOB
RESERVA DE LEI), e como o Direito Internacional não tinha grande relevância nem efeito
direto na ordem interna, então o princípio da legalidade representava a subordinação da
Administração à única fonte primária do Direito (dotada de eficácia direta e imediata), que era a
LEI PARLAMENTAR.
Com o tempo, porém, como já insinuamos anteriormente, a estrutura da ordem jurídica e das
fontes do Direito alterou-se consideravelmente. Primeiro, a Constituição tornou-se numa
verdadeira norma jurídica, de aplicação direta e imediata em muitas das suas normas, sem
necessidade de lei concretizadora; em segundo lugar, sobreveio o Direito Internacional com
efeito direto na ordem jurídica interna; em terceiro lugar, a anterior Comunidade Europeia criou
a sua própria ordem jurídica que, como se sabe, goza de eficácia direta na ordem jurídica dos
Estados-Membros.

Desta feita, atualmente, a Administração está subordinada não apenas à lei, mas a uma
pluralidade de fontes do Direito: Direito da União Europeia (primário ou derivado);
Constituição e regulamentos administrativos (como expressão de um ordenamento jurídico
próprio da Administração e como expressão de autovinculação da Administração).

Neste sentido, atualmente, o princípio da legalidade deve ser entendido no sentido de querer dizer
subordinação da Administração a todas as fontes de Direito que a vinculam. No entanto, a
lei continua a ser o principal parâmetro de ação da Administração, pelo que faz todo o sentido
continuar a utilizar essa expressão como equivalente do princípio da juridicidade da
Administração.
Assim, em extrema síntese, o princípio da legalidade em sentido amplo equivale a esta expressão
«princípio da juridicidade».
Por conseguinte, embora continue a ser de uso corrente a expressão «princípio da legalidade», a
verdade é que ele não continua a ser a mera subordinação à lei, no sentido estrito que o termo
tem, mas de um verdadeiro princípio da juridicidade ou da subordinação da Administração ao
Direito, ou seja, à ordem jurídica.
Assim sendo, as noções de «lei» e de «legalidade» têm aqui um sentido amplíssimo equivalente
ao sentido de toda e qualquer norma jurídica. Aliás, é neste mesmo sentido que a própria lei
fundamental utiliza o termo «lei» no artigo 203.º CRP, quando diz que os tribunais são
independentes e apenas estão sujeitos à lei – QUER AQUI SIGNIFICAR ESSE SENTIDO
AMPLÍSSIMO.

Esta expressão «princípio da legalidade» trata-se, portanto, de uma sobrevivência semântica.

Depois disto diga-se, portanto, que a lei está longe de ser o único parâmetro normativo da
Administração, se bem que continua a ser o principal parâmetro imediato:

 Primeiro, a atividade da Administração pode ser regulada diretamente por um


instrumento normativo diferente da lei (ex.: regulamento comunitário, diretiva, norma
de Direito Internacional), que atualmente faça parte da ordem jurídica a título próprio,
sem necessidade de transposição legislativa interna.

 Em segundo lugar, nos nossos dias, a Constituição é a lei suprema do ordenamento


jurídico no sentido interno, sendo também ela suscetível de aplicação direta no que
respeita às suas normas diretamente exequíveis.

 Em terceiro lugar deu-se um fenómeno de estratificação normativa dentro do próprio


campo legislativo, tendo em conta precisamente a existência de leis reforçadas e de leis
ordinárias.

 E, por último, a Administração está vinculada também aos seus próprios regulamentos
administrativos.

Daí que o conceito de legalidade e ilegalidade da Administração só possa ser utilizado num
sentido muito amplo, ou seja, no sentido de qualquer norma, independentemente do seu nível, à
qual a Administração deva obediência. Neste sentido, será ilegal tanto o ato que infringe uma lei
em sentido próprio, como o ato administrativo que viole um regulamento, um tratado
internacional, regulamento europeu ou até uma norma constitucional diretamente aplicável.
Por isso mesmo, não se nos afigura inútil que o artigo 266.º, n.º 2 CRP tenha referido a
Constituição e a lei e que o artigo 3.º, n.º 1 do CPA refira a lei e o Direito. Em qualquer dos casos,
podemos dizer que o termo lei, com o significado exposto, abarcaria tanto a Constituição como o
Direito.

Vamos ver agora como é que evoluiu o princípio da legalidade (em sentido amplo) / princípio da
juridicidade:
De certa maneira, digamos que esta evolução passa por aquela evolução também do próprio
Estado. No Estado de Direito democrático contemporâneo o princípio da legalidade tem um
alcance mais vasto do que o que tinha no início da era constitucional (durante o período do Estado
de Direito liberal). Parece-nos, portanto, relevante fazer referência a esta transformação, porque
não é uma questão puramente descritiva, mas é uma forma de perceber-se melhor o sentido atual
do princípio da legalidade em sentido amplo.
No entendimento originário e, portanto, no início da era constitucional, a ideia de separação de
poderes assegurava também um espaço de autonomia originária ao poder executivo, porque a lei
constituía somente um limite, mas não um fundamento necessário da atividade administrativa.

A subordinação da Administração à lei no século XIX desdobrava-se, por isso, em apenas dois
subprincípios:

 O subprincípio da reserva de lei


Significava que, em certas esferas, a Administração só poderia atuar nos termos estabelecidos na
lei em sentido estrito (lei parlamentar), não podendo adotar mais do que as medidas nela previstas.
Os domínios típicos da reserva de lei eram as restrições à propriedade e às liberdades dos
particulares. Os limites a tais direitos só poderiam ser estabelecidos por lei e daí a reserva de
lei em matéria, por exemplo, de expropriação, impostos, detenção e prisão, e de Direito Penal em
geral.
A reserva de lei constituía, portanto, um limite à chamada Administração agressiva contra os
Direitos Fundamentais, reconduzíveis, nessa altura, essencialmente à propriedade e às liberdades
individuais.
Isso implicava duas coisas: em primeiro lugar, a proibição nessas áreas de regulamentos que
não fossem estritamente executivos da lei (o que quer dizer que qualquer regulamentação
inovatória tinha de ter origem numa lei parlamentar); em segundo lugar, a Administração, seja
por atos administrativos ou por operações materiais, não podia afetar esses direitos senão quando
a lei o previsse (a Administração só poderia atuar nesses domínios desde que em execução da lei
ou munida de expressa autorização legal).

 O subprincípio do primado ou da preferência da lei


Significava que a Administração não podia praticar atos que contrariassem o disposto nas normas
legais, ou seja, que a Administração não poderia atuar contra legem – isto valia tanto no domínio
da reserva de lei, como fora dela nos casos em que a lei extravasasse para fora da reserva de lei.
Neste sentido fora da reserva de lei, a lei era entendida somente como um limite da atividade
administrativa – HAVENDO LEI A ADMINISTRAÇÃO TINHA DE A RESPEITAR. Mas,
em geral, as intervenções da lei na esfera administrativa, fora das áreas de reserva de lei, tinham
sempre de se entender como excecionais.
Na verdade, fora dos domínios da reserva de lei, e quando não existisse lei a limitar a sua atuação,
a Administração era livre de atuar, traduzindo a ideia de que ela poderia fazer tudo aquilo que não
estivesse legalmente proibido.
Este espaço de livre atuação do Direito consistia no poder discricionário da Administração, o qual
nessa altura história era visto como um poder originário que a Administração exercia livremente
fora da reserva de lei sempre que não estivesse limitada por qualquer lei.
Na ATUALIDADE, o princípio da legalidade é, no fundo, ainda muito conformado com a
perspetiva da legalidade numa fase do Estado Social. Quanto a esta questão podemos começar
por dizer que, com o aprofundamento da ideia do Estado de Direito democrático, uma série de
alterações vão ocorrer com influência direta no princípio da legalidade em sentido amplo/
princípio da juridicidade que, desta forma, passa a ter um NOVO ENTENDIMENTO.
A principal alteração tem que ver com o novo entendimento de que, num Estado democrático,
todo o poder, incluindo o poder administrativo, tem de ser devidamente legitimado, desde logo
por referência à lei parlamentar como emanação da vontade popular.

 Alterações relativamente aos subprincípios que faziam parte do princípio da legalidade


no início da era constitucional:

Em primeiro lugar ampliaram-se os domínios do subprincípio da reserva de lei – foram vários


os caminhos para essa ampliação:
1. Ampliou-se a esfera dos Direitos Fundamentais, que desde o início constitui o cerne da
reserva de lei – ex.: reserva de lei estabelecida no artigo 18.º CRP em relação a todas as
restrições de direitos, liberdades e garantias

2. Verificou-se uma quebra da teoria das relações especiais de Direito Administrativo, que
isentavam da reserva de lei as restrições aos Direitos Fundamentais de certas categorias
de pessoas - ex.: artigos 269.º e 270.º CRP em relação aos funcionários públicos e aos
militares e membros das forças de segurança.

Ou seja, também no âmbito das relações especiais de Direito Administrativo há uma


crescente juridificação, pelo que este domínio DEIXOU DE SER imune ao subprincípio
da reserva de lei.

3. Com a ampliação da esfera de ação do Estado no domínio económico e social


(fundamentalmente no Estado Social) a Constituição elevou a lei a instância de regulação
básica de muitas outras matérias (ex.: matéria do Direito do Trabalho, de Segurança
Social, de ambiente, de urbanismo, etc.), ficando a Administração impedida de atuar
senão nos termos previstos na lei.

4. A Constituição veio alargar a reserva de lei à própria organização e ao modo de atuação


da Administração, como se revela, por exemplo, na exigência de regulação legislativa do
procedimento administrativo (artigo 267.º, n.º 5) ou, por exemplo, quando nos referimos
à reserva de lei em matéria de organização administrativa (artigo 164.º, alínea n) CRP).

O fundamento da reserva de lei em sentido próprio, ou seja, enquanto reserva legal da disciplina
jurídica primária de determinadas matérias, continua a ser essencialmente o princípio democrático
segundo o qual as decisões fundamentais do poder público devem ser efetuadas pela ei emanada
da assembleia representativa. Entre elas devem estar, designadamente, as restrições a direitos
fundamentais e as matérias de maior importância para a sociedade.
ASPETO IMPORTANTE NO SUBPRINCÍPIO DA RESERVA DE LEI: Nos casos em que
o Governo detém poderes legislativos próprios, surge, ao lado da reserva de lei em sentido geral,
uma reserva de lei parlamentar, vedando certas matérias à intervenção legislativa do Governo 
artigos 164º e 165º CRP.
Trata-se de uma questão de repartição de poderes legislativos entre o Governo e a Assembleia da
República, o qual não afeta, porém, a questão da reserva de lei. Portanto, quando a reserva de lei
não é acompanhada da reserva de lei parlamentar, isso quer dizer que o Governo tem de utilizar
os seus poderes legislativos e não os poderes regulamentares.
Desse modo, a questão não é despicienda nos termos do fundamento da reserva de lei, visto que
a Assembleia da República pode chamar sempre a controlo os Decretos-Leis, nos termos de um
mecanismo constitucional previsto no artigo 169º CRP, o que não sucede com os regulamentos
administrativos.

Por outro lado, já quanto ao subprincípio do primado da lei:

Também aqui se verificou uma ampliação do seu efeito limitador, mesmo no seu sentido
puramente negativo, impedindo a Administração de praticar atos que contrariem o disposto na
lei, visto que se multiplicaram as leis que disciplinam a atuação da Administração, para além da
reserva constitucional de lei.
De facto, com o tempo, não se soube avençar a teia legislativa, pelo que a Administração foi sendo
cada vez mais limitada pela lei. E isso, aliás, por um lado reforça a vinculação da Administração,
mas, por outro lado, por vezes verifica-se uma torrencialidade legislativa que cria não poucas
dificuldades na interpretação e na aplicação da lei por parte da Administração.
De qualquer modo, a densificação legislativa é também um processo de identificação da
subordinação e da vinculação da Administração à lei e ao Direito.

No entanto, a mudança mais relevante tem a ver com um NOVO ENTENDIMENTO, agora
mais exigente, do princípio da legalidade: de facto, a lei deixou de ser apenas um limite para a
Administração, para passar também a ser um pressuposto e fundamento de toda a atividade
administrativa.

Enquanto que, anteriormente, fora da esfera da reserva de lei, era lícita a atividade administrativa,
desde que não contrária à lei, agora, toda a atividade administrativa só pode ser legítima com
base na lei. Passa, assim, a figurar, ao lado do princípio do primado da lei em sentido negativo,
o princípio geral da precedência da lei. Este princípio consubstancia-se na necessidade de
habilitação legal para todo e qualquer ato jurídico da Administração – não há, a partir de agora,
Administração sem lei.
NOTA: Portanto, aos subprincípios da reserva e do primado da lei, vem acrescentar-se um
terceiro subprincípio que é, a ver do professor, a principal alteração do princípio da legalidade
relativamente aos seus momentos iniciais.
Todavia, isto não quer dizer que a Administração tenha perdido toda a liberdade de atuação, como
se tivesse passado a ser um mero braço executivo da lei, aplicando, a cada caso concreto, as
soluções previstas na lei. Pelo contrário, a Administração conserva uma extensa liberdade de
decisão; simplesmente, a partir deste novo entendimento do princípio da legalidade, a própria
liberdade de decisão da Administração carece de atribuição/autorização legal, pelo que só
existe se e na medida em que a lei lhe confira esses passos/ essas margens de liberdade de decisão.
A Administração deixou, assim, de ser uma atividade originariamente livre dentro dos limites da
lei, para passar a ser uma atividade subordinada à lei, mesmo no que respeita à liberdade de
que pode dispor.
De resto, mesmo fora da reserva de lei, existem aspetos que estão vedados à Administração. Isto
por a lei não lhe dar liberdade para tal, pois toda e qualquer atuação da Administração tem que
ter por base uma lei que lhe determine, no mínimo, os interesses públicos a satisfazer e os órgãos
encarregados de os prosseguir, isto é, a competência do órgão (artigo 3.º, n.º 1 CPA).

No fundo, podemos dizer até que se verificou mesmo uma universalização da reserva de lei,
pois é necessária uma habilitação legislativa mínima para toda a atividade administrativa,
deixando de haver Administração à margem da lei, como sucedia no Estado de Direito liberal

NOTA: Todavia, importa manter a noção específica de reserva de lei enquanto espaço em que só
a lei pode definir o regime substantivo, sem poder deixar à Administração mais do que a sua
regulamentação executiva.

Nas suas TRÊS VERTENTES (precedência, reserva e primado da lei), o princípio da


legalidade vincula a atividade administrativa em todas as suas modalidades, desde os
regulamentos aos atos administrativos, passando pelos contratos administrativos. Em qualquer
caso, tem de haver uma lei anterior que defina, pelo menos, a competência para os praticar e os
fins a prosseguir.

NOTA: Tal como não existem atos administrativos sem lei, também não pode haver regulamentos
ou contratos administrativos sem lei.
É claro que a Administração pode dispor de autonomia para praticar ou não praticar certos atos
(é a chamada «discricionariedade quanto ao âmbito»), bem como pode dispor de autonomia
regulamentar e contratual, mas trata-se sempre de espaços de liberdade conferidos, delimitados e
limitados pela lei – DEIXOU DE HAVER ATIVIDADE ADMINISTRATIVA
ABSOLUTAMENTE INDEPENDENTE DA LEI. O que deixou de haver foi a atividade
administrativa absolutamente independente da lei.
Convém, ainda, salientar que, na atualidade, existem alguns deveres (além destes, que são
negativos) positivos para a Administração, que resultam do princípio da legalidade numa época
em que se reconhece a Administração, não só na sua vertente agressiva, mas também prestacional
(constitutiva e de prestações, tal qual é apanágio do Estado Social e de Direito).
No Estado liberal, o princípio da legalidade visava delimitar e limitar a Administração agressiva,
isto é, as intrusões da Administração na esfera da liberdade e da propriedade dos particulares.
Tratava-se de proibir restrições ou lesões para além das que a lei admitia, pelo que no
princípio da legalidade importava normalmente a ilegalidade da atuação da Administração
desconforme com a lei, por violação do princípio da primazia/preferência da lei. Por isso, a
violação da lei era feita por ação administrativa, bastando a anulação da decisão administrativa
ilegal para corrigir a ilegalidade.
Daí o papel central do recurso contencioso de anulação nas garantias dos particulares contra a
Administração e também a importância do pedido da suspensão da eficácia do ato ao nível dos
processos cautelares.

No entanto, no Estado Social, a lei não se limita a dizer o que a Administração pode ou não
pode fazer (faculdades ou proibições de atuação), mas também o que ela deve fazer em
benefício dos cidadãos.
No domínio da Administração de prestações (típica do Estado Social, mas que se mantém ainda
que diminuída), a lei impõe, muitas vezes, obrigações positivas à Administração em relação aos
particulares, através de deveres de «fazer» ou «prestar» – ex.: cuidados de saúde, prestações de
Segurança Social, subsídios, etc.

Nesta medida, a violação do princípio da legalidade consiste na inércia ou inação da


Administração, ou seja, numa omissão ilegal. Correspondentemente, nestes casos, a tutela dos
direitos dos particulares já consiste, não na impugnação administrativa de uma atuação ilegal, mas
sim numa ação para obter a condenação da Administração à prática do ato legalmente devido
(artigo 66.º e seguintes CPTA, artigo 184.º, n.º 1, alínea b) CPA e artigo 77.º CPTA).

Em suma, enquanto que, no Estado liberal, a violação do princípio da legalidade se verificava


fundamentalmente por ação, agora, verifica-se por ação, mas também por omissão - quando a
Administração tinha de praticar um ato administrativo legalmente imposto ou um regulamento
administrativo necessário e não facultativo, e não o faz

Aula n.º 21 – 01-12-2020 – reposição feriado


NOTA: Alteração do CPA – Lei 72/2020 (16 de novembro) – atenção nas normas relativas ao
funcionamento dos órgãos colegiais (referência à indicação dos meios telemáticos
disponibilizados para participação dos membros).
Esta alteração tem mais que ver com a situação pandémica em que vivemos de momento.

Continuando a estudar o princípio da legalidade em sentido amplo/ princípio da juridicidade,


vamos agora desdobrar a análise deste princípio em vários aspetos que convém salientar. Desde
logo:

 Âmbito/incidência do princípio da legalidade


Falando da incidência do princípio da legalidade começamos por dizer que a questão que se coloca
com frequência é a de saber se a Administração apenas está vinculada pelo princípio da
legalidade quando se trata de uma atuação que implique o sacrifício de direitos ou interesses
legalmente protegidos dos particulares (Administração agressiva) (1), OU se o princípio da
legalidade também se aplica quando se trata de uma atuação da Administração constitutiva ou
de prestações (2).
A ideia tradicional era de que, no que respeita à Administração agressiva/ de autoridade, a
lei vale como limite e fundamento; ao passo que no domínio da Administração de prestações a
lei deve ser entendida apenas como limite da atividade administrativa – neste último âmbito a
Administração poderia, então, fazer tudo o que entendesse desde que não contrariasse a
lei/nenhuma disposição ou proibição legal.
Nesta esfera valeria ainda a conceção oitocentista sobre a liberdade da Administração fora das
áreas da reserva de lei, sempre que não exista uma limitação legal (subprincípio da primazia da
lei).

Todavia, esta tese tem vindo a ser contestada sendo hoje dominante a doutrina que vê o
princípio da legalidade como cobrindo todas as manifestações da Administração
Pública, inclusive as da Administração de prestações e não apenas as da Administração
agressiva.
Portanto, o princípio da legalidade como limite e fundamento, mas sobretudo como fundamento,
aplica-se a todas as manifestações da atividade administrativa (sejam elas agressivas, isto é,
limitadoras; seja no âmbito da atividade prestacional).

Quais as razões que acompanham a doutrina dominante para fundamentar esta tese?

 Em primeiro lugar, os interesses públicos que competem à Administração prosseguir e


realizar têm sempre de ser definidos por lei, não podendo ser a Administração a
determiná-los.
Mesmo no quadro da Administração de prestações (ex.: conceder um direito, prestar um
serviço, fornecer bens aos particulares; conceder um subsídio), a Administração só o deve
fazer, porque e na medida em que está a prosseguir um interesse público definido pela lei.

 Em segundo lugar, a concessão de prestações ou outras vantagens aos particulares implica


necessariamente fazer incidir sobre a coletividade os respetivos encargos, pelo que não
deve ser deixado à Administração tal poder sem uma prévia habilitação legal.

 Em terceiro lugar, ao prestar serviços ou fornecer prestações a certos particulares, a


Administração também pode lesar/ofender os princípios da igualdade e da
imparcialidade, favorecendo certas categorias/ pessoas em prejuízo de outras.

 É necessário que a lei fixe, no domínio da Administração de prestações, critérios


seletivos para a concessão de tais prestações, tendo, por isso, a lei de ser o fundamento
em que a Administração se baseia para agir nestas matérias/domínios.

 Em quinto lugar, o princípio da legalidade não está apenas ao serviço da proteção dos
direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos dos particulares, mas também da
proteção do interesse público tal como definido pelo legislador, no sentido de que há
sempre a primazia do legislador sobre a Administração (ex.: compete à lei definir e
qualificar os interesses públicos, pelo que a Administração não goza de nenhuma
liberdade em matéria da escolha dos fins que devem orientar a sua atuação).
 Em sexto lugar, nos termos do artigo 266.º CRP, a subordinação da Administração à
Constituição, à lei e aos princípios gerais de Direito Administrativo vale para toda a
atividade administrativa (seja de natureza agressiva ou de natureza prestacional).

Conclui-se que nenhuma esfera da atividade administrativa está fora do princípio da


legalidade – toda estando sujeita ao subprincípio da precedência da lei. Mas tal não quer dizer
que toda a atividade administrativa está sujeita à lei com a mesma intensidade, uma vez que isso
depende de haver ou não, em primeiro lugar, reserva de lei (o que encontra resposta na própria
Constituição).
Com efeito, nuns casos cabe à lei definir todo o regime jurídico substantivo (falamos do
subprincípio da reserva de lei em sentido próprio); noutros casos a Constituição exige apenas que
lei estabeleça os subprincípios essenciais, deixando o resto para a Administração. Noutros casos
ainda, a Constituição não estabelece nenhuma exigência de densidade legislativa, podendo a lei
limitar-se ao mínimo (que é habilitar uma certa entidade ou órgão administrativo a ocupar-se de
determinada matéria), ou seja, definindo apenas a competência subjetiva e objetiva da atividade
administrativa – artigo 112.º, n.º 7 CRP.
NOTA: «definindo a competência subjetiva e objetiva» - definindo o órgão com competência
para praticar os atos (subjetiva) e definindo a matéria a ser disciplinada normativamente
(objetiva).

 Princípio da legalidade e hierarquia normativa


Como vimos, a Administração pode estar sujeita diretamente a normas de hierarquia diferente,
desde normas do Direito da União Europeia (originário ou derivado), passando pela Constituição
e leis ordinárias, até aos regulamentos.

Contudo, a Administração está sujeita, em primeira linha, às normas que mais


imediatamente a disciplinam, que são, normalmente, ou normas legislativas ou
regulamentares – que, por via de regra, se impõem entre a Administração e as normas superiores
do ordenamento jurídico.
Na falta desta intermediação, a Administração pode ser chamada a aplicar diretamente normas
supralegislativas, incluindo normas constitucionais de aplicação direta (ex.: como sucede no que
respeita às normas relativas a DLG, nos termos do artigo 18.º, n.º 1 CRP).

PROBLEMA: quando a norma que regula imediatamente a atividade administrativa for


desconforme com um parâmetro normativo superior o que acontece?
De facto, dadas as relações de hierarquia e primazia normativa, que se estabelecem entres as
diversas fontes do Direito, pode suceder que a Administração, embora respeitando a norma que
regula direta e imediatamente a situação, esteja a atuar em violação de um parâmetro normativo
superior a essa norma (que esta, portanto, não respeitou).

(ex.: um ato administrativo, praticado pela Administração, que respeita um regulamento


administrativo que diretamente expõe sobre a situação em causa)
Este pode ser ilícito por causa da ilegalidade do regulamento (quando este está em
desconformidade com a lei.

(ex.: um ato que respeite a lei que imediatamente o disciplina pode ser ilícito pelo facto de esta
lei ser inconstitucional)

Ora, a questão que se coloca é a de saber se a Administração pode deixar de respeitar, isto é,
desaplicar o parâmetro normativo mais próximo (aquele que disciplina imediatamente a situação
e que a vincular), com fundamento na ilegalidade do mesmo por violação de um parâmetro
normativo superior?

Pode um órgão ou um agente administrativo, por exemplo, deixar de aplicar um regulamento por
o considerar ilegal; ou uma lei, por a considerar inconstitucional?

Por outras palavras, cabe à Administração o poder, ou recai sobre ela um dever de fiscalização
da legalidade ou constitucionalidade das normas que disciplinam imediatamente a sua
atividade?

O problema tem sido discutido, quer em sede doutrinal, quer ao nível da jurisprudência, pese
embora se tenha discutido, sobretudo, ao nível da constitucionalidade. Ora, é doutrina maioritária,
mas não incontroversa, aquela que defende que, em princípio, e salvo casos extremos, a
Administração não pode invocar a possível inconstitucionalidade ou ilegalidade para não
aplicar a norma que disciplina imediatamente a sua atividade.

Aqui a doutrina divide-se, sendo que há duas teses fundamentais:

 Tese a favor da fiscalização administrativa da constitucionalidade ou legalidade das


normas que mais imediatamente disciplinam a sua atividade

Tendo em conta esta primeira tese (minoritária) vejamos os seus argumentos:


1. Argumenta-se que a Constituição determina que todas as entidades públicas, sem
exclusão da Administração, estão diretamente vinculadas aos DLG reconhecidos pela
Constituição, e que a Administração está sujeita à Constituição e à lei, o que torna os
órgãos administrativos obrigados a respeitar, então, a Constituição e a lei.

2. Não tem sentido obrigar a Administração a aplicar normas ilegais ou


inconstitucionais quando os atos correspondentes venham a ser posteriormente
invalidados pelos tribunais, justamente por causa da inconstitucionalidade ou
ilegalidade em que se fundou a decisão administrativa (ainda podendo fazer a
Administração incorrer em responsabilidade civil extracontratual por danos
decorrentes dessa mesma decisão ilícita).
 Tese contra a fiscalização administrativa da constitucionalidade ou da legalidade
das normas que mais direta e imediatamente disciplinam a sua atuação

Argumentos:
1. A Constituição só refere a fiscalização da constitucionalidade pelos tribunais (artigo
204.º CRP) e não pela Administração. Só aqueles têm poder para não aplicar normas
infraconstitucionais por violação da norma fundamental, o que quer dizer que não
foram contempladas outras hipóteses.

2. As referencias ao artigo 18.º, n.º 1 e 266.º, n.º 2 CRP podem também querer dizer
que as normas constitucionais valem para a Administração, mesmo na ausência de
lei, sempre que se trate de normas diretamente exequíveis por si mesmas, pelo que
nem só à lei deve a Administração obediência (não havendo lugar a conflitos de
normas).
No fundo este segundo argumento faz uma leitura diferente do artigo 18.º e 266.º, n.º 2
da CRP, relativamente à tese anteriormente vista.

3. A fiscalização administrativa da constitucionalidade das normas administrativas


significaria subverter o núcleo essencial do princípio da legalidade da Administração
e, também, do princípio da separação de poderes, que nasceram justamente para
subordinar a atividade administrativa ao legislador e o poder executivo ao poder
legislativo.
Embora, sem ignorar o peso dos argumentos que apoiam a fiscalização administrativa da
constitucionalidade, nós inclinámo-nos para aquela posição que sufraga a solução negativa
(segunda tese).
Não obstante, com uma RESSALVA: «salvo casos limites». Quando se trata de uma
constitucionalidade ou de uma ilegalidade evidente, crê-se que a Administração tem o poder de
fiscalizar a legalidade ou a constitucionalidade das normas que mais direta e imediatamente a
vinculam – MAS APENAS QUANDO A ILEGALIDADE OU
INCONSTITUCIONALIDADE É GROSSEIRA E MANIFESTAMENTE EVIDENTE.
Salvo estes casos, entendemos que o mais prudente é seguir a tese que defende a solução negativa
quanto á possibilidade de a Administração fiscalizar administrativamente a constitucionalidade e
a legalidade das normas que diretamente disciplinam a sua atuação.

Porquê?
Fundamentalmente por dois argumentos:

 Em primeiro lugar, a falta de previsão constitucional ou legal para conceder tal poder à
Administração – estando aqui em causa o subprincípio da precedência de lei.
Ou seja, não há norma legal que atribua expressamente à Administração tal poder.

 Em segundo lugar, salienta-se a infração/ violação do princípio da separação dos poderes.


Todavia, parece-nos que o primeiro argumento é o mais decisivo, uma vez que a Administração
não pode exercer poderes que não lhe tenham sido conferidos pela Constituição ou pela lei.
O segundo argumento é também importante, mas não já decisivo. Este valoriza a supremacia do
legislador sobre o poder executivo, a qual está na base do Estado de Direito democrático. Num
Estado de Direito democrático a lei vincula a Administração e os tribunais, salvo, quanto a estes,
a exceção de inconstitucionalidade nos termos previstos na própria Constituição.
Provavelmente, esta mesma doutrina vale para os demais casos, por exemplo, no que concerne à
possível desconformidade de uma lei com um tratado internacional, ou a possível ilegalidade de
um regulamento.

Estivemos até agora a analisar esta questão, essencialmente, do ponto de vista do direito interno,
no entanto, no que respeita ao Direito da União Europeia, poder-se-á colocar igualmente a
questão: qual é o entendimento da jurisprudência comunitária?
O entendimento da jurisprudência comunitária é de que incumbe às autoridades
administrativas dos Estados-Membros fazer prevalecer o Direito da União Europeia, seja
originário ou derivado, o que implica um dever de desaplicação do direito interno que contrarie
esse Direito europeu, dando assim à Administração o poder e o dever de verificar a conformidade
do seu direito interno com o Direito da União Europeia.
É certo que aqui se pode invocar a norma do artigo 8.º, n.º 4 CRP, segundo a qual o Direito da
União Europeia vale na ordem interna nos termos previstos pela própria ordem comunitária, o
que pode dar cobertura constitucional a esta fiscalização administrativa da conformidade do
direito interno com o Direito da União Europeia.

Já sobre o ponto de vista do controlo judicial da atividade administrativa, não pode haver dúvidas
de que os tribunais podem e devem, seja oficiosamente ou a pedido dos interessados, verificar,
não somente a conformidade da atividade administrativa face aos parâmetros normativos
imediatos, mas também verificar a conformidade destes parâmetros normativos imediatos com os
parâmetros normativos superiores (incluindo a Constituição ou qualquer norma europeia).
Na verdade, se os juízes não podem aplicar normas que infrinjam a Constituição, nos termos do
artigo 204.º CRP, então também não podem deixar de aferir a conformidade constitucional das
normas conformadoras da atividade administrativa quando se trate de avaliar a legalidade desta.
Uma decisão administrativa, mesmo que conforme à lei que a regula, terá de ser considerada ilegal
quando essa norma seja ela mesmo ilegal (ex.: incluindo a violação de uma lei de valor reforçada,
violação de um tratado internacional vigente na ordem interna, etc.).

 Princípio da legalidade e o estado de necessidade


Em princípio, o estado de necessidade pode ser visto, se não como uma exceção, pelo menos
como uma compressão ao princípio da legalidade da Administração.
Tal como existem situações que podem justificar um estado de necessidade constitucional, que
permite estabelecer um regime transitório à margem da normalidade constitucional (artigo 19.º
CRP), também as mesmas situações ou outras afins podem justificar a atuação da
Administração à margem da legalidade.
Podemos dizer que, tal como no Direito Constitucional, também no Direito Administrativo o
estado de necessidade pode ter uma construção jurisprudencial a título de exceção implícita à
legalidade da Administração. Hoje, porém, o estado de necessidade está explicitamente previsto
na lei (HÁ UMA LEGALIZAÇÃO DO ESTADO DE NECESSIDADE). A sua consagração
resulta, desde logo, do n.º 2 do artigo 3.º do CPA:

«Os atos administrativos praticados em estado de necessidade, com preterição das regras
estabelecidas no presente Código, são válidos, desde que os seus resultados não pudessem ter
sido alcançados de outro modo, mas os lesados têm o direito de ser indemnizados nos termos
gerais da responsabilidade da Administração.»

Segundo este preceito legal, perante circunstâncias verdadeiramente excecionais de necessidade


pública (ex.: estado de guerra, calamidade natural, etc.), a Administração está autorizada a
decidir sem ter de seguir o procedimento estabelecido para as situações normais, podendo
mesmo decidir sem procedimento administrativo (1).

NOTA: nós já vimos que as formas de atividade administrativa (atos, regulamentos, contratos)
necessitam, normalmente, de um procedimento administrativo. Contudo, aqui, numa situação de
estado de necessidade, a Administração Pública está legalmente autorizada a decidir sem ter de
seguir o procedimento estabelecido para as situações de normalidade.

Em segundo lugar, pode ainda atuar sem ter por base um ato administrativo prévio (2).

Portanto, o estado de necessidade pode admitir decisões sem procedimento e, portanto, em


violação do princípio da procedimentalização da atividade administrativa; e pode mesmo permitir
atuações administrativas sem decisão administrativa prévia, em violação, portanto, do princípio
da decisão prévia.

Ora, para além do n.º 2 do artigo 3.º CPA, podemos ainda trazer à colação o artigo 177.º, n.º 2
CPA em matéria de execução dos atos que diz:

«Salvo em estado de necessidade, os procedimentos de execução têm sempre início com a


emissão de uma decisão autónoma e devidamente fundamentada de proceder à execução
administrativa, na qual o órgão competente determina o conteúdo e os termos da execução.»

Depois, no Código de Expropriações podemos ainda ver a situação que tem lugar no artigo 16.º,
que tem como epígrafe «Expropriação urgente». Neste caso decaem certas garantias dos
particulares (ex.: desde logo a Administração pode entrar imediatamente na posse administrativa
do bem, o que é uma consequência dos procedimentos urgentes).
Então, o artigo 177.º, n.º 2 CPA prevê a possibilidade de a Administração atuar sem que haja uma
decisão administrativa prévia, tal como o artigo 3.º, n.º 2 CPA, ao passo que este artigo 16.º do
Código de Expropriações prevê a hipótese de nem sequer haver qualquer procedimento prévio.
Aliás, esta mesma hipótese não está igualmente afastada do n.º 2 do artigo 3.º CPA.
A partir destas disposições legislativas é lícito retirar a conclusão de que o estado de necessidade
é um princípio, também, do Direito Administrativo válido para todas as áreas da atuação
administrativa, que permite à Administração decidir e/ou mesmo atuar à margem da lei, quer
tomando decisões que normalmente seriam ilícitas (quanto ao conteúdo e quanto à forma), quer
atuando diretamente sem decisão prévia.
O estado de necessidade torna lícitas medidas e decisões tomadas para enfrentar esse mesmo
estado de necessidade, afastando a ilegalidade em que elas possam incorrer. No entanto, é preciso
notar que as medidas adotadas pela Administração em estado de necessidade só são legítimas se
respeitarem o princípio da proporcionalidade em sentido amplo (princípio geral de toda a
atividade administrativa).

EM SUMA:
Só podem ser tomadas medidas ilegais respeitando três requisitos:

 Se e quanto essas medidas forem exigíveis pela situação do estado de necessidade –


subprincípio da necessidade ou da exigibilidade em sentido estrito
 Se e na medida em que essas forem as medidas adequadas para resolver as situações
respetivas – subprincípio da adequação

 Se e na medida em que elas forem proporcionais à gravidade da situação – subprincípio


da proibição do excesso/ subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito
ISTO SÃO OS SUBPRINCÍPIOS DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE EM
SENTIDO AMPLO

O estado de necessidade, como vimos, não pode legitimar atuações dispensáveis, despropositadas,
que nenhuma relação tenham com a situação de necessidade em causa; nem atuações excessivas
(ex.: não tinha qualquer adequação requisitar camionetes para salvar pessoas que estão
rodeadas de água)

Além disso, as medidas que causem danos aos particulares, apesar de lícitas, por justificadas pelo
estado de necessidade, dão lugar a uma indemnização/à reparação correspondente (artigo 3.º, n.º
2 CPA e regras gerais da responsabilidade civil da Administração [responsabilidade
extracontratual por atos lícitos – artigo 16.º da lei 67/2007]).

Discute-se na doutrina se os atos praticados em estado de necessidade (à margem ou contra a


lei) são válidos ou se, sendo inválidos, por serem ilegais, gozam de uma espécie de imunidade
administrativa e jurisdicional, não sendo impugnáveis:
Parece que, nos termos do artigo 3.º, n.º 2 CPA, estes são válidos, desde que os seus resultados
não pudessem ter sido alcançados de outro modo – mas os lesados têm direito a ser indemnizados
nos termos gerais da responsabilidade da Administração.
RESPOSTA: tais atos são válidos e não apenas imunes ao controlo jurisdicional.
 Princípio ultrapassado da presunção de legalidade do ato administrativo
Este princípio é um princípio que está atualmente afastado, mas que ainda é relevante de ser
referido para que se perceba precisamente a evolução neste domínio do princípio da legalidade
em sentido amplo/ princípio da juridicidade.
Uma parte da doutrina, onde podemos incluir nomes como o do Prof. Freitas do Amaral,
considera que o princípio da legalidade, para além dos seus efeitos negativos de que nenhum
órgão da Administração pode deixar de respeitar e aplicar as normas em vigor sob pena de
ilegalidade (e consequente invalidade do ato), importa também um efeito positivo.
Isto quer dizer que a presunção da legalidade dos atos da Administração, segundo esta perspetiva,
até serem anulados presumem-se conformes à lei, sendo, por isso, obrigatórios, quer para
a Administração Pública, quer para os particulares.

Fundamentos para este entendimento doutrinário:

 Assenta na justificação do regime jurídico a que estão sujeitos os atos administrativos


anuláveis, regime este que determina que tais atos, enquanto não forem anulados, devem
ser tratados como se fossem válidos.

 Ela justifica ainda o regime do caráter não suspensivo da impugnação judicial dos atos
administrativos, a não ser em casos muito restritos, nos termos do artigo 50.º, n.º 2 CPTA

Ora, a esta doutrina e a estes argumentos podemos opor outra doutrina e outros fundamentos,
sufragando autores como José Soares e outros, sendo que esta considera que o regime a que estão
sujeitos os atos anuláveis, quanto à não suspensão da sua execução, não se baseia em qualquer
presunção da legalidade dos atos administrativos, mas no facto de se pretender evitar que o
exercício dos poderes públicos fique imediatamente paralisado por uma simples invocação
de uma ilegalidade no seu exercício, o que obviamente obstaria à produção dos seus efeitos
normais até à decisão final da questão.
Portanto, impediria que a Administração, no processo principal, através da tal invocação de uma
ilegalidade (ou de um vício, que sugerisse que o ato era anulável), ficasse paralisada, não podendo
executar o ato ou produzir alguns efeitos práticos do ato e impedida de realizar os efeitos públicos.
Por outro lado, durante muito tempo, a consideração da presunção da legalidade dos atos
administrativos contribuiu para dificultar desnecessariamente a tutela cautelar, nomeadamente o
processo cautelar relativo à suspensão de eficácia do ato, limitando-se de forma grave o princípio
constitucional da tutela jurisdicional efetiva.

Lei anterior ao novo CPTA (artigo 76.º Lei do Processo nos Tribunais Administrativos) exigia
que se reunissem 3 requisitos cumulativos:
1. Que o ato causasse um prejuízo de difícil reparação na esfera jurídica do particular;
2. Que da suspensão da execução não resultasse uma grave lesão para o interesse público;
3. Que do processo não resultasse indícios da interposição da ilegalidade da ação.
Portanto, estes 3 requisitos cumulativos dificultavam, pelo menos inicialmente, o decretamento
por parte do juiz da tutela cautelar (neste caso do pedido da suspensão da eficácia do ato).
Só mais tarde é que a jurisprudência começou a fazer uma interpretação dos artigos da Lei do
Processo dos Tribunais Administrativos em conformidade com a CRP, sendo que se foi
ultrapassando estas limitações que resultavam diretamente da Lei do Processo dos Tribunais
Administrativos.

Para concluir, ao contrário do que pode dar a entender na presunção da legalidade dos atos
administrativos, podíamos dizer que o ónus da prova de uma ação judicial impugnatória não
recai apenas sobre quem invoca a ilegalidade do ato contra a Administração, que
naturalmente deve justificar a sua alegação de ilegalidade, mas também recai sobre a
Administração que o praticou, que deve igualmente fundamentar a sua legalidade.
Portanto, digamos que há aqui uma certa repartição objetiva do ónus da prova pelo autor
recorrente e pela Administração; e não apenas pelo autor (o que seria desequilibrado).
Num sistema de Administração executiva puro as decisões da Administração gozavam de uma
espécie de autoridade ‘de coisa decidida’, como diz a doutrina francesa, uma vez que os
particulares afetados teriam sempre de recorrer a um tribunal para as impugnar se quisessem ver
tuteladas e defendidas as suas posições jurídicas ofendidas pela atuação da Administração.
Apesar de não se ter passado da Administração executiva para a Administração judiciária, hoje
em matéria de execução dos atos administrativos há um conjunto de garantias dos particulares
que limitam, em grande medida, a autotutela executiva da Administração – possibilidade de
executar por meios próprios os atos administrativos impositivos desfavoráveis para os
particulares.
Para terminar, diga-se somente que os atos administrativos e demais medidas da Administração
devem considerar-se COMO SE FOSSEM LEGAIS ATÉ JUDICIALMENTE SER
DECIDIDO O CONTRÁRIO – é uma questão de cautela. Este princípio da presunção da
legalidade atualmente considera-se ultrapassado no ordenamento jurídico-administrativo
português e no ordenamento jurídico-constitucional.

Bibliografia:
COLAÇO ANTUNES, A Ciência Jurídica Administrativa, op. cit., pp. 223 a 259; 499 a 509; COLAÇO ANTUNES, O
Direito Administrativo e a sua Justiça..., op. cit., pp. 32-64; FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito
Administrativo, vol. II, op. cit., pp. 29 a 55; ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, vol. I, Coimbra, 1984,
pp. 344-369; RUI MACHETE, "Privilégio de execução prévia", in DJAP, vol. VI, pp. 448 e ss; COLAÇO ANTUNES,
A Teoria do Acto e a Justiça Administrativa, Coimbra, 2006, pp. 38-43; MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições...,
op. cit., p. 99 e ss; COLAÇO ANTUNES, Direito Público do Ambiente, Coimbra, 2008, pp. 109-119. NOTA: A
matéria sumariada corresponde à aula do dia 30 de novembro e à aula de substituição do dia 1 de dezembro.
Aula n.º 22 – 7-12-2020 – ‘1. Princípios gerais materiais da atividade administrativa: os princípios da
razoabilidade, da justiça, da proporcionalidade, da igualdade, da boa fé e da boa administração.’

1. Princípio da imparcialidade (artigo 9º CPA) – abordado aquando dos impedimentos 


aplicável aqui nos mesmos moldes!

2. Princípio da justiça (artigo 8º CPA) – é, na verdade, uma espécie de super-princípio


geral, porque dele resulta uma relevância operativa de vários princípios dele derivados:
igualdade, da proporcionalidade, imparcialidade e boa fé da administração pública.

No fundo, o que este princípio impõe é um dever de tratamento equitativo, quer ao longo do
procedimento administrativo, quer ao conteúdo das decisões administrativas. E esta leitura
cautelosa do conteúdo do princípio da justiça é manifesta na jurisprudência do STA.
No entanto, este princípio tem um alcance muito limitado, pois o próprio legislador configura-o
como um princípio residual, em face de todos os demais princípios gerais da atividade
administrativa – a própria norma é clara nesse sentido.
A limitação da sua relevância é feita com referência a casos limite, não reconduzíveis aos demais
princípios, porque estes, na verdade, são uma derivação direta do princípio da justiça. Portanto, o
facto deste princípio se reservar apenas a “soluções manifestamente incompatíveis com a ideia de
Direito” pretende não pôr em causa a utilidade, não só do princípio da justiça, como dos demais
princípios dele derivados.
Uma interpretação mais generalista deste princípio resultaria no esvaziamento dos demais
princípios gerais da atividade administrativa, pelo que este princípio da justiça tem de ser lido de
uma forma rigorosa e tem de ter uma aplicação bastante limitada aos casos previstos no artigo 8º
CPA.

3. Princípio da razoabilidade (artigo 8º CPA) – é um princípio recente, derivado do


Direito anglo-saxónico, e que tem levantado algumas dúvidas no que concerne ao seu
âmbito de aplicação face aos demais princípios, em especial o princípio da
proporcionalidade.
Se olharmos para o artigo 8º CPA, o legislador prevê este princípio de forma (tal como o anterior)
a não contrariar a ideia de Direito, transferindo para o intérprete a sua articulação com o princípio
da justiça e com o princípio da proporcionalidade.
No entanto, o critério dessa articulação é dado pela própria norma, através da qual o legislador
reconduz o âmbito de aplicação deste princípio à “matéria de interpretação das normas jurídicas
e às valorações próprias do exercício da função administrativa”, ou seja, a duas operações
intelectuais: interpretação das normas1 e qualificação jurídica2.
Exemplo:
Se pensarmos no percurso que um órgão que tem competência para decidir sobre determinada
matéria percorre até à tomada de uma decisão, vemos que esse órgão começa por tentar
conhecer os factos relevantes de forma clara e rigorosa (fase instrutória – princípio
procedimental do inquisitório – não é um princípio geral da atividade administrativa).
Depois, procura conhecer do enquadramento jurídico desses mesmos factos e, para esse efeito,
vai interpretar as normas, determinando o seu sentido, e qualificar aqueles mesmos factos à luz
dessas normas. A partir daí, segue-se a tomada da decisão.
Portanto, temos, aqui, 3 momentos distintos percurso cognoscitivo e o princípio da
razoabilidade não se aplica ao primeiro momento (da averiguação e estabelecimento dos factos),
mas sim ao segundo momento.
1Quanto à interpretação das normas, o modelo tradicional de uma legalidade administrativa

fechada e rígida que se aplicava mecanicamente à Administração Pública está ultrapassado. A


interpretação não deixa de ser um ato criativo do intérprete, que resulta na atribuição de um
significado a um determinado enunciado normativo, estando, porém, esta criatividade limitada
em dois planos distintos:
Desde logo, pelos critérios de interpretação previstos no Código Civil, nomeadamente os
critérios de interpretação literal e sistemática. Ultrapassado este momento, das duas uma: ou
temos apenas um sentido possível a dar àquele enunciado normativo, ou temos mais do que
um sentido. Se temos mais do que um sentido, a norma é plurissignificativa, pelo que ao
intérprete impõe-se uma necessidade de escolher de entre os vários sentidos admissíveis pela
aplicação dos critérios de interpretação previstos no Código Civil.

Essa escolha faz-se aplicando o princípio da interpretação conforme à CRP (1) e o princípio
da interpretação conforme ao Direito da União Europeia (2). À partida, por via da aplicação
destes princípios, ficamos apenas com um sentido possível e todos os demais serão inadmissíveis.
Mas, se assim não for, terá o intérprete de fazer a sua escolha.
Posto isto, a consagração do princípio da razoabilidade ao nível da interpretação acaba, de certa
forma, por lembrar o intérprete da necessidade, nesse exercício criativo, de tomar em
consideração as circunstâncias do caso concreto e os critérios de interpretação.

E em relação aos conceitos indeterminados, que são usados pelo legislador, a par da
discricionariedade, para flexibilizar o princípio da legalidade e para dar margem de manobra à
Administração Pública? Se, na norma, estiverem previstos conceitos indeterminados, qual é o
papel do princípio da razoabilidade?
Desde logo, convém perceber que os conceitos indeterminados não atribuem poderes
discricionários à Administração Pública, porque situam-se, não no momento da decisão, mas da
interpretação (momento anterior à tomada da decisão), pelo que o que se atribui à Administração
Pública é uma tarefa de densificação e de concretização – função, de certa forma, co constitutiva
da própria norma.

Esta função tem claramente fragilidades, nomeadamente o facto de permitir que haja alguma
desarmonia no plano do agir administrativo, na medida em que, por se projetar no enquadramento
jurídico de determinada atividade administrativa, não deixará de se projetar na atuação em si
mesma.
Assim, quando a norma prevê conceitos indeterminados, não deixa o legislador de, nessa tarefa
de densificação, de ver respeitado o princípio da razoabilidade no exercício dessa mesma tarefa,
devendo a interpretação dada à norma ser razoável, quer à luz do circunstancialismo do caso
concreto, quer à luz dos critérios de interpretação.
No entanto, o princípio da razoabilidade não se aplica apenas no momento da interpretação da
norma, mas também ao momento da qualificação jurídica dos factos (terceiro momento).
A qualificação jurídica é um processo intelectual por via do qual o operador jurídico aprecia os
factos objeto de qualificação e interpreta um determinado instituto jurídico com ou sem auxílio
da sua definição.
O procedimento termina com uma tomada de decisão de recondução ou não do objeto da
qualificação a uma determinada norma e o efeito da decisão é a aplicação ou não de um
determinado regime jurídico.
(ex.: Se se chega à conclusão de um determinado ato jurídico merece a qualificação como ato
administrativo (artigo 148º CPA), isso significa que aquele ato jurídico vai estar sujeito ao
regime jurídico dos atos administrativos)

Em regra, a violação do princípio da razoabilidade na interpretação e na qualificação jurídica


reconduz-se a um erro quanto aos pressupostos de Direito, ou porque a interpretação não
foi bem feita, ou porque a qualificação está errada. O artigo 8º CPA chama precisamente à atenção
de que a uma má interpretação ou qualificação jurídica está associado um efeito invalidante. E
um erro destes configura um vício material, que designa erro quanto aos pressupostos de Direito,
e simultaneamente uma violação do princípio da razoabilidade.

Esta violação do princípio da razoabilidade tem como consequência a anulabilidade, nos termos
do artigo 163.º, n.º 1 CPA.

4. Princípio da proporcionalidade (artigo 7º CPA) – tem uma aplicação distinta do


princípio anterior, pois refere-se especificamente ao último momento do processo
cognoscitivo (anteriormente mencionado), por se reportar ao conteúdo e sentido do ato
propriamente dito e ao momento específico da tomada da decisão – à escolha, dentro
das várias alternativas, daquela que é a necessária, adequada e menos gravosa.

No entanto, há aqui uma nota importante a fazer:

A prática de qualquer ato jurídico (seja ele qual for) é antecedida de um procedimento
administrativo, que tem, em regra, a seguinte estrutura:
 A fase de iniciativa, podendo ter sido iniciado oficiosamente pela Administração Pública
ou a pedido de terceiro;

 Depois, segue-se a fase de instrução, onde se apuram e se estabelecem com exatidão os


factos relevantes, sendo aqui que se produz prova, por forma a que a tomada de decisão
tenha apenas em consideração factos verdadeiros;

 Segue-se a fase da participação dos interessados, na qual estes são ouvidos, tendo por
referência um projeto de decisão elaborado no fim da fase de instrução e que lhes é
notificado para pronúncia em audiência prévia. A audiência prévia pode ser realizada por
escrito ou oralmente;

 A seguir à audiência prévia, temos a tomada da decisão propriamente dita.


Posto isto, para se garantir a imparcialidade da tomada da decisão, quem toma a decisão só
intervém neste processo quando for mesmo para tomar a decisão, ou seja, quem dirige o
procedimento administrativo desde que ele começa não é o órgão com competência decisória,
mas sim o chamado ‘responsável pelo procedimento administrativo’, ao qual o órgão com
competência decisória é obrigado a delegar os poderes de direção do procedimento.

Esta figura é a única situação de delegação obrigatória prevista no CPA e justifica-se pela
necessidade de garantia da imparcialidade do órgão com competência decisória, na medida em
que este não entra em contacto direto, nem com os factos, nem com os interessados no
procedimento, mas apenas no momento da tomada da decisão, tendo por base um relatório por
aquele elaborado, nos termos do artigo 126º CPA.

Portanto, o princípio da proporcionalidade acaba por ter de estar respeitado, não só pelo órgão
com competência decisória, mas também pelo responsável pelo procedimento, pois é este que
elabora o relatório e que propõe um sentido de decisão que, depois, é seguido ou não por aquele.
Assim, esse relatório acaba por ter uma participação co constitutiva na tomada da decisão.
Finalizada esta nota, importa ainda referir que o artigo 7º CPA desdobra o princípio da
proporcionalidade em dois números:

 O n.º 1 prevê a dimensão da adequação, que implica uma ponderação entre o meio
escolhido e o fim a prosseguir, na medida em que o meio terá de ser o mais apto a alcançar
o interesse público definido na lei.

 O n.º 2 prevê a necessidade e a proibição do excesso/proporcionalidade em


sentido estrito, impondo que o meio escolhido seja o meio mais eficaz para realizar
aquele fim de interesse público e simultaneamente seja o menos lesivo das posições
jurídicas subjetivas dos administrados, tendo, por isso, que ser ponderado com base na
regra do menor dano possível para os direitos e interesses legalmente protegidos dos
administrados.

Assim, por proporcional tem-se uma conduta adequada e apta à situação concreta, considerando
o interesse público a prosseguir; não excessiva ou desnecessária, na medida em que envolve para
os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares um mínimo de sacrifício; que traduz
uma ponderação equilibrada entre os custos e benefícios dela resultantes.

Sendo um princípio geral da atividade administrativa, quanto à forma como vincula a


Administração Pública no exercício da sua atividade, importa perceber vários aspetos:
 O princípio da proporcionalidade funciona como parâmetro da atuação
administrativa, qualquer que ela seja, isto é, não se circunscreve à prática de atos
administrativos ou quaisquer outras formas de atuação da chamada Administração
agressiva: ele vale para qualquer atuação da Administração Pública, independentemente
da veste que ela exiba.

 Por outro lado, não é um parâmetro apenas da atividade administrativa propriamente dita
(ou seja, da atividade administrativa que produz efeitos jurídicos na esfera jurídica de
terceiros), mas também vincula a atividade da organização administrativa
(organização administrativa em sentido dinâmico).
 Além disso, a relevância do princípio da proporcionalidade é tanto maior quanto
maior for o grau de autonomia decisória da Administração Pública: se estivermos
perante uma atividade administrativa estritamente vinculada, em que não há espaço de
livre decisão, não há grandes ponderações a fazer do ponto de vista da tomada de uma
decisão proporcional, pois o princípio da proporcionalidade implica que tenhamos
alternativas de decisão por forma a escolhermos qual delas é a mais necessária, adequada
e proporcional.

 Esta função do princípio da proporcionalidade como parâmetro de atuação da


Administração Pública não se esgota na atividade a desempenhar, mas também se projeta
na atividade já desempenhada, porque, se se chegar à conclusão que a atividade
desempenhada, pela verificação de circunstâncias supervenientes, se tornou desconforme
com o princípio da proporcionalidade, essa desconformidade superveniente (a posteriori)
não deixa de ter relevância, devendo o ato ser anulado.

 A aplicação do princípio da proporcionalidade faz-se por referência às circunstâncias do


caso concreto, ou seja, relativamente a factos que foram dados como provados na fase de
instrução, aos fins a prosseguir e aos fins esperados. Aqui, não podemos esquecer que os
efeitos resultantes da decisão a tomar podem ser, não apenas bilaterais, como também
poligonais, porque podem-se repercutir, não só na esfera jurídica dos seus destinatários
imediatos, mas também de terceiros. Assim, é preciso que se perceba que, quando se faz
aquela análise de prejuízos e vantagens e se pretende que haja um equilíbrio, tem de se
ter em consideração, não só os efeitos que se produzem nos diretos destinatários desse
ato a praticar, mas também de terceiros.

5. Princípio da boa fé (artigo 10º CPA) – assume-se como um parâmetro vinculativo de


atuação da Administração Pública perante os particulares; dos cidadãos perante a
Administração Pública; entre entidades administrativas ou órgãos de uma mesma
entidade (entre a Administração Pública propriamente dita).
A boa fé é um super-conceito de natureza indeterminada, dotada de uma dimensão ética muito
significativa e o que procura, em traços gerais, é uma atuação honesta, correta e leal de todas as
partes.

Portanto, este princípio é integrado por vários subprincípios dele derivados:

 A boa fé em sentido próprio – é um padrão vinculativo de conduta do agir administrativo


e dos cidadãos.
No que à Administração Pública diz respeito:
 Protege determinados valores e interesses face a situações passadas;

 Justifica, em favor da previsibilidade da atuação administrativa, a publicação de critérios


a adotar em situações futuras;

 A sua violação implica um efeito invalidante, que se traduz num vício material, cuja
consequência jurídica é a anulabilidade e, se daí forem gerados prejuízos, há também
lugar a responsabilidade civil;
 Artigo 167º, n.º 5 CPA – refere-se à revogação de atos administrativos (válidos) que
concedem direitos ou posições de vantagem a particulares  os direitos e interesses
legalmente protegidos de terceiros de boa fé são protegidos da revogação desses mesmos
atos;
NOTA: a revogação não tem por fundamento a invalidade, mas sim a sua inconveniência e
inoportunidade.
 Artigo 162º, n.º 3 CPA – está em causa a atribuição de efeitos jurídicos a situações de
facto decorrentes de atos nulos  à partida, os atos nulos não produzem efeitos
jurídicos, mas a verdade é que eles podem produzir efeitos de facto aos quais devem ser
reconhecidos efeitos jurídicos se os terceiros a que esses factos se referirem estiverem
de boa fé.
(ex.: uma licença de construção, que viola um Plano de Diretor Municipal, conferida a um
particular que a solicitou. A pessoa que o solicitou confia na validade dessa licença e constrói
a sua habitação. Apesar de a licença de construção ser nula, a casa foi construída ao seu
abrigo. Assim, sendo declarada a nulidade da licença a obra não será demolida se o particular
estiver de boa fé, por força do artigo 162º, n.º 3 CPA + 68.º do Regime jurídico de urbanização
e edificação)

No que aos cidadãos diz respeito:


 Implica que este não induza em erro a Administração Pública;
 Implica que este não forneça elementos falsos;
 Implica que este não se socorra de artifícios fraudulentos para obter vantagens.

Se o fizer, o ato pode ser anulado, no prazo de 5 anos, nos termos do artigo 168º, n.º 4 CPA. Se
a atuação do cidadão configurar a prática de um crime, estaremos a falar em nulidade, nos termos
do artigo 161º, n.º 2, alínea c) CPA.

 A boa fé como proteção da confiança legítima – visa salvaguardar os sujeitos contra


atuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relaciona.
Portanto, no âmbito da atividade administrativa, são pressupostos da proteção da confiança (1)
um comportamento gerador de confiança, (2) a existência de confiança, (3) um investimento
de confiança nessa mesma situação e, por fim, (4) uma frustração da confiança de quem a
depositou nessa mesma situação.
Estes pressupostos pretendem, desde logo, salvaguardar, não toda e qualquer situação, mas sim
situações de confiança legítima, o que passa pela adequação do direito, ou seja, não se pode
invocar a violação do princípio da proteção da confiança quando a confiança radica num ato
anterior manifestamente ilegal, porque senão falta logo o primeiro pressuposto deste subprincípio.
Além disso, é também necessário que em causa não esteja uma mera convicção psicológica, mas
sinais exteriores dados pela Administração Pública que permitam a um destinatário normal
ancorar razoavelmente a sua confiança naquele comportamento.
A proteção da confiança também passa pela proibição de comportamentos contraditórios e
inconvenientes, ou seja, situações em que a conduta é lícita por parte da Administração, mas em
que há uma contradição ou incoerência. Caso tal aconteça, está a atuar por violação do chamado
«venire contra factum proprium».

Para tal, é necessário que esses comportamentos:


 Sejam lícitos;
 Sejam provenientes da mesma autoridade;
 Relativamente à mesma situação;
 Respeitantes ao mesmo destinatário.

 A boa fé como proibição de abuso de direito e de fraude à lei – esta é uma cláusula
residual que se reconduz a situações de manifesto excesso dos limites impostos pela boa
fé, pelos bons costumes e pelos fins que lhes estão associados.
Há abuso de direito, por exemplo, quando alguém tenha adotado uma conduta ilícita e, depois, se
venha a prevalecer dessa situação e exigir a terceiro o acatamento dessa conduta por si violada ou
arguir essa violação a terceiro. No fundo, há abuso de direito em todas as situações de venire
contra factum proprium que NÃO se reconduzam a condutas lícitas (aí já cabem no
subprincípio anterior).

6. Princípio da igualdade (artigos 13.º, 266.º CRP e 6.º CPA) – é uma decorrência da ideia
de justiça, tendo uma dupla vertente: em termos formais, todos devem ser tratados do
mesmo modo; em termos materiais, as diferenças factuais justificam um tratamento
diferenciado, desde que este seja objetivo, razoável e racionalmente alicerçado, o que
significa que daqui resulta a proibição de discriminações que não obedecem a estes
critérios (artigo 13º, n.º 2 CRP).
Desde logo, este princípio começa por vincular o legislador, impondo uma igualdade perante a
lei e na formulação do Direito, sob pena de inconstitucionalidade da norma.
No que diz respeito ao agir administrativo, entende-se que há violação do princípio da igualdade
quando temos decisões diferentes para situações factuais semelhantes ou decisões iguais para
situações factuais que exigem um tratamento diferenciado.
Posto isto, a aferição de uma violação do princípio da igualdade impõe uma comparação das
situações de facto subjacentes, de forma a identificar as similitudes e as disparidades.

(ex.: Dois militares que, na mesma altura, solicitaram a passagem à reserva. Um deles viu o
seu pedido indeferido por existir um défice superior a 5% na sua categoria, quanto ao seu posto
e especialidade. O outro militar viu o seu pedido deferido, embora também não preenchesse o
mesmo requisito. Portanto, ambos têm situações de facto iguais, mas, na primeira, o não
preenchimento do requisito levou ao indeferimento da decisão e, na segunda, não)
O militar que viu o seu pedido indeferido por falta de preenchimento do requisito de que dependia
o deferimento do seu pedido pode invocar o facto de ter sido deferido a outro militar numa
situação semelhante esse mesmo pedido, apesar de lhe faltar esse requisito?
Ou seja, alguém pode reivindicar para si um tratamento favorável que a Administração conferiu
ilegalmente a um terceiro? Prevalece o princípio da igualdade ou o princípio da legalidade?
Na doutrina, entende-se que só há igualdade na legalidade, ou seja, um particular não se pode
fazer valer de uma atuação ilegal da Administração Pública numa situação factual semelhante à
sua para o efeito de a reivindicar para si (assim, o militar da primeira situação não o poderia
fazer).

7. Princípio da boa administração (artigo 5º CPA) – serve para relevar a necessidade de


racionalização e de simplificação, mas o seu sentido não se esgota num dever de
eficiência e de eficácia.
Por isso é que tem uma dupla dimensão:

 Procedimental – exige à Administração Pública uma atuação num prazo razoável e com
utilização dos meios estritamente necessários (eficiente).

 Material – refere-se ao conteúdo propriamente dito da decisão e impõe que a decisão


seja tomada para satisfação real do interesse público.

NOTA: Esta ideia está muito ligada à nova cultura da Administração Pública, que começou por
ser bastante burocrática, foi substituída pela cultura da gerência pública e, agora, a cultura da
corporate governance, inspirada no modo de funcionamento das empresas privadas. E é
precisamente neste âmbito que este princípio deve ser lido na perspetiva material.
No fundo, na dimensão material, a boa administração combina a correção da atuação com a
eficácia na prossecução de um determinado interesse público e, do ponto de vista procedimental,
combina-se a eficiência na utilização dos meios com a resolução desse problema num prazo
razoável.

De facto, numa Administração Pública de resultados como a que temos hoje, a Administração
está muito direcionada para a ideia de uma prossecução otimizada do interesse público,
seguindo critérios de eficiência e de eficácia.
E esta realidade estende-se ao próprio desenho organizativo e até ao próprio legislador na
elaboração das normas, impondo-se-lhe perceber que deve promover a eficiência e a eficácia da
atuação administrativa por via das normas que elabora e que vão vincular a Administração
Pública. Por outro lado, a Administração Pública deve, na tomada de decisões, ter isso em
consideração, quer se trate de matéria organizativa, quer se trate da sua atividade.
Há um problema que se coloca ao nível deste princípio: questão de saber se pode funcionar
ou não como um critério de controlo por parte dos tribunais relativamente à atuação da
Administração Pública.

A questão não é fácil, porque, quando se fala de eficiência e de eficácia, facilmente se confunde
o plano da legalidade com o plano do mérito e a tendência é a jurisprudência ser cautelosa na
leitura. Agora, este princípio não deixa de ter algum nível de juridicidade.
Antes de relevar do ponto de vista do controlo jurisdicional, o facto de uma atuação ser eficiente
e eficaz tem relevância no âmbito da tutela de mérito e superintendência; no plano dos
mecanismos de garantia administrativa e da revogação administrativa; para efeitos de
avaliação do desempenho e de determinação de responsabilidade disciplinar.

Agora, um tribunal, que tem os seus poderes limitados à apreciação da legalidade da atuação da
Administração Pública, pode anular um ato administrativo com fundamento na sua ineficácia ou
ineficiência?
Depende.
 Há situações em que a exigência de eficiência e eficácia se traduzem em obrigações
específicas previstas em normas, como acontece, por exemplo, na necessidade de um
parecer prévio que aprecie a viabilidade económica de uma empresa. Nestes casos, não
há uma aplicação autónoma do princípio da boa administração, senão uma concretização
do princípio da boa administração num determinado domínio, sendo que, havendo uma
violação, a violação é dessa norma e não do princípio em si/de forma autónoma.

 Há outras situações excecionais em que existe um controlo autónomo do princípio da boa


administração em si e faz-se, não na perspetiva da anulação ou declaração de nulidade
com fundamento na sua ineficiência ou ineficácia, mas em sede de responsabilidade civil
extracontratual, quando dessa ineficiência e ineficácia tenham resultado prejuízos para
terceiros ou até mesmo para o próprio interesse público.
Com base na ideia de que o princípio da boa administração vincula não só a Administração
Pública, mas também, e até antes disso, o legislador, que tem de considerar esta lógica de
eficiência e eficácia na elaboração das leis, é preciso ter em consideração que é nesse plano que
se evitam conflitos entre a legalidade e o plano da eficiência e da eficácia.

Porque pode acontecer que o legislador não tenha isso em consideração e, por isso, a
Administração Pública se venha a confrontar, num caso concreto, com a situação de confronto
entre a eficiência e a eficácia, por um lado, e a legalidade, por outro. Nestes casos, o princípio
da legalidade ganha, pois ele deve ser devolvido ao legislador para este resolver.

NOTA: Resolver um conflito favorecendo a eficiência e a eficácia em detrimento da legalidade


levaria a uma invalidade.

Por outro lado, também há que ter em consideração que não podemos considerar a eficiência e a
eficácia como valores absolutos – os restantes princípios gerais da atividade administrativa
devem estar presentes e elas não se lhes devem sobrepor.
Aula n.º 23 – 14-12-2020 – ‘1. Conclusão da aula anterior. 2. Os princípios da prossecução do interesse
público, da proteção dos direitos e interesses legalmente protegidos e da responsabilidade.’

NOTA: princípios gerais da atividade administrativa – princípios materiais que condicionam


a tomada da decisão propriamente dita e o procedimento cognoscitivo percorrido pelo órgão com
competência decisória e pelo responsável pelo procedimento até esse mesmo momento. Assim,
estes princípios não se confundem com os princípios procedimentais (2.º semestre)

8. Princípio da prossecução do interesse público (artigo 266.º, n.º 1 CRP + 4.º CPA) –
diz-nos que a atividade que a Administração Pública desempenha visa a prossecução de
fins de interesse público.
Desta limitação retira-se, desde logo, o facto de a Administração Pública não poder prosseguir
interesses que não sejam interesses públicos, sob pena de haver lugar a desvio de poder, cuja
consequência jurídica seria a nulidade, nos termos do artigo 161.º, n.º 2, alínea e) CPA, sem
prejuízo de existir também eventualmente responsabilidade criminal.

Da mesma forma, deste princípio resulta que as entidades administrativas têm as suas atribuições
delimitadas em função dos interesses públicos que a lei lhes confiou, pelo que, se ultrapassarem
essas atribuições conferidas pela lei, haverá lugar a um vício orgânico de incompetência
absoluta, cuja consequência jurídica também será a nulidade, nos termos do artigo 161.º, n.º
2, alínea b) CPA.
Em terceiro lugar, deve também notar-se o facto de, em termos práticos, se prosseguir o interesse
público, mas o interesse público que se prossegue não ser o interesse público que foi atribuído
àquela entidade administrativa pela lei – nesse caso, haverá lugar, além de vício orgânico de
incompetência absoluta (com a consequência jurídica da nulidade), um desvio de poder que,
neste caso, não terá como consequência a nulidade, mas a anulabilidade, nos termos do artigo
163.º, n.º 1 CPA.
Além disso, cada órgão administrativo exerce a sua competência tendo como motivo determinante
o interesse público visado/atribuído pela lei – e é à luz desse interesse público que as suas
competências são definidas.

Portanto, num Estado de Direito democrático, este princípio acaba por ser um limite essencial
e inultrapassável, independentemente do tipo de atividade administrativa que esteja a ser
desempenhada, ou seja, o princípio da prossecução do interesse público é limite de toda e qualquer
atividade administrativa desempenhada por entidades administrativas, tenham elas uma natureza
pública ou privada, e vincula de igual forma, independentemente de essa atividade ter uma
natureza vinculada ou discricionária.
Isto porque a função administrativa é uma função secundária, subordinada à função legislativa,
devendo o legislador, por isso, fazer o melhor uso possível deste seu poder de pré-conformação,
não se esquecendo nunca de que há um espaço que tem de estar necessariamente reservado à
Administração Pública, a fim de, em face do circunstancialismo do caso concreto, ela ser a única
apta a tomar a melhor decisão.
Nesse sentido e por causa disso, o legislador vai equilibrando esta pré-conformação com a
atribuição de espaços de discricionariedade à Administração Pública, ou seja, de espaços de
livre decisão, que se podem refletir no conteúdo e sentido da decisão a tomar no caso concreto,
no momento em que se toma a decisão e na própria tomada ou não de uma decisão.
Tendo isto em conta, existem níveis diferentes de vinculação e níveis diferentes de
discricionariedade, mas há aspetos, independentemente disso, que estão sempre vinculados:

 Competência – poderes funcionais dos órgãos que são atribuídos por lei, irrenunciáveis,
inalienáveis e que servem a satisfação de um determinado fim (artigo 36.º CPA).

 Pressupostos de facto – estes factos são estabelecidos na fase de instrução (por via do
princípio do inquisitório) e é em relação a eles que se vai proceder à apreciação,
qualificação jurídica e à determinação do regime jurídico aplicável, bem como dos efeitos
jurídicos a eles associados.
Assim, os pressupostos de facto são vinculados, quer se trate de uma atividade
administrativa vinculada em maior ou menor medida, quer se trate de uma atividade
administrativa discricionária.

 Fim – é definido pelo legislador (princípio da legalidade/juridicidade) e é espelhado por


ele nas várias atribuições das entidades administrativas, funcionando como limite ao
desempenho da atividade administrativa.

(ex.: na sequência do regime do estado de emergência foram previstos um conjunto de regimes


excecionais, cujos assentavam no Estado de exceção em que nos encontrávamos; e a este
propósito o Governo, no exercício da sua função legislativa, aprovou um DL em que impunha a
entidades administrativas (como os municípios) a celebração de contratos de aquisição de
serviços que já tenham sido iniciados, mas ainda não adjudicados, quando o objeto destes
contratos passa pela realização de espetáculos.
Situação em que o legislador se esqueceu desta vinculação, colocando as entidades
administrativas numa situação complicada, dado que efetivamente não há uma prossecução
válida de fins de interesse público pela Administração Pública fora dos quadros da
juridicidade)

NOTA: A noção de interesse público é uma noção legal/jurídica, mas, por força, sobretudo, dos
princípios da proporcionalidade e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos
dos cidadãos, o interesse público que acaba por ser prosseguido já tem em consideração essa
ponderação. Portanto, a decisão tomada no final de um procedimento administrativo (no decurso
do qual são ponderados os interesses e os direitos dos interessados; outros interesses públicos
que tenham relevância e no decurso do qual é tomado, por referência o interesse público que
aquela entidade tem o dever de prosseguir) não deixa de prosseguir o fim de interesse público a
que aquela entidade está sujeita, mas, por força dos dois princípios anteriormente referidos,
prossegue esse mesmo fim de uma forma que não ponha em causa esses direitos, salvaguarde
esses interesses e respeite os parâmetros da proporcionalidade (necessidade, adequação e
proibição do excesso).
9. Princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos
(artigo 266.º CRP + artigo 4.º CPA) – por a Administração Pública estar sujeita ao
primado da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º CRP) e pela essência do Direito
Administrativo passar por uma conceção personalista da Administração Pública, impõe-
se às entidades administrativas o dever de se absterem de violar ou lesar, por ação ou
omissão, as posições ativas detidas pelos interessados.

As posições ativas detidas pelos interessados apontam para a titularidade de direitos


subjetivos, sendo que estes direitos podem ou não ser Direitos Fundamentais, e à titularidade de
interesses legalmente protegidos.

Assim, a Administração tem:

 O DEVER de não violar os direitos e os interesses legalmente protegidos dos


interessados;
 De proteger e de adotar as medidas necessárias à garantia destes direitos e interesses;
 De remover quaisquer obstáculos à efetivação desses direitos e interesses legalmente
protegidos;
 De os defender contra quaisquer agressões;
 De ressarcir os interessados por qualquer lesão gerada por ações ou omissões
administrativas às posições jurídicas ativas dos interessados.

Direitos subjetivos - o facto de ser titular de um direito subjetivo implica que a proteção que é
dada ao titular é direta e imediata. De tal modo que o interessado tem a faculdade de exigir à
Administração os comportamentos necessários tendo em vista a satisfação integral desse mesmo
direito, bem como a possibilidade de exigir em juízo a sua completa realização e o seu
cumprimento, no caso de violação ou não cumprimento por parte da Administração Pública.
Quando se fala de um interesse legítimo (legalmente protegido), a proteção é mais frágil por parte
da lei. Portanto, a sua proteção não é imediata; é indireta, ou seja, o particular não pode exigir à
Administração Pública que satisfaça integralmente o seu interesse, nem se pode dirigir aos
tribunais por forma a exigir esse respeito e a satisfação desse mesmo interesse.

O que a titularidade de um interesse legalmente protegido traz para o interessado é o direito que
o interessado tem a que a Administração Pública não o prejudique ilegalmente  o
interessado não tem o poder de exigir a satisfação do seu interesse, mas tem o direito de exigir à
Administração (ou aos tribunais) que, na prossecução de fins de interesse público, não ponha em
causa a sua posição jurídica ativa. O interessado consegue isso quando solicita à Administração
Pública, com este fundamento, a anulação de atos administrativos, ou quando se dirige aos
tribunais e solicita a impugnação de um ato administrativo ilegal.

ISTO NÃO ACONTECE COM O FIM DE LHE SER ATRIBUÍDA ALGUMA COISA,
MAS COM A FINALIDADE DE OBRIGAR A ADMINISTRAÇÃO A REPENSAR O
ASSUNTO E A DECIDIR NOVAMENTE, SEM REINCIDIR NA ILEGALIDADE
COMETIDA.
(ex.: DIREITO SUBJETIVO  Cumpridos um determinado número de anos de serviço, a lei
reconhece ao trabalhador o direito a pedir a passagem à reforma. Ora, esse trabalhador
solicita a passagem à reforma, mas ela é-lhe negada. Aqui está em causa a violação de um
direito subjetivo, pelo que, reclamando ou recorrendo junto da Administração Pública ou
reagindo contenciosamente junto de um Tribunal Administrativo, o trabalhador vai solicitar
precisamente a concretização desse direito subjetivo)

(ex.: INTERESSE LEGALMENTE PROTEGIDO  Temos um procedimento pré-contratual,


no qual um dos requisitos que foi definido pela entidade administrativa que quer celebrar o
contrato (entidade adjudicante) passa precisamente por os candidatos à celebração do
procedimento entregarem, a par da proposta, o relatório de contas do ano anterior. Ora, um
dos concorrentes entregou a proposta, mas não lhe juntou o relatório de contas e, na decisão
final, foi classificado em primeiro lugar)
Assim sendo, os restantes concorrentes vão recorrer aos Tribunais Administrativos, solicitando
que aquele concorrente seja, na verdade, excluído do procedimento pré-contratual, porque não
satisfaz um dos requisitos exigidos pela entidade adjudicante.
O que está aqui em causa é que, relativamente àquele concorrente, se exija cumprimento do que
foi definido e que, após a sua exclusão, que a entidade adjudicante decida a graduação das
propostas, tendo em consideração apenas aqueles que juntaram as suas propostas corretamente
instruídas. Portanto, o que está aqui em causa não é, por parte dos outros concorrentes, o exercício
de um direito subjetivo a ficarem em primeiro, mas sim o interesse legalmente protegido dos
demais concorrentes em não serem prejudicados ilegalmente.

ESTA DISTINÇÃO LIGA-SE AO PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE DA


ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

10. Princípio da responsabilidade (artigo 16º CPA) – se, no desempenho da atividade


administrativa, a entidade administrativa, por ação ou por omissão, causar prejuízo a
terceiros (viola direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos), a entidade
administrativa a quem se imputa aquela ação ou omissão lesiva RESPONDERÁ por essa
mesma lesão (prejuízos).

A QUESTÃO É: Responderá em que termos? Que responsabilidade é que o legislador impõe à


Administração Pública?
Quando se fala neste princípio da responsabilidade da Administração Pública, temos que olhar
para os artigos 22.º e 62.º CRP, na medida em que os dois conjugados permitem, de certa forma,
enquadrar constitucionalmente os diversos tipos de responsabilidade da Administração Pública,
por atos ou omissões praticados no exercício da função administrativa e por causa do exercício
da função administrativa.
A responsabilidade a que a Administração Pública está sujeita perante a pessoa jurídica (singular
ou coletiva) que sofreu o dano é uma RESPONSABILIDADE CIVIL. Quando o que está em
causa é o ressarcimento de danos causados a terceiros no exercício da função administrativa, quer
resultem de ações ou omissões, falamos de responsabilidade civil.
NOTA: Não quer dizer que não seja capaz de responsabilidade criminal, política ou disciplinar,
mas essas não são responsabilidades perante terceiros que tenham sido lesados pelo exercício
da função administrativa.

A responsabilidade civil poderá ser:

 Contratual – se o que estiver em causa for a violação dos termos de um contrato. Esta
responsabilidade civil contratual depende do TIPO DE CONTRATO:

 Se o contrato for celebrado ao abrigo de normas de Direito Administrativo, a


responsabilidade será regida pelo Código dos Contratos Públicos e
subsidiariamente pelo Código Civil;

 Se o contrato for celebrado ao abrigo de normas de Direito Privado, a


responsabilidade será disciplinada integralmente pelo Código Civil.

 Extracontratual – o que está em causa não é uma responsabilidade emergente de um


vínculo contratual, mas a violação da posição jurídica de terceiros, para os quais resultam
danos ressarcíveis. Aqui, é preciso ter em conta:

 Se o prejuízo em causa tiver sido provocado no exercício de atos de gestão


pública (ações ou omissões praticadas ao abrigo de normas de Direito
Administrativo), a responsabilidade aqui seguirá o disposto na Lei n.º 67/2007
(define o regime jurídico da responsabilidade extracontratual do Estado e das
demais entidades administrativas).

 Se, pelo contrário, esse ato (ação ou omissão) tiver sido praticado ao abrigo de
normas de Direito Civil, essa responsabilidade seguirá o disposto no Código
Civil.

A Lei n.º 67/2007 prevê DIVERSOS TIPOS de responsabilidade civil extracontratual:


 Por factos ilícitos (responsabilidade subjetiva, que exige culpa);
 Por factos lícitos/ pelo sacrifício (prescinde da culpa e da ilicitude);
 Pelo civil extracontratual pelo risco

ATENÇÃO: Nesta Lei n.º 67/2007, não vamos encontrar apenas a responsabilidade civil
extracontratual pelo exercício da função administrativa, mas também a responsabilidade civil
extracontratual do Estado pelo exercício da função jurisdicional e da função político-legislativa.
A responsabilidade do Estado nestas duas funções é também civil EXTRACONTRATUAL (senão
não estaria nesta Lei) e é também sempre uma responsabilidade civil extracontratual por factos
ILÍCITOS.
Aula n.º 24 – 15-12-2020 – ‘1. Conclusão da aula anterior. 2. Conceitos indeterminados e discricionariedade’

CONTINUAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE E RECAPITULAÇÃO DO MESMO!

Quando falamos em responsabilidade da Administração Pública, podemos falar de diversos tipos


de responsabilidade:

 Responsabilidade política, se em causa estiver a prática de atos (ações ou omissões)


praticados por órgãos eleitos, que é o que se sucede com os órgãos autárquicos.
No caso dos órgãos autárquicos, é uma responsabilidade política que está ligada à legalidade da
atuação desses mesmos órgãos e que se concretiza por via das ações de perda de mandato ou
dissolução de órgão colegial autárquico, cujas causas estão previstas nos artigos 8.º e 9.º Lei nº
27/96.

 Responsabilidade disciplinar – neste âmbito, referimo-nos à responsabilidade de um


titular/agente de um órgão, que no exercício das suas, e por causa desse exercício, tenha
violado deveres disciplinares a que está sujeito, dependendo da natureza jurídica do
vínculo que o liga à entidade empregadora que poderá ser:

 Vínculo de Direito Privado, se o contrato que tiver sido celebrado com a entidade
empregadora tiver sido de Direito Privado ou um contrato individual de trabalho.

 Vínculo de Direito Público, caso em que o contrato que tem com a entidade
empregadora foi celebrado ao abrigo da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

Dependendo da natureza jurídica do vínculo, esta responsabilidade disciplinar tomará


forma:
 Por via de um procedimento disciplinar que segue o disposto no Código do Trabalho
(no caso de vínculo de Direito Privado);

 Por via de um procedimento disciplinar que segue o disposto na Lei Geral do Trabalho
em Funções Públicas (no caso de vínculo de Direito Público).

Independentemente de tudo, qualquer procedimento disciplinar termina:


 Ou com uma decisão de arquivamento – quando chega à conclusão de não houve lugar à
violação de um dever disciplinar ou que a violação que houve lugar não tem relevância
do ponto de vista disciplinar;
 Ou com a aplicação de uma sanção disciplinar, que, atendendo ao leque de sanções
previstas, quer no Código de Trabalho, quer na Lei Geral do Trabalho em Funções
Públicas, deverão ser aplicadas tendo em consideração o dever violado, as circunstâncias
do caso concreto, a gravidade dessa violação, os prejuízos causados ao titular do órgão
ou agente, etc.  estes aspetos procuram concretizar o princípio da proporcionalidade
nas suas 3 dimensões, no que se refere à escolha da sanção mais adequada (menos lesiva)
para repreender o funcionário pela conduta tida.
 Responsabilidade criminal – advém quando em causa a ação a ou omissão tenha sido
praticada pelo titular do órgão ou agente, configure a prática de um crime.
Relativamente à prática de crimes vale o princípio da tipicidade legal – os crimes são os ilícitos
tipificados pelo legislador como constituindo ilícitos criminais.
Assim, são punidos ou com uma pena de multa ou com pena de prisão, sem prejuízo das penas
acessórias que também lhe podem ser aplicadas e que podem passar pela pena de suspensão ou
proibição ou inibição do exercício de funções.

 Responsabilidade civil – o que a responsabilidade civil desencadeia para aquele que


se considera/apura que foi o responsável pela prática de um ato de que tenha resultado
um dano, é uma obrigação de repor a situação que existiria se aquele ato não tivesse sido
praticado.
No caso de não ser possível a reconstituição natural, há lugar ao pagamento de uma
INDEMNIZAÇÃO, a calcular, regra geral, segundo critérios de equidade:
 Para ressarcir danos patrimoniais, contabilizar o quantum indemnizatório;

 Para danos morais, estes são, por definição, inquantificáveis, portanto, em relação aos
quais o critério de equidade é baseado num quantum doloris.

A RESPONSABILIDADE CIVIL pode ser, dependendo da origem do dano:


1. Contratual  há responsabilidade por culpa e contraendo, que se prende com a boa fé
na formação do contrato;
Há responsabilidade civil contratual quando em causa esteja a conduta das partes do domínio da
execução do contrato e há responsabilidade contratual num momento posterior (ou seja, após a
extinção do contrato), no que se refere aos deveres que resultam para as partes dessa mesma
extinção contratual.

O regime aplicável nesta modalidade depende do tipo de contrato:


 Se o contrato em causa for regido por normas de Direito Privado, o regime da
responsabilidade contratual é o previsto no Código Civil;

 Se o contrato em causa tiver sido celebrado for um contrato for disciplinado por norma
de Direito Administrativo ou pelo Código dos Contratos Públicos, a responsabilidade
contratual seguirá o disposto no Código dos Contratos Públicos e, subsidiariamente, o
disposto no Código Civil.

2. Extracontratual  em causa não está um contrato (seja a forma, execução ou os deveres


resultantes da extinção do contrato). O que está em causa é a produção de um prejuízo,
independentemente de existir entre o lesado e o autor do facto danoso qualquer relação
contratual.
Esta responsabilidade civil extracontratual está disciplinada na Lei n.º 67/2007, e aplica-se
quando o dano/prejuízo causado a terceiro o tenha sido no desempenho de atos (ação ou
omissão) de gestão pública.

Ou seja, para ser aplicável a Lei n.º 67/2007, não é necessário que os prejuízos tenham ocorrido
aquando da prática de poderes públicos de autoridade  o que é necessário é que os prejuízos
tenham sido originados por um facto disciplinado por normas de Direito Administrativo, o que
transfere o problema para a natureza jurídica das normas que disciplinam o facto gerador do dano.
OU SEJA:
É preciso tentar perceber se o ato é regido por normas de Direito Público. Daqui resultam duas
hipóteses:
 Se tal se verificar, trata-se de um ato (ação ou omissão) de gestão pública, e como tal a
responsabilidade civil extracontratual daí decorrente é disciplinada pela Lei n.º 67/2007.

 Se for disciplinado por normas de Direito Privado, então o regime que disciplina a
responsabilidade civil extracontratual é já o previsto no Código Civil.

NOTA: este exercício de qualificação é essencial, uma vez que uma falha na qualificação do facto
gerador do dano como de gestão pública ou de gestão privada significa um erro no que se refere
ao regime jurídico aplicável e, portanto, significa um erro quanto aos pressupostos de
responsabilidade a cumprir.
NOTA: A Lei n.º 67/2007 tem algumas especificidades, sobretudo no plano da culpa, que não
encontram paralelo no Código Civil, sendo extremamente significativas, sobretudo, em termos de
prova.

Dentro da responsabilidade civil extracontratual, feita esta análise no sentido de saber qual o
regime jurídico que a irá disciplinar, precisamos de saber QUAL O TIPO DE
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
Aqui temos de fazer uma distinção entre 3 tipos diferentes:

 Por factos ilícitos (artigos 7.º e seguintes da Lei n.º 67/2007), ou seja, uma
responsabilidade subjetiva que pressupõe a culpa.

São 5 os pressupostos que se têm de verificar cumulativamente para que se fale de


responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública por factos ilícitos.
 É necessário que tenha sido praticado um FACTO (ação ou omissão) VOLUNTÁRIO,
no exercício das suas funções e por causa desse exercício;
 É necessário que o facto seja ILÍCITO;
 Que tenha sido praticado com CULPA – dolo ou negligência;
 É necessário que da prática desse facto ilícito e culposo tenha RESULTADO UM DANO
– pode ser moral ou patrimonial;
 É necessário que nesse dano exista um NEXO DE CAUSALIDADE, determinado pela
teoria da causalidade adequada.
 Pelo risco (artigo 11.º da Lei n.º 67/2007), em que o que está em causa é o exercício por
parte do autor do facto danoso de uma atividade perigosa.
Consideram-se atividades especialmente perigosas, por exemplo, a condução de veículos de
emergência medica em estado de emergência, transporte de materiais explosivos, realização de
buscas com armas de fogo, a própria transfusão de sangue em pacientes que têm de realizar
hemodialise (foi considerada pelo STA como uma atividade especialmente perigosa).

 Por factos lícitos (artigo 16.º da Lei n.º 67/2007) – redação do art. 16.º não é a mais feliz!

NO ENTANTO, a Lei n.º 67/2007 não disciplina apenas a responsabilidade civil extracontratual
por danos causados no exercício da função administrativa, mas também a responsabilidade civil
extracontratual por danos causados no exercício das funções jurisdicional e da função político-
legislativa.
 No caso da função jurisdicional  artigos 12.º, 13.º e 14.º;
 No caso da função legislativa  artigo 15.º

O que se sucede é que essa responsabilidade, no caso do Estado, por danos praticados no exercício
da função jurisdicional e por danos derivados de factos praticados no exercício da função político-
legislativa, é uma responsabilidade civil extracontratual, pela própria natureza da relação em
causa, que não é contratual.
Contudo, é preciso perceber que, pela configuração que é dada a esta responsabilidade, no caso
de o dano resultar do exercício da função jurisdicional ou político-legislativa, está configurada
como sendo sempre por FACTOS ILÍCITOS.
Há, no entanto, que realçar a situação dos CONCESSINÁRIOS e das entidades privadas que
integram a Administração Pública, como é o caso das EMPRESAS PÚBLICAS S.A. e das
EMPRESAS LOCAIS  relativamente a estas, o artigo 1.º, n.º 5 da Lei n.º 67/2007 resolve o
problema.
É importante perceber se os atos de que resultam os danos são ou não atos de gestão pública ou
de gestão privada, uma vez que a Lei n.º 67/2007 só é aplicável a atos de gestão pública.

O exercício que se deve fazer é olhar para um concessionário ou para uma pessoa coletiva
privada sujeita a influência pública dominante e tentar perceber se o facto gerador do dano é
ou não disciplinado por normas de Direito Administrativo
 Se for disciplinado por normas de Direito Administrativo, é irrelevante tratar-se de um
concessionário ou de uma pessoa coletiva privada sujeita a influência pública dominante,
porque a responsabilidade pelos danos causados pelos factos praticados ao abrigo de
normas de Direito Administrativo é disciplinada pela Lei n.º 67/2007.
NOTA: Esta questão não se coloca em relação à responsabilidade civil extracontratual do Estado
pelo exercício da função jurisdicional, nem na responsabilidade civil extracontratual do Estado
pelo exercício da função político-legislativa, pelo simples facto de que estamos a falar de funções
indelegáveis, por inexistir uma norma constitucional que habilite a sua delegação, e que não se
reconduzem ao exercício da função administrativa.
Âmbito da jurisdição administrativa:
1. Os Tribunais Administrativos são SEMPRE competentes para conhecer quaisquer ações
de responsabilidade, contratual ou extracontratual, de pessoas coletivas públicas,
independentemente de lhes ser aplicável a Lei n.º 67/2007, o Código Civil ou o Código
dos Contratos Públicos – isto leva-nos à conclusão de que os Tribunais Administrativos,
por vezes, também aplicam Direito Privado.

2. Se se tratar de pessoas coletivas privadas, nesse caso, já será necessário perceber se lhes
é aplicável ou não o Código dos Contratos Públicos e a Lei n.º 67/2007.

 Se a responsabilidade contratual for disciplinada pelo Código dos Contratos


Públicos ou se a sua responsabilidade extracontratual for disciplinada pela Lei
n.º 67/2007, são competentes os Tribunais da jurisdição administrativa.
 Se assim não for, são competentes os tribunais comuns.

Âmbito de aplicação dos princípios gerais materiais da atividade administrativa

Quando falamos de âmbito de aplicação dos princípios gerais materiais da atividade


administrativa, podemos estar a falar de 2 coisas diferentes:
É, desde logo, importante perceber que estes princípios gerais materiais da atividade
administrativa VINCULAM O LEGISLADOR (na elaboração de normas de conduta e de
normas de organização) e, depois, a ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (na tomada de decisões,
sejam elas quais forem).
No que diz respeito à vinculação do legislador, estes princípios vinculam-no na elaboração de
normas de conduta e de organização. Repare-se que o legislador não pode ignorar que, através da
elaboração de normas que vinculam a Administração Pública, pré-ocupa ou conforma, em maior
ou menor medida, o seu espaço de atuação.

Nessa medida, interfere com a prossecução proporcionalística do interesse público:


 Seja na parte em que seleciona os aspetos da atividade administrativa que são vinculados
e os que são discricionários, considerando que há elementos insuscetíveis de serem
previstos em abstrato e que o melhor para o interesse público é dar esta margem de
manobra, em matéria de exercício das suas competências, à Administração Pública;
 Seja no que diz respeito aos termos dessa mesma vinculação.

Repare-se que a relevância da vinculação do legislador aos princípios gerais materiais da atividade
administrativa tem tanto mais sentido se pensarmos na atividade administrativa
predominantemente vinculada, em que a Administração Pública se limita a dar por verificados os
factos que permitem a aplicação de uma determinada norma, retirando da aplicação dessa norma
um conjunto de efeitos.
Assim sendo, é bom que essa norma preveja uma solução que satisfaça proporcionalisticamente
o interesse público e que salvaguarde os interesses legalmente protegidos dos interessados
Daqui resulta que este caráter hétero-vinculado da atividade administrativa significa que
qualquer incompatibilidade que, depois, se venha a verificar na prática entre a prossecução
proporcionalíssima de fins de interesse público, a eficiência dessa mesma prossecução e a própria
norma é uma problema que não é resolvido pela Administração Pública, que toma partido do
interesse público, em detrimento da aplicação da norma  é um problema que se devolve ao
legislador e que este tem necessariamente que resolver.
Por isso é que ter consciência da vinculação do legislador aos princípios gerais da atividade
administrativa é particularmente importante, e é-lo quando a atividade administrativa em causa é
uma atividade vinculada ou predominantemente vinculada.

Por outro lado, os princípios gerais da atividade administrativa vinculam a Administração


Pública no desempenho da sua atividade e, quanto a isto, é necessário tecer 2 considerações:

 1
Quanto ao âmbito subjetivo de aplicação dos princípios gerais – temos jurisprudência
nesta matéria, mas também temos hoje o artigo 2.º CPA, que nos resolve o problema.

Repare-se que no que diz respeito à aplicação de princípios gerais da atividade administrativa, no
que se refere ao âmbito subjetivo de aplicação destes princípios, o critério a seguir é estritamente
funcional, isto é, basta que em causa esteja o desempenho de tarefas públicas dirigidas à
prossecução de fins de interesse público, sejam estas tarefas reguladas por normas de Direito
Administrativas ou por normas de Direito Privado, os princípios gerais da atividade
administrativa SÃO SEMPRE APLICÁVEISA.

(ex.: Pessoa coletiva privada, desprovida de influência pública dominante, que ao abrigo de
um contrato de concessão desempenhe tarefas públicas – está sujeita aos princípios gerais da
atividade administrativa, no que diz respeito às tarefas públicas que lhes são concessionadas
por via daquele contrato)
(ex.: Pessoas coletivas privadas com influência pública dominante, como é o caso das S.A.,
são-lhes aplicáveis os princípios gerais da atividade administrativa)

Portanto, o critério de aplicação de princípios gerais da atividade administrativa é estritamente


funcional  a questão está no sentido de tentar perceber se aquela atividade se destina ou não à
prossecução de fins de interesse público. E sempre que seja isso que esteja em causa, os princípios
gerais da atividade administrativa são aplicáveis, independentemente de tudo o resto.

No entanto, esta autossuficiência do critério funcional para a aplicação dos princípios gerais
materiais da atividade administrativa não se estende às demais partes do CPA.
Isto porque, aí, relativamente a estas últimas, temos de fazer uma diferenciação  ex.: a parte
das normas do CPA relativas ao funcionamento de órgãos colegiais só se aplica ao
funcionamento de órgãos colegiais de pessoas coletivas públicas, que não desempenhem
atividades empresariais.
Assim sendo, temos 3 partes:
1. A parte da atividade administrativa à qual se aplicam sempre os princípios gerais
materiais da atividade administrativa.

2. No que diz respeito às normas do CPA que disciplinam o funcionamento de órgãos


colegiais, a Prof. Juliana Coutinho defende que estas normas são apenas aplicadas a
órgãos de pessoas coletivas públicas que desempenham atividade de caráter não
empresarial.

3. O resto do CPA refere-se ao exercício de poderes públicos de autoridade e, portanto, à


prática de atos administrativos, à elaboração de normas regulamentares de eficácia
externa, aos procedimentos que antecedem a prática de atos administrativos e de normas
regulamentares com eficácia externa, aos mecanismos de reação e às formas de execução
destes mesmos atos.

As normas do CPA que disciplinam estes aspetos são aplicáveis tendo em consideração o
CRITÉRIO de saber se há lugar ou não ao exercício de poderes públicos de autoridade e se os
órgãos em causa têm ou não competência de atos administrativos e de normas regulamentares
com eficácia externa.

NOTA: No que diz respeito à prática de atos administrativos, não é necessária uma norma,
tratando-se de uma pessoa coletiva pública, que expressamente diga que podem praticar atos
administrativos. No entanto, essa norma é necessária quando se trate de pessoas coletivas
privadas.
Se em causa está o exercício de poderes regulamentares, que têm em vista, portanto, a emissão de
normas regulamentares com eficácia externa, independentemente de se tratar de uma pessoa
coletiva pública ou privada, é sempre necessário haver a menção expressa numa norma de
competência.
Portanto, estando isso em causa, e havendo lugar ao exercício de poderes públicos de autoridade,
é aplicável o CPA na parte restante.

 2
Quanto ao âmbito objetivo de aplicação, que tem que ver com a atividade a
desempenhar propriamente dita:
Repare-se que quando falamos de âmbito objetivo de aplicação dos princípios, estamos a falar na
questão de essa atividade ser mais ou menos vinculada. Desde logo, os princípios gerais da
atividade administrativa aplicam-se sempre, seja a atividade mais ou menos vinculada ou mais ou
menos discricionária.
A questão é quando é que têm mais relevância prática:

Efetivamente os princípios gerais da atividade administrativa têm tanto ou mais


relevância quanto mais discricionária for a atividade da Administração Pública , uma
vez que, no exercício dos poderes vinculados, sem prejuízo da exigência de razoabilidade na
interpretação da norma e na apreciação da qualificação jurídica dos factos, o princípio da
legalidade acaba por limitar a relevância dos demais princípios (mas não se sobrepõe).
Agora, quando em causa está o exercício de poderes discricionários, a relevância dos princípios
é bem mais significativa, por se configurarem como critérios de decisão.

A Administração Pública, para decidir de entre as várias decisões legalmente admissíveis, tem de
ter critérios, que lhe são dados pelos princípios gerais da atividade administrativa. Isto levanta-
nos a questão de saber exatamente o que é a DISCRICIONARIEDADE e de saber quais os
termos da distinção da discricionariedade relativamente à interpretação de conceitos
indeterminados.

Já sabemos que o problema da interpretação dos conceitos indeterminados coloca-se no momento


anterior ao da decisão propriamente dita e tem que ver com a densificação e com a concretização
das normas que contêm na sua previsão esses mesmo conceitos indeterminados – “aquela norma
aplica-se ou não aquele caso concreto? Relativamente aquele caso concreto, são de concluir as
consequências/efeitos jurídicos previstos na norma?”
Outra coisa é o plano em que se coloca a discricionariedade – o legislador, quando a confere à
Administração Pública, fá-lo SOMENTE POR VIA DA NORMA (a Administração Pública não
se atribui discricionariedade a si própria).
Ora, a discricionariedade coloca-se num plano distinto da interpretação – coloca-se num
momento posterior, que é o momento da tomada da decisão. Ora, quando há esta concessão legal
de poderes discricionários, a Administração Pública terá de fazer escolhas, de acordo com os
princípios gerais da atividade administrativa.

A discricionariedade depois vai ser controlada pelos tribunais, tendo em consideração os aspetos
que são sempre vinculados:
 Pressupostos de facto;
 Competência;
 Fim;
 Princípios gerais da atividade administrativa.

PARTE II DA AULA

Relação entre a função politico-legislativa e função administrativa

De facto, ao legislador cabe, por via do princípio da legalidade/ juridicidade, pré-ocupar ou


conformar o espaço de atuação da Administração Pública.
Nesta tarefa deve, necessariamente, ter em consideração o princípio da separação de poderes,
na medida em que não pode pré-ocupá-lo ou conformá-lo de forma a que se substitua à
Administração Pública, tornando indiferentes as circunstâncias do caso concreto e criando, num
determinado caso concreto, uma situação de conflito entre o princípio da legalidade e os princípios
da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses legalmente protegidos
dos administrados.
Esta pré-conformação e este enquadramento que se impõe ao princípio da legalidade,
relativamente ao exercício da função administrativa, deve ser equilibrado, respeitando o domínio
reservado à Administração Pública.
Esse equilíbrio consegue-se através da previsão de normas com a DIFERENTE DENSIDADE
NORMATIVA e através da ATRIBUIÇÃO DE PODERES DISCRICIONÁRIOS, ou seja,
através da previsão de competências mais ou vinculadas ou mais ou menos discricionárias.
No que se refere à maior ou menor densidade normativa este é um efeito que o legislador consegue
através da utilização de conceitos indeterminados. Portanto, à semelhança da competência
discricionária, os conceitos indeterminados resultam da própria previsão da norma:

 São ambos previstos pelo legislador e impõe-se à Administração Pública por via do
princípio da legalidade.

O que se sucede é que se situam em PLANOS DISTINTOS:


Tanto o Dr. Colaço Antunes como a Dr. Juliana Coutinho partem da Teoria da folga ou da
margem de apreciação defendia por Otto Bachof.
Considera-se, ao contrário de alguma doutrina, que os conceitos jurídicos relativamente
indeterminados, como por exemplo, o conceito de jurista de mérito, conferem à Administração
Pública uma tarefa de densificação e de concretização e não competências discricionárias.
Ou seja, os conceitos indeterminados situam-se num plano distinto da discricionariedade 
situam-se num momento anterior à definição do conteúdo, sentido, modo e formalidades de um
determinado ato jurídico. Coloca-se, portanto, num momento ANTERIOR à tomada de decisão
propriamente dita, no plano da interpretação da norma e da apreciação e qualificação dos factos
 momento prévio que se refere à definição dos pressupostos de direito.
Assim, a Administração Pública, quando confrontada com a necessidade de tomar uma decisão
com referência a um determinado caso concreto, tem de começar por apreciar os factos em causa
e qualificá-los, tendo por referência uma determinada norma. Norma esta cuja aplicação estão
associados determinados efeitos jurídicos.

Posto isto, para efeitos de se tentar perceber se essa norma se aplica ou não a esses mesmos factos,
é necessário interpretá-la.
E os conceitos indeterminados, fazendo parte integrante de previsão da norma, é um dos vários
aspetos da norma que necessitam de ser interpretados pela Administração Pública para efeito de
se concluir ou não pela sua aplicação a determinados factos.
Por isso é que os conceitos indeterminados são um instrumento utilizado pelo legislador para
conferir uma menor densidade ou uma maior elasticidade às normas, transferindo para a
Administração Pública uma tarefa de densificação e de concretização que não existiria da mesma
forma se a norma não previsse um conceito indeterminado.
Desta feita, os conceitos indeterminados situam-se e condicionam a Administração Pública num
plano interpretativo e de qualificação e apreciação dos factos, que é um plano necessariamente
anterior ao plano do exercício propriamente dito da função administrativa.  é um plano em
relação ao qual se vai refletir a previsão de poderes discricionários.
OU SEJA: Ambos (conceitos indeterminados e poderes discricionários) se impõem à
Administração Pública por via do princípio da legalidade, não obstante situam-se em planos
diferentes.
Através da interpretação de um conceito indeterminado decidimos aplicar ou não uma
determinada norma aos factos a apreciar e a qualificar, retirando através dessa aplicação os efeitos
jurídicos previstos nessa mesma norma. Motivo pelo qual, se houver um erro em relação à
interpretação dos conceitos indeterminados e se esses conceitos não forem interpretados de acordo
com o princípio da razoabilidade, isto é algo que se projeta ao nível dos pressupostos de direito.

Quer-se dizer: projeta-se ao nível das normas aplicadas aos factos, verificando-se, por isso, um
erro quanto aos pressupostos de direito, cuja consequência jurídica é a anulabilidade (artigo 163.º,
n.º 1 CPA)
Se se interpreta de forma não razoável um conceito indeterminado, aplicando aos factos a norma
por causa dessa interpretação descabida, significa que se aplicou/ apreciou uma norma e
interpretaram e qualificaram os factos erradamente.

NOTA: repare-se que o controlo que é feito pelos tribunais deste erro quanto aos pressupostos de
direito é um controlo que NÃO PRESSUPÕE que o erro quanto aos pressupostos de dto seja um
erro grosseiro ou um erro manifesto  BASTA QUE SE TRATE DE UM ERRO NORMAL
A amplitude por parte dos Tribunais Administrativos relativamente à interpretação de conceitos
indeterminados acaba por não ser tão limitada como o controlo da discricionariedade pelos
Tribunais Administrativos, tendo por referência a aplicação ou não dos princípios gerais da
atividade administrativa.

Interpretada a norma e decidida a sua aplicação/ ou não aplicação, passa-se, com base nos
pressupostos de facto e de direito definidos nestes termos para a PRÓXIMA FASE em termos de
percurso cognoscitivo, até à tomada da decisão, para a TOMADA DA DECISÃO
PROPRIAMENTE DITA: passa-se para a definição do sentido, conteúdo e momento e
condições do ato jurídico a praticar.

Portanto, é neste plano que se levanta a questão de saber em que medida é que a competência é
vinculada e em que medida é que a competência é discricionária, sendo que a discricionariedade
se refere já ao exercício propriamente dito da função administrativa (tomada da decisão
propriamente dita).
Repare-se que a discricionariedade não se trata de um mal necessário que deva ser reduzido
ao mínimo, antes pelo contrário  é indispensável para a realização do interesse público e
para a defesa adequada dos dtos e interesses legalmente protegidos dos administrados.
Precisamente porque aquilo que a discricionariedade impõe à Administração Pública é a tomada
da melhor decisão possível, na perspetiva da prossecução do interesse público e da defesa dos
direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados.
A DISCRICIONARIEDADE traduz-se na competência conferida pela lei à Administração para
escolher, servindo-se dos princípios gerais da atividade administrativa como critérios de decisão,
a solução que em face das circunstâncias do caso concreto melhor satisfaça o interesse público. É
UM PODER JURÍDICO FUNDAMENTADO E LIMITADO PELA LEI

Quais são os aspetos sempre vinculados?


Como se verá não existem atos totalmente discricionários, da mesma forma que não existem
frequentemente atos estritamente vinculados.

Há aspetos, mesmo quando esteja em causa o exercício de competências discricionárias, que são
sempre vinculados:

 O fim  é sempre de interesse público e impõe-se pela lei à Administração Pública -


remete-nos para o interesse público como uma noção legal/ jurídica definida pelo
legislador, de acordo com critérios constitucionais.

 A competência  não se presume e tem de estar prevista na lei – artigo 36.º CPA

 Os pressupostos de facto  os factos que vão ser apreciados e qualificados para o


efeito de se tentar perceber qual é, a partir dessa apreciação e qualificação, as normas que
lhes devem ser aplicadas.

 Os pressupostos de direito  reconduzem-se ao regime jurídico a


aplicar a esses mesmos factos – também são aspetos vinculados.

 Princípios gerais da atividade administrativa;

O controlo dos tribunais incide sobre qualquer um/ todos destes aspetos e, no que diz respeitos
aos princípios gerais da atividade administrativa o controlo dos tribunais é, no entanto, um
controlo limitado às situações de erro grosseiro ou de erro manifesto.
Ou seja, os Tribunais Administrativos, por força do princípio da separação de poderes, apenas
anulam um ato administrativo, praticado no exercício de poderes discricionários por violação dos
princípios gerais da atividade administrativa, quando essa violação seja manifesta/ grosseira/
clamorosa.

Há alguma subjetividade no controlo baseado num erro grosseiro ou manifesto, porque tem se
avaliar casuisticamente

É um mal necessário considerando a necessidade de salvaguardar o princípio da separação de


poderes e de os Tribunais Administrativos se manterem dentro dos limites dos seus poderes
cognição, nos termos do artigo 3.º CPTA.
Repare-se que o controlo dos princípios é tanto mais relevante quanto mais discricionário
for a atividade, na medida em que quanto mais discricionário for a atividade, maior é a
relevância prática dos princípios gerais da atividade administrativa como critérios de decisão.
Se em causa estiver o exercício de competências vinculadas, o princípio da legalidade quase
que consume todos os demais princípios gerais da atividade administrativa, precisamente porque
o exercício da competência delegada se esgota na apreciação dos factos e na interpretação da
norma e qualificação jurídica dos factos e na extração da norma dos efeitos jurídicos associados,
tomando-se uma decisão em consonância com isso, sendo que SÓ PODERÁ SER UMA.

Posto isto, não há aqui qualquer discricionariedade, tudo está estritamente vinculado pelo que não
há espaço para que os princípios gerais da atividade administrativa atuem como critérios de
decisão.

Por isso, ao legislador se pede que tenha um sentido de


Não é um problema resolvido equilíbrio na definição de competência estritamente
pela Administração Pública; tem vinculadas  por poder houver um risco de nestes casos
de ser devolvido e resolvido pelo haver um conflito perante uma determinada
legislador e, eventualmente, circunstância do caso concreta, a solução que resulta da
poderá haver uma intervenção do lei e aquilo que o princípio que a prossecução do
Tribunal Constitucional interesse público e da salvaguarda dos direitos e
interesses legalmente protegidos dos administrados
pressuporiam.

Situações de redução da discricionariedade a 0 (é mais frequente do que possa parecer)


Pode suceder que pelas circunstâncias do caso concreto, pela aplicação dos princípios gerais da
atividade administrativa, pelo caracter técnico da decisão e apreciação dos factos, que a
discricionariedade que o legislador conferiu acabe por se ver REDUZIDA A ZERO, considerado
tudo o que foi anteriormente dito.

Reduzir a discricionariedade a zero acontece quanto tudo isto ponderado que no final só exista
uma solução correta  se a situação correta é apenas uma, isso significa que só haverá uma
solução possível, pelo que a discricionariedade é reduzia a zero

Isto tem relevância na matéria do controlo dos tribunais sobre a atividade discricionária, uma vez
que, regra geral, os tribunais, perante o exercício de poderes discricionários por parte da
Administração Pública, têm alguns limites a considerar. E no que se refere ao controlo dos
princípios gerais da atividade administrativa estão limitados pelo ERRO GROSSEIRO.
Para evitar pronúncias que se substituam à Administração Pública, na medida em que incidem
sobre o mérito das decisões, os Tribunais, em regra, condenam a Administração Pública à pratica
de um ato administrativo com o conteúdo e com o sentido que a Administração Pública considerar
ser o adequado, à luz dos princípios gerais aplicáveis, mas que não reincida nas ilegalidades que
o Tribunal considerou que existiram - isto é o que normalmente se faz quando em causa está o
exercício de uma competência discricionária.

Se se tratar de uma SITUAÇÃO DE DISCRICIONARIEDADE REDUZIDA A ZERO, o que


se permite aos Tribunais Administrativos é o mesmo que se permite quando a competência em
causa seja vinculada  permite-se aos tribunais que condenem a Administração Pública à
prática de um ato com um determinado conteúdo e com um determinado sentido.
Ou até mesmo os próprios tribunais emitem uma sentença substitutiva, em que ela mesma produz
os efeitos do ato jurídico a praticar pela Administração Pública, mas isso só é possível quando a
competência é estritamente vinculada ou quando há redução da discricionariedade a 0.

Apenas nestes dois casos é que pronuncias deste género por parte dos Tribunais, não
significam uma substituição da função jurisdicional à função administrativa; não significa uma
intromissão no mérito, que é o fica para lá de todos os aspetos vinculados do exercício da
competência discricionária

Em relação a esse mérito não pode haver qualquer intromissão por parte dos tribunais, por isso é
sentenças substitutivas ou que condenam a Administração Pública á prática de um ato com um
determinado conteúdo e com um determinado sentido só são possíveis nos casos
supramencionados.
NOTA: ver a este propósito o artigo 71º CPTA

OUTRAS REFERÊNCIAS:
Aspetos que podem ser discricionários:
A discricionariedade é um JUÍZO DE PREDOMINÂNCIA – podemos ter atos estritamente
vinculados, mas não ter absolutamente discricionários  podemos ter atos mais ou menos
discricionários ou mais ou menos vinculados.
Posto isto, podem ser discricionários:

 O momento da prática do ato  na Administração Pública terá a possibilidade de


praticar o ato no momento ou mais tarde;
 A decisão de praticar ou não um certo ato administrativo  tem lugar na
determinação do sentido e conteúdo do ato a praticar;
 A aposição a esse ato de condições ou termos  caso em que se sujeita, por exemplo,
a produção de efeitos a um evento certo (no caso do termo) ou a uma condição ou evento
incerto (no caso da condição);
 Algumas formalidades a observar na prática do próprio ato administrativo.
Tudo isto são aspetos em relação aos quais o legislador pode prever o exercício de competências
discricionárias, sem prejuízo de no exercício dessas competências terem de respeitar aspetos
vinculados como o fim, competência, pressupostos de facto e de direito e os princípios gerais da
atividade administrativa.

NOTA: pode suceder que a própria Administração Pública se auto vincule no exercício de
poderes discricionários.
Ou seja, quando está em o exercício de poderes discricionários das duas uma:

 Ou a Administração Pública vai decidindo casuisticamente e em cada caso aprecia as


circunstâncias do caso concreto e os condicionalismos do respetivo caso;

 Ou fixa critérios de decisão para casos idênticos - para a decisão a tomar relativamente a
pressupostos de facto e de direito idênticos.
Faz isto autovinculando-se - faz-se através da elaboração de normas genéricas, assentes na sua
experiência, onde se enunciam critérios a que a própria Administração Pública obedecerá na
tomada de decisões no exercício de competências discricionárias.
Estas normas genéricas podem ter a natureza de regulamentos administrativos com eficácia
externa ou podem ser normas internas. No entendimento da regente é preferível que se trate
sempre de normas regulamentares com eficácia externa.

Depois de se ter autovinculado aos critérios, se praticar um ato que contrarie os critérios que ela
própria elaborou, praticará necessariamente um ATO ILEGAL, por vício material de
violação de lei em sentido estrito.
Isto, porque a violação de norma regulamentar reconduz-se à violação de lei em sentido estrito e
tem um efeito invalidante em relação ao ato jurídico praticado.

Isto NÃO QUER DIZER que estas normas regulamentares externas, de cuja observância a
Administração Pública se autovincula no exercício de competências discricionárias, não possam
ser alteradas. No entanto, a alteração tem de ser DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA, uma
vez que o interesse público não é invariável.
Contudo, as circunstâncias vão-se alterando o que leva a que a forma como se prossegue o
interesse público tenha de ser reajustada e essa possibilidade de reajuste é importante. Porém,
para ser admissível essa alteração terá de ser devidamente fundamentada – artigo 152.º, n.º 1,
alínea d) CPA

Para os Tribunais NEM SEMPRE É CLARA ESTA DISTINÇÃO DOS PLANOS em que os
conceitos indeterminados e a discricionariedade se situam e operam, o que faz com muitas haja
uma tendência por parte da jurisprudência em considerar que os conceitos indeterminados
conferem discricionariedade e em controlar a interpretação de conceitos indeterminados por via
do erro grosseiro, o que fragiliza o controlo por parte dos tribunais, na medida em que o controlo
por erro grosseiro é mais restritivo em comparação com o controlo feito por via do erro normal
(menos exigente).
É no plano do exercício da função administrativa propriamente dita que se coloca a questão de
saber se a competência que se está a exercer é predominantemente discricionária ou vinculada
ou se é estritamente vinculada, para o efeito de se perceber qual a relevância operativa dos
princípios gerais da atividade administrativa (e em que medida em que se articulam com o
princípio da legalidade).

 Se a competência for estritamente vinculada: pouca relevância terão;


 Se a competência for em alguma medida discricionária: funcionarão como critérios de
tomada de decisão.

Face a isto, aos Tribunais pede-se que, neste contexto, nem adotem uma posição de excessiva
autocontenção judicial, nem caiam num excessivo ativismo judicial  ponto de equilíbrio
entre a tutela jurisdicional efetiva e o princípio da separação de poderes que só se consegue se os
tribunais perceberem os diferentes planos de relevância dos conceitos indeterminados e dos
poderes discricionários e se se desprenderem de um entendimento rígido do princípio da
separação dos poderes que nada favorece o princípio da legalidade e da tutela jurisdicional efetiva.

Isto é o mesmo que se pede ao legislador no momento em que elabora as normas e tem que
optar por consagrar competências vinculadas ou discricionárias (em maior ou menor medida)

A exigência de equilíbrio é essencial para que o sistema administrativo e o ordenamento jurídico


administrativo cumpram as suas funções e para a Administração Pública cumpra a prossecução
do interesse público respeitando os direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados.

Uma Administração Pública de um resultado qualquer não é Administração Pública!


Direito Administrativo
2.º Semestre
Aula n.º 1 – 08-02-2021 – ‘AS FORMAS TÍPICAS DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA:
1. A natureza voluntária da atividade administrativa. 2. As FORMAS DE ATIVIDADE JURÍDICO-PÚBLICA, consubstanciam-se na
prática de atos jurídicos ou de omissões juridicamente relevantes, sujeitos a um regime substantivo de direito administrativo:
regulamentos administrativos, atos administrativos, declarações negociais, contrato administrativo, contrato intra administrativo,
omissão ilegal, deferimento tácito, meros atos jurídicos. 3. As FORMAS DE ATIVIDADE JURÍDICO-PRIVADA, consubstanciam-se
na prática de atos jurídicos sujeitos a um regime substantivo de direito privado: atos disciplinados por normas de direito privado,
pese embora o procedimento que os antecede seja um procedimento regido por normas de direito administrativo; atos disciplinados
por normas de direito privado cujo procedimento que os antecede é regido por normas de direito privado. 4. As de FORMAS DE
ATIVIDADE ADMINISTRATIVA NÃO JURÍDICA, não se consubstanciam na produção de efeitos jurídicos diretos: operações
materiais administrativas, atuação informal ou atividade administrativa informal (recomendações, advertências, acordos informais).’

Atividade administrativa
A atividade administrativa tem sempre uma natureza voluntária, isto é, assenta sempre numa
conduta voluntária desenvolvida por órgãos, designadamente, mas não exclusivamente, pelo
órgão com competência decisória (isto, porque na formação da atividade administrativa
intervêm vários órgãos para além daquele ao qual cabe o exercício da competência decisória).
Estamos aqui a referir-nos à vontade administrativa, conceito este diferente da vontade de pessoas
coletivas públicas, já que o primeiro conceito é mais amplo por a sua definição resultar da
combinação de dois critérios (critério subjetivo e um funcional). A vantagem de um critério
amplo surge associada à lógica de reconhecer a pessoas coletivas privadas o desempenho de
atividade administrativa.

Vontade administrativa
Quando falamos em vontade administrativa, estamo-nos a referir:

 Ao exercício de poderes públicos de autoridade por pessoas coletivas públicas e por


pessoas coletivas privadas, isto é, a formas unilaterais vinculativas de atividade
administrativa como acontece com o ato administrativo e com a grande maioria das
normas regulamentares.

 Em segundo lugar, referimo-nos à prática de atos jurídicos e não jurídicos que não se
reconduzem ao exercício de poderes públicos de autoridade e que são praticados ao
abrigo de normas de DA (ou seja, cujo regime substantivo é um regime de direito
administrativo) por pessoas coletivas públicas e por pessoas coletivas privadas.

 E em terceiro lugar, referimo-nos à prática de atos jurídicos e não jurídicos ao abrigo de


normas de Direito Privado por pessoas coletivas privadas sob a influência pública
dominante.
Esta vontade administrativa pode ser condicionada por factos jurídicos voluntários ou
involuntários, ou seja, muito embora a atividade administrativa tenha sempre um caráter
voluntário, aquilo que a desencadeia/ condicionada não é necessariamente de cariz voluntário.
[ex.: Factos jurídicos involuntários que constituem circunstâncias independentes de vontade
como a morte, uma crise financeira externa, um surto pandémico, uma catástrofe natural
(terramoto)]
Estes são factos jurídicos involuntários, mas que são juridicamente relevantes, sendo que uma vez
verificados impõem que a Administração atue.
A vontade administrativa forma-se, manifesta-se e executa-se sempre de acordo com um
procedimento administrativo (noção essencial no DA atual – n.º 1 do artigo 1.º CPA).
«Entende-se por procedimento administrativo a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à
formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública.»

Esta disposição refere de forma clara esta formação, manifestação e execução com uma exigência
de procedimentalização como sendo uma exigência constitucional – artigo 267.º, n.º 5 CRP
(norma não exequível por si mesma – impõe ao legislador ordinário um dever legiferante que foi
cumprido através do CPA, que dá resposta a esta exigência ao conter o regime geral dos
procedimentos administrativos).
O que o CPA prevê é um regime geral que é afastado quando existam regimes especiais que
disciplinem determinados procedimentos.
[ex.: procedimentos de formação de contratos sujeitos ao Código de Contratos Públicos, sendo
o CPA aplicável de modo subsidiário, nos termos do artigo 2.º, n.º 5 CPA; é o que acontece ao
nível das expropriações, é o que sucede em relação ao processo relativo a licenças de
urbanização – artigo 2.º, n.º 5 CPA]

A vontade administrativa, nas relações intersubjetivas (entre diferentes sujeitos de Direito), é


imputável à pessoa coletiva responsável pela formação dessa mesma vontade, porque é através
dos órgãos que as pessoas coletivas formam e manifestam a sua vontade.
[ex.: apresentamos um requerimento à SS, que difere ou indefere o nosso pedido de proteção
jurídica – o deferimento ou indeferimento é imputável à SS IP, mas na verdade tal proveio de
uma determinada pessoa X que decidiu em nome da SS]

Na vontade administrativa nas relações interorgânicas (entre órgãos da mesma pessoa


coletiva), a vontade do órgão é imputável, não à pessoa coletiva que integra, mas ao próprio órgão.
[ex.: o que acontece na delegação de poderes quando é praticado entre órgãos da mesma
pessoa coletiva/ o que acontece nos pareceres (atos opinativos/ declarações de ciência emitidos
por órgãos com funções consultivas, a pedido do órgão com competência decisória, que
vinculam ou não o órgão com competência decisória na tomada de decisão. Quando o órgão
consultivo que presta o parecer integra a mesma pessoa coletiva do órgão de competência
decisória, de facto, há uma imputação da vontade administrativa ao órgão e não à pessoa
coletiva que o integra]

 Em quarto lugar, a vontade administrativa pode traduzir-se na prática de atos jurídicos


ou de atos não jurídicos. Portanto, constituem formas de atividade administrativa – atos
jurídicos (que consubstanciam a produção de efeitos de Direito) e atos não jurídicos
(que não tendem à produção de efeitos jurídicos, muito embora assentem num ato jurídico
e possam ter relevância jurídica, nomeadamente no âmbito da responsabilidade civil
extracontratual)
No que respeita aos atos jurídicos temos de distinguir entre atos jurídicos disciplinados por
normas de DA (atos jurídico-públicos) ou de Direito Privado (atos jurídico-privados).
Formas jurídico-públicas de atividade administrativa (regidas por normas de DA)
Nem sempre é simples, no silêncio do legislador, percebermos se uma norma tem uma natureza
pública ou privada, sendo este um exercício mais ou menos complexo que, muitas vezes, se impõe
que seja feito.
[ex.: contratos de renda apoiada – sujeitos a um regime especial para pessoas em situações de
carência económica (que não previsto no CC, apesar de se tratar de um contrato de
arrendamento)]

Atualmente a questão não se coloca nestes termos, porque a legislação aplicável foi alterada no
sentido de clarificar a natureza administrativa das normas que o regime prevê. Mas, enquanto tal
não acontecia, eram suscitados frequentemente conflitos negativos de competência.
[ex.: Imaginemos um contrato desta natureza entre o Município e o senhor Joaquim. Joaquim
deixa de pagar as rendas, sendo que o Município se dirige aos tribunais comuns e intenta uma
ação de despejo pelo não pagamento das rendas]

O Tribunal, naturalmente, apercebe-se da especialidade daquele regime e declara-se incompetente


para decidir sobre a matéria em questão, remetendo o processo para os Tribunais Administrativos.
E os Tribunais Administrativos entendem que não são competentes por considerarem que em
causa estão normas de Direito privado e remetem para os Tribunais Comuns.
Como ninguém se entende a questão é designada pelo Tribunal de Conflitos (composto por juízes
conselheiros e presidido por um juiz do STA). Este Tribunal de Conflitos tem decidido no sentido
de que as normas que regem as rendas de natureza apoiada eram regidas pelo DA, sendo que os
Tribunais Administrativos seriam os tribunais competentes para dirimir os litígios emergentes
daquele tipo de contratos.
Portanto, quando distinguimos entre formas jurídico-públicas ou privadas de atividade
administrativa devemos fazer um exercício prévio de qualificação das normas aplicáveis àquela
situação para ver qual a jurisdição competente para o apreciar.

Quando falamos em formas jurídico-públicas de atividade administrativa, falamos na prática de


atos jurídicos OU omissões ilegais (que por isso são juridicamente relevantes) sujeitas a um
regime substantivo de DA.

O que podemos encaixar aqui?

 Normas regulamentares
Correspondem a normas gerais e abstratas emanadas por órgãos de pessoas coletivas públicas
(apenas), às quais a CRP e/ou a lei atribui competência regulamentar (não há pessoas coletivas
privadas com poderes regulamentares públicos, nem há a possibilidade de pessoas coletivas
públicas delegarem em pessoas coletivas privadas competências regulamentares).
Isto, porque, como se sabe, a relação entre os regulamentos e a lei é pautada pelo princípio da
legalidade na vertente da precedência de lei, reserva de lei e primazia de lei.
As normas regulamentares podem ter eficácia interna, o que significa que os seus efeitos se
esgotam no seio da pessoa coletiva de que são emanados (ex.: regulamentos de auto-organização
– dirigidos à organização e funcionamento internos de uma determinada pessoa coletiva pública,
como os regimentos [Regimento do Conselho Científico da Faculdade de Direito do Porto]).
Ainda assim, existem, também, regulamentos com caráter externo – produzem efeitos junto de
outros sujeitos de Direito para além da pessoa coletiva que os emana (ex.: caso do regulamento
de avaliação dos alunos do primeiro ciclo de estudos da Faculdade de Direito do Porto/
regulamentos estradais/ regulamentos de trabalho).

Repare-se que há um conceito de regulamento previsto no artigo 135.º CPA.

«Para efeitos do disposto no presente Código, consideram-se regulamentos administrativos as


normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes jurídico-administrativos,
visem produzir efeitos jurídicos externos»

Este conceito é valido apenas para o fim da definição do âmbito de aplicação das normas do
próprio CPA, não esclarecendo a natureza de normas regulamentares, nem tem como efeito negar
a qualificação como normas regulamentares a normas regulamentares com eficácia interna. Ou
seja, aqui apenas se refere que o CPA só é aplicável a normas regulamentares com eficácia
externa, não obstante a existência de normas regulamentares com eficácia interna.

 Uma segunda forma de atividade administrativa jurídico-pública são os atos


administrativos
Os atos administrativos têm sempre eficácia externa e dirigem-se à definição de uma situação
individual e concreta (os seus destinatários estão individualizados ou são individualizáveis).
Repare-se que os atos administrativos correspondem a uma decisão que produz efeitos jurídicos
externos inovadores relativamente a uma situação individual e concreta. Deste modo, o conceito
de ‘ato administrativo’ é muito restrito, ou seja, os critérios de qualificação de que o legislador
faz depender a qualificação de um ato administrativo são muito restritivos, pelo que haverá muitos
atos jurídicos que não são mais que isso e que não merecem a qualificação como atos
administrativos, porque não têm eficácia externa ou porque não são inovadores.
Ao contrário do que acontece com a competência regulamentar, a capacidade formal para a prática
de atos administrativos é uma capacidade inerente a qualquer pessoa coletiva pública e, por isso,
não é necessária uma norma legal nem constitucional que habilite uma pessoa coletiva pública a
praticar atos administrativos. Por inerência, à sua natureza pública está a sua capacidade formal
para a prática de atos administrativos.
Por outro lado, podemos ter pessoas coletivas privadas às quais esta capacidade é concedida
(ainda que em termos distintos), no sentido de ser delegada ou concessionada, pelo que é tão
somente temporária (as pessoas coletivas privadas não têm a titularidade desta capacidade formal
para a prática de atos administrativos, mas sim o exercício).
O conceito de atos administrativos é um conceito legal previsto no artigo 148.º CPA
«Para efeitos do disposto no presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões
que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos
numa situação individual e concreta»
A sua função não é a mesma que o artigo 135.º CPA desempenha para os regulamentos. A noção
de ato administrativo aqui prevista é uma noção de ato administrativo válida para qualquer caso
e não só para a aplicação do procedimento do CPA.

A qualificação de determinada forma de atuação tem determinadas consequências jurídicas,


nomeadamente no que respeita ao regime aplicável, pelo que este é um momento essencial do
raciocínio jurídico.
[ex. de atos administrativos: cada classificação atribuída a cada um de nós do exame de DA;
as licenças de construção; imaginemos que solicitamos algo à Faculdade que implica à mesma
uma tomada de decisão; a concessão ou indeferimento de um pedido de subsídio, uma
contraordenação estradal por excesso de velocidade]

 A terceira forma jurídico-pública de atividade administrativa são as declarações


negociais
As declarações negociais são atos jurídicos unilaterais (não tendo caráter vinculativo) com efeitos
externos que visam a transmissão ou exteriorização de um enunciado negocial, pelo que os seus
efeitos dependem da concordância do destinatário. No caso desta não existir ou não ser possível,
dependem de intervenção judicial.
[ex.: contratos administrativos – contratos entre vários contraentes titulares da sua vontade
que confluiu na celebração de um contrato que manifesta a sua concordância – artigo 307.º do
Código de Contratos Públicos]

 Em quarto lugar temos os contratos administrativos


Os contratos administrativos são negócios jurídicos multilaterais que implicam um acordo de
vontade entre dois ou mais contraentes, sendo pelo menos um deles público (não obstante poder
ser mais que um), estando sujeitos a um regime substantivo de DA.

Na definição do regime jurídico de DA aplicável temos de distinguir duas situações:

 Se o objeto do contrato envolver prestações e serem submetidas à concorrência, o regime


aplicável é o regime previsto no Código de Contratos Públicos (ex.: contrato de
empreitada de obras pública) ou em legislação especial (pensada especificamente para
aquele tipo de contrato)

 Se o objeto do contrato se traduzir em prestações que não estão sujeitas à concorrência,


então aí a formação do contrato está sujeita às disposições genéricas do CPA e a sua
celebração e execução é disciplinada pelo CCP (salvo norma especial que determine uma
solução diferente como acontece com os contratos de trabalho em funções publicas, que
remete para a Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas)
 Em quinto lugar temos os contratos intra-administrativos (entre órgãos da mesma
pessoa coletiva ou de pessoas coletivas diferentes)
Estes são contratos entre órgãos da mesma pessoa coletiva ou de pessoas coletivas diferentes (ou
então entre órgãos e os interessados num determinado procedimento administrativo), dirigidos a
disciplinar o exercício das suas funções.
Veja-se o artigo 57.º CPA «acordos endo procedimentais» - são contratos celebrados entre
órgãos administrativos e os interessados de um determinado procedimento administrativo, em que
se fixam os trâmites desse mesmo procedimento aplicável – EXEMPLO DE CONTRATOS
INTRA ADMINISTRATIVOS

NOTA: por exigência constitucional, o exercício, a manifestação e a execução de qualquer ato jurídico por
parte da AP é sempre antecedido de um procedimento administrativo mais ou menos complexo, sendo que
o regime geral deste procedimento está previsto no CPA (sem prejuízo de normas especiais que prevejam
regimes especiais para um determinado procedimento e forma de atividade administrativa, caso em que o
CPA se aplica subsidiariamente nos termos do artigo 2.º, n.º 5 CPA).

Estrutura do procedimento administrativo: fase de iniciativa – fase de instrução – fase de audiência prévia
– fase eventual de diligencias complementares – fase da decisão propriamente dita.

Através de acordos endo procedimentais o legislador deu aos interessados e à AP a possibilidade de optar
por uma das alternativas que o próprio legislador prevê.

[ex.: a audiência prévia dos interessados pode dar-se por escrito ou presencialmente. Ora, através do
acordo endo procedimental os interessados num determinado procedimento podem acordar realizá-la
presencialmente]

 Em sexto lugar temos as omissões ilegais (e deferimento tácito)


Atente-se, conjuntamente, à figura do deferimento tácito, já que, quer a omissão ilegal, quer o
deferimento tácito, correspondem a formas de atividade ou de inatividade administrativa
disciplinadas por um regime substantivo de DA que se articulam entre si.
Quer o deferimento tácito, quer a omissão ilegal, iniciam-se com a apresentação de um
requerimento de um interessado junto da Administração Pública. Esse requerimento, se
cumprir determinadas caraterísticas, cria na pessoa coletiva a que foi dirigido um poder de decidir
– requisitos esses previstos no artigo 13.º CPA

«1. Os órgãos da Administração Pública têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos
da sua competência que lhes sejam apresentados e, nomeadamente, sobre os assuntos que aos
interessados digam diretamente respeito, bem como sobre quaisquer petições, representações,
reclamações ou queixas formuladas em defesa da Constituição, das leis ou do interesse público.
2. Não existe o dever de decisão quando, há menos de dois anos, contados da data da
apresentação do requerimento, o órgão competente tenha praticado um ato administrativo
sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos.
3. Os órgãos da Administração Pública podem decidir sobre coisa diferente ou mais ampla do
que a pedida, quando o interesse público assim o exija.»
Para que haja dever de decidir é necessário:

 Que seja efetivamente um requerimento, isto é, um pedido (e não um simples desabafo)


 Que o requerimento seja inteligível,
 Que quem o apresente seja o interessado,
 Que seja apresentado dentro do prazo (quando houver),
 Que haja um pedido em que seja solicitado algo àquela entidade que implique o exercício
de competências por parte dos seus órgãos,
 Que não tenha sido apresentado igual pedido pela mesma pessoa e com os mesmos
fundamentos há menos de dois anos;
 O requerimento deve ser dirigido ao órgão com competência para decidir (artigo 41.º, n.º
1 CPA – ao abrigo do princípio da boa-fé e do princípio da colaboração, o órgão ao qual
o pedido foi dirigido deve oficiosamente remeter o pedido ao órgão competente para a
decisão)

REQUISITOS CUMULATIVOS
Verificados estes requisitos, o órgão com competência decisória tem o dever de decidir, salvo
norma especial, no prazo de 90 dias úteis, nos termos do artigo 128.º, n.º 1 CPA.
Se não decidir, temos um silêncio administrativo, colocando-se a questão de como interpretar
este silêncio administrativo - a questão é resolvida pelos artigos 129.º e 130.º CPA.

Este silêncio administrativo pode ser interpretado de uma de duas formas:

 Ou há uma norma especial que associa ao silêncio administrativo, nestes casos em que
ele ocorre, a tomada de uma decisão tácita favorável ao interessado
 Ou há pura e simplesmente uma omissão ilegal – caso o legislador não tenha feito
corresponder àquela situação de inércia o deferimento tácito.

Quando não exista lei especial há uma omissão ilegal, que serve desde logo para nos permitir a
utilização de meios de garantia administrativa e jurisdicional – artigo 184.º, n.º 1, b) CPA
(verificamos que a reclamação e os vários meios de recurso administrativo podem ser utilizados
contra omissões ilegais) – e artigo 67.º, n.º 1, a) CPTA (vemos que face a uma omissão ilegal
podemos fazer uso do pedido de condenação à prática de ato legalmente devido, em que se solicita
ao tribunal que condene a AP à prática de um ato que preencha o silêncio administrativo, podendo
até pedir aos tribunais a prática de um ato com um determinado conteúdo e sentido se em causa
estiver a prática de competências vinculadas).
*Se em causa estiver o exercício de competências discricionárias, o tribunal não poderia condenar a AP à
prática de um ato com determinado conteúdo e sentido, porque estaria a violar o princípio da separação de
poderes – condena somente à prática do ato que considera ser adequado.

[ex.: no domínio do licenciamento, quando uma licença de construção não é decidida num
determinado prazo – o legislador, no regime jurídico da urbanização, atribui a esse silêncio
administrativo um valor positivo (forma de deferimento tácito)]
[ex.: pedidos de apoio jurídico ao abrigo da Lei de Acesso ao Direito – passado o prazo
previsto assume-se que o pedido foi deferido favoravelmente (forma de deferimento tácito)]
Veja-se, quanto ao último exemplo, o artigo 25.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei de Acesso ao Direito.
Remissão do artigo 130.º CPA para o artigo 25.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei de Acesso ao Direito

Artigo 25.º
Prazo
1 - O prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de proteção
jurídica é de 30 dias, é contínuo, não se suspende durante as férias judiciais e, se terminar em dia em
que os serviços da segurança social estejam encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil
seguinte.
2 - Decorrido o prazo referido no número anterior sem que tenha sido proferida uma decisão,
considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de proteção jurídica.

NOTA: se se tiver um prazo (não contínuo) de 30 dias só se contam os dias úteis para efeitos da
contabilização do prazo, ao passo que se a contabilização for contínua também se contam os fins de semana
e os feriados. Em qualquer um dos casos, se o prazo terminar num feriado ou num fim de semana, passa
para o dia útil imediatamente a seguir.

n.º 2 – o artigo 130.º CPA, quando se refere a normas especiais que associem ao silêncio
administrativo/ inatividade administrativa o efeito de deferimento tácito está-se a referir a normas
como o artigo 25.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei de Acesso ao Direito.

NOTA FINAL: há sempre um esforço de qualificação jurídica, porque em função disso define-se o
regime jurídico aplicável. E no que diz respeito ao regime jurídico aplicável a qualquer tipo de forma de
atividade administrativa, nós temos de fazer uma distinção entre o regime substantivo e o regime adjetivo
ou processual. Ou seja, através da qualificação da forma de atividade administrativa nós conseguimos
definir o regime que disciplina a formação desse tipo de forma de atividade, o regime que disciplina a
manifestação desse tipo de forma de atividade e a execução desse tipo de forma de atividade (REGIME
SUBSTANTIVO). Por outro lado, o REGIME PROCESSUAL/ ADJETIVO indica-nos as formas de
reação junto dos tribunais administrativos (!!as formas de reação junto da AP resultam do regime
substantivo).

Aula n.º 2 – 12-02-2021 – ‘Conclusão da aula anterior. 1. O ATO ADMINISTRATIVO 1.1. Conceptualização
do ato administrativo: debate doutrinal sobre a noção de ato administrativo. 1.2. A noção legal-procedimental de ato
administrativo prevista no artigo 148.º do CPA: análise e decomposição dos elementos expressos e implícitos na
definição legal - a sua caracterização como ato unilateral, que visa a produção de efeitos jurídicos próprios,
externos e inovadores, numa situação individual e concreta. A desnecessidade para a qualificação como ato
administrativo da sua prática por pessoas coletivas públicas (elemento orgânico/subjetivo).’

NOTA: Para terminar, refira-se uma categoria meramente residual, porque pode suceder que a
AP pratique um ato jurídico não reconduzível a nenhum dos atos supramencionados e que seja
regido por normas de DA, o que normalmente acontece com atos jurídicos instrumentais relativos
a outros atos.
 Em sétimo lugar temos os meros atos jurídicos
Esta é uma categoria residual, onde cabe tudo o que não coube nas categorias anteriores. O que
está em causa são atos meramente instrumentais, com eficácia interna, na medida em que não
produzem efeitos jurídicos para lá da pessoa coletiva em que se integra o órgão que os pratica –
são atos instrumentais/ preparatórios.
Além do mais, estes são, regra geral, praticados no decurso do procedimento administrativo, pese
embora o possam ser feitos fora dele, e dirigem-se à preparação de um outro ato, sendo que
este último já terá eficácia externa – FUNÇÃO MERAMENTE INSTRUMENTAL E, POR
ISSO, DE EFICÁCIA MERAMENTE INTERNA.
[ex.: pareceres – artigos 91.º e 92.º CPA – os pareceres são simples atos jurídicos meramente
opinativos, que são praticados por órgãos com competência consultiva a pedido do responsável
pelo procedimento administrativo ou a pedido do órgão com competência decisória]

Noções:
O órgão com competência decisória é o órgão com competência para tomar uma decisão
relativamente à prática de um ato administrativo, à celebração de um contrato administrativo, à
aprovação de normas regulamentares.
O responsável pelo procedimento administrativo é o órgão a quem cabe dirigir o
procedimento administrativo, prepará-lo, garantindo que ele corre de forma eficiente, eficaz e
conforme à lei, concluindo a sua participação com um relatório em que propõe um determinado
sentido de tomada de decisão ao órgão com competência decisória.

Como o responsável pelo procedimento administrativo tem esta função de condução do


procedimento todo (com exceção da parte final da tomada de decisão, que cabe, depois, ao órgão
com competência decisória) é a ele que pode caber solicitar um parecer, ou então pode acontecer
que tenha sido o órgão com competência decisória que tenha ficado com dúvidas e o tenha
solicitado (se bem que a lei pode definir que o órgão com competência decisória tem o dever de
o fazer).
Estes atos opinativos têm eficácia interna (são instrumentais), porque este se solicita para
esclarecer os aspetos relativos aos pressupostos de facto [ex.: se a fachada de um edifício está em
risco de ruína ou não], ou para perceber como se deve interpretar tecnicamente um certo conceito
indeterminado (esclarecendo os pressupostos de direito).

Estes têm, portanto, uma função importante, mas não produzem efeitos jurídicos externos
(na esfera jurídica do interessado)
Assim, têm eficácia interna, uma função preparatória e instrumental
Nós temos dois tipos de pareceres relativos aos seus efeitos:

 Vinculativos ou não vinculativos (quanto aos efeitos)


Ou se está sujeito a seguir o sentido do parecer (vinculativo) ou então o parecer é não vinculativo.
A atribuição de efeitos vinculativos ou não vinculativos aos pareceres não é algo que dependa da
vontade dos órgãos, depende da própria lei – um parecer não tem efeitos vinculativos a menos
que haja uma norma especial que atribua essa natureza vinculativa ao parecer – artigo 91.º e
92.º CPA

 Os pareceres podem ser obrigatórios ou facultativos, consoante tenham de ser


necessariamente solicitados ou não – e isto não é definido pela AP, é sim estabelecido na
lei.
[ex.: se pedir uma licença de construção numa área abrangida pelo Programa de Proteção da
Orla Costeira à Câmara Municipal, esta última não pode deferir o pedido sem solicitar um
parecer prévio à Agência Portuguesa do Ambiente – parecer obrigatório]

NOTA:
Se o parecer for vinculativo este não tem eficácia externa, o que sucede é:
[ex.: imagine-se um procedimento administrativo – regra geral os pareceres são solicitados
na fase de instrução, sendo que depois dela vem a fase da audiência prévia, onde se ouvem os
interessados no procedimento administrativo – artigo 267.º, n.º 5 CRP]

O parecer é qualificado pelo legislador como tendo efeitos vinculativos, o que quer dizer que o
órgão com competência decisória (mais tarde) terá necessariamente de o seguir, a menos que este
seja ilegal, sob pena de, não o seguindo, praticar um ato administrativo anulável por vício de
forma.
Então, o parecer vinculativo foi solicitado na fase de instrução à qual se segue a fase de audiência
prévia dos interessados. A fase da audiência prévia dos interessados passa pela notificação dos
interessados, indicando-lhes quais os elementos apurados em sede de instrução, dizendo já aos
interessados nessa mesma notificação qual o sentido provável da decisão e fazendo referência
aos pareceres que eventualmente existam (esclarecendo o interessado se os pareceres que
existam são ou não de caráter vinculativo).
Ao se dizer que o parecer é vinculativo, no momento da audiência prévia dos interessados, estes
já sabem qual vai ser a decisão a ser tomada lá à frente, independentemente do que estes venham
a dizer em sede de audiência dos interessados.
O que o legislador permite que os interessados façam, no sentido de salvaguardar preventivamente
a sua posição jurídica, é que, em sede de audiência prévia em que tomam conhecimento de um
parecer vinculativo que os vai afetar negativamente, e sabendo que os pareceres não são atos
administrativos (porque são instrumentais, preparatórios, com eficácia interna), passou a tratá-
los (os vinculativos) como se fossem atos administrativos (para efeitos de acesso aos tribunais).
NOTA: Os pareceres vinculativos também podem ser impugnados contenciosamente pelo órgão com
competência decisória – isto porque o órgão com competência decisória pode olhar para um parecer e
chegar à conclusão de que esse parecer vinculativo é ilegal.

Esta possibilidade de se reagir contenciosamente junto dos Tribunais Administrativos de


pareceres vinculativos é uma possibilidade que só existe antes de se praticar o ato que segue
o parecer. A partir do momento da tomada de decisão do ato que segue o parecer vinculativo o
particular só pode impugnar o ato que segue o parecer vinculativo e não o parecer vinculativo.

Formas de atividade jurídico-privadas de atividade administrativa


Estas formas de atividade jurídico-privadas de atividade administrativa consubstanciam-se na
prática de atos jurídicos sujeitos a um regime substantivo de Direito Privado, sendo que este
recurso a formas jurídico-privadas de atuação por parte da AP depende sempre de uma norma de
habilitação prévia.
Agora, em função da atividade que a entidade desempenha, essa aplicação de um regime
substantivo de Direito Privado:

 1 - Ou se afigura como uma alternativa (quando em causa esteja o exercício de


atividade de natureza não empresarial)
 2 - Ou como uma imposição (quando em causa esteja o desempenho de atividade de
caráter empresarial para salvaguarda do princípio da concorrência)

1 - No primeiro caso há a possibilidade de a pessoa coletiva pública optar, num determinado


domínio, pela aplicação de normas substantivas de Direito Administrativo ou de normas
substantivas de Direito Privado.
Esta é sempre, por definição, para este tipo de atividade, uma possibilidade muito limitada;
portanto quando estamos a falar de atividade de caráter não empresarial desempenhada por
pessoas coletivas públicas, a possibilidade de atuarem ao abrigo de um regime substantivo de
Direito Privado é uma possibilidade delimitada e excecional relativamente aos demais aspetos da
sua atividade.
[ex.: Universidades fundação – domínio dos recursos humanos e da gestão financeira e
patrimonial – NOS DEMAIS DOMINIOS NÃO HÁ ESTA ALTERNATIVA]

Portanto, a norma de habilitação prévia, que vai permitir a aplicação do Direito Privado, vai ela
própria delimitar o âmbito desta mesma alternativa.

2 - Se se estiver a falar do desempenho de uma atividade de caráter empresarial, a aplicação do


Direito Privado não é uma possibilidade, mas uma imposição, sendo que a aplicação do Direito
Administrativo é limitada ao que dispõe o DL 133/2013 (ao relacionamento de tutela, ao
exercício de poderes públicas de autoridade pelas empresas públicas e pelas empresas locais, e
aos casos em que há lugar a responsabilidade civil extracontratual por gestão pública – só
acontece se o dano resultar, por exemplo, da prática de um ato administrativo).
A atividade jurídico-privada desenvolvida pela AP pode, em termos práticos, traduzir-se em:

 Atos disciplinados por normas de Direito Privado, pese embora o regime que as antecede
seja regido por normas de Direito Administrativo [ex.: contratos de compra e venda – à
AP é dada a possibilidade de celebração de contratos de compra e venda (normas do
CC), não obstante o procedimento que antecede a celebração deste mesmo contrato é um
procedimento regido por normas de Direito Administrativo]

 Atos jurídicos disciplinados por normas de Direito Privado e cujo procedimento também
é regido por normas de Direito Privado [ex.: contrato individual de trabalho]

Formas de atividade administrativa não jurídica


São formas de atividade que não se consubstanciam na produção de efeitos jurídicos DIRETOS.
As principais formas de atividade administrativa não jurídica são as operações materiais
administrativas, a atuação informal/ atividade administrativa informal e os acordos informais.

 Ora, as operações materiais administrativas traduzem-se em condutas voluntárias que


visam a materialização física ou fáctica de efeitos jurídicos de um ato anterior que lhes
sirvam de fundamento – quer dizer que estas têm sempre na sua base um ato jurídico e
que se dirigem precisamente a transpor esse ato jurídico para a prática, conformando a
realidade com esse mesmo ato

[ex.: A ordem de demolição de uma construção ilegal é um ato jurídico (administrativo), no


qual se vai fundamentar a demolição propriamente dita dessa mesma construção]
[ex.: O pagamento de uma pensão/subsídio tem na sua base um ato que defere um pedido de
pagamento dessa mesma pensão ou subsídio]
O pagamento propriamente dito é uma operação material, mas esta só foi realizada precisamente
porque foi praticado um ato administrativo cuja concretização física não se faz sem ele.

As operações materiais podem ser instantâneas, na medida em que se esgotam na prática de um


único momento (ex.: demolição de um muro); ou podem-se prolongar no tempo, caso em que são
operações continuadas (ex.: pagamento de uma pensão vitalícia, que é feita mensalmente – não
se esgota num único momento)
As operações materiais não produzem os efeitos jurídicos diretos, mas assentam sempre num ato
jurídico e, se forem praticadas a descoberto de um ato jurídico anterior, estão feridas de
NULIDADE.

O facto de serem praticadas a descoberto de qualquer ato jurídico faz com que as mesmas
estejam inquinadas de nulidade, uma vez que serem operações materiais não quer dizer que
sejam desvinculadas da juridicidade
Elas não produzem efeitos jurídicos, estão sujeitas aos princípios gerais da atividade
administrativa (não são zonas livres de juridicidade), devem assentar num ato jurídico anterior,
estão sujeitas a controlo jurisdicional e podem ser juridicamente relevantes (sobretudo em sede
de responsabilidade civil extracontratual).
Disse-se que nenhuma das formas de atividade não jurídica da AP produz efeitos jurídicos diretos,
mas pode produzir efeitos INDIRETOS, sobretudo por via da responsabilidade civil
extracontratual
[ex.: imagine-se que se está a demolir um muro e cai uma perda na cabeça de alguém que vai a
passar nesse momento]
Do facto da realização de uma operação material resultar um dano é o suficiente para que uma
operação material que não produz efeitos jurídicos diretos passe a ser juridicamente relevante para
efeitos de responsabilidade civil extracontratual.

 A segunda situação em que temos atividade administrativa não jurídica é a atuação


informal, que entendemos em sentido estrito, distinguindo dos atos meramente jurídicos.
Há entendimentos muito diferentes sobre isto – os alemães no tratamento da atividade
administrativa não jurídica são, de facto, pioneiros, mas a verdade é que entre nós tem havido
uma grande diversidade de configurações a dar a este tipo de atividade da administração pública
e nem sempre são claras as fronteiras traçadas pela doutrina entre a atividade não jurídica e a
atividade jurídica que não se conduz a atos, contratos, regulamentos, omissões e deferimento
tácito, etc.
A atuação informal/ atividade administrativa informal entende-se em sentido estrito,
distinguindo-a com clareza dos atos meramente jurídicos. Não produz efeitos jurídicos diretos e
imediatos e traduz-se essencialmente em recomendações (1), advertências (2) e acordos
informais/ gentleman agreements (3).

1. As recomendações são um convite para os respetivos destinatários adotarem um


comportamento que se sugere, sem que isto signifique que estes estejam obrigados a
adotar esse comportamento
[ex.: tenha-se em consideração os serviços de fiscalização de um determinado município das
zonas de utilização do domínio público que é feita por cafés e restaurantes no que diz respeito à
montagem de esplanadas.
Pense-se que houve uma circular de um determinado município a recomendar que, pese
embora na licença se permita que seja deixado apenas 1,5 m relativamente ao fim do passeio,
que sejam deixado 2m]

Não há aqui nenhuma obrigação dos cafés de efetivamente deixarem dois metros entre o fim da
esplanada e o fim do passeio (que coincide com o início da faixa de rodagem), mas tal é
recomendado, sendo que o não cumprimento da mesma não tem qualquer consequência jurídica
associada.
2. As advertências são declarações com o objetivo de alertar os administrados para os riscos
ou perigos da sua conduta, mas aqui a lógica é mais de proteção do próprio
administrado. Tem mais que ver com situações em que possa resultar um risco para o
próprio ou para terceiro.
[ex.: os fiscais de um município estão a passar por uma obra devidamente licenciada, em que
todos estão a trabalhar no cumprimento estrito da legalidade, mas em que os fiscais chamam a
atenção para a forma como o andaime está montado na via pública e para o risco que pode
implicar o transporte de materiais de construção naquela zona]

3. Depois temos os acordos informais em que há um entendimento informal entre duas


partes com interesses potencialmente conflituantes, mas que acabam por se harmonizar
na celebração de um acordo informal.
[ex.: Acordo entre a AP e uma empresa em que se atribui uma licença ambiental, mas que a
atribuição dessa licença fica condicionada à alteração dos métodos de fabrico ou laborais
utilizados pela empresa]
[ex.: Quando a AP faz uma doação de algo a um particular que depois adota comportamentos
que de certa forma satisfazem o interesse público – para cativar uma determinada empresa que
quer começar a laborar numa zona e que necessita da contratação de centenas de
trabalhadores, um município entra em contacto com a empresa e diz que se montarem a
empresa no município, dando emprego a centenas de pessoas do município, ele oferece um
terreno de 30 hectares]
Portanto, nenhuma destas situações produz efeitos jurídicos diretos e nenhuma está provida de
vinculatividade jurídica – não se impõe ao seu destinatário. Mas muito embora não se imponha
ao seu destinatário, produz efeitos auto vinculativos dos órgãos administrativos intervenientes, à
luz do princípio da boa-fé e da confiança legítima.
A jurisprudência e a doutrina têm entendido que há aqui uma necessidade de cumprimento dos
princípios gerais da atividade administrativa, sobretudo o da boa-fé e da proteção da confiança
legítima (que se tem entendido que existe nestes casos). De facto, a sua juridicidade é atenuada,
porque não é imperativa, mas não deixa de haver efeitos jurídicos indiretos associados à sua
prática (e pese embora não estejam expressamente regulados pelo Direito).
Assim, têm relevância jurídica, estão sujeitos aos princípios gerais da atividade administrativa,
são controladas pelos tribunais e podem, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual,
eventualmente gerar efeitos jurídicos indiretos

Formas particulares de atividade administrativa


 Atos administrativos (forma jurídico-pública de atividade administrativa)

É muito importante percebermos o que é um ato administrativo, um regulamento e um contrato


administrativo, sendo que o exercício que vamos fazer passa pela identificação do núcleo duro do
ato administrativo, ou seja, aquilo que é necessário que um ato jurídico da AP tenha para merecer
a qualificação formal como ato administrativo nos termos do artigo 148.º CPA, uma vez que a
esta qualificação jurídica formal como ato administrativo está associado um determinado regime
para efeitos procedimentais/ substantivos e para efeitos processuais/ adjetivos.
Não é indiferente o ato jurídico ser um contrato, um ato ou um contrato. Este exercício é
ESSENCIAL, uma vez que se nos enganarmos na qualificação necessariamente não
conseguiremos determinar o regime jurídico aplicável e necessariamente não se conseguirá
associar as consequências diretas.
Já temos consagrado entre nos um conceito de ato administrativo no artigo 148.º CPA, contudo
este é um conceito estrito de ato administrativo. O legislador já optou por um conceito específico
de ato administrativo e descreve-o na lei.
Temos consagrado entre nós, no artigo 148.º CPA, o conceito de ato administrativo –
CONCEITO ESTRITO DE ATO ADMINISTRATIVO. O legislador já optou por um conceito
específico de ato administrativo e descreve-o na lei.
Assim, para que uma decisão mereça a qualificação como ato administrativo é preciso que
produza efeitos jurídicos inovadores, externos e com referência a uma situação individual e
concreta. Portanto, os destinatários de um ato administrativo são conhecidos, estão
determinados ou são determináveis

Por sua vez, as normas, sejam regulamentares ou legais, são gerais e abstratas. Aquelas são as três
características relativas aos atos administrativos.
Não característica dos atos administrativos – o artigo 148.º CPA não exige para a qualificação
como ato administrativo que o ato administrativo seja praticado por pessoas coletivas públicas.
Tal acontecia no CPA de 1991, na medida em que da disposição do artigo 120.º constava uma
referência ao elemento orgânico. Contudo, em termos práticos isto deixou de fazer sentido, porque
a AP é integrada por pessoas coletivas públicas e privadas (sendo possível que pessoas coletivas
privadas pratiquem atos administrativos).

Assim, PODEM PRATICAR ATOS ADMINISTRATIVOS:

 Pessoas coletivas públicas (que, com exceção das EPE, têm por inerência a possibilidade
de praticar atos administrativos – o simples facto de serem pessoas coletivas públicas
atribui-lhes essa capacidade)
 Pessoas coletivas privadas (com ou sem influencia pública dominante, dependendo
SEMPRE estas de norma habilitante ou de um contrato de concessão – não são titulares
desta capacidade formal para a prática de atos administrativos).

O elemento orgânico na qualificação do ato administrativo é, assim, absolutamente indiferente

O artigo 148.º CPA configura uma opção do legislador entre duas tradições históricas diferentes:
a francesa, por um lado, e a alemã e austríaca, por outro.

 A francesa, encabeçada por Maurice Hauriou, defendia um conceito amplo de ato


administrativo e, por isso tinha necessariamente de defender um conceito mais estrito, a
par deste conceito amplo, para efeitos de acesso aos tribunais. Ou seja, de acordo com a
tradição francesa eram atos administrativos todos os atos jurídicos, independentemente
de produzirem efeitos jurídicos internos ou externos
Assim, todos os atos jurídicos voluntários da AP, e que produzissem efeitos jurídicos internos
ou externos numa situação individual e concreta eram atos administrativos.
Esta conceção inspirou o Professor Marcelo Caetano, Freitas do Amaral e Marcelo Rebelo de
Sousa nos conceitos de ato administrativo que defendiam inicialmente.

PROBLEMA: se se considera que tudo é ato administrativo, tenho um problema no que se refere
à definição de ato administrativo quanto ao acesso junto dos tribunais administrativos – não se
considera que todos os atos administrativos neste conceito amplíssimo possam ser sindicáveis
junto dos tribunais, pelo que tem de se criar um conceito de ato administrativo mais restrito dentro
deste conceito amplo (é só com referencia a este conceito mais rigoroso que se vai permitir o
acesso aos tribunais).

Esta doutrina acabava por defender dois conceitos de ato administrativo.


O que quer dizer que nem todos os atos administrativos para efeitos procedimentais eram atos
administrativos quanto ao acesso aos tribunais

Para se poder aceder aos tribunais não bastava ter um ato que produzisse efeitos jurídicos internos
ou externos numa situação individual e concreta; precisava-se, sim de um ato com determinadas
caraterísticas. E de acordo com a doutrina francesa essas caraterísticas eram: definitividade
vertical, definitividade horizontal, definitividade material e executoriedade.

Aula n.º 3 – 15-02-2020 – ‘Continuação da aula anterior.’


Começamos a tratar o ato administrativo tendo visto que os seus elementos caraterizadores são os
do artigo 148.º CPA, sendo que daqui não consta o elemento orgânico, uma vez que é irrelevante
na qualificação jurídica de um ato como ato administrativo.
Vimos ainda o enquadramento histórico e o percurso que foi feito no enquadramento deste
conceito (legal de ato administrativo). Na verdade, este enquadramento só serve para se perceber
quais os critérios que o legislador optou para o consagrar.
No que se refere ao conceito de ato administrativo podemos identificar 2 orientações históricas
distintas: a orientação francesa e a orientação alemã e austríaca, sendo que cada uma destas
orientações influenciou diferentes Escolas portuguesas – a francesa influenciou a Escola de
Direito de Lisboa, ao passo que a alemã e austríaca influenciou as Escolas de Coimbra e do
Porto.
Qual é a diferença entre uma e outra essencialmente?

 Na orientação francesa temos, não um, mas dois conceitos de ato administrativo – um
conceito mais amplo para efeitos procedimentais (de determinação do regime jurídico
substantivo aplicável), e um mais restritivo para efeitos de acesso aos tribunais
administrativos. Desta feita, para esta orientação de inspiração francesa, nem todos os
atos administrativos para efeitos procedimentais são atos suscetíveis para serem
sindicados judicialmente (para tal é necessário o preenchimento de um conjunto de
requisitos adicionais).
 Para a orientação alemã e austríaca havia apenas um conceito de ato administrativo,
definido em sentido ilimitado, sendo que o conceito de ato administrativo relevante para
efeitos do regime jurídico substantivo aplicável é exatamente o mesmo que aquele
conceito que serve o acesso aos tribunais, o que quer dizer que todos os atos
administrativos para efeitos procedimentais são atos administrativos para efeitos
contenciosos.

ORIENTAÇÃO FRANCESA – quais os requisitos que a orientação francesa exige para que o
conceito de ato administrativo em termos substantivos possa ser sindicado judicialmente?

NOTA: as conceções em Direito têm associado um determinado regime jurídico. Assim, quando se fala
em ato administrativo para efeitos substantivos, referimos uma noção que depois será utilizada pelo
legislador para lhe associar um regime jurídico procedimental, que é o conjunto de regras e princípios que
disciplinam a formação de um ato administrativo, que disciplina os mecanismos administrativos de reação
contra esse ato administrativo

Qual o conceito de ato administrativo que devemos ter em conta para aplicar um determinado regime
jurídico, conjunto de regras e princípios que disciplinam a sua forma de manifestação, os seus requisitos
de validade e eficácia, as suas formas de execução e as suas formas de garantia administrativa.

Quando falamos de ato administrativo para efeitos contenciosos falamos da noção que o legislador
considerou relevante para efeitos de possibilitar o acesso dos tribunais à justiça administrativa através de
mecanismos de reação que ele pensou como sendo os adequados para serem apresentados contra os atos
administrativos.

Uma outra questão é se depois estes dois conceitos se sobrepõem ou não? – No caso francês não
coincidiam

De acordo com a doutrina francesa, as caraterísticas para que um ato pudesse ser impugnável
junto dos tribunais eram (REQUISITOS CUMULATIVOS): era necessário que fossem dotados
de definitividade horizontal, definitividade material, definitividade vertical e
executoriedade

 Definitividade horizontal: para que se pudesse reagir contenciosamente destes atos


administrativos era necessário que eles se configurassem como os atos que puseram termo
ao procedimento administrativo.
Procedimento administrativo: sequência de fases, diligências, trâmites pelos quais se vai formando a
vontade do órgão com competência decisória até à tomada de decisão (que se se revestir de determinadas
caraterísticas merece a qualificação como ato administrativo).

Assim, para esta orientação francesa apenas eram atos administrativos os atos praticados no
final deste procedimento administrativo, sendo totalmente irrelevante outros atos praticados
durante esse procedimento ainda que produzissem efeitos jurídicos externos.
[ex.: a celebração de um qualquer contrato administrativo é antecedida de um procedimento
pré-contratual que começa com a decisão de contratar (é em si mesmo um ato administrativo,
no qual a entidade adjudicante toma a decisão de celebrar um contrato para prosseguir um
determinado fim de interesse público em detrimento de optar por uma qualquer outra forma de
atuação) e termina com a prática de um ato de adjudicação, atribuindo-se a celebração do
contrato ao candidato que tiver ficado graduada em primeiro lugar naquele procedimento pré-
contratual.]

No decurso deste procedimento, pode suceder que os candidatos/ concorrentes sejam excluídos,
porque, por exemplo, não apresentam a documentação exigida pela decisão de contratar. Quando
se o faz está-se a afastá-lo daquele procedimento pré-contratual e a impossibilitar que este seja
considerado na tomada de decisão de adjudicar, que é aquela que poe termo ao procedimento pré-
contratual e que tem por referência apenas os candidatos que se mantiveram no procedimento pré-
contratual até aquele momento.
O que acontece é que ao se exigir, como a orientação francesa o fazia, a definitividade horizontal,
está-se a afastar a possibilidade de o candidato excluído no decurso de um procedimento
pré-contratual reagir contra o ato que o excluiu, apesar de, em relação a ele, esse ato ser, na
verdade, final.
Este foi um problema que a própria orientação francesa e as conceções amplas de ato
administrativo acabaram por detetar. Deixaríamos, portanto, todos os candidatos excluídos no
decorrer do procedimento desprovidos de qualquer tipo de tutela judicial.

A própria doutrina francesa e os defensores desta conceção amplíssima (conjugada com a


conceção mais restrita para efeitos contenciosos) pensaram num mecanismo para resolver este
problema que era a teoria dos atos destacáveis:
TEORIA DOS ATOS DESTACÁVEIS: Exigia-se, para que o ato administrativo fosse
impugnável judicialmente, que este tivesse a definitividade horizontal e criou-se uma válvula de
salvaguarda para atos administrativos que cumprissem os demais requisitos, mas que tivessem
sido praticados no decurso do procedimento administrativo (e não no final) – tal permitiu emendar
a mão e permitir que os concorrentes excluídos no decurso do procedimento pré-contratual
impugnassem o ato que os excluía, pese embora esse ato não fosse o ato que punha termo ao
procedimento administrativo.

NOTA DE ATUALIDADE: hoje em dia não precisamos de recorrer a esta teoria, porque não se
exige a definitividade horizontal para o acesso aos tribunais – artigo 51.º, n.º 2 e n.º 3 CPTA –
afasta-se hoje a definitividade horizontal, sendo que se pode impugnar qualquer ato
administrativo, independentemente de este ter sido praticado no início, no meio ou no final do
procedimento administrativo.
Assim, a teoria dos atos destacáveis perde o sentido, porque há uma opção clara do legislador
em permitir a impugnação de todos os atos administrativos
 A segunda característica é a definitividade material/produção de efeitos jurídicos
reguladores/produção de efeitos externos inovadores - traduz-se na produção de efeitos
externos inovadores numa situação individual e concreta.
Ou seja, exigia-se que esse ato administrativo produzisse efeitos jurídicos na sua esfera jurídica e
que esses efeitos jurídicos constituíssem, alterassem ou extinguissem uma relação jurídico-
administrativa entre o destinatário e a AP.
A definitividade material é exigida, hoje em dia, no artigo 148.º CPA – a qualificação de qualquer
ato administrativo depende da definitividade material, na medida em que um ato jurídico, para
ser um ato administrativo tem sempre de produzir estes efeitos externos inovadores com
referência a uma situação individual e concreta.

 Definitividade vertical – apenas poderiam ser objeto de recurso junto dos tribunais
administrativos os atos que tivessem sido praticados por superiores hierárquicos, ou
aqueles que, tendo sido praticados por inferiores hierárquicos, tivessem sido decididos
em sede de recurso hierárquico pelos superiores hierárquicos.
TEM DE HAVER SEMPRE A INTERVENÇÃO DO SUPERIOR HIERARQUICO
Esta orientação francesa entendia que apenas eram recorríveis juntos dos tribunais
administrativos os atos praticados pelos superiores hierárquicos e não os que eram praticados
pelo subalternos. Portanto, das duas uma:

 Ou o ato administrativo era logo, à partida, praticado pelo superior hierárquico


 Ou, caso tivesse sido praticado pelo subalterno, exigia-se que o destinatário do ato
administrativo fizesse uso do recurso hierárquico (neste contexto o recurso hierárquico
era sempre necessário)

Hoje em dia TAMBÉM NÃO É ASSIM, mas era esta a posição defendida por esta orientação.
Hoje, nos termos do artigo 185.º, n.º 2 CPA, só excecionalmente é que o recurso hierárquico é
necessário – a regra é que ele seja facultativo. Ou seja, não há diferença entre atos administrativos
praticados pelo superior hierárquico ou pelo subalterno no que concerne ao recurso para os
tribunais.
Só excecionalmente, quando exista uma norma especial que o exija, é que é necessário primeiro
fazer o recurso hierárquico e só depois fazer o recurso para os tribunais administrativos – MAS
ISTO É UMA EXCEÇÃO.

 Executoriedade – é o facto de se tratar de um ato administrativo eficaz e suscetível de


ser executado coercivamente pela AP (suscetível de, no caso de não ter sido cumprido
espontaneamente pelo seu destinatário, a AP o poder executar coercivamente).

NOTA: atualmente pode-se impugnar atos administrativos que AINDA NÃO COMEÇARAM
a produzir os seus efeitos. É necessário que sejam suscetíveis de produzir efeitos jurídicos
externos, mas não é necessário que o ato esteja a produzir esses efeitos naquele exato momento –
artigo 52.º CPTA.
[ex.: imagine-se um ato administrativo sujeito a termo inicial – o termo inicial é uma cláusula
em que se faz depender a produção dos seus efeitos jurídicos de um acontecimento certo futuro
– decide-se revogar a atribuição de um subsídio com efeitos a dia 1 de abril de 2021 – o ato foi
praticado hoje, mas só produz efeitos no dia 1 de abril. Ora, o destinatário não tem de esperar
até o dia 1 de abril para deixar de receber o subsídio e só depois recorrer aos tribunais; tal não
faz sentido]

Assim, previu-se a possibilidade de se recorrer de atos administrativos que ainda não produziram
efetivamente os efeitos jurídicos a que tendem, mas em que fosse previsível que viessem a fazê-
lo – artigo 52.º CPTA.

NOTA FINAL: Esta foi uma discussão que é relevante do ponto de vista histórico, mas
efetivamente a noção defendida por autores propulsores desta doutrina não é aquela que está
vigente no artigo 148.º CPA do nosso ordenamento jurídico

ORIENTAÇÃO ALEMÃ E AUSTRÍACA: é uma orientação de ato administrativo em sentido


estrito – inspirou as Escolas de Coimbra e do Porto.
Para esta orientação do ato administrativo em sentido estrito, não há diferenças de natureza entre
atos administrativos para efeitos procedimentais e atos administrativos para efeitos contenciosos,
pelo que não há a exigência de requisitos adicionais para efeitos contenciosos. Assim, todos os
atos administrativos para efeitos processuais são atos administrativos para efeitos contenciosos
(são irrelevantes todos os critérios vistos no âmbito da orientação francesa) – a partir do momento em que
um ato é definido como ato administrativo este é suscetível de ser impugnado junto dos tribunais
(importa apenas aqui a produção de efeitos jurídicos reguladores/ a produção de efeitos jurídicos
externos inovadores com referência a uma situação individual e concreta).

Em termos práticos apenas releva a DEFINITIVIDADE MATERIAL, mas não releva para o
efeito de se definir um conceito dentro de um outro conceito que é válido apenas para possibilitar
o recurso aos tribunais administrativos. Aqui a definitividade material serve para caraterizar o
núcleo duro dos atos administrativos, para efeitos procedimentais e contenciosos – PORTANTO,
HÁ UMA PLENA COINCIDÊNCIA ENTRE AMBOS OS CONCEITOS (e não uma
dissociação que implique, como visto na orientação francesa, que obrigue à verificação de
critérios adicionais cumulativos para que depois se possa recorrer aos tribunais.

Não é necessária a definitividade horizontal, nem vertical, nem executoriedade e, ao nível da


definitividade material, existe sempre pelo que não é necessário exigi-la para efeitos de acesso
aos tribunais administrativos (porque se é ato administrativo já é necessariamente
materialmente definitivo)
ATENÇÃO:
É esta a conceção que temos consagrada nos artigos 148.º CPA e 51.º CPTA – para que um ato
jurídico mereça a qualificação como ato administrativo é necessário apenas que ele produza
efeitos jurídicos externos inovadores numa situação individual e concreta (sendo que TODOS os
atos administrativos para efeitos procedimentais são atos administrativos para efeitos
contenciosos).
O que acontece é que o legislador identificou situações de atos no CPTA que, não
merecendo a qualificação como atos administrativos, mas por forma a garantiram a tutela
preventiva da posição jurídica dos interessados, devem ser tratados como se o fossem –
SITUAÇÃO CONTRÁRIA À ORIENTAÇÃO FRANCESA

Todos os atos administrativos para efeitos processuais são atos administrativos para efeitos
contenciosos, mas há atos administrativos para efeitos contenciosos, que não o são para efeitos
procedimentais [ex.: pareceres vinculativos – como definem perentoriamente o conteúdo e o
sentido do ato que venha a ser praticado, o legislador possibilita que eles sejam impugnados e
tratados como atos administrativos para efeitos contenciosos enquanto não é praticado o ato
administrativo a que se dirigem vincular – para efeitos de tutela preventiva] – artigo 51.º, n.º 2
e n.º 3 CPTA
Estes não são atos administrativos, mas são tratados como tal precisamente para garantir a tutela
preventiva dos interessados, mas a sua impugnação só é possível até ao momento em que é
praticado o ato administrativo que segue aquele parecer – daí para a frente deixa de haver a
necessidade de se criar uma exceção em nome da tutela preventiva, porque o que é preventivo
deixou de o ser.
Efetivamente o que sucede é que temos uma correspondência de conceitos de ato administrativo
para efeitos procedimentais e para efeitos contenciosos, mas depois possibilitou-se, em
determinadas situações pontuais, que atos instrumentais/ preparatórios fossem tratados, em nome
da tutela jurisdicional efetiva, como atos administrativos para efeitos de impugnação junto dos
tribunais administrativos enquanto o ato que se dirigem a vincular não é praticado.

Artigo a ser analisado na aula prática

NOTA: artigo 51.º, n.º 3 CPTA – DIVIDE-SE EM DUAS PARTES – uma parte que se refere aos
pareceres vinculativos e uma parte que se refere aos atos de exclusão de um candidato de um procedimentos
pré-contratuais – AMBOS SÃO PRATICADOS NO DECURSO DE UM PROCEDIMENTO
ADMINISTRATIVO – o ato que exclui um candidato de um procedimento pré-contratual é um ato
administrativo, ao passo que o primeiro não o é.

*o parecer vinculativo só pode ser impugnado até à prática do ato que põe termo ao procedimento em que
ele foi solicitado, ao passo que o ato de exclusão de um candidato de um procedimento pré-contratual tem
de ser necessariamente impugnado, sob pena de não poder depois impugnar o ato de adjudicação.
Aula n.º 4 – 19-02-2021 – ‘1. Ato administrativo para efeitos procedimentais e ato administrativo para efeitos
processuais: a possibilidade de reação contenciosa contra qualquer ato administrativo e a possibilidade de reação
contenciosa contra determinados atos jurídicos que o legislador equipara no CPTA a atos administrativos - os
pareceres vinculativos. 2. A interpretação do silêncio administrativo: a omissão ilegal de ato administrativo e o
deferimento tácito. 3. Tipologia dos atos administrativos. 3.1. Atos primários e atos secundários; 3.2. Atos que
conferem situações de desvantagem. 3.3. Atos que criam situações de vantagem ou reduzem encargos. 3.4. Atos
administrativos singulares, coletivos e gerais. 3.5. Atos administrativos de conteúdo positivo, de conteúdo negativo e
de conteúdo ambivalente’

Temos uma noção legal e uma clara opção por parte do legislador por uma noção restrita de ato
administrativo (artigo 148.º CPA).
Exige-se, para que um ato jurídico mereça a classificação como ato administrativo, que esse ato
jurídico produza efeitos jurídicos externos, inovadores (ou seja, reguladores), numa situação
individual e concreta (é necessário que os efeitos produzidos por esse ato jurídico se traduzam na
constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídico-administrativa).

 Quando falamos do conceito de ato administrativo para efeitos


substantivos/procedimentais, o que estamos a dizer é que é este o conceito de ato que
serve o efeito de determinar a aplicação de um regime substantivo ou procedimental. Ou
seja, à qualificação como ato administrativo está associada a consequência jurídica da
aplicação de um determinado regime substantivo e procedimental – conjunto de normas
que disciplinam a formação, manifestação e execução do ato administrativo, os seus
requisitos de validade e de eficácia e os mecanismos de impugnação administrativa de
que o ato administrativo poderá ser objeto.

 Por outro lado, temos um conceito de ato administrativo para efeitos contenciosos, o
que quer dizer que à qualificação de um ato jurídico como ato administrativo para efeitos
contenciosos está associada a aplicação de um determinado regime adjetivo ou
processual, ou seja, um conjunto de normas jurídicas que disciplinam os meios de acesso
aos tribunais administrativos para reação contra um ato administrativo praticado.

Na ORIENTAÇÃO FRANCESA havia uma distinção entre estes dois conceitos (o primeiro era
muito amplo, ao passo que o segundo era mais restrito, sendo definido com referência a um
conjunto de requisitos cumulativos).
Já para a ORIENTAÇÃO DO DIREITO ALEMÃO E DO DIREITO AUSTRÍACO não
tínhamos esta discrepância de conceitos, isto é, lugar à defesa de um conceito único de ato
administrativo em sentido estrito, válido para efeitos de determinação da aplicação do regime
substantivo e procedimental e para determinação da aplicação do regime adjetivo ou processual.
É exatamente esta solução que temos entre nós, ou seja, todos os atos administrativos para efeitos
procedimentais ou substantivos são sempre, necessariamente e sem exceção, suscetíveis de
reação contenciosa junto dos tribunais administrativos – a partir do momento em que um ato
jurídico merece a qualificação como ato administrativo, nos termos do artigo 148.º CPA, ele é
automaticamente e necessariamente ato administrativo para efeitos contenciosos, sem
necessidade recurso a critérios adicionais.
O que acontece, depois, é que o legislador no CPA permitiu identificar certos e determinados atos
jurídicos que não merecem a qualificação como atos administrativos nos termos do artigo 148.º
CPA, mas que devem ser tratados como se o fossem (pareceres vinculativos) – com base na tutela
da legalidade e da tutela preventiva dos destinatários.
Estas noções são, portanto, tendencialmente correspondentes na medida em que todos os atos
administrativos para efeitos procedimentais também o são para efeitos contenciosos, contudo
há uma tendência para que a noção para efeitos contenciosos seja ligeiramente mais ampla

SITUAÇÃO MUITO ESPECÍFICA E PARTICULAR


Esta é uma situação em que há lugar à prática de um ato jurídico que merece a qualificação como
ato administrativo nos termos do artigo 148.º CPA, mas que não é possível, logo de imediato, de
forma direta, recorrer desse ato administrativo para os tribunais administrativos – (o que não quer
dizer que não se possa nunca recorrer – NÃO É POSSIVEL RECORRER DIRETAMENTE,
porque o legislador impõe ao destinatário desse ato que ele faça uma coisa antes).

 São os casos excecionais em que o legislador exige ou faz depender, para acesso aos
tribunais administrativos, esse recurso da apresentação prévia de recurso necessário
(em regra, recurso hierárquico necessário, embora também possa haver recurso tutelar
necessário ou reclamação necessária).

Artigo 185.º, n.º 2 CPA – já falamos um pouco dos mecanismos de reação administrativa, ou seja,
os mecanismos de garantia que o destinatário de um ato administrativo tem ao seu dispor para,
junto da AP, reagir contra o mesmo.
NOTA: mecanismos de reação administrativa e não contenciosa, ou seja, mecanismos de reação
junto da AP, e não junto dos tribunais administrativos.

Estes mecanismos estão previstos nos artigos 184.º e seguintes CPA:

 Reclamação para o autor do ato


 Recursos para um órgão distinto daquele que praticou o ato administrativo (recurso
hierárquico, recurso tutelar e o recurso para o delegante).

Há aqui uma questão que se deve sempre colocar, que é um exercício prévio de verificação e
confirmação que se tem de fazer quanto estamos perante um ato administrativo, que é olhar para
o artigo 185.º, n.º 2 CPA – a utilização de qualquer um dos mecanismos de reação administrativa
é facultativa.

O que quer isto dizer?


Quer dizer que o destinatário de um ato administrativo não tem de utilizar primeiro nenhum destes
tipos de mecanismos de reação administrativa (reclamação ou qualquer tipo de recursos) para só
depois poder recorrer aos tribunais, ou seja, à partida, não é necessário para que se possa recorrer
diretamente aos tribunais administrativos que primeiro se faça uso da reclamação ou de qualquer
um dos recursos previstos.
Ou seja, quando se é notificado de um ato administrativo e se está descontente com o seu conteúdo
e sentido, pode-se, em regra:

 Fazer uso da reclamação ou de qualquer um dos tipos de recurso (hierárquico, tutelar ou


para o delegante).
Se não se estiver satisfeito depois da sua utilização, porque a reclamação ou qualquer um dos
recursos for improcedente posso recorrer para os tribunais

 Pode recorrer-se diretamente aos tribunais, sem necessidade de fazer uso, nem da
reclamação, nem de nenhum dos tipos de recurso previstos

 Posso fazer uso de ambos simultaneamente – ou seja, alguém é notificado num dia de um
ato administrativo que lhe é desfavorável; no dia seguinte apresenta uma reclamação ou
um recurso hierárquico e no dia seguinte avança com uma ação junto do tribunal
administrativo e fiscal competente

Ou seja, quando está verificada a regra, que é a de estes mecanismos serem facultativos, quando
se é notificado de um ato administrativo que é desfavorável, tem-se estas 3 alternativas de atuação.

Mas o artigo 185.º, n.º 2 CPA enuncia uma exceção «salvo quando norma especial os preveja
como necessários». – Remissão para o artigo 3.º DL 4/2015 que aprova o CPA

Tal quer dizer que, nestas situações, primeiro tem de se fazer uso do mecanismo de reação
administrativa que foi enunciado pelo legislador como sendo o necessário – tal transfere a situação
para a questão da interpretação das normas especiais.

E daqui a importância do artigo 3.º DL 4/2015 – norma que dá ao intérprete um parâmetro de


interpretação de normas especiais que potencialmente prevejam reclamações ou recursos
necessários (que atribuam um sentido de obrigatoriedade).

(ex.: eu apresento uma reclamação ou um recurso necessário, porque existe uma norma
especial que o impõe para depois recorrer aos tribunais; e há um prazo para decisão da
reclamação ou de qualquer um dos tipos de recursos quando sejam necessários.
Eu estou habilitada a recorrer aos tribunais a partir do momento em que tenho uma decisão
(1) ou que termina o prazo para que órgão competente tem para decidir da reclamação ou do
recurso (2) [É O QUE ACONTECER PRIMEIRO])
Consequências associadas, EM TERMOS PROCEDIMENTAIS/SUBSTANTIVOS, à
qualificação como ato administrativo

 Em primeiro, a qualificação como ato administrativo tem associado um procedimento


determinado que está previsto no CPA, sem prejuízo de normas especiais que prevejam
um procedimento administrativo distinto para aquele caso

(ex.: procedimentos disciplinares, procedimento de expropriação, procedimento de


licenciamento de construção – procedimentos administrativos especiais que são regidos, em
primeira, linha por normas especiais e pelo CPA em termos subsidiários nos termos do artigo
2.º, n.º 5 CPA)

NOTA: o procedimento administrativo traduz-se numa sucessão de etapas/ trâmites/


formalidades devidamente organizada e encadeada, conducente à prática de um ato administrativo
– artigo 1.º, n.º 1 CPA (noção)

 Os procedimentos administrativos tendentes à prática de um ato administrativo podem ser


iniciados pelos administrados (através da apresentação de requerimento) ou pela própria AP

Em termos de procedimento propriamente dito ele compreende:


 Uma fase de iniciativa (do administrado, que toma a forma de requerimento ou oficiosa do
órgão com competência decisória);
 Segue-se a fase instrutória (dirigida ao estabelecimento dos factos relevantes para a prática
de um ato administrativo – estabelece-se com exatidão pressupostos de facto do ato
administrativo a praticar
A finalidade desta fase é o apuramento da verdade material – coincidência total entre a
verdade posta no procedimento e a verdade real.
Daqui há lugar à produção de prova na fase de instrução que determina os pressupostos de
facto do ato a praticar- Na fase de instrução ainda temos a qualificação jurídica dos
pressupostos de facto determinados, sendo que é a partir daqui que se determinam os
pressupostos de Direito.
NOTA: é também nesta fase de instrução que, porque se julga necessário ou porque se é
obrigado a fazê-lo, são solicitados os pareceres.
 Segue-se a fase da audiência prévia dos interessados, em que os interessados no ato
administrativo a praticar são chamados a pronunciar-se quanto ao projeto de ato
administrativo que lhes é enviado.

Isto, porque quando são notificados para a audiência prévia nessa notificação já seguem as
linhas gerais do ato administrativo a praticar e dos atos instrutórios e diligências preparatórias
praticadas para que, em sede de audiência prévia, os interessados se possam pronunciar de
forma esclarecida e completa.
 Depois temos uma fase dedicada a diligencias instrutórias complementares – em sede de
audiência prévia, os interessados podem levar ao procedimento administrativo factos que a
própria AP não se tinha apercebido, pelo que dever-se-á verificar a sua veracidade.

Assim, verificada a sua verdade, dá-los por assentes ou não e, em função disso, alterar o
projeto de decisão ou não - se houver lugar a uma alteração do projeto de decisão há nova
audiência dos interessados.

 Depois temos a fase da prática do ato administrativo propriamente dito, que fica a cargo
do órgão com competência decisória (pode ser um órgão singular [pratica o ato administrativo
decidindo] ou colegial [que pratica o ato administrativo deliberando]).
É necessário entender se é colegial ou singular, porque se for colegial há um conjunto de regras a
observar em matéria de funcionamento dos órgãos colegiais que estão previstas na Parte II do
CPA, que são fundamentais para a validade do ato administrativo – ex.: é necessário o
preenchimento do quórum, a tomada da deliberação pela maioria prevista, a redução a ata como
requisito de eficácia da deliberação a tomar, etc.
Estas exigências de validade e eficácia não se colocam nestes termos quando o ato administrativo
é praticado por um órgão singular.

 A seguir à fase da tomada de decisão da prática do ato administrativo, há lugar à notificação


desse ato administrativo – a notificação é um ato de comunicação/ ato preparatório e
instrumental que se dirige a comunicar o ato administrativo ao seu destinatário.
Pode acontecer que não haja lugar à notificação, mas sim à publicação do ato em DR, mas tal só
acontece quando a lei exige a publicação em detrimento da notificação.

 A segunda característica do regime procedimental que está associada à qualificação como


ato administrativo está associada aos requisitos de validade e eficácia a que o ato está
sujeito

(ex.: requisito de validade de um ato administrativo: fundamentação deste ato quando exigida)
O dever de fundamentação de um ato administrativo só existe quando o legislador o preveja e só
nesses casos é que constitui um requisito de validade do ato administrativo.
O legislador prevê o dever de fundamentação no artigo 152.º CPA e a preterição do dever de
fundamentação pode fazer-se de 1 de duas formas:
1. Porque simplesmente não se fundamenta um ato administrativo que o legislador impõe
que seja fundamentado
2. Ou então fundamenta-se, mas esta é insuficiente ou obscura
EM AMBOS OS CASOS HÁ VIOLAÇÃO DO DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
NOTA: a fundamentação tem o importante papel da clarificação junto do destinatário do ato
administrativo da clarificação do sentido e conteúdo do ato administrativo praticado

Quando a fundamentação constitui um dever a sua violação acarreta um vicio invalidante, que
se designa de vício formal de preterição de formalidade essencial, cuja consequência jurídica
é a anulabilidade nos termos do artigo 163.º, n.º 1 CPA

 Configuração, em alguns casos, da notificação como requisito de eficácia:


Nos termos do artigo 155.º CPA, um ato administrativo produz os seus efeitos a partir do
momento em que é praticado, sem necessidade de ser comunicado ao seu destinatário.
Mas há uma exceção a esta regra que consta do artigo 160.º CPA – caso os efeitos do ato
administrativo sejam desfavoráveis ao destinatário, para que um ato administrativo produz os
efeitos jurídicos a que tende, tem de ser antes notificado ao seu destinatário.
Aqui não se aplica a regra do 155.º CPA, é necessário que seja comunicado ao seu destinatário e
só depois é que produz efeitos na esfera jurídica do seu destinatário.

 Possibilidade de anulação ou revogação administrativas – estão previstas no artigo


165.º CPA que as distingue
A anulação funda-se na ilegalidade do ato administrativo praticado, ao passo que a revogação se
funda na inconveniência e inoportunidade da mesma.
Quer a anulação, quer a revogação administrativas têm um efeito extintivo, ou seja, dirigem-se a
cessar os efeitos jurídicos do ato administrativo ao qual se referem.
Um dos tipos de atos administrativos e uma das distinções importantes para percebermos a sua
tipologia é a distinção entre atos administrativos primários (incidem direta e imediatamente
sobre uma situação individual e concreta) e atos administrativos secundários (atos
administrativos cujos efeitos diretos se reportam a outros atos administrativos cujos se reportam
a uma situação individual e concreta)

A anulação e revogação administrativas são atos administrativos secundários

 Possibilidade de execução prévia


Já falamos disto a propósito dos sistemas de administração pública, sendo que o sistema da AP
de tipo executivo ou francês tem como características a dualidade de jurisdições e o privilégio da
execução prévia – artigo 176.º CPA.
Este artigo 176.º CPA sujeita a autorização judicial prévia a execução coerciva de atos
administrativos que não foram respeitados espontaneamente pelos seus destinatários. Quando
falamos da execução de atos administrativos, referimo-nos a atos administrativos impositivos que
dão um comando ou ordem ou estabelecem uma proibição ao destinatário que não o cumpre
espontaneamente, o que habilita a AP a executá-los coercivamente (contra vontade).
Para que a AP possa executar coercivamente um ato administrativo necessita ou não de se fazer
munir de uma autorização judicial prévia?
O que o artigo 176.º CPA nos diz é que, em princípio, é necessário este recurso prévio aos
tribunais e esta habilitação judicial para que depois a AP possa executar coercivamente o ato
administrativo que não foi cumprido espontaneamente pelo destinatário.
O artigo 176.º CPA e a sua entrada em vigor necessita da existência de uma lei que preveja tipos
especiais de atos administrativos enunciando quais deles são suscetíveis de execução prévia sem
necessidade de recurso aos tribunais.
 Como essa lei ainda não existe nem vai existir este artigo não está em vigor e, portanto, por
via dos artigos 6.º e 8.º do DL 4/2015, que aprova em anexo o CPA, é de se aplicar o artigo
149.º CPA de 1991 que estabelece uma regra diferente (que estabelece que, em princípio, não
é necessário recorrer primeiro aos tribunais para que a AP possa executar coercivamente
um ato administrativo).

 Um ato administrativo anulável (se for nulo ou inexistente juridicamente o que vai ser
dito não se aplica) deve ser impugnado judicialmente dentro de um determinado
prazo
Esse prazo, nos termos do artigo 58.º CPTA, é de 3 meses para os administrados e de 1 ano para
o MP. O que acontece é que, findo o prazo mais longo (1 ano para o MP), um ato administrativo
anulável deixa de poder ser impugnado contenciosamente.
Ele não se convalida – continua anulável – o que sucede é que não é possível atacá-lo
judicialmente com fundamento naquela anulabilidade (Freitas do Amaral fala em convalidação, mas o mais
correto é que se consolida).

Se for nulo ou inexistente juridicamente, como estas situações não estão sujeitas a prazo, tal não
se verifica; mas como a anulabilidade deve ser invocada nos prazos supramencionados, terminado
o prazo de 1 ano do MP, deixa de poder ser impugnado contenciosamente e consolida-se.

Mas será que pode ser impugnado administrativamente?


Será que é possível impugnar um ato administrativo a todo o tempo [fazendo uso dos mecanismos
de reação administrativa]? E como se processa a anulação?
Em termos de acesso para os tribunais administrativos, perante um ato administrativo anulável,
findo o prazo de 1 ano do MP, ele consolida-se e torna-se inimpugnável contenciosamente, mas
o artigo 168.º CPA prevê um conjunto de condicionalismos aplicáveis à anulação
administrativa.
 168.º, n.º 4 CPA – é possível uma coisa, que não é possível se estivermos a falar em recurso
aos tribunais, que é um ato administrativo se ter consolidado em termos de impugnação
contenciosa, mas ainda ser suscetível de anulação administrativa em sede de reclamação ou
recurso ou por iniciativa oficiosa da própria AP.
Portanto, perante um ato administrativo anulável, terminado o prazo de 1 ano para o MP, este ato
consolida-se no que respeita aos mecanismos de reação contenciosa, na medida em que se torna
contenciosamente inimpugnável por decurso do tempo; por outro lado, no que respeita aos
mecanismos de impugnação administrativa, o ato administrativo anulável pode, em certos casos,
apenas se consolidar passados 5 anos.
 Possibilidade de utilização de mecanismos de impugnação administrativa, nos
termos dos artigos 184.º e seguintes do CPA (reclamação e recursos administrativos)

Consequências associadas, EM TERMOS PROCESSUAIS/ADJETIVOS, à qualificação como


ato administrativo

Tem que ver com os pedidos que se podem apresentar contra atos administrativos; as formas de
ação que esses pedidos podem seguir e os trâmites processuais associados.
(ex.: Vamos imaginar que somos funcionários públicos, que é instaurado um procedimento
disciplinar e que nos é aplicada uma sanção de suspensão de funções durante 3 meses – este
ato administrativo produz efeitos desfavoráveis e lesivos, pelo que temos legitimidade de
recorrer desse ato administrativo junto dos tribunais administrativos)

Requisitos necessários para que se possa aceder aos tribunais/ pressupostos processuais:

 Legitimidade ativa
 Interesse processual/ interesse em agir

O pedido que faz com que o ato desapareça é o pedido de impugnação, que tem como objetivo
apurar se aquele ato que aplica a sanção é ou não ilegal. Se for ilegal, vai apurar qual a ilegalidade
(e em função disso vai: anular, declarar a nulidade ou declarar a inexistência jurídica – e o ato vai
desaparecer porque foi anulado OU porque foi declarado nulo OU porque foi declarado
inexistente juridicamente).
Este pedido, que tecnicamente se chama de pedido de impugnação, vai seguir um conjunto de
trâmites. As formalidades e os trâmites que se seguem à apresentação da petição inicial designam-
se de forma de ação. Esses trâmites podem, depois, ir variando em função do pedido e em função
do ato que se pretende atacar.
Mas, regra geral, o que acontece é que a seguir à apresentação da petição inicial é que a mesma é
distribuída pelos juízes, que irão verificar se existem ou não vícios. Se tiver vícios, retorna a
petição ao interessado para modificar, ao passo que se não os tiver, irá para contestação da
entidade que praticou o ato. Daqui a entidade envia, então, o procedimento disciplinar aos juízes
e dá-se a remessa para processo administrativo e, por fim, temos a decisão.

NOTA: todas as formalidades do processo estão previstas no CPTA.

Quando qualificamos um ato jurídico como ato administrativo, temos associado um regime
processual previsto no CPTA, que vai definir o pedido adequado para aquele ato e a forma de
ação que esse pedido irá seguir – se em vez de ser um ato administrativo, for uma norma, um
contrato, uma omissão ilegal, uma situação de responsabilidade civil, etc. será sempre diferente.
(ex.: artigo 37.º CPTA – temos um conjunto de pedidos em função daquilo de que se pretende
reagir)

Em termos de pedidos a apresentar junto dos tribunais administrativo contra atos administrativos
nos termos dois:

 Pedido de impugnação – que tem em vista a anulação, a declaração de nulidade ou a


declaração de inexistência jurídica do ato administrativo – artigo 37.º, n.º 1, a) CPTA e
51.º e ss. CPTA
 Pedido de condenação à prática de ato devido – artigo 37.º, n.º 1, b) CPTA e 66.º e ss.
CPTA

E associado a estes pedidos, está um determinado regime. Se for um pedido de impugnação há


um conjunto de normas que se tem de observar que são as previstas no artigo 51.º a 65.º CPTA,
ao passo que se for o pedido de condenação à prática de ato devido são as do artigo 66.º ao 71.º
CPTA.
Porque a forma de ação é a ação administrativa a tramitação que vou seguir é a dos artigos 78.º e
seguintes. [Mas se em vez da ação administrativa for o contencioso pré-contratual vamos seguir a
tramitação dos artigos 100.º e seguintes CPTA].

Tipologia de atos administrativos


Como é que se sabe que o pedido a apresentar contra um ato administrativo junto dos tribunais
administrativos é um pedido de impugnação ou de condenação à prática de ato legalmente
devido?
Depende do conteúdo, sendo que em relação ao conteúdo dos atos administrativos temos de
distinguir entre:

 Atos de conteúdo positivo


 Atos de conteúdo negativo
 Atos de conteúdo ambivalente
Esta classificação nada tem que ver com o facto desses atos produzirem efeitos favoráveis ou
desfavoráveis. Para se apurar do pedido adequado de reação junto dos tribunais (se é de
impugnação ou de condenação), temos de perceber qual o conteúdo do ato administrativo.

 Atos administrativos primários e atos administrativos secundários


Os primários são os que incidem diretamente sobre uma situação individual e concreta e os
secundários incidem sobre outros atos administrativos – têm por referência o objeto do ato
administrativo.
(ex.: revogação e anulação administrativas – artigo 165.º CPA)
 Atos administrativos praticados por órgãos colegiais e atos administrativos
praticados por órgãos singulares
Esta distinção tem em consideração o tipo de órgão com competência decisória sobre a matéria.
Se se tratar de um órgão singular, este toma a DECISÃO de praticar aquele ato administrativo;
se o órgão com competência decisória for um órgão colegial, este DELIBERA praticar aquele
ato administrativo.
NOTA: isto é importante, porque a deliberação está sujeita a requisitos acrescidos que se referem
ao funcionamento de órgãos colegiais, que estão previstos na Parte II do CPA – em especial o
quórum de deliberação, a maioria de aprovação e a redução a ata como requisito de eficácia.

Aula n.º 5 – 22-02-2021 – ‘1. Continuação da aula anterior.’


Tipologia dos atos administrativos
(continuação)
Na aula passada falamos na necessidade de distinção entre atos de conteúdo positivo, negativo e
ambivalente, sendo que falamos disso a propósito dos efeitos da qualificação de um ato jurídico
como ato administrativo.
A propósito da definição do pedido adequado a apresentar junto do tribunal administrativo
territorialmente competente, falamos da necessidade de distinguir estes atos. E dissemos ainda
que esta distinção nada tem que ver com o caráter favorável ou desfavorável dos efeitos
produzidos por estes atos.

 Atos de conteúdo positivo – são atos que introduzem na esfera jurídica do destinatário
os efeitos jurídicos pretendidos, casos em que os efeitos jurídicos são favoráveis OU
efeitos jurídicos que provocam situações de desvantagem.
Ou seja, os atos de conteúdo positivo tanto podem ser atos com efeitos jurídicos favoráveis, como
podem ser atos com efeitos jurídicos desfavoráveis. A característica de que ambos comungam
para merecer a sua integração neste tipo de atos traduz-se na introdução de uma alteração na esfera
jurídica do destinatário desse ato administrativo, independentemente dessa alteração lhe ser
favorável ou desfavorável.
(ex.: ato administrativo que concede o subsídio requerido pelo interessado, licença de
construção, declaração de utilidade pública, ordem de demolição de um prédio ou de remoção
de um veículo, ato contraordenacional, ato que aplica uma sanção disciplinar)
Como vemos encontramos aqui atos que provocam situações de vantagem, como atos que
provocam situações de desvantagem.

 Atos de conteúdo negativo – atos administrativos que recusam a introdução na esfera


jurídica do seu destinatário dos efeitos jurídicos pretendidos pelo mesmo. Ou seja, são
atos administrativos que recusam a introdução de uma alteração do status quo.
TIPO ÚNICO DE ATO DE CONTEUDO NEGATIVO: atos administrativos de
indeferimento, que se traduzem na recusa da introdução na esfera jurídica do seu destinatário do
efeito jurídico pretendido pelo mesmo.
 Atos de conteúdo ambivalente – são atos poligonais/multipolares, que produzem efeitos
jurídicos não só na esfera jurídica dos seus destinatários, como na esfera jurídica de
terceiros.
Estes atos administrativos introduzem efeitos jurídicos favoráveis na esfera jurídica do seu direto
destinatário, mas, por outro lado, recusam a introdução desse mesmo efeito jurídico na esfera
jurídica de terceiros, que têm como principal destinatário do ato um interesse concorrente.
TIPO ÚNICO DE ATO ADMINISTRATIVO DE CONTEÚDO AMBIVALENTE – ato de
adjudicação – ato administrativo por via do qual é atribuída a celebração do contrato ao
concorrente graduado em primeiro lugar e é negada a celebração do contrato a todos os outros
concorrentes graduados em 2.º, 3.º, 4.º lugar, sendo que estes têm com aquele ao qual foi atribuída
a celebração do contrato um interesse concorrente.

Porque é que esta distinção é importante?


Esta distinção surgiu a propósito dos pedidos que podem ser apresentados junto do tribunal
para se reagir contra atos administrativos:

 Pedido de impugnação de ato administrativo (artigo 37.º, n.º 1, a) CPTA e artigos 50.º e
ss. CPTA)
 Pedido de condenação à prática de ato legalmente devido (artigo 37.º, n.º 1, b) CPTA e
artigos 60.º e ss. CPTA)
Esta classificação serve para nos ajudar a definir, em função do conteúdo do ato, o pedido
adequado para reagir desse mesmo ato administrativo junto dos tribunais.

 Pedido de impugnação de ato administrativo – ATOS DE CONTEÚDO POSITIVO


Quando temos de utilizar um pedido de impugnação, este serve para se anular, declarar nulo ou
declarar inexistente juridicamente um ato administrativo – quando eu impugno um ato
administrativo o que eu peço ao tribunal é que esse ato administrativo se extinga/desapareça por
via da anulação, da declaração de nulidade ou da inexistência jurídica.
Por isso, atendendo aos efeitos associados a um pedido de impugnação, este pedido é adequado
para se fazer face a atos de conteúdo positivo.

 Pedido de condenação à prática de ato legalmente devido – ATOS DE CONTEÚDO


NEGATIVO/ ATOS DE CONTEÚDO AMBIVALENTE/ OMISSÕES ILEGAIS
O que está em causa não é exclusivamente a extinção do ato administrativo praticado/ não se
pretende só que o ato jurídico cesse os seus efeitos e que os efeitos que ele havia produzido sejam
eliminados, mas, mais que isso, pretende-se que a AP seja condenada a praticar o ato
administrativo que o autor considera devido.
Tal só faz sentido em duas situações:

 Quando tenhamos um ato de conteúdo negativo – porque neste caso o interessado


apresentou um requerimento à AP e a AP indeferiu esse requerimento, negando o efeito
pretendido pelo requerente.
Nesse caso, o pedido a apresentar junto do tribunal administrativo competente é o pedido de
condenação à prática de ato legalmente devido, porque o que o interessado vai procurar obter do
tribunal é uma sentença que condene a AP, que lhe negou o requerimento que ele apresentou, a
praticar o ato que ele considera devido.

Artigo 71.º CPTA – o tribunal, dependendo do facto do ato administrativo em causa ser mais ou
menos discricionário ou mais ou menos vinculativo, vai ter de, ao abrigo do princípio da separação
de poderes, ter isso em conta na sentença de condenação à prática de ato legalmente devido:
 Se o ato administrativo que o interessado pretende ver praticado (tendo o tribunal já
reconhecido que essa é a solução conforme à lei) tiver um conteúdo discricionário, condena
a AP à prática de um ato administrativo que respeite as regras e princípios aplicáveis, que não
reincida sobre as ilegalidades anteriormente cometidas, mas que terá o conteúdo e sentido que
a AP bem entender, porque resulta do exercício de poderes discricionários.

 Se o tribunal chegar à conclusão de que, pese embora envolva o exercício de poderes


discricionários, tal discricionariedade está reduzida a zero nas circunstâncias do caso
concreto, o tribunal condena o órgão com competência decisória para praticar o ato
administrativo à prática de um ato administrativo com determinado conteúdo e sentido.

 Por fim, o tribunal atende à competência a exercer pela AP mas chega à conclusão de que ela
é estritamente vinculada, portanto condena a AP à prática de um ato administrativo com
conteúdo e sentido previamente determinado na sentença de condenação

 Quanto tenhamos um ato de conteúdo ambivalente – quem ter interesse para reagir do
ato de conteúdo ambivalente são os terceiros que queriam estar no lugar daquele que ficou
graduado em primeiro lugar e que não estão.
O que o terceiro quer é que aquele ato de adjudicação seja praticado atribuindo-lhe a ele a
celebração daquele contrato. Ou seja, eles querem a substituição daquele ato de conteúdo positivo
para o seu concreto destinatário por um outro ato de conteúdo positivo em que são eles os seus
diretos destinatários.
Portanto, o pedido é o de condenação à prática de ato legalmente devido em que os concorrentes
que ficaram graduados em 2.º, 3.º e 4.º lugar têm a possibilidade de pedir ao tribunal
administrativo territorialmente competente que substitua o ato praticado por um outro em que o
conteúdo positivo do mesmo lhes é direcionado a si e em que o conteúdo negativo do mesmo é
direcionado aos demais.

O pedido de condenação à prática de ato legalmente devido é ainda aplicável a uma outra
situação:
 Omissão ilegal de ato administrativo – como se sabe, a situação de omissão ilegal de
ato administrativo diz respeito a um caso de inatividade administrativa, em que o
interessado apresenta um requerimento que constitui, nos termos do artigo 13.º CPA, a
AP no dever de decidir, e que, passando o prazo definido (90 dias uteis em regra), cria-
se uma situação de silêncio administrativo, que excecionalmente é tida como deferimento
tácito (artigo 130.º CPA) e, em regra, é interpretada como pura e simplesmente uma
omissão ilegal, nos termos do artigo 128.º CPA.
Acontecendo isso, o pedido adequado a apresentar junto dos tribunais administrativos é também
o pedido de condenação à prática de ato legalmente devido – o que se procura é precisamente
que a AP pratique um ato administrativo que resolva o silêncio da sua inatividade.

Aula n.º 6 – 26-02-2021 – ‘1. Tipologia dos atos administrativos: conclusão 2. Requisitos de validade do ato
administrativo. 2.1. Quanto à forma do ato e ao texto do ato. 2.2. Cláusulas acessórias.’

NOTA: (nota adicional quanto aos atos de conteúdo ambivalente) – também podemos ter atos
de conteúdo positivo e, hipoteticamente, atos de conteúdo negativo praticados no âmbito de
relações jurídicas multipolares/ poligonais, simplesmente a diferença relativamente aos atos de
conteúdo ambivalente traduz-se no facto de, nestes casos, não existe o tal interesse concorrente
entre o destinatário direto do ato administrativo e os terceiros que acabam por ser afetados por
esse ato administrativo.
(ex.: licença de construção conferida em termos que prejudica o vizinho, que não tem com o
destinatário dessa mesma licença qualquer interesse concorrente)

Uma outra distinção relevante ao nível da tipologia de atos administrativos é a distinção entre atos
bipolares e atos multipolares/poligonais.

 Atos administrativos bipolares - assentam numa relação jurídica administrativa


bilateral em que são partes o órgão administrativo e o destinatário do ato administrativo,
produzindo efeitos única e exclusivamente na esfera jurídica desse mesmo destinatário.

 Atos administrativos poligonais/ multipolares – projetam-se numa relação jurídica


administrativa poligonal/multipolar e afetam, não apenas os seus destinatários diretos,
como terceiros que podem ter ou não com os destinatários interesses concorrentes.
(ex.: autorização de laboração de um estabelecimento industrial que tem apenas como
destinatário a empresa que requereu a autorização, mas que vai produzir efeitos em relação a
todos os que habitam na área em que esse estabelecimento industrial labora, porque elas
podem ser potencialmente afetadas pela poluição gerada pela produção – essas pessoas não
têm qualquer interesse concorrente com o estabelecimento que labora)

(ex.: licença de construção produzida em termos que afetam o vizinho)

Também se fez uma distinção entre atos administrativos singulares, colegiais, plurais e gerais.
Este quadro enuncia uma tipologia de atos administrativos tendo em consideração o caráter
favorável/ vantajoso e o caráter desfavorável/ desvantajoso dos efeitos produzidos pelos atos
administrativos.
Assim temos atos administrativos que provocam situações de desvantagem, podendo estes ser
atos ablativos ou atos impositivos, e atos administrativos que provocam situações de
vantagem, seja porque reduzem ou eliminam encargos, seja porque conferem ou ampliam
direitos.
Os primeiros produzem efeitos jurídicos desfavoráveis/desvantajosos face aos seus destinatários,
ao passo que os segundos produzem efeitos jurídicos favoráveis/vantajosos face aos seus
destinatários.

A importância prática desta distinção tem relevância, desde logo, mas não exclusivamente, em
três situações:

 Para apurar, no que se refere à notificação dos atos administrativos, se a notificação do


ato administrativo é também um requisito de eficácia, uma vez que, nos termos do artigo
160.º CPA, os atos administrativos desvantajosos têm a produção dos seus efeitos
jurídicos na esfera jurídica dos destinatários dependente da notificação.
A notificação não é, regra geral, requisito de eficácia dos atos administrativos que produzem os
seus efeitos desde que praticados, mas isso só vale para os atos administrativos vantajosos. Isto,
porque no âmbito dos atos administrativos que produzem efeitos jurídicos desvantajosos a
notificação É REQUISITO DE EFICÁCIA, nos termos do artigo 160.º CPA.
 Tem relevância quanto ao dever de fundamentação – com a fundamentação dos atos
administrativos procura-se que o destinatário do ato administrativo conheça o percurso
cognoscitivo percorrido por todos os órgãos que participaram na formação desse ato
administrativo, compondo-se a fundamentação por duas dimensões essenciais:

 A dimensão de justificação da fundamentação, que tem em vista a


explicitação dos pressupostos de direito e de facto que conduziram à
prática daquele ato administrativo – traduz-se na enunciação dos factos
que tiveram na base da prática daquele ato administrativo e das normas
que foram aplicadas e que levaram à prática de um ato administrativo
naqueles termos, com determinado conteúdo e sentido.

 A dimensão de motivação da fundamentação prende-se já com os


aspetos discricionários, sendo que o que se impõe ao órgão com
competência decisória e a todos os demais órgãos que participaram do
procedimento de formação daquele ato administrativo é que expliquem
porque optaram por aquela alternativa de decisão em detrimento de
outras admissíveis à luz dos princípios gerais da atividade administrativa.

Sucede que o dever de fundamentação só existe nos casos previstos na lei – o CPA prevê um
regime geral e tem uma norma especificamente pensada para o dever de fundamentação (artigo
152.º CPA), que dando concretização a uma exigência constitucional (artigo 268.º, n.º 3 CRP)
enuncia os casos em que considera obrigatória a fundamentação – não quer dizer que a AP não
possa fundamentar todos os atos administrativos que pratique, independentemente de existir uma
norma que exija esse dever de fundamentação.
O que acontece é que, quando a fundamentação é facultativa, do facto de não o ter feito não
resulta qualquer vicio invalidante para o ato administrativo; só quando a fundamentação é
configurada pelo legislador como um dever é que a sua inobservância é relevante, no sentido
de determinar a invalidade do ato administrativo a que se refere.
Se olharmos para o artigo 152.º CPA vemos que o dever de fundamentação está pensado para os
casos em que o ato administrativo praticado produz efeitos jurídicos desvantajosos na esfera
jurídica do seu destinatário; ou então quando a AP recusa o efeito pretendido pelo requerente.
Portanto, é mais um aspeto que torna relevante apurar se os efeitos jurídicos produzidos pelo ato
administrativo são favoráveis/vantajosos ou desfavoráveis/desvantajosos.

 Um terceiro aspeto para o qual é particularmente relevante apurar se o ato administrativo


tem um efeito vantajoso ou desvantajoso tem que ver com a legitimidade ativa, que é a
legitimidade para agir utilizando os mecanismos de impugnação administrativa previstos
nos artigos 184.º e seguintes CPA e legitimidade ativa utilizando os mecanismos de
reação contenciosa, quanto a atos administrativos, nos termos dos artigos 37.º, 50.º e
seguintes e artigos 60.º e seguintes do CPTA.
Porquê?
Só tem interesse em agir quem seja lesado pela prática de um ato administrativo e dessa lesão
retira-se a legitimidade para fazer uso dos mecanismos de reação administrativa e contenciosa –
artigo 268.º, n.º 4 CRP
NOTA: pode suceder, relativamente a um ato administrativo que produza efeitos jurídicos
favoráveis na esfera jurídica do seu destinatário, que haja interesse em reagir desse mesmo ato
administrativo, pese embora os efeitos jurídicos favoráveis na esfera jurídica do seu destinatário.

Quem, pode reagir nestes caos?


O destinatário? – Não porque não tem interesse direto em agir

 Podem ter interesse em reagir terceiros prejudicados por um ato administrativo que,
sendo favorável ao seu destinatário, acaba por produzir efeitos jurídicos desvantajosos na
esfera jurídica desse mesmo terceiro.
Tal sucede, porque o ato administrativo deu origem a uma relação jurídica poligonal

 Depois tem o MP, que tem a titularidade da ação pública, competindo-lhe dirigir a
legalidade (e não defender a posição jurídica individual dos administrados), pelo que,
quando confrontado com um ato administrativo, ainda que só produza efeitos jurídicos
favoráveis, que seja ilegal, o MP deve atuar servindo-se dos mecanismos de reação
contenciosa previstos no CPTA.

 Em terceiro lugar, os presidentes dos órgãos colegiais têm o dever de garantir a


legalidade dos atos praticados pelos órgãos a que presidem. E, portanto, mesmo que o ato
praticado pelo órgão a que preside produza efeitos jurídicos favoráveis, se for ilegal, o
presidente do órgão colegial deverá fazer uso dos mecanismos de reação administrativa
ou dos mecanismos de reação contenciosa.

IMPORTANCIA DE SE DISTINGUIR OS EFEITOS PRODUZIDOS PELOS ATOS


ADMINISTRATIVOS CONSIDERANDO ESTES TRÊS ASPETOS

Atos que provocam situações de desvantagem:

 Atos ablativos: atos administrativos que determinam a extinção/supressão/ compressão


do conteúdo de um direito de que é titular o destinatário do ato.
Estes atos têm, regra geral, uma contrapartida associada que, regra geral, se traduz no
pagamento de uma indemnização pecuniária justa (determinada em função da avaliação que é
feita do direito sacrificado e que tem em vista a reposição do equilíbrio dos interesses em presença).

(ex.: declaração de utilidade pública; atos administrativos que determinam a transferência


temporária da posse de bem, os atos administrativos que determinam o abate de árvores ou de
animais, ao abrigo de políticas públicas de saúde e higiene [no que se refere aos animais])

Explicação (DUP):
No procedimento de expropriação por utilidade pública, o momento da transferência da
propriedade do bem não é o momento da prática da DUP (declaração de utilidade pública). A
transferência do bem num processo de expropriação pode ter lugar por três vias.
 Tentativa de aquisição por via do Direito Privado – contrato de compra e venda
Se esta tentativa não for bem-sucedida, designadamente porque o proprietário do bem não aceitou
o preço que lhe estava a ser proposto, então avança-se para o procedimento de expropriação.
 Começa-se por uma DUP
A DUP é um ato administrativo, porque explicita o fim de interesse público que procura satisfazer
com um bem da propriedade de um particular; dá conta do caráter absolutamente imprescindível
da expropriação desse mesmo bem e determina a expropriação desse bem. O que sucede é que,
quando é praticada uma declaração de utilidade pública, o proprietário do bem visado na DUP
tem a certeza de que o bem de que é titular naquele momento deixará de o ser num momento
posterior.
Tudo o que acontecer depois da prática da DUP será no sentido, não de tentar evitar a expropriação
do bem, mas no sentido de, dando por assente a expropriação do bem, definir o valor da
indemnização a pagar ao expropriado.
 A transferência efetiva do bem dá-se mais tarde por sentença do tribunal, que adjudica o
bem expropriado, nos termos do artigo 51.º do Código de Expropriações

Em suma, a DUP é um ato administrativo e pode ser qualificada como ato administrativo ablativo,
porque determina que um determinado bem será expropriado e, portanto, será transferido para a
esfera jurídica do beneficiário da expropriação, tendo em vista a satisfação de um bem de interesse
público – ATO DE CONTEUDO ABLATIVO

 Atos impositivos: o que temos são atos que impõem uma conduta positiva ou negativa
ao destinatário do ato administrativo, que se traduzem numa ordem ou numa proibição,
na medida em que se proíbe o destinatário daquele ato administrativo impositivo de fazer
algo. Também são atos impositivos os atos administrativos que impõem uma sanção
(sanções disciplinares e contraordenacionais).

Outra situação para além dos atos ablativos e impositivos:

 Atos administrativos que recusam os efeitos jurídicos pretendidos pelos seus


destinatários, que são os atos administrativos de indeferimento, porque aí o que há é
um ato administrativo que decide indeferir a pretensão dos administrados posta no
requerimento administrativo que eles apresentaram e que deu origem ao procedimento
que conclui com a prática de um ato administrativo de indeferimento.
Não deixam, naturalmente, de ser atos administrativos que provocam uma situação de
desvantagem, na medida em que o seu destinatário não fica satisfeito com a forma como o
seu pedido veio a ser decidido.
Atos que provocam situações de vantagem:
Organizam-se em atos que conferem ou ampliam direitos ou atos que reduzem ou eliminam
encargos.

Atos que conferem ou ampliam direitos

 Delegações
A delegação de competências só tem a configuração como ato administrativo no caso das
delegações de competências praticadas entre órgãos de pessoas coletivas diferentes, porque se
exige para a formação de um ato administrativo a produção de efeitos jurídicos externos. E para
haver efeitos jurídicos externos é necessário que o ato seja praticado no âmbito de uma relação
entre sujeitos de direito diferentes.
NOTA: se o ato de delegação for praticado entre órgãos da mesma pessoa coletiva, estamos a
falar, não de um ato administrativo, mas de um ato meramente jurídico no âmbito de uma relação
interorgânica, porque os seus efeitos são meramente internos.

As delegações de competências, nos termos do artigo 44.º e seguintes CPA, podem ser praticadas
entre órgãos de pessoas coletivas diferentes ou órgãos da mesma pessoa coletiva – no caso dos
atos que conferem ou ampliam direitos só relevam os atos de delegação entre órgãos de pessoas
coletivas diferentes

 Concessões
Nas concessões é transferida para a esfera jurídica de uma pessoa coletiva privada, ou de uma
pessoa singular, a responsabilidade de exercício de uma atividade pública.
 Concessões translativas – neste caso, a entidade pública transmite para o
concessionário poderes administrativos que já detém, passando esses poderes
administrativos a serem exercidos pelo concessionário.
NOTA: A entidade que concede/atribui é a entidade concedente e entidade privada que recebe a concessão
chama-se concessionário.

(ex.: concessão de serviços públicos e concessão de obras públicas – na medida em que em


ambos os casos os poderes já existiam na esfera jurídica da entidade pública concedente e
que foram transferidos para o concessionário, que os exerce sob a fiscalização da
primeira)

 Concessões constitutivas – neste caso, a entidade administrativa concedente não


detém na sua esfera jurídica os poderes que transfere – ela cria-os ex novo em
favor de terceiros que são privados.
Ou seja, a tarefa pública cuja responsabilidade de desempenho será transferida para uma entidade
privada (concessionária) não existem na esfera jurídica da entidade pública concedente, que os
cria em favor desses terceiros privados (que vão beneficiar dessa concessão sob o controlo dessa
entidade concedente, e que vão exercer esses poderes respeitando os princípios gerais da atividade
administrativa).
(ex.: é o que acontece nas concessões de uso privativo de bens do domínio público)
As pessoas coletivas públicas também são titulares de direitos de propriedade sobre bens, só que
sucede que essa propriedade de bens detida por pessoas coletivas públicas está sujeita a um regime
particular, na medida em que esses bens podem ser qualificados como sendo do domínio público
(sujeitas a um regime jurídico específico do domínio público) ou do domínio privado da pessoa
coletiva pública (sujeitos ao regime do CC, com algumas vinculações de Direito Público).
A ideia central é que, de facto, as pessoas coletivas públicas podem ser titulares de direitos de
propriedade sobre bens que estão sujeitos a um regime jurídico específico.
Nas concessões constitutivas esses bens mantêm-se no domínio público ou no domínio privado
(a origem do bem jurídico não se altera), simplesmente se constitui, a favor de terceiros, um direito
de uso privativo desses mesmos bens.
(ex.: concessão de um espaço numa praia para um bar – a praia é um bem de domínio
público e é concedido o uso privativo de um bem de domínio público)

 Autorizações
 Nas relações com os particulares
 Licenças/ Autorizações constitutivas
 Autorizações permissivas
O que está em causa é que nas autorizações constitutivas se atribui um direito que não era pré-
existente na esfera jurídica do destinatário do ato administrativo, ao passo que nas permissivas
se elimina um obstáculo que se colocava ao nível de um direito que já existia na esfera jurídica
do destinatário.

 Na relação coim as demais entidades publicas temos outro tipo de


autorizações:
 Autorizações para agir – atos administrativos por via dos quais um
órgão administrativo confere a outro órgão a possibilidade de praticar,
no caso concreto, um ato para o qual já é competente.
Essa autorização para agir/ legitimação para agir é uma condição de
validade do ato administrativo a praticar
(ex.: ato de um órgão da administração central que permite a uma Câmara Municipal o
licenciamento de uma determinada obra)

 Aprovações – as aprovações são requisitos de eficácia. Ao passo que as


autorizações para agir são condições de validade para o ato
administrativo a praticar, estas são requisitos de eficácia – através da
aprovação exprime-se uma concordância com o ato administrativo já
praticado, visando desencadear os efeitos a que esse ato administrativo
tende.
(ex.: determinados atos praticados por institutos públicos estão dependentes de aprovação
tutelar do Ministério responsável por exercer tutela sobre eles - acabamos por ter aqui dois
atos administrativos: o ato administrativo aprovado e o ato administrativo de aprovação)
Atos que reduzem ou eliminam encargos

 Dispensas – atos administrativos que permitem a alguém, nos termos da lei, não
cumprimento de uma obrigação legal e geral.

Dentro das dispensas podemos destacar duas modalidades:


 Isenção – concedida a particulares para a prossecução de um interesse público
relevante (ex.: isenções fiscais)
 Escusa – ato administrativo que elimina o encargo de exercício da competência
naquela situação.

Invalidade do ato administrativo (vícios)


(Documento SIGARRA)
O artigo 150.º CPA refere-se à forma como os atos administrativos são praticados – de facto, é
possível que um ato administrativo seja praticado verbalmente, mas a verdade é que o habitual é
que a sua prática se dê por forma escrita – a prática do ato por outra forma que não a escrita tem
que estar prevista na lei ou resultar de forma inultrapassável da natureza e das circunstâncias do
caso. Ou seja, o legislador não põe de parte a prática de um ato administrativo por via verbal,
simplesmente circunscreve a situações absolutamente excecionais.
Esta forma escrita de prática de atos administrativos impõe-se, independentemente de eles serem
praticados por órgãos singulares ou colegiais – sucede, no entanto, que quando são praticadas
por órgãos colegiais devem sempre constar de ata, sob pena de não produzirem os seus
efeitos (artigos 34.º, n.º 6 e 35.º CPA)

Porque o ato administrativo se traduz numa forma escrita, essa forma escrita deve conter um
conjunto de elementos que constam do ato administrativo – as menções obrigatórias de ato
administrativo estão previstas no artigo 151.º CPA e são as seguintes:

 Identificação da autoridade que pratica o ato e menção da delegação/subdelegação


quando exista
 Identificação adequada do destinatário(s)
 Enunciação dos factos ou atos que lhe deram origem, quando relevantes
 A fundamentação quando exigível
 O sentido e o conteúdo da decisão e respetivo objeto
 A data em que é praticado
 A assinatura do autor do ato ou do presidente do órgão colegial que o emana

Grande parte deles são requisitos de validade do ato administrativo a praticar e alguns deles, não
deixando de ser requisitos de validade, têm como consequência jurídica a inexistência do ato
administrativo como tal – quando se chega à conclusão de que o ato administrativo é inexistente
determina-se ele não existe juridicamente como tal – de todos os desvalores associados à
invalidade, a inexistência jurídica é a mais grave, se bem que em DA os efeitos que lhe estão
associados não são muito diferente dos da nulidade.
Deve ler-se o artigo 151.º CPA em articulação com o artigo 155.º, n.º 2 CPA.
Assim sendo:
Artigo 151.º CPA:
a) [parte final] - «menção da delegação ou subdelegação, quando exista» – articula-se
com o artigo 48.º CPA – a falta de menção não é um requisito de validade, nem sequer de eficácia,
mas sim uma exigência que resultava da lei, cujo incumprimento a lei fazia associar a MERA
IRREGULARIDADE.
a) [primeira parte] – «Indicação da autoridade que pratica o ato» - este é um elemento
essencial do ato administrativo e tanto o é que nos termos do n.º 2 do artigo 155.º CPA o ato só
se considera praticado quando haja lugar à identificação do autor.
A exigência de identificação da autoridade que o pratica é um requisito de validade, cuja
inobservância tem como consequência a INEXISTÊNCIA JURÍDICA do ato administrativo.
b) – «Identificação adequada do/dos destinatário/os» - lido em conjugação com o artigo
155.º, n.º 2, trata-se de um requisito de validade, cuja inobservância tem como consequência a
INEXISTÊNCIA JURÍDICA
c) – «Enunciação dos factos ou atos que lhe deram origem, quando relevantes» - este
é um requisito de validade do ato administrativo, sendo que a sua não enunciação conduz a uma
invalidade do ato, traduzindo-se esta invalidade do ato em mera ANULABILIDADE (artigo
163.º CPA)

NOTA: a nulidade tem de estar prevista na lei como consequência jurídica associada à invalidade de um
ato administrativo. Se não estiver prevista a nulidade, isso significa que a consequência jurídica associada
é a anulabilidade.

d) – «Fundamentação, quando exigível» - veja-se o artigo 152.º CPA em articulação


com esta alínea – quando exigível, a preterição de fundamentação constitui um vicio invalidante,
cuja consequência jurídica é a ANULABILIDADE, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 CPA
e) – «Conteúdo ou sentido da decisão e respetivo objeto» - se não contarem do texto do
ato, entende-se que, à luz do artigo 155.º, n.º 2 CPA, o ato administrativo é inválido, traduzindo-
se esta invalidade em INEXISTÊNCIA JURÍDICA.
Questão diferente é o conceito e o sentido da decisão estarem no texto do ato administrativo, mas
serem impossíveis, ininteligíveis ou constituírem ou serem determinados pela prática de um
crime.
f) - «Data em que é praticado» - a omissão da data constitui um vicio invalidante que
tem como consequência jurídica a ANULABILIDADE (artigo 163.º, n.º 1 CPA)
g) – «Assinatura do autor do ato ou do presidente do órgão colegial que o emana» - a
assinatura atesta que o ato foi efetivamente praticado pelo órgão que é identificado no próprio ato
como sendo o órgão que o praticou – considera-se que a falta dela equivale a uma não indicação
da autoridade que o pratica.
Nesse sentido, a alínea g) tem de ser lida em articulação com a primeira parte da alínea a) e com
o artigo 155.º, n.º 2 CPA, e a sua falta determina a INEXISTÊNCIA JURÍDICA do ato
administrativo.
NOTA: A prática de um ato administrativo por outra forma que não a forma escrita, fora dos
casos em que se concebe essa exceção, constitui um vício invalidante do ato administrativo que
tem como consequência a NULIDADE do ato administrativo – alínea g) do n.º 2 do 161.º CPA.

Artigo 149.º CPA: Outra questão a referir quanto ao texto do ato administrativo:
No texto do ato administrativo podem ser apostas cláusulas acessórias. As clausulas acessórias
que podem ser apostas num ato administrativo são a condição, o termo, o modo ou a reserva.

 A posição de qualquer uma destas cláusulas deve ser feita por escrito, naturalmente
 Não podendo ser contrárias à lei,
 Devendo estar de acordo com o fim a que o ato se destina,
 Devem ser justificadas e adequadas por terem sempre de ter uma relação direta com o
conteúdo do ato administrativo
 Devem respeitar os princípios gerais da atividade administrativa, nomeadamente o
princípio da proporcionalidade
O desrespeito de um destes requisitos/ imposições redunda na invalidade dessas mesmas cláusulas
que são tidas como não escritas, MAS TAL NÃO AFETA A VALIDADE DO ATO
ADMINISTRATIVO (assim, as cláusulas são tidas por não apostas – o ato administrativo deve
ser interpretado como se a cláusula não tivesse sido aposta).

Aula n.º 7 – 01-03-2021 – ‘1. Continuação da aula anterior - vícios de invalidade do ato administrativo: os
vícios do ato administrativo quanto ao autor, quanto ao procedimento que antecede a formação do ato, quanto ao
seu objeto, quanto ao conteúdo, quanto à vontade do órgão, quanto ao fim. 2. Consequências jurídicas dos vícios - a
invalidade do ato administrativo: anulabilidade, nulidade e inexistência jurídica. 3. Requisitos de eficácia do ato
administrativo.’

Clausulas acessórias – artigo 149.º CPA (continuação)


A aposição de cláusulas acessórias em atos administrativos corresponde ao exercício de uma
competência discricionária – palavra ‘podem’ no artigo 149.º CPA – corresponde a uma forma
de atribuição pelo legislador à AP de competências discricionárias. Caberá ao órgão
administrativo com competência decisória, no exercício da discricionariedade que lhe é conferida
por lei, nos termos do 149.º CPA, decidir da aposição ou não de cláusulas acessórias.

NOTA: discricionariedade não é arbitrariedade


Quando se fala em discricionariedade está-se a falar de um poder conferido pelo legislador e
sujeito a um conjunto de condicionantes e limitações que, aliás, resultam desta mesma disposição,
na medida em que constituem limites a observar quando o órgão com competência decisória
decide apor uma cláusula acessória.
Artigo 149.º - Cláusulas acessórias

1 - Os atos administrativos podem ser sujeitos, pelo seu autor, mediante decisão fundamentada, a
condição, termo, modo ou reserva, desde que estes não sejam contrários à lei ou ao fim a que o ato se
destina, tenham relação direta com o conteúdo principal do ato e respeitem os princípios jurídicos
aplicáveis, designadamente o princípio da proporcionalidade.
2 - A aposição de cláusulas acessórias a atos administrativos de conteúdo vinculado só é admissível
quando a lei o preveja ou quando vise assegurar a verificação futura de pressupostos legais ainda não
preenchidos no momento da prática do ato.
Ainda aqui se acrescenta, para além destes 3 elementos (não serem contrárias à lei ou ao fim a
que o ato se destina; terem relação direta com o conteúdo principal do ato; respeitarem os
princípios jurídicos aplicáveis, nomeadamente o princípio da proporcionalidade), um 4.º que se
prende com a necessidade de as cláusulas acessórias adotarem a mesma forma que o ato
administrativo.
Como se sabe, o ato administrativo tem, em princípio uma forma escrita, pelo que as cláusulas
acessórias devem ser apostas por escrito.

 Acresce ainda dois requisitos adicionais:


No que diz respeito à aposição de cláusulas acessórias a atos administrativos de conteúdo
VINCULADO (artigo 149.º, n.º 2 CPA), esta aposição tem ainda que:

1. Estar prevista especificamente naquele caso para aquele tipo de ato administrativo
OU visar assegurar a verificação futura de pressupostos legais ainda não
preenchidos no momento da prática do ato
Quando falamos de um ato administrativo de conteúdo estritamente vinculado, estamos a falar de
um ato administrativo cujo conteúdo e sentido resulta da mera aplicação da lei (foi previamente
determinado pelo legislador).
Chegando o órgão com competência decisória à conclusão de que é de aplicar aquela norma
àquela situação concreta, naturalmente o conteúdo e sentido do ato a praticar não poderá ser outro
sem ser aquele determinado.

Portanto, em todos os casos, a aposição de cláusulas acessórias corresponde a uma competência decisória nos
termos do n.º 1 do artigo 149.º CPA; está sujeita a um conjunto de requisitos que resultam desta mesma disposição,
sendo que, no caso dos atos administrativos VINCULADOS, devem ainda satisfazer um de dois requisitos adicionais
(ou estarem expressamente previstos na lei, que define o conteúdo e sentido do ato a praticar OU visarem assegurar
a verificação futura de pressupostos legais que a lei faz depender a prática daquele ato, mas que ainda não estão
assegurados no momento)

Deve-se ainda falar no segundo requisito adicional que se coloca apenas no caso em que a
cláusula acessória a apor é a RESERVA DE REVOGAÇÃO.
No artigo 149.º, n.º 1 faz-se referência a quatro tipo de clausulas acessórias: condição, o termo, o
modo e a reserva – quando se fala de reserva fala-se em reserva de revogação.
A reserva de revogação é uma cláusula, mediante a qual o órgão com competência decisória
salvaguarda a possibilidade de, no futuro, vir a revogar um ato administrativo válido, favorável,
que de outra forma não poderia revogar. A revogação traduz-se na prática de um ato
administrativo secundário que tem por objeto um outro ato administrativo. A revogação, ao
contrário da anulação, tem por fundamento questões de mérito, conveniência e oportunidade.
Os efeitos são os mesmos da anulação, que é a extinção do ato sobre qual incidem, mas os
fundamentos são diferentes (artigo 165.º CPA).
Ora, se olharmos para o artigo 167.º CPA, vemos que, de facto, os atos constitutivos de direitos,
ou seja, os atos que produzem efeitos jurídicos favoráveis na esfera jurídica dos seus destinatários,
constituindo em seu favor direitos que não existiam na sua esfera jurídica são passiveis de
revogação em termos muito limitados, precisamente pelas expectativas que criam no
destinatário, que se consideram que são expectativas legitimas, merecedoras de uma proteção
dessa mesma confiança.

 Na alínea a), b) e c) temos situações em que são passiveis revogações de atos constitutivos
de direitos
 Na alínea d) faz-se uma referência específica à reserva de revogação. Esta disposição, que
se refere à limitação de revogação, refere-se a atos que conferem direitos que não existiam
na esfera jurídica dos destinatários – isto por causa da tal necessidade de salvaguardar a
posição jurídica do destinatário desses mesmos atos.

Na alínea d) do n.º 2 do 167.º CPA uma das possibilidades de revogação deste tipo de atos
administrativos é precisamente eles terem sido sujeitos a reserva de revogação.
Mas se virmos a parte final desse mesmo artigo ‘… desde que se verifique o circunstancialismo
específico previsto na própria cláusula’ – isto leva-nos àquele outro requisito adicional.

2. No caso da cláusula acessória ‘RESERVA DE REVOGAÇÃO’ é necessário (para além


dos requisitos previstos no n.º 1 do artigo 149.º CPA) que haja uma especificação do
circunstancialismo dos pressupostos de facto em que pode haver lugar a uma
revogação futura.

Outras cláusulas que o legislador considerou admissíveis de apor (para além da reserva)

 Condição e termo – cláusulas relativas à eficácia do ato administrativo, deferindo-a para


um termo posterior (no caso da condição suspensiva e do termo inicial) OU fazendo
depender a cessação dessa mesma eficácia de que o ato tinha de um evento futuro (no
caso da condição resolutiva e do termo final)

A CONDIÇÃO refere-se a um evento futuro incerto e pode ser suspensiva ou resolutiva; o


TERMO refere-se a um evento futuro certo e pode ser inicial ou final.
No caso da condição suspensiva e do termo inicial faz-se depender a PRODUÇÃO de
efeitos de um ato administrativo, isto é, a eficácia de um ato administrativo de um evento
futuro, que será incerto no caso da condição suspensiva, ou futuro certo no caso do
termo inicial
(ex.: aposição de uma condição suspensiva: ordem de encerramento de umas instalações,
encerramento este que terá lugar quando for encontrada a solução para a reconversão de uma
determinada zona – o evento futuro é a solução para a reconversão da zona; é incerto, porque
não se sabe a data certa em que o mesmo terá lugar)
(ex.: aposição de um termo inicial: ordem de encerramento de instalações a ter lugar no dia 3
de abril de 2021 – evento futuro certo)
No caso da condição resolutiva e do termo final, faz-se depender a CESSAÇÃO dos
efeitos que o ato se encontrava a produzir de um evento futuro incerto no caso da
condição resolutiva, ou de um evento futuro certo no caso do termo final.

 Modo – ao contrário da condição e do termo não tem que ver com a eficácia do ato
administrativo, mas com os benefícios que o ato cria para os seus destinatários. É uma
cláusula que só é aposta em atos administrativos favoráveis, em que se impõe ao
destinatário a adoção de um comportamento de que depende o benefício que lhe é
conferido por aquele ato administrativo
(ex.: faz-se depender o benefício resultante de um ato administrativo do pagamento de uma
quantia certa a título de caução)

No caso de incumprimento de uma cláusula modal, AP pode tentar exigir em espécie o


cumprimento do modo que não se encontra preenchido; pode não fazer associar àquele ato
administrativo o efeito favorável que ele tendia produzir ou pode solicitar indemnização ao
administrado por eventuais prejuízos que tenham advindo do não cumprimento do modo –
DEPENDE DO TIPO DE ATO ADMINISTRATIVO E DO CONTEUDO DA CLÁUSULA
MODO APOSTA.

No entanto, estes NÃO SÃO OS ÚNICOS requisitos de legalidade a que os atos administrativos
estão sujeitos – o que se exige é uma relação de conformidade com esses mesmos requisitos e não
de mera compatibilidade, ou seja, não basta que o ato administrativo não os viole, é necessário
que este tenha por fundamento estes mesmos requisitos legais e deve respeitá-los e observá-los.
No caso de desconformidade, os atos administrativos são ilegais, cuja ilegalidade se manifesta
num vício (que se traduz num juízo desfavorável por parte da ordem jurídica que envolve a
aplicação de consequências desfavoráveis).
Esse vício, dependendo do requisito de validade que é violado pelo ato administrativo poderá
referir-se:

 Ao procedimento de formação de um ato administrativo – a prática de qualquer ato


jurídico por parte da AP é sempre antecedida de um procedimento administrativo – artigo
267.º, n.º 5 CRP (a procedimentalização da atividade administrativa é quase total)
 À forma do ato administrativo (artigo 150.º CPA)
 Ao autor do ato administrativo (órgão com competência decisória)
 À vontade do autor do ato administrativo
 Ao objeto do ato administrativo
 Ao conteúdo do ato administrativo
 Ao fim a que o ato administrativo se dirige

Os efeitos associados ao vício podem-se traduzir em invalidade ou irregularidade (excecional):


No caso de o efeito associado ao vício ser a INVALIDADE, esta poderá, por sua vez, assumir
várias formas, designando-se estas formas de desvalores OU sanções OU consequências jurídicas
do vício, a que correspondem regimes que também são diferentes entre si.
 Inexistência jurídica (mais grave)
Neste caso não existe, no Direito português, qualquer disposição normativa que consagre em
termos gerais o regime da inexistência jurídica.
Contudo, com referência aos atos administrativos, a inexistência jurídica há de se apurar tendo
por consideração a articulação de duas normas que nos dão o critério para apurar desta mesma
inexistência jurídica, que são os artigos 155.º, n.º 2 e 148.º CPA.
A questão da existência ou inexistência jurídica tem que ver com o facto de o ato jurídico
praticado ser subsumível no tipo de ato jurídico que se procurou praticar. Se se chega à conclusão
que se queria praticar um ato administrativo, mas aquilo que resulta do procedimento
administrativo não reúne as caraterísticas essenciais de que o legislador fez depender a
qualificação como ato administrativo, a consequência jurídica da falta dessas caraterísticas será a
inexistência jurídica.
Remissão para a aula anterior e para as consequências da não verificação das características do artigo 151.º
CPA

TRAÇOS GERAIS DO REGIME DA INEXISTENCIA JURÍDICA:

 Os atos jurídicos inexistentes não produzem efeitos jurídicos, independentemente de a


inexistência ser declarada pelos próprios tribunais ou pela AP.
Ou seja, para que não produzam efeitos jurídicos não é necessário que a inexistência jurídica seja
declarada por tribunais ou pela AP.

 Não vinculam os destinatários


 Não são suscetíveis de execução coerciva (o privilégio da execução prévia não lhes é
aplicável)
 A invocação da inexistência jurídica não está sujeita a prazo
Para utilizar os mecanismos de reação junto dos tribunais administrativos e junto da AP, no caso
de me ver confrontada com um ato administrativo inexistente juridicamente, não estou sujeita a
qualquer prazo, pelo que não há possibilidade de consolidação do ato administrativo na ordem
jurídica.

 Esses atos jurídicos inexistentes não são também suscetíveis de sanação de qualquer tipo
Portanto, o artigo 164.º CPA não é aplicável a atos inexistentes juridicamente.

 Não são suscetíveis de ser revogados, mas são suscetíveis de declaração de inexistência,
tendo competência para tal, quer a AP, quer os tribunais, sendo que, no caso da AP, têm
competência para essa declaração os mesmo órgãos que são competentes no regime da
anulação administrativa.

NOTA: Um ato administrativo inexistente juridicamente não produz efeitos jurídicos, mas pode
produzir efeitos de facto.
(ex.: declaração de utilidade pública com posse administrativa imediata)
A declaração de utilidade pública é um ato administrativo que identifica um bem a expropriar,
tendo em vista a prossecução do interesse público determinado.
Tendo uma posse administrativa imediata, a partir do momento em que é notificada ao
proprietário do bem, a entidade administrativa beneficiária da declaração pode ocupar
imediatamente esse mesmo bem e prosseguir com os trabalhos necessários para a satisfação do
interesse público.
Ora, se a DUP for inexistente juridicamente, não produz efeitos jurídicos, mas a verdade é que,
entre o início da sua vigência e a reação contra ela, os efeitos de facto acontecem. É a propósito
da necessidade de nos precavermos quanto a eventuais efeitos de facto que é importante reagirmos
contra atos administrativos inexistentes juridicamente.
O mesmo se aplica à nulidade – um ato nulo também não produz efeitos jurídicos, mas pode
produzir efeitos de facto.

No sistema de AP português, de tipo executivo de inspiração francesa, o regime regra no que diz
respeito à sanção jurídica é a anulabilidade e não a nulidade, o que é compreensível pelo facto de
a anulabilidade conseguir uma articulação equilibrada entre a tutela da legalidade e a ideia de
estabilidade nas relações jurídicas criadas pelos atos jurídicos praticados e de autoridade.
Nesse sentido, não há aqui dúvidas quanto à opção do legislador ser a mais correta, o que torna
decisivo determinar a exceção, ou seja, determinar as hipóteses de nulidade (porque a
anulabilidade será a consequência do vício nas hipóteses restantes).
Temos de perceber se o vício invalidante tem ou não como consequência jurídica a nulidade,
porque se não o tiver, a consequência jurídica será a anulabilidade

 Nulidade
O artigo 161.º CPA tem um elenco exemplificativo de situações de nulidade, fazendo depender
o desvalor jurídico de nulidade de previsão expressa. Assim, este artigo fez desaparecer a
categoria das nulidades por natureza, que existia no CPA de 1991.
No CPA de 1991, o legislador começava por enunciar uma cláusula geral (artigo 133.º),
identificando os critérios que permitiam apurar da sanção jurídica de nulidade, reservando-a para
situações graves e, depois, fazia acompanhar esta cláusula geral de um elenco exemplificativo.
Portanto, o aplicador tinha aqui dois tipos de nulidades possíveis: as nulidades por natureza
(situações em que o legislador não fez corresponder expressamente a consequência jurídica
nulidade, mas que por aplicação da cláusula geral se poderiam entender por nulas) e as nulidades
por determinação legal (aquelas que estavam especificamente determinadas como tal).
Esta cláusula do artigo 133.º CPA 1991 apelava para a essencialidade dos elementos em falta para
a natureza do tipo legal de ato administrativo, e a verdade é que oferecia algumas dúvidas de
delimitação, mas tinha a vantagem de flexibilizar os casos em que o desvalor jurídico associado
era a nulidade.
Ora, no artigo 161.º CPA o legislador eliminou a cláusula geral e, nesse sentido, eliminou as
nulidades por natureza e ficou-se apenas pelas nulidades expressamente previstas pelo legislador.
Assim, o desvalor jurídico associado a um vício invalidante só é nulidade quando exista
uma norma que expressamente o preveja
O elenco do artigo 161.º CPA é taxativo [na medida em que não prevê nenhuma cláusula aberta
que permita, para além dos casos que estão previstos neste artigo ou noutras normas do CPA ou
especiais, ao intérprete associar a consequência jurídica nulidade a vícios invalidantes], mas não
prejudica outros casos que estejam previstos como nulidades na lei – acrescem nulidades previstas
noutras normas do CPA (artigo 36.º, n.º 2) ou em leis especiais (artigo 68.º do Regime Jurídico
de Urbanização e Edificação e artigos 103.º e 115.º do Regime Jurídico dos Instrumentos de
Gestão Territorial).
Isto é algo que à doutrina e à jurisprudência coloca dificuldades significativas, uma vez que há
vícios a que a lei (CPA e normas especiais) não associa como consequência jurídica uma nulidade,
mas que não podem ser senão nulos.
Se nós atendermos exclusivamente ao que está previsto na lei concluímos: só são nulos os
atos administrativos inválidos aos quais norma legal ou regulamentar associe a nulidade como
consequência jurídica. Os outros, a que não se associe como consequência jurídica, nem a
nulidade, nem a inexistência jurídica, são anuláveis.
Mas nós conseguimos encontrar casos aos quais o legislador não associa a nulidade, mas que
não podem ser senão nulos.

Sabendo que, à partida, as nulidades são as estabelecidas no CPA e as estabelecidas em normas


especiais, sem prejuízo da doutrina e a jurisprudência preverem como possível (ao abrigo do
princípio da justiça e da razoabilidade – artigo 8.º CPA) encontrar nulidades por natureza, a
verdade é que quando nos é posto o exercício de definir a consequência jurídica associada a um
vício invalidante, o que temos de fazer é procurar normas do CPA ou normas especiais que
associem a nulidade àquele vício.

Se não encontrarmos, então a consequência jurídica será a anulabilidade.

TRAÇOS GERAIS DO REGIME JURIDICO DA NULIDADE:

 Os atos nulos não produzem efeitos jurídicos, muito embora possam produzir efeitos de
facto, independentemente de qualquer declaração administrativa ou jurisdicional de
nulidade
 Não têm carater vinculativo e, portanto, também não são suscetíveis de execução coerciva
 Em regra, a invocação da nulidade não está sujeita a qualquer prazo (embora existam
situações em que o legislador imponha um prazo)
 Pelo que, à partida, o decurso do tempo não tem o efeito de consolidação que se verifica
nos atos anuláveis
 Os atos nulos não são suscetíveis de sanação, mas são suscetíveis de reforma e conversão
– GRANDE DIFERENÇA FACE AOS ATOS INEXISTENTES
JURIDICAMENTE
Os atos nulos são, à partida, insanáveis, mas há casos contados em que é possível a sua sanação
– artigo 164.º CPA
Artigo 164.º CPA:
O artigo 164.º CPA refere-se a atos nulos e anuláveis:

 Refere que os atos anuláveis são suscetíveis de ratificação (ou ‘ratificação-sanação’); de


reforma e de conversão.
 Por sua vez, os atos nulos não são suscetíveis de ratificação-sanação, mas são suscetíveis
de reforma e reconversão.

1. RATIFICAÇÃO
A ratificação está circunscrita a situações feridas com anulabilidade e traduz-se na eliminação
do vicio.
Através da ratificação há uma manifestação de vontade por parte do órgão com competência no
sentido da eliminação do vício ao qual está associada a anulabilidade.
a. A ratificação-sanação tem, regra geral, lugar com referência ao vício da incompetência
relativa (vício orgânico em que um órgão exerce a competência exercida por outro órgão
da mesma pessoa coletiva).

Como é que opera nos casos de incompetência relativa a ratificação-sanação?


O órgão com competência (que não foi o que praticou o ato inválido) sobre a matéria em relação
ao qual incide o órgão inquinado pelo vício de incompetência relativa confirma o ato
anteriormente praticado pelo órgão desprovido de competência para o praticado, adotando o ato
como seu e, desta forma, sanando o vício. Assim, o ato deixa de ser inválido e passa a ser válido
(aqui, sim, há uma convalidação).

b. Para além de se poder utilizar a ratificação-sanação nas situações em que temos um vício
orgânico de incompetência relativa, também se pode usar para sanar vícios de forma que
tenham como consequência jurídica a anulabilidade.

Em que é que se traduz a ratificação-sanação neste caso?


No caso da ratificação-sanação de vícios formais que tenham como consequência jurídica a
anulabilidade, a mesma traduz-se na repetição respeitando nesta repetição a formalidade
anteriormente preterida (repetição do ato sem o vício).
(ex.: imagine-se um ato administrativo praticado com preterição do dever de fundamentação –
o ato deveria ter sido fundamentado e não o foi, ou foi fundamentado, mas de forma insuficiente
ou obscura [caso em que é equiparado à não fundamentação], pelo que este ato administrativo
está inquinado com um vício formal, de preterição de formalidade essencial, cuja consequência
jurídica é anulabilidade)

Ora, o vício pode ser sanado se o órgão com competência decisória fundamentar sucessivamente,
isto é, acrescentar a fundamentação ao ato administrativo. Tal é possível porque se trata de um
vício formal, que tem como consequência jurídica associada a anulabilidade.
(ex. 2: caso de preterição de audiência prévia numa situação em que não se trate de um
procedimento contraordenacional ou disciplinar [nesse caso a consequência associada ao vício
era a nulidade])

Aqui, via da ratificação-sanação, ‘volta-se atrás’ e realiza-se a audiência prévia e, assim, sana-se
o vício daquele ato administrativo.
Fora destas duas situações de vícios formais e de vícios orgânicos, a doutrina não entende que
possa haver lugar a ratificação-sanação, mesmo que a consequência jurídica do vício seja a
anulabilidade.
Ou seja, se estiverem em causa vícios orgânicos e formais que tenham como consequência jurídica
associada a anulabilidade, é possível a ratificação-sanação, mas se estiverem em causa vícios
materiais, ainda que a consequência jurídica associada seja a anulabilidade, entende-se que
não são passíveis de ratificação-sanação, uma vez que o que está em causa é a prática de um
novo ato administrativo e não o aproveitamento, por via da sanação, do ato administrativo já
existente.

 REFORMA E CONVERSÃO – podem ser utilizadas quer perante atos administrativos


nulos, como perante atos administrativos anuláveis.

2. REFORMA
Na reforma há uma redução do ato administrativo, ou seja, expurga-se do ato administrativo a
parte que lhe traz a nulidade, o que pressupõe que o ato administrativo seja divisível.
(ex.: suponha-se um ato administrativo em relação ao qual se apôs cláusulas acessórias,
cláusulas estas que são nulas e que, por sua vez, tornam o ato administrativo nulo)
Nós podemos operar aqui uma reforma do ato administrativo, eliminando as cláusulas acessórias.
Ou seja, mantemos o ato administrativo como está, mas expurgamos o elemento responsável pela
nulidade desse ato administrativo (o mesmo raciocínio vale se estivermos a falar de atos
anuláveis)

3. CONVERSAO
Neste caso, a conversão passa pelo aproveitamento de aspetos válidos do ato administrativo
praticado, que é nulo ou anulável, mas simplesmente se pega nesses elementos que não estão
afetados pelo vício de invalidade e se pratica um novo ato administrativo.
(ex.: transformar uma nomeação definitiva de um funcionário numa nomeação temporária, por
não ser possível naqueles casos uma nomeação definitiva)
(ex.: transformar uma concessão ilegal numa licença meramente precária)
(ex.: substituir uma licença de construção que autoriza a construção de 20 andares por uma
licença de construção que autoriza a construção de 2 andares)
Em suma, os atos nulos à partida são insanáveis, tirando os casos em que é possível a sua sanação,
que são os casos de reforma e conversão, nos termos do artigo 164.º CPA.

 Os atos nulos são irrevogáveis, mas são suscetíveis de declaração de nulidade


Esta declaração de nulidade pode ter lugar pela própria AP ou pelos tribunais. No caso de ter lugar
por parte dos órgãos administrativos, têm competência para declarar a nulidade os mesmos órgãos
que têm competência para a anulação administrativa.

Aula n.º 8 – 05-03-2021 – ‘1. Conclusão da aula teórica anterior. II - O REGULAMENTO ADMINISTRATIVO
1. Noção. 2. Classificação e critérios (âmbito da eficácia jurídica, tipo de relação jurídica regulada e ligação em
relação à lei)’

 Anulabilidade
As anulabilidades correspondem a situações em que há violações de normas que têm, no entanto,
uma consequência jurídica menos grave. Para as violações em que não deva estar associada a
inexistência jurídica, nem a nulidade, têm-se como consequência jurídica associada a
anulabilidade.
A anulabilidade (consequência jurídica regra) está prevista no artigo 163.º, n.º 1 CPA.

TRAÇOS GERAIS DO REGIME DA ANULABILIDADE

 Os atos anuláveis produzem efeitos jurídicos e de facto, enquanto não forem anulados
pela AP ou pelos tribunais
 A anulabilidade está sujeita a prazo, pelo que só pode ser invocada dentro de um
determinado prazo

Em regra, junto dos tribunais, a anulabilidade deve ser invocada num prazo de 3 meses para o
cidadão comum (particulares) e de 1 ano para o MP – artigo 58.º CPTA

No caso da anulação administrativa (não pelos tribunais, mas pela AP), esta também está
sujeita a prazo, sendo que os condicionalismos aplicáveis são os previstos no artigo 168.º CPA e
o prazo regra para se anular administrativamente um ato administrativo é de 6 meses (há casos
em que se admite a extensão deste prazo por 5 anos, quando em causa estejam determinados tipos
de vícios – artigo 168.º, n.º 1 CPA).
NOTA: O prazo máximo de 5 anos no caso de invalidade decorrente de erro está limitado a um
ano para os atos constitutivos de direito – artigo 168.º, n.º 2 CPA

Artigo 168.º, n.º 3 CPA – pode suceder que, perante um ato administrativo anulável, eu tenha
recorrido aos tribunais impugnando (solicitando a sua anulação) e, ao mesmo tempo, tenha
solicitado à AP a sua anulação administrativa e, portanto, este artigo pretende compatibilizar os
dois processos (o processo de anulação judicial e o processo de anulação administrativa).
Partindo do pressuposto de que o processo administrativo vai demorar menos tempo do que o
judicial, a anulação administrativa só pode ter lugar até ao encerramento da discussão em
julgamento.
Estando um processo a decorrer em tribunal e ao mesmo tempo junto da AP, a AP tem de se
inteirar do estado do processo que está a correr em tribunal e:

 Se chegar à conclusão de que o processo judicial já está em fase de julgamento, deve


abster-se de anular o ato
 Se chegar à conclusão que ainda não está na fase de julgamento, pode anulá-lo se assim
entender

Pelo facto de a anulabilidade ter de ser invocada durante um determinado prazo, ao fim desse
prazo, o ato não se convalida, mas CONSOLIDA-SE e, portanto, torna-se inimpugnável/
inatacável.

 Os atos anuláveis são suscetíveis de sanação (ratificação-sanação, reforma e conversão)

 As consequências associadas à anulabilidade só são efetivadas depois da sua anulação


administrativa ou jurisdicional
Isto é importante, porque um ato administrativo anulável produz efeitos jurídicos e efeitos de
facto e, portanto, a anulação administrativa ou a anulação jurisdicional têm a seu cargo (quando
se apercebe da anulabilidade de um ato administrativo), não só determinar a cessação desses
efeitos para o futuro (1), mas também repor a situação que existiria se o ato administrativo
anulável não tivesse sido praticado (2).
Esta segunda situação de reposição da situação que existiria reporta-se à produção de efeitos
retroativos, para o momento anterior à prática do ato administrativo.
É por isso que, ao contrário do que sucede com a nulidade e com a inexistência jurídica (em que
se declara a nulidade e a inexistência jurídica), a anulabilidade não se declara. Um ato anulável
anula-se e a sentença judicial ou o ato administrativo que anula o ato anulável têm efeitos que não
são só declarativos, mas também constitutivos, efeitos estes que se reportam à reposição da
situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado.
(ex.: DUP com posse administrativa imediata anulável que produz efeitos jurídicos e de facto –
é anulável, porque a DUP não estava devidamente fundamentada)

O proprietário do bem expropriado solicita a anulação da DUP à AP ou intenta uma ação junto
do tribunal administrativo territorialmente competente, em que a impugna com fundamento na
sua anulabilidade. Entretanto essa DUP com posse administrativa imediata começou a produzir
efeitos jurídicos e de facto – o proprietário teve de abandonar o imóvel, começaram a haver
obras nesse mesmo imóvel, havia um arrendatário que teve de sair tendo cessado o seu contrato
de arrendamento, etc. – houve um conjunto de efeitos jurídicos e de facto que se produziram por
esta DUP.
A partir do momento em que a DUP é anulada administrativamente ou anulada judicialmente, o
que se vai impor (à AP ou aos tribunais, respetivamente) é, não só a determinação da extinção desses
efeitos com fundamento na sua anulabilidade, mas também a reposição da situação que existia
antes do ato ter sido praticado.
O tribunal vai olhar para a situação e tentar perceber se factualmente dá para repor tudo aquilo e
condenar a AP à reposição da situação factual que existia. Ou então, chega-se à conclusão de que
essa reconstituição in natura não é possível e, por isso, fixa-se um montante indemnizatório.
É por isto mesmo que uma anulação administrativa ou judicial de um ato administrativo tem
efeitos que não são meramente declarativos, mas também constitutivos.

 Os atos anuláveis são suscetíveis de revogação – artigo 165.º e seguintes CPA


 Há a possibilidade de se aplicar a atos anuláveis o princípio do aproveitamento do ato
administrativo - artigo 163.º, n.º 5 CPA
Este princípio do aproveitamento do ato administrativo pode ser aplicado, tanto pela AP,
como pelos tribunais – o princípio do aproveitamento do ato administrativo é aplicável a todos
os atos anuláveis, independentemente de o vício causador da anulabilidade ser formal, material
ou orgânico.
Por via do princípio do aproveitamento do ato administrativo o que se consegue NÃO É A
SANÇÃO DO VICIO DO ATO ADMINISTRATIVO – o que este princípio permite, dando
por assente a anulabilidade do ato administrativo e preservando essa anulabilidade, é não extrair
efeitos dessa anulabilidade.
Este princípio permite à AP e aos tribunais que, reconhecendo a anulabilidade do ato
administrativo, não o anulem apesar disso – naturalmente que isso não é sempre possível e está
sujeito a requisitos limitados, sendo que, mesmo que se verifique alguma das situações previstas
no artigo 163.º, n.º 5 CPA, a AP ou o tribunal podem ignorar este princípio e anular o ato (é uma
faculdade e não um dever)
As alíneas do artigo 163.º, n.º 5 CPA não são requisitos cumulativos – basicamente pretende-se
o seguinte exercício: o ato é anulável, mas não será anulado, porque ao suprir a ilegalidade, na
repetição do procedimento administrativo, o resultado será exatamente o mesmo
(ex.: temos um procedimento disciplinar que conclui com a aplicação de uma sanção
disciplinar a um funcionário, só que esse ato é anulável por não ter havido lugar a audiência
prévia. Além disso, as partes não fazem prova de que, se a audiência prévia tivesse tido lugar, o
ato seria o mesmo ou seria diferente. Portanto, havendo uma situação deste género, o tribunal
ou a AP volta atrás, anulando o ato administrativo com fundamento na preterição de audiência
prévia, repete o procedimento com a audiência prévia e, no fim, o ato administrativo é
praticado com o mesmo conteúdo ou com conteúdo diferente)

O que o princípio do aproveitamento do ato administrativo permite é, se se chegar à conclusão de


que, se tivesse havido audiência prévia, tal em nada alteraria o conteúdo do ato administrativo a
praticar, a possibilidade de o tribunal ou a AP não anular o ato, pois, ao ser anulado, o
procedimento administrativo seria repetido, mas o resultado seria o mesmo.
Esta norma é fundamental por evitar a repetição de procedimentos administrativos, cujo resultado
será sempre o mesmo.
Em situações de ilegalidade, podemos ter vícios invalidantes ou vícios que se traduzem numa
mera IRREGULARIDADE.
No caso do vício de irregularidade jurídica, não há um problema de validade, nem de eficácia do
ato administrativo (muito embora não deixe de estar em causa, à semelhança do que acontece com
os vícios de invalidade, a violação de uma norma legal ou regulamentar).
A irregularidade é absolutamente excecional no Direito Administrativo, porque representa uma
fragilização do princípio da legalidade, na sub dimensão do princípio da primazia da lei e,
portanto, à partida, a violação do bloco de legalidade tem associado o desvalor jurídico da
nulidade, anulabilidade ou inexistência jurídica, e só excecionalmente é que tem associado a
irregularidade.
(ex.: artigo 48.º CPA – este artigo exigia, nos atos praticados ao abrigo de um ato de
delegação de poderes, que fosse mencionada a qualidade de delegado ou subdelegado, sendo
que a falta de menção do mesmo tinha associado a mera irregularidade)
(ex.: artigo 151.º, alínea a), primeira parte CPA – vemos que a falta de indicação do autor tem
associada a inexistência jurídica, mas a falta de menção da qualidade de delegado/subdelegado
tem associada a irregularidade)

A irregularidade está reservada para casos em que a própria irregularidade está expressamente
prevista na lei. Esta irregularidade está reservada para casos em que os atos administrativos
padeçam de uma ilegalidade pouco grave, que não afete a produção de efeitos estáveis pelos atos
administrativos que se encontram viciados.
O seu REGIME é igual ao dos atos validos e eficazes, sendo que a irregularidade pode,
eventualmente, ter relevância no plano da responsabilidade disciplinar e da responsabilidade civil
extracontratual.

NOTA: diferença entre consolidação e convalidação – os atos anuláveis, ao contrário dos atos
inexistentes juridicamente e dos atos nulos, por efeito do decurso do tempo não se transformam
em atos válidos – simplesmente, como a sua invocação e anulação (administrativa e jurisdicional)
está sujeita a um prazo, o termo desse prazo faz com que esses atos deixem de poder ser anulados
– eles continuam anuláveis, mas deixam de poder ser anulados.
No caso dos atos administrativos inexistentes juridicamente ou nulos, como a declaração não está
sujeita a prazo, significa que o efeito de consolidação, que existe relativamente aos atos anuláveis,
não se verifica.

(EFEITOS DE FACTO/EFEITOS DE JURÍDICOS)


A invocação da nulidade OU da inexistência jurídica é relevante, porque, pese embora o ato não
produza efeitos jurídicos, pode produzir efeitos de facto – CASO DO SHOPPING BOM
SUCESSO
Este shopping foi construído ao abrigo de uma licença de construção nula, por violar o
disposto no Plano Diretor Municipal e no Plano do Município do Porto, sendo que este tem mais
3 andares do que à data da licença era admissível que tivesse. No entanto, atualmente, os 3 andares
que estão a mais, continuam lá intactos.
A questão que se coloca em relação a este shopping e a outras questões semelhantes tem que ver
com o facto de a AP praticar um ato que padece de inexistência jurídica ou de nulidade, mas ao
abrigo do qual se produziram efeitos de facto.
Este é um problema difícil de resolver, porque o Município praticou um ato administrativo nulo,
o dono da obra poderia não saber de nada e, portanto, ser um terceiro de boa-fé (bem como o
próprio empreiteiro da obra) e, nesse sentido, executa a obra que a licença lhe permite.

Como é que salvaguardamos estes terceiros de boa-fé, que confiam na legalidade, validade e
eficácia de um ato de autoridade praticado pela AP?
Nesta situação das licenças de construção, por exemplo, o que acontece é que a licença de
construção é nula (nulidade que resulta do artigo 68.º RJUE. Contudo, atente-se que a conduta
correta leal e de boa-fé daqueles que ignoram que houve lugar à violação de uma qualquer
disposição legal, não convalida a licença (NÃO FAZ DESAPARECER A INVALIDADE).

Existem várias soluções possíveis: a boa-fé dos terceiros não retira a nulidade da licença, pelo
que resolvemos isto pelos efeitos de facto que a licença nula produziu:
1. Destruição dos efeitos de facto – destruição dos efeitos materiais de um ato
administrativo nulo, por forma a conformar a realidade com as normas regulamentares
em vigor.
No caso shopping seria a demolição dos últimos 3 últimos andares, conformando a realidade com
os Planos Municipais violados pela licença.
Ou seja, a licença permaneceria nula, mas atuar-se-ia sobre a realidade que se constituiu ao abrigo
da licença nula, conformando-a com o padrão de conformidade violado pela licença.

Como é que se salvaguarda os terceiros de boa-fé? Através do pagamento de uma indemnização


pelo Município que conferiu uma licença nula aos proprietários.
Esta é a solução que melhor preserva o princípio da legalidade.

2. Atribuição de efeitos jurídicos putativos aos efeitos de facto (à licença de construção


nula no caso) – artigo 162.º, n.º 3 CPA
Essa atribuição depende de dois requisitos essenciais: uma duração temporal da situação de facto
e as expectativas que essa duração temporal criou e, em segundo lugar, a boa-fé do beneficiário
do ato administrativo nulo (não conhece, nem poderia conhecer da ilegalidade do ato administrativo)
– [se o beneficiário estiver de má-fé, independentemente do decurso do tempo, não há atribuição].
O que é a atribuição de efeitos putativos a atos administrativos nulos? Significa juridificarem-se
esses efeitos de facto. Ou seja, reconhece-se que a licença é nula, sendo que esta continua a ser
nula, mas tornam-se os efeitos juridicamente admissíveis (artigo 162.º, n.º 3 CPA).
3. Legalização da licença
Neste caso, os 3 andares mantêm-se, mas, em vez de se manter a nulidade da licença e juridificar
os efeitos de facto, legaliza-se a licença alterando os Planos Municipais do ordenamento do
território colocando, assim, em conformidade com a licença os Planos Municipais.
Há aqui uma subversão completa da lógica da legalidade, sendo que é a legalidade (que
funciona como padrão) a ficar em conformidade com a licença nula – FOI O QUE ACONTECEU
COM O SHOPPING DO BOM SUCESSO
Aqui a licença de construção deixa de ser nula, passa a ser válida e, automática e
consequentemente, os efeitos de facto produzidos convalidam-se também.

De todas as soluções esta é aquela que menos respeita o princípio da legalidade, mas foi a
que foi seguida.
NOTA: os municípios têm discricionariedade de planeamento urbanístico, pelo que eles podem,
a qualquer momento e sem quaisquer limitações (sem ser as que resultam da própria lei), alterar
os Planos Municipais (Plano Diretor Municipal e Plano de Urbanização).
Assim, a prolação de uma sentença por um qualquer tribunal não limitava essa discricionariedade
de planeamento por parte dos Municípios.

Aula n.º 9 – 08-03-2021 – ‘1. Conclusão da aula anterior. 2. Análise do elemento de apoio disponibilizados
quanto aos vícios do ato administrativo. 3. O REGULAMENTO ADMINISTRATIVO: 3.1. Noção.’

O que tem acontecido quanto à 3.ª possibilidade?


A professora é contrária a esta solução, uma vez que é muito complicado provar quem estava ou
não de boa-fé, pelo que isto é um convite a que se violem os Planos Municipais e a que se construa
‘onde bem apetecer’ com base em licenças de construção nulas – é um convite ao secretismo e
é exatamente assim que tem sucedido.
Assim, emitem-se licenças desconformes com o PDM e entre a impugnação da licença, o recurso
e a decisão a obra é edificada e, no final, há sempre a possibilidade de que, independentemente
do que a sentença diga, o Município pode alterar o parâmetro de controlo, legalizar a licença (e
consequentemente os efeitos de facto associados a ela) e, com isso, acabar por se permitir a
posteriori o que não era permitido inicialmente.

4. Via da reforma, conversão e ratificação-sanação


Esta solução não tem que ver com a situação do Shopping do Bom Sucesso (isto é, não se coloca
em relação às licenças de construção nulas e aos efeitos de facto advindos dessa mesma licença
nula), tem sim que ver com a possibilidade de, fora estes casos, procurar-se salvaguardar em
alguma medida os efeitos de facto.
Independentemente do que vimos em relação às 3 possibilidades anteriores, nós temos a
possibilidade de ratificação-sanação, reforma ou conversão (as três no que concerne a atos
anuláveis; e apenas as duas últimas no que concerne aos atos nulos), nos termos do artigo 164.º
CPA.
NOTA: Esta é uma tabela organizada tendo por ponto de partida, naturalmente, as nulidades
determinadas pelo legislador em obediência ao critério previsto no n.º 1 do artigo 161.º CPA,
mas conjugando-a com algumas nulidades por natureza, em relação às quais a grande parte da
doutrina considera que não pode haver uma outra consequência senão uma nulidade (ainda que o
legislador não o tenha referido expressamente).

1. VÍCIOS ORGÂNICOS (relativamente ao autor do ato administrativo)

 Quanto ao poder administrativo:


 O primeiro vício traduz-se no desrespeito pelo princípio da separação de poderes.
A usurpação de poderes tem que ver com o exercício de um outro poder/ outra
função, que não a função administrativa – o que está em causa é uma violação da
reserva constitucionalmente prevista de funções.
(ex.: usurpação de poderes – quando há lugar ao exercício pela AP de funções políticas,
legislativas ou judiciais – quando, por exemplo, a AP se substitui ao legislador/ aos tribunais/
aos órgãos detentores de poder político)

Portanto, a função que a AP cumpre, única e exclusivamente, desempenhar é a função


administrativa, pelo que tudo o que não se reconduza à função administrativa traduz-se num vício
orgânico de usurpação de poder, cuja consequência jurídica é a NULIDADE, nos termos do
artigo 161.º, n.º 2, a) CPA.
 Quanto às atribuições/ quanto à competência
 Temos os vícios de incompetência absoluta – que tem lugar quando um órgão de
uma pessoa coletiva exerce a competência que por lei cabe a um outro órgão de
OUTRA PESSOA COLETIVA – aqui há uma violação das atribuições e não
só das competências, cuja consequência jurídica é a NULIDADE, nos termos do
artigo 161.º, n.º 2, b) CPA

NOTA: há vício de incompetência absoluta não só quando se trata de órgãos de pessoas coletivas
diferentes, mas também quando se trata de órgãos de ministérios diferentes (que são
equiparados, para este efeito, a pessoas coletivas)

 Temos os vícios de incompetência relativa – que tem lugar quando um órgão de


uma pessoa coletiva exerce a competência de um outro órgão da MESMA
PESSOA COLETIVA – aqui há a violação da competência, cuja consequência
jurídica é a ANULABILIDADE, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 CPA.

 Legitimação:
 Impedimento – o facto de se ter atuado e intervindo na tomada de uma
determinada decisão, pese embora ao abrigo das garantias de imparcialidade
previstas essa intervenção não seja admissível.
Aqui podemos até falar numa concorrência de vícios, uma vez que: há um vicio material por
violação do princípio da imparcialidade e um vício orgânico de falta de legitimidade, cuja
consequência jurídica é a ANULABILIDADE, nos termos do artigo 76.º CPA.

 Falta de autorização para agir – quando necessária, a sua falta, constitui um


vício orgânico de falta de legitimidade, cuja consequência jurídica é a
ANULABILIDADE, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 CPA

 Falta de quórum – tem relevância quando estejamos a falar de órgãos colegiais


– artigo 161.º, n.º 2, h) CPA associa a esta o desvalor da NULIDADE

 Falta de investidura do titular no exercício de funções – tem como


consequência jurídica a NULIDADE.
Repare-se que aqui não nos referimos a nenhuma alínea do artigo 161.º, n.º 2 CPA, porque ela
não existe – é uma NULIDADE POR NATUREZA)
(ex.: vamos imaginar que o titular de um órgão iniciou o exercício das suas funções sem que,
em momento algum, tenha sido investido no exercício dessas funções [sem que tivesse sido
nomeado quando a lei exige essa nomeação, por exemplo])
2. VÍCIOS FORMAIS
2.1. (relativo à forma [modo de exteriorização do ato administrativo])

 Forma (escrita: simples ou solene)


Temos um vício de forma, desde logo, referente à forma escrita. Como se sabe a forma de prática
de atos administrativos só é a forma verbal quando tal esteja previsto na lei. E a carência desta
forma legal tem como consequência jurídica a NULIDADE, nos termos do artigo 161.º, n.º 2, g)
CPA

2.2. (relativo a formalidades [trâmites legais relativos à formação do ato administrativo])

 Regras do procedimento (formalidades essenciais)


Os vícios de forma podem-se referir à forma do ato ou às formalidades essenciais do procedimento
ou regras relativas à prática do ato administrativo.
Regra geral a preterição de qualquer formalidade procedimental tem como consequência
associada a ANULABILIDADE, sendo que só excecionalmente a consequência jurídica é a
nulidade, nomeadamente quando haja lugar à violação dos DF procedimentais (ex.: falta de
audiência-direito de defesa – artigo 161.º, n.º 2, d) CPA)
Atos praticados com preterição total do procedimento legalmente exigido só em estado de
necessidade – artigo 161.º, n.º 2, l) CPA
 Regras relativas à prática do ato administrativo
Outro tipo de vícios formais são as regras relativas à formação propriamente dita do ato
administrativo – aqui temos, regra geral, a ANULABILIDADE, sendo que a nulidade surge nos
casos de: deliberação tomada tumultuosamente (artigo 161.º, n.º 2, h) CPA) ou deliberação
tomada com inobservância da maioria exigida por lei (artigo 161.º, n.º 2, h) CPA).
3. VÍCIOS MATERIAIS
3.1. (relativos à violação de lei)

Em termos de vícios materiais temos vícios relativos:

 Ao objeto (realidade sobre que recaem os efeitos jurídicos do ato)

 Se o objeto for impossível ou não for percetível temos como consequência a


NULIDADE – artigo 161.º, n.º 2, c) CPA.

 Depois temos para tipos específicos de atos administrativos a falsidade ou


inexistência do facto certificado.
(ex.: vamos imaginar que é necessária uma certidão a dizer que um determinado prédio não
está incluído num programa de Ordenamento da Orla Costeira, sendo que um Município
passava uma certidão a dizer que o prédio está efetivamente incluído nesse Programa, mas não
está)

Se houver falsidade ou inexistência de facto certificado temos como consequência jurídica a


NULIDADE – artigo 161.º, n.º 2, j) CPA)
 Ao conteúdo (transformações jurídicas, medida administrativa, efeitos jurídicos)
Em relação ao conteúdo temos várias possibilidades:
 Falta absoluta de base legal – a prática de um ato administrativo sem qualquer
fundamento da lei.
Aqui temos uma NULIDADE POR NATUREZA, porque se assim não fosse havia uma mera
anulabilidade e aqui parece que a anulabilidade parece pouco para o vício em causa.

 O mesmo se passa em relação à prática de atos contra expressa proibição legal


(ex.: a Lei-Quadro das Fundações contém uma proibição de constituição de fundações públicas
de Direito Privado – imagine-se que o Governo constituía por ato administrativo uma destas
fundações - se não fosse a teoria da nulidade por natureza, a consequência jurídica associada
seria a mera anulabilidade)

 Atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei – NULIDADE


(artigo 161.º, n.º 2, k) CPA)

 Ato que ofenda um conteúdo essencial de um DF – NULIDADE (artigo 161.º,


n.º 2, d) CPA)

 Ato cujo objeto constitua crime – NULIDADE (artigo 161.º, n.º 2, c) CPA)

 Ato que tenha por objeto a renúncia à titularidade ou ao exercício da


competência – NULIDADE (artigo 36.º, n.º 2 CPA)

 Ato que ofenda caso julgado – uma sentença transitada em julgada por parte de
um tribunal [que não é suscetível de recurso ou os recursos esgotaram-se, por já
terem sido interpostos] que não é respeitada por parte da AP – NULIDADE –
artigo 161.º, n.º 2, j) CPA

NOTA: os restantes vícios relativos ao conteúdo do ato (violação do regime legal, erro sobre os
pressupostos de facto ou violação de princípios gerais da atividade administrativa como a
imparcialidade, proporcionalidade, justiça, igualdade, etc. têm como consequência jurídica
associada a ANULABILIDADE.

 Ao texto do ato administrativo


Relativamente ao texto do ato administrativo temos as menções obrigatórias cuja falta tem
associada a INEXISTÊNCIA JURÍDICA (artigos 151.º e 155.º, n.º 2 CPA)
 Falta de indicação da autoridade que praticou o ato administrativo
 Falta de identificação do destinatário
 Falta de indicação do conteúdo ou do sentido da decisão e respetivo objeto
 Falta de assinatura do ato administrativo
 À vontade do agente administrativo
Depois temos os vícios de vontade – ora, a vontade da AP deve ser livre e esclarecida, pelo que:
 Uma vontade coagida (seja coação moral ou física) tem como consequência a
NULIDADE (artigo 161.º, n.º 2, f) CPA)
 O erro e o dolo têm como consequência jurídica a ANULABILIDADE

3.2. (relativo ao desvio de poder a sugerir, por vezes, violação de lei)

 Ao interesse público a que, por força da lei, a prática e o conteúdo do ato


administrativo devem estar teleologicamente orientados (fim)
Tem que ver com a prossecução do interesse público que a lei tinha em vista quando atribuiu
poder discricionário ao agente administrativo.
Assim, quanto ao desvio de poder, das duas uma:
 Se se tratar da prossecução de outros interesses públicos – ANULABILIDADE
 Se se tratar da prossecução de interesses privados – NULIDADE, nos termos do
artigo 161.º, n.º 2, e) CPA

Aula n.º 10 – 12-03-2021 – ‘1. A eficácia dos atos administrativos. II REGULAMENTOS ADMINISTRATIVOS
1. Noção. 2. A relevância da noção de regulamento administrativo prevista do artigo 135.º do CPA, em especial: 2.1.
A tramitação procedimental; 2.2. O princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos; 2.3. O regime de
invalidade e os mecanismos de reação. 3. Classificação e critérios: âmbito da eficácia jurídica e tipo de relação
jurídica regulada e ligação em relação à lei. 3.1. Âmbito da eficácia jurídica: as normas regulamentares internas e
as normas regulamentar externas (imediatamente operativas e mediatamente operativas).’.

Eficácia dos atos administrativos


Da leitura do artigo 114.º, n.º 1 CPA e do artigo 268.º, n.º 3 CRP percebe-se que o legislador não
distinguiu entre atos que produzem efeitos favoráveis e atos que produzem efeitos desfavoráveis,
impondo o dever de notificação em TODOS os casos.
A notificação dos atos administrativos deve conter um conjunto de elementos (artigo 114.º, n.º 2
CPA), sob pena de a notificação não se considerar realizada OU então de o destinatário do ato
administrativo ter a possibilidade de requerer ao órgão com competência decisória a notificação
dos elementos em falta – articulação artigo 114.º, n.º 2 CPA e artigo 60.º CPTA.

A propósito do artigo 60.º CPTA distinguem entre duas situações, em função dos elementos que
faltam na notificação e que deveriam constar da mesma:

 Artigo 60.º, n.º 1 CPTA – se na notificação não constar o conteúdo e sentido do ato
administrativo, considera-se que a mesma não foi realizada e o prazo de acesso aos
tribunais não começa sequer a contar
 Artigo 60.º, n.º 2 CPTA – se constar o conteúdo e sentido do ato, mas não outros
elementos, o prazo de acesso aos tribunais inicia a sua contagem se o destinatário do ato
administrativo solicitar a indicação dos elementos em falta
A notificação é um dever que se impõe em todos os casos, independentemente de os atos
administrativos serem favoráveis ou desfavoráveis, e é a partir da notificação que começam a
contar os prazos para que o destinatário faça uso, ou dos mecanismos de reação contenciosa
(artigo 59.º, n.º 1 e n.º 2 CPTA), ou dos mecanismos de reação administrativa (reclamação ou
qualquer um dos tipos de recurso [tutelar ou hierárquico] – artigo 188.º, n.º 1 CPA).

NOTA: Esta questão do dever de notificação se impõe em todos os casos e do facto de o prazo
para se fazer uso dos mecanismos de reação (contenciosa ou administrativa) começar a contar
apenas a partir da notificação é algo que não se confunde com a questão de saber se a
notificação é requisito de eficácia.

SITUAÇÃO CONCRETA:
Suponha-se que temos um trabalhador da função pública, que tem com a sua entidade
empregadora um vínculo de Direito Público, contra o qual foi instaurado um procedimento
disciplinas que terminou com a aplicação de uma sanção disciplinar de despedimento (cessação
do vínculo laboral).
Este ato que aplica a sanção é um ato impositivo, sancionatório, com efeitos jurídicos
desfavoráveis.

 Se este ato administrativo que aplica a sanção de despedimento não precisasse da


notificação para produzir efeitos, isto significa que a partir do momento em que o ato é
praticado, o trabalhador cessa as suas funções (não podendo, por isso, dirigir-se ao seu
posto de trabalho para fazer o que quer que seja, mesmo que a notificação seja realizada
mais tarde) – OPÇÃO ERRADA

 Mas, se a notificação for requisito de eficácia, isto significaria que ele só poderia
considerar o seu vínculo com a entidade empregadora extinto quando o ato administrativo
lhe fosse notificado (o que quer dizer que entre a prática do ato e o momento da
notificação este poderia continuar a exercer funções e tinha o direito a ser remunerado
pelo trabalho exercido nesse período de tempo) – OPÇÃO CORRETA

A questão de saber se se deve ou não notificar um ato administrativo não se confunde com a
questão de saber se a notificação é ou não requisito de eficácia desse ato administrativo

Assim sendo, a notificação é requisito de eficácia de atos administrativos?


DEPENDE – temos aqui duas regras:

 Para atos administrativos que produzem efeitos jurídicos favoráveis, a notificação NÃO
constitui requisito de eficácia, porque os atos administrativos favoráveis produzem
efeitos a partir da data da sua prática – artigo 155.º, n.º 2 CPA

 Se se tratar de um ato administrativo que produz efeitos jurídicos desfavoráveis na


esfera do seu destinatário, a oponibilidade desses efeitos jurídicos ao destinatário depende
já da notificação – artigo 160.º CPA
NOTA: Portanto, os atos administrativos desfavoráveis têm necessariamente e sempre de serem
notificados para produzirem os efeitos jurídicos a que tendem na esfera jurídica do seu
destinatário – tal impõe-se sempre, mesmo que o ato administrativo esteja sujeito a
publicação obrigatória.

Mas, nós temos EXCEÇÕES a esta regra num de dois sentidos:


 Exceções em que a eficácia do ato administrativo é transferida/diferida para
momentos posteriores à prática do ato administrativo (no caso de serem atos favoráveis)
OU à sua notificação (no caso de serem desfavoráveis)

1. Cláusulas acessórias que podem ser apostas num ato administrativo (artigo 149.º CPA) –
condição suspensiva e condição resolutiva, termo inicial e termo final, modo e reserva de
revogação.
Quando falamos de eficácia diferida para um momento POSTERIOR àquele da sua prática ou
da sua notificação, estamo-nos a referir apenas ao termo inicial, que faz depender a produção de
efeitos de um evento futuro certo, e à condição suspensiva, que faz depender a produção de efeitos
de um evento futuro incerto.

2. Quando for necessária a aprovação da ata – o que acontece, apenas, quando em causa
estejam atos administrativos praticados por órgãos colegiais (deliberações de órgãos
colegiais – artigo 34.º, n.º 6 CPA em conjugação com o disposto no artigo 157.º, alínea
c) CPA).
Estes são casos em que é necessária a aprovação em ata para que o ato administrativo produza os
seus efeitos, sendo que a aprovação em ata tem lugar, normalmente, em momento posterior ao da
prática do ato, pese embora não tenha lugar em momento posterior ao da notificação.

3. Quando a lei impuser publicação obrigatória


Nós falamos nos atos de delegação, que estão sujeitos a publicação obrigatória, nos termos do
artigo 159.º CPA. A publicação só se torna obrigatória nos casos expressamente previstos na lei
e, quando tal aconteça, é requisito de eficácia.
Contudo, no caso de se tratar de atos administrativos desfavoráveis não basta para a produção dos
seus efeitos a publicação, sendo que é preciso, para além desta, a notificação.

4. Quando o ato administrativo estiver sujeito a visto do Tribunal de Contas – ex.: ato
administrativo que tenha um reflexo direto no Erário Público
O visto do Tribunal de Contas é um ato integrativo de aprovação, que só é necessário nos casos
expressamente exigidos por lei e que se traduz na concordância do Tribunal de Contas
(manifestada através desse mesmo visto) na realização de uma determinada despesa – artigo 157.º
CPA e LOPTC
5. Sujeição a aprovação hierárquica ou tutelar – não há uma previsão genérica no CPA que
a imponha, mas sim previsões específicas em legislação especial – artigo 157.º, alínea a)
CPA

 Situações em que é possível ou habilitada a produção de efeitos em momento


anterior àquele em que foram praticados (no caso de serem favoráveis) e àquele em que
foram notificados (no caso de serem desfavoráveis) – casos de eficácia retroativa de atos
administrativos

Dispõe sobre a eficácia retroativa de atos administrativos o artigo 156.º CPA.


É fixada uma eficácia retroativa em relação:

 A atos que se limitam a interpretar atos administrativos anteriores


 Atos administrativos a que a lei atribua efeito retroativo.
 E, fora destes casos, o autor do ato administrativo (o órgão com competência decisória)
só pode atribuir eficácia retroativa nos casos específicos da alínea a), b) e c) e nos casos
em que a lei o permita ou imponha – artigo 156.º, n.º 2 CPA

___//___ (fim dos atos administrativos)

 Regulamentos administrativos (forma jurídico-pública de atividade administrativa)

RESUMO INICIAL:

Começamos com uma referência aos vários tipos de atuação da AP (várias formas de atividade
administrativa) – fizemos uma distinção entre formas jurídico-públicas e jurídico-privadas, sendo que
dentro das formas jurídico-públicas falamos nos atos administrativos, regulamentos administrativos,
contratos, declarações negociais, etc.

Depois focamo-nos naquelas que são as principais formas de atuação da AP: falamos no ato administrativo
e depois temos o regulamento administrativo e os contratos administrativos.

Quando falamos do ato administrativo, falamos de um ato jurídico que produzia efeitos jurídicos
inovadores, numa situação individual e concreta – exigia-se, para a qualificação de um ato jurídico como
ato administrativo, a produção efeitos jurídicos externos que criavam, modificavam ou extinguiam relações
jurídico-administrativas (efeitos reguladores)

O regulamento administrativo é uma norma geral e abstrata, emanada no exercício da


função administrativa. É emanada por órgãos administrativos no exercício da competência
regulamentar e constitui uma expressão da vontade unilateral da AP (entendida aqui a AP em
sentido orgânico e funcional, e não apenas subjetivo).
Por isso mesmo, tem por destinatários, por contraposição aos atos administrativos (cujos
destinatários estão determinados ou são determináveis) um grupo indeterminado e indeterminável
de pessoas e de casos.
O CPA tem uma noção de regulamento administrativo no artigo 135.º: ‘Para efeitos do presente
Código, consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstratas que,
no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos.’.

Para o CPA, a noção de regulamento administrativo é uma noção que integra, para além dos
elementos que acabamos de referir, um outro que se prende com a produção de efeitos jurídicos
externos – portanto, para que um ato jurídico mereça a qualificação como regulamento
administrativo é também necessário que produza efeitos jurídicos externos.

Contudo, NÃO É ASSIM – na qualificação de um ato jurídico como regulamento administrativo


não é necessária a produção de efeitos jurídicos externos como ocorria para a qualificação do
ato administrativo.

No caso das normas regulamentares, elas podem ter efeitos jurídicos internos ou externos,
não deixando por causa disso de ser regulamentos administrativos

Como entendemos então este conceito de regulamento administrativo previsto no artigo 135.º
CPA?
Repare-se que este é um conceito que, ao fazer referência à eficácia externa, não permite afastar
da qualificação como regulamentos administrativos os regulamentos com eficácia interna.
Ou seja, o que se pretende é limitar o âmbito de aplicação de determinadas normas do CPA aos
regulamentos administrativos com eficácia externa (‘para efeitos do disposto no presente
Código’)

Que normas são estas? Os artigos 97.º e ss. CPA e o artigo 135.º e ss. CPA.

Portanto, o artigo 135.º CPA não nos dá um conceito de regulamento administrativo válido para
todos os casos e para além do CPA; responde sim à questão de saber qual o âmbito de aplicação
objetivo do CPA (não incluindo neste âmbito os regulamentos internos, aos quais não lhes são,
portanto, aplicáveis as normas do CPA referentes aos regulamentos administrativos)

Portanto, este artigo não pode ser interpretado com o sentido de negar a qualificação como
regulamentos administrativos aos regulamentos com eficácia interna, nem tem como objetivo
conduzir o intérprete a considerar que os regulamentos com eficácia interna não têm caráter
imperativo.
Daqui retiram-se 3 coisas:

 São regulamentos administrativos normas regulamentares com eficácia interna e normas


regulamentares com eficácia externa.

 Só se aplicam aos regulamentos administrativos com eficácia externa as normas do CPA


que se refiram especificamente a regulamentos administrativos, como acontece com os
artigos 97.º e seguintes CPA e 135.º e seguintes CPA

 Nada isto obsta a que aos regulamentos com eficácia interna se apliquem os princípios
gerais da atividade administrativa e as demais normas do CPA que não tenham
especificamente por objeto regulamentos administrativos, mas que dirijam a disciplinar a
atividade administrativa como um todo (independentemente da forma que assuma)

3 SITUAÇÕES ESPECIALMENTE RELEVANTES:


(Três situações que concretizam a ideia de que este artigo 135.º CPA tem por finalidade definir o âmbito
objetivo de aplicação das normas do CPA que estabelecem uma disciplina especifica para os regulamentos
administrativos)

 Artigos 97.º e seguintes do CPA – só são aplicáveis aos regulamentos administrativos


com eficácia externa e dispõem sobre a tramitação do procedimento regulamentar.

CRÍTICA:
A ideia do legislador foi esta, mas talvez não seja a melhor – para alguma doutrina (Paulo Otero)
esta disposição é inconstitucional por violação do n.º 5 do artigo 267.º CRP. Este artigo impõe a
existência de uma disciplina legal do procedimento administrativo para toda e qualquer forma de
atuação da AP, sem que o legislador constituinte tenha feito a distinção entre atividade interna ou
externa.
E, portanto, se o legislador constituinte não distinguiu e não especificou que esta exigência
constitucional valia apenas para formas de atividade administrativa com efeitos externos, não
pode o legislador ordinário ter uma interpretação que diminua o sentido desta disposição
constitucional.
Portanto, não pode o legislador ordinário prever normas relativas à tramitação do procedimento
regulamentar (artigos 97.º e ss. CPA) que, segundo o artigo 135.º CPA, só são aplicáveis aos
regulamentos com eficácia externa.

Isto é ainda mais curioso se pensarmos na frequência dos regulamentos híbridos, que são
regulamentos que contêm normas com eficácia interna e normas com eficácia externa.
Esta aplicação dos artigos 97.º e ss. CPA apenas a normas regulamentares com eficácia externa
não só é inconstitucional como é impraticável, porque um regulamento, em geral, contém
normas com eficácia interna e normas com eficácia externa.
(ex.: pense-se no RAC – contem várias normas, sendo cada uma delas uma norma
regulamentar, não obstante umas têm eficácia interna [aquelas que definem um prazo para os
docentes corrigirem os exames] e outras com eficácia externa [aquelas que se dirigem ao prazo
para os alunos se inscreverem em orais de melhorias])

Se levássemos esta limitação do artigo 135.º CPA à letra, isto quer dizer que, para aprovar um
regulamento, tínhamos de distinguir as normas e sujeitar umas a um procedimento e outras a
nenhum. Ora, em termos operativos não dá para andar constantemente a fazer esta distinção, para
além de que, por vezes, não é fácil distinguir dentro duma mesma norma a possibilidade de ter
certos efeitos internos e outros externos (ou seja, em termos práticos, o que se faz é sujeitá-las
todas ao procedimento previsto no CPA).

O que é que se tem feito? Tem-se, pela prática, suprido esta inconstitucionalidade por omissão,
aplicando os artigos 97.º e ss. CPA às normas regulamentares com eficácia interna.

NOTA:

 Normas regulamentares com eficácia interna – normas que esgotam o seu efeito no
seio da pessoa coletiva que os emana.
 Normas regulamentares com eficácia externa – normas que produzem efeitos
intersubjetivos, ou seja, para além da esfera coletiva que os emana, perante outros sujeitos
de Direito.

ARTIGO 136.º CPA – se olharmos para o n.º 4 do artigo 136.º CPA, conseguimos perceber que
normas regulamentares com eficácia interna, pese embora o conceito do artigo 135.º CPA, não
passaram ao lado do CPA – este artigo dirige-se especificamente às normas regulamentares com
eficácia interna, sujeitando-as de forma clara ao princípio da precedência de lei (‘carecem de lei
habilitante’)
Ora, pode acontecer que esta lei habilitante pode estabelecer, ela própria, um procedimento para
esses regulamentos com eficácia interna que terão que ser seguidos por essas normas
regulamentares.

Todas as normas regulamentares, sejam elas com eficácia interna ou externa, estão sujeitas a um
procedimento regulamentar, sob pena de inconstitucionalidade.

 Às normas regulamentares com eficácia externa é-lhes aplicável o CPA e, dentro


destas do CPA, são-lhes aplicáveis as normas do artigo 97.º e ss. CPA

 No que diz respeito a normas regulamentares com eficácia interna, das duas uma:

1. Ou a lei que habilita essas normas regulamentares com eficácia interna prevê ela
própria um procedimento – sendo que terá de ser esse o procedimento a cumprir
2. Ou então há que aplicar de forma adaptada o procedimento previsto no artigo 97.º
e ss. CPA aos regulamentos com eficácia interna, sob pena de
inconstitucionalidade.
 Artigo 142.º, n.º 2 CPA – este artigo prevê o princípio da inderrogabilidade singular
dos regulamentos – isto significa que um regulamento não pode ser afastado por um ato
administrativo numa situação individual e concreta.
Os regulamentos administrativos aplicam-se em todos os casos a que se referem sendo que
não pode haver lugar à prática de um ato administrativo que esteja em desacordo com esse
regulamento no sentido de não o aplicar/ de o derrogar com referência a uma situação
individual e concreta.
Este princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos, por via do artigo 135.º CPA, só é
aplicável com referência aos regulamentos com eficácia externa.

 Invalidade do regulamento administrativo – artigo 143.º e 144.º CPA


O que dizer quanto a este regime e quanto à possibilidade de reclamação e de recurso
apresentada contra regulamentos administrativos?

A invalidade de um regulamento pode resultar de uma de duas coisas:

 Ou da sua desconformidade material com a CRP, com a lei (normas de Direito Interno,
normas de DUE ou normas de Direito Internacional) e com os princípios gerais de Direito
Administrativo
 Ou por desrespeitarem outros regulamentos administrativos que são oriundos de órgãos
hierarquicamente superiores (ou dotados de poderes de superintendência) OU que por
alguma outra razão devam ser observados por se considerarem hierarquicamente
superiores

Repare-se que são dois tipos de invalidade, sendo que não fazemos, em relação a essa invalidade,
o mesmo exercício que fizemos em relação à invalidade dos atos administrativos. Os
regulamentos administrativos são inválidos em virtude de uma destas desconformidades e o que
se solicita é a sua declaração de invalidade.
Esta invalidade está sujeita a um regime que não é tipificado pelo legislador como sendo de
anulabilidade, nulidade ou de inexistência jurídica, mas sim de invalidade dos regulamentos
administrativos.

Ora, o artigo 135.º CPA, ao dispor que estas normas são apenas aplicáveis às normas
regulamentares com eficácia externa, levanta um problema: isso significa que os regulamentos
com eficácia interna não podem ser inválidos ou não estão sujeitos a nenhum regime de
invalidade?
 Os regulamentos com eficácia interna devem conformidade à CRP, à lei, aos princípios
gerais do Direito Administrativos e a outros regulamentos (quando seja esse o caso), pelo
que estão sujeitos aos mesmos padrões de conformidade que os regulamentos com
eficácia externa, pelo que também poderão ser inválidos e, por isso, é de lhes aplicar o
regime de invalidade previsto no artigo 144.º CPA (pese embora se diga o contrário no artigo
135.º CPA)
 Mas não são suscetíveis de reclamação e de recursos administrativos – o artigo 147.º CPA
que se refere à reclamação e recurso administrativos, remetendo para o regime do artigo
184.º e ss. CPA, só se aplica aos regulamentos com eficácia externa

 Por outro lado, também não é possível recorrer contenciosamente, ou seja, impugnar junto
dos tribunais administrativos, regulamentos com eficácia interna, mas somente
regulamentos com eficácia externa – artigo 72.º e ss. CPTA

Ou seja, não se pode recorrer a mecanismos de reação administrativa, nem contenciosa, no caso
de regulamentos com eficácia interna.
Então para que serve aplicarmos o artigo 144.º CPA?

Muito embora não se possa fazer uso da reclamação e dos recursos administrativos, nem se possa
fazer uso dos mecanismos de reação contenciosa contra regulamentos com eficácia interna, a
verdade é que a própria AP deve zelar pela legalidade dos atos que pratica.
Assim, o artigo 144.º CPA serve para dizer que, na medida em que o seu regime de invalidade é
aplicável aos regulamentos com eficácia interna, isso permite ao órgão administrativo competente
declarar ele próprio (sem necessidade de alguém ter exercido iniciativa nesse sentido) declarar a
invalidade dos regulamentos com eficácia interna.
Há quem entenda que o facto de esta possibilidade de um órgão competente declarar a invalidade
de um regulamento com eficácia interna ao abrigo do artigo 144.º CPA não passa de uma
possibilidade que está na discricionariedade desse órgão competente, que pode ou não usar desse
mesmo poder.
Não obstante, a professora não entende assim, porque considera que há um dever generalizado de
reintegração da legalidade violada que se impõe à AP e, por isso, esta deve desempenhar funções
de fiscalização da legalidade dos atos jurídicos que ela própria pratica, sob pena de se poder
admitir que há uma forma de atividade administrativa (normas regulamentares com eficácia
interna) ser contrária à lei, e continuar a sê-la, sem que possa ser declarada inválida ou ilegal pela
AP, nem pelos tribunais.

Tipologia de regulamentos administrativos


1. Critério dos efeitos

 Normas regulamentares com eficácia interna vs. normas regulamentares com


eficácia externa
Por normas regulamentares com EFICÁCIA INTERNA entendemos normas regulamentares
que produzem os seus efeitos jurídicos única e exclusivamente no interior da esfera da pessoa
coletiva de onde emanam – regulamentos praticados no âmbito de relações interorgânicas.
(ex.: regulamentos de organização, que procedem à distribuição de funções pelos vários
órgãos de uma pessoa coletiva; regulamentos de funcionamento, que fixam as regras do
expediente de um determinado serviço público e que é aplicável aos funcionários desse mesmo
serviço na qualidade de funcionários; os regimentos de órgãos colegiais, porque se dirigem a
disciplinar a forma como os órgãos colegiais funcionam e aí esgotam os seus efeitos)
Já as normas regulamentares com EFICÁCIA EXTERNA são regulamentos que são praticados
no âmbito de relações intersubjetivas/pluri-subjetivas, que produzem efeitos na esfera jurídica de
sujeitos de Direito diferentes daquele de onde emanam.

Dentro dos regulamentos externos podemos falar em vários tipos:

 Regulamentos de polícia – os regulamentos de polícia são regulamentos que impõem


limitações à liberdade individual, com vista a evitar que, em consequência de uma
conduta perigosa por parte de indivíduos, se produzam danos – ex.: regulamentos de
trânsito

 Regulamentos institucionais – regulamentos que visam disciplinar o comportamento


dos utentes de um determinado serviço – ex.: caso dos alunos em relação às escolas que
frequentam, caso dos utentes em relação aos hospitais, caso dos presos em relação à
instituição prisional
Estes utentes estão, precisamente por essa qualidade, sujeitos a uma condição específica de
subordinação à AP, enquadrando-se no âmbito de relações especiais do poder (no âmbito
destas admite-se que certos direitos dos administrados sejam objeto de limitações mais ou
menos intensas por relação àquelas que vigoram para a generalidade dos cidadãos.

 Regulamentos de organização e funcionamento aplicáveis aos funcionários na


qualidade de cidadãos (e não na qualidade de funcionários enquanto tal) – a partir do
momento em que um regulamento é aplicável a um funcionário enquanto cidadão já tem
eficácia externa e não interna.
Estes regulamentos aplicam-se aos funcionários na qualidade de cidadãos, como sujeitos de
uma relação jurídica de emprego com a AP, com o fim de disciplinar essa relação jurídica e
os direitos e deveres recíprocos que a integram.
(ex.: regulamento interno dirigido aos funcionários, de acordo com o qual a distribuição
quotidiana dos procedimentos administrativos deve constar em folha Excel com indicação do
número e de data, devendo ser enviada no final do dia com a atualização dos estados dos
respetivos procedimentos para o chefe de serviço)

(ex.: regulamento que estipula, no que diz respeito ao dever de assiduidade dos trabalhadores,
uma recompensa, no caso de cumprimento desse dever, correspondente a dois subsídios de
alimentação)
No segundo exemplo já está em causa o trabalhador/cidadão que desempenha funções como
funcionário e a relação jurídica laboral que ele tem com a AP e os direitos e deveres recíprocos
que integram essa relação laboral.
Aula n.º 11 – 15-03-2021 – ‘Continuação da aula anterior.’

 Normas regulamentares com eficácia externa imediatamente operativas vs. normas


regulamentares com eficácia externa mediatamente operativas
As normas regulamentares com eficácia externa IMEDIATAMENTE OPERATIVAS são
normas cujos efeitos se produzem direta e imediatamente na esfera jurídica dos seus destinatários,
sem dependência de um qualquer ato administrativo ou jurisdicional (sentença judicial) que o
aplique.
Estas produzem efeitos só pelo facto de entrarem em vigor e a partir desse momento, sem
dependência de um ato administrativo de aplicação ou então de uma sentença judicial.
(ex.: norma regulamentar com eficácia externa que estabeleça uma proibição – todos os
destinatários da norma consideram-se proibidos do comportamento a que ela se refere, sem a
necessidade de aquela norma para produzir esse efeito proibitivo precisar de ser concretizada
na esfera jurídica do destinatário por via da aplicação de um ato administrativo ou sentença
judicial)

As normas regulamentares com eficácia externa MEDIATAMENTE OPERATIVAS já


dependem de um ato concreto de aplicação, ou seja, estas só produzem os efeitos jurídicos a que
tendem na esfera jurídica de terceiros através de um ato administrativo ou sentença judicial de
aplicação.
(ex.: norma regulamentar que define os requisitos para a atribuição de um subsídio - ou seja,
a produção de efeitos desta norma na esfera jurídica de terceiros depende de que esses
terceiros solicitem aquele requerimento para o efeito de quem tem a competência decisória
para decidir sobre essa atribuição poder aplicar o disposto na norma regulamentar àquela
pessoa, decidindo no sentido do deferimento ou indeferimento)

Ao contrário da norma proibitiva, que produz efeitos diretos e imediatos, no caso da norma
mediatamente operativa é necessário um ato administrativo que decida o pedido de atribuição do
subsídio, tendo em consideração aqueles critérios, deferindo ou indeferindo aquele requerimento.

Mas isto são tudo normas regulamentares com eficácia externa, pelo que se questiona: para que
serve esta distinção?
A utilidade desta distinção é muito significativa e reconduz-se aos artigos 72.º e seguintes do
CPTA, porque as formas de declarar a ilegalidade de normas regulamentares com eficácia externa
divergem em função de essas normas serem mediata ou imediatamente operativas.
Portanto, para o efeito de determinar, ao abrigo dos artigos 72.º e seguintes do CPTA, o pedido
adequado para verem declarada pelos tribunais a ilegalidade das normas regulamentares com
eficácia externa, precisa-se, a montante, de determinar se a norma cuja ilegalidade se quer ver
declarada é mediata ou imediatamente operativa, porque os pedidos a intentar junto do tribunal
administrativo competente hão de ser diferentes.
2. Critério da relação dos regulamentos com a lei

Esta forma de atividade administrativa (regulamentos) não é diferente de todas as outras, pelo que
está igualmente subordinada ao princípio da legalidade e é preciso perceber em que termos é que
esta relação se estabelece.
A relação dos regulamentos com a lei é pautada pelo princípio da legalidade que depois se
desdobra num conjunto de subprincípios:

 Princípio da preferência da lei – de acordo com o qual a lei prevalece sobre os


regulamentos, proibindo-se expressamente regulamentos derrogatórios, modificativos,
suspensivos e revogatórios. Em momento algum uma norma regulamentar pode
derrogar, modificar, suspender ou revogar uma norma legal.
Um regulamento que viole a lei numa qualquer destas situações é ILEGAL.

NOTA: nós quando falamos do princípio da legalidade e do princípio da preferência da lei na


relação entre lei e regulamentos não nos referimos apenas a normas legais de Direito Público, mas
também a normas legais de Direito Privado, de DUE, de Direito Internacional Público, a normas
substantivas e adjetivas, etc.

Exemplo relativo à nota:


Há uma questão interessante neste âmbito, em que estava em causa um PDM (um tipo de plano
municipal de ordenamento do território – Plano Diretor Municipal), que é um regulamento com
eficácia externa, que contém normas, sendo umas com eficácia mediatamente operativa e outras
com eficácia imediatamente operativa.
Ora, estava em causa um PDM que permitia a construção sem observância da servidão de
vistas (da distância devida entre a edificação e as extremas do terreno face ao terreno do vizinho
do lado).
Estava aqui em causa a violação do Código Civil, porque se permitia esta construção sem
observância da servidão de vistas, que está prevista no mesmo – quando se exige a conformidade
dos regulamentos com a lei e quando se fala na dimensão da preferência da lei, referimo-nos a
todas e quaisquer normas legais, independentemente da sua fonte, e independentemente de serem
enquadradas num ramo de Direito Público ou Privado.

 Princípio da reserva de lei – através deste princípio é a própria CRP que reserva à lei a
regulamentação de determinadas matérias. Aqui está em causa a regulamentação primária
dessas matérias, sendo que tal não impede que depois de estabelecida a regulamentação
por lei dessas mesmas matérias não possa existir um regulamento com fundamento nessa
mesma lei.
Em Direito Administrativo há uma perspetiva um pouco diferente com referência ao princípio
da reserva de lei – os administrativistas tendem a ser mais flexíveis na leitura desta dimensão
da reserva de lei (e da precedência de lei, a ver a seguir).
.
Com base neste entendimento elástico são de admitir os regulamentos delegados ou
autorizados, que são aqueles regulamentos em que a AP é autorizada pela lei a atuar em vez
da lei – ou seja, a CRP define um âmbito que considera ser reservado à lei e depois é a própria
lei que autoriza a AP, por via do poder regulamentar, a se substituir a ela.
Efetivamente, esta figura dos regulamentos autorizados ou delegados suscita questões delicadas
do ponto de vista constitucional, desde logo, do ponto de vista da inconstitucionalidade da lei que
autoriza estes regulamentos, para além da inconstitucionalidade destes regulamentos
propriamente ditos.
No entanto, tem-se entendido, conjugando esta leitura elástica do princípio da reserva de lei com
o disposto no artigo 112.º CRP, que estes regulamentos autorizados ou delegados são admitidos
desde que respeitem o princípio anterior (da preferência de lei) e não violem nenhuma
norma legal expressa.

 Precedência de lei – este princípio da precedência de lei diz-nos que não há lugar ao
exercício de poder regulamentar sem fundamento numa lei prévia anterior.
No entanto, há aqui duas exceções:
 Há a possibilidade de regulamentos do Governo se fundarem diretamente na CRP
 Há a possibilidade de regulamentos das Autarquias Locais (AL) se fundarem
diretamente na CRP

Considerando o princípio da legalidade e estas três dimensões do mesmo, que tipos de


regulamentos administrativos temos?

 Regulamentos executivos ou de execução – estes regulamentos visam colmatar lacunas


involuntárias do legislador à aplicação uniforme das leis e, em alguns casos, também
interpretá-las, precisando-as, sem, no entanto, criar nada de novo, uma vez que visam a
execução estrita da lei, repetindo de forma mais clara/mais precisa/ mais pormenorizada
os preceitos legais que executam.

 Regulamentos complementares – estes desenvolvem aspetos de uma disciplina


normativa que a lei não regulou, mas que não são necessários para que essa lei adquira
exequibilidade e seja aplicável.

 Regulamentos de desenvolvimento ou integrativos – os regulamentos de


desenvolvimento ou integrativos já são mais sensíveis do ponto de vista da conformidade
exigida com o princípio da legalidade – fixam situações de exceção ao regime geral
previsto na lei, limitados pelo fim e pelo enquadramento que essa mesma lei lhes dá.
São admissíveis nos casos em que a matéria em causa não seja objeto de reserva de lei e
devem, por isso, adotar, quando se trata de regulamentos do Governo, a forma mais solene,
que é a forma de decreto regulamentar (porque está sujeita a promulgação pelo PR).
NOTA: o problema com estes regulamentos é que estes facilmente podem ser qualificados como
regulamentos modificativos, derrogatórios, revogatórios e suspensivos da lei, os quais não são,
pelo princípio da preferência da lei, admissíveis. Nesse sentido, tem de haver uma cautela
acrescida na elaboração deste tipo de normas regulamentares à luz dos limites e do enquadramento
que é dado pela lei em relação à qual visam introduzir situações de exceção.
 Regulamentos independentes – são regulamentos que contêm disciplinas materialmente
inovatórias, e em que é marcada a discricionariedade do órgão com competência
regulamentar.
Este tipo de regulamentos suscita duvidas quanto à sua compatibilidade com o subprincípio
da precedência da lei – estas dúvidas não se colocam nos casos em que existe uma lei prévia
que apenas se limita a fixar a matéria e o órgão com competência para regulamentar sobre
essa matéria, deixando o conteúdo e sentido das normas regulamentares a elaborar a cargo
desse mesmo órgão.
Há outro tipo de regulamentos independentes que suscitam estas dúvidas de
inconstitucionalidade e incompatibilidade com o subprincípio da precedência de lei, que são
os regulamentos independentes que se fundam diretamente na CRP.

(ex.: regulamentos das AL em matérias que lhes digam especificamente respeito e que se
prendem exclusivamente com a satisfação de interesses públicos locais)
Tem-se entendido que, sem prejuízo dos casos em que exista uma lei prévia, as AL podem
exercer a sua competência regulamentar nestes casos com base diretamente no artigo 241.º
CRP.

(ex.: regulamentos do Governo que se podem fundar também diretamente na CRP, mais
concretamente na alínea g) do artigo 199.º CRP, caso em que tomam a forma de decretos
regulamentares do Governo (que é a forma mais solene, nos termos do artigo 112.º, n.º 6
CRP)

NOTA: Distinguem-se:

 Regulamentos independentes - a classificação dos regulamentos como independentes


tem que ver com a sua relação com a lei e com a maior ou menor medida dos poderes
discricionários exercidos pelo órgão com competência regulamentar, sendo ainda de
admitir regulamentos que se fundam diretamente na CRP nas situações
supramencionadas.

 Regulamentos autónomos – a classificação como regulamentos autónomos depende do


órgão que exerce a competência regulamentar:

 Se se tratar de um órgão que integra uma pessoa coletiva que constitua uma forma
de administração autónoma, então os seus regulamentos hão de se classificar
sempre como autónomos, independentemente de depois poderem ser executivos,
complementares, de desenvolvimento ou independentes (dependendo da relação
que têm com a lei).

Um regulamento independente de uma AL é também, por isso, um regulamento autónomo,


mas um regulamento independente do Governo não é um regulamento autónomo.
Regulamentos das autarquias locais
O poder regulamentar próprio das AL funda-se diretamente no artigo 241.º CRP, pelo que
não é um poder regulamentar derivado ou autorizado pelo legislador. Todavia, naturalmente, não
é um poder à margem do princípio da legalidade e não deixa de estar em conformidade com os
subprincípios da preferência de lei, da reserva de lei e, em alguma medida, quando exista, da
precedência de lei.
Recebe, por causa disso, o fundamento da sua validade diretamente da CRP. Sabendo isto, é
necessário fazer uma distinção entre os regulamentos que os órgãos das AL aprovam no domínio
das atribuições próprias e exclusivas (1), que são os que se fundam diretamente no artigo 241.º
CRP daqueles outros que retiram a sua legitimidade, porque existe uma lei anterior, de uma
autorização dada por essa mesma lei (2).

1. Os regulamentos que os órgãos das AL aprovam no domínio das suas atribuições próprias
e exclusivas, tendo em vista a satisfação dos interesses públicos locais, e que se fundam
diretamente no artigo 241.º CRP são, não apenas regulamentos autónomos, mas também
regulamentos independentes.
Ou seja, são resultado do exercício de um poder normativo reservado às AL e, por outro lado,
não visam complementar nem executar o estabelecido na lei, na medida em que assentam
diretamente no artigo 241.º CRP.

2. Os segundos, que são aqueles que, pese embora o disposto no artigo 241.º CRP, retiram
a sua legitimidade de uma autorização que é dada por uma lei, podem ser ou não
regulamentos independentes em função da discricionariedade regulamentar que essa
mesma lei lhes confere, devendo em todo o caso fazer uma referência a essa mesma lei,
nos termos do n.º 7 do artigo 112.º CRP.
Independentemente de serem independentes, complementares, de desenvolvimento ou de
execução, são sempre regulamentos autónomos, porque são fruto do exercício de órgãos que
integram pessoas coletivas que constituem formas de administração autónoma.

Os regulamentos independentes das AL tomam a designação específica de POSTURAS.

Aula n.º 12 – 19-03-2021 – ‘1. A publicidade e a eficácia dos regulamentos administrativos. 2. Invalidade
própria (artigo 143.º CPA) e invalidade derivada dos regulamentos administrativos. 3. Regime da invalidade dos
regulamentos administrativos - artigo 144.º do CPA.’

Dentro dos regulamentos das AL há três tipos de regulamentos merecedores de destaque,


considerando a matéria em que incidem:

 Regulamentos das AL em matéria de DLG


Nos termos da alínea b), do n.º 1 do artigo 165.º CRP está prevista uma reserva relativa de
competência da AR – cabe à AR legislar ou autorizar o Governo a fazê-lo, concedendo-lhe uma
lei de autorização nesse sentido. Isto é salientado pelo n.º 3 do artigo 18.º CRP, que se refere
especificamente à restrição de DLG com recurso a lei formal (Lei da AR ou DL do Governo).
No entanto, a doutrina, em especial o professor Vieira de Andrade, tem entendido que estas duas
disposições combinadas não parecem determinar uma proibição absoluta de que as AL aprovem
regulamentos em matéria de DLG, desde que se trate de regulamentos autorizados por Lei da AR
ou por DL autorizado do Governo e que os mesmos se contenham nos estritos termos da
autorização concedida.
A primeira intervenção sobre esta matéria tem de passar obrigatoriamente pela AR ou pelo
Governo, mas isso não preclude a possibilidade de que, desde que não haja nenhuma inovação da
regulamentação dos direitos em causa e desde que não haja a imposição de novas restrições a
estes direitos (isto é, desde que os regulamentos das AL se contenham nos estritos termos da lei
da AR ou do DL do Governo) nada há a obstar à existência de regulamentos das AL em
matéria de DLG.
Isto justifica-se, até, pelas questões de igualdade associadas: é o próprio princípio da igualdade
que impõe que haja uma diferenciação em função das especificidades de interesses próprios das
diferentes populações nas circunscrições territoriais em que habitam.

 Regulamentos das AL em matéria de criação de taxas municipais


A CRP não veda a constituição de taxas pelas AL – o que estabelece é uma reserva de lei e de
competência legislativa quanto à definição do regime geral das taxas. Este regime geral das taxas
está sujeito a uma reserva de lei e de competência legislativa, mas, pese embora isso, a criação
das taxas propriamente ditas não parece estar vedada pela CRP às AL.
O que sucede é que a CRP veda aos órgãos autárquicos é a criação de novos impostos – os
órgãos autárquicos não podem criar novos impostos, que só podem ser criados pela AR ou por
DL autorizado, mas podem criar taxas.
Esta foi uma questão interessante, porque há aqui uma necessidade com referência a cada uma
das taxas das autarquias locais de perceber se efetivamente têm a natureza jurídica de taxas ou se,
na verdade, não têm qualquer tipo de contraprestação. Assim, é necessário, para se perceber até
que ponto é que a reserva de lei e a competência legislativa estão a ser respeitadas, saber se a
denominação corresponde à substância ou não (podemos ter um imposto ao qual as AL dão o
nomen iuris de taxa).

 Regulamentos das AL que criam contraordenações


Não há razões convincentes para negar às AL o poder de criar contraordenações. O artigo 2.º do
Regime Geral das Contraordenações sujeita as contraordenações ao princípio da legalidade e
determina que o facto só será punível como contraordenação e passível de ser aplicável uma coima
se for tipificado como tal por lei anterior ao momento da sua prática.
A questão é: o que devemos entender por ‘lei anterior ao momento da sua prática’? – refere-se
à lei em sentido formal, e, portanto, é necessária uma lei da AR, um DL do Governo ou um DLR?
Ou podemos ler esta expressão num sentido mais amplo, com apelo ao conceito de lei em sentido
material, onde se incluem já os regulamentos administrativo?
Aqui tem-se entendido, mas não é consensual, que a CRP, ao mesmo tempo que reconhece às AL
um poder regulamentar independente, também por isso faz sentido que lhes reconheça o poder de
criar e aplicar sanções correspondente ao incumprimento dos regulamentos que faz pelos
particulares.
Duas posições a dar relativamente ao Regime Geral das Contraordenações:
Assim, pese embora o facto de se poder interpretar num sentido mais restritivo esta menção à lei
no artigo 2.º do Regime Geral das Contraordenações, há quem entenda que, por causa disso, esta
lei deve ser entendida, não só como lei em sentido formal, como também em sentido material,
habilitando-se as AL, por regulamento, a criarem contraordenações.
Noutra perspetiva mais cautelosa e mais consentânea com o artigo 2.º do Regime Geral das
Contraordenações (mais apegada ao teor literal da norma) entende-se que, em matéria
sancionatória, as AL nada mais podem fazer que concretizar e executar as leis que preveem e
disciplinam as contraordenações e não criar novas sanções/ contraordenações para além daquelas
que a lei já prevê.

NOTA: a noção de regulamentos independentes não se confunde com a noção de regulamentos autónomos:
a qualificação de um regulamento como autónomo depende da sua proveniência (sendo proveniente de uma
pessoa coletiva que constitui uma forma de administração autónoma, serão regulamentos autónomos), já a
classificação como independentes, ou não, depende da relação que os regulamentos têm com a lei e com a
intensidade de vinculação imposta pela lei que lhes serve de base.

Haverá também lugar a regulamentos independentes quando o Governo decida regulamentar uma
determinada matéria fundamentando-se diretamente na CRP (alínea g) do artigo 199.º CRP), ou quando,
tratando-se de uma AL, o que se pretenda seja a regulamentação de interesses públicos específicos da
circunscrição territorial daquela mesma AL (nesse caso a própria CRP confere a possibilidade à AL de
emitir regulamentos com base no artigo 241.º CRP).

Requisitos de eficácia dos regulamentos administrativos


Os regulamentos administrativos são antecedidos de um procedimento administrativo – há um
procedimento regulamentar geral previsto no CPA (apenas para as normas regulamentares com
eficácia externa, mas que acaba também por se aplicar às normas regulamentares com eficácia
interna – artigos 97.º e ss. CPA).
Depois, por outro lado, temos procedimentos regulamentares especiais que são regidos, em
primeira linha, pelo disposto em legislação especial e subsidiariamente pelo CPA, nos termos do
artigo 2.º, n.º 5 CPA – é o que acontece com os regulamentos das AL (cuja elaboração é regida,
em primeira linha, pela Lei 75/2013); com os regulamentos das EAI com personalidade jurídica
pública (autoridades reguladoras independentes – regidos, em primeira linha, pela Lei n.º
67/2013, que disciplina algumas normas específicas de natureza procedimental, sem prejuízo de
depois, em cada um dos estatutos das várias autoridades reguladoras independentes,
existirem normas especiais sobre o exercício da sua competência regulamentar); com os
regulamentos das ordens profissionais (cuja elaboração é regida, em primeira linha, pelo
respetivos estatutos de cada uma das ordens profissionais e pela Lei das associações públicas
profissionais).

Os traços gerais deste procedimento regulamentar, que enquadra o exercício da competência


regulamentar e que se conclui com a prática de um regulamento administrativo, são muito
semelhantes ao do ato administrativo, na medida em que neste procedimento também se inclui
uma fase dedicada à audição dos interessados (que se processa de modo diferente do dos atos
administrativos, por força das características da generalidade e abstração dos regulamentos).
Dito isto, os regulamentos administrativos estão sujeitos ao PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE
– a publicação dos regulamentos administrativos é um momento essencial para a proteção da
posição jurídica dos administrados que só assim tomam conhecimento das normas que os afetam
– é, portanto, uma decorrência do Estado de direito democrático e da garantia de proteção
jurisdicional efetiva (se houvesse um secretismo em torno dos regulamentos que são aprovados e que
estão em vigor, de que forma é que se poderia exigir o seu cumprimento?).

Fala-se aqui na publicidade de TODOS os regulamentos, pese embora a publicidade para os


regulamentos com eficácia externa seja mais exigente:

 No caso dos regulamentos com eficácia externa a publicidade é essencial como


mecanismo da proteção da posição jurídica dos administrados, porque aí estão em causa
normas que os podem potencialmente afetar;
 Já no caso dos regulamentos com eficácia interna, estes não produzem efeitos para lá
da esfera de uma determinada estrutura administrativa, motivo pelo qual o terem de ser
publicados para proteger os administrados que podem ser afetados por estas mesmas
normas não seja a justificação.
A exigência de publicidade dos regulamentos com eficácia meramente interna impõe-se pela
exigência constitucional da transparência da AP.

Agora, a forma como a publicidade é feita e as exigências a que está sujeita varia no caso de
o regulamento ter eficácia interna ou externa:

 No caso dos regulamentos com eficácia externa, há uma norma essencial que é o artigo
139.º CPA – este artigo é aplicável, por causa do artigo 135.º CPA, somente aos
regulamentos com eficácia externa.
Este artigo prevê uma regra geral de publicação oficial em DR, muito embora preveja a
possibilidade de publicação no boletim oficial da entidade pública e no sítio institucional da
entidade em causa.
(ex.: artigo 56.º, n.º 2 Lei 75/2013 – caso das AL – se a publicação em boletim oficial da
entidade pública ou no sítio institucional da entidade em causa, para além da publicação em
DR, é ou não obrigatória, tal resulta das normas especiais que disciplinam o tipo específico
de entidade ou regulamento que está em causa)
Uma coisa é certa: a publicação dos regulamentos em DR é sempre uma exigência,
independentemente do tipo de regulamento com eficácia externa e da entidade que os emana.

 Se se tratar de um regulamento com eficácia interna como se satisfaz esta exigência de


publicidade? Não é necessária a publicação em DR, mas o princípio da transparência
exige que se publique, pelo menos, no sítio institucional da entidade em causa.

NOTA: Imagine-se os regulamentos híbridos em que temos normas regulamentares com


eficácia interna e normas regulamentares com eficácia externa – o que fazemos? Publicamos umas
no DR (as de eficácia externa) e outras somente no sítio institucional da entidade em causa (com
eficácia interna)? Não, nestes casos nivelam-se as exigências de publicidade pelo termos em que
as normas regulamentares com eficácia externa devem ser publicadas e publica-se tudo no DR.
Ou seja, no caso dos regulamentos híbridos sujeita o regulamento em si às exigências de
publicidade mais solenes (previstas no artigo 139.º CPA referentes aos regulamentos com eficácia
externa), isto é, exige-se a sua publicação em DR, sem prejuízo de também estar prevista a
publicação no boletim oficial da entidade pública e também no sítio institucional da entidade em
causa.

Artigo 140.º CPA – os regulamentos com eficácia externa entram em vigor na data neles
estabelecida ou no 5.º dia após publicação. A entrada em vigor destes regulamentos contabiliza-
se a partir do momento em que eles são publicados em DR.
Os regulamentos com eficácia interna produzem efeitos na data neles estabelecida ou a partir
do dia da publicação no sítio institucional da entidade em causa.
Por outro lado, se forem híbridos vale o disposto no artigo 140.º CPA (regime dos regulamentos
com eficácia externa).

Regime de invalidade dos regulamentos administrativos


O artigo 143.º CPA refere-se à invalidade própria dos regulamentos nos casos em que eles sejam
desconformes com a CRP, com a lei, com os princípios gerais de Direito Administrativo, com
normas de DUE, normas de Direito Internacional ou nos casos em que sejam desconformes com
outros regulamentos aos quais devem obediência por se considerarem hierarquicamente
superiores (alíneas a) e b), do n.º 2 do artigo 143.º CPA) ou ainda por desrespeitarem os estatutos
nos quais se funda a competência regulamentar que exerceram para emanar o regulamento em
causa (alínea c), do n.º 2 do artigo 143.º CPA).

Não há aqui uma qualificação mais densa dos vícios como sucede com o ato administrativo, na
medida em que acaba por ser indiferente a norma legal violada, o princípio infringido ou a norma
constitucional que seja posta em causa, etc. – o que se estabelece no artigo 143.º CPA é a
invalidade do regulamento nos casos em que esteja em desconformidade com um conjunto de
parâmetros (enunciados no artigo 143.º CPA – são estes e mais nenhuns para além deles [norma
exaustiva]).
O artigo 143.º CPA prevê a invalidade do regulamento administrativo e a invalidade que prevê é
uma INVALIDADE PRÓPRIA, ou seja, do próprio regulamento administrativo que está
desconforme com os parâmetros já enunciados, independentemente de as normas que estejam
a ser violadas serem normas que estabeleçam exigências formais, de conteúdo e sentido ou
de competência – é absolutamente indiferente o conteúdo da norma com a qual o regulamento é
desconforme para o efeito de se apurar se ele é ou não inválido.
Também pode suceder, para além destas situações de invalidade própria do artigo 143.º CPA, que
o regulamento seja inválido derivadamente, ou seja, que haja na verdade uma INVALIDADE
DERIVADA do regulamento, o que sucede quando ao longo do procedimento que antecede o
regulamento administrativo são praticados atos administrativos inválidos – invalidade essa que se
vai repercutir no regulamento que põe termo a esse mesmo procedimento.
Tal só ocorre se efetivamente entre esse ato administrativo praticado no procedimento
regulamentar e o regulamento administrativo que é resultado desse mesmo procedimento existir
uma relação de dependência/ conexão jurídica – esse ato administrativo inválido tem de pré-
determinar a existência, o sentido e conteúdo do regulamento para o efeito da invalidade do ato
administrativo praticado no procedimento regulamentar afetar a validade do regulamento que
vier a por termo e esse mesmo procedimento.

(ex.: Imagine-se que foi praticado um ato administrativo inválido no procedimento


regulamentar que antecede o regulamento propriamente dito (essa invalidade traduz-se no
desvalor jurídico da anulabilidade) – a validade do regulamento administrativo apenas é
afetada se esse ato administrativo for anulado administrativamente ou judicialmente [este
reflexo invalidante não é automático, pelo que não é pelo facto de ter sido praticado um ato
administrativo inválido num procedimento regulamentar que, só por isso, o regulamento que
põe termo a esse procedimento é inválido])

Portanto, a invalidade derivada do regulamento é uma consequência, não da mera


anulabilidade do ato administrativo, mas da sua anulação – isto comporta uma consequência
muito relevante quando o prazo para se impugnar o ato administrativo se ultrapasse.

Como se sabe à anulabilidade está sujeita a prazo. Vamos imaginar que foi ultrapassado – o
regulamento administrativo que poe termo ao procedimento é inválido? Nesse caso, o ato
administrativo consolida-se por efeito do decurso tempo e deixa de poder ser objeto de
impugnação administrativa ou judicial, o que implica a impossibilidade de o regulamento venha
a ser declarado inválido com esse fundamento.

Síntese dos três requisitos cumulativos da invalidade derivada dos regulamentos administrativos:

1. Depende da invalidade de atos administrativos praticados no procedimento que antecede esse


mesmo regulamento
2. Depende da existência de uma conexão jurídica entre esse ato administrativo e o regulamento, na
medida em que esse ato administrativo determina a existência, o conteúdo e o sentido do
regulamento
3. É necessário que esse ato administrativo tenha sido anulado ou declarado nulo ou inexistente
juridicamente (sendo que a anulação está sujeita a prazo)

Depois, no artigo 144.º CPA estão previstas as consequências dessa invalidade (seja própria ou
derivada).
Esta norma tem uma função semelhante à da nulidade e anulabilidade dos atos administrativos,
pelo que procura explicar qual o significado jurídico da invalidade própria ou derivada do
regulamento administrativo. A invalidade pode ser invocada a qualquer tempo por qualquer
interessado, podendo a sua invalidade ser declarada a todo o tempo por órgão competente.
Quem tem competência para, administrativamente (apenas), declarar a invalidade de um
regulamento administrativo, isto sem prejuízo do papel dos tribunais (sobre o qual não nos vamos
pronunciar agora)?
A invalidade/ilegalidade de um regulamento pode ser declarada judicialmente ou
administrativamente e esta declaração de ilegalidade/invalidade administrativa pode ser feita
oficiosamente pela AP, independentemente de qualquer pedido nesse sentido, ou então na
sequência de reclamação ou de recurso.

A utilização de reclamação e de recurso vale apenas para normas regulamentares com eficácia
externa, já a declaração administrativa oficiosa pode ter lugar quer face a regulamentos dotados
de eficácia externa, quer face a regulamentos dotados de eficácia interna.

Considerando apenas a declaração de invalidade/ilegalidade administrativa de regulamentos, com


eficácia interna ou externa, quem tem competência são os órgãos administrativos que emitiram
o regulamento invalido (há uma exclusividade de competência referente aos órgãos
administrativos competentes para a emissão do regulamento inválido).
Esta exclusividade vale sem prejuízo de duas situações:

 Tambem os órgãos administrativos que exerçam poderes de tutela e/ou superintendência


sobre os órgãos com competência regulamentar são competentes para declarar a
invalidade de normas regulamentares criadas por estes.

 Sem prejuízo disto (ponto anterior e a exclusividade de competência), nada disto exclui
a desaplicação de normas regulamentares inválidas – pode suceder que um órgão não
tenha competência para declarar a invalidade do regulamento, mas tal não quer dizer que
não possa desaplicar normas regulamentares inválidas. Ou seja, todos os órgãos
administrativos podem (ou devem) desaplicar normas regulamentares inválidas.

Se se reparar o n.º 1 do artigo 144.º CPA refere ‘pode’ pelo que é mais simples defender-se que
a declaração administrativa da invalidade de regulamentos é uma mera possibilidade e que a
desaplicação pelos órgãos administrativos desses regulamentos é também uma possibilidade. É
neste sentido que vai a professora Ana Raquel Moniz.
A professora Juliana Coutinho (bem como os professores, Colaço Antunes, Paulo Otero e Pedro
Moniz Lopes) discorda e entende que, pese embora a utilização por parte do legislador do termo
‘pode’, que atribui à AP discricionariedade, não pode ser lido desta forma, por respeito ao
princípio da legalidade – parece grave a possibilidade de se admitir que a AP esteja consciente da uma
ilegalidade de um regulamento e que, ainda assim, tenha a possibilidade de não os declarar inválidos,
cometendo conscientemente e quotidianamente ilegalidades, porque há uma discricionariedade neste
sentido.

Este termo ‘pode’ deve ser lido em consonância com o princípio da legalidade (artigo 3.º CPA e
artigo 266.º CRP) – portanto, apesar desta expressão ‘pode’, que abre apriori a possibilidade de
não haver uma vinculação estrita no sentido da declaração de invalidade do regulamento, a
professora entende que não faz sentido atribuir aos órgãos administrativos discricionariedade na
execução do princípio da legalidade, pelo que a um intérprete responsável impõe-se que interprete
o disposto no artigo 144.º, n.º 1 CPA tendo em conta esse mesmo princípio.
Aula n.º 13 – 22-03-2021 – ‘1. Conclusão da aula anterior. 2. A omissão de regulamentos administrativos
devidos. Jurisprudência relevante: Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 9 de setembro de 2016,
Processo 00510/11.4BECBR’

Artigo 144.º CPA – prazo:


A invalidade de um regulamento pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado e
isto vale independentemente de o interessado querer reagir utilizando os mecanismos de reação
administrativa ou contenciosa (artigo 144.º, n.º 1 CPA e artigo 74.º, n.º 1 CPTA). Faz sentido
que em matéria de prazos haja esta articulação entre os mecanismos de reação contenciosa e os
mecanismos de reação administrativa.

No entanto, repare-se que o n.º 2 introduz uma EXCEÇÃO (artigo 74.º, n.º 2 CPTA).
Qual é aqui a regra? A invalidade dos regulamentos pode ser invocada a todo o tempo e isto vale
sem qualquer tipo de exceção para as ilegalidades materiais, para as ilegalidades orgânicas e
para as ilegalidades formais ou procedimentais de que resulte inconstitucionalidade ou que se
traduzam numa de duas situações: carência absoluta de forma legal OU preterição de consulta
publica exigida por lei.
Só assim não é, havendo um limite de 6 meses, para a impugnação administrativa ou contenciosa
OU para a declaração oficiosa (independentemente de impugnação nesse sentido) nos demais
casos, para além dos enunciados, de ilegalidade formal ou procedimental.

Omissão de normas regulamentares


Há situações em que os regulamentos administrativos são necessários e imprescindíveis/ devidos
– a esses casos se refere o artigo 137.º CPA.
Temos de perceber quando é que há este caráter devido das normas regulamentares por efeito
vinculativo, nesse sentido, das normas legais, ou seja, são as normas legais que vinculam a AP à
emissão de um regulamento administrativo – caso em que ele se torna devido ao ponto de, passado
um determinado prazo sem que tenha sido emitido, se entenda que há lugar a uma omissão de
norma regulamentar.
Contudo, a omissão de uma norma regulamentar, para ser juridicamente relevante, tem de se
referir a uma norma devida, ou seja, tem de ser exigida por lei.

Podemos enunciar 4 situações em que as normas regulamentares devem ser tidas por devidas:

 Quando haja uma norma legal que expressamente imponha a necessidade de


regulamentação
 Quando há uma norma legal que remeta a sua regulamentação para uma norma
regulamentar
 Quando, perante uma situação concreta, e muito embora não se verificando nenhuma das
situações anteriores, se verifique uma situação de redução da discricionariedade a zero
quanto à emissão de regulamentos administrativos, ao ponto de não se poder dar uma
solução àquela situação sem uma norma regulamentar que a discipline
 Quando a AP e os tribunais chegam à conclusão de que é impraticável a aplicação de
uma norma legal sem regulamentação administrativa
Em qualquer uma destas situações tem de haver um prazo em que se dá à AP a oportunidade de
emitir o regulamento devido – esse prazo das duas uma: OU resulta expresso de norma legal que
impõe essa regulamentação administrativa OU então, não resultando expresso de norma legal,
vale o prazo de 90 dias (úteis) a que se refere o artigo 137.º, n.º 1 CPA.
Além disso, se se chegar à conclusão de que o legislador não emitiu a norma devida, o TC a única
coisa que faz é verificar a inconstitucionalidade por omissão e dar dela conhecimento ao órgão
com competência para o efeito. Ora, aqui, é completamente diferente – quando há lugar a uma
omissão de norma regulamentar devida é possível reagir junto dos tribunais administrativos
ou administrativamente por via da reclamação e do recurso administrativo, sendo que no caso
do recurso contenciosa sentença proferida pelo tribunal administrativo é uma SENTENÇA
CONDENATÓRIA (ou seja, o tribunal administrativo condena o órgão com competência
regulamentar para emitir o regulamento administrativo a fazê-lo num determinado prazo).
No caso do recurso administrativo não temos, naturalmente, uma decisão condenatória nos exatos
termos em que se sucede quando falamos de sentenças judiciais, mas podemos ter uma ORDEM
DE EMISSÃO DE REGULAMENTO DEVIDO.
Quer num caso como no outro há uma tutela efetiva com efeitos claros, ao contrário do que se
sucede nos casos de inconstitucionalidade por omissão.

NOTA: Artigo 77.º CPTA – Nos casos de reação contenciosa, o que sucede é que o tribunal se
limita a constatar a falta do regulamento e a declarar uma ilegalidade por omissão, emitindo uma
sentença condenatória que condena o órgão com competência regulamentar a emitir o
regulamento administrativo em falta num determinado prazo. Em termos da feitura da sentença o
juiz terá de fazer a apreciação da maior ou menor discricionariedade conferida à AP pela norma
legal em causa e, sem prejuízo de em todo o caso condenar a entidade competente à feitura do
regulamento em falta, deverá ponderar e estabelecer elementos vinculativos (ou não [em caso de
maior discricionariedade]) a observar por parte da AP e, mais concretamente, por parte do órgão
competente.

NOTA 2: não é possível uma sentença produzir o mesmo efeito que uma norma
regulamentar em falta – tendo em conta que as normas regulamentares são gerais e abstratas
não é possível que uma sentença se substitua à norma regulamentar devida [tal acontece ao nível
dos atos administrativos].

___//___ (fim dos regulamentos administrativos)

 Contratos administrativos (forma jurídico-pública de atividade administrativa)


NOTA: Vamos apenas referir-nos aos contratos que constituem formas jurídico-públicas de
atuação, ou seja, cujo procedimento de formação, celebração e execução são regidos apenas por
normas de Direito Administrativo.
Dentro deste universo (dos contratos cuja formação, celebração e execução são regidos por
normas de Direito Administrativo) temos de fazer uma distinção entre contratos públicos e
contratos administrativos. O conceito de contrato público é mais amplo que o conceito de contrato
administrativo.
Contratos públicos
NOTA INICIAL: Contrato é um acordo de vontades entre dois ou mais sujeitos de Direito,
dirigido à produção de efeitos jurídicos, em que seja parte um contraente público – a ideia de
acordo de vontades é essencial, na medida em que não há contrato sem consenso. O contrato gera,
portanto, uma relação jurídica contratual que se traduz, pelo menos para uma das partes, na
produção de efeitos jurídicos obrigatórios.

Um CONTRATO PÚBLICO para o ser necessita apenas de ter como uma das suas partes
um contraente público que poderá ser, para este efeito, uma pessoa coletiva pública ou uma
pessoa coletiva privada sujeita a influência pública dominante.
Assim, especificidade dos contratos públicos está no facto de uma das partes, pelo menos, ser
contraente público (noção tratada no Código dos Contratos Públicos, a par da noção de entidade
adjudicante).

1. A noção de ENTIDADE ADJUDICANTE está prevista no artigo 2.º do Código dos


Contratos Públicos – regra geral, estas entidades podem ser também contraentes
públicos, sendo que há contraentes públicos que não são entidades adjudicantes e
entidades adjudicantes que não são contraentes públicos

Esta qualidade subjetiva de entidade adjudicante refere-se ao procedimento pré-contratual, isto é,


é uma figura cuja relevância está limitada ao procedimento pré-contratual (que antecede a
celebração do contrato administrativo), que se inicia pela tomada pela entidade adjudicante de
uma decisão de contratar (artigo 36.º CCP) e conclui-se com a prática, também pela entidade
adjudicante, de uma decisão, que se qualifica como ato administrativo e que poderá ter um de dois
sentidos ou objetos:

 Poderá ser um ato administrativo de adjudicação – ato administrativo que adjudica o


contrato a um dos concorrentes (artigo 76.º CCP)

 Poderá ter o sentido de não adjudicação - pode suceder que, terminado o procedimento
pré-contratual, ninguém tenha apresentado uma proposta, que todas as candidaturas ou
propostas tenham sido excluídas por um motivo ou por outro, que haja circunstâncias
imprevistas que levem a que aspetos fundamentais do procedimento sejam alterados, que
circunstâncias supervenientes façam com que deixe de fazer sentido contratar, pode ser
que nenhuma das soluções apresentadas satisfaça as necessidades e as exigências da
entidade adjudicante, etc. (artigo 79.º CCP – alíneas a)-f) do n.º 1)
Naturalmente que esta decisão de não adjudicação, por ser desfavorável aos concorrentes,
tem de ser devidamente fundamentada, e, em alguns casos, pode a entidade adjudicante ter
de indemnizar os concorrentes, cujas propostas não tenham sido excluídas, pelos encargos
em que comprovadamente incorreram com a elaboração das respetivas propostas – artigo
79.º, n.º 4 CCP (forma de acautelar a tutela de terceiros de boa-fé).
Esta figura tem uma relevância muito limitada ao procedimento que antecede a celebração do
próprio contrato. A decisão de contratar traduz-se na decisão tomada pela entidade adjudicante
de, entre várias alternativas ao nível da prossecução de um determinado fim de interesse público,
escolher pela celebração de um determinado tipo de contrato, com um determinado conteúdo.
Essa decisão de contratar tem de ser devidamente fundamentada para que se perceba o porquê
dessa opção de adotar a via contratual, em detrimento de outras (artigo 36.º CCP).
Naturalmente que, no decurso de um procedimento pré-contratual, são praticados vários atos
jurídicos, alguns deles, inclusivamente, atos administrativos (ex.: como sucede com o ato que
exclui um concorrente de um procedimento pré-contratual) e todos esses atos são praticados pela
entidade adjudicante responsável por aquele procedimento pré-contratual.

2. A noção de CONTRAENTES PÚBLICOS está previsto no artigo 3.º do Código dos


Contratos Públicos
A figura de contraentes públicos respeita à participação no contrato administrativo, isto é, à
condição de parte numa relação jurídica contratual administrativa. Ou seja, contraentes públicos
são os sujeitos que são parte ou podem ser parte num contrato público e estes sujeitos estão
previstos no artigo 3.º CCP.

Decompondo isto (quem são entidades adjudicantes? / Quem são contraentes públicos?)

Sabendo o significado da figura das entidades adjudicantes, vamos saber quem são as entidades
adjudicantes:

 Pessoas coletivas públicas (todas elas) – todas têm a capacidades jurídica, pelo simples
facto de terem natureza pública, de darem início, de participarem e de porem termo a um
procedimento pré-contratual.

 Organismos de Direito Público – esta é uma noção nova em matéria de organização


administrativa e tem uma justificação para o ser, porque a noção de organismo de Direito
Público é uma noção de DUE, que tem um âmbito de aplicação limitado à contratação
pública. Trata-se de uma noção de DUE, funcional, que assenta em critérios de natureza
substantiva, indiferente à qualificação formal das entidades a que se refere como pessoas
coletivas privadas.
Os critérios funcionais substantivos que compõem esta noção funcional são os previstos nas
no artigo 2.º, n.º 2, alínea a), subalíneas i) e ii) CCP – estas caraterísticas são de verificação
cumulativa. Consideram-se organismos de Direito Público, para este efeito, as empresas
públicas constituídas sobre a forma de S.A.; as empresas locais e, dependendo já dos seus
estatutos e dos poderes de controlo a que estão sujeitos, as IPSS e as pessoas coletivas de
mera utilidade pública que preencham estes requisitos.
As empresas públicas sobre a forma de S.A. e as empresas locais preenchem estes requisitos
previstos nas subalíneas i) e ii) supramencionadas, ao passo que as IPSS e as pessoas coletivas
privadas com estatuto de mera utilidade pública podem ou não preencher – pode suceder que
tenhamos IPSS que sejam consideradas organismos de Direito Público e outras que não o sejam,
o mesmo sucedendo com as pessoas coletivas privadas com estatuto de mera utilidade pública.
 Associações privadas de que façam parte pessoas coletivas públicas ou organismos
de Direito Público, desde que maioritariamente financiadas ou sujeitas a controlo de
gestão, ou detentoras de um órgão de administração, direção ou fiscalização, cuja maioria
dos titulares seja direta ou indiretamente designada por pessoas coletivas públicas ou por
organismos de Direito Público.
(ex.: Associação Nacional de Municípios Portugueses)

Nos termos do artigo 3.º CCP são contraentes públicos:

 Pessoas coletivas públicas

 Organismos de Direito Público, desde que os contratos por si celebrados sejam, por
vontade das partes, qualificados como contratos administrativos ou submetidos a um
regime substantivo de Direito Público, articulando-se, para este efeito, o disposto no
artigo 2.º, n.º 2, a) com o disposto no artigo 3.º, n.º 1, b) CCP.

 Associações privadas constituídas por organismos de Direito Público


maioritariamente financiadas por estes, sujeitas ao seu controlo de gestão ou como
órgão de direção ou de fiscalização cuja maioria dos titulares seja direta ou indiretamente
designado por estes, sempre que os contratos por si celebrados sejam, por vontade das
partes, qualificados como contratos administrativos ou submetidos a um regime
substantivo de Direito Público, o que resulta da articulação artigo 2.º, n.º 2, d) CCP e da
artigo 3.º, n.º 1, b) CCP.

 Quaisquer entidades que, independentemente da sua natureza pública ou privada,


celebrem contratos no exercício de funções materialmente administrativas – é o que
se sucede com os concessionários e com outras entidades privadas que desempenham
funções materialmente administrativas, nos termos do artigo 3.º, n.º 2 CCP.
__//__

Ora, os contratos públicos (cuja formação, celebração e execução são regidas por normas de
Direito Administrativo) podem ser regidos por normas de Direito Privado ou por normas de
Direito Público:

 Quando são regidos por normas de Direito Privado são CONTRATOS PÚBLICOS
NÃO ADMINISTRATIVOS (ou contratos públicos de Direito Privado)
Contratos públicos são todos aqueles que, independentemente da sua designação e natureza, sejam
celebrados por um contraente público, mas que estão sujeitos a normas de Direito Privado.
No entanto, apesar de regidos pelo Direito Privado, há aqui uma disciplina mínima de Direito
Administrativo, que se refere aos princípios gerais de Direito Administrativo que são aplicáveis
(artigo 2.º, n.º 3 CPA e artigo 202.º, n.º 2 CPA). Assim, o Direito Privado que lhes é aplicável
não é semelhante ao regime que seria aplicável se uma das partes não fosse sujeito de Direito
Público – há aqui necessariamente uma disciplina mínima de Direito Administrativo, que se refere
aos princípio gerais e aos preceitos do CPA que sejam concretização direta da CRP.
 Quando são regidos por normas de Direito Público, são CONTRATOS
ADMINISTRATIVOS
O conceito de contrato administrativo é mais restritivo que o conceito de contrato público, pelo
que não compreende apenas um único elemento, mas sim 3 elementos:

 O contrato administrativo é um negócio jurídico plurilateral/ multilateral,


motivo pelo qual, sem a existência de, pelo menos, duas partes que expressam as
suas vontades de forma livre e autónoma por via das suas declarações não há
acordo e, portanto, não há contrato.

 Uma das partes deste contrato administrativo deve ser um contraente


público, sendo que este poderá ser uma pessoa coletiva pública ou uma pessoa
coletiva privada sujeita a influencia pública dominante.

 O contrato tem de estar sujeito a um regime substantivo de Direito Público,


ou seja, o contrato, para ser qualificado como contrato administrativo, não basta
que envolva a AP ou que o procedimento que o antecede seja pautado pelo
Direito Administrativo – exige-se que as relações contratuais que daí resultam sejam
reguladas materialmente por Direito Administrativo, excluindo-se uma qualquer
regulação a título principal pelo Direito Privado (artigos 200.º CPA e 278.º CCP)

Assim, os órgãos administrativos nem sempre atuam através de uma estrutura unilateral, pelo que
nem sempre a atividade administrativa se reconduz à imposição de uma vontade de um sujeito de
Direito, que é a AP, a um outro sujeito de Direito, que são os administrados (é o que sucede no
âmbito dos atos administrativos e dos regulamentos administrativos, ainda que com algumas
exceções).
À partida um ato administrativo e um regulamento administrativo são formas unilaterais da
vontade da AP, sendo que não é isso que sucede nos contratos administrativos, onde há um acordo
de vontades, que originam um contrato, que poderá ser público ou administrativo.

Aula n.º 14 - 26-03-2021 – ‘1. Contratos públicos: contratos públicos não administrativos ou de direito
privado e contratos administrativos. 2. Entidades adjudicantes e contraentes públicos: conceitos/análise dos artigos
2.º e 3.º do CCP. 3. Espécies e tipos de contratos administrativos. 4.Definição do regime jurídico aplicável às
diferentes espécies de contratos administrativos considerando o seu objeto.

(continuação…)
Os contratos administrativos são submetidos a um regime de Direito Administrativo, quanto ao
procedimento, formação, celebração, execução e resolução de litígios contratuais (artigos 200.º
CPA e 278.º CCP).
‘São contatos administrativos os que como tal são classificados no CCP ou em legislação
especial’
Assim, o que o legislador fez, tendo em consideração os critérios supramencionados, foi tipificar
expressamente os contratos administrativos.
Previstos no CCP (lista taxativa):

 Contrato de empreitada de obras públicas


 Contrato de concessão de obras públicas
 Contato de concessão de serviços públicos
 Contrato de concessão de exploração do domínio público
 Contrato de locação de bens móveis
 Contrato de aquisição de bens móveis
 Contrato de aquisição de serviços
 Contrato de sociedade
 Contrato sobre o exercício de poderes públicos
 Contrato interadministrativo

Previstos em lei especial (lista meramente exemplificativa):

 Contrato de locação financeira de bens imóveis


 Contrato de constituição do direito de superfície sobre bens imóveis do domínio privado
 Contrato de concessão de subvenções públicas
 Contrato-programa de redução da carga poluente
 Contrato de promoção ambiental
 Contrato de trabalho em funções públicas
 Contrato de concessão ou de atribuição de benefícios fiscais

Dentro dos contratos administrativos, podemos distinguir vários tipos de contratos consoante os
critérios:

 Critério dos sujeitos intervenientes


Relativamente a este critério podemos distinguir contratos em que são parte um contraente público
e um ou vários privados (contratos administrativos típicos) e os contratos apenas entre
contraentes públicos (contratos interadministrativos, como sucede com os contratos de
delegação de competências celebrados entre o Estado e as AL, nos termos dos artigos 116.º a
131.º da Lei n.º 75/2013).

 Critério do objeto do contrato


Quanto ao objeto podemos distinguir entre contratos de atribuição, contratos de colaboração e
contratos de cooperação.
 Contratos de atribuição são todos aqueles cuja prestação determinante compete
ao contraente público, envolvendo uma certa vantagem a favor do cocontraente
que, por isso mesmo, suporta uma contrapartida (ex.: contrato de fornecimento
de água).

 Os contratos de colaboração, pelo contrário, dizem respeito a todos aqueles em


que a prestação determinante/ principal se encontra a cargo do cocontratante
particular.
São dois os principais tipos de contratos de colaboração:
 Contratos de compras públicas – são contratos de colaboração de duração
relativamente curta, que se traduzem na realização de uma prestação ou
na entrega de um bem em contrapartida de um preço.
(ex.: contratos de empreitada de obras públicas; os contratos de locação de bens móveis; os
contratos de aquisição de bens móveis e os contratos de aquisição de serviços)

NOTA: ver minuta de um contrato de aquisição de bens e serviços para manutenção de sistemas de
polibennes e compactadores móveis – contrato celebrado entre uma empresa intermunicipal (contraente
público) e uma empresa privada que vai fornecer esses mesmos bens e serviços que constituem objeto desse
contrato - SIGARRA)

 Contratos de concessão – atribuem ao cocontratante a responsabilidade


pelo exercício de uma atividade pública, que constitui a atividade
concedida em substituição da Administração – ou seja, por via do
contrato de concessão a uma entidade privada, é confiada a gestão em
nome próprio de uma tarefa pública, ficando dependente a remuneração
da entidade privada, no todo ou em parte, dos resultados de exploração
OU do facto de essa entidade privada assumir riscos de outra natureza
inerentes à atividade que lhe é confiada (como o risco da qualidade ou o
risco da construção).
Os contratos de concessão surgem, por isso, associados ao fenómeno da
privatização da AP. Em regra, têm por objeto atividades públicas de natureza
económica, suscetíveis de serem geridas segundo uma lógica empresarial.
(ex.: gestão de serviços públicos ou de obras públicas por cuja fruição é paga uma
contraprestação pelo utente ou então pela própria Administração, neste caso, em função da
utilização que o utente faça, como acontece com as autoestradas com portagem)

Por outro lado, os contratos de concessão também são usados para transferir a gestão de
estabelecimentos públicos e de serviços não económicos, como acontece com os contratos de
gestão dos hospitais.
São tipos de contatos de concessão os contratos de concessão de obras públicas; os contratos de
concessão de serviços públicos e os contratos de concessão de exploração do domínio público.

 Os contratos de cooperação visam disciplinar, em termos paritários, interesses


recíprocos relativamente a tarefas de exercício conjunto ou que justificam a
coordenação de meios – (ex.: quando um contraente público e um cocontratante
privado OU então dois contraentes públicos celebram um contrato em que
disciplinam a forma como vão desenvolver atividades de promoção e valorização
do tecido empresarial de uma determinada zona)
 Critério dos reflexos orçamentais
De acordo com este critério podemos distinguir entre contratos ativos, contratos passivos e
contratos mistos.
 Os contratos ativos são aqueles em que a Administração arrecada receitas – ex.:
contratos de alienação e de locação de bens públicos.
 Os contratos passivos são aqueles que envolvem a realização de despesas por
parte da Administração (do contraente público) – ex.: contratos de aquisição de
bens ou de serviços.
 Já os contratos mistos integram/ conjugam aspetos próprios dos contratos ativos
e dos contratos passivos – ex.: contrato de empréstimo público

 Critério da natureza do contrato


Segundo este critério podemos ter contratos organizatórios; contratos procedimentais; contratos
contenciosos e contratos substantivos.

 Contratos administrativos organizatórios são aqueles que se traduzem na


tomada de uma decisão de organização administrativa – ex.: o contrato de
sociedade.
 Por sua vez, contratos administrativos procedimentais são aqueles que,
consubstanciando acordos endoprocedimentais, regulam aspetos formais do
procedimento administrativo, que foram colocados pelo CPA na disponibilidade
das partes – estes reconduzem-se aos acordos endoprocedimentais previstos no
artigo 57.º CPA.
Há um conjunto de normas do CPA que são impositivas, isto é, que as partes têm obrigatoriamente
que respeitar; no entanto, há outras que deixam na disponibilidade das partes várias alternativas
ou até mesmo o seu não cumprimento, sendo que é em relação a estas últimas que se podem
celebrar acordos endoprocedimentais – ex.: audição dos interessados (pode celebrar-se um
acordo endoprocedimental em que a AP e o contraente público determinam que a audiência
prévia se fará de forma verbal)

 Os contratos administrativos contenciosos visam disciplinar os termos em que


se deverá desencadear/ desenvolver uma determinada lide judicial ou arbitral.
(ex.: convenção de arbitragem [há lugar à constituição de um tribunal para resolver um
determinado litígio e definem-se os termos processuais em que esse processo arbitral vai
ocorrer] e contrato de transação judicial [as partes acordam a extinção de um processo
judicial por acordo – chegam a acordo sobre a forma como devem resolver o litígio entre elas])

 Os contratos administrativos substantivos são aqueles que são definidos por


exclusão de partes e em termos residuais (não assumem natureza procedimental,
organizatória, nem contenciosa).
Continuando nos contratos administrativos…
NÃO HÁ UM REGIME ÚNICO DE DIREITO ADMINISTRATIVO APLICÁVEL A
TODOS OS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS VISTOS ATÉ AGORA

Os contratos administrativos procedimentais encontram a sua disciplina (regime genérico) no


CPA, no artigo 57.º, sem prejuízo de haver legislação avulsa que se encarregue deles.
Os contratos administrativos organizatórios estão sujeitos ao regime específico previsto para
o tipo de entidade ou o tipo de decisão de organização administrativa que procuram tomar.
(ex.: imagine-se que em causa está a celebração de um contrato de sociedade, tendo em vista a
constituição de uma empresa pública sobre a forma de S.A. – ora, nesse caso, o seu regime está
previsto no DL n.º 133/2013)

Os contratos administrativos contenciosos, por sua vez, são disciplinados pela Lei Processual
(no que diz respeito ao contrato de transação judicial) e pela Lei da Arbitragem Voluntária (no
que diz respeito à convenção de arbitragem).
Considerando apenas os contratos substantivos, para definirmos o regime jurídico aplicável,
temos de distinguir entre:

 Os contratos cujo objeto envolve prestações suscetíveis de estarem submetidas à


concorrência do mercado, caso em que é aplicável o CCP ou legislação especial, quanto
ao seu procedimento de formação (artigo 201.º, n.º 1 CPA), celebração, execução e
resolução de litígios contratuais.

 Se, pelo contrário, o objeto do contrato substantivo envolve prestações que não são
suscetíveis de serem submetidas à concorrência do mercado, o seu procedimento pré-
contratual (de formação) está sujeito ao regime geral do CPA, nos termos do n.º 3 do
artigo 201.º CPA, e os demais aspetos do seu regime é que estão sujeitos ao CCP, salvo
quando se trate de um contrato excluído do âmbito de aplicação do CCP, como acontece
com o contrato de trabalho em funções públicas (artigo 4.º, alínea a) CCP), ou quando
norma especial determine uma solução diferente, sendo que será aplicável o CCP
subsidiariamente.
Aula n.º 15 – 09-04-2021 – ‘PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO 1. Considerações sobre a categoria
jurídica do procedimento administrativo. 2. Funções do procedimento administrativo. 3. Tipos de procedimentos
administrativos, em especial, procedimentos administrativos gerais e procedimentais administrativos especiais. 4. O
regime geral do procedimento administrativo - âmbito de aplicação do CPA. 5. Princípios de deveres
procedimentais. 6. Sujeitos do procedimento.’

Procedimento administrativo
O procedimento administrativo tem um caráter central no Direito Administrativo contemporâneo
e no exercício da atividade da AP, porque toda e qualquer forma de atuação da AP tem a sua
formação e execução enquadrada por um procedimento administrativo, só assim não sendo
quando em causa estão formas de atuação informal da AP. Esta marca de procedimentalização
constitui a diferença mais significativa entre as relações jurídico-públicas e as relações jurídico-
privadas.
Não é nova esta defesa do procedimento administrativo como um conceito central – ela verifica-
se desde a última década, sobretudo com o contributo da doutrina alemã e, em especial, da nova
ciência jurídica administrativa. No entanto, e em face da privatização do Direito Administrativo
e da publicização do Direito Privado, do que vai ficando de diferente, pouco mais há que o
procedimento administrativo.

Artigo 1.º, n.º 1 CPA – prevê o conceito de procedimento administrativo e refere-se a uma
sucessão ordenada de atos e diligências, tendo em vista a obtenção de um determinado
resultado. Este conceito, lido de uma forma não integrada, poderá parecer um conceito
exclusivamente formalista. Mas não é assim – o melhor é adotarmos uma posição
mista/intermédia formal-substancial do procedimento administrativo, que compreende aqui duas
dimensões essenciais, indissociáveis, articuladas e que se complementam entre si:

 Temos uma DIMENSÃO FORMAL do procedimento administrativo como sucessão


ordenada de atos e diligências, que podem ser instrumentais ou preparatórios, mas que
também podem não ser instrumentais, e que obedecem a uma sequência e a propósitos
legalmente pré-definidos e cuja inobservância constitui, por si só, fundamento de
invalidade do ato jurídico que põe termo a esse mesmo procedimento administrativo.

 Temos uma DIMENSÃO MATERIAL que se reporta ao facto de, uma vez que estas
fases/ momentos procedimentais são sequenciais, têm associado um efeito co-constitutivo
na definição do conteúdo e sentido do ato jurídico que põe termo ao procedimento
administrativo, porque respeitam necessariamente à formação da vontade dos sujeitos que
fazem parte do procedimento administrativo. Nesta medida, nada mais é do que a síntese
que foi acontecendo ao longo de todo o procedimento.

Quais são as funções do procedimento administrativo (para que serve)?

 Garantir a tomada de uma decisão/deliberação correta (a prática de um ato jurídico


correto) – significa garantir que esse ato jurídico é imparcial; que assenta em
pressupostos de Direito exatos; que assenta nos pressupostos de facto que correspondem
à verdade real (ou seja, trata-se de garantir aqui que ao longo do procedimento sejam
identificados, seja feita prova e sejam estabelecidos os factos que deverão servir de base/
pressuposto ao ato jurídico a praticar).
NOTA: sucede, no entanto, que o momento cognoscitivo em que se dá a definição dos
pressupostos de facto e a definição dos pressupostos de Direito são diferentes.
A lógica é muito semelhante à definição dos pressupostos de direito, diferindo apenas no
momento em que surgem – nos pressupostos de facto, referimo-nos ao momento do
estabelecimento, com exatidão, dos factos em que deverá assentar o ato jurídico a praticar, ao
passo que, nos pressupostos de Direito, referimo-nos ao momento da qualificação jurídica e da
interpretação das normas, para o efeito de perceber qual é o regime jurídico a aplicar.
Partindo daqui, podemos dizer: há um erro quanto aos pressupostos de Direito quando, por erro
de qualificação jurídica ou de interpretação, se sujeitam determinados factos a um regime jurídico
errado. Por outro lado, há um erro quanto aos pressupostos de facto quando, por défice de
instrução (falta de realização das diligências probatórias necessárias OU por desconsideração da
prova produzida) se faz assentar o ato jurídico a praticar em factos que não correspondem à
verdade material.
Portanto, garantir a tomada de uma decisão correta significa garantir a tomada de uma decisão
imparcial (o que só se faz tendo em consideração o princípio da imparcialidade [artigo 9.º CPA]
e quando se respeitar as garantias de imparcialidade previstas nos artigos 69.º e ss. CPA).

 Em função do procedimento administrativo, garantir a prática desse ato jurídico num


prazo razoável com uma otimização na forma como as tarefas são realizadas – o
valor da eficiência e da eficácia têm uma extrema relevância no procedimento
administrativo e, como iremos ver depois, houve uma particular preocupação por parte
do legislador com a otimização da atuação da AP, sem, contudo, relevar esses critérios a
todo o custo, habilitando, por exemplo, um concreto funcionário a desrespeitar as
normas aplicáveis, porque lhe parece que, naquele caso, é mais prático e rápido fazê-lo.
Estas exigências de eficiência e eficácia devem ser consideradas pelo legislador na elaboração
das normas, por forma a que aqueles que as vão aplicar não se encontre na obrigação de escolher
entre o cumprimento da norma ou o seguimento destes critérios. Não obstante, quando este
conflito acontece, é um problema a resolver pelo legislador e não pelo concreto funcionário, que
não poderá deixar de seguir a norma.

 Garantir que quem pratica o ato jurídico é o órgão com competência para o efeito
O procedimento administrativo acaba por pôr em destaque a ligação entre atividade e organização,
porque esta sequência de fases que se articulam entre si implica que falemos de órgãos,
funcionários e agentes que exercem as suas competências de uma forma articulada, tendo em vista
a prossecução de um determinado resultado (único) composto da intervenção de cada um deles.
Deste modo, os sujeitos do procedimento administrativo são os interessados, o órgão com
competência decisória, os órgãos com competência consultiva e o responsável pelo
procedimento e pressupõe-se necessariamente que o procedimento garanta que cada um deles
intervenha no momento certo e de forma coordenada com os demais, desempenhando apenas as
funções que lhes estão cometidas por lei e não outras.

A exigência de sujeição a um procedimento administrativo resulta, desde logo, do artigo 267.º,


n.º 5 CRP.
Portanto, a procedimentalização da atividade administrativa é uma exigência constitucional – o
artigo prevê a necessidade de, por via de um procedimento, se garantir a participação co-
consultiva dos interessados. No entanto, este não é um propósito único, porque, para além dos
interessados, há outros sujeitos do procedimento administrativo e todos eles praticam uma função
pré-determinada pelo legislador ao longo do procedimento administrativo.

A lei que dá resposta a esta exigência de procedimentalização do n.º 5 do artigo 267.º CRP é o
CPA – o CPA organiza-se em 4 partes:

 A primeira parte refere-se aos princípios gerais da atividade administrativa


 A segunda parte à organização e funcionamento dos órgãos colegiais de AP
 A terceira parte refere-se aos procedimentos administrativos (na verdade, o CPA não
disciplina um único procedimento administrativo, mas vários) – esta parte organiza-se,
por sua, vez em 4 capítulos:
 O primeiro são os princípios gerais
 O segundo é o do direito à informação
 O terceiro é das notificações e prazos
 O quarto refere-se à marcha do procedimento
 A quarta parte refere-se às formas de atividade administrativa

O artigo 2.º CPA define o âmbito de aplicação do CPA e define níveis diferentes de aplicação em
função da parte do procedimento administrativo a que nos estamos a referir.

 Assim, a primeira parte do CPA (princípios gerais da atividade administrativa) é


aplicável a todas as pessoas coletivas públicas, ainda que a sua atuação seja meramente
técnica ou de gestão privada, e a pessoas coletivas privadas sujeitas ou não a influência
pública dominante, sempre que exerçam poderes públicos de autoridade ou atuem ao
abrigo de normas de Direito Administrativo – artigo 2.º, n.º 1 e n.º 3 CPA.

 Quanto à segunda parte do CPA (disciplina a organização e funcionamento dos órgãos


colegiais da AP), esta é aplicável exclusivamente a pessoas coletivas públicas, sendo
necessário que estas pessoas coletivas públicas não desempenhem atividades
empresariais (não é consensual esta segunda posição, embora seja a posição maioritária
na doutrina), o que significa que esta 2.ª parte do CPA não se aplica às EPE – estas
têm um regime jurídico específico no DL 133/2013 em articulação com o Código das
Sociedades Comerciais – artigo 2.º, n.º 2 CPA

 A terceira parte do CPA (procedimentos administrativos) é aplicável à conduta de


pessoas coletivas públicas e de pessoas coletivas privadas, sujeitas ou não a influência
pública dominante, quando exerçam poderes públicos de autoridade ou atuem ao abrigo
de normas de Direito Administrativo (ex.: se um concessionário quiser praticar um ato
administrativo, porque o ato de concessão lhe atribui esse poder, esse ato administrativo
deve seguir o procedimento previsto no CPA) – artigo 2.º, n.º 1 CPA
 A quarta parte do CPA (formas de atividade administrativa) é aplicável a pessoas
coletivas públicas e a pessoas coletivas privadas, sujeitas ou não a influência pública
dominante quando exerçam poderes públicos de autoridade ou atuem de um modo
específico regulado por disposições de Direito Administrativo – artigo 2.º, n.º 1 CPA

Outra questão do artigo 2.º do CPA prende-se com saber a que sujeitos de direito, e em que
circunstâncias, é que se aplica cada uma das partes do CPA. Esta normatividade reguladora dos
procedimentos não se esgota no CPA – ou seja, o CPA é a lei geral que dá resposta à exigência
constitucional prevista no artigo 267.º, n.º 5 CRP, mas não esgota a disciplina reguladora dos
procedimentos administrativos, na medida em que, sendo o CPA um regime geral, apenas é
aplicável quando não haja normas especiais a aplicar.
O n.º 5 do artigo 2.º CPA diz que aos procedimentos administrativos especiais, regidos por
normas especiais, o CPA apenas é aplicável subsidiariamente.

Isto leva-nos a uma distinção ente procedimentos gerais e procedimentos especiais


Ora, os PROCEDIMENTOS GERAIS são os procedimentos sujeitos exclusivamente ao regime
previsto no CPA, ao passo que os PROCEDIMENTOS ESPECIAIS são os procedimentos
sujeitos a normas especiais (ex.: procedimento de contratação pública; procedimento tributário;
procedimento contraordenacional; procedimento expropriativo; procedimento disciplinar de um
trabalhador da AP; procedimento de atribuição de licença de uso e porte de arma), aplicando-se
o CPA apenas subsidiariamente.

Para além desta distinção que resulta e é um pressuposto do n.º 5 do artigo 2.º CPA, ainda
podemos falar de outros critérios para além deste que permitem identificar diferentes tipos de
procedimentos administrativos.

Portanto, para além desta tipologia de procedimentos administrativos, que assenta na distinção
entre procedimentos administrativos gerais e especiais, que outros tipos de procedimentos
temos?

 Critério do conteúdo e do objeto do procedimento


Procedimentos administrativos de 1.º grau vs. procedimentos administrativos de 2.º grau:
Os procedimentos administrativos de 1.º grau são os procedimentos administrativos dirigidos
à prática de um ato administrativo que incide diretamente sobre a situação a disciplinar.
(ex.: procedimentos administrativos tendentes à prática de um ato administrativo primário)

Pelo contrário, os procedimentos administrativos de 2.º grau são procedimentos que apenas
indiretamente incidem sobre a situação jurídica a disciplinar, na medida em que o seu conteúdo
imediato/direto se reconduz a um outro ato jurídico.
(ex.: procedimentos administrativos tendentes à prática de um ato administrativo de anulação
ou de revogação, porque são ambos atos administrativos secundários)
 Critério da iniciativa
Procedimentos de iniciativa oficiosa vs. procedimentos de hétero-iniciativa ou de iniciativa
externa
Os procedimentos de iniciativa oficiosa são aqueles que são iniciados oficiosamente pelo órgão
com competência decisória, independentemente de um requerimento apresentado nesse sentido.
Já os procedimentos de hétero-iniciativa ou de iniciativa externa são procedimentos iniciados
por um requerimento escrito ou verbal, apresentado pelo interessado e que institui o órgão com
competência decisória no dever de decidir.
Esta distinção entre procedimentos de iniciativa oficiosa ou de iniciativa externa resulta do artigo
53.º CPA e tem relevância, desde logo, no que se refere ao prazo de decisão, uma vez que estes
são diferentes nos termos do artigo 128.º CPA para os procedimentos de iniciativa oficiosa e para
os procedimentos de hétero-iniciativa.

Princípios e deveres procedimentais


Antes falamos dos princípios gerais da atividade administrativa, que são princípios materiais da
atividade, na medida em que vinculam o conteúdo e sentido do ato jurídico a que tende o
procedimento administrativo. Ora, os princípios e deveres procedimentais têm um âmbito distinto,
na medida em que o que eles vinculam é o procedimento administrativo que antecede o ato
jurídico e não o conteúdo e sentido do ato jurídico.

 Dever de boa administração – artigo 5.º CPA


Já falamos deste dever como princípio geral da atividade administrativa, pelo que se pode dizer
que este dever tem duas dimensões: uma dimensão procedimental, que impõe à AP uma atuação
eficiente e eficaz em prazo razoável e uma dimensão como princípio geral da atividade
administrativa.
Este princípio da boa administração está previsto no artigo 5.º CPA, sendo que a sua dimensão
procedimental impõe uma atuação eficiente e eficaz por parte da AP por forma a que o
procedimento administrativo se conclua em tempo razoável e haja lugar, ao longo desse
procedimento, a uma realização otimizada das tarefas por parte dos vários sujeitos intervenientes
nesse procedimento administrativo.
É importante, por isso, a articulação do artigo 5.º do CPA com o artigo 59.º CPA que prevê
precisamente esse dever de celeridade em articulação com o artigo 5.º.

 Princípio da administração eletrónica – artigo 14.º CPA


O relacionamento entre os cidadãos/ administrados e a máquina administrativa acabou por se
transformar com o paradigma da administração eletrónica, que procura simplificar a forma como
a atividade administrativa é desempenhada e diminuir os custos da burocracia, havendo aqui
também uma ideia de eficiência e de eficácia na obtenção de resultados, assim como a
transparência, porque quanto maior a facilidade de acesso à informação (garantida através da
utilização de portais na Internet) maior é a transparência da atuação administrativa e até o sentido
moralizador e de responsabilização da AP.
Assim, este paradigma da administração eletrónica acaba por servir os valores da eficiência e da
eficácia da atividade administrativa, por permitir simplificar o relacionamento e, por outro lado,
serve também o valor da transparência da atividade administrativa e da própria AP pela facilidade
de acesso à informação que permite.
Isto projeta-se ao nível da própria organização da AP, que é mais simples, por se tornar mais fácil
a coordenação de informação entre entidades administrativas, facilitando a cooperação entre
entidades administrativas através de uma rede de partilha de informação e de cruzamento de
dados, e também na relação entre a AP e os cidadãos, porque, através da Internet, há um acesso à
AP que tendencialmente é ilimitado, o que não quer dizer que não se devam garantir mecanismos
alternativos de acesso à AP.

Quais as principais manifestações deste princípio da administração eletrónica ao longo do CPA?

 O facto de, no processamento dos procedimentos administrativos, deverem ser utilizados


preferencialmente meios eletrónicos. Deve-se privilegiar que o procedimento
administrativo decorra informaticamente e não em formato de papel – artigo 61.º CPA

 A possibilidade de se iniciar um procedimento administrativo através de um balcão único


eletrónico, que é uma figura prevista no artigo 62.º CPA – é uma espécie de posto
intermediário entre a AP e o cidadão e que serve para disponibilizar informações aos
administrativos e para receber e processar requerimentos administrativos, permitindo aos
interessados a consulta direta dos procedimentos que lhes digam respeito, através da sua
página, mediante creditação prévia.

 Possibilidade de as comunicações, ao longo do procedimento administrativo, e das


notificações do ato jurídico praticado se poderem processar por telefax, telefone ou
correio eletrónico.
Contudo, para que isso aconteça é necessário o prévio consentimento do interessado – este
prévio consentimento não tem de ser prestado expressamente através de uma declaração
escrita especificamente dirigida para este efeito. Considera-se que há um prévio
consentimento dos interessados a partir do momento em que, por exemplo, o próprio
interessado começa por dirigir-se à AP por essa via (consentimento tácito).
Sobre esta matéria tem relevância o artigo 63.º CPA (quanto às comunicações) e o artigo
112.º, n.º 1, c) e n.º 2 CPA (quanto às notificações).

 Princípio da colaboração entre a AP e os particulares – artigo 11.º CPA


O princípio da colaboração entre a AP e os particulares está previsto no artigo 11.º CPA, mas
depois manifesta-se ao longo do CPA em várias disposições, como por exemplo no artigo 41.º e
no artigo 116.º (prevê que se os elementos de prova estiverem em poder da AP, o ónus/dever de
prova do interessado encontra-se satisfeito, bastando para isso que o mesmo proceda à sua
notificação).
Este princípio impõe-se, não apenas à AP perante os interessados, mas também aos interessados
perante a AP, nomeadamente que se abstenham de diligências inúteis que nada servem a verdade
procedimental. Esta dimensão resulta do artigo 60.º CPA.
 Princípios da transparência e da informação
Cabe à AP ter uma posição procedimental ativa na disponibilização de informação aos
administrados por sua iniciativa, privilegiando, por exemplo, a disponibilização dessa mesma
informação no sítio institucional da Internet. Mas, por outro lado, também cabe à AP dar resposta
aos interessados quando eles exerçam o seu direito à informação.
Os administrados têm dois direitos fundamentais de natureza análoga a DLG – se formos ao
artigo 268.º CRP apercebemo-nos que lá está consagrado, no n.º 1, um direito à informação
procedimental e, no n.º 2, um direito à informação não procedimental – quer um quer outro são
DF de natureza análoga a DLG e, por causa disso, subordinados ao mesmo regime de DLG
previsto no artigo 17.º CRP.
O direito à informação procedimental está constitucionalmente garantido no n.º 1 do artigo
268.º CRP e regulado pelos artigos 82.º a 85.º CPA. Este direito comporta, por sua vez, três
direitos diferentes:
1. Direito à prestação de informações;
2. Direito à consulta do processo
3. Direito à passagem de certidões
Em qualquer caso, este direito à informação procedimental tem como pressuposto a existência de
um procedimento em curso (que ainda não se extinguiu) e, por causa disso, tem um efeito muito
limitador quanto aos titulares deste direito, na medida em que só os particulares que sejam
diretamente interessados no procedimento administrativo X é que têm o direito de informação
procedimental em relação a esse mesmo procedimento administrativo X.

Já o direito à informação não procedimental está constitucionalmente consagrado no artigo


268.º, n.º 2 CRP e está consagrado no artigo 17.º CPA, contudo não é o CPA que dispõe quanto
à forma como este direito à informação não procedimental se exerce, mas sim a Lei n.º 26/2016.
Quando estamos a falar do direito à informação não procedimental referimo-nos a procedimentos
administrativos já extintos, pelo que é um direito de todos os cidadãos, independentemente da sua
qualidade de interessados. Assim, o direito à informação não procedimental não tem o seu
exercício dependente da invocação pelo requerente de um interesse legítimo, uma vez que se
refere a um procedimento administrativo já extinto.
NOTA: Pode haver recusa de acesso à informação, independentemente de estarmos no exercício
do direito à informação procedimental ou não procedimental – quais os fundamentos dessa recusa
e quais os mecanismos de reação de que nos podemos servir quando essa recusa não é legítima?
(AULA PRÁTICA DIA 15-04-2021)

 Princípio da participação dos interessados na formação dos atos jurídicos que lhes
digam respeito – artigo 12.º CPA
Este princípio tem consagração constitucional nos termos do artigo 267.º, n.º 5 CRP e está
especificamente consagrado em todos os procedimentos administrativos previstos no CPA e,
depois, tem uma consagração geral no artigo 12.º CPA. Assim, os cidadãos têm o direito de
participação na formação dos atos jurídicos que lhes digam respeito por forma a evitar decisões
surpresa e facultar aos interessados a oportunidade de fazer valer as suas posições e argumentos
no procedimento administrativo e, por outro lado, auxiliar a AP a decidir melhor, de uma forma
mais consensual.
Este princípio está, então, especificamente consagrado em todos os procedimentos
administrativos previstos no CPA:
(ex.: artigos 100.º e 101.º CPA relativamente ao procedimento tendente à elaboração de um
regulamento e artigos 121.º a 124.º CPA no que se refere aos procedimentos tendentes à
prática de um ato administrativo primário)

Aula n.º 16 – 12-04-2021 – ‘1. Conclusão da aula anterior. 2. Procedimento administrativo geral do ato
administrativo primário: 2.1. As fases do procedimento; considerações introdutórias. 2.2 A fase preparatória: 2.2.1.
A fase inicial ou da iniciativa; 2.2.2. A fase instrutória; 2.2.3. A audiência prévia dos interessados; 2.2.4.
Preparação direta da decisão. 2.3. A fase constitutiva ou decisória. 2.4. A fase complementar ou integrativa da
eficácia. Cfr. elemento de apoio referente ao procedimento administrativo tendente à prática de um ato
administrativo primário.’

 Princípio da adequação procedimental – previsto no artigo 56.º CPA


Logo no artigo 57.º CPA temos, de certa forma, uma concretização deste princípio.
As normas procedimentais previstas no CPA e em legislação especial podem ser
impositivas/injuntivas ou então, em vez disso, se encontrarem na disponibilidade das partes, na
medida em que estas mesmas normas conferem às partes a possibilidade de as seguir ou não, ou
então a possibilidade de escolher entre várias alternativas previstas.

Qualquer um destes dois casos (dentro das normas que se encontram na disponibilidade das
partes) constitui discricionariedade procedimental, ou seja, significa que o responsável pelo
procedimento administrativo e o órgão com competência decisória têm liberdade para estruturar
o procedimento administrativo da forma que entenderem ser mais adequada à luz do princípio da
participação, da eficiência, da economicidade e da celeridade na tomada de decisão.
O princípio da adequação procedimental previsto no artigo 56.º CPA só tem, assim, cabimento
perante normas procedimentais que não sejam normas impositivas ou injuntivas

Fazendo uso da possibilidade de adequação procedimental, o responsável pelo procedimento


administrativo, o órgão com competência decisória e os interessados (e ainda, quando tenham
intervenção, os órgãos com competência consultiva) podem celebrar acordos
endoprocedimentais nos termos do artigo 57.º CPA. Estes acordos endoprocedimentais são
contratos intra-administrativos, cujos efeitos se circunscrevem à tramitação do procedimento
administrativo – são contratos administrativos, porque disciplinados por normas de Direito
Administrativo, no entanto, as normas de Direito Administrativo que os disciplinam não estão
previstos no Código dos Contratos Públicos, na medida em que em causa não está um contrato
que tenha por objeto prestações sujeitas à concorrência, mas no CPA, mais precisamente, no
artigo 57.º CPA.
Quais os requisitos destes acordos endoprocedimentais?

 Devem ter a forma escrita


 Devem respeitar as normas injuntivas/ impositivas, isto é, as que não estão na
disponibilidade dos destinatários
 As opções acordadas devem estar devidamente fundamentadas nesse mesmo acordo
reduzido a escrito
A ideia aqui é flexibilizar o procedimento administrativo atendendo às especificidades do caso
concreto – o legislador permite, por via do princípio da adequação procedimental e por via destes
acordos endoprocedimentais, que se garanta uma flexibilização do procedimento por forma a que
este se adeque da melhor possível ao caso concreto.

 Princípio do inquisitório – está previsto no artigo 58.º CPA


Este princípio significa que a AP, ao longo do procedimento, deve ter uma atitude procedimental
ativa.
O que significa isto? Significa, em primeiro lugar, a possibilidade de a AP, oficiosamente, iniciar
um procedimento administrativo. Em segundo lugar, significa que, mesmo quando o
procedimento administrativo seja instaurado por iniciativa particular, que cabe à AP proceder às
diligências procedimentais que considere convenientes, ainda que estas não tenham sido
requeridas pelos interessados, ou seja, dito de outra forma, a propósito desta segunda
manifestação do princípio do inquisitório, podemos dizer: cabe à AP o dever de averiguar
oficiosamente todos os factos cujo conhecimento seja relevante para uma decisão justa e célere
do procedimento administrativo, podendo, para o efeito, a AP recorrer a todos os meios de prova
admitidos em Direito (artigos 115.º e 116.º CPA).
O princípio do inquisitório, muito embora não se restrinja à fase instrutória do procedimento
administrativo, a verdade é que, precisamente por causa da primeira manifestação acima descrita,
é nela que este princípio acaba por ter mais relevância (segunda manifestação), porque é a fase
em que se averiguam e se estabelecem os factos relevantes para a tomada de decisão. Ou seja,
fase de instrução do procedimento administrativo é a fase em que se apuram os pressupostos de
facto do ato jurídico que irá por termo ao procedimento administrativo – fase em que se apura a
verdade material (tal só se consegue se a AP investigar, oficiosamente ou não).

 Dever de decisão
Os procedimentos administrativos podem ser iniciados oficiosamente ou por requerimento inicial
(artigo 53.º CPTA), sendo que neste segundo caso há um prazo de decisão de aceitação ou não
do requerimento de 60 dias úteis, que podem ser prorrogados até aos 90 dias, a contar da data de
apresentação do requerimento (artigo 128.º, n.º 1 CPA).
Nestas circunstâncias, este dever de decisão existe verificados os requisitos do artigo 13.º CPA:
tem de haver um requerimento inicial, inteligível e apresentado dentro do prazo quando exista. O
requerimento tem de ser apresentado pelo interessado, dirigido ao órgão com competência para
decidir sobre esse mesmo pedido (sem prejuízo da possibilidade de remessa oficiosa ao abrigo do
princípio da colaboração, nos termos do artigo 41.º CPA), tem de ter por objeto o exercício de
uma competência jurídico-administrativa e não pode existir decisão sobre pedido igual do mesmo
requerente, com os mesmos fundamentos tomada há menos de 2 anos – VERIFICADOS ESTES
REQUISITOS HÁ UM DEVER DE DECISAO
 Princípio da gratuitidade
O procedimento administrativo e o acesso ao mesmo, em princípio, é gratuito, sem prejuízo da
possibilidade de serem cobradas taxas pela AP. Este princípio está previsto no artigo 15.º CPA e,
de facto, este artigo é honesto ao falar que o procedimento é TENDENCIALMENTE gratuito.
O artigo 15.º, n.º 2 CPA prevê que, em caso de insuficiência económica e havendo taxas a pagar,
a AP isenta total ou parcialmente o interessado do pagamento dessas despesas, devendo a
averiguação da insuficiência económica nestes efeitos ser feita nos mesmos termos do regime do
acesso ao Direito – artigo 15.º, n.º 3 CPA.
O artigo 133.º CPA prevê que o não pagamento das taxas ou das despesas constitui fundamento
para cessação do procedimento administrativo, a não ser que existe um caso de insuficiência
económica comprovada.

Aula n.º 17 – 13-04-2021 – ‘Aula lecionada no dia 13 de abril de 2021, das 9h00 às 10h00. Continuação da
aula anterior.’

 Princípio da cooperação leal com a UE (artigo 19.º CPA) – é um princípio cuja


consagração expressa no CPA é desnecessária, porque dos tratados já resulta um dever
de cooperação entre as AP e os EM, tendo em vista a boa aplicação do DUE. O legislador
entendeu que, não obstante, faria sentido consagrar este princípio no CPA, mas essa
previsão acabou por contrariar o intuito da norma. Isto porque o sentido dado pelo artigo
19.º, n.º 1 CPA (sempre que o DUE imponha à AP a obrigação de prestar informações,
apresentar propostas ou, de alguma forma, colaborar com a AP de outros EM, essa
obrigação deve ser cumprida no prazo para tal estabelecido) é, na verdade, bastante
restritivo, na medida em que remete os casos em que há lugar a uma obrigação de
cooperação com as AP de outros EM para previsões específicas em normas de DUE.

Portanto, se entendêssemos literalmente esta norma, só há obrigação de cooperação leal entre as


AP dos EM nos casos específicos em que o DUE assim o imponha, o que não é bem assim, porque
o que resulta dos tratados é uma obrigação geral de cooperação entre as AP dos vários EM,
independentemente de existir, com referência a um determinado caso, uma obrigação específica
de colaboração.

NOTA: No 1.º Semestre, falámos das noções de Direito Administrativo europeu e de


europeização dos “Direitos Administrativos” dos EM e, a este propósito, falámos de uma
dinâmica de aproximação por via do princípio da prevalência do DUE sobre o Direito interno
infraconstitucional dos EM – ao ponto de, na verdade, existirem atos administrativos praticados
num EM que são válidos e produzem efeitos noutros EM (ex.: cartas de condução e autorizações
de transporte de mercadoria), bem como situações em que esta aproximação entre os
ordenamentos jurídicos nacionais não é total, o que faz com que um ato administrativo praticado
em Portugal esteja condicionado a um requisito de eficácia num EM da UE. Contudo, a tendência
é que os atos administrativos tenham um valor transnacional.
 Princípio da proteção de dados pessoais (artigo 18.º CPA) – traduz-se numa
concretização da obrigação de proteção de dados pessoais (que é um DF) prevista no
artigo 35.º CRP e esta proteção de dados pessoais torna-se particularmente relevante no
contexto atual, precisamente por causa dos riscos associados à administração eletrónica
(a AP tradicional em suporte papel gera, à partida, menos problemas neste sentido do que
uma AP desmaterializada que funcione, sobretudo, mas não exclusivamente, com recurso
a meios eletrónicos).
Esta necessidade de proteção de dados pessoais implica, muitas vezes, uma limitação de um outro
direito (fundamental), que é o direito à informação dos interessados. Ao abrigo do princípio da
colaboração da AP junto dos interessados, enquadram-se os direitos à informação
procedimental e não procedimental.
A verdade é que, em ambos os casos, é legítima a recusa de prestação de informação, de consulta
de procedimento ou de passagem de certidão quando esta recusa é fundamentada na proteção de
dados pessoais, ou então, em alternativa, é a proteção de dados pessoais que justifica, em face
de um outro direito/interesse legítimo, um exercício de anonimização, ao abrigo do princípio
da finalidade e da proporcionalidade.
Ou seja, a AP, quando confrontada com o exercício do direito à informação procedimental ou não
procedimental, deve apurar se o acesso pretendido se refere a documentos que contêm ou não
dados pessoais. Se esses documentos contiverem dados pessoais, é necessário fazer um exercício
de ponderação da necessidade de proteção de dados pessoais, por um lado, e o interesse legítimo
invocado pelo interessado no exercício do seu direito à informação procedimental ou não
procedimental para aceder a esses documentos, por outro.
Considerando isto, a AP fará um exercício de ponderação, ao abrigo do princípio da
proporcionalidade e da finalidade da informação que se pretende obter, chegando a uma de duas
conclusões:

 Ou recusa, pura e simplesmente, o acesso àqueles documentos.


 Ou permite o acesso àqueles documentos, anonimizando os dados pessoais não
relevantes para a finalidade legítima invocada pelo interessado.

(ex.: Uma pessoa concorre a um concurso público e os critérios de seriação desse concurso
público são: ser titular de uma licenciatura em Direito, ter um curso de alemão e praticar
natação. Numa determinada fase desse concurso, o júri, perante os candidatos que preenchem
estes requisitos, terá que fazer um exercício de graduação: “fica em primeiro lugar quem tiver
a melhor média na licenciatura e no curso de alemão”. Imaginando que essa pessoa fica em
segundo lugar e que, por isso, quer confirmar se efetivamente quem ficou em primeiro lugar tem
melhor média, pede para aceder aos documentos do concurso público e para ver o curriculum
vitae da pessoa que ficou em primeiro lugar. No entanto, sucede que esse curriculum vitae contém
uma série de outros dados além dos pretendidos. Assim, a AP vai anonimizar tudo e apenas
disponibilizar a informação que é pretendida).

NOTA: O uso da proteção de dados como fundamento para recusar o acesso aos documentos de
modo injustificado (ou seja, não devia haver essa recusa) traduz-se numa violação do princípio
da transparência.
 Princípio da responsabilidade (artigo 16.º CPA) – esta ideia de responsabilidade da AP
pelos danos causados no exercício da sua atividade é essencial e resulta, desde logo, do
artigo 22.º CRP. É um princípio que acaba concretizado em diferentes regimes em função
do contexto de responsabilidade. Isto porque podemos estar a falar de responsabilidade
contratual da AP (o regime que a irá reger será o Código dos Contratos Públicos ou o
Código Civil, dependendo do contrato violado), ou de responsabilidade extracontratual
da AP.
Dentro da responsabilidade extracontratual da AP, temos que distinguir consoante os danos
tenham sido provocados por atos de gestão pública (danos provocados por atos regidos por
normas de Direito Administrativo) ou por atos de gestão privada (danos provocados por atos
regidos por normas de Direito Privado).
O regime da responsabilidade extracontratual da AP por atos de gestão privada está previsto no
Código Civil, ao passo que o regime da responsabilidade da AP por atos de gestão pública está
previsto na Lei n.º 67/2007 (é a este tipo de responsabilidade que nos vamos referir no fim do
semestre).
NOTA: Aqui, “atos” abarca, quer a possibilidade de ações, quer a possibilidade de omissões.
___//___

Procedimento administrativo comum tendente à prática de um ato administrativo


primário
NOTA INICIAL: Procedimento administrativo comum, porque está previsto no CPA, por
contraposição aos procedimentos administrativos especiais; tendente à prática de um ato
administrativo primário, porque incide direta e imediatamente sobre uma situação individual e
concreta.

Fases:
1. Fase preparatória – esta fase é integrada por várias subfases:

 Fase inicial (artigos 53.º e 97.º CPA) – cabe, ou aos interessados, por via da apresentação
de requerimento, ou ao órgão com competência decisória, que decide oficiosamente, dar
início a um procedimento administrativo.

 Fase da instrução (artigos 58.º, 115.º e 116.º e 91.º e 92.º CPA) – é dirigida pelo
responsável pelo procedimento administrativo (figura prevista no artigo 55.º CPA). É
também aqui que pode haver lugar à intervenção de órgãos consultivos.

 Fase da audiência dos interessados (artigos 120.º e seguintes CPA) – é dirigida pelo
responsável pelo procedimento administrativo (figura prevista no artigo 55.º CPA).

 Fase da preparação direta da decisão (artigo 126.º CPA) – é dirigida pelo responsável
pelo procedimento administrativo (figura prevista no artigo 55.º CPA).
2. Fase constitutiva/decisória – é da responsabilidade do órgão com competência
decisória.

3. Fase integrativa de eficácia (fase complementar) – é da responsabilidade do órgão com


competência decisória.

Aula n.º 18 – 16-04-2021 – ‘1. Conclusão da aula anterior. 2. O procedimento administrativo comum tendente
à emissão de um regulamento.

1. FASE PREPARATÓRIA
A. FASE DA INICIATIVA (artigo 53.º CPA)
O procedimento administrativo tendente à prática de um ato administrativo primário pode ter
início de uma de duas formas:

 Oficiosamente – caso em que o procedimento administrativo é instaurado pelo órgão


com competência decisória, que assume aqui o papel de impulsionador dos trâmites
procedimentais.
 A pedido dos interessados (artigo 68.º, n.º 1 CPA: abrange aqueles que são titulares de
um interesse direto e pessoal, como aqueles que atuam na defesa de interesses difusos
[quando exercem a sua legitimidade procedimental não o fazem tendo em vista a
satisfação de uma pretensão pessoal]) – através da apresentação de um requerimento
inicial, regra geral, salvo disposição especial que permita o contrário, é apresentado por
escrito que deve respeitar os requisitos previstos nos artigos 102.º a 109.º CPA

Artigo 102.º CPA (alínea a) – o requerimento inicial deve indicar o órgão administrativo a que
se dirige, sem prejuízo desse órgão administrativo não ser efetivamente competente para exercer
essa competência naquele momento, caso em que ao abrigo dos artigos 11.º (princípio da
colaboração) e 41.º CPA se impõe a esse órgão administrativo a remessa oficiosa para aquele
órgão a quem compete decidir naquele momento.
Depois, impõe-se a identificação do requerente; a exposição dos factos em que se baseia o pedido;
o dever de indicar o pedido em termos claros e precisos. Além do mais, o pedido deve ser assinado
e datado; devendo haver lugar à indicação do domicílio para ser notificado e à indicação do
número de telefone e de identificação de caixa postal para efeitos do artigo 63.º CPA.
O artigo 63.º CPA não se refere à notificação dos atos administrativos – a propósito da notificação
dos atos administrativos por meios eletrónicos, tratando-se de uma pessoa singular, é necessária
a existência de um consentimento prévio, que pode ser dado de várias formas (não bastando que,
do mero procedimento, para esses efeitos, constasse a indicação do número de telefax, telefone
ou e-mail, como sucede se se tratasse de uma pessoa coletiva).
Assim, o artigo 63.º CPA prende-se, não com a notificação, mas com as comunicações que têm
lugar entre a AP e os particulares ao longo do procedimento administrativo, tendo em vista a
instrução do procedimento administrativo, a comunicação de um qualquer ato praticado, etc.
seguem um regime diferente da notificação propriamente dita. Segue-se, portanto, o regime do
artigo 63.º (artigo mais flexível no que diz respeito às formas de comunicação entre a AP e os
administrados).
Sempre que se apresenta um requerimento há um registo de apresentação desse requerimento, que
atribui um número de ordem a esse mesmo requerimento e menciona a dará, o objeto do
requerimento, o número de documentos juntos e o nome de quem requer – artigo 105.º CPA. São
estes elementos que depois são considerados para organizar o processo físico do procedimento
administrativo.
Artigo 108.º CPA - de qualquer das formas, o legislador, ao abrigo do princípio da colaboração
possibilita os órgãos a suprir de modo oficioso essas insuficiências para evitar que os interessados
fiquem prejudicados por simples irregularidades ou pela mera imperfeição na formulação dos
seus pedidos.

Há aqui duas situações em que, de facto, o requerimento não é suscetível de convite para
suprimento das deficiências existentes, nem se considera ser possível ao órgão administrativo
oficiosamente suprir essas mesmas deficiências:

 Quando os requerimentos não estão identificados


 Quando o requerimento não seja inteligível

Nestes dois casos (artigo 108.º, n.º 3 CPA) há uma rejeição liminar do requerimento e o
procedimento administrativo nem sequer avança. Nos demais casos, há um convite para suprir as
deficiências existentes (prazo de 10 dias úteis ao interessado para que o faça), sem prejuízo de
não haver lugar a este convite e da própria AP aperfeiçoar o requerimento apresentado – isto são
aspetos que se prendem com as formalidades do requerimento escrito.

Depois temos questões que se prendem já com o mérito do requerimento apresentado que
prejudicam o desenvolvimento normal do procedimento administrativo:

 Incompetência do órgão administrativo, sem prejuízo do artigo 41.º CPA. À partida,


não há problema algum de se dirigir o requerimento ao órgão administrativo
incompetente, uma vez que o artigo 41.º CPA resolverá o problema através da remessa
oficiosa – sucede, no entanto, que o legislador decidiu ser cauteloso e quando não haja a
possibilidade de haver lugar a esta remessa por qualquer motivo, a incompetência do
órgão administrativo obsta a que o procedimento administrativo siga.

 Caducidade do direito que se pretende exercer – vamos supor que a apresentação do


requerimento estava sujeito a qualquer prazo (ex.: prazo de 48h após o conhecimento da
classificação obtida para inscrição na melhoria de prova – se se deixar passar o prazo,
deixa de se poder inscrever na prova) – se o direito que se pretende exercer está sujeito
a prazo e se deixa passar o prazo, esse direito caduca e, como tal, não é possível ao titular
desse direito exercer esse direito por esta via

 Ilegitimidade dos requerentes – ex.: imagine-se que alguém pede uma licença de
construção para edificar na propriedade de outra pessoa – o requerimento que se
apresente nestes termos prejudica o desenvolvimento normal do procedimento e impede
a tomada de uma decisão sobre o requerimento apresentado.
 Extemporaneidade do pedido – uma coisa é a caducidade do direito (temos um direito
sujeito a um prazo e se não exercermos esse direito num determinado prazo, o direito
caduca/ extingue-se). Coisa diferente é quando, independentemente de sermos titulares
de um determinado direito, o pedido a apresentar esteja dependente de um determinado
prazo - ex.: suponha-se que se abrem candidaturas para o desenvolvimento de uma
qualquer atividade e isso depende da apresentação da candidatura até ao dia X – aqui
não se tem nenhum direito subjetivo, o que fazemos é apresentar um pedido que nos
coloca a possibilidade de se ir exercer uma atividade – aqui levanta-se só a questão da
extemporaneidade do pedido e não a caducidade do direito, porque não se tem qualquer
direito.
No caso da caducidade somos titulares de um direito cujo exercício está sujeito a um determinado
prazo, ao passo que na extemporaneidade do pedido não se é titular de um direito e o que está em
causa é a obtenção de uma vantagem cujo acesso depende da apresentação de um pedido num
determinado prazo.
Tudo isto no que diz respeito ao requerimento inicial a apresentar pelos interessados nos
termos dos artigos 102.º a 109.º CPA

Sendo que o requerimento pode ser iniciado oficiosamente ou por iniciativa externa a pedido dos
interessados (hétero iniciativa) convém perceber quais as diferenças que existem ao nível do
procedimento administrativo partindo de uma ou de outra hipótese:

1. Partindo da hipótese de que o procedimento administrativo teve início OFICIOSAMENTE


há a necessidade de notificar os interessados do início do procedimento administrativo. Por
ter sido iniciado oficiosamente tem de estar concluído num prazo de 120 dias úteis (artigo 128.º,
n.º 6 CPA).

2. No que diz respeito aos procedimentos iniciados por requerimento inicial, este enquadra o
procedimento administrativo e a relação jurídica procedimental constituída – a partir do momento
em que se apresenta um requerimento com os requisitos do artigo 102.º CPA, constitui-se o
órgão com competência decisória no dever de decidir e esse dever de decisão implica
necessariamente que seja dado início a um procedimento administrativo. E este procedimento
administrativo, por ter início por iniciativa particular, está sujeito a um determinado prazo (artigo
128.º, n.º 1 CPA)

Independentemente de como começou, há uma questão fundamental: a tramitação (o que se passa


depois da fase da iniciativa) está a cargo do responsável pelo procedimento administrativo, a quem
o órgão decisor deve delegar, salvo raras exceções, os poderes de direção do procedimento
administrativo (artigo 55.º CPA).
O que é que vai suceder? A delegação que lá se prevê é obrigatória, que se impõe ao órgão com
competência decisória. Assim, será o responsável do procedimento administrativo que irá dirigir
as fases seguintes do procedimento administrativo.

Que fases são essas?


Dentro ainda da fase preparatória:

 Fase da instrução
 Fase da audiência prévia
 Fase das diligências complementares quando existam

Terminada esta fase preparatória, temos a fase constitutiva da decisão (decisória propriamente
dita), que é da competência do órgão com competência decisória, assim como a fase
complementar (ou integrativa de eficácia).
Portanto, há aqui uma clara divisão imposta pelo CPA dos papéis do responsável pelo
procedimento administrativo e do órgão com competência decisória – a ideia foi processualizar
o procedimento administrativo por forma a salvaguardar a imparcialidade do órgão com
competência decisória, que em momento algum tem contacto direto com os factos, nem com os
interessados do procedimento administrativo.

Qual o problema desta ideia?


O órgão com competência decisória não tem contacto direto com os factos, nem com os sujeitos
do procedimento administrativo, sendo o responsável pelo procedimento administrativo que
lidera a fase de instrução (fase de produção de prova e de estabelecimento da verdade material),
que dirige a audiência prévia e que prepara o projeto de decisão.
Esta fase preparatória conclui-se, antes de transitarmos para a fase constitutiva, com a elaboração,
pelo responsável pelo procedimento administrativo, de um relatório, onde se propõe um
determinado sentido e conteúdo quanto ao ato administrativo a praticar pelo órgão com
competência decisória. Este último vai ler aquilo que o responsável pelo procedimento
administrativo lhe disse que aconteceu e, à partida, vai seguir o sentido de decisão proposto pelo
responsável pelo procedimento administrativo.
E este problema eventual de imparcialidade do órgão com competência decisória é
substituído pelo eventual problema de imparcialidade do órgão responsável pelo
procedimento administrativo – como o ato administrativo a praticar pelo órgão com
competência decisória vai assentar no relatório feito pelo órgão responsável pelo procedimento
administrativo, a menos que haja um erro grosseiro, o problema da imparcialidade transfere-se de
um para o outro e mantém-se em todo o caso.
A grande vantagem desta divisão está no facto de permitir ao órgão com competência decisória
olhar criticamente para o que se passou ao longo do procedimento administrativo e, no caso de
detetar alguma ilegalidade, remeter novamente a questão para o responsável pelo procedimento
administrativo, chamando-o à atenção da necessidade de suprir quaisquer falhas formais e
procedimentais que tenham tido lugar, garantindo-se, assim, um controlo quase que preventivo
antes da prática do ato administrativo.
Esta delegação de poderes prevista no artigo 55.º CPA, que é uma delegação obrigatória e com
um conjunto de aspetos vinculados (aspetos que o órgão que delega não pode decidir):

 Para além da impossibilidade de decidir se delega ou não (salvo quando existam


disposições legais em contrário ou razões devidamente fundamentadas que o
justifiquem);

 A pessoa do delegado é vinculada – não há uma seleção livre da pessoa a quem se delega
a tarefa de dirigir o procedimento administrativo (tem de haver na base da delegação uma
relação de dependência entre o órgão decisor do procedimento administrativo e o
responsável pelo procedimento administrativo – ex.: do superior no seu inferior
hierárquico/ no caso do órgão colegial, em membro deste órgão ou em trabalhador
dependente desse mesmo órgão)
NOTA: este é mais um motivo para esta não ser a luz que faltava quanto ao problema da
imparcialidade na tomada de decisões.

 Tudo aquilo que o órgão com competência decisória delega na pessoa que vai
desempenhar as funções do procedimento administrativo é aquilo que o legislador pré-
determinou como sendo funções do responsável pelo procedimento administrativo – tem
de se delegar tudo/ delegação em bloco.

O responsável pelo procedimento administrativo está vinculado a um conjunto de princípios


administrativos e deveres procedimentais e tem uma intervenção nas seguintes fases subfases da
fase preparatória do procedimento administrativo:

B – FASE DE INSTRUÇÃO
É talvez a mais importante de todas as fases do procedimento administrativo. Naturalmente, a
simples falta de uma delas, independentemente da fase que se trate, tem por si só efeitos
invalidantes face ao ato administrativo que põe termo ao procedimento. Não obstante, sem
prejuízo disso, a fase de instrução parece a mais importante.
Repare-se que à fase de instrução cabe a definição, com exatidão e rigor, dos pressupostos de
facto do ato administrativo a praticar. E, para além desta tarefa de identificação destes factos, de
averiguação e prova dos mesmos, no sentido de tentar perceber se são verdadeiros ou falsos, e de
estabelecimento dos factos exatos, que depois servirão de pressuposto ao ato administrativo a
praticar, é na fase instrutória que se apreciam os interesses em causa e se graduam esses mesmos
interesses, através da aplicação do princípio da proporcionalidade em conjugação com os da
prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos
administrados.
Portanto, esta é uma fase absolutamente essencial – nesta fase, à AP (ao responsável pelo
procedimento administrativo) pede-se uma atitude procedimental ativa, ou seja, pede-se ao
responsável pelo procedimento administrativo que oficiosamente averigue todos os factos
relevantes para uma decisão justa e célere do procedimento administrativo. Tal faz-se através de
todos os meios de prova admitidos em Direito (prova documental, testemunhal e pericial),
apurando-se a veracidade dos factos recolhidos.
É com base nos factos provados como verdadeiros que depois se tomará a decisão. Portanto, os
pressupostos de facto do ato administrativo não surgem espontaneamente, havendo todo um
trabalho de identificação desses factos, de prova e avaliação desses factos, que antecede o
estabelecimento efetivo dos pressupostos de facto desse procedimento.
Naturalmente que ao longo desta fase de instrução é fundamental a participação e colaboração
dos interessados, na medida em que devem facultar ao responsável pelo procedimento
administrativo todos os documentos eventualmente requeridos e abstendo-se de requerer
diligências inúteis que têm todo o objetivo de atrasar o procedimento administrativo.

É na fase de instrução que são solicitados os pareceres, ou seja, as DILIGÊNCIAS


CONSULTIVAS têm lugar na fase de instrução (artigos 91.º e 92.º CPA). Estas diligências
consultivas podem ter diversos objetos – ex.: vamos imaginar que o que está em causa é averiguar
a sustentabilidade de uma determinada fachada (diligência consultiva que se refere a factos),
mas também pode estar em causa a análise de uma questão jurídica (como saber se naquele caso
só há uma solução admissível ou se há várias e qual a mais correta).

C – FASE DA AUDIÊNCIA DOS INTERESSADOS


Ela está prevista nos artigos 121.º a 124.º CPA, sendo que o artigo 12.º CPA faz uma referência
mais generalista à figura da participação dos interessados no procedimento, referindo-se a todos
os procedimentos administrativos que o CPA preveja e não só ao procedimento tendente á prática
de um ato administrativo primário.
A notificação da audiência prévia é particularmente importante, para que seja clara e esclarecida
– é necessário que ao interessado sejam facultadas todas as informações quanto aos factos e aos
pressupostos de direito a considerar na tomada de decisão, sendo que tudo isso deve ser-lhe
transmitido para que se possa pronunciar sobre estes aspetos nesta mesma fase.
É uma diligência que pode ser dispensada em alguns casos (artigo 124.º CPA), sendo que esta
dispensa tem de se enquadrar em situações previstas e deve ser devidamente fundamentada.
A preterição da fase da audiência prévia constitui um vício de forma por preterição de formalidade
essência, cuja consequência jurídica é, em regra, a ANULABILIDADE. Depois temos duas
situações em que a consequência jurídica é a NULIDADE (artigos 32.º, n.º 10 CRP e 161.º, n.º
2 d) CPA – processos de contraordenação e artigos 269.º, n.º 3 CRP e 161.º, n.º 2 d) CPA –
processos disciplinares) – em ambos se refere o artigo 161.º, n.º 2, d) CPA, porque se refere à
violação do conteúdo essencial de Direitos Fundamentais (e estas são situações em que a
audiência dos interessados é tida como um direito fundamental de defesa).
Em qualquer caso, cabe ao interessado fazer prova de que a audiência prévia seria essencial, isto
é, que a o procedimento seria diferente se a audiência prévia tivesse sido cumprida – isto prende-
se com o princípio do aproveitamento do ato administrativo: naturalmente que se o interessado
quiser anular um ato administrativo com base na preterição da audiência previa ele tem de provar
que o ato administrativo a praticar, se tivesse havido lugar a audiência prévia, teria sido diferente
(porque senão o que a AP faz é aplicar o principio do aproveitamento do ato administrativo).
D – FASE DA PREPARAÇÃO DIRETA DA DECISÃO
É uma subfase dentro da fase preparatória em que há lugar a diligências instrutórias
complementares (artigo 125.º CPA) – vamos imaginar que houve lugar a audiência prévia e que,
por causa do que foi dito nessa audiência prévia, surge uma dúvida quanto à veracidade de um
determinado facto. Para confirmar isso, torna-se necessário realizar mais diligências de prova.
Além do mais, esta fase está pensada para a elaboração pelo responsável pelo procedimento
administrativo do relatório a que se refere o artigo 126.º CPA em que o responsável pelo
procedimento administrativo explica o que se passou ao longo do procedimento e propõe ao órgão
com competência decisória a tomada de uma certa decisão.
É muito complicado para o órgão com competência decisória ir contra aquilo que consta do
relatório. Assim, à partida, seguirá o sentido do relatório, só assim não sendo quando detete
alguma ilegalidade.
A apreciação da prova é muito subjetiva, sobretudo a prova testemunhal. Portanto, é muito
complicado para o órgão com competência decisória olhar para o relatório (vendo um conjunto
de factos provados com base em prova testemunhal) e depois dizer que a testemunha não o
convenceu – há aqui esta limitação, pelo que deveria haver garantias acrescidas relativamente ao
responsável pelo procedimento administrativo, porque há um juízo de apreciação de prova que é
feita somente por ele e que não é repetida pelo órgão com competência decisória, a menos que
haja um erro grosseiro facilmente detetável.
Terminada esta fase, termina a fase preparatória, pelo que termina a fase de intervenção do
responsável pelo procedimento administrativo. Daqui por diante, tudo o que se passa no
procedimento compete ao órgão com competência decisória.

2. FASE CONSTITUTIVA OU DECISÓRIA


Nesta fase constitutiva ou decisória é preciso atender que: se o órgão competente por decidir for
um órgão colegial, é necessário observar as normas relativas ao funcionamento de órgãos
colegiais (quóruns, ordem de trabalhos, redução a ata, etc.), ou seja, há um conjunto de exigências
que se acrescem e deve ser garantido pelo órgão com competência decisória que todas essas
formalidades são devidamente cumpridas.
O procedimento administrativo há de se concluir com a prática de um ato administrativo ou com
a celebração de um contrato e, depois, há um conjunto de elementos quanto à forma do
procedimento do ato administrativo que devem necessariamente ser cumpridos (artigos 149.º e
154.º CPA) – o ato administrativo toma a forma escrita e há um conjunto de menções obrigatórias
que devem constar do texto desse mesmo ato administrativo nos termos do artigo 151.º CPA.

NOTA: o procedimento administrativo EXTINGUE-SE ainda por formação de ato de


deferimento tácito (artigo 130.º CPA); incumprimento do dever de decisão (artigo 129.º CPA);
desistência e renúncia (artigo 131.º CPA); deserção (artigo 132.º CPA); falta de pagamento de
taxas ou despesas (artigo 133.º CPA); homologação de parecer, proposta ou informação (artigo
153.º, n.º 1 CPA); arquivamento nos procedimentos de iniciativa oficiosa (artigo 95.º CPA).
3. FASE INTEGRATIVA DE EFICÁCIA OU COMPLEMENTAR
Todos os atos administrativos devem ser notificados (artigo 268.º, n.º 3 CRP), mas, em regra, os
atos administrativos não precisam de ser notificados para produzir os seus efeitos, ou seja, não
são, em princípio, receptícios, produzindo os efeitos a que tendem a partir do momento da sua
prática nos termos do artigo 155.º, n.º 1 CPA. Só assim não é quando se trata de atos
administrativos que produzem efeitos jurídicos desfavoráveis, nos termos do artigo 160.º CPA –
nesse caso, estes atos administrativos são receptícios, pelo que necessitam da notificação para
produzir efeitos jurídicos.
Por sua vez, a notificação tem de ter um conjunto de elementos, nos termos do artigo 114.º CPA,
sob pena de recorrermos ao artigo 60.º CPTA, tendo, além do mais, de ser feita de uma das formas
previstas no CPA, nos termos do artigo 112.º CPA.
Depois, temos os casos de atos administrativos em que, de facto, há uma dissociação dos seus
efeitos relativamente à data em que é praticado ou ao momento em que é notificado, seja porque
têm eficácia retroativa, seja porque têm eficácia diferida ou condicionada.
Marcha do procedimento regulamentar comum
O CPA tem por referência os regulamentos administrativos com eficácia externa – todas as
normas do CPA que se apliquem especificamente a regulamentos administrativos, à partida, só se
aplicam a regulamentos administrativos com eficácia externa, porque o conceito de regulamento
utilizado pelo CPA para este efeito exige a eficácia externa.
Isto deixa-nos com um problema: é que a CRP exige a procedimentalização de todo e qualquer
ato jurídico e as normas regulamentares com eficácia interna são atos jurídicos que não têm, por
causa deste conceito previsto no CPA, um procedimento administrativo previsto. Ora, esta
inconstitucionalidade por omissão pode ser suprida através da aplicação da marcha do
procedimento regulamentar prevista no CPA para os regulamentos administrativos com eficácia
externa aos regulamentos administrativos com eficácia interna.
Para além de permitir suprir esta inconstitucionalidade por omissão, esta aplicação tem ainda a
vantagem de, em termos práticos, ser muito mais simples, uma vez que vários são os regulamentos
que contêm normas regulamentares com eficácia interna e normas regulamentares com eficácia
externa, não fazendo sentido aplicar a umas um procedimento e a outras um procedimento
distinto.

1. FASE PREPARATÓRIA
1.1. FASE INICIATIVA (artigo 97.º CPA)
A iniciativa dos procedimentos regulamentares é OFICIOSA, ou seja, quem decide iniciar ou
não um procedimento administrativo regulamentar é o órgão com competência regulamentar.
Agora, pode acontecer que a esse órgão com competência regulamentar tenha sido enviada uma
petição apresentada por um qualquer cidadão em que se solicita o início desse mesmo
procedimento regulamentar.

Porque é que isto não é visto como uma iniciativa particular? Porque a última palavra cabe ao
órgão competente. Ou seja, podemos todos nós apresentar uma petição, mas a nossa petição por
si só não é suficiente para dar início a esse procedimento regulamentar, sendo que é necessário
que o órgão com competência decida ele próprio (ainda que impulsionado pela petição) dar início
a esse procedimento regulamentar.
O início do procedimento é objeto de publicitação no sítio institucional da entidade pública
competente para a elaboração do regulamento administrativo – artigo 98.º CPA.
NOTA: este procedimento regulamentar está previsto nos artigos 97.º e seguintes CPA.

1.2. FASE DA INSTRUÇÃO


A fase de instrução é uma fase dirigida ao conhecimento dos factos e à aquisição, composição e
graduação dos interesses públicos e privados coenvolvidos, bem como à elaboração, com base
em tudo isto (com recurso a todos os meios de prova admissíveis em Direito) de um projeto de
regulamento que contem uma nova justificativa no qual se fundamenta as opções tomadas e se dá
conta da ponderação de custos benefícios dessas mesmas opções – artigo 99.º CPA
Portanto, a fase da instrução dirige-se a essa ponderação e conclui-se com a elaboração de um
projeto de regulamento, sendo que, para que se perceba as opções que se tomou, deverá ser
acompanhado de uma nota justificativa das opções tomadas – artigo 99.º CPA

1.3. PARTICIPAÇÃO
Pode ter lugar por uma de duas vias: audiência dos interessados e consulta pública.

 AUDIÊNCIA DOS INTERESSADOS – está pensada para regulamentos administrativos


que contenham normas regulamentares com eficácia externa imediatamente operativas,
ou seja, regulamentos que contêm disposições que afetam, de modo direito e imediato,
direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
No entanto, não é preciso que todo o regulamento contenha este tipo de normas – basta que
tenha algumas. Se assim for, o responsável pela direção do procedimento submete o projeto
de regulamento por prazo razoável, mas não inferior a 30 dias, a audiência dos interessados
que como tal se tenham constituído no procedimento.
Esta audiência dos interessados pode não ter lugar nos casos previstos no artigo 100.º, n.º 3,
al. a), b) e d) CPA.

 Pode suceder que, pese embora se trate de um regulamento que contenha normas
regulamentares com eficácia externa imediatamente operativas, o número de interessados
seja de tal forma elevado que a audiência se torne incompatível, tendo de se recorrer a
CONSULTA PÚBLICA (artigo 100.º, n.º 3 CPA).
Tambem deverá recorrer-se à consulta pública nos demais casos, quando não esteja em causa
um regulamento com normas regulamentares com eficácia externa imediatamente operativas.
É necessário, quando o regulamento administrativo tenha sido sujeito a consulta pública
(independentemente do motivo pelo qual o foi), uma menção no preâmbulo, não havendo essa
exigência quando o regulamento seja sujeito a audiência dos interessados (pode acontecer, mas
não é necessário).
1.4. FASE DA ELABORAÇÃO DO PROJETO FINAL DO REGULAMENTO
ADMINISTRATIVO (acolhendo ou não as sugestões apresentadas pelos administrados)
Exemplo: recentemente, no Conselho Científico aprovou-se um novo regulamento do curso de
mestrado (regulamento híbrido, com normas regulamentares com eficácia interna e normas
regulamentares com eficácia externa [sendo que dentro destas tem normas imediatamente e
mediatamente operativas]). O CPA não prevê um regulamento administrativo para as normas
regulamentares com eficácia interna, tratando-se desta omissão através da aplicação do
procedimento regulamentar previsto para as normas regulamentares com eficácia externa.
Este regulamento foi sujeito a consulta pública, tendo em conta o número elevado de interessados.
Depois, são compiladas as sugestões e os cometários que o projeto de regulamento administrativo
posto a participação teve por objeto; depois, estas sugestões são levadas ao órgão com
competência para elaborar o regulamento, sendo cada uma delas apreciada individualmente, indo-
se decidindo uma a uma se são acolhidas ou não. E é assim que se elabora o projeto final do
regulamento administrativo

NOTA: a figura do responsável pelo procedimento administrativo está pensada para o


procedimento administrativo tendente à prática de um ato administrativo e não para o
procedimento administrativo tendente à elaboração de um regulamento. No entanto, nada obsta a
que, caso se entenda conveniente para o procedimento administrativo, o órgão com competência
decisória delegue a tarefa de direção num outro órgão, simplesmente não há uma obrigatoriedade
na delegação.
Se houver delegação, a fase de instrução, de participação e de elaboração do projeto final do
regulamento administrativo estão a cargo do responsável pelo procedimento administrativo
regulamentar.
O órgão com competência decisória intervém, depois, na fase constitutiva e na fase integrativa de
eficácia, sendo que, em regra, o órgão que elabora e que aprova o regulamento é o mesmo. Mas
pode suceder que o órgão com competência para elaborar o regulamento não seja o órgão com
competência para o aprovar. Regra geral é, mas pode assim não ser e quando assim não seja
(quando haja diferenciação de competências entre o órgão ao qual cabe elaborar e aprovar o
regulamento administrativo), esta possibilidade de delegação referida como algo que poderia ser
equacionado se conveniente para a marcha do regulamento já não faz sentido.

2. FASE CONSTITUTIVA
Passa-se, depois, para a fase de aprovação ou não do regulamento. Regra geral, a competência
para elaboração e aprovação do regulamento administrativo cabem ao mesmo órgão, mas pode
assim não ser. Se couberem ao mesmo órgão, há aqui quase que um ATO CONTÍNUO, porque
assim que se assenta o projeto final do regulamento administrativo, na sequência da análise e do
acolhimento ou não das sugestões apresentadas pelos administrados, passa-se logo de seguida
para a aprovação ou não do regulamento.
Quando assim não é, já não há um ato contínuo, na medida em que o órgão competente para
elaborar o regulamento administrativo termina a sua participação neste procedimento com a
efetiva elaboração do projeto final do regulamento e com a sua remessa para o órgão com
competência para aprovar esse mesmo regulamento.
A aprovação do regulamento pelo órgão com competência regulamentar pode estar a cargo de um
órgão singular ou colegial e, à semelhança do que sucede com a prática de atos administrativos,
se a sua aprovação couber a um órgão colegial é necessário que se observem as normas referentes
à tomada de deliberações por órgãos colegiais (menção à convocatória, quórum, maioria de
aprovação e sujeição a ata [para que produza os seus efeitos]).
O ato de aprovação integra o procedimento regulamentar e tem caráter instrumental, ou seja,
não tem autonomia face ao regulamento como ato administrativo. A aprovação do regulamento,
por si só, não introduz qualquer modificação no sistema jurídico. A regulação inovatória de
situações jurídicas decorre do regulamento administrativo aprovado.

NOTA: atualmente já há uma jurisprudência relativamente constante quanto a esta matéria, que
tem que ver com a natureza do ato de aprovação do regulamento administrativo – a dúvida
que existia passava por se tentar perceber se o ato de aprovação do regulamento era um ato
administrativo autonomamente considerável/ impugnável ou se era um ato instrumental
preparatório integrado no procedimento regulamentar. Esta dúvida persistiu durante largos anos,
sendo que atualmente é visível a existência de uma posição maioritária que é a de considerar o
ato de aprovação do regulamento administrativo um ATO MERAMENTE PREPARATÓRIO/
INSTRUMENTAL.

Isto tem consequências:

 Os vícios referentes ao ato de aprovação se reconduzirem a ilegalidades


procedimentais do regulamento – ex.: se o quórum não tiver sido cumprido, se a
convocatória tiver sido mal feita, etc. tudo isto reconduz-se a ilegalidades
procedimentais que se projetam no regulamento administrativo desta forma (no sentido
de que daqui resulta para o regulamento administrativo a sua ilegalidade procedimental
ou formal)

 Isto leva-nos a uma segunda consequência, na medida em que não é possível reagir
contra o ato de aprovação do regulamento administrativo com fundamento em
vícios desse ato de aprovação, porque, a haver vícios relativos ao ato de aprovação, os
mecanismos de reação a utilizar, precisamente porque o ato de aprovação é instrumental/
preparatório, hão de necessariamente ter por objeto um regulamento administrativo e não
o ato de aprovação.

Agora, qual é aqui a única EXCEÇÃO que a jurisprudência considera existir?


O ato de aprovação do regulamento administrativo não é um ato administrativo, mas um ato
preparatório e instrumental sem qualquer tipo de autonomia face ao regulamento. Contudo, há
uma situação em que o ato de aprovação do regulamento adquire essa autonomia que não
tem – tal só acontece verificados dois requisitos: (1) a competência para elaborar o regulamento
e a competência para aprovar o regulamento não cabem ao mesmo órgão (2) ter havido lugar a
uma recusa da aprovação do regulamento.
Isto é assim neste específico caso para permitir o acesso aos tribunais, porque se continuássemos
a achar, neste caso, que o ato de aprovação é meramente instrumental, nada se poderia fazer
quanto a uma recusa de aprovação e o procedimento regulamentar terminaria nesse momento. Ao
equacionar a possibilidade de, neste caso, o ato de recusa da aprovação do regulamento
consubstanciar um ato administrativo permite ao órgão com competência para elaborar o
regulamento administrativo recorrer aos tribunais administrativos perante a recusa dessa
aprovação.

3. FASE INTEGRATIVA DE EFICÁCIA


Sendo o regulamento administrativo aprovado, por um órgão singular ou colegial, segue-se para
a fase integrativa de eficácia. Há um REGIME GERAL referente a esta fase que é o do artigo
139.º CPA – sem prejuízo de normas especiais, os regulamentos estão sujeitos a publicação em
DR e a publicação no boletim oficial da entidade pública e no respetivo sítio institucional da
Internet.
O requisito da publicidade é necessário para a produção de efeitos jurídicos – é imprescindível
para que os regulamentos produzam os efeitos jurídicos a que tendem que lhes seja dada a devida
publicidade, a qual, não havendo normas especiais, seguirá os termos previstos no artigo 139.º
CPA.
Os regulamentos administrativos entram em vigor na data neles estabelecida OU, nada neles
sendo dito, no 5.º dia após a sua publicação (artigo 140.º CPA).
Além do mais, não pode ser atribuída eficácia retroativa aos regulamentos que imponham deveres,
encargos, ónus, sujeições ou sanções, que causem prejuízos ou restrinjam direitos ou interesses
legalmente protegidos, ou afetem as condições do seu exercício – artigo 141.º, n.º 1 CPA.
(ex.: o regulamento de avaliação dos docentes da FDUP – ao abrigo do regulamento
aprovado em 2019, foram iniciados procedimentos de avaliação desses mesmos docentes, tendo
em vista a prática de um ato administrativo que lhes atribui uma determinada classificação)

Vamos imaginar que em 2020, ainda estando a decorrer estes procedimentos de avaliação, o
regulamento de 2019 é alterado e são mudadas as pontuações atribuídas a determinadas tarefas –
esta alteração em 2020 do regulamento de avaliação dos docentes já se aplica aos regulamentos
de avaliação em curso à data desta alteração?
Não pode!

A não ser que seja absolutamente favorável (ex.: vamos imaginar que o regulamento estipula um
prazo maior para entrega de documentação – aqui pode ter eficácia retroativa, é aplicável a toda
a gente, favorece as condições de exercício e uma avaliação mais ponderada).

Além disso, os efeitos dos regulamentos não podem reportar-se a data anterior àquela a que
se reporta a lei habilitante – artigo 141.º, n.º 2 CPA
Aula n.º 19 – 23-04-2021 – ‘1. Procedimento administrativo pré-contratual 1.1. A decisão de contratar -
anúncio e convite; 1.2. Apresentação de propostas; 1.3. Apreciação preliminar das propostas,
exclusão/aperfeiçoamento de propostas, audiência prévia; 1.4. Relatório preliminar do júri (exclusão de candidatos
e graduação das demais propostas) - audiência prévia; 1.5. Relatório final do júri (quanto à exclusão de candidatos
e à graduação das propostas que se mantêm no procedimento) 1.6. Prática de ato de adjudicação (a que se seguirá a
celebração do contrato) ou de ato de não adjudicação’

Procedimento administrativo pré-contratual


No artigo 16.º CCP, dependendo das características do tipo de contrato que se chegou à conclusão
que fazia sentido celebrar, o procedimento pré-contratual poderá ter diferentes formulações.
Contudo, não vamos vê-los de forma individualizada.
O que vamos ver são aspetos gerais e transversais a cada um destes procedimentos pré-contratuais,
sabendo nós que esta é uma opção prévia a ser tomada no que diz respeito ao tipo específico de
procedimento a prosseguir tendo em consideração o tipo de contrato a celebrar.
O procedimento pré-contratual, isto é, o procedimento administrativo tendente à celebração de
um determinado tipo de contrato inicia-se com a decisão de contratar.
A decisão de contratar está prevista no artigo 36.º CCP e deve ser devidamente fundamentada. A
fundamentação da decisão de contratar é essencial, porque a decisão de contratar traduz uma
opção tomada pela entidade adjudicante entre diferentes alternativas quanto à forma de
prossecução de um determinado fim de interesse público, ou seja, a entidade adjudicante,
confrontada com a necessidade de prosseguir um determinado fim de interesse público, tem o
dever de ponderar as diferentes formas de organização e as diferentes formas de atividade
admissíveis para satisfazer este mesmo fim, tendo em vista a determinação daquela forma ou
daquele meio que é o melhor do ponto de vista da sua eficiência e eficácia para a prossecução
daquele fim.
Há aqui uma ideia fundamental de que os órgãos com competência para tomar decisões sobre este
tipo de matérias devem necessariamente considerar que é o seguinte: as formas de organização
e as formas de atividade (como os contratos administrativos) não são um fim em si mesmo, mas
um instrumento de realização de tarefas públicas. Isso impõe necessariamente que a escolha
entre os instrumentos disponíveis seja uma questão prévia a refletir com a atenção devida.
Chegados aqui, a decisão de contratar acaba por ser um ato entre procedimentos administrativos:
é o ato final do procedimento administrativo que o antecedeu (procedimento administrativo
dirigido a determinar a melhor forma de prosseguir o interesse público) e, por outro lado, é o ato
administrativo que dá início ao procedimento pré-contratual.
Portanto, a fundamentação da decisão de contratar deve espelhar a ponderação que foi realizada
pela entidade adjudicante entre as diversas alternativas de organização e atividade admissíveis,
explicando porque é que estas a opção para a prossecução daquele fim de interesse público passou
pela elaboração de um contrato com aquelas características.
Esta decisão de contratar é, por isso, importante não só porque dá início ao procedimento pré-
contratual, mas também porque pré-determina a forma como esse procedimento pré-contratual
termina, ou seja, a decisão de contratar acaba necessariamente por condicionar tanto a decisão
de adjudicação, como em sua alternativa a decisão de não adjudicação.

Porquê? Porque a entidade adjudicante deverá adjudicar/ atribuir o contrato à entidade que
apresente a proposta que melhor realize a necessidade que a entidade adjudicante considerou que
apenas poderia ser satisfeita pela satisfação de um determinado tipo de contrato.
Quando, por outro lado, e decorrido o procedimento pré-contratual, se chega à conclusão que essa
necessidade já não existe, que o contrato que se entendia ser aquele que faria sentido celebrar
afinal já não o é, OU quando se chega à conclusão que nenhuma das propostas apresentadas
satisfaz a necessidade de interesse publico a prosseguir, em vez de se adjudicar o contrato, terá
necessariamente, e em nome do princípio da prossecução do interesse público, de se decidir pela
NÃO ADJUDICAÇÃO.

Quando se toma a decisão de contratar não só se opta, em detrimento de outras alternativas


possíveis, pela celebração de um contrato, como se opta também pela celebração de um
determinado tipo de contrato.
Consequentemente, a decisão de contratar é acompanhada dos seguintes elementos
(determinados pelo tipo de contrato que se considerou que se deveria celebrar para a
prossecução daquele fim de interesse publico):

 Indicação do procedimento pré-contratual escolhido entre os vários admissíveis, nos


termos do artigo 16.º CCP
 A decisão de contratar é acompanhada das peças do procedimento

As peças do procedimento é onde o órgão competente para a decisão de contratar define os


termos específicos da regulamentação a aplicar ao procedimento escolhido e antecipa os
elementos a conter no contrato que se pretende celebrar.
Que peças do procedimento são estas? São o programa do procedimento (que em alguns casos
também se designa de programa do concurso), que é o regulamento que define os termos a que
obedece a fase de formação do contrato até à sua celebração. É no programa do procedimento
que, por exemplo, se define a forma de avaliação das propostas e o critério de adjudicação.
Como segunda peça do procedimento temos o caderno de encargos, que contém as cláusulas a
incluir no contrato a celebrar.

Feito tudo isto, segue-se o ANÚNCIO DO PROCEDIMENTO OU ENVIO DO CONVITE.


O anúncio do procedimento ou envio de convite constituem o primeiro momento externo do
procedimento pré-contratual.
O convite tem lugar apenas nos casos em que o procedimento pré-contratual escolhido é o
procedimento pré-contratual de ajuste direto. Quando se opta pelo ajuste direto, isso significa que
a entidade adjudicante dirige um convite à celebração de um determinado tipo de um contrato a
uma entidade ou a várias entidades previamente escolhidas por ela, ou seja, no caso do ajuste
direto, o cocontratante já está previamente escolhido pelo órgão adjudicante, motivo pelo qual,
neste caso, há lugar ao envio de um convite dirigido a uma ou várias entidades determinadas que,
depois, aceitarão ou não esse mesmo convite.
O procedimento de ajuste direto tem uma tramitação mais simples relativamente aos demais,
sendo que, uma vez aceite o convite, se passa imediatamente para a adjudicação e para a
celebração do contrato, sem prejuízo da eventualidade de poderem ter ocorrido causas de não
adjudicação.
Ora, quando o procedimento pré-contratual escolhido não é o de ajuste direto, caso em que poderá
ser qualquer um dos outros previstos no artigo 16.º CCP, não há lugar a envio de convite, mas
sim ao anúncio de procedimento. O anúncio do procedimento é obrigatoriamente publicitado no
DR e divulgado no portal dos contratos públicos, bem como em outro meio que a entidade
adjudicante considere conveniente, como, por exemplo, na sua página institucional da Internet.
Também pode acontecer que o procedimento tenha que conhecer publicidade internacional,
o que depende do objeto do contrato e do valor estimado do mesmo. Neste caso, para além da
publicidade nacional em DR e no portal dos contratos públicos, acresce a exigência de
publicitação no Jornal Oficial da União Europeia.

Ao anúncio do procedimento segue-se a FASE DA APRESENTAÇÃO DAS PROPOSTAS –


a apresentação das propostas faz-se diretamente na plataforma eletrónica utilizada pela entidade
adjudicante. As propostas devem ser obrigatoriamente redigidas em língua portuguesa.
A partir do momento em que um concorrente apresenta uma proposta, está vinculado a ela, ou
seja, a partir do momento em que o agente apresenta uma proposta compromete-se perante a
entidade adjudicante a contratar nos termos e de acordo com as condições que apresentou.
Por outro lado, cada concorrente só pode apresentar uma proposta. Em nome do princípio da
transparência, os concorrentes podem, uma vez terminada a fase de apresentação de propostas,
consultar as demais propostas apresentadas.
Finalmente, o júri do procedimento pré-contratual pode pedir aos concorrentes esclarecimentos
sobre as propostas apresentadas.

Terminada a fase de apresentação das propostas segue-se a FASE DA APRECIAÇÃO DAS


PROPOSTAS. Esta fase de apreciação das propostas cabe a um júri, designado de júri do
procedimento, que começa por verificar o cumprimento dos requisitos formais de apresentação
das propostas, passando, depois, para a verificação dos requisitos substanciais das mesmas.

Feita esta verificação das três uma:

 Primeira alternativa: as propostas conformes com os requisitos formais e substanciais


mantêm-se no procedimento.
 Segunda alternativa: há propostas não conformes com os requisitos formais e
substanciais aplicáveis, que devem ser excluídas.
 Terceira alternativa: há propostas não conformes com os requisitos formais e
substanciais aplicáveis, que podem ser corrigidas. Sendo esse o caso, o júri concede um
prazo ao concorrente para a sua retificação e das duas uma:
o Ou o concorrente retifica nesse prazo e mantém-se no procedimento
o Ou não responde ao convite à correção, caso em que é excluído do procedimento
Independentemente do que aconteça, estas alternativas são postas num relatório preliminar do
júri do procedimento, que é sujeito a audiência prévia dos concorrentes. E na sequência da
audiência prévia dos interessados OU mantêm-se as propostas excluídas as propostas excluídas
OU, por se considerar que os argumentos apresentados em sede de audiência prévia fazem
sentido, aceitam-se novamente ao procedimento essas novas propostas – ISTO EM RELAÇÃO
AOS OUTROS QUE FORAM DISPENSADOS SEM POSSIBILIDADE DE CORREÇÃO/
RETIFICAÇÃO.
Pode, em alternativa, praticar-se um ATO DE EXCLUSÃO DAS PROPOSTAS:

 Ou porque se pediu para retificar as propostas e elas não foram retificadas


 Ou porque, tendo-se excluído a proposta e sendo ela submetida a audiência prévia, mas
sem serem aceites os argumentos apresentados, confirma-se a intenção de a excluir

Quer num caso, quer noutro pratica-se um ato administrativo pré-contratual de exclusão das
propostas que corresponde àquele ato de exclusão de candidato ou concorrente que vem referido
no artigo 51.º, n.º 3 CPTA.

NOTA:
Quando falamos de atos praticados ao longo do procedimento administrativo falamos de duas
situações:

 Atos instrumentais praticados ao longo do procedimento administrativo


 Atos praticados ao longo do procedimento administrativo que são verdadeiros atos
administrativos

Este ato administrativo pré-contratual de exclusão das propostas é um verdadeiro ato


administrativo e não um mero ato preparatório ou instrumental, porque, em relação ao
interessado cuja proposta é excluída, vai produzir efeitos jurídicos externos inovadores.
Ora, de acordo com a definitividade horizontal, os atos administrativos eram somente aqueles que
põem fim ao procedimento administrativo, pelo que, antigamente, a doutrina socorria-se da figura
dos atos destacáveis para justificar a existência de atos administrativos ao longo do procedimento
administrativo.
Hoje em dia, não é necessário recorrer a essa figura, precisamente porque não se faz depender a
qualificação de um ato como ato administrativo da definitividade horizontal, bastando que
produza efeitos externos inovadores com referência a uma situação individual e concreta.
Assim sendo, se o interessado excluído quiser voltar ao procedimento pré-contratual, terá que
impugnar o ato administrativo de exclusão junto dos tribunais administrativos, sem prejuízo de
poder também fazer uso da impugnação administrativa.

EM SUMA: A decisão de contratar constitui a síntese do procedimento que é dirigido a definir


qual é a melhor forma de prossecução de um fim de interesse público, que pode ser ou não a
celebração de um contrato. Só quando se chega à conclusão de que a melhor forma é a celebração
de um contrato, é que se toma a decisão de contratar. Tomando a decisão de contratar, dá-se início
a um procedimento pré-contratual que termina com a adjudicação ou com a não adjudicação e
esta decisão terá como parâmetros a decisão de contratar e o fim de interesse público que levou à
tomada dessa decisão.
Iniciado o procedimento pré-contratual, apresentam-se as propostas para, depois, serem
apreciadas pelo júri do procedimento e este vai verificar se elas estão conformes aos requisitos
formais e substanciais previstos.
Se estiverem, continuam no procedimento pré-contratual. Se não estiverem, ou se convida à sua
correção (e são corrigidas ou não são), ou simplesmente se propõe a exclusão daquela proposta.
De qualquer das formas, deve-se elaborar um projeto de decisão e notificar os concorrentes, dando
conta destas intenções, por forma a que eles se pronunciem em sede de audiência prévia. Na
audiência prévia, ou se chega à conclusão de que a proposta que se pretendia excluir se deve, na
verdade, manter no procedimento pré-contratual, ou chega-se à conclusão de que a exclusão é a
única solução admissível.
Quando se chega a esta última conclusão, pratica-se um ato administrativo pré-contratual de
exclusão do candidato, sendo este um verdadeiro ato administrativo. Assim sendo, o candidato
excluído pode, ou impugnar administrativamente esse ato administrativo de exclusão, ou então
impugna contenciosamente esse ato administrativo de exclusão.

 A impugnação administrativa do ato administrativo de exclusão segue o regime previsto


nos artigos 267.º e seguintes CCP, aplicando-se o disposto nos artigos 184.º e seguintes
CPA subsidiariamente

 Ao passo que, na impugnação contenciosa do ato administrativo de exclusão, releva o


artigo 51.º, n.º 3 CPTA.

Este artigo 51.º, n.º 3 CPTA diz-nos que se o candidato excluído não impugnar o ato de exclusão
do procedimento pré-contratual, não poderá mais tarde vir reagir contra o ato de adjudicação. A
partir do momento em que o concorrente é excluído do procedimento pré-contratual, o próprio
procedimento continua sem ele, pelo que o ato de adjudicação não o tem em consideração para
aqueles efeitos (porque já não é concorrente naquele concurso) – assim, o legislador diz que não
dá para não impugnar o ato de exclusão com o objetivo de depois vir a impugnar o ato de
adjudicação.

O procedimento pré-contratual vai prosseguir com as propostas que se mantêm no


procedimento e, portanto, serão estas propostas que se mantêm no procedimento que serão
avaliadas e graduadas de acordo com o critério de adjudicação

Aula n.º 20 – 26-04-2021 – ‘1. Conclusão da aula anterior.’

FASE DE AVALIAÇÃO E DE GRADUAÇÃO DAS PROPOSTAS


Nesta fase em que há lugar à avaliação e graduação das propostas que se mantiveram no
procedimento, o júri utiliza, para o efeito, o critério de adjudicação previsto no programa do
procedimento.
Este critério pode ter uma de duas formulações:

 Pode pura e simplesmente se cingir ao preço mais baixo – fica graduada em primeiro
lugar a proposta que apresente o preço mais baixo, sem prejuízo de se prever um critério
de desempate quando duas ou mais propostas apresentem o mesmo preço.
 Em alternativa a este critério temos o critério da proposta economicamente mais vantajosa
– para além do preço, tem-se em consideração critérios qualitativos e quantitativos
relativos ao objeto do contrato a celebrar/ da proposta – ou seja, tem-se em consideração,
por exemplo, as caraterísticas do bem a fornecer, no caso de estar em causa um contrato
de aquisição de bens.
Neste caso, a cada um dos fatores a considerar para efeitos de adjudicação atribui-se uma
percentagem e é através do cômputo geral de todos estes fatores que resulta a graduação dos
candidatos/ concorrentes.

Na sequência da aplicação do critério de adjudicação, seja o critério do preço mais baixo ou da


proposta economicamente mais vantajosa, o júri elabora um novo relatório, em que ordena as
propostas, refere os esclarecimentos prestados pelos concorrentes e exclui propostas com
fundamentos distintos dos utilizados na primeira apreciação, mais especificamente, com
fundamento na ocorrência de qualquer um dos motivos previstos no artigo 146.º, n.º 2 CCP.
Este relatório preliminar, onde o júri do concurso define a ordenação dos candidatos/
concorrentes de acordo com o critério de adjudicação e procede à exclusão de propostas com base
neste artigo 146.º, n.º 2 CC, será, depois, enviado aos concorrentes, fixando-se um prazo não
inferior a 5 dias úteis, para que se pronunciem por escrito. Esta pronúncia é enviada por plataforma
eletrónica e dá forma a outra fase de audiência prévia dos concorrentes.

A seguir à fase da audiência prévia, o júri elabora um relatório final fundamentado (porque
deve espelhar a ponderação a que houve lugar das observações dos concorrentes apresentadas na
audiência prévia), mantendo a ordenação dos candidatos que constavam do relatório preliminar
ou não, mantendo as propostas excluídas no relatório preliminar ou voltando a integrá-las, etc.,
ou seja, mantendo ou modificando o teor das conclusões que constavam do relatório preliminar.

NOTA: sempre que existir uma alteração a ordenações ou exclusão de propostas deve haver
sempre lugar a audiência prévia.

Este relatório final será enviado à entidade adjudicante e será com base nele que esta vai tomar
uma de duas decisões:

 Adjudica
 Não adjudica

A DECISÃO DE ADJUDICAÇÃO está prevista no artigo 76.º CCP – o dever de adjudicação


é uma das duas decisões que podem pôr termo ao procedimento pré-contratual e significa que se
opta por celebrar o contrato com o concorrente ou candidato que tiver ficado graduado em
primeiro lugar no relatório final apresentado pelo júri do procedimento.
O ato de adjudicação é um ato administrativo nos termos do artigo 148.º CPA – é um ato
administrativo de conteúdo ambivalente, porque introduz uma alteração na esfera jurídica do seu
destinatário (que corresponde, aliás, ao efeito pretendido por este) e recusa a introdução dessa
mesma alteração na esfera jurídica dos demais concorrentes ou candidatos, que têm com o
concorrente/ candidato graduado em primeiro lugar um interesse concorrente.

Por isso é que o pedido adequado para apresentar junto dos tribunais administrativos para reagir
quanto a um ato de adjudicação é o pedido de condenação à prática de ato legalmente devido
em que quem apresenta o pedido solicita ao tribunal que condene a entidade adjudicante a
substituir aquele ato de adjudicação por outro que lhe adjudique a si aquele contrato – daí que
quem tem interesse em reagir contenciosamente contra atos de adjudicação são os candidatos
graduados, não em primeiro lugar, mas nas posições seguintes.
O ato de adjudicação pode não ser só impugnado contenciosamente, mas também
administrativamente, caso em que o regime geral do CPA relativo às reclamações e recursos
administrativos (artigo 184.º e ss. CPA) dá lugar à aplicação das normas especiais previstas nos
artigos 267.º e ss. CCP.

NOTA: há um aspeto curioso que tem dado aso a alguma discussão, que é o facto de o artigo 76.º
CCP falar num “dever de adjudicação” – de facto, com um critério literal de interpretação parece
que a entidade adjudicante não tem outra alternativa sem ser adjudicar. No entanto, a verdade é
que a interpretação jurídica não se basta com o critério literal, pelo que, se utilizarmos também o
critério sistemático, percebemos que há duas opções que o legislador coloca à disposição da
entidade adjudicante: possibilidade de adjudicar (celebração do contrato com os candidatos/
concorrente graduado em primeiro lugar) ou não (artigo 79.º CCP).
Assim, não há um dever de adjudicar

Se, pelo contrário, se optar por NÃO ADJUDICAR, tem que se seguir o previsto no artigo 79.º
CCP. As causas de não adjudicação são as que estão previstas no n.º 1 deste mesmo artigo, sendo
que há quem defenda que o elenco é taxativo e quem defenda que é exemplificativo – ora, a
professora Juliana Coutinho considera ser exemplificativo, uma vez que defende que não deverá
haver lugar à adjudicação sempre que o interesse público o imponha, o que quer dizer que, para
além destas situações enunciadas, poderão existir outras justificadas pela melhor salvaguarda do
princípio da prossecução do interesse público que justifiquem não adjudicar.
Não adjudicar implica revogar a decisão de contratar, ou seja, é um ato administrativo que
tem efeitos extintivos num outro ato administrativo (a decisão de contratar), revogando-a com
fundamento na inconveniência daquela decisão de contratar para a prossecução de um
determinado fim de interesse público – artigo 80.º CCP.
Todos os concorrentes que chegaram ao final e com os quais não foi celebrado o contrato devem
ser indemnizados pelos encargos em que incorreram na elaboração das propostas, mas,
salvaguardando este interesse pré-contratual dos concorrentes, não há nenhum motivo pelo qual
não se possa adjudicar além dos casos previstos no artigo 79.º CCP.
NOTA: é exatamente nos casos das alíneas c) e d) do artigo 79.º CCP em que há um dever de
indemnizar os concorrentes cujas propostas não tenham sido excluídas, mas com os quais também
não tenha sido celebrado nenhum contrato dos encargos que ocorreram com a elaboração das
propostas. Caso haja lugar à não adjudicação nas demais alíneas, JÁ NÃO HÁ ESTE DEVER
DE INDEMNIZAÇÃO.

A decisão de não adjudicação também se configura como um ato administrativo, devendo ser
devidamente fundamentada e sendo suscetível de reação junto dos tribunais administrativos ou
junto da própria AP, servindo-se, neste caso, dos mecanismos de reação administrativa previstos
nos artigos 267.º e ss. CCP, aplicando-se subsidiariamente o CPA – neste caso, o interesse em
recorrer da decisão de não adjudicar é do concorrente que ficou graduado em 1.º lugar.

NOTA: ver neste âmbito - “Adjudicar ou não adjudicar? Eis a questão” (prof. Juliana Coutinho).

ARTIGO 79.º, ALÍNEA C) CCP: o procedimento pré-contratual inicia-se com a decisão de


contratar, que é um ato administrativo que põe termo ao procedimento que lhe antecedeu e que
inicia o procedimento pré-contratual. Ora, precisamente por isto é que a decisão de contratar é
fundamental e deve ser ponderada. Isto porque tem que se perceber se a proposta apresentada pelo
concorrente graduado em primeiro lugar e a celebração do contrato pelo qual abriu aquele
procedimento pré-contratual ainda fazem sentido, ou seja, se ainda servem para prosseguir o fim
de interesse público a que deveria fazer face.

Pode chegar-se à conclusão de que assim não é, desde logo, porque pode não se ter feito uma
boa avaliação dos factos:
(ex.: vamos imaginar que se tomou a decisão de contratar, ou seja, que se optou pela
celebração de um contrato, com base na ideia de que um determinado material era fornecido
gratuitamente, mas que afinal assim não é, pelo que, a meio do procedimento pré-contratual, se
chega à conclusão que a melhor forma de prosseguir o fim do interesse público é não celebrar
um contrato, ou celebrar um contrato de outro tipo – aqui invoca-se a alínea c) do artigo 79.º,
n.º 1 CCP)

É-se obrigado a adjudicar?


Claro que não – invocam-se as circunstâncias imprevistas do artigo 79.º, al. c) CCP e decide-se
não adjudicar.

As circunstâncias imprevistas distinguem-se das circunstâncias supervenientes, porque, ao passo


que as imprevistas são circunstâncias que já existiam na decisão de contratar e não foram
consideradas, as circunstâncias supervenientes são circunstâncias que ocorrem num momento
posterior à decisão de contratar.
(ex.: Imaginando que um município, em 2019, abriu um concurso público tendente à
celebração de um contrato de promoção de espetáculos. Entretanto, veio a pandemia e o
procedimento pré-contratual estava já a decorrer. Ora, por causa da pandemia, chegou-se à
conclusão de que não era possível realizar nenhum dos espetáculos previstos, porque
simplesmente não são permitidos por lei ajuntamentos de pessoas – circunstância
superveniente)

Não faz sentido prosseguir-se este procedimento pré-contratual e adjudicar um contrato cuja
execução se sabe, à partida, que é impossível.
(ter em atenção aula prática de 29-04-2021 – essencialmente as vantagens dos mecanismos de
reação administrativa)

Aula n.º 21 – 30-04-2021 – ‘MECANISMOS DE REAÇÃO CONTENCIOSA (ANÁLISE DO ELEMENTO DE APOIO


REFERENTE AOS MECANISMOS DE REAÇÃO CONTENCIOSA) 1. CONTRA O ATO ADMINISTRATIVO’

Mecanismos de reação contenciosa


Como recorrer contenciosamente de um ato administrativo?
Os mecanismos de reação contenciosa são os mecanismos de reação junto dos tribunais
administrativos quanto à atividade administrativa e à inatividade administrativa.
Os mecanismos de reação contenciosa, independentemente da sua configuração, pressupõem
sempre a constituição de patrocínio (constituição de advogado, que irá representar as partes ao
longo desse processo) – artigo 11.º CPTA. Se a pessoa não tiver meios económicos para o fazer,
a Lei de Acesso ao Direito prevê mecanismos de apoio, que vão desde o pagamento total dos
honorários e das taxas de justiça ao pagamento parcial quer de uma coisa, quer de outra
(dependendo da situação económico-financeira do interessado e da avaliação da mesma pelo
Instituto da Segurança Social sobre estas matérias).
Há um prazo especial para a decisão dos pedidos de apoio judiciário e, simultaneamente, houve
uma preocupação do legislador de fazer associar ao silêncio do Instituto da Segurança Social num
determinado prazo o deferimento tácito, de forma a que ninguém fique impedido de aceder ao
Direito, muito embora isto não impeça que posteriormente o Instituto da Segurança Social indefira
o pedido.
Em termos de raciocínio e por razões de simplificação, vamos tentar perceber essencialmente
quais são as formas de reação contenciosa quanto a atos administrativos e quanto a omissões
ilegais de atos administrativos – só vamos tratar destas formas de reação contenciosa
relativamente a estas formas de atividade administrativa, pelo que os pedidos que vamos referir
não esgotam os pedidos admissíveis a apresentar nos tribunais administrativos (o elenco do artigo
37.º, n.º 1 CPTA é meramente exemplificativo). Em suma, há mais contencioso para além do que
vamos tratar.
Inclusivamente chegamos ao ponto de dizer que não há propriamente um princípio da tipicidade
quanto aos pedidos admissíveis a apresentar nos tribunais administrativos (as próprias
circunstâncias do caso podem pressupor uma estruturação diferente do pedido) – esta é uma
preocupação do legislador com base no princípio da tutela jurisdicional efetiva, que se
concretiza neste tal elenco meramente exemplificativo.
A – Como recorrer contenciosamente de um ato administrativo?
Questões prévias:
I. Caraterísticas que permitem a qualificação como ato administrativo (artigo 148.º CPA)
O ponto de partida é o artigo 148.º CPA e a identificação numa circunstância concreta de uma
forma de atividade administrativa que pode ser qualificada como ato administrativo. É importante
termos presentes que o ato administrativo produz efeitos jurídicos inovadores e externos
relativamente a uma situação individual e concreta e a falta de uma destas caraterísticas (basta a
falta de um destes elementos de qualificação jurídica) faz com que aquela forma de atividade
administrativa não possa ser qualificada como ato administrativo.
NOTA: se se errar na qualificação jurídica, erra-se na qualificação do regime jurídico aplicável.

Também pode suceder que tenhamos uma forma de atividade administrativa que parece ser um
ato administrativo, mas é necessária uma análise detalhada de cada uma das suas características
para que se chegue à conclusão de que não é um ato administrativo.
Respondendo à questão de saber se aquela forma de atividade administrativa é ou não um ato
administrativo e chegando à conclusão que é, passa-se para a questão de caraterizar o tipo de ato
administrativo.

II. Caraterização do tipo de ato administrativo


Chegando à conclusão de que estamos perante um ato administrativo, é necessário perceber que
tipo de ato administrativo está em causa (se é primário ou secundário, se se enquadra no âmbito
de uma relação jurídica bipolar ou poligonal, se foi praticado por um órgão singular ou colegial,
se tem um destinatário único ou vários, se é favorável ou desfavorável, se é positivo, sancionatório
ou uma autorização; se tem conteúdo positivo, negativo ou ambivalente).
Este exercício é fundamental também, porque:

 Se o ato administrativo produzir efeitos jurídicos desfavoráveis, isso quer dizer que
tem de ser fundamentado, que a sua eficácia jurídica depende de notificação, que a
audiência prévia, em princípio, não pode ser dispensada, pelo que podemos identificar
um vício nestes trâmites - (se chegamos à conclusão que não houve fundamentação ou
que não houve audiência prévia descobrimos um vício; ou se chegamos à conclusão de
que não foi objeto de notificação é ineficaz).

 Depois, se o ato administrativo for de conteúdo positivo, significa que introduziu uma
alteração na esfera jurídica do destinatário, pelo que o objetivo é eliminar essa alteração;
se tiver conteúdo negativo, o objetivo é que uma alteração seja introduzida; por sua vez,
se for de conteúdo ambivalente, significa que aqueles aos quais foi recusada a
introdução da alteração na sua esfera jurídica querem, não só que o ato administrativo
desapareça, mas que seja praticado um que introduza essa mesma alteração.
Assim, a identificação do conteúdo do ato administrativo serve para PERCEBER O QUE SE
QUER DO TRIBUNAL, sendo a partir daí que se define o pedido a apresentar ao tribunal.
 Se for ato praticado por órgão colegial, temos de identificar as regras de funcionamento
do órgão colegial (quórum, maioria de aprovação, ata, etc.), havendo aqui uma série de
possibilidades quanto a vícios que não existe se o órgão que pratica o ato for singular.

 Por outro lado, ainda temos a questão de saber se o ato administrativo se enquadra em
relações singulares ou poligonais/multipolares – isto é importante sobretudo no âmbito
da questão da legitimidade, ou seja, de QUEM PODE RECORRER AOS
TRIBUNAIS.
Se o ato administrativo se enquadrar no âmbito de uma relação jurídica bipolar, os
interessados em reagir desse ato já estão, à partida, identificados (é o interessado); já se o ato
administrativo se enquadrar no âmbito de uma relação jurídica poligonal, para além do
destinatário, temos outros interessados que podem querer reagir contra esse ato – é relevante
do ponto de vista da legitimidade, portanto.

 O facto de ser primário ou secundário também é importante para conhecermos a sua


origem, uma vez que nos conta a história do ato administrativo: se é primário, significa
que incide direta e imediatamente numa situação individual e concreta; se é secundário,
significa que incide sobre um ou outro ato administrativo.

Ora, tudo isto são questões prévias fundamentais para determinar, por um lado, se o ato jurídico
é ou não um ato administrativo e enquadrá-lo no respetivo regime jurídico e, depois, para
identificar os vícios que lhe correspondem e as respetivas sanções.

III. Identificação dos vícios do ato e correspondentes sanções. Conclusão: o ato é nulo,
anulável ou inexistente juridicamente?
Tendo em conta a fase anterior, e verificando-se a existência de vícios no ato administrativo, há
que averiguar quais as sanções que lhes correspondem: ANULABILIDADE; NULIDADE;
INEXISTÊNCIA JURÍDICA.

NOTA: estas três primeiras fases são fundamentais, porque só teremos interesse em recorrer aos
tribunais se tivermos, pelo menos, alguma certeza de que vamos ganhar a ação.
Ninguém consegue, à partida, adivinhar o sentido de uma sentença – agora, há áreas em que é
mais garantido que outras, porque são áreas que têm que ver com a própria configuração dos
factos e com a forma da produção de prova.
À partida, consegue-se perceber, quando se conhece a matéria, numa ação administrativa e
também no contencioso tributário se se vai perder ou ganhar uma ação – porque é tudo
extremamente técnico. O que normalmente introduz margem de erro nestas previsões é o facto de
haver a possibilidade de uma interpretação plurissignificativa das normas (mas mesmo aí a
questão não deixa de ser técnica).
IV. O ato é impugnável? Nos termos dos artigos 51.º, n.º 1 CPTA e 268.º, n.º 4 CRP, o critério
de recorribilidade do ato administrativo é o da suscetibilidade de produção de efeitos externos.
Feita esta análise prévia, temos que depois encaixar tudo isto no CPTA – é um ato administrativo
do tipo X e tem tais vícios, mas posso recorrer dele aos tribunais administrativos. À partida, é
possível recorrer de qualquer ato administrativo junto dos tribunais administrativos, porque há
sobreposição de conceitos entre ato administrativo para efeitos substantivos e ato administrativo
para efeitos contenciosos. Ou seja, os atos administrativos substantivos para efeitos do artigo
148.º CPA são atos impugnáveis para efeitos do artigo 51.º CPTA.

Aliás, o que se sucede é que o legislador, para garantir o acesso dos administrados aos tribunais,
trata, para efeitos contenciosos, atos instrumentais e preparatórios como se fossem atos
administrativos (artigo 51.º, n.º 1 CPTA: ‘ainda que não ponham termo a um procedimento’) – é
o que sucede com os pareceres vinculativos.
Além destes, o legislador logo à partida admite que possa haver a prática de verdadeiros atos
administrativos dentro do procedimento administrativo, como sejam os atos de exclusão de
candidatos de procedimentos pré-contratuais.

Depois, no artigo 51.º, n.º 2 CPTA temos um elenco meramente exemplificativo e o critério para
o legislador escolher estes exemplos e não outros tem que ver com as questões que levantaram
mais controvérsias.

 Alínea a) – está pensado para pré-decisões, ou seja, atos administrativos que, depois, são
pressuposto de outros atos administrativos que venham a ser praticados. O que aqui se
diz é que não se tem de esperar pela prática do ato administrativo principal para se poder
impugnar este ato administrativo que constitui uma pré-decisão.

 Alínea b) – “2 – São designadamente impugnáveis: b) As decisões tomadas em relação


a outros órgãos da mesma pessoa coletiva, passíveis de comprometer as condições do
exercício de competências legalmente conferidas aos segundos para a prossecução de
interesses pelos quais esses órgãos sejam diretamente responsáveis.”
Esta alínea refere-se aos pareceres vinculativos, que não são atos administrativos, mas
instrumentais ou preparatórios, meramente consultivos, solicitados na fase de instrução (que são
vinculativos quando norma especial lhes associe esse poder vinculativo), sendo que quando são
vinculativos condicionam a forma como a competência quanto àquela matéria é exercida.
Só há uma forma de o órgão com competência decisória escapar disto, que é impugnar o parecer
vinculativo com fundamento em ilegalidade, sob pena de, se não seguir o parecer, praticar um
ato anulável – o condicionamento é de tal ordem que, mesmo não concordando com o parecer
vinculativo, o órgão com competência decisória tem de o seguir.
No caso de impugnação do parecer vinculativo com fundamento em ilegalidade, temos um órgão
a impugnar um ato preparatório praticado por outro órgão, precisamente para se escusar a segui-
lo com fundamento em ilegalidade.
Artigo 51.º, n.º 3 CPTA – “3 – Os atos impugnáveis de harmonia com o disposto nos números
anteriores que não ponham termo a um procedimento só podem ser impugnados durante a
pendência do mesmo, sem prejuízo da faculdade de impugnação do ato final com fundamento em
ilegalidades cometidas durante o procedimento, salvo quando essas ilegalidades digam respeito
a ato que tenha determinado a exclusão do interessado do procedimento ou a ato que lei especial
submeta a um ónus de impugnação autónoma.”.
A PRIMEIRA PARTE DO ARTIGO refere-se aos pareceres vinculativos. Enquanto só temos
o parecer vinculativo, podemos impugná-lo, porque o legislador considera que neste caso é que
faz sentido recorrer a esta funcionalidade prevista no CPTA (considerar, para efeitos de tutela
preventiva, os pareceres vinculativos como atos administrativos). No entanto, a partir do
momento em que é praticado um verdadeiro ato administrativo, que é condicionado pelo parecer
vinculativo, deixa de se poder impugnar o parecer vinculativo (a razão pela qual se permitia
impugnar um parecer vinculativo, como se de um ato administrativo se tratasse, desaparece,
porque já temos um verdadeiro ato administrativo),

(ex.: Imaginemos que, na fase de instrução, é pedido um parecer ao qual uma norma especial
atribui caráter vinculativo (artigo 91.º, n.º 2 CPA). À fase de instrução segue-se a fase da
audiência dos interessados, pelo que, quando se notifica os interessados para audiência prévia,
é necessário comunicar tudo aquilo que se passou ao longo do procedimento até àquele momento,
incluindo o parecer vinculativo. Portanto, em sede de audiência prévia, o interessado olha para
o parecer vinculativo e sabe qual vai ser o ato administrativo a praticar no final do procedimento,
porque, a menos que o órgão com competência decisória considere o parecer ilegal e impugne
contenciosamente, o ato administrativo que põe termo ao procedimento será conforme com o
parecer, sob pena de anulabilidade. Ora, o interessado não tem que esperar pelo final do
procedimento para impugnar o ato administrativo, pois o legislador permite que reaja contra o
parecer vinculativo a partir do momento em que tem conhecimento do mesmo e enquanto não
haja ato administrativo)

Pode fazê-lo até ao momento em que não há ato administrativo, isto porque, como já vimos, a
partir do momento em que o parecer vinculativo é seguido pelo ato administrativo que põe termo
ao procedimento, deixa de se poder impugnar o parecer e passa só a poder-se impugnar o ato
administrativo que se segue ao parecer.

Mas isto é o que diz a primeira parte do n.º 3, porque a SEGUNDA PARTE já não se refere aos
pareceres vinculativos, mas aos atos de exclusão de um interessado num procedimento pré-
contratual – o ato de exclusão do candidato de exclusão de procedimento pré-contratual não é um
ato instrumental nem preparatório, mas um verdadeiro ato administrativo que exclui o candidato
a que se refere do procedimento pré-contratual de que o interessado quer continuar a fazer parte.
A partir do momento em que o candidato é excluído do procedimento pré-contratual, ele deixa de
ser considerado para efeitos de graduação e avaliação de propostas (tudo se passa sem o ter em
consideração). Ora, se o concorrente é excluído de um procedimento, ele tem de impugnar o ato
que o exclui e não o ato de adjudicação (que já não o teve em consideração, porque no momento
da sua prática ele já não estava no procedimento) – NÃO DÁ PARA NÃO IMPUGNAR O ATO
DE EXCLUSÃO E, DEPOIS, IMPUGNAR O ATO DE ADJUDICAÇÃO.
A recorribilidade do ato administrativo não se confunde com a sua lesividade, uma vez que o ato
administrativo não precisa de produzir efeitos jurídicos lesivos para ser impugnável. Temos um
ato que é recorrível contenciosamente como ato administrativo, seja porque é um ato
administrativo, seja porque, não o sendo, o CPTA trata-o como se o fosse (caso dos pareceres
vinculativos) – recorribilidade. A questão de saber se o ato administrativo produz, ou não, efeitos
lesivos é uma questão que serve o propósito de identificar quem é que tem legitimidade para
recorrer daquele ato administrativo – lesividade (só pode recorrer de um ato administrativo quem seja
lesado por esse ato).

Há então aqui uma questão importante de ver: uma coisa é percebermos se o ato administrativo é
recorrível, outra coisa é percebermos quem pode recorrer do ato administrativo, daí a afirmação
de que a recorribilidade do ato administrativo não se confunde com a sua lesividade, uma vez que
o ato administrativo não precisa de produzir efeitos jurídicos lesivos para ser impugnável.

Vamos imaginar um ato administrativo que não lese ninguém, mas é ilegal. Mantém-se ilegal?
Não, até porque o nosso sistema de justiça administrativa combina elementos subjetivos com
elementos objetivos, ou seja, não está apenas em causa a garantia da posição jurídica subjetiva
dos cidadãos, mas também a salvaguarda da legalidade como valor em si mesmo.
Assim, podemos ter um ato administrativo que não lese ninguém, mas é ilegal e, por isso, é
recorrível para os tribunais administrativos.

Mas quem pode recorrer dele?


Pode recorrer o MP (tem o dever de o fazer), os presidentes dos órgãos colegiais relativamente
aos atos praticados pelos órgãos a que presidem (artigo 55.º, n.º 1, b) e e) CPTA) e os atores
populares (grupos de cidadãos eleitores ou qualquer cidadão eleitor no uso dos seus direitos civis
e políticos [artigo 55.º, n.º 2 CPTA], Autarquias Locais, fundações e associações [artigos 9.º, n.º
2; 55.º, n.º 1, f) e 68.º, n.º 1, d) CPTA]).
A ideia de que o nosso sistema de justiça administrativa serve apenas para salvaguardar posições
subjetivas (direitos e interesses dos cidadãos) é parcialmente errada, porque serve também para
salvaguardar a legalidade como um valor em si mesmo.

V. Determinação do pedido adequado em função do conteúdo do ato


administrativo/determinação da forma de ação.
A FORMA DE AÇÃO consiste num conjunto de formalidades e trâmites processuais a seguir
pelo pedido apresentado.
O pedido adequado, que iremos determinar tendo em conta o conteúdo do ato administrativo, é
apresentado por via da petição inicial. O autor faz o exercício que vimos anteriormente para
identificar o pedido a apresentar junto dos tribunais administrativos e, passada essa fase, elabora
uma petição inicial, intentando-a junto do tribunal administrativo territorialmente competente.
As formalidades e os trâmites processuais que esse pedido vai seguir dependem da forma de ação
aplicável e quanto a isto temos de distinguir duas possibilidades:

 A possibilidade de a forma de ação ser a ação administrativa que constitui um processo


principal não urgente (artigos 78.º e ss. CPTA)
 A forma de ação, considerando as circunstâncias do caso concreto, ser uma das ações
urgentes principais previstas no CPTA (artigo 97.º e ss. e 36.º CPTA)

Quando falamos de formas de ação urgentes e não urgentes estamos a falar de tramitação e
formalidades – se é NÃO URGENTE encontramos, por exemplo, formalidades processuais e
prazos mais alargados; ao passo que se for URGENTE encontramos uma maior simplicidade
processual, prazos mais curtos e o facto de esses mesmos prazos correrem em férias judiciais.
O CPTA só prevê um meio processual principal não urgentes, que é a ação administrativa –
artigo 78.º e seguintes CPTA e prevê várias formas de processos principais urgentes (temos de
perceber qual das formas de ação principal urgentes vamos utilizar – artigo 97.º e ss. CPTA e 36.º
CPTA).
Os meios urgentes traduzem-se num conjunto de meios processuais, com regras próprias e
tramitação adaptada, destinados à proteção de situações jurídicas subjetivas, e que têm como
ponto comum o pressuposto objetivo, previsto em abstrato, da urgencia. Nos termos do artigo
36.º, n.º 2 CPTA, os processos urgentes correm nas férias, com dispensa de vistos prévios, mesmo
em fase de recurso jurisdicional, e os atos da secretaria são praticados no próprio dia, com
precedência sobre quaisquer outros.

São meios urgentes (artigo 36.º, n.º 1 CPTA):

 Os processos urgentes autónomos ou principais, ou seja, os processos principais que


visam a produção de decisões de mérito (artigos 97.º e ss. CPTA): (i) impugnações
urgentes (contencioso eleitoral, contencioso dos procedimentos de massa e contencioso
pré-contratual); (ii) intimações (intimação para a prestação de informações, consuta de
processos ou passagens de certidoes; intimação para proteção de direitos, liberdades e
garantias).
 Os processos cautelares, que visam assegurar a utilidade da sentença que venha a ser
proferida no processo principal (seja ele um processo urgente ou não urgente) – artigos
112.º e ss. CPTA
 Se o ato não for praticado num procedimento pré-contratual, segue sempre a forma
de ação administrativa.
 Se o ato for praticado num procedimento pré-contratual, precisamos de ir ao artigo
100.º, n.º 1 CPTA ver se o procedimento no qual o ato se insere está englobado pelo seu
elenco taxativo. Se lá estiver, segue a forma de contencioso pré-contratual; se não estiver
lá previsto, segue a forma de ação administrativa.
NOTA: na tramitação não é artigo 59.º, mas 69.º CPTA

 Se o ato não for praticado num procedimento pré-contratual, segue sempre a mesma
forma.
 Se o ato for praticado num procedimento pré-contratual, precisamos de ir ao artigo
100.º, n.º 1 CPTA ver se o procedimento no qual o ato se insere está englobado pelo seu
elenco taxativo. Se lá estiver, segue a forma de contencioso pré-contratual; se não estiver
lá previsto, segue a forma de ação administrativa.
B - Como recorrer contenciosamente de uma omissão ilegal?
Aqui o exercício é o mesmo: temos de chegar à conclusão que há uma omissão ilegal e, para tal,
é preciso que tenha havido um requerimento dirigido à AP, constituindo-se um dever de decidir,
sendo que este dever implica que esteja em causa o exercício de competências jurídico-
administrativas, que o órgão a quem é dirigido o requerimento seja competente para o efeito, que
não tenha havido lugar a uma decisão há menos de 2 anos sobre essa mesma questão e que a lei
não qualifique esse silencia administrativo como deferimento tácito.
Depois, tudo segue os mesmos termos…

NOTA: pode suceder, em situações muito especificas, previstas pelo legislador de forma
detalhada e com uma aplicação muito limitada, que a forma de ação que o pedido de impugnação
ou o pedido de condenação à prática de ato legalmente devido acabem por ter de seguir não seja
a ação administrativa, nem o contencioso pré-contratual, mas uma das outras formas de processos
principais urgentes, previstas nos artigos 97.º e ss. CPTA.
No entanto, estas outras formas, para além do procedimento pré-contratual, têm uma aplicação
excecional e muito limitada. Não obstante, são uma alternativa para pedidos que seguem a forma
de ação administrativa, ou seja, quando estejam em causa atos administrativos ou omissões ilegais
não inseridas em procedimentos pré-contratuais, mas que se encaixem nas situações específicas
indicadas nessas formas de processos urgentes.

Aula n.º 22 – 10-05-2021 – ‘MECANISMOS DE REAÇÃO CONTENCIOSA (ANÁLISE DO DOCUMENTO


REFERENTE ÀS NORMAS REGULAMENTARES)’

Como recorrer de normas regulamentares com eficácia externa?

As normas regulamentares com eficácia externa têm um regime particular, considerando a


limitação imposta pelo CPA no artigo 135.º CPA, que projeta, entre outros aspetos, o facto de as
normas regulamentares com eficácia externa serem as únicas normas regulamentares suscetíveis
de serem objeto de mecanismos de reação, quer administrativa (reclamação e recursos
administrativos – artigo 184.º e ss. CPA), quer contenciosa.

No que diz respeito aos mecanismos de reação administrativa…


O regime da reclamação e dos recursos administrativos é aplicável às normas regulamentares com
eficácia externa por via do artigo 147.º CPA, que fixa um conjunto de aspetos específicos da
utilização de mecanismos de reação administrativa contra normas regulamentares com eficácia
externa, e, quanto a tudo o resto, é aplicável o disposto nos artigos 184.º e seguintes do CPA.

 ARTIGO 147.º CPA – prevê-se a impugnação administrativa de normas regulamentares


com eficácia externa, sendo que se refere unicamente àquelas que têm eficácia externa,
porque é isso que resulta da leitura artigo deste artigo com o artigo 135.º CPA.

NOTA: isto não quer dizer que as que têm eficácia interna não sejam normas regulamentares.
Como se sabe, o artigo 135.º CPA não responde à questão da natureza jurídica das normas
regulamentares, mas sim à questão de saber qual o âmbito de aplicação do CPA no que se refere
a normas regulamentares. E a resposta que este artigo dá é no sentido de que as normas do CPA
que se referem a regulamentos referem-se unicamente a normas regulamentares com eficácia
externa (remissão do 147.º para o 135.º CPA).

Nos termos do artigo 147.º, n.º 3 CPA, à impugnação dos regulamentos é aplicável o previsto nos
artigos 184.º e 190.º CPA para a impugnação facultativa de atos administrativos e, depois, nos
números anteriores refere-se a possibilidade de se fazer uso da reclamação ou dos recursos, casos
em que se aplicarão os respetivos regimes específicos (n.º 2), bem como o que se pode solicitar
face a uma norma regulamentar com eficácia externa (n.º 1) – modificação, suspensão, revogação
ou declaração de invalidade de regulamentos administrativos diretamente lesivos dos seus direitos
ou interesses legalmente protegidos, assim como reagir contra a omissão ilegal de regulamentos
administrativos.
A tudo o resto aplica-se o regime do artigo 184.º e ss. CPA, sendo que o legislador achou por
bem destacar o disposto no artigo 189.º e 190.º CPA:

 ARTIGO 189.º CPA – para a impugnação facultativa de atos administrativos no que diz
respeito à não suspensão de efeitos associada à utilização dos mecanismos de reação
administrativa.
Como se sabe a utilização da reclamação e do recurso, quando estes são facultativos, não tem
efeitos suspensivos relativamente aos efeitos que se impugna administrativamente.

 ARTIGO 190.º CPA – refere-se à suspensão dos prazos de acesso aos tribunais associada
à utilização da reclamação ou um dos tipos de recursos administrativos
Como está aqui em causa a impugnação facultativa de regulamentos administrativos, estes
prazos suspendem-se, sem prejuízo de se poder renunciar a essa suspensão e fazer uso,
simultaneamente, da reclamação/ recurso e dos mecanismos de reação contenciosa (junto dos
Tribunais Administrativos).

Portanto, não há aqui diferenças significativas no que referimos quanto às reações administrativas,
apenas e tão só o que resulta do artigo 147.º CPA, que tem que ver com a especificidade de se
tratar de um regulamento administrativo e não de um ato administrativo.
No que diz respeito aos mecanismos de reação administrativa contra normas regulamentares com
eficácia externa não há muito mais a dizer, porque tudo acaba por se reconduzir ao regime já
visto.

No que diz respeito aos mecanismos de reação junto do Tribunal Administrativo territorialmente
competente…
À semelhança do que sucede com a reclamação e com os recursos administrativos, só se pode
reagir junto dos Tribunais Administrativos de normas regulamentares com eficácia externa.
NOTA:
Quanto aos atos administrativos colocamos um conjunto de questões prévias a que tínhamos de
responder para o efeito de determinar o pedido adequado a apresentar junto do Tribunal (primeiro
percebíamos se se tratava de um ato administrativo; depois perceber de que tipo de ato
administrativo se tratava [o seu conteúdo; os seus vícios; quais os desvalores associados aos
vícios]. Depois, em função disso, determinaríamos o pedido adequado a apresentar junto do
Tribunal Administrativo [pedido de impugnação ou pedido de condenação à prática de ato
legalmente devido]).
O pedido de impugnação dar-se-ia se o ato tivesse um conteúdo positivo, ao passo que o pedido
de condenação à prática de ato legalmente devido se o ato tiver um conteúdo negativo ou
ambivalente. No caso de omissões de atos administrativos, o pedido adequado será sempre o
pedido de condenação à prática de ato legalmente devido.
Quanto apresentamos um pedido de impugnação, o Tribunal Administrativo, se considerar o
pedido procedente, vai declarar nulo, anular o declarar inexistente juridicamente o ato
administrativo impugnado, o que tem efeitos extintivos sobre o ato administrativo impugnado e,
depois, tendo em consideração os efeitos produzidos ou não até ao momento (efeitos de direito e
de facto, no caso de atos anuláveis; e de facto, no caso de atos nulos ou inexistentes juridicamente)
será ditada a sentença. Obviamente que a sentença terá isto em conta, no sentido de procurar repor
a situação que existia antes do ato ser praticado e, eventualmente havendo terceiros de boa-fé
cujas expectativas mereçam tutela, salvaguardar a posição jurídica deles.
Quando apresentamos um pedido de condenação à prática de ato legalmente devido, o que o
Tribunal Administrativo faz é reconhecer a ilegalidade da omissão ou do ato administrativo de
indeferimento e, depois, condenar a entidade administrativa demandada no processo à prática de
um ato:

 Se o ato que estiver em causa for um ato vinculado, o tribunal pode condenar a entidade
administrativa demandada à prática de um ato administrativo com um determinado
conteúdo e com um determinado sentido.

 Se o ato administrativo que estiver em causa for um ato administrativo que implique o
exercício de competências discricionárias, mas cuja discricionariedade, face às
circunstâncias do caso concreto, fique reduzida a zero, também poderá o tribunal, feita
essa notificação prévia de redução de discricionariedade a zero, condenar a entidade
administrativa demandada à prática de um ato administrativo com um determinado
conteúdo e sentido.

 Fora estes casos, havendo exercício de poderes discricionários, cuja discricionariedade


não seja suscetível de ser reduzida a zero, o Tribunal Administrativo mais não poderá
fazer do que condenar a entidade administrativa demandada a praticar um ato
administrativo, cujo conteúdo e sentido será definido pela própria entidade
administrativa.
A única coisa que se fará na sentença condenatória será assinalar as ilegalidades em que a
entidade administrativa demandada não poderá reincidir.
Em relação às NORMAS REGULAMENTARES COM EFICÁCIA EXTERNA o raciocínio
é semelhante, sendo que as conclusões a que chegamos é que são diferentes:
Primeiro, temos de perceber se se trata ou não de normas regulamentares; depois temos de
perceber se têm eficácia externa (se produzem efeitos na esfera jurídica de terceiros; para além,
portanto, da esfera da entidade administrativa responsável pela emanação da norma
regulamentar). Depois, para a definição do pedido adequado a apresentar junto do Tribunal
Administrativo, é necessário distinguir entre normas regulamentares imediatamente
operativas e normas regulamentares mediatamente operativas – qual a diferença?

 As normas regulamentares IMEDIATAMENTE operativas produzem efeitos a partir do


momento em que entram em vigor, não necessitando de um ato administrativo de
aplicação – ex.: norma regulamentar que estabelece uma proibição
A proibição não depende, para produzir efeitos relativamente aos destinatários daquela
norma, de um ato administrativo de aplicação que concretize essa mesma proibição.

 As normas regulamentas MEDIATAMENTE operativas necessitam de um ato


administrativo de aplicação para produzirem os efeitos a que tendem – ex.: normas
regulamentares que fixam os critérios de atribuição de um subsídio – a aplicação desses
critérios na tomada de decisão quanto a essa atribuição depende de um ato
administrativo de aplicação

NOTA: há normas regulamentares imediatamente operativas (que não estão dependentes de ato
administrativo de aplicação), mas em relação às quais houve um ato administrativo de aplicação
– não obstante, este não era necessário para a produção dos seus efeitos.

Qual a diferença que isto importa? Importa, porque as normas imediatamente operativas (que
não estão dependentes de um ato administrativo de aplicação) são IMPUGNÁVEIS A TÍTULO
PRINCIPAL.

Impugnar a título principal significa que o objeto principal do processo é a impugnação da norma
regulamentar com eficácia externa, por contraposição aos casos em que as normas são
IMPUGNÁVEIS A TÍTULO INCIDENTAL, ou seja, por contraposição aos casos em que a
impugnação da norma regulamentar é meramente instrumental ao objeto principal do processo.

EXPLICAÇÃO:

A fiscalização sucessiva concreta tem lugar a título incidental – havia um processo a correr num
qualquer tribunal, sobre uma qualquer matéria (ex.: ação de despejo), e a propósito dessa ação
era levantada a título incidental a questão da inconstitucionalidade de uma norma relevante para
a tomada de decisão desse processo.
A lógica aqui entre impugnação a título principal e incidental é a mesma:

 Quando pretendemos impugnar normas imediatamente operativas, elas são impugnáveis


a título principal, na medida em que o objeto principal do processo é decidir se essas
normas são ou não ilegais OU inconstitucionais

 Pelo contrário, se a impugnação for a título incidental, quer dizer que foi a propósito de
um qualquer processo que se levantou a questão da ilegalidade de uma norma
regulamentar; e a decisão que se toma é relevante para a decisão a tomar quanto ao objeto
principal do processo.

Impugnação a título principal de normas regulamentares imediatamente operativas…


Apresenta-se um dos seguintes pedidos:

 Pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, com fundamento


na ilegalidade simples da norma regulamentar – artigo 72.º, n.º 2 e 73.º, n.º 1 CPTA

O pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral só pode ter por fundamento a
ilegalidade simples para evitar conflitos positivos de competência com o Tribunal Constitucional,
que tem competência para fiscalizar a inconstitucionalidade e a ilegalidade reforçada em sede de
fiscalização sucessiva abstrata de qualquer norma (artigo 281.º CRP) e, portanto, também de
normas regulamentares.
Assim, nos termos do artigo 281.º CRP, em sede de fiscalização sucessiva abstrata, o Tribunal
Constitucional fiscaliza a inconstitucionalidade e a ilegalidade reforçada de qualquer norma. No
que diz respeito à ilegalidade reforçada, tal tem que ver com a violação de normas legais de valor
reforçado (artigo 112.º, n.º 3 CRP – ver noção lei de valor reforçado)
Portanto, em sede de fiscalização sucessiva abstrata, que termina com a declaração ou não da
ilegalidade reforçada ou da inconstitucionalidade com força obrigatória geral, aos tribunais
administrativos cabe apenas a fiscalização das normas regulamentares (nunca uma norma legal),
sendo que o fundamento controlado é apenas a ilegalidade simples (para evitar os tais conflitos
positivos com o Tribunal Constitucional).

 Pedido de declaração com efeitos circunscritos ao caso concreto, com fundamento


em ilegalidade reforçada ou em inconstitucionalidade – artigo 73.º, n.º 2 CPTA
Se o pedido principal que se apresentar contra uma norma regulamentar com eficácia externa for
um pedido com efeitos circunscritos ao caso concreto, em que já não falamos numa declaração
com força obrigatória geral – a norma continua em vigor em relação aos restantes casos, mas em
relação àquele em relação ao qual se apresentou o pedido de declaração com efeitos circunscritos
ao caso concreto, caso a sentença seja procedente, a norma deixa de vigorar (diferentemente à
declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, em que a norma deixa de vigorar em todo
o ordenamento jurídico).
Estes podem ter, por isso, por fundamento a ilegalidade reforçada e a inconstitucionalidade – eu
posso, perante uma norma regulamentar com eficácia externa imediatamente operativa, invocar a
sua inconstitucionalidade ou ilegalidade a título principal independentemente de haver outro
processo a correr termos.
Ou seja, é possível pedir a título principal, quanto a normas regulamentares imediatamente
operativas, um pedido de declaração com efeitos circunscritos ao caso concreto, com
fundamento em ilegalidade reforçada ou inconstitucionalidade
Repare-se que aqui o legislador diz que não dá para invocar (no pedido de declaração com efeitos
circunscritos ao caso concreto) a ilegalidade simples – quando se chega à conclusão que na
verdade a norma regulamentar está inquinada por uma ilegalidade simples, o legislador entendeu
que se deve obrigar, em nome da certeza e da segurança jurídica, a apresentar um pedido de
declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, resolvendo-se o problema para todos os
casos.

Impugnação a título incidental das normas regulamentares mediatamente operativas…


O requisito de eficácia das normas regulamentares é a publicação em DR (sendo que depois entra
em vigor no próprio dia ou há um período findo o qual a norma regulamentar entra em vigor) –
não se está a falar do requisito de eficácia, mas da concretização dos efeitos que já estavam em
vigor com essa mesma norma.
Como uma norma mediatamente operativa precisa de um ato administrativo de aplicação, quando
o destinatário desse ato administrativo esteja lesado nos seus interesses, o que ele deve fazer é
impugnar/ reagir contenciosamente contra esse ato administrativo. Ou seja, quando temos um ato
administrativo que é necessário para uma norma regulamentar, não vamos atacar a título principal
a norma regulamentar, mas sim o ato administrativo que concretiza essa norma regulamentar
(através do pedido de condenação ou impugnação).

Depois, a propósito desse pedido principal dirigido ao ato de aplicação, é que vamos invocar a
ilegalidade da norma regulamentar que esse ato administrativo de aplicação concretiza

O que é que se sucede?


Esse pedido a TÍTULO INCIDENTAL dirige-se à desaplicação da norma no caso concreto – o
que está ali em causa não é mais que isso: como o processo é dirigido, a título principal, ao ato
administrativo de aplicação, a título incidental apenas é que se levanta a questão da ilegalidade
da norma regulamentar, porque ela foi o critério decisório utilizado para a aplicação de um ato
administrativo com aquele conteúdo e sentido.
Assim:

 Quanto à norma regulamentar o que se pede é a desaplicação da norma ao caso concreto


 E a impugnação ou pedido de condenação à prática quanto ao ato administrativo de
aplicação dessa mesma norma
Quais os fundamentos que podem ser invocados para este pedido incidental de desaplicação da
norma ao caso concreto?
Todos os que já vimos: podem ser a ilegalidade simples; a ilegalidade reforçada ou
inconstitucionalidade.

 A ilegalidade simples significa que a norma legal violada pela norma regulamentar não
tem valor reforçado OU que a norma regulamentar é ilegal, porque viola outra norma
regulamentar a que deva obediência (este conceito de ilegalidade simples vale para todos
os casos).
 Na ilegalidade reforçada está em causa a violação de uma norma legal, por uma norma
regulamentar, à qual é dado valor reforçado, nos termos do artigo 112.º, n.º 3 CRP.
 Na inconstitucionalidade, aquilo que é violado pela norma regulamentar é uma norma
constitucional

EM SUMA:
São estes os três fundamentos possíveis em relação aos pedidos que vimos – no caso da
impugnação de normas imediatamente operativas, a impugnação é a título principal e o
pedido de declaração com força obrigatória geral só pode ter por fundamento a ilegalidade
simples, ao passo que se for um pedido com efeitos circunscritos ao caso concreto só pode
ter por fundamento a ilegalidade reforçada ou a inconstitucionalidade // na impugnação
de normas mediatamente operativas, a impugnação é a título incidental e o pedido pode ter
por fundamento a ilegalidade simples, a ilegalidade reforçada e a inconstitucionalidade

NOTA: não vamos entrar nas formas de ação, mas o raciocínio é muito semelhante ao que vimos
a propósito dos atos administrativos – respondida à questão de saber qual o pedido que devemos
apresentar junto do tribunal administrativo territorialmente competente, importa definir as formas
de ação/ trâmites/ formalidades processuais que o pedido vai seguir. E esse pedido, quando é
dirigido a normas, não é muito diferente quanto às opções possíveis em comparação aos casos em
que está a impugnação do ato administrativo.
Também aqui as opções são as seguintes: ou o pedido apresentado contra uma norma
regulamentar com eficácia externa segue a forma de ação administrativa (forma de processo
principal não urgente – artigo 78.º e seguintes CPTA) ou segue a forma de processo urgente
principal (pode ser qualquer um dos previstos no artigo 97.º e ss. CPTA).
Aula n.º 23 – 11-05-2021 – ‘RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO E DEMAIS
ENTIDADES PÚBLICAS - LEI N.º 67/2007, DE 31 DE DEZEMBRO’

Responsabilidade civil extracontratual


Dizer responsabilidade civil tem associado um significado específico, uma vez que esta visa a
reparação de danos, sendo que da sua verificação corre a obrigação de indemnizar outrem pelos
danos causados.
Dentro da responsabilidade civil poderíamos falar em contratual OU extracontratual: no caso da
contratual, o dano decorre da violação em incumprimento de um contrato, ao passo que a
extracontratual deriva da lesão de um direito subjetivo ou de um interesse legalmente protegido.
A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas encontra o seu
regime jurídico previsto na Lei n.º 67/2007, que dá resposta ao princípio da responsabilidade civil
da AP e dos titulares de órgãos, funcionários e agentes pelos danos resultantes do exercício das
suas funções.
O artigo 22.º CRP dá um mote de partida para a responsabilidade civil extracontratual previsto
na Lei n.º 67/2007 que vai, no entanto, mais além do resulta especificamente do artigo 22.º CRP.

Isto porquê? A Lei n.º 67/2007 acaba por disciplinar a responsabilidade civil extracontratual do
Estado e demais entidades públicas, organizando-a de acordo com a função do Estado de cujo
exercício resulta o dano que se quer ver reparado.

 Ou seja, esta lei prevê o regime da responsabilidade civil extracontratual por danos
decorrentes do exercício da FUNÇÃO ADMINISTRATIVA, o que está diretamente em
articulação com o princípio da responsabilidade do artigo 22.º CRP.

 Em segundo lugar prevê o regime da responsabilidade civil extracontratual por danos


decorrentes da FUNÇÃO JURISDICIONAL.

 E, finalmente, prevê a responsabilidade civil extracontratual por danos da função


POLÍTICO-LEGISLATIVA

RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL POR DANOS DECORRENTES


DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO ADMINISTRATIVA
No que se refere à responsabilidade civil extracontratual por danos decorrentes da função
administrativa, o regime previsto na Lei n.º 67/2007, para além de se aplicar ao Estado e demais
pessoas coletivas públicas, é também aplicável a pessoas coletivas privadas sob influência pública
dominante e aos concessionários, na medida e nos casos em que lhes sejam imputados danos pelo
exercício da função administrativa – artigo 1.º, n.º 5 Lei n.º 67/2007.
Ou seja, quando estamos a falar da responsabilidade civil extracontratual decorrente de danos
verificados por causa do exercício da função administrativa a Lei n.º 67/2007 não só é de aplicar
a pessoas coletivas públicas (1) e privadas sob influência pública dominante (2) (que integram a
AP em sentido orgânico), mas também aos concessionários (3), na medida em que esses danos
tenham decorrido do exercício de poderes publicos de autoridade ou de uma atividade
especificamente disciplinada por normas de Direito Administrativo.
Em qualquer caso, é necessário que em causa estejam sempre, para que a Lei n.º 67/2007 seja
aplicável, ATOS DE GESTÃO PÚBLICA. Ou seja, a aplicação à AP e aos concessionários da
Lei n.º 67/2007 pelo exercício da função administrativa implica que os danos sejam decorrentes
de atos de gestão pública, que se reconduzem ao exercício de poderes públicos de autoridade ou
são atos regidos especificamente por normas de Direito Administrativo.

Mas também é possível a AP tomar a opção de exercer a função administrativa recorrendo a


instrumentos de Direito Privado… Mas o que sucede se a propósito desse recurso ocorrerem
danos?
Quando, pela prática de atos de gestão privada, ocorrerem danos a responsabilidade civil
extracontratual que eventualmente exista por parte da AP é regida, não pela Lei n.º 67/2007, mas
pelo Código Civil.

Ainda dentro da responsabilidade civil extracontratual por danos decorrentes do exercício da


função administrativa temos ainda de fazer outra distinção: esta responsabilidade civil
extracontratual por danos decorrentes do exercício da função administrativa pode ser uma
responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (1), por factos lícitos (2) ou pelo
risco (3).

 A responsabilidade civil extracontratual por FACTOS ILÍCITOS está prevista nos


artigos 7.º a 10.º da Lei n.º 67/2007
É a esta responsabilidade que daremos especial atenção.
Os seus PRESSUPOSTOS são 5, tendo de se verificar cumulativamente (sendo que a não
verificação de um destes pressupostos acarreta automaticamente a não verificação da
responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, sem prejuízo de poder haver outra
modalidade de responsabilidade civil, nomeadamente a objetiva): facto, ilícito, culposo, dano e
nexo de causalidade.

FACTO – só há responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (o que vale também para
a responsabilidade civil extracontratual objetiva) quando o facto que origina o dano seja
dominável pela vontade, ou seja, é necessário que se trate de um facto voluntário.
O facto pode traduzir-se numa ação ou numa omissão, podendo ser jurídico ou não jurídico (ex.:
operação material ou qualquer forma de atuação informal por parte da AP), sendo que o que
importa é que esse facto tenha sido praticado no exercício e por causa do exercício da função
administrativa.
ILICITO – a ilicitude é sinónimo de anti juridicidade – traduz-se num juízo de desvalor/ negativo
formulado pela ordem jurídica relativamente a um determinado facto. Ou seja, ilícito é um
qualquer facto que viole uma norma: agora, não é qualquer norma que sustenta a ilicitude
relevante para efeitos de responsabilidade civil extracontratual – isto é, a norma violada tem de
ser uma norma que proteja uma posição jurídica subjetiva (direito ou interesse legalmente
protegido), cuja lesão se pretende ver reparada.
CULPOSO – no que diz respeito à culpa, esta é um juízo formulado pela ordem jurídica sobre
quem age com culpa, sendo que a culpa tem aqui essencialmente duas modalidades: DOLO (que
pressupõe a intenção de praticar um determinado resultado danoso, sendo que aqui se distingue
entre dolo direto, dolo necessário e dolo eventual) e NEGLIGÊNCIA (que se traduz na violação,
consciente ou inconsciente, de deveres de cuidado, podendo ser grave/grosseira ou leve).

O que é que se sucede?


Quer o dolo, quer a negligência são apreciados à luz da diligência e aptidão que seja razoável
existir em função das circunstâncias de cada caso por parte de um titular do órgão ou agente zeloso
e cumpridor das normas aplicáveis (que é apreciada de acordo com o padrão médio e fazendo-se
de acordo com as circunstâncias do caso concreto).
Esta responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos está prevista nos artigos 7.º e
seguintes da Lei n.º 67/2007 e em relação à culpa, dispõe o artigo 10.º que no n.º 2 e n.º 3 prevê
PRESUNÇÕES DE CULPA LEVE (de negligência leve).

O que quer dizer presunção de negligência leve? Quais as consequências práticas desta
presunção?
A prova da culpa (à semelhança da prova dos demais pressupostos da responsabilidade civil
extracontratual) cabe ao autor da ação da responsabilidade (lesado), só assim não sendo quando
estão previstas presunções. Ou seja, ao prever presunções de culpa neste artigo, o legislador
inverteu o ónus da prova – na verdade, quem tem de provar que não atuou com culpa é a AP.
Assim, não é necessário ao autor fazer prova dessa negligência leve, impondo-se ao titular do
órgão ou agente fazer prova que não atuou com essa negligência leve.
NOTA: esta é, assim, a primeira especificidade da responsabilidade civil extracontratual por
factos ilícitos prevista na Lei n.º 67/2007 em comparação ao regime que resulta do Código Civil,
que não prevê estas presunções.

Uma segunda especificidade tem a ver com o seguinte: o juízo de culpa é um juízo formulado
pela ordem jurídica com referência às circunstâncias do caso concreto, tendo em consideração o
padrão médio do funcionário zeloso e cumpridor, com referência em relação à pessoa à qual se
imputa um facto voluntário ilícito. Pode suceder que esse agente/pessoa/ trabalhador não seja
possível identificar.

O que sucede?
Para as situações em que não é possível fazer um juízo de culpa por se desconhecer a quem é
imputável o facto voluntário, o legislador criou uma figura (que só existe na Lei n.º 67/2007 e
que não tem paralelo no Código Civil – ou seja, só se aplica em atos de gestão pública) que é a do
FUNCIONAMENTO ANORMAL DE SERVIÇO – artigo 7.º, n.º 3 e n.º 4 da Lei n.º 67/2007.
Portanto, o pressuposto da culpa pode ser preenchido não só por dolo ou por negligência leve
havendo presunções de negligência leve, mas também pela figura do funcionamento anormal do
serviço.
DANO – traduz-se num prejuízo e pode ter-se como diminuição ou extinção de uma vantagem
que é objeto de proteção ou tutela jurídica.

Temos diversos tipos de danos:


Os danos podem ser emergentes (correspondem à privação de vantagens que já existiam na esfera
jurídica do lesado à altura da lesão) ou traduzirem-se em lucros cessantes (aqueles que
correspondem às vantagens que o lesado iria receber se a lesão não tivesse ocorrido).
(ex.: imagine-se que alguém vai no Cais de Gaia a passar numa determinada zona e, de súbito,
um pilarete retrátil sobe e dá cabo do carro – o dano emergente é o custo de reparação do
veículo, ao passo que, tendo em conta que essa pessoa é delegada de propaganda médica, o
lucro cessante foi o que deixou de auferir com a venda de um novo medicamento por não
aparecer a uma reunião)

Outra distinção é a que opõe os danos presentes (ocorreram no momento da fixação da


indemnização) aos danos futuros (não ocorreram no momento da fixação da indemnização).
(ex.: imagine-se que, por causa desse acidente, a pessoa ficou com um colar cervical e uma
perna partida – os danos presentes são a reparação do carro, o lucro pela venda dos
medicamentos que se deixou de obter; o preço pago pelo reboque e a consulta do hospital, ao
passo que os danos futuros são os advindos do tempo de que irá necessitar de fisioterapia)

Depois temos os danos patrimoniais (suscetíveis de avaliação pecuniária) e não patrimoniais/


morais (insuscetíveis de avaliação pecuniária).
(ex.: danos patrimoniais é o arranjo do carro; o preço do reboque, o preço das consultas e dos
medicamentos que se deixou de vender; ao passo que os danos morais são as dores constantes
na cervical e o facto de ter de ir ao médico vários meses seguidos o que deixa a pessoa com
stress e perturbações psicológicas)

NEXO DE CAUSALIDADE (entre o facto voluntário e o dano) – a teoria adotada para a


apreciação do nexo de causalidade é a do nexo de causalidade adequado. Assim, um dano é
imputável a um facto voluntário quando perante a prática desse facto voluntário fosse previsível,
em condições de normalidade, a produção desse mesmo dano.

Última referência…
O facto de o agente ter atuado com dolo ou negligência leve OU o facto de não ter sido possível
identificar quem efetivamente atuou e ter-se recorrido ao funcionamento anormal de serviços tem
relevância para saber se se exerce ou não o DIREITO DE REGRESSO.
Quando a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos assenta em dolo ou negligencia
grosseira por parte do titular do órgão ou do agente, este é solidariamente responsável com o
Estado ou com a pessoa coletiva pública ou privada à qual o facto é imputado e em nome da qual
atua perante o lesado.
Isto da responsabilidade solidária significa que o lesado pode intentar a ação de responsabilidade
contra a pessoa coletiva OU contra o funcionário OU contra ambos, exigindo a qualquer um deles
ou a ambos o pagamento da indemnização sendo que, de qualquer forma, estes responderão
sempre solidariamente perante o lesado.
Se quem pagar a indemnização ao lesado for o Estado ou a pessoa coletiva responsável, porque o
agente ou trabalhador atuou com dolo ou negligência grosseira, deverá o Estado ou a pessoa
coletiva em causa exercer um direito de regresso contra esse titular do órgão ou agente (pedindo-
lhe a devolução do montante que pagou ao lesado) – artigos 6.º e 8.º da Lei n.º 67/2007
NOTA: isto já não acontece nos casos em que o titular do órgão ou agente atuou com negligência
leve. Nestes casos, o Estado ou a pessoa coletiva em causa é exclusivamente responsável – artigo
7.º da Lei n.º 67/2007, pelo que o pedido de indemnização não pode ser solicitado ao trabalhador.

 A responsabilidade civil extracontratual por FACTOS LÍCITOS está prevista no artigo


16.º da Lei n.º 67/2007
É uma responsabilidade objetiva. O artigo 16.º da Lei n.º 67/2007 tem uma redação muito infeliz
que tem levantado muitas dificuldades de aplicação, sobretudo no que se refere à definição do seu
âmbito (que é muito residual e limitado).
Os seus PRESSUPOSTOS de aplicação são os seguintes: facto voluntário, licitude do facto
voluntário, dano e nexo de causalidade.
Poderão enquadrar-se na responsabilidade por factos lícitos situações em que a própria lei permite
que, no exercício da função administrativa e em benefício do interesse público, a AP sacrifique
posições jurídicas subjetivas dos particulares; e em alguns casos é a lei que determina que a AP
deve ser responsabilizada pelos danos provocados.
Basicamente, a ideia subjacente a esta responsabilidade decorre, em grande medida, do principio
da justa distribuição dos encargos públicos – ideia de que os prejuízos resultantes do exercício
de uma atividade dirigida á prossecução de fins de interesse público acabam por dever ser
suportados pelos cidadãos que beneficiam dessa atividade e não apenas aquele que foi lesado pelo
exercício daquela atividade – por isso é que há aqui uma responsabilidade associada que se
impõe sobre todos em relação ao lesado.

Ora, a responsabilidade por factos lícitos a que se refere o artigo 16.º da Lei n.º 67/2007 é
meramente residual, porque este artigo tem uma exigência adicional muito especifica
relativamente ao dano (um dos pressupostos), porque EXIGE QUE O DANO SEJA
ANORMAL, remetendo para o artigo 2.º da Lei n.º 67/2007. Ao exigir que este dano seja
anormal, o legislador acaba por limitar significativamente o âmbito de aplicação deste artigo 16.º
da Lei n.º 67/2007 – há previsto noutros diplomas outras modalidades de responsabilidade civil
extracontratual por factos lícitos, na medida em que estas, ao contrário do que acontece no artigo
16.º, não exigem que o dano seja anormal.
(ex.: a indemnização por expropriação assenta no princípio da responsabilidade civil
extracontratual, sendo que o seu regime é o do Código de Expropriações [que não exige que o
dano seja anormal])
Ou seja, o legislador deu diversas configurações à responsabilidade civil extracontratual por
factos lícitos, sendo que uma delas é a do artigo 16.º da Lei n.º 67/2007, sendo esta mais restritiva,
por exigir que o dano ocorrido seja um dano anormal (só havendo nesse caso um dever de
indemnizar o lesado).

 A responsabilidade civil extracontratual pelo RISCO está prevista no artigo 11.º da Lei
n.º 67/2007
Há responsabilidade pelo risco quando de uma atividade especialmente perigosa resulta um dano,
existindo entre o dano ocorrido e essa atividade especialmente perigosa um nexo de causalidade.
Ou seja, como PRESSUPOSTOS aqui temos: um facto voluntário especialmente perigoso (ex.:
manobras militares; deposito de armas, substâncias inflamáveis e explosivas; centrais de
produção e redes de distribuição de energia elétrica ou gás; circulação de veículos prioritários
em estado de emergência [ambulâncias, veículos de polícia]; operações policiais que envolvam
armas de fogo; transfusões de sangue); do qual resulta um dano; e entre o dano e essa atividade
exista um nexo de causalidade aferido à luz da teoria da causalidade adequada.
NOTA: esta perigosidade especial não é aferível em abstrato, mas tendo em conta o concreto
funcionamento do serviço, da coisa ou da atividade em causa.
Esta é uma responsabilidade objetiva, porque prescinde da culpa e até, de certa forma, da ilicitude.

____//____

RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL POR DANOS DECORRENTES


DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO JURISDICIONAL
Está prevista nos artigos 12.º; 13.º e 14.º da Lei n.º 67/2007.

___//___

RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL POR DANOS DECORRENTES


DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO POLÍTICO-LEGISLATIVA
Está prevista no artigo 15.º da Lei n.º 67/2007.

NOTA: quanto à responsabilidade civil extracontratual por danos decorrentes do exercício da


função político-legislativa e quanto à responsabilidade civil extracontratual por danos
decorrentes do exercício da função jurisdicional: no que diz respeito, quer a uma, quer a outra,
estamos sempre a falar de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, pelo que, em
qualquer um dos casos, o que estará sempre em causa é a verificação dos 5 pressupostos
referidos anteriormente.

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