Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Aula n.º 1 – 21-09-2020 – ‘1. Apresentação aos alunos. 2. Visita guiada ao programa da disciplina. 3.
Indicações bibliográficas. 4. Avaliação de conhecimentos.’
Bibliografia
Freitas do Amaral – Curso de Direito Administrativo
Paulo Otero – Legalidade e Administração Pública
Legislação – Coletânea (ao nosso critério)
Aula n.º 2 – 22-09-2020 – ‘I. INTRODUÇÃO 1. O direito administrativo: noção, ubiquidade e relevância
teorético-prática. 2. O direito administrativo e a Administração pública. Uma relação fundamental, mas insuficiente.
3. Génese e desenvolvimento histórico da nossa disciplina. Do direito administrativo de garantia da Administração
ao direito administrativo de garantia do particular.’
Vê-se aqui o conjunto de atividades, que de uma forma inadvertida, fomos tomando numa
esfera no âmbito do Direito Administrativo. Daí a ideia da presença do Dto. Administrativo em
toda a nossa vida.
Outro exemplo: o direito de propriedade de natureza análoga está igualmente condicionado por
normas de Direito Urbanístico que são de certa maneira normas de Direito Administrativo
especial (que tem o objetivo de qualificar um terreno como edificável, por exemplo)
«Assim, onde quer que exista e se manifeste com intensidade suficiente uma necessidade coletiva, aí surgirá um serviço
público destinado a satisfazê-la, em nome e no interesse da coletividade» - FA p.27
Assim, se por um lado a Administração tem poderes, também está sujeita a limitações,
restrições e obrigações especiais, exigíveis em função da tutela jurídica dos particulares (que
têm direito de acesso à função pública).
Sob o ponto de vista dos particulares, o Dto. Administrativo significa por um lado limitações ou
restrições (ex.: a tal necessidade de obter autorizações), mas significa também o benefício de
prestações e vantagens (ex.: subsídios, serviços públicos da educação e da saúde – como os
serviços a serem fornecidos na situação pandémica pela qual estamos a passar).
Podemos notar que, atualmente, nem todas as normas que regem a organização e o funcionamento
da Administração, bem como as suas relações com os particulares, são normas de Dto.
Administrativo. Na verdade, nem todas são normas de Direito Público, podendo as relações com
os particulares ser também regidas pelo Direito Privado (Dto. Civil, Dto. Comercial e do Dto. do
Trabalho – nomeadamente quando se trata de atividades de gestão privada da Administração).
(ex: criação e gestão de uma sociedade comercial de capitais públicos; uma relação de emprego
ao abrigo do contrato individual de trabalho; o arrendamento de um prédio para instalação de
um determinado serviço público – ao lado da atividade de gestão pública, a Administração exerce
uma atividade de gestão privada)
Daí que na definição tradicional de Dto. Administrativo não baste mencionar o objeto, a
organização e a atividade. É desde logo necessário referir que o Dto. Administrativo só rege as
relações jurídico-públicas com os particulares em que ela se apresenta nessa qualidade, e não a
atividade de gestão privada (em que a Administração surge como um particular, estabelecendo
relações jurídico-privadas com os particulares). Portanto, há aqui uma atividade de gestão privada
em que a Administração também se pode envolver como se fosse um particular.
Todavia, a antiga equação Administração Pública = Dto. Administrativo (que nunca foi
absoluta) já não corresponde à realidade.
Por um lado, nem toda a Administração é regida pelo Dto. Administrativo; por outro lado,
nem só a Administração Pública é regida pelo Dto. Administrativo.
Em termos estritos, o Dto. Administrativo rege apenas a atividade propriamente administrativa
da Administração Pública e não a sua atividade de gestão privada. Mas também rege a atividade
materialmente administrativa de outros órgãos públicos (Parlamento ou Tribunais) que não
integram a Administração, mas também das entidades privadas quando estas atuam no exercício
de poderes públicos (jurídico-administrativos).
Como já referimos antes, a atividade jurídico-privada da Administração tende a aumentar, não se
limitando aos espaços exíguos onde sempre se verificou. A Administração prefere cada vez mais
utilizar formas organizadoras e modos de atuação do Direito Privado, em vez de formas
organizadoras e modos de atuação típicos do Dto. Administrativo (ex.: a forma de emprego
público é frequentemente o contrato individual de trabalho).
Fala-se mesmo a este propósito numa «fuga da Administração para o Dto. Privado», que se tem
acentuado fundamentalmente a partir da década de 80 do século passado, em virtude do fenómeno
do neoliberalismo.
Porém, esta limitação estrita do Dto. Administrativo enquanto Direito da atividade de gestão
pública da Administração é objeto na medida em que devemos entender que mesmo a atividade
de gestão privada da Administração não pode ser inteiramente equiparada a um particular. É que
a Administração, mesmo quando desenvolve a atividade de gestão privada, está sujeita a limites
e a vinculações de Dto. Administrativo impostos pela prossecução de Direito Público a que a
Administração está jurídico-constitucionalmente vinculada nos termos do artigo 266.º/1 da CRP
(E também pela observância de regras e de princípios como o princípio da igualdade e da
imparcialidade – ex.: obrigações de transparência e objetividade na escolha dos fornecedores
de bens ou serviços da Administração; o recrutamento do pessoal em regime do contrato de
trabalho).
Portanto, a Administração pode realizar um contrato individual de trabalho, mas não o pode fazer
sem que tenha existido previamente um procedimento administrativo concursal. E é a partir desse
procedimento que pode realizar um contrato de trabalho.
Daí que os alemães tenham vindo a falar num Direito Privado Administrativo (a atividade de
gestão privada não é inteiramente regida pelo Direito Privado). Por aqui já se vê uma certa
miscigenação que carateriza atualmente o Dto. Administrativo.
Assim sendo, a noção moderna de Dto. Administrativo deve compreender não somente o direito
que rege a atividade de gestão pública, mas também incluir as qualificações jurídico-
administrativas aplicáveis à atividade de gestão do Direito Privado (o tal Direito Privado
Administrativo). Em contrapartida, o Direito Administrativo disciplina a atividade materialmente
administrativa de órgãos e entidades que não integram organicamente a Administração Pública
(assim, a Administração Pública em sentido próprio não tem hoje o monopólio da função
administrativa). É o caso dos demais órgãos do Estado (políticos, governativos e jurisdicionais)
que desempenham tarefas administrativas auxiliares dos seus serviços de apoio.
Daí que, em suma, o Dto. Administrativo desta primeira fase era essencialmente um poder de
garantia da Administração e dos seus poderes de autoridade.
Porém, com o tempo, e sobretudo com o sucessivo alargamento das tarefas administrativas, e
também de acordo com a evolução da jurisprudência e da própria doutrina, o Dto. Administrativo
foi mudando de natureza, passando também a cuidar da proteção dos direitos e dos interesses
legalmente protegidos dos particulares perante a Administração.
Assim, a par dos poderes de que a Administração gozava, esta foi sendo sujeita a obrigações
procedimentais (primeiro as leis e depois códigos de procedimento – ex.: transparência,
fundamentação, procedimentalidade) e a obrigações materiais (ex.: regras e princípios da
igualdade, da imparcialidade e da proporcionalidade em sentido amplo/proibição do excesso -
adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). Tudo isto em função dos
particulares.
Concomitantemente, foi-se acentuando a independência dos tribunais da justiça administrativa
bem como os meios de proteção judicial dos particulares. Hoje podemos dizer que vigora uma
tutela jurisdicional efetiva das posições jurídicas dos particulares – artigo 20.º e artigo 268.º, n.º
4 da CRP, artigo 2.º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos.
O Dto. Administrativo foi-se transformando progressivamente num instrumento de limitação dos
poderes da Administração e de proteção dos administrados contra a Administração.
Deste modo o Dto. Administrativo assenta num equilíbrio entre, por um lado, proporcionar à
Administração os meios apropriados à prossecução dos interesses públicos e, por outro lado,
garantir aos particulares os meios de proteção administrativa e judiciais adequados à tutela efetiva
das suas posições jurídicas.
Por um lado, o Dto. Administrativo tem por objeto os meios e os modos nos quais a
Administração prossegue no interesse público, mesmo contra os particulares –
DIMENSÃO OBJETIVA.
Por outro lado, o Dto. Administrativo tem por objeto a defesa dos direitos e dos interesses
legalmente protegidos dos particulares face à Administração, mesmo contra os interesses
da Administração – DIMENSÃO SUBJETIVA.
(Na justiça administrativa tem-se vindo a subjetivar crescentemente o Dto. Administrativo –
passa a ser mais garantístico, passa a ter não só a atuação da Administração como objeto, mas
também a tutela das posições jurídicas dos particulares)
É nesta dialética que se joga a dinâmica do moderno Dto. Administrativo. Qualquer das
decisões do Dto. Administrativo que assente unilateralmente nos poderes da Administração ou
apenas na tutela das posições jurídicas dos particulares são visões distorcidas do Dto.
Administrativo.
Maioritariamente o interesse público prevalece sobre a tutela das posições particulares, mas nem
sempre. Há vezes em que o interesse público há de ceder perante aquelas. Há que fazer uma
ponderação em concreto das posições jurídicas envolvidas dos particulares, por um lado, e da
Administração, por outro.
Atualmente o Dto. Administrativo é em grande medida um Dto. Administrativo de garantia das
posições jurídicas substantivas favoráveis dos particulares. Assim, o que carateriza atualmente o
Dto. Administrativo é, também, a sujeição da Administração a um bloco de juridicidade e ao
Direito – art. 266º/1 CRP + Código do Procedimento Administrativo art. 3º.
Aula n.º 3 – 28-09-2020 – ‘Continuação da aula anterior. 4. Características e problemas atuais do direito
administrativo. 5. Autonomia do direito administrativo como direito público. Diálogo crescentemente conflitual com
o direito civil em consequência de formas inéditas de hibridização entre o direito público e o direito privado.
Assim, note-se que Direito Administrativo surgiu antes de nos darmos conta da sua existência
como ramo próprio e autónomo do Direito Público
Em síntese, hoje ninguém põe em causa que o Direito Administrativo goza de autonomia como
ramo de Direito específico, como direito próprio da Administração, da atividade administrativa e
das relações jurídico-administrativas que a Administração estabelece com os particulares.
Podemos notar relativamente aos ramos de Direito Privado mais antigos que o Direito
Administrativo é caraterizado por alguns traços específicos:
Este diálogo conflitual regressou novamente, na medida em que o Direito Administrativo tem-se
vindo a privatizar formal e materialmente, nomeadamente com a privatização formal e material
do seu objeto; e ao nível da Administração em sentido organizatório e da atividade administrativa
que utiliza cada vez mais instrumentos jurídicos de Direito privado em vez de instrumentos
jurídicos de Direito Público
Quer utilizando o critério dos sujeitos – que aponta para a ideia de que um dos sujeitos
da atividade administrativa e da relação jurídica administrativa é necessariamente uma
pessoa coletiva de Direito Público; ou que, mesmo sendo uma pessoa coletiva de Direito
Privado ela tem de atuar no exercício de funções públicas – FA p. 124
Quer utilizando o critério dos interesses – compete ao Direito Administrativo e à
Administração Pública a prossecução e a realização de interesses públicos (sem se
divorciar da proteção jurídica e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos
particulares) – FA p. 123
Artigo 302.º do Código dos Contratos Públicos – a Administração pode resolver unilateralmente
o contrato ainda que fique obrigada a indemnizar o contratante privado ou ficando obrigada a
regularizar o equilíbrio financeiro entre as partes.
Para concluir deve notar-se que a evolução não é linear. A crescente privatização que esta expressa
na frase da «fuga do Direito Administrativo e da Administração para o Direito Privado» não altera
a natureza jurídico-pública do Direito Administrativo. Apenas significa que o Direito
Administrativo deixou de disciplinar toda a atividade jurídica da Administração. Há uma espécie
de dualismo jurídico.
Como vimos, mesmo quando atua segundo o Direito Privado, a Administração não está imune a
qualificações de Direito Público que de certo modo contaminam o Direito Privado.
O Direito Administrativo como ramo do Direito, ou seja, como sistema normativo, como
conjunto de normas jurídicas é uma coisa. Outra será a disciplina do Direito Administrativo como
ramo da disciplina do Direito, que tem como objeto o estudo do Direito Administrativo (a sua
sistematização e também a sua elaboração dogmática - Doutrina).
Como ramo do Direito, falamos no Direito Administrativo quando dizemos que o regime
da função pública ou o regime da contratação pública faz parte do Direito Administrativo.
Como ramo do Direito, o Direito Administrativo é um produto das respetivas fontes jurídicas,
principalmente do legislador, sendo que atualmente não estamos perante um legislador nacional,
mas sim supranacional
E muitas vezes até nos confrontamos com um Direito Administrativo global (oriundo das
instituições internacionais, que atuam com um Soft Law, apesar da força propulsora que acabam
por ter)
Falamos no segundo sentido quando nos referimos à análise e ao estudo das normas e
princípios do Direito Administrativo, no sentido de apurar as soluções estabelecidas pela
lei e a elaborar sob a sua lógica e consistência.
Se o Direito Administrativo como ramo do Direito é um produto das respetivas fontes, como
disciplina jurídica/ ramo da ciência jurídica o Direito Administrativo é sobretudo um produto da
Doutrina entendida como saber e conhecimento dedicado à elaboração dogmática e à construção
teorética do Direito Administrativo: sobretudo através de monografias e artigos especializados.
É isso que se trata sobretudo no ensino do Direito Administrativo, não podendo prescindir
sobretudo desta dimensão de ramo da ciência jurídica.
NOTA: É claro que quando se fala nesta Doutrina é sobretudo uma doutrina universitária, sendo
os professores universitários a produzirem tal Doutrina, através de manuais, monografias e artigos
especializados publicados em revistas. Não obstante, noutros países juridicamente mais cultos
como a França, a Alemanha e a Itália, há também uma espécie de doutrina orgânica, produzida
pela jurisprudência dos tribunais administrativos.
Este diálogo da doutrina universitária com a doutrina orgânica dos tribunais tem motivado
avanços substanciais da nossa disciplina, sobretudo em França, em que o Direito Administrativo
continua a ter uma grande dimensão.
O Direito Administrativo como ramo do Direito é mais antigo que o Direito Administrativo
enquanto disciplina/ ramo da ciência jurídica
Isto porque:
O Direito Administrativo em grande medida surgiu nos finais do século XVIII e inícios
do século XIX com a Revolução Francesa;
Enquanto o Direito Administrativo enquanto saber dedicado à elaboração dogmática e à
construção teorética do Direito Administrativo surge mais tarde (fim do século XIX)
através de autores como La Ferrier, Hauriou, Laband, Yellinek, Ottomayer, Orlando e
Santirromen.
O Direito Administrativo evoluiu passando por 3 fases:
A Administração Pública e o Direito Administrativo dependem essencialmente das tarefas e do
tipo de Estado a que pertencem. Assim, o Direito Administrativo é muito mais exíguo num Estado
Liberal do que num Estado intervencionista.
Num Estado abstencionista a Administração tende a ser reduzida e com ela o Direito
Administrativo. Por contrapartida, num Estado intervencionista a atuação da Administração é
muito mais ampla, recaindo sobre esta a principal carga da Administração Pública.
Do ponto de vista constitucional podemos falar em 3 tipos de Estado, quer quanto às tarefas que
desenvolve, quer quanto à sua relação com a sociedade.
NOTA: A partir da década de 80 temos o Estado mínimo regulador, onde se verifica uma
retração do Estado e, portanto, da Administração Pública na sociedade.
Portanto, como se sabe no Estado liberal a ideia básica prende-se com o abstencionismo,
assentando na não intervenção na esfera social e no afastamento em relação às atividades
económicas. Há a separação entre Estado e economia e entre Estado e sociedade. Esta dicotomia
está, no fundo, no cerne da construção do modelo liberal.
A metamorfose do Estado Liberal no Estado Intervencionista, em primeiro, e depois no Estado
Social, passa por uma intervenção crescente na esfera económica, quer como fiscalizador na
atividade privada quer pela organização de serviços públicos dedicado ao fornecimento de
prestações básicas aos cidadãos. Aqui em vez de uma relação de autoridade e de poder temos uma
relação de serviço, entre o Estado como servidor e os particulares como beneficiários desse
serviço estadual.
A partir dos anos 80 do século passado até aos dias de hoje, os fenómenos da liberalização
voltaram a entrar, sobreveio a crítica neoliberal ao Estado intervencionista, seguiu-se a
desintervenção do Estado, a liberalização e a privatização dos serviços públicos; e o Estado
Administração assume-se como Estado Regulador das atividades económicas sociais. Não é por
acaso que o que o carateriza é uma nova figura jurídico-administrativa do ponto de vista
organizatório – AUTORIDADES ADMINISTRATIVAS INDEPENDENTES.
SÍNTESE:
Portanto, se quiséssemos sintetizar os traços da evolução do Direito Administrativo e da respetiva
Administração nós diríamos que:
Estes passaram por grandes transformações desde o início da Época Liberal até a
atualidade.
A Administração do Estado Liberal era exígua, centralizada, hierarquizada e separada da
esfera privada.
Com o tempo, sobretudo com a intervenção do Estado na sociedade na economia, tornou-
se mais extensa, mais complexa, menos centralizada.
Em primeiro lugar verifica-se, da 1ª para a 2ª fase, uma ampliação das tarefas da Administração
Pública, passando esta a realizar funções que na Época Liberal pertenciam ao foro privado.
2ª fase do Estado intervencionista que existiu durante grande parte do século XX com
epicentro nas décadas de 50, 60 e 70
(ex.: no século XIX os Governos eram compostos por um número muito limitado de Ministros
que correspondia às funções governativas da época – Estado não intervencionista. Só em 1851
é que foi criado o Ministério de obras públicas e apenas na 1ª República é que haviam de
surgir os Ministérios da Educação, da Agricultura e do Trabalho. Outros já só surgiram depois
de 1974, como o Ministério do Ambiente)
Isto deu lugar (consequência lógica) a uma diferenciação e pluralização organizatória (institutos
públicos, empresas públicas e autoridades administrativas independentes).
Em consequência disso, a Administração perdeu aquela unidade inicial e tornou-se uma
Administração mais plural, mas também mais fragmentada.
Assim talvez devêssemos falar numa Administração Pública no plural e não singular
Outra nota característica é a participação dos particulares quer na Administração entendida como
organização administrativa, quer na participação dos particulares interessados nos procedimentos
administrativos (regulados no Código Administrativo de 2015 criado pelo Decreto-Lei n.º 4, 2015
de 7 de janeiro).
Aula n.º 4 – 29-09-2020 – ‘Continuação da aula anterior. 6. A função administrativa entre as funções do
Estado (remissão). 7. A Administração pública: noção poliédrica e evolução. 8. Os sistemas de administração.’
Nos termos do artigo 51.º, n.º 3 do CPA a regra é: a não impugnação do ato procedimental não
preclude o direito de impugnar o ato final; mas há uma situação em que o particular está
legalmente obrigado a atacar o ato procedimental sob pena de não poder impugnar posteriormente
o ato final.
A procedimentalização da atividade administrativa tem muitas vantagens, uma vez que traduz a
modernidade do Direito Administrativo na medida em que consubstancia jurídico-formalmente
aquilo que é a relação jurídico administrativa.
REGRA: não pode haver ato administrativo, nem regulamento, nem contrato sem que estas
decisões sejam precedidas de um procedimento administrativo – de iniciativa oficiosa da
Administração ou de iniciativa particular (artigo 53.º CPA).
Uma segunda característica do Direito Administrativo atual tem que ver com uma certa
desadministratação da Administração, isto é, uma desintervenção Administração do
Estado
Isto que tem como consequência a redução do espaço público, e, portanto, do objeto do Direito
Administrativo. Há aqui um imanescimento do corpo do Direito Administrativo. Esta nota é digna
de ser assinalada uma vez que o Estado de administração deixa de intervir na esfera económica e
na prestação de serviços públicos essenciais, passando esses serviços muitas vezes pela
privatização do setor público empresarial.
Um outro sinal desta desintervenção traduz-se na externalização de serviços públicos que deixam
de ser assegurados pelas entidades que compõem a Administração Pública em sentido orgânico,
para serem desempenhadas pior entidades privadas no exercício de poderes públicos.
Um outro aspeto característico do atual Direito Administrativo tem que ver com a forma
de gestão administrativa.
Esta mudança é mais recente (tem algumas décadas) e tem a ver com a importação de métodos de
gestão privada para a Administração Pública. Os argumentos têm que ver com a eficiência,
satisfação dos utentes, dos serviços administrativos etc.
Esta nova gestão pública significa uma certa empresarialização das formas de governo e traduz-
se na adoção de mecanismos de tipo empresarial: a introdução de instrumentos concorrenciais, os
prémios ao desempenho do serviço de funcionários, de avaliação de desempenho e da aplicação
de regimes de Direito Privado a favor do contrato individual de trabalho. – A NOVA GESTÃO
PÚBLICA
Aqui tem-se algumas reservas, uma vez que a qualidade da gestão público-privada não tem a ver
com a sua natureza, mas sim com a qualidade dos seus operadores. Esta gestão só será má se
quem ocupa os seus órgãos não tiverem, por exemplo, uma qualificação e o profissionalismo
adequado.
A verdade é que também esta nova gestão pública pode criar uma pressão sobre muitos princípios
clássicos do Direito Administrativo, designadamente no que toca à desvalorização do controlo
hierárquico e no abandono dos métodos tradicionais de gestão financeira e contabilística, optando-
se por regimes de Direito Privado.
Será que esta fuga do Direito Administrativo para o Direito Privado pode ser ilimitada? Não há
limites jurídico constitucionais? Não há uma reserva constitucional de Direito Administrativo e
de Administração Pública?
Creio que sim – artigos 266.º-272.º CRP.
Muitas destas privatizações são coisas que correspondem a modas e que não são sequer eficientes
do ponto de vista empresarial.
CPPA art.52.º, n.º 1 – a impugnabilidade dos atos administrativos não depende da respetiva
forma.
O intérprete tem de estar muito atento, uma vez que muitas vezes o ato não tem a forma
administrativa, mas vem arroupado em formas regulamentares ou legislativas. E quando assim
é trata-se de atos materialmente administrativos, cuja jurisdição cabe aos Tribunais
Administrativos e não propriamente a um Tribunal Constitucional.
Se falarmos da reserva da Administração esta requer, em matéria administrativa e jurídica, que
os atos administrativos sejam, em principio, monopólio da Administração (em princípio,
porque podem haver entidades privadas que atuando no exercício de poderes públicos podem
praticar atos administrativos – caso dos concessionários; um órgão público que não administrativo
podem praticar atos e elaborar regulamentos) e que a lei seja, em princípio, uma norma geral
e abstrata (não deve servir para praticar atos materialmente administrativos: leis medida, leis
concretas, leis individuais).
Já no que tange à atividade regulamentar da Administração (regulamentos administrativos), ela
compartilha esta atividade (artigo 241.º CRP) e tem natureza normativa de modo que não faz o
mesmo sentido falar numa reserva de regulamento, até porque este regulamento tem sempre
origem numa abdicação ou numa insuficiência normativa do legislador.
Imagine-se que o legislador pretende esgotar a disciplina normativa de um determinado regime
jurídico, dispensando o regulamento, isto deve-se considerar dentro da liberdade legislativa.
Tal como o legislador pode abdicar do seu poder legislativo material em favor da Administração,
também pode consumir a função administrativa regulamentar, não obstante deve atender-se à
disciplina interna dos serviços administrativos uma vez que se trata de uma atividade com uma
natureza intrinsecamente administrativa, não devendo o legislador ocupar-se dessa matéria a um
nível excessivamente densificado.
No entanto, mesmo quanto à função regulamentar há situações em que inequivocamente o
legislador tem de parar perante uma reserva da Administração. Trata-se daqueles casos em que o
poder normativo da Administração está protegido constitucionalmente. A lei não pode consumir
e inutilizar a autonomia normativa regulamentar reconhecida pela CRP a determinadas entidades
públicas administrativas (autonomia normativa regulamentar dos artigos 241.º e 76.º, n.º 2
CRP), o que impede que a lei consuma por via legislativa o espaço de autonomia deixado pela
CRP aos órgãos locais e aos órgãos universitários.
Quer o princípio da autonomia do poder local, que confere autonomia normativa regulamentar,
quer no que respeita às Universidades, que têm autonomia estatutária, deve impedir que a lei
consuma por via legislativa o espaço de autonomia deixado pela CRP aos órgãos locais e aos
órgãos universitários.
Daí que a tutela administrativa do Estado por intermédio do Governo no exercício da sua função
administrativa só possa ser, quando estão em causa, competências exclusivas das autarquias
locais, uma tutela de mera legalidade. – Artigo 241.º CRP.
Como se disse, o problema da reserva da Administração deve colocar-se também em relação aos
Tribunais, impedindo a lei de proceder a uma judicialização da função administrativa.
Obviamente que a título principal os Tribunais não podem praticar a função administrativa.
Administração Pública
A Administração Pública é preciso entendê-la de acordo com uma noção poliédrica. Esta
apresenta dois sentidos muito distintos:
Administração pública: «A administração pública tem de poder desenvolver-se segundo as exigências próprias do bem
comum. Por isso a lei permite a utilização de determinados meios de autoridade (…)» - FA. P.39
Se quisermos dar uma noção de Administração Pública que englobe os dois sentidos diríamos
(subjetivo e objetivo): a Administração Pública como sendo a organização e a atividade pública que consiste
em combinar os meios humanos e materiais necessários para desempenhar as tarefas necessárias requeridas
para prosseguir um interesse público, ou seja, os interesses da comunidade organizada em Estado, tal como
resulta da CRP e da Lei em cada país e em cada época (segurança externa; ordem pública; serviços coletivos
básicos: saúde, educação, água, gás; ferrovias, infraestruturas, ordenamento urbanístico do território,
desenvolvimento económico-social; bem-estar; a qualidade de vida: cultura e desporto)
Para concluir dir-se-á que o que diferencia essencialmente a administração/gestão pública é que
ela é uma atividade instrumental e subordinada a objetivos heterónomos, definidos por outras
instâncias, nomeadamente pelo poder político em geral e pelo legislador em particular.
Na Administração Pública a lei define pelo menos a competência de cada órgão e os fins da sua
atividade, assim como as atribuições da própria entidade pública.
Quem define o interesse público primário é a lei. A Administração não goza de qualquer margem
de liberdade quanto à determinação dos interesses públicos que lhe incumbe realizar, concretizar
e satisfazer.
«(…) a definição que acima demos de ‘administração pública em sentido material ou objetivo’ (…) atividade típica
dos organismos e indivíduos que, sob a direção ou fiscalização do poder político, desempenham em nome da
coletividade a tarefa de prover à satisfação regular e contínua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-
estar económico e social, nos termos estabelecidos pela legislação aplicável e sob o controlo dos tribunais
competentes» - FA p.43
Bibliografia:
COLAÇO ANTUNES, A Ciência Jurídica Administrativa – Noções Fundamentais, reimpressão, Coimbra, 2020, pp.
17 a 53 e 149 a 177; FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 4ª ed., Coimbra, 2016, pp.
25 a 43, 87 e seguintes, e 115 a 137. COLAÇO ANTUNES, Para um Direito Administrativo de Garantia do Cidadão
e da Administração, Coimbra, 2000, pp. 48 a 65; VITAL MOREIRA, Administração Autónoma e Associações
Públicas, Coimbra, 1997, pp. 43 a 46; COLAÇO ANTUNES, O Direito Administrativo e a sua Justiça no Início do
Século XXI, Coimbra, 2001, pp. 11 a 24 e 32 a 46.
Aula n.º 5 – 06-10-2020 – ‘9. O direito administrativo como Sonderweg da construção europeia. 10. As fontes
do direito administrativo. 10.1. Tipologia e diversificação das fontes de direito administrativo. 10.2. Fontes internas
e externas, com especial atenção à Constituição administrativa, ao regulamento e ao direito da União Europeia.’.
Funções de Administração
Quanto às funções da Administração é preciso ter em conta que esta pode ser vista por um lado
como poder público e, por outro, como serviço público. Portanto, a Administração Pública
contemporânea apresenta-nos estas duas grandes vertentes.
Numa certa perspetiva a Administração aparece como poder público, como autoridade: quando
fiscaliza, expropria, sanciona e emite ordens para os particulares; noutra perspetiva a
Administração Pública surge como serviço público, como instituição destinada à satisfação de
interesses públicos: quando organiza escolas e centros de saúde públicos, quando garante o
mínimo de subsistência, quando cria e põe em ação serviços públicos essenciais na área da saúde,
educação, etc.
Esta dupla vertente da Administração traduz-se em dois tipos diversos de relações jurídico-
administrativas com os particulares:
Sistemas de Administração
Há aqui que referir uma dicotomia clássica: quer o Direito Administrativo, quer a
Administração não apresentam a mesma natureza em todas as épocas, nem sequer em todos os
países.
Aparecem, então, dois grandes modos típicos de organizar a gestão pública.
Quando falamos em sistemas de Administração estamos a querer referir-nos ao modo jurídico de
organização e controlo da Administração.
Existem Tribunais próprios para a justiça administrativa, como existem ainda Tribunais
de conflitos para dirimir conflitos entre Tribunais Administrativos e entre os Tribunais
Administrativos e os Judiciários;
«(…) são criados tribunais administrativos- que não eram verdadeiros tribunais, mas órgãos da Administração, em
regra independentes e imparciais – incumbidos de fiscalizar a legalidade dos atos da Administração e de julgar o
contencioso dos seus contratos e da sua responsabilidade civil.» - FA p. 96
Havia uma responsabilidade direta do Estado pelos danos causados pelos seus
funcionários a terceiros, e havia certos privilégios e imunidades penais dos funcionários
públicos.
Não se reconhece à Administração o poder de tomar decisões que afetem os cidadãos sem
ter obtido previamente uma sentença favorável (sem estar legitimada por uma autorização
judicial materializada numa sentença favorável);
«(…) as decisões unilaterais da Administração não têm em princípio força executória própria, não podendo por isso
ser impostas pela coação sem uma prévia intervenção do poder judicial» - FA p. 92
O controlo jurisdicional da Administração é incumbido aos Tribunais Judiciais/ comuns;
Posteriormente deu-se um esbatimento progressivo das diferenças entre os dois modelos. Tratava-
se de tipos mentais que nunca existiram na realidade em sentido puro. Além disso o decurso do
tempo veio a conduzir a mudanças que atenuaram o fosso entre os dois sistemas de
Administração.
Essa convergência relativa ocorreu tanto por efeito da judicialização do sistema de Administração
executiva, tal como pela executivização do sistema de Administração judiciária.
Então, há este aumento dos meios de tutela judicial dos cidadãos contra a Administração, quer ao
nível dos processos cautelares, quer ao nível ainda dos processos executivos – a Administração
não goza agora de qualquer discricionariedade e o juiz hoje pode condená-la.
Outra caraterística é que hoje há uma clara autonomização e independência dos Tribunais
Administrativos – artigo 202.º e seguintes CRP, particularmente o artigo 203.º da CRP.
Executivização do sistema de Administração judiciária
Admite-se a criação e existência de um ramo de Direito Administrativo especial; a existência pelo
menos de um Direito Administrativo substantivo.
A Administração anglo-saxónica adquiriu poderes de atuação mais fortes face aos particulares e
chegaram mesmo a criar-se Tribunais Administrativos, que se tratam de órgãos de Administração
ativos e não de verdadeiros Tribunais (estas entidades funcionavam para a resolução de conflitos
com os particulares, mas dotados de alguma independência ainda que crescentemente
judicializados – mas não são propriamente Tribunais Administrativos)
«Mas houve, de facto, uma significativa aproximação entre eles nomeadamente na organização administrativa, no
direito regulador da Administração, no regime de execução das decisões administrativas, e no elenco de garantias
jurídicas dos particulares.
Onde apesar de tudo as diferenças se mantêm mais nítidas e contrastantes é nos tribunais a cuja fiscalização é
submetida a Administração Pública – na Inglaterra os tribunais comuns, em França os tribunais administrativos. Ali
unidade de jurisdição, aqui dualidade de jurisdições.» - FA pp. 112 e 113
(FA – p. 114)
O novo CPA (2015) veio de certa maneira fazer aparentemente uma transformação bastante
acentuada que, se fosse levada às últimas consequências, teríamos passado de um sistema de
Administração executiva a um de Administração judiciaria – artigos 176.º e 183.º do CPA
Artigo 176.º, n.º 1 CPA
«Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior, a satisfação de obrigações e o respeito por
limitações decorrentes de atos administrativos só podem ser impostos coercivamente pela Administração
nos casos e segundo as formas e termos expressamente previstos na lei, ou em situações de urgente
necessidade pública devidamente fundamentada.»
Esta norma veio de certa maneira fazer eco da evolução doutrinal. A Doutrina Administrativa
moderna já há muito determinava que a autotutela executiva não era uma caraterística de todos
os atos administrativos, mas apenas dos impositivos e desfavoráveis (que impõem encargos ou
deveres que carecem da colaboração do respetivo destinatário). Em segundo lugar a
executoriedade (execução coativa) deve ser limitada a situações inequivocamente previstas na lei
– só quando a lei o permite e apenas em situações de estado de necessidade para a Administração.
No fundo o CPA veio plasmar em forma de lei essa nova doutrina, nomeadamente no artigo 176.º
CPA. Só que como iremos ver este artigo está dependente de uma lei que nunca foi aprovada.
«Sempre que, nos termos do presente Código e demais legislação aplicável, a satisfação de obrigações
ou o respeito por limitações decorrentes de atos administrativos não possa ser imposto coercivamente
pela Administração, esta pode solicitar a respetiva execução ao tribunal administrativo competente, nos
termos do disposto na lei processual administrativa.»
Conjugando o artigo 176.º, n.º 1 CPA com o artigo 183.º CPA haveria determinados casos que
teriam de ser expressamente previstos na lei (através de uma lei avulsa) em que a Administração
gozava da executoriedade (autotutela administrativa). Na generalidade dos casos a Administração
teria de recorrer a uma autorização judicial prévia para poder executar legitimamente os seus atos
desfavoráveis.
Só que o diploma que veio aprovar o CPA (Decreto-lei n.º 4/ 2015, de 7 de janeiro) diz o
seguinte:
Artigo 8.º - Aplicação no tempo e produção de efeitos
2. «O n.º 1 do artigo 176.º do CPA aplica-se a partir da data da entrada em vigor do diploma que define
os casos, as formas e os termos em que os atos administrativos podem ser impostos coercivamente pela
Administração, a aprovar no prazo de 60 dias a contar da data da entrada em vigor do presente decreto-
lei.»
Este diploma nunca «viu a luz do dia» e, portanto, se diz que é uma reforma dependente
deste diploma.
«O n.º 2 do artigo 149.º do decreto-lei n.º 442/91, de 15 de novembro, alterado pelo decreto-lei n.º 6/96,
de 31 de janeiro, mantém-se em vigor até à entrada em vigor do diploma referido n.º 2 do artigo 8.º.»
Situação bizarra e paradoxal – mantém-se em vigor o artigo 149.º, n.º 2 do Código anterior
(1991)
O legislador traduziu uma certa evolução do sistema jurídico, do CPA, mas, porventura, terá ido
longe demais ao apontar para um novo modelo de administração judiciária, esquecendo-se que
para esse efeito não só teria de publicar este documento nunca publicado, e esqueceu-se, por outro
lado, de consagrar um processo executivo para que a Administração pudesse obter a chancela para
executar validamente os seus atos (não existe esse processo executivo).
Trata-se, portanto, de uma evolução com outra complexidade; é um salto demasiado amplo para
um país com uma Administração que não é propriamente ótima e que não tem o cidadão ideal.
«Deve ser caso raro que a principal alteração estabelecida num novo Código fique adiada sine die…»
Fontes do Direito – verdadeiramente é uma metáfora, uma vez que dá entender que há uma
fonte mítica e transcendente de onde jorram as normas jurídicas, mas o Direito também regula os
modos de criação e produção do próprio Direito. No fundo a fonte de Direito é o próprio Direito.
Fontes do Direito em bom rigor deveria ser o procedimento legislativo. Contudo, no Código Civil,
nos seus artigos primeiros, não vemos qualquer referência ao procedimento legislativo. O que se
vê lá são os resultados desse mesmo procedimento.
Dito isto, num discurso mais objetivamente ligado ao contexto do Direito Administrativo, no
início esse Direito surge sobre a égide do império lei, num contexto dominado pelo positivismo
jurídico, e nessa medida o Direito era apenas o que fosse formalmente declarado ou positivado
sobre a forma de lei.
Assim a única fonte primária do Direito Administrativo era a lei em sentido formal/ estrito, como
vontade normativa das assembleias representativas, complementada com regulamentos da própria
Administração naquele espaço que fosse deixado livre pela lei.
No século XIX a própria CRP só era fonte de Direito na medida em que fosse concretizada pela
lei (a Constituição estava sobre reserva de lei). De qualquer modo as normas constitucionais de
natureza administrativa eram praticamente inexistentes (Administração agressiva).
O mesmo sucedia no Direito Internacional, onde durante muito tempo prevaleceu uma conceção
dualista do mesmo, segundo a qual este só valia na ordem interna quando transposto por via de
lei (não era uma fonte direta na ordem jurídica interna).
Desde então verificou-se uma evolução jurídica, havendo desde logo uma proliferação e
diversificação de fontes do Direito Administrativo:
Outro aspeto tem que ver com a sistematização e organização de fontes de Direito
Administrativo que podem seguir vários critérios:
Critério da sua relação com a Administração – há que definir fontes hétero
vinculativas ou fontes auto vinculativas (conforme sejam exteriores ou internas à
Administração)
Critério da origem – utilizando este critério temos, por um lado, fontes externas/
extranacionais e as fontes internas/ nacionais:
Quanto ao regime jurídico, nós podemos dizer que houve uma alteração profunda relativamente
ao que acontecia no início da era constitucional.
Agora, a CRP parece apontar para um regime de receção automática das normas internacionais
convencionais na ordem interna, sem necessidade de transposição legislativa.
Todavia, a ratificação e assinatura é condição da própria validade internacional das convenções e
da sua vinculação internacional, e não funciona como condições de receção na ordem jurídica
interna, sendo que o único requisito adicional para a receção da norma na ordem jurídica interna
é a publicação oficial no Diário da República.
Isto é importante, porque a receção automática implica a eficácia direta das normas de Direito
Internacional na ordem internacional, sendo por isso fonte imediata de direitos e deveres, e sendo
também de aplicação direta pelos Tribunais e pelos demais operadores jurídicos, salvo se o seu
valor normativo se esgotar no plano das relações internacionais.
Hierarquia
Quanto à hierarquia, as normas de Direito Internacional Convencional estão num plano abaixo da
Constituição, estão-lhe hierarquicamente condicionadas, ficando por isso ao alcance dos
processos de fiscalização da constitucionalidade.
Se forem submetidas a fiscalização preventiva não chegam sequer a vincular o Estado; o
Presidente da República não poderá ratificar os tratados nem assinar os instrumentos de aprovação
dos acordos sob forma simplificada; nem muito menos chegam a entrar em vigor na ordem
jurídica interna.
Portanto, o Estado não pode comprometer-se licitamente no plano internacional com soluções
incompatíveis com a CRP, podendo ficar sujeito a responsabilidade internacional (se não puder
cumprir com as suas obrigações internacionais por causa da tal inconstitucionalidade da convenção em
causa).
A CRP, todavia, admite que em casos excecionais a aplicação de convenções internacionais não
fica prejudicada quando se trate de uma inconstitucionalidade orgânica ou formal (artigo 277.º,
n.º 2 CRP); o que não acontece com a inconstitucionalidade material.
Não há dúvida de que as normas estão num plano infraconstitucional; a dúvida coloca-se mais na
relação entre as normas de Direito Internacional e a legislação ordinária.
Ora, na falta de uma norma constitucional expressa, podemos dizer que a generalidade da
Doutrina aponta para a primazia do Direito Internacional sobre o Direito Interno
infraconstitucional, pelo que os Tribunais devem desaplicar o Direito Interno em benefício da
aplicação do Direito Internacional – princípio da prevalência do Direito Internacional.
A própria CRP (artigo 8.º, n.º 2) parece insinuar essa superioridade na medida em que contém a
última frase «…enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português». Parece que a
própria CRP dá sinais claros dessa primazia do Direito Internacional convencional sobre a
legislação ordinária interna.
Todavia, é preciso sempre estabelecer algumas mediações, no sentido de apontar para soluções
diferenciadas:
(ex.: de acordo com a natureza dos instrumentos normativos em conflito – lei de valor
reforçado. Será que ela deverá ceder perante um simples acordo internacional sob forma
simplificada, cuja aprovação interna nem pressupõe a intervenção parlamentar?)
Creio que não, portanto há que ter em conta a natureza do Direito Interno, que deverá prevalecer
perante um acordo sob forma simplificada que não prevê sequer a intervenção do nosso
Parlamento.
Mais importante como fonte do Direito Administrativo português, e de todos os outros Estados,
é o Direito da União Europeia; o Direito Administrativo Europeu.
Como se sabe, também há que distinguir o Direito Europeu originário do Direito Comunitário
derivado. O originário corresponde ao direito dos tratados que instituíram as várias comunidades
até à figura da União Europeia. Este direito dos tratados (primário) corresponde de certa maneira
a um Direito Constitucional da União Europeia. Enquanto o derivado corresponde ao Direito
Interno (ordinário – Leis; DL; DLR).
Ora, quanto a estas fontes, sobretudo do Direito Comunitário derivado, nos termos do artigo 288.º
do TFUE destacam-se 2 atos legislativos de primeira importância: regulamentos e diretivas.
É muito importante para o Direito Administrativo, porque grande parte das suas fontes têm uma
influência direta ou indireta do Direito da União Europeia (sobretudo diretivas) - em âmbito do
direito dos consumidores, da contratação pública, do ambiente – grande maioria das normas que
constituem as fontes de Direito Administrativo são de origem supranacional.
Os regulamentos são os atos legislativos da União Europeia por excelência; têm força
vinculativa direta sobre os Estados-membros e os respetivos nacionais (indivíduos e
pessoas coletivas).
No fundo estamos aqui perante o princípio do efeito direto do Direito da União Europeia
– este tem sido desenvolvido sobretudo pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União
Europeia, salientando fundamentalmente 2 acórdãos – este entendimento decorre da própria CRP
- artigo 8.º, n.º 4
A importância do Direito da União Europeia como fonte do Direito Administrativo português é
crescente, cobrindo áreas do Direito Administrativo económico, do direito da contratação pública,
do direito da regulação, dos consumidores, do ambiente, etc.
Hierarquia
O mais complicado é o problema da hierarquia. Que posição assume o Direito da União
Europeia no sistema das fontes nacionais (no sistema normativo nacional)?
Parece consensual desde o início, tanto na ordem comunitária como na interna, o entendimento
segundo o qual o Direito Comunitário prevalece sobre o Direito Interno, até a fim de prosseguir
uma característica essencial do Direito da União Europeia que é a uniformidade – A União Europeia
não seria possível se os Estados-membros pudessem licitamente derrogar o seu direito através da legislação
interna.
Isto significa desde logo que os Tribunais Nacionais devem desaplicar o Direito Interno que seja
desconforme com o Direito da União Europeia e, no limite, que as próprias Administrações
nacionais ficam constituídas no dever de não aplicar normas legais internas não conformes com
o Direito Internacional (sacrificando o princípio da legalidade interna – já é mais questionável
este ponto).
A questão mais problemática é a relação do Direito da União Europeia com o Direito
Constitucional. Durante um tempo coexistiu a defesa da primazia do Direito da União Europeia
sobre a própria CRP por parte dos ius comunitaristas, com a defesa da prevalência das
Constituições nacionais por parte dos ius constitucionalistas nos Tribunais nacionais.
Ora, como já foi dito, a nosso ver, de acordo com o Direito da União Europeia, pelo menos de
acordo com a interpretação da jurisprudência feita pelo TJUE as suas normas gozam de primazia
geral sobre o Direito Interno, incluindo do Direito Constitucional. – Artigo 8.º, n.º 4 CRP.
Neste sentido, este artigo 8.º, n.º 4 CRP passou a incluir uma cláusula de imunidade do Direito
da União Europeia face à própria CRP, não podendo o Direito da União Europeia ser sujeito a
escrutínio constitucional e ficando os Tribunais nacionais obrigados a aplicar o Direito da União
Europeia mesmo que contrário à CRP.
Nessa interpretação a referida norma constitucional contém uma derrogação implícita do disposto
no n.º 1 do artigo 277.º CRP que diz «São inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto
na Constituição ou os princípios nela consignados».
É necessário não confundir as coisas: a prevalência que falamos do Direito da União Europeia
sobre o Direito Constitucional interno não se verifica na fiscalização preventiva da
constitucionalidade dos tratados da União Europeia, uma vez que nesse momento ainda não são
vinculativos.
Portanto, concluindo o ponto, nos termos da parte final do artigo 8.º, n.º 4 da CRP o Direito da
União Europeia só não prevalece sobre o Direito Interno quando violar princípios fundamentais
do Estado de Direito – o que é improvável, dado que a União Europeia assenta nos mesmos princípios.
Fontes internas
Especial atenção à Constituição, em especial à Constituição Administrativa, e aos
regulamentos
Artigos 266.º - 272.º – nesta medida a CRP de 1976 consagra uma autêntica revolução
administrativa.
Princípio da vinculação direta das entidades públicas pelos DLG fundamentais – artigo
18.º, n.º 1 CRP
Princípio da tutela judicial efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos – artigo
20.º, n.º 1 e n.º 5 e artigo 268.º, n.º 4 CRP
Princípio da responsabilidade civil do Estado e das demais entidades públicas por danos
causados pelos titulares dos órgãos, funcionários e agentes no exercício das suas funções
e por causa desse exercício – artigo 22.º CRP
Responsabilidade civil e criminal - artigo 271.º CRP
Direito à participação na vida pública e à informação sobre gestão dos assuntos públicos
– artigo 48.º
Direitos de participação e informação dos interessados na administração e nos
procedimentos administrativos – artigos 267.º, n.º 1 e n.º 5 e artigo 268.º, n.º 1 e n.º 2
Direito de acesso à função pública – artigo 47.º, n.º 2
Garantia institucional do regime da função pública - artigo 269.º
Direito de petição – artigo 52.º, n.º 1
Garantia constitucional da alta administração universitária – artigo 76.º, n.º 2
Numerosos direitos económicos sociais e culturais positivos – artigos 58.º a 79.º
Aula n.º 7 – 13-10-2020 – ‘10.3. A ordenação das fontes de direito administrativo. 11. As normas de direito
administrativo. 11.1. Noção e tipologia. 11.2. A interpretação no direito administrativo. ‘
Quanto aos primeiros (natureza material) desde logo há que assinalar (artigo 266.º, n.º 1 CRP):
Igualdade
Proporcionalidade
Imparcialidade
Justiça
Boa-fé
Legalidade administrativa
Constitucionalidade
Por um lado, a própria CRP no artigo 267.º, n.º 5 consagra uma imposição constitucional
dirigida ao legislador, no sentido de este disciplinar o processamento da atividade
legislativa – no sentido de este criar uma lei do procedimento que venha disciplinar
previamente o desenvolvimento da atividade administrativa levada a cabo, em regra, pela
Administração Pública.
Outro aspeto que a CRP valoriza do ponto de vista do Direito Administrativo são os
direitos e as garantias constitucionais dos particulares perante a Administração.
Também aqui estes direitos têm uma natureza por um lado procedimental (direitos de
participação, direito à informação administrativa, direito à notificação dos atos
administrativos – artigo 267.º, n.º 5 e artigo 268.º, n.º 1, 2 e 3 CRP.
2- Tem também uma dimensão cautelar (artigo 51.º, n.º 1 CPA – prevê que a ação principal
normalmente não tem esse efeito de suspender a eficácia do ato e de impedir a execução
do ato por parte da Administração, o que requer providências cautelares),
3- Quer ao nível dos processos executivos (antigamente o juiz não dispunha de meios para
fazer executar a sentença por parte da Administração. Hoje o legislador oferece ao juiz
meios para que este possa exigir à Administração a execução da sentença – ex.: medidas
pecuniárias compulsórias artigo 169.º CPPA)
Importa por último referir o direito à indemnização dos danos causados pela
Administração, segundo a qual a Administração assume a responsabilidade
solidariamente para com o titular do órgão, funcionário ou agente por danos causados por
ação ou omissão destes – responsabilidade solidária (artigo 22.º CRP)
A CRP dá também muita importância aos funcionários do Estado – artigo 269.º CRP – e
estabelece inclusive regimes especiais para os militares e agentes militarizados (artigo 270.º CRP,
onde se admitem algumas restrições legais aos direitos de petição, capacidade eleitoral passiva,
expressão, manifestação, reunião, etc.)
Outro aspeto que a Constituição Administrativa realça são as normas relativas aos Tribunais
Administrativos. Esta estabelece a autonomia da jurisdição administrativa em relação às demais
ordens judiciais, como é próprio dos sistemas de Administração executiva.
Portanto, os Tribunais Administrativos constituem uma categoria de tribunais
constitucionalmente garantida, nos termos do artigo 209.º, n.º 1, alínea b) CRP – (Supremo
Tribunal Administrativo; Tribunal Central do Norte e do Sul, Tribunais Administrativos de Círculo)
Como iremos ver no sistema judicial administrativo, ao contrário do que acontece nos Tribunais
comuns, não há três graus de jurisdição, normalmente há apenas duas instâncias de decisão para
cada processo.
Em regra, as sentenças proferidas pelos Tribunais Administrativos de Círculo são recorríveis para
os Tribunais Centrais do Norte ou do Sul, consoante a localização geográfica do respetivo
Tribunal Administrativo de Círculo de que se recorre.
NOTA: Pode haver, nos termos do artigo 151.º do CPPA, recursos per saltum– neste caso o
recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo vai per saltum
dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo.
Por isso se diz que em regra só há duas instâncias de decisão em cada processo
Não há dúvida de que, por força da Constituição, os Tribunais Administrativos constituem uma
ordem judicial própria e autónoma, uma categoria de Tribunais constitucionalmente garantidos
(artigo 209.º, n.º 1 CRP), tendo por tribunal superior o Supremo Tribunal Administrativo.
O Supremo Tribunal Administrativo pode surgir como tribunal de recurso, mas também como
tribunal de primeira instância – artigo 24.º ETAF
É ainda de salientar que a própria CRP delimita o âmbito de jurisdição administrativa – artigo
212.º CRP.
No que respeita às garantias jurisdicionais elas são ainda mais importantes e decisivas.
Inicialmente só estava constitucionalmente garantido o tradicional recurso contencioso contra
atos administrativos (artigo 25.º LEFTA – Lei do Processo dos Tribunais Administrativos).
Também aqui há progressos enormes: desde logo as revisões constitucionais vieram no sentido
de fomentar o legislador a criar uma justiça administrativa mais garantística, em que o objeto do
processo fosse também a tutela jurisdicional efetiva das posições jurídicas eventualmente
ofendidas pela atuação ou omissão da Administração. – (artigo 268.º, n.º 4 CRP)
É claro que todas estas modificações não foram obtidas logo, passando pelas revisões:
Existe uma garantia institucional da função pública como regime especial da relação de
emprego público?
A pergunta é pertinente, porque a Administração está a recorrer em doses consideráveis à
celebração dos contratos individuais de trabalho (Direito Privado) e não aos contratos de trabalho
em funções públicas (contratos administrativos).
Será que a lei pode proceder à privatização jurídica da atividade administrativa – tal fuga
par ao Direito Privado – ou existirá uma reserva constitucional de Direito Administrativo?
Entende-se que sim, há.
NOTA: As normas das leis reforçadas prevalecem sobre as normas legislativas comuns, pelo que
as demais leis também podem ser ilegais por violação de uma norma de valor reforçado, pelo que
devem também ser desaplicadas pelos tribunais.
As leis regionais, para além de terem de respeitar a Constituição, elas podem estabelecer regimes
próprios divergentes das leis nacionais, só tendo de respeitar as leis da competência reservada dos
órgãos legislativos da República e as leis de valor reforçado. Por força da autonomia político-
administrativa consagrada constitucionalmente, o legislador das Regiões Autónomas poderá criar
uma ordem jurídica autónoma.
Princípios implícitos
Vamos buscar a matéria prima dos princípios à ratio dos atos legislativos. É a partir deste material
que devemos retirar os princípios gerais e formadores da disciplina. São princípios que o
legislador consagrou implicitamente, e que obrigam o intérprete a destilar destas normas (mais
genéricas ou mais particulares) os Princípios Gerais do Direito Administrativo – isto só quando
os princípios não estão expressos.
(ex.: princípio do aproveitamento dos atos administrativos (artigo 163.º, n.º 5 CPA 2015)
Antes de ser consagrado este princípio era lido a partir dos artigos:
121.º do CPA 9 – atual artigo 149.º CPA – matéria de cláusulas acessórias e legais
137.º do CPA 91 – atual artigo 164.º CPA – sanação dos atos administrativos
148.º CPA 91 – atual artigo 174.º CPA – retificação dos atos administrativos)
Podemos dizer que os princípios gerais do Direito Administrativo são abstrações criadas pela
jurisprudência e pela doutrina a partir das normas legais de Direito Administrativo; e nessa
medida constituem diretrizes que foram extraídas das normas positivas, mas que ainda não foram
positivadas – ex.: princípio da continuidade dos serviços públicos.
Assim, os princípios fazem parte do bloco de legalidade ainda que cedam perante uma norma
legal escrita que os contrarie.
Princípios expressos
O que acontece com os princípios quando passam a ser reconhecidos expressamente por uma
norma de Direito positivo?
Quanto à hierarquia, os princípios gerais do Direito Administrativo têm a mesma vinculação que
as leis. Estão também subordinados à CRP, bem como às qualificações indicadas no Direito da
União Europeia.
E cedem também perante a norma legal que os contrarie. Poder-se-á dizer que, por um lado,
tratando-se de princípios implícitos, uma lei pode derrogá-los, já um princípio expresso numa lei
acaba por ter a mesma relevância jurídica que uma lei.
Diga-se, por fim, que um princípio geral de Direito Administrativo não é incompatível com a
vigência de um preceito legal contrário, desde que o princípio geral possa ser retirado de outros
preceitos que o revelem noutros domínios. Portanto, a matéria prima tem que ser colhida noutra
norma e não naquela em que o princípio está em colisão.
Razão dos princípios e dos regulamentos: os princípios prevalecem sobre regulamentos, não
podendo ser derrogado por estes. Todavia, por vezes o legislador estabelece expressamente que
os princípios gerais de Direito Administrativo só são invocáveis na falta de previsão legal ou
regulamento – duvida-se da constitucionalidade deste preceito, sobretudo no que respeita à parte
regulamentar.
Bibliografia:
COLAÇO ANTUNES, A Ciência Jurídica Administrativa – Noções Fundamentais, Coimbra, 2020, pp. 48 a 55; 149 a
197; 201 a 209 e 383 a 387, nota 591; COLAÇO ANTUNES, O Direito Administrativo sem Estado. Crise ou Fim de
um Paradigma?, Coimbra, 2008, pp. 19 a 77; VITAL MOREIRA, "Constituição e Direito Administrativo", in AB
UNO AD OMNES - 75 Anos da Coimbra Editora, Coimbra, 1998, pp. 1141-1165; M. REBELO DE SOUSA / A.
SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, vol. I, Lisboa, 2004, pp. 57 a 68.
Aula n.º 8 – 19-10-2020 – ‘Continuação da aula anterior.’
Regulamentos
A importância dos regulamentos deriva em grande parte, por um lado, da sua enorme quantidade
(há uma torrencialidade de regulamentos) e também do papel que desempenha na ordem jurídico-
administrativa, quer como instrumento de concretização administrativa das leis, quer como uma
expressão do poder normativo próprio das Administrações autónomas (autarquias locais/
Universidades/ ordens profissionais/ associações públicas).
Portanto, nestas entidades que fazem parte da administração autónoma, umas de natureza
territorial e outras de natureza institucional, como é o caso das Universidades, e outras de natureza
associativa/ corporativa, como é o caso das ordens profissionais, os regulamentos são uma
importante fonte do Direito Administrativo.
Uma outra vantagem do regulamento no Direito Administrativo tem que ver com o facto de
vivermos numa sociedade de risco (como dizia um sociólogo germânico) e muitas vezes em
profunda mutação e com uma grande imprevisibilidade (como é o momento que estamos a viver).
E neste caso, o regulamento tem vantagem perante a lei, uma vez que esta está normalmente
sujeita a um procedimento constitucional, solene e de certo modo complexo; ao contrário do
regulamento que tem um procedimento mais rápido (não tem a densidade do procedimento que
está na base da prática de atos administrativos).
Como iremos ver, são muito poucas as normas no CPA relativas à elaboração procedimental do
regulamento.
O regulamento é por um lado fonte de Direito e também é forma de atividade jurídica da
Administração. Agora só o estudamos como fonte de Direito.
Portanto, o regulamento é uma elaboração menos solene que a lei e é então um instrumento
normativo mais adequado a responder a situações caraterizadas por uma certa imprevisibilidade
e por mutações profundas. É certo que o regulamento não pode invadir matérias de reserva de lei.
Nesta noção fornecida pelo legislador não se faz nenhuma referência à Administração, o que quer
dizer que o regulamento tanto pode ser elaborado por uma pessoa coletiva de Direito Público
como por uma pessoa coletiva de Direito Privado.
Portanto, parece que aqui o critério da personalidade jurídica não é relevante. O que é relevante
aqui parece ser o critério da capacidade jurídica pública.
É indiferente se a entidade tem uma natureza pública ou privada, o que importa é que
atue no exercício de poderes jurídico-administrativos
(ex.: a Administração se não atuar no âmbito da Administração de gestão pública não pode
elaborar regulamentos)
(ex.: um particular, quando atua no exercício de tarefas públicas, podem praticar atos
administrativos e elaborar regulamentos)
Não obstante, este elemento orgânico aparece agora um pouco mitigado, porque também existem
regulamentos emitidos por órgãos públicos não integrantes da Administração:
Igual se passa com os tribunais (que podem ser chamados a fazer tarefas administrativas
auxiliares e, portanto, aprovar regulamentos – ex.: regulamento de organização dos
recursos humanos do tribunal com vista a assegurar uma distribuição equitativa dos
processos pelos juízes)
O poder regulamentar pode ainda ser reconhecido a entidades privadas que exerçam, com
fundamento num título público, uma atividade ou função administrativa (entidades
concessionárias de serviços, obras e bens públicos, quando a lei permite que disciplinem por via
normativa regulamentar as suas relações com os utentes desses serviços – ex.: contrato
administrativo de concessão de serviços públicos/ contrato de concessão de obras publicas).
É também o que acontece com pessoas coletivas privadas de utilidade pública (federações
desportivas, na medida em que a lei de bases prevê que as normas provindas das federações
desportivas com estatuto de utilidade pública configurem normas públicas; verdadeiros
regulamentos administrativos)
Repare-se que estas normas regulamentares têm um valor normativo reforçado, servindo de
parâmetro e de critério hétero-vinculativo para os órgãos de gestão das Universidades e das
respetivas unidades orgânicas (Faculdades – espécie de constituição destes entes autónomos).
Note-se ainda que noutros casos de administração autónoma, como a administração autónoma
local e as associações públicas, não existe autonomia estatutária, sendo os estatutos aprovados
por via de lei.
Portanto, esta autonomia estatutária refere-se apenas às Universidades enquanto institutos
autónomos. Obviamente, no que respeita à sua vinculação, os estatutos estão sujeitos às normas
de origem externa (normas internacionais, normas de Direito da União Europeia, Constituição,
leis e princípios gerais)
Convenções normativas
Na generalidade dos casos, em Direito Administrativo, as fontes de produção normativa resultam
do exercício de um poder unilateralmente vinculativo. Contudo, nos tempos mais recentes, tem
emergido outro tipo de atos de produção normativa, cuja emissão pressupõe a participação e até
a conjugação de vontades de diversos intervenientes ou sujeitos, podendo ser só entre entes
públicos ou sendo entre entes públicos e entes privados.
(ex.: acordos de concertação social; acordos endo-procedimentais – artigo 57.º CPA (são
acordos feitos quando o plano do procedimento está em ação e refere-se a atos administrativos
discricionários))
(ex.: contratos administrativos – contratos de concessão de obras públicas, de empreitada de
obras públicas)
Nestes contratos a produção de efeitos jurídicos resulta do consenso/ acordo entre os respetivos
intervenientes – auto vinculação bilateral.
Mas estes contratos não produzem efeitos jurídicos apenas em relação às partes que neles
intervêm?
A regra é essa, mas também é verdade que alguns deles têm uma eficácia jurídica que não se
limita às partes intervenientes na sua formação e celebração, abrangendo outros sujeitos/
destinatários.
No primeiro caso, o contrato, para além de vincular as respetivas partes, contem cláusulas que
têm por destinatários ou beneficiários outros sujeitos, sujeitos esses que são terceiros em relação
ao contrato.
Pode-se referir ainda o soft law, que em bom rigor é fonte de Direito Administrativo (estas
normas não têm valor vinculativo, nem caráter imperativo).
É certo que estas normas têm tido um grande crescimento, contudo, trata-se de atuações
administrativas informais com maior ou menor conteúdo normativo e que têm em comum o facto
de não terem força vinculativa.
Contudo, o facto de não obrigarem à adoção de um comportamento não significa que sejam
desprovidos de relevância jurídica, nomeadamente para efeitos de responsabilidade civil.
(ex.: imagine-se que a Administração pratica um ato administrativo que está de acordo com o
regulamento aplicável, mas o regulamento viola a lei, que é o parâmetro normativo superior)
Nestes casos, recai sobre a Administração um dever de fiscalizar a constitucionalidade e a
legalidade das disposições legais que mais diretamente disciplinam a sua atuação?
O Tribunal Constitucional determina que não, baseando-se fundamentalmente em dois
argumentos: princípio da separação de poderes e no subprincípio da precedência da lei. –
Não há nenhuma norma legal que atribua essa competência à Administração; tal está
constitucionalmente atribuído aos tribunais - artigo 202.º e 204.º CRP.
Esta tese não é incontroversa e, portanto, há uma tese oposta.
Há um terceiro elemento que densifica mais as coisas. De acordo com o Direito da União Europeia
(primado e o efeito direto), e de acordo com a sua jurisprudência, a Administração é obrigada a
desaplicar qualquer norma interna que esteja em desconformidade com o Direito da União
Europeia (seja originário ou derivado). – Prevalência da tese jurisprudencial da União
Europeia.
Portanto, há aqui uma visão mais interna e dominante ao nível dos ius constitucionalistas e é uma
tese mais comunitarista que impõe o dever de desaplicar um regulamento quando ele viole uma
lei, ou de desaplicar a lei quando ela é inconstitucional ou viola uma norma de Direito da União
Europeia.
Para concluir diga-se que há uma revolução nas fontes, embora esta matéria possa recolher outras
posições.
No topo das fontes de Direito Administrativo está o Direito da União Europeia – artigo 8.º n.º
4 CRP e jurisprudência do TJUE – Acórdãos Simmenthal e Costa Enel.
A seguir, obviamente, vem a CRP, que está no topo das fontes internas e, numa hierarquia geral,
em segundo lugar.
Em terceiro lugar virá o Direito Internacional e o proveniente de Organizações Internacionais
de que Portugal seja membro. Este prevalecerá sobre o Direito ordinário interno, embora seja
infraconstitucional.
Posteriormente, vêm os atos legislativos (Leis e Decretos-Lei – que têm normalmente o mesmo
valor jurídico, salvo tratando-se de leis com valor reforçado).
Temos depois os Princípios Gerais do Direito Administrativo, depois os regulamentos
(subordinados às leis e aos princípios gerais de Direito) e, por último, poder-se-á fazer uma
referência mínima ao costume (pela escassa medida em que é relevante no Direito Administrativo
- é de afastar a possibilidade de um costume contra legem).
Aula n.º 9 – 20-10-2020 – ‘II. A ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA 1. Noção de organização administrativa.
2. Elementos básicos da organização administrativa. 3. As pessoas coletivas públicas. O critério da personalidade
pública. 4. Tipologia das pessoas coletivas públicas.’
Quanto ao objeto:
Também as normas administrativas, tal como as outras normas, têm um âmbito temporal,
âmbito territorial e âmbito pessoal.
Quanto à aplicação temporal, tal como sucede nos outros ramos de Direito, as normas de Direito
Administrativo entram em vigor na data nelas fixada e na falta de previsão depois de decorrido o
período da vactio legis previsto na lei. Vigora por tempo indefinido até serem revogadas ou
substituídas por outras, salvo se tiverem carater temporário ou se estiverem sujeitas a um prazo
ou condição resolutiva.
As normas de Direito Administrativo não têm caráter retroativo, limitando-se, em princípio, a
dispor para o futuro. Mas podem atribuir-se efeitos retroativos aplicando-se neste caso a factos
ou situações passadas, ressalvadas sempre as proibições constitucionais de retroatividade (quer
em matéria sancionatória, quer em matéria fiscal; ou ainda quando choca com o princípio da
proteção da confiança legítima).
Princípio da proteção da confiança legítima – no nosso CPA aparece mais como uma
manifestação do princípio da boa fé, mas que se preferiu autonomizar do princípio da boa fé.
Quanto à aplicação territorial é que há uma novidade: é verdade é que o princípio básico é o de
que as normas de Direito Administrativo só valem para as pessoas, factos e situações que ocorram
no território sob juridicidade da entidade que as emitiu – âmbito nacional para as normas de
caráter estadual, caráter regional para as normas das Regiões Autónomas e âmbito local para as
normas de natureza local.
(ex.: o caso dos atos administrativos transnacionais – imagine-se que uma empresa polaca
carece de uma autorização para produzir e comercializar um novo produto alimentar.
Será que esta empresa polaca precisa de 27 autorizações?
Pode não precisar)
Se estivermos no âmbito do DUE em que haja uma grande uniformização entre os sistemas
jurídicos nacionais que compõem a ordem jurídica comunitária, esse ato administrativo tem
efeitos radiantes na ordem dos restantes Estados Membros, produzindo eficácia jurídica junto das
pessoas jurídicas e das administrações que fazem parte do Estado da Administração recetora
A administração recetora dos outros Estados Membros não tem sequer o poder de controlar a
validade desse ato à luz do Direito comum aplicável.
NOTA: noutros domínios em que não há essa harmonização ao nível do DUE obviamente que
estamos perante um princípio do reconhecimento limitado, o que abre as portas à possibilidade
de as administrações hospedeiras (nacionais recetoras) terem um certo poder de controlo sobre
esses atos e sobre os efeitos que produzem nos seus ordenamentos jurídicos.
À medida que vamos caminhado para um ordenamento jurídico de fins gerais da União Europeia,
em que se vão integrando os ordenamentos jurídicos dos vários Estados Membros, o Direito
Administrativo vai adquirindo uma transnacionalidade que não existiria sem esta harmonização.
É certo que há áreas ao nível do DUE em que não acontece ainda esta harmonização.
Como se vê aqui está uma novidade importante da conformação dos ordenamentos jurídicos
nacionais, e em particular, dos direitos administrativos nacionais, pelo Direito da União Europeia,
em particular pelo Direitos Administrativo Europeu.
No caso das normas dos entes públicos territoriais (Estado, Regiões Autónomas e autarquias
locais), que são pessoas coletivas públicas primárias, que resultam diretamente da CRP e da lei.
No caso destes as normas de pessoas coletivas públicas territoriais, as normas de Direito
Administrativo podem abranger indiferenciadamente todo os particulares.
No caso das pessoas coletivas institucionais (instituto público), que têm fins específicos e ligados
só a determinadas categorias de pessoas, as suas normas referem-se normalmente só a estas
No caso das normas das instituições públicas profissionais estas dirigem-se apenas a regular a
categoria de pessoas que constituem o seu substrato pessoal (Ordem dos advogados – normas que
regulam o acesso à profissão e que têm, por exemplo, normas de caráter deontológico e
disciplinar).
Digamos que o âmbito pessoal da aplicação das normas de Direito Administrativo varia muito
consoante estejamos perante pessoas coletivas públicas territoriais ou pessoas coletivas públicas
institucionais ou territoriais, que têm um âmbito de aplicação mais reduzido, limitando-se às
pessoas que as constituem essa ordem profissional ou que estão ligadas a esse instituto.
Também pode haver interpretações doutrinárias e também interpretação feita pela própria
Administração (interpretação administrativa).
Não existe em Portugal uma competência judicial para adotar interpretações vinculativas das
normas jurídicas, como sucedia quando existiam os chamados «assentos».
Hoje, as decisões de fixação de jurisprudência têm uma eficácia limitada aos tribunais.
NOTA: note-se o problema que resulta da interpretação regulamentar das leis.
De facto, há vários regulamentos, de acordo com a sua relação mais ou menos intensa com a lei.
Ora, o problema põe-se essencialmente relativamente aos regulamentos executivos, cuja função
normal é precisar ou esclarecer o sentido, ou preencher as lacunas regulamentares. No fundo, são
regulamentos que visam traduzir com mais clareza o sentido da lei.
Sucede que o artigo 112.º, n.º 5 CPR diz «nenhuma lei pode criar outras categorias de atos
legislativos ou conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar,
integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.»
Portanto, esta disposição constitucional proíbe as leis de conferir a atos de outra natureza o poder
de interpretar ou integrar, com eficácia externa, qualquer dos seus preceitos. Mas, em bom rigor,
essa norma não proíbe a interpretação ou integração regulamentar das leis. O que ela proíbe,
afinal, é que a lei confira esse poder a atos não legislativos.
O sentido da norma constitucional só pode ser um: proibir a lei de delegar em regulamentos a sua
interpretação ou integração com força legislativa a título, por exemplo, de interpretação autêntica
delegada – o que poderia permitir ações de interpretação ou integração modificativas ou até
inovatórias relativamente ao espírito da lei e á letra da lei.
Em suma, os regulamentos não ficam proibidos de interpretar e integrar as leis, desde que o faça
vinculado aos cânones de interpretação e de integração, isto é, sem utilizar estes procedimentos
para modificar o sentido da lei, fixando uma interpretação diferente da lei.
O sentido não foi de inconstitucionalizar a interpretação por via regulamentar, mas sim para
obviar esta prática patológica de o legislador remeter para despachos normativos ministeriais a
interpretação e integração.
A interpretação regulamentar das leis pode ter efeitos meramente internos (ex.: quando são
normas sobre a organização e funcionamento dos serviços, normas sobre o expediente, normas
sobre a distribuição de tarefas – circulares e instruções gerais)
NOTA: o professor não considera que as circulares sejam normas puramente internas - problema
das circulares no âmbito da administração fiscal – diz-se que estas têm uma eficácia puramente
interna, porque o seu destinatário é o subalterno. Obviamente que o subalterno vai aplicar a
interpretação fixada pelo superior hierárquico fixada através da respetiva circular, esquecendo-se
que o destinatário último da circular é o contribuinte. Devemos ter uma noção bastante restritiva
dos regulamentos internos.
Os regulamentos internos sofrem de duas limitações graves: a jurisprudência entende que os
regulamentos, por não terem efeitos jurídicos externos, não podem atingir de uma forma lesiva a
esfera jurídica do destinatário (contribuinte) – como não tem essa eficácia externa e não são
lesivas, não podem ser impugnadas contenciosamente, o que quer dizer que há aqui uma esfera
que escapa à sindicabilidade do controlo jurisdicional dos tribunais.
Não é possível individualizar um setor da atividade administrativa sem que exista uma
organização dentro do poder público encarregada dessa tarefa – é impossível haver atividade sem
organização. Muitas vezes a organização administrativa tem ou pode ter reflexos ao nível dos
Direitos Fundamentais dos particulares.
(ex.: uma Administração mais concentrada ou mais descentralizada é indiferente para o
exercício dos direitos dos particulares? Não é)
Para se perceber, a atual Administração Pública é muito diferente da que existia na época liberal.
Se bem que, com as limitações instituídas na década de 80, assistimos a uma retração do Estado
de administração na sua intervenção.
De qualquer modo, mesmo com essas limitações, a Administração do ponto de vista da sua
organização carateriza-se:
Ora, inicialmente, o problema não se punha, porque as pessoas coletivas públicas eram apenas o
Estado e as demais pessoas coletivas públicas territoriais – pessoas coletivas públicas primárias;
diretamente instituídas pela CRP, que mais tipicamente correspondem ao modelo de regime
público anteriormente referido.
A distinção entre as pessoas coletivas públicas e privadas não suscita qualquer dificuldade.
Este mundo claro já não existe. Na verdade, a partir de certa altura, deu-se um fenómeno
curioso: à qualificação jurídica como pública ou privada de uma determinada entidade passou a
não corresponder necessariamente um regime jurídico correspetivo em toda a sua extensão
(pública ou privada conforme os casos).
As pessoas coletivas públicas passaram a poder segundo sobre o Direito Privado (atividade de
gestão privada), e algumas instituições particulares de interesse público passaram a funcionar em
termos de Direito Público. Daqui resulta que as entidades públicas tanto dispõem de capacidade
jurídica pública, como de capacidade jurídica privada e tanto desenvolvem uma atividade de
gestão pública como de gestão privada.
O mesmo se podendo afirmar em relação a algumas pessoas coletivas de privadas.
Em bom rigor, o problema do critério da publicidade não se aplica em relação às pessoas coletivas
territoriais de fins múltiplos: Estado, Regiões Autónomas e pessoas coletivas locais.
Freitas do Amaral
Nesta perspetiva, Freitas do Amaral parte de um critério misto, combinando a criação, o fim e a
capacidade jurídica da entidade em causa, sendo por isso pessoas coletivas públicas aquelas que
são criadas por iniciativa pública, para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos
e, por isso, dotadas, em nome próprio, de poderes e deveres públicos. FA pp. 618-620
Vital Moreira
Vital Moreira adota também um critério misto, mas conjuga apenas 2 subcritérios. Para este autor,
são de considerar pessoas coletivas públicas, na falta de qualificação legislativa, as criadas pelo
Estado ou por qualquer ente público primário, que detenham o predicado fundamental de pessoas
coletivas públicas – posse de prerrogativas de Direito Público. Conjuga-se a conjugação do
critério da iniciativa para a sua criação (criado por pessoas coletivas públicas primárias) e do
critério dos poderes exorbitantes (detenção de poderes de autoridade).
Em regra, costuma dizer-se que estes critérios só valem na falta de qualificação legal, uma vez
que devem ser consideradas como pessoas coletivas públicas todas as qualificadas por lei como
tal.
Da aplicação destes critérios resulta que são pessoas coletivas públicas as seguintes: o Estado e
as demais entidades coletivas territoriais (autarquias locais e Regiões Autónomas – pessoas
coletivas públicas primárias); as entidades como tal qualificadas pela lei; as entidades criadas pelo
Estado ou por outras pessoas coletivas públicas territoriais desde que compartilhem o referidos
predicados fundamentais das pessoas coletivas públicas (prerrogativas de poder público).
Outra coisa questionável: no fundo esta doutrina tem subjacente a ideia de que a personalidade
jurídica em sentido próprio/ axiológico e valorativo é a personalidade jurídica privada. Para esta
doutrina está subjacente que a personalidade publica é de geometria variável, podendo haver
formas de personalidade jurídica incompleta.
Hoje tenderia a seguir uma doutrina clássica italiana que entende que o que distingue uma
entidade pública de uma privada não é o critério da personalidade jurídica (por ser comum a
ambas), mas sim o aspeto determinante da capacidade jurídica pública nas pessoas coletivas de
Direito Privado e o da capacidade jurídica privada nas pessoas coletivas de Direito Privado.
De certo modo este critério tende para desvalorizar este fenómeno da fuga para o Direito Privado.
O que importa aqui é o exercício da função, independentemente da natureza jurídica da entidade.
O elemento determinante é o elemento da capacidade jurídica exercida (pública ou privada).
(ex.: definição de ato administrativo – artigo 148.º CPA – por contraposição ao código de
1991)
O CPA de 1991 dizia no artigo 120.º «para efeitos da presente lei consideram-se atos
administrativos as decisões dos órgãos da administração, que ao abrigo de normas do Direito
Público, visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta»
Atual artigo 148.º CPA – «para efeitos do disposto no presente código, consideram-se atos
administrativos as decisões que no exercício de poderes jurídico-administrativos visem produzir
efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta»
Agora não diz de quem – aqui o critério não é o da personalidade jurídica, mas sim o da
capacidade jurídica. Se a administração atuar no exercício da capacidade jurídica privada (ex.:
celebrar um contrato de arrendamento/ celebrar um contrato individual de trabalho), tal não é
um ato administrativo.
O critério passa, então, a ser o da capacidade jurídica, independentemente da natureza jurídica da
entidade, independentemente de a personalidade ser pública ou privada.
O critério da personalidade jurídica já não é suficiente para sabermos se devemos aplicar um
regime de direito publico ou de direito privado, para sabermos qual a jurisdição com competência
para apreciar determinado litígio.
(ex.: artigo 2.º CPA – «As disposições do presente código, respeitantes aos princípios gerais,
ao procedimento e à atividade administrativa são aplicáveis à conduta de quaisquer entidades,
independentemente da sua natureza, adotadas no exercício de poderes públicos, ou reguladas
de modo específico por disposições de Direito Administrativo»
Aqui ainda está mais claro pela expressão «independentemente da sua natureza» - tem que ver
com a ideia de crescente objetivação da Administração. A administração em sentido orgânico e
subjetivo está cada vez mais a dar lugar a uma Administração em sentido objetivo/ funcional.
Para se ver a complexidade do assunto, refira-se que, em princípio, uma pessoa coletiva de Direito
Público tem substrato de origem pública e estão sujeitas a um regime de Direito Público, enquanto
as pessoas coletivas de Direito Privado têm naturalmente um substrato de Direito Privado e estão
sujeitas a um regime de Direito Privado.
Contudo há desvios:
Pessoas coletivas públicas com substrato de natureza privada – ex.: ordens profissionais
Pessoas coletivas privadas com substrato de natureza pública – ex.: sociedades de
capitais públicos (empresas públicas)
Pessoas coletivas públicas com regime essencialmente de Direito Privado – ex.: entidades
públicas empresariais
Pessoas coletivas privadas com regime parcialmente de Direito Público – ex.: entidades
privadas que exercem poderes públicos
As entidades públicas empresarias são definidas legalmente (DL 133) como pessoas coletivas de
Direito Público, mas substantivamente aplica-se fundamentalmente o Direito Privado. Qual o
critério que deve prevalecer? A definição dada pelo legislador ou o regime substantivo aplicável?
O prof tende a inclinar-se para o regime substantivo aplicável. Assim, formalmente são pessoas
coletivas de Direito Público, mas materialmente/ substantivamente são pessoas coletivas de
Direito Privado.
Bibliografia:
COLAÇO ANTUNES, A Ciência Jurídica Administrativa, op. cit., pp. 117 a 147; FREITAS DO AMARAL, Curso...,
op. cit., pp. 613-624; VITAL MOREIRA, Administração Autónoma..., op. cit., pp. 257-280 e 306-327; MARIA DA
GLÓRIA DIAS GARCIA, "A organização administrativa", in DJAP, vol. VI, pp. 235-244.
Aula n.º 10 – 26-10-2020 – ‘Continuação da aula anterior.’
Tipologia das pessoas coletivas de Direito Público
Num terceiro elemento dizemos que as pessoas coletivas públicas territoriais têm um
caráter originário e necessário (são pessoas coletivas públicas primárias que resultam
diretamente da Constituição e da lei), ao passo que os funcionais têm um caráter
contingente.
Por último, quanto aos entes territoriais, estes têm o poder para criar outros entes
públicos e o poder para exercer um controlo sobre eles mesmos (quer o Estado
Administração, quer as Regiões Autónomas, quer a Administração Autónoma Local têm
uma administração indireta, porque têm o poder para criar entes públicos instrumentais
(empresas públicas ou institutos públicos), que em princípio os entes funcionais não
têm);
Distinção entre institutos públicos e associações/ corporações públicas
Antes de proceder a esta distinção, chame-se à atenção da utilização de uma noção de instituto
público num sentido amplo e não rigoroso. Assim, vamos abranger na categoria dos institutos
públicos todas as pessoas coletivas públicas de base institucional, incluindo os serviços públicos
personalizados e as fundações públicas. É neste sentido amplo que vamos comparar por um lado
institutos públicos e, por outro, associações públicas.
A distinção dos institutos públicos assim entendidos e das associações públicas pode ser
apresentado como uma réplica da distinção que se apresenta no Direito Civil entre as fundações
e as associações.
Enquanto as associações têm um substrato pessoal, um conjunto de pessoas; as fundações ou
instituições têm por substrato um fundo patrimonial ou uma instituição.
Claro que a vida é muito mais rica e a realidade apresenta-nos muitas vezes entidades híbridas,
por exemplo, entidades institucionais com traços corporativos (ex.: universidades). Nestas
situações deve contar o elemento predominante – no caso das Universidades é o traço
institucional.
Quanto aos institutos públicos tem o seu substrato constituído por um acervo patrimonial
ou por uma personificação de uma função/ serviço público ou estabelecimento público;
por outro lado, nas associações públicas o substrato é pessoal, no sentido de
personificação de um agrupamento de pessoas unida pelo vínculo jurídico profissional.
Quanto aos institutos públicos, estes são criados por outras pessoas coletivas públicas
cujos fins prosseguem (criados pelas pessoas coletivas públicas primárias) – portanto,
estes institutos promovem e prosseguem interesses públicos da Administração principal/
mãe, sendo também sua caraterística o facto de os entes serem hétero designados. Quanto
às associações públicas, estas promovem a prossecução de interesses próprios dos seus
membros e fazem-no mediante órgãos representativos – têm uma competência genérica
e própria para cuidar dos interesses dos seus membros.
Os institutos públicos obedecem a uma vontade externa de hétero governo, ao passo que
as associações públicas são governadas por uma vontade interna/ autónoma/ imanente
(autogoverno).
Por último, quanto aos institutos públicos, o Estado exerce sobre eles um poder de
superintendência (poder de orientação) e um poder de tutela (de legalidade e de mérito).
Já quanto às associações públicas, o Estado sobre elas exerce apenas um poder de tutela
de legalidade (sobretudo quando estão em causa atribuições exclusivas destas entidades).
NOTA: importa dizer que a independência administrativa nunca é absoluta, uma vez que há
sempre um poder que o Estado mantém que é o de poder extinguir os entes públicos menores.
Normalmente existe também uma tutela de legalidade, visando assegurar a legalidade de ação dos
entes.
Nos entes públicos independentes lato sensu (com grande autonomia relativamente à
Administração do Estado) devemos integrar os entes públicos autónomos (autarquias locais e
associações públicas), dotados de autodeterminação e de autogoverno.
Por sua vez, nas entidades dependentes enquadram-se em geral os institutos públicos, fundações
públicas, empresas públicas – entes públicos de base institucional, que compõem a administração
indireta do Estado.
Obviamente que também aqui poderá verificar-se a existência de situações mais ou menos
híbridas. Mesmo os entes mais estritamente instrumentais não deixam de ter um elemento de
independência e autonomia, que é inerente à própria personalidade jurídica destes serviços
públicos personalizados; como as entidades jurídicas mais genuinamente independentes e
autónomas não estão isentas de uma componente de instrumentalidade, na medida em que a sua
existência e até a definição das suas atribuições públicas dependem do ordenamento e da lei.
Mesmo as entidades mais independentes e mais autónomas, por exemplo, nunca deixam de
depender de um controlo de mera legalidade por parte da Administração principal.
No entanto, tal como podem existir pessoas coletivas de Direito Privado no setor público
administrativo (embora seja mais raro), também podem existir pessoas coletivas de Direito
Público no setor publico empresarial (entidades públicas empresariais).
Para concluir, há entidades que nem sempre é fácil de qualificar e enquadrar (ex.: Banco de
Portugal – visto inicialmente como uma entidade administrativa independente, mas que
apresenta um caráter supranacional em certa medida)
Contudo, tem caraterísticas de instituto público independente, mas também exerce operações
bancárias e delas procura retirar proveitos e vantagens.
Nos termos do artigo 267.º, n.º 1 e n.º 2 CRP, a Administração deve ser estruturada de modo a
evitar a burocratização e a aproximar os serviços da população, de modo a assegurar a
participação dos interessados na sua gestão efetiva, devendo a lei estabelecer adequadas formas
de descentralização e desconcentração administrativa, sem prejuízo da necessária eficácia e
unidade da ação administrativa e dos poderes de superintendência do Governo.
Decorre, portanto, deste normativo (n.º 1 e n.º 2.º do artigo 267.º CRP) que dois dos mais
importantes princípios constitucionais respeitantes à organização administrativa são os princípios
da desconcentração e da descentralização administrativa.
A referência ao princípio da descentralização administrativa encontra-se também consagrada no
artigo 6.º, n.º 1, tal como aparece neste normativo o princípio da subsidiariedade.
DESCONCENTRAÇÃO
Artigo 267.º, n.º 2 CRP
Neste sentido, uma mesma pessoa coletiva pública será concentrada quando o superior
hierárquico for o único órgão competente para tomar decisões, ficando os subalternos limitados
às tarefas de preparação e execução das decisões do referido superior hierárquico. – F.A. p. 690
Ao passo que, será desconcentrada quando o poder decisório estiver repartido entre o superior
hierárquico e um ou vários subalternos, ainda que com direção e supervisão daquele. – F.A. p. 690
«(…) em rigor, não existem sistemas integralmente concentrados, nem sistemas absolutamente desconcentrados. O
que normalmente sucede é que os sistemas se nos apresentam mais ou menos concentrados – ou mais ou menos
desconcentrados.» - F.A. p. 690
Não obstante a situação normal ser a de desconcentração vertical, esta pode ser:
Além do mais, a desconcentração pode ser horizontal que efetua mediante a divisão de tarefas
entre vários órgãos de acordo com um critério funcional (ex.: entre os vários ministros dentro do
Governo; entre as várias Direções-Gerais de cada ministério).
A desconcentração administrativa, no fundo, traduz-se num processo de descongestionamento de
competências e pode encontrar-se tanto na Administração do Estado, como numa Administração
descentralizada, como um Município.
É relevante que se diga que a desconcentração tanto pode ser originária, como derivada.
É derivada quando é feita pela delegação de poderes – «(…) carecendo embora de permissão
legal expressa, só se efetiva mediante um ato específico praticado para o efeito pelo superior.» - F.A. p. 693
(ex.: se uma nova lei atribui a competência para conceder licença de férias para os Diretores-
Gerais quando antes era concedida aos Ministros – originária) – F.A. p. 693
(ex.: se a lei permite que os Ministros deleguem essa competência de concessão de férias aos
funcionários nos Diretores-Gerais – derivada) – F.A. p. 693
«O problema da maior ou menor concentração existente não tem nada a ver com as relações entre o Estado e as
demais pessoas coletivas públicas (como sucede com o problema da descentralização): é uma questão que se põe
apenas dentro do Estado, ou apenas dentro de qualquer outra entidade pública.» - F.A. p.689
DESCENTRALIZAÇÃO
NOTA:
(Ver a questão da diferença entre a descentralização em sentido jurídico e a descentralização em sentido político-
administrativo – F.A. pp.723-725)
«A razão pela qual convém distinguir os conceitos de centralização e descentralização no plano jurídico e no plano
político-administrativo é simples de entender: é que a descentralização jurídica pode na prática constituir um véu
enganador que recobre a realidade de uma forte centralização político-administrativa.» - F.A. p. 724
Dito isto vamos ver a descentralização que é uma figura nada unívoca – é um pouco polissémica.
É certo que há, sobretudo, aqui duas noções de descentralização administrativa: uma em sentido
muito amplo e uma em sentido restrito.
Começando pelo princípio, num sentido muito amplo, a descentralização significa a repartição
de atribuições por uma pluralidade de pessoas coletivas públicas diferentes do Estado – «onde
exista uma entidade com personalidade jurídica distinta do Estado, teremos descentralização
administrativa». Portanto, parece que o critério da personalidade jurídica se configura como
necessário e suficiente nesta noção amplíssima para caraterizar o princípio da descentralização.
Se seguíssemos esta perspetiva, a descentralização corresponderia a qualquer transferência de
atribuições da organização administrativa do Estado para outros organismos administrativos
personalizados. De acordo com esta perspetiva a descentralização em sentido técnico seria um
simples instrumento de repartição de tarefas entre a Administração direta do Estado e uma
variedade de entes administrativos por ele criados e encarregues da realização de tarefas
administrativas específicas.
Este é um sentido impróprio e muito amplo.
O segundo, ainda amplo, mas mais acolhível aponta para a ideia de que a administração
descentralizada deve ser entendida como aquela em que as tarefas que não pertencem
exclusivamente aos serviços administrativos do Estado, antes se encontram repartidas em medida
considerável por outras entidades administrativas infra estaduais, desde que dotadas de algum
grau de autonomia em relação ao Estado.
Aparece aqui um segundo critério a somar ao critério da personalidade jurídica: critério de um
grau de autonomia material em relação ao Estado. Assim, não basta apenas a personalidade
jurídica própria para se falar em descentralização, mas também alguma autonomia em relação ao
Estado.
Por último, atualmente, defende-se que para que exista verdadeira descentralização, em sentido
próprio, não basta autonomia jurídica própria, a existência de património separado, nem
autonomia administrativa financeira – requer-se sobretudo que as entidades infra estaduais
tenham a capacidade para gerir autonomamente os seus assuntos.
Porque algumas destas características fazem parte da Administração indireta (como a autonomia
jurídica, administrativa e financeira) – o que a administração indireta nunca tem, e que é a matriz
da administração autónoma, é a capacidade de auto-orientação das suas medidas e o
autogoverno.
Do que acabamos de dizer, conclui-se que há vários sentidos possíveis para a descentralização
administrativa.
Ora, o mais amplo e menos exigente conceito de descentralização faz coincidir esta com
todo e qualquer exercício de funções administrativas por serviços ou organismos administrativos
não integrados na Administração central. Quer dizer que se adotássemos este sentido amplo a
descentralização não se distinguiria da desconcentração administrativa.
Um outro sentido muito amplo, mas mais restrito, abrange todas as entidades
administrativas infra estaduais com funções administrativas, mesmo que puramente instrumentais
– segundo este pensamento a descentralização corresponderia a uma descentralização em sentido
impróprio/ por serviços.
Para chegar finalmente ao conceito mais restrito (sentido originário) vemos que se equivale a
descentralização à administração autónoma – ao reconhecimento de autarquias locais e de
associações públicas.
Então qual o conceito que podemos dar de descentralização (que tem relevância para a própria
concetualização da noção de Administração autónoma)?
«A centralização tem, teoricamente, algumas vantagens: assegura melhor que qualquer outro sistema a unidade do
Estado; garante a homogeneidade da ação política e administrativa desenvolvida no país; e permite uma melhor
coordenação do exercício da função administrativa.
Pelo contrário, a centralização tem numerosos inconvenientes: gera a hipertrofia do Estado, provocando o gigantismo
do poder central; é fonte de ineficácia da ação administrativa, porque quer confiar tudo ao Estado; é causa de elevados
custos financeiros relativamente ao exercício da ação administrativa; abafa a vida local autónoma (…); não respeita
as liberdades locais; e faz depender todo o sistema administrativo da insensibilidade do poder central (…)
Mas a descentralização também oferece alguns inconvenientes: o primeiro é o de gerar alguma descoordenação no
exercício da função administrativa; e o segundo é o de abrir a porta ao mau uso dos poderes discricionários da
Administração por parte de pessoas nem sempre bem preparadas para os exercer.» - F.A. pp.725/726
SUBSIDARIEDADE
O princípio da subsidiariedade está expressamente previsto no artigo 6.º, n.º 1 CRP, mas é
claramente um princípio de extração comunitária – artigo 5.º TUE.
Digamos que, tentando definir este princípio dizemos que é o princípio pelo qual se atribui
preferência às Administrações infra estaduais em detrimento da Administração estadual tendo um
princípio favorável à ampliação da esfera dos poderes públicos menores à custa de uma certa
perda de poderes dos entes públicos superiores – o Estado deve ser subsidiário em relação às
Administrações infra estaduais, fundamentalmente às Administrações autónomas.
De acordo com o princípio da subsidiariedade deve entender-se que às comunidades locais e
regionais devem ser reconhecidas todas as atribuições indispensáveis à satisfação dos interesses
públicos dessas coletividades, desde que estas coletividades estejam em condições de satisfazer
com vantagem as tais necessidades gerais da coletividade em relação às demais entidades
superiores.
Quando as comunidades locais estão em melhores condições para satisfazer os interesses públicos
dos residentes daquela circunscrição (vantagens técnicas, humanas e financeiras) devem ser-lhes
fornecidas atribuições indispensáveis, necessárias e suficientes para a realização desses mesmos
interesses públicos das pessoas que vivem nessa circunscrição.
Atente-se que não se deve fazer uma ligação direta mimética entre o princípio da descentralização
e o princípio da subsidiariedade, porque uma coisa é aquele primeiro principio e outra coisa é a
ideia de que o Estado só deve ocupar-se daquilo para que não estejam aptas a ocupar-se as
coletividades territoriais ou profissionais.
O princípio da subsidiariedade, enquanto importante princípio de repartição de tarefas
administrativas, decorre do artigo 6.º, n.º 1, que o convoca expressamente no contexto da
autoadministração local e da descentralização democrática da Administração Pública.
O princípio da subsidiariedade é autónomo quanto ao princípio da descentralização, mas são
complementares na ideia do reforço das Administrações autónomas relativamente à
Administração do Estado.
Administração do Estado
Administrações autónomas
Estamos no âmbito do primeiro quando nos encontramos no domínio das entidades públicas que
têm como escopo prosseguir a satisfação de interesses públicos de caráter nacional e que estão a
cargo do Estado, visto que o Estado num plano de Direito Administrativo nacional é a tal pessoa
coletiva pública primária e universal.
Quanto às administrações autónomas, importa distinguir:
Administração direta
NOTA: nós vamos ver em que consiste cada uma delas por referência à Administração do Estado
– MAS NÃO É SÓ O ESTADO QUE TEM ADMINISTRAÇÃO DIRETA E INDIRETA
Dentro da Administração direta do Estado vamos encontrar órgãos centrais, cuja competência se
estende a todo o território nacional (direções gerais e ministérios – Administração central do
Estado), mas vamos também encontrar órgãos locais ou regionais (Administração periférica do
Estado) – (não confundir com a administração autónoma regional ou local propriamente dita).
Não definirem a sua própria orientação (hétero determinada pela entidade mãe)
As respetivas atribuições e poderes também não são da sua autoria. De certa maneira a
Administração indireta (ainda é estadual, na medida em que as suas tarefas ainda são do
Estado), não obstante estas entidades atuam por órgãos próprios e, apesar de ser pelo
interesse do Estado, estas fazem-no em nome próprio.
«É também caraterística essencial da administração estadual indireta a sua sujeição aos poderes de superintendência
e tutela do Governo …» - FA p. 304
(ex.: o Estado encarregar as autarquias locais (municípios) do desempenho de funções que são
suas e cuja titularidade o Estado não quer perder)
Estamos perante uma forma de Administração indireta sobre as autarquias locais, na medida em
que o Estado mantém uma função de orientação semelhante à exercida sobre os seus entes
instrumentais (fazem parte da Administração direta).
Assim, muitas vezes, chama-se perversamente «descentralização» a fenómenos como este, em
que o Estado encarrega do desempenho de tarefas administrativas que são suas não um ente
instrumental, que faz parte da Administração indireta, mas um ente da Administração autónoma,
chamando-lhe «descentralização» – viola-se aqui a matriz da administração autónoma de auto-
orientação das suas decisões.
Na realidade, o que se está a transferir nem são atribuições, mas sim competências que o Estado
não quer perder, que em bom rigor deveriam ser levadas a cabo por entidades que constituem a
Administração indireta do Estado
É também necessário ter em conta que nem só o Estado pode ter Administração indireta. Quem
diz Administração indireta do Estado, diz Administração indireta das demais entidades de fins
públicos – também as Regiões Autónomas e as autarquias locais têm administração indireta,
também podem destacar certas das suas atribuições e volvê-los para organismos criados para o
efeito, que ficam depois sobre a sua orientação.
Para concluir este ponto poderíamos dizer que também podem ser titulares da Administração
indireta quase todas as entidades administrativas (Estado; RA, autarquias locais, associações
públicas, institutos públicos podem ter na sua dependência outros institutos públicos etc.)
(ex.: as universidades são em regra institutos públicos autónomos – nós podemos considerar,
visto que tem uma estrutura federal constituída por várias unidades orgânicas (faculdades),
poderíamos considerar as Faculdades como sub institutos públicos, enquanto integrantes do
instituto público «mãe» que é a Universidade)
Administração autónoma
Enquanto a Administração direta ou indireta do Estado prossegue interesses próprios da
coletividade nacional, as administrações autónomas, como expressão da autoadministração das
coletividades que representam, estão organizadas segundo princípios eletivos e representativos,
cuidando de interesses específicos dessas comunidades.
«A administração autónoma é aquela que prossegue interesses públicos próprios das pessoas que a constituem e por
isso se dirige a si mesma, definindo com independência a orientação das suas atividades, sem sujeição a hierarquia
ou a superintendência do Governo.» - FA p. 360
Características das entidades que pertencem Administração autónoma:
Para concluir este ponto diríamos que a Administração autónoma NÃO QUER DIZER
INDEPENDÊNCIA ABSOLUTA, porque a administração autónoma está sempre sujeita a tutela
estadual – 242.º, 199.º, d), 267.º, n.º 2 CRP
O que não significa que seja indiferente, na medida em que é possível que determinadas
entidades tenham um âmbito territorialmente limitado – o que sucede nestes casos é que
o território não é o único critério na definição do substrato pessoal, nem sequer o principal
critério (ao contrário da administração autónoma territorial)
Autonomia sancionatória
Autonomia organizatória
Portanto, saliente-se, para terminar, que algumas destas dimensões da autonomia encontram-se
também na Administração indireta, como é o caso das três primeiras, contudo nunca dispõe de
autodeterminação e de autogoverno (que são elementos caraterizadores da Administração
autónoma – sendo nestes dois elementos que reside a diferença específica entre a uma associação
pública e um instituto público, entre uma Administração autónoma e uma Administração indireta)
Hierarquia, superintendência e tutela
São relações jurídicas que se estabelecem. A hierarquia é uma relação interorgânica (entre
órgãos da mesma pessoa coletiva), ao passo que a superintendência e a tutela são relações
intersubjetivas (entre órgãos de pessoas coletivas distintas).
Nos termos do artigo 199.º, alínea d) da CRP compete ao Governo, no exercício da sua função
administrativa, e como órgão superior da Administração Pública
Só que a tutela que se exerce sobre estas administrações são distintas. Enquanto que sobre a
administração indireta exerce tutela de legalidade e tutela de mérito, na administração autónoma
não existe tutela de mérito, mas sim de mera legalidade (de fiscalização da legalidade e
juridicidade dos atos praticados pela entidade tutelada).
HIERARQUIA
É o modelo de organização administrativa vertical constituído por 2 ou mais órgãos que
prosseguem atribuições comuns, uma vez que são órgãos da mesma pessoa coletiva pública
– órgãos esses ligados por um vínculo jurídico (relação hierárquica) que confere ao superior
hierárquico o poder de direção e o ao subalterno o dever de obediência. – F.A. p. 667
«Por outro lado, o modelo hierárquico carateriza-se pelos seguintes traços específicos:
O poder típico da relação hierárquica é o poder de direção que consiste no poder de emanar
comandos vinculativos a todos os órgãos subordinados. Esses comandos podem ser específicos
para uma situação concreta e individualizada (ORDENS) ou podem gozar de aplicação
generalizada e abstrata para situações futuras (INSTRUÇÕES). O superior também não está
impedido de emanar diretivas sobre os subalternos, conferindo, assim, ao subalterno uma certa
margem de discricionariedade para o cumprimento desses objetivos pré-determinados. – F.A. – p.
674
NOTA: O poder de direção não carece de consagração legal expressa – trata-se de um poder
inerente ao desempenho de funções de chefia do superior hierárquico. «Ou seja, não é necessário que
a lei refira explicitamente a existência desse poder para que o superior disponha da faculdade de dar ordena ou
instruções: essa competência decorre da própria natureza das funções do superior hierárquico.». – F.A. pp. 674/675
O poder de direção confere ao superior o poder de emanar comandos vinculativos sobre todas as
áreas de competência do órgão subalterno, mesmo que este goze de discricionariedade e pode
emanar comandos vinculativos, mesmo naquelas situações em que o superior não tem
competência para realizar atos externos (matérias em que o subalterno tem uma competência
exclusiva) – AO PODER DE DIREÇÃO CORRESPONDE UM DEVER DE OBEDIÊNCIA
Aula n.º 12 – 02-11-2020 – ‘8. A Administração do Estado. O Governo como órgão superior da Administração
pública estadual e a organização central dos Ministérios. Os serviços periféricos da Administração do Estado. 9. A
Administração autónoma regional. Residualidade da Administração "periférica" do Estado nas Regiões
Autónomas.’.
«O «dever de obediência» consiste na obrigação de o subalterno cumprir as ordens ou instruções dos seus legítimos
superiores hierárquicos, dadas em objeto de serviço e sob a forma legal.» - F.A. p. 681
Este dever de obediência, para existir, é necessário que se reúnam 3 requisitos cumulativos –
artigo 271.º, n.º 2 CRP:
No entanto, deve ter-se em consideração que não existe o dever de obediência quando a
ordem ou a instrução implique a prática de um crime. Neste caso decai o dever de obediência –
artigo 271.º, n.º 3 CRP. Ou então quando provenha de um ato nulo, nos termos dos artigos 161.º
CPA (enumera as situações que conduzem à nulidade) e 162.º CPA (define o regime jurídico).
Portanto, só nestas duas situações é que não há dever de obediência. Em todas as restantes
situações haverá sempre dever de obediência, mesmo que as ordens e instruções sejam
ilegais (a menos que se traduzam na prática de um crime, ou que provenham de um ato nulo/
inexistente, onde o ato padece de um vício evidente e grave). Assim, na generalidade dos casos,
mesmo que a atuação da Administração seja ilegal, há dever obediência.
O que é que sucede para que o subalterno fique excluído da responsabilidade civil perante
terceiros?
O que ele deve fazer é reclamar ou exigir a confirmação da ordem por escrito, fazendo
expressa menção de que a considera ilegal e, mesmo com a menção de cumprimento imediato,
basta que a reclamação com a opinião sobre a ilegalidade da ordem seja enviada imediatamente
após a execução do ato por parte do órgão subalterno.
Para o subalterno ficar isento de qualquer responsabilidade civil perante terceiros lesados, este
deve reclamar ou exigir a confirmação da ordem, chamando expressamente à atenção de que, na
sua opinião, aquele ato padece de ilegalidade.
«(…) o superior hierárquico é, e tem de ser, o «responsável pela totalidade da função». Por isso há-de poder assegurar,
no âmbito do serviço que lhe está confiado, a unidade da ação administrativa.
Ora, esta não se consegue apenas com o poder de direção (…)» - F.A. p. 674
Para além do poder de direção o superior hierárquico goza de outros poderes: poder de
supervisão.
O poder de supervisão é um poder quase hierárquico: forma de relacionamento interorgânico
em que o órgão supervisionante não pode dar ordens sobre o órgão supervisionado, mas pode
atuar sobre os atos deste, designadamente, anulando-os.
«(…) consiste na faculdade de o superior revogar, anular ou suspender os atos administrativos praticados pelo
subalterno.» - F.A. p. 675
Este poder de supervisão pode ser acionado ex officio (por iniciativa do superior), ou mediante
solicitação do interessado através de um recurso hierárquico – artigos 184.º e seguintes e 193.º e
seguintes CPTA
Goza ainda de poder de inspeção: que se traduz no poder de fiscalizar o funcionamento dos
subalternos e o funcionamento dos serviços. «É um poder instrumental em relação aos poderes de direção,
supervisão e disciplinar: pois é com base nas informações recolhidas através do exercício do poder de inspeção que o
superior hierárquico decidirá usar ou não, e em que termos, esses três poderes principais.» - F.A. p. 676
Tem ainda o poder de decidir recursos hierárquicos, isto é, o poder de reapreciar os casos
anteriormente decididos pelo subalterno, podendo, nos termos do artigo 197.º CPA, confirmar ou
anular o ato (em caso de competências exclusivas), mas se a competência for concorrente, pode
também nos termos do artigo 197.º, n.º1, 2ª parte, revogá-lo, modificá-lo ou substituí-lo, ainda
que em sentido desfavorável ao recorrente. «Recurso hierárquico»
«(…) a superintendência difere também do poder de direção, típico da hierarquia, e é menos forte do que ele, porque
o poder de direção do superior hierárquico consiste na faculdade de dar ordens ou instruções, a que corresponde o
dever de obediência a umas e outras, enquanto a superintendência se traduz apenas numa faculdade de emitir diretivas
ou recomendações.» - F.A. p. 746
SUPERINTENDÊNCIA
TUTELA
Quanto à tutela, em sentido amplo, consiste no conjunto de poderes de controlo e intervenção de
uma pessoa coletiva pública na gestão de uma outra pessoa coletiva pública, no sentido de
assegurar a legalidade e/ou o mérito da sua atuação.
A tutela é de legalidade quando visa controlar a legalidade das decisões da entidade tutelada.
A tutela é de mérito quando visa controlar a conveniência/ a oportunidade, que pode ser de
natureza administrativa, técnica ou financeira, das decisões da entidade tutelada.
É de notar que a tutela que o Governo exerce sobre as autarquias locais, quando estejam em causa
apenas atribuições exclusivas das autarquias locais, é apenas uma tutela de mera legalidade
– artigo 242.º, n.º 1 CRP – devendo ser inconstitucionais as disposições legais que alarguem no
âmbito das atribuições próprias das autarquias os poderes de intervenção do Governo.
Pode, no entanto, haver tutela de mérito sobre institutos públicos e empresas públicas. F.A. p. 731
Isto quer significar que a autorização é, portanto, uma condição/ requisito do exercício da
competência e, por isso, um requisito da validade do ato; ao passo que a aprovação é apenas
uma condição da eficácia deste (para produzir efeitos jurídicos externos ele carece de aprovação).
Assim, se a entidade tutelada praticasse um ato sem a prévia autorização da entidade tutelar, o ato
padecia de um vício, visto que não se tinha cumprido um requisito de validade do ato. Por outro
lado, a ausência de aprovação é tão-somente um requisito de eficácia do ato. – F.A. pp. 732-734
ATENÇÃO: apesar de a tutela ser de mera legalidade pode, no entanto, admitir-se que a tutela
verse sobre o mérito da atividade desenvolvida pelo ente autónomo – certa contração da esfera de
autonomia deste ente autónoma.
Mas esta tutela de mérito, a existir a título excecional, seria sempre diferente da tutela de mérito
que se exerce pela administração principal relativamente às entidades que fazem parte da
administração indireta.
Neste caso é caso é apenas destinada a verificar se os atos praticados pelo ente autónomo não
prejudicam interesses relevantes gerais (de âmbito mais nacionais), mas não pode, em todo o caso,
incidir sobre a bondade ou correção das opções tomadas dentro da liberdade de conformação do
ente administrativo autónomo.
Aqui digamos que o controlo de mérito excecional, a admitir-se, era só para ver se o interesse
público local não estaria a diminuir ilicitamente um interesse público de maior âmbito – nunca
incide sobre a oportunidade e conveniência de uma determinada opção tomada pelo ente
autónomo.
«Temos aqui, portanto, três realidades distintas:
a) A administração direta do Estado: o Governo está em relação a ela na posição de superior hierárquico,
dispondo nomeadamente do poder de direção;
b) A administração indireta do Estado: ao Governo cabe sobre ela a responsabilidade da superintendência,
possuindo designadamente o poder de orientação;
c) A administração autónoma: pertence ao Governo desempenhar quanto a ela a função da tutela
administrativa, competindo-lhe exercer em especial um conjunto de poderes de controlo.» - F.A. p. 745
Outra questão que se pode colocar aqui é: tem sentido existir uma norma na CRP (artigo 242.º)
que permita ao Estado, por intermédio do Governo, exercer a tutela de legalidade da fiscalização
da legalidade de correção jurídica dos atos praticados por um ente autónomo?
Num Estado juridicamente culto, a competência deveria ser dos tribunais, e não à administração
do Estado. Quem diz a última palavra quanto à legalidade e juridicidade da atuação administrativa
são os tribunais.
Em puridade jurídica esta competência nunca deveria ser própria da Administração do Estado,
nem que se trate da Administração central.
Esta necessidade de uma tutela de legalidade, não deveria competir, numa situação de
normalidade jurídica e democrática à Administração do Estado.
Para concluir, dir-se-ia que só há tutela quando e nas formas previstas na lei - «pas de tutele
sans texte» – NÃO HÁ TUTELA SEM BASE LEGAL.
NOTA: A superintendência «É, pois, um poder mais amplo, mais intenso, mais forte, do que a tutela administrativa.
Porque esta tem apenas por fim controlar a atuação das entidades a ela sujeitas, ao passo que a superintendência se
destina a orientar a ação das entidades a ela submetidas». – F.A. p. 744
Por outro lado, como as administrações territoriais de nível superior podem ter serviços
territorialmente desconcentrados (em circunscrições regionais ou locais), dá-se uma coabitação
territorial dos serviços dos vários níveis de administração territorial:
Bibliografia:
FREITAS DO AMARAL, Curso..., op. cit., pp. 689-692, 723-728 e 741-749; VITAL MOREIRA, Administração
Autónoma..., op. cit., pp. 142-159; FREITAS DO AMARAL, Curso..., op. cit., 193-206, 297-308 e 359-362; VITAL
MOREIRA, Administração Autónoma..., op. cit., pp. 104-126, 137-142 e 167-170; FREITAS DO AMARAL,
Curso..., op. cit., pp. 211-236, 243-245 e 281-296; VITAL MOREIRA, Administração Autónoma..., op. cit., pp. 206-
219; FREITAS DO AMARAL, Curso..., op. cit., pp. 665-688, 729-740 e 744-750
Aula n.º 13 – 03-11-2020 – ‘Continuação da aula anterior. 11. Administração indireta das autarquias locais.
12. A tutela estadual sobre as autarquias locais. Da delimitação da tutela quanto ao fim à falta dela quanto aos
meios, desde que compatíveis com o princípio constitucional da autonomia local.’
Administração do Estado
Depois de analisar os conceitos fundamentais da organização administrativa, estamos em
condições de passar a analisar em concreto o caso português, começando naturalmente pela
Administração do Estado.
«c) Na terceira – aceção administrativa -, o Estado é a pessoa coletiva pública que, no seio da comunidade nacional,
desempenha sob a direção do Governo, a atividade administrativa.» - FA p. 194
Administração
central
Administração Direta
Administração
Periférica/ Regional
ou Local do Estado
Administração do
Estado
Empresas Públicas
Administração
Indireta
Institutos Públicos
ADMINISTRAÇÃO DIRETA
«… é a atividade exercida por serviços integrados na pessoa coletiva Estado» - FA p. 200
CENTRAL
«O que mais releva, no plano administrativo, é a orientação superior do conjunto da administração pública do
Governo (CRP, art. 199.º, alínea d)), é a distribuição das competências pelos diferentes órgãos centrais e locais, e é a
separação entre o Estado e as demais pessoas coletivas públicas – regiões autónomas, autarquias locais, institutos
públicos, empresas públicas, associações públicas.» - FA p. 194
Nesta perspetiva, o primeiro objeto de análise será o Governo como órgão superior da
Administração Pública estadual – artigo 182.º e seguintes da CRP, competindo ao Governo,
enquanto órgão administrativo, nos termos do artigo 199.º CRP:
Segundo ainda a CRP e o artigo 183.º, há que distinguir entre figuras essenciais do Governo
e figuras eventuais. Falando dos primeiros, o Governo é constituído pelo Primeiro Ministro,
pelos Ministros (figuras essenciais), e por Vice-Primeiros Ministros, Secretários de Estado e
subsecretários do Estado (figuras eventuais).
Contudo, ninguém considera, hoje, Secretários do Estado como figuras eventuais – são raros os
casos de Ministérios sem Secretários de Estado, ainda que não disponham em hipótese alguma de
competência própria, limitando-se a exercer em cada caso a competência que neles seja delegada
pelo Primeiro Ministro ou pelo Ministro respetivo (com ou sem poderes de delegação).
Isto pode ler-se no artigo 11.º, n.º 1 do DL 169-B/2019, de 3 de dezembro.
A coordenação da ação cabe em primeiro lugar ao Primeiro Ministro, ao qual cumpre, de
harmonia com o artigo 201.º, n.º 1, alíneas a) e b) CRP, dirigir a política geral e o funcionamento
do Governo.
A coordenação da ação governativa pode também ser feita pelo Conselho de Ministros como
órgão colegial que é – artigo 200.º CRP. Podem existir Conselhos de Ministros setoriais/
especializados para certas áreas – artigo 184.º, n.º 2 CRP, sendo que, por vezes, existe também
uma terceira forma de cooperação interministerial, que consiste na criação de comissões
interministeriais, junto de certos Ministérios compostos por representantes desse Ministério e de
representantes de Ministérios cuja esfera de ação possa influir na ação daquele – caso da comissão
interministerial para os assuntos florestais.
Portanto, a organização de cada Governo consta da sua própria lei orgânica, sobre a forma de DL,
que estabelece o número, a designação e as atribuições dos Ministérios que compõem o Governo.
Na verdade, a matéria respeitante à sua própria organização e funcionamento é da exclusiva
competência legislativa do Governo – artigo 198.º, n.º 2 CRP.
O número e a designação dos Ministérios têm uma repartição de esferas de ações que varia muito
de Governo para Governo, podendo afirmar-se, todavia, que a tendência prevalecente, até tempos
relativamente recentes, vai no sentido de um acréscimo progressivo do número de Ministérios,
em virtude da complexificação da intervenção direta ou não do Estado na Administração.
A verdade é que se trata de um domínio que se inscreve na esfera de conformação política
autónoma do Governo, razão pela qual a determinação da respetiva composição orgânica não
obedece a uma estrutura rígida ou fixa, mas apresenta uma geometria variável, de acordo com a
coloração ideológica de que é composto o Governo.
O critério que preside à delimitação das esferas de atribuições recíprocas dos Ministérios assume
frequentemente uma natureza mista, passando, em primeiro lugar, pela identificação dos
serviços e organismos que passam a estar submetidos à sua direção, orientação e controlo, ou, em
segundo lugar, pela individualização das áreas funcionais.
Serviços executivos
Serviços de controlo, auditoria e fiscalização
Serviços de coordenação
A criação, restruturação, fusão e extinção dos serviços é aprovada, nos termos do artigo 24.º,
n.º 1, por decreto regulamentar.
As Direções-Gerais são a espinha dorsal da organização administrativa dos Ministérios,
organizando-se, por sua vez, as Direções-Gerais em direções de serviços e divisões. O número de
Direções-Gerais varia de Ministério para Ministério. Estas Direções-Gerais são chefiadas por um
Diretor-Geral podendo ser acompanhado por um ou mais Subdiretor-Geral.
A propósito ainda da organização interna dos serviços executivos e dos serviços de controlo e
fiscalização, há que mencionar que a Lei 4/2004, de 15 de janeiro aponta para um modelo
organizacional que se desdobra em dois modelos estruturais fundamentalmente distintos:
A opção por uma estrutura internamente hierarquizada não afasta a possibilidade de, por
despacho, haver lugar à constituição de equipas de projetos temporários e com objetivos
especificados, em ordem a garantir padrões mais elevados de eficácia e flexibilidade – artigo 20.º,
n.º 3
Artigo 22.º
Estrutura matricial
1 - A estrutura matricial é adotada sempre que as áreas operativas do serviço possam desenvolver-se
essencialmente por projetos, devendo agrupar-se por centros de competências ou de produto bem
identificados, visando assegurar a constituição de equipas multidisciplinares com base na mobilidade
funcional.
Para além das missões a desenvolver diretamente pelos serviços fixos, cumpre ainda destacar as
que não se deixam reconduzir a esta lógica e que neles não se esgotam, convocando
essencialmente uma natureza ou um caráter temporário – estruturas de missão criadas por
Resolução de Conselho de Ministros - artigo 28.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3
Estas estruturas de missão têm caráter obrigatoriamente temporário e objetivos contratualizados,
dependendo de uma logística de um serviço já existente – ex.: uma Secretaria Geral
«Nem todos os órgãos e serviços do Estado exercem competência extensiva a todo o território nacional; nem todos
são, pois, órgãos e serviços centrais. Há também órgãos e serviços locais, instalados em diversos pontos do território
nacional e com competência limitada a certas áreas (circunscrições). Num caso, fala-se de administração central do
Estado; no outro, de administração local do Estado.» - FA p. 199
PERIFÉRICA // REGIONAL OU LOCAL DO ESTADO
NOTA: não confundir a Administração regional ou local do Estado com a Administração
autónoma local das autarquias locais, nem com a Administração autónoma regional dos Açores e
da Madeira.
Quando falamos da Administração regional ou local do Estado estamos a falar de uma
Administração territorialmente desconcentrada (fruto da desconcentração), ao passo que quando
falamos da Administração autónoma (territoriais ou não) são fruto da descentralização – FA p. 199
«Assim, uma coisa são as autarquias locais – municípios, freguesias, etc. – e outra são os órgãos periféricos da
administração central – que tanto podem ser órgãos locais do Estado (por ex., os «serviços de finanças», que
pertencem ao Ministério das Finanças), como os órgãos exteriores do Estado (por ex. «embaixadas» e «consulados»),
como órgãos locais de institutos públicos (por ex., as delegações regionais do INEM), como ainda órgãos externos de
empresas públicas …» - F.A. p. 282
Quanto a esta Administração podemos dizer que ao lado dos serviços e órgãos centrais, em geral
sediados em Lisboa, com competência sobre todo o território, temos órgãos e serviços
periféricos do Estado – de âmbito regional e local – órgãos e serviços regionais, distritais e
concelhios.
«(…) na periferia estão e atuam quer os órgãos e serviços locais (regionais, distritais, concelhios ou de freguesia),
quer os órgãos e serviços sedeados no estrangeiro (embaixadas, consulados, serviços de turismo, núcleos de apoio à
emigração, serviços de fomento da exportação, etc.)» - F.A. p. 281
Para efeitos da delimitação da área de competência dos órgãos regionais e locais do Estado,
procede-se à divisão do território em diversas circunscrições administrativas:
NOTA: quando se fala aqui em regiões, não são regiões administrativas, que nunca chegaram a
ser instituídas (apesar de consagradas na CRP como uma autarquia local intermédia).
Como iremos ver foi sobre o âmbito territorial destas regiões (5), que foi tentado, inicialmente,
ser desenhado o mapa das regiões administrativas. Este não teve grande sucesso, porque se
procedeu a uma divisão das regiões administrativas ERRADA, na medida em que elas estavam
desenhadas de acordo com uma separação entre o litoral e o interior. Ora, o objetivo da
descentralização administrativa é conferir mera homogeneidade territorial em termos
económicos, sociais, etc.
Desta feita, a divisão entre o litoral e o interior iria acentuar ainda mais essas diferenças a nível
social, económico, cultural e tecnológico.
A divisões administrativas especiais, por sua vez, assumem grande variedade: para efeitos
de administração hidráulica existem as bacias hidrográficas dos rios; para efeitos de
administração florestal existem as circunscrições florestais – F.A. p. 290.
«Quer dizer: para certos efeitos especiais, existem divisões do território que não coincidem com a divisão básica.» -
F.A. p. 290
Uma vez que as várias circunscrições administrativas especiais não coincidem entre si, isto torna
o sistema das divisões administrativas do nosso país extremamente confuso, complexo e
agressivo.
Norte,
Centro,
Lisboa e Vale do Tejo,
Alentejo,
Algarve
Todavia, no que respeita ao continente, existem dois critérios de desenho destas circunscrições:
Tem por base territorial este segundo modelo a administração regional do ordenamento do
território, da economia, da cultura do ambiente, etc.
No artigo 3.º (alínea a) a f)) – organiza-se o processo eleitoral conferindo uma maior
burocratização aos órgãos
A sua circunscrição territorial são as NUTS II, e uma particularidade destas Comissões é o facto
de ser uma espécie interface entre a Administração estadual e a Administração
autónoma local, para efeitos de planeamento, ordenamento do território e ambiente e ainda de
gestão dos apoios comunitários e nacionais ao desenvolvimento regional – artigo 2.º, n.º 3, alínea
b) DL 228/2012
As Comissões de coordenação e desenvolvimento regional ocupam um lugar perfeitamente
singular no espetro da Administração regional do Estado, na medida em que apresentam
características que as diferenciam dois demais serviços regionais desconcentrados do Estado:
Esta função referida está consagrada no artigo 2.º, n.º 3, alínea f) «Garantir a elaboração,
acompanhamento e avaliação dos instrumentos de gestão territorial, assegurando a sua
articulação com os instrumentos de gestão territorial de âmbito nacional e regional»
NOTA: este artigo 2.º tem como epígrafe «missões e atribuições», o que, na consideração do
prof. está errado, na medida em que quem tem atribuições são as pessoas coletivas públicas e aqui
estamos simplesmente a tratar de um organismo territorialmente desconcentrado com
competências.
Salientem-se ainda dois órgãos: o Conselho regional – artigo 7.º - órgão consultivo da
Comissão de coordenação e desenvolvimento regional (há 5 Comissões correspondentes às NUTS
II), e que tem uma natureza representativa e participativa interessante, porque ele é representativo
dos vários interesses e entidades relevantes para a prossecução dos seus fins – artigo 7.º, n.º 1
Assim, vemos que o Conselho regional, apesar de consultivo, é um órgão bastante importante na
medida em que congrega uma série de entidades representativas também noutros planos de
relevantes interesses económicos, sociais e culturais da Administração.
Todavia salienta-se ainda o Conselho de Coordenação Intersectorial. Em virtude da
proliferação de serviços periféricos da Administração do Estado, pode-se justificar a necessidade
de uma coordenação transversal dos serviços dos diferentes Ministérios e institutos públicos
nacionais a nível de cada circunscrição territorial – artigo 6.º DL 228/2012, 25 de outubro.
Em conclusão, a par das Direções regionais, as Comissões de coordenação e desenvolvimento
regional são, talvez, os organismos mais importantes da Administração periférica do Estado/ da
Administração regional do Estado.
ADMINISTRAÇÃO INDIRETA
«… é uma atividade que, embora desenvolvida para realização dos fins do Estado, é exercida por pessoas coletivas
públicas distintas do Estado.» - FA p. 200
Depois de analisar a Administração direta do Estado, quer central, quer periférica, vamos tratar
da Administração indireta do Estado.
NOTA: mais adiante vamos falar das entidades que fazem parte da Administração indireta do
Estado:
Institutos públicos – Lei n.º 3/2004, de 15 de janeiro – lei quadro dos institutos públicos
Empresas públicas – DL 133/2013, de 3 de outubro
A par da Administração direta do Estado, existe uma extensa Administração indireta constituída
por numerosos institutos públicos (fazem parte do setor público administrativo) e empresas
públicas (constituem o setor público empresarial).
Cada uma destas entidades esta adstrita a um Ministério – Ministério da tutela – cabendo ao
respetivo Ministro nomear os respetivos dirigentes, ou propor a nomeação ao Primeiro Ministro,
e exercer os respetivos poderes de superintendência e de tutela.
Por isso, cada Ministério dispõe de um número maior ou menor de «satélites administrativos»
gravitando à sua volta. Os Ministérios com um maior número de institutos públicos adstritos são
o da saúde e o do ensino superior (embora as Universidades gozem de uma grande autonomia
e de autogoverno o que as afasta da Administração indireta).
As universidades têm igualmente autonomia estatutária e, por isso, embora alguma doutrina tenda
a incluí-las numa espécie de Administração indireta com autogoverno, isso é uma contradição nos
termos – O QUE DEFINE A ADMINISTRAÇÃO AUTÓNOMA É O AUTOGOVERNO E
A AUTO ADMINISTRAÇÃO
Quando abordarmos o regime jurídico dos institutos públicos vamos ver que a par do regime geral
temos um regime especial – artigo 48.º Lei n.º 3/2004.
Podemos falar numa Administração indireta unicamente quando falamos no regime geral.
Contudo, há institutos públicos de regime especial e esses podem integrar a Administração
autónoma institucional (Universidades Públicas) e até a Administração independente
(Autoridades Reguladoras Independentes)
Assim, dizer que, genericamente, os institutos públicos constituem a Administração indireta é um
erro. Estará correto se nos referi-nos unicamente aos institutos públicos de regime geral.
ADMINISTRAÇÃO AUTÓNOMA REGIONAL
Um aspeto que a carateriza é a sua autonomia político-administrativa. Com efeito, as Regiões
Autónomas são pessoas coletivas públicas territoriais que, ao contrário das autarquias locais que
dispõem apenas de poderes administrativos, detêm poderes legislativos e poderes políticos,
dispondo também de governo próprio.
As Administrações das Regiões Autónomas têm como órgão superior, no respetivo território, os
Governos Regionais.
Alem da Administração direta regional existe uma Administração indireta regional (2)
constituída por institutos públicos regionais e empresas publicas regionais – artigo 2.º da lei
3/2004, de 15 de janeiro
A Administração indireta não é monopólio da Administração do Estado.
A Administração regional e a sua relação com a Administração do Estado
A administração regional autónoma é inteiramente independente da Administração do Estado,
uma vez que as Regiões Autónomas gozam de autonomia político-administrativa. Esta
Administração autónoma regional está apenas submetida aos seus órgãos de governo próprio, por
isso não existe qualquer forma de tutela estadual sobre a Administração autónoma regional.
Disso se distingue da Administração autónoma local – que está sujeita a tutela estadual no
continente e a tutela regional nas Regiões Autónomas.
Isto ocorre em virtude da extensa regionalização dos serviços administrativos, muito mais extensa
do que a regionalização dos poderes legislativos. A implementação de muitas leis administrativas
nacionais cabe, nas Regiões Autónomas, à respetiva Administração regional e não aos residuais
serviços administrativos do Estado territorialmente desconcentrados.
No entanto, nas Regiões Autónomas encontramos ainda serviços e órgãos pertencentes à
Administração periférica do Estado, havendo, assim, uma coabitação entre Administração própria
das Regiões Autónomas e Administração regional do Estado – mas saliente-se que o número de
serviços regionais do Estado é bastante reduzido dada a extensa regionalização de serviços a
que se procedeu, com transferência de quase todos os serviços do Estado para a Administração
autónoma regional.
Território
«Trata-se de uma tripla função: (…) identificar a autarquia local (…) definir a população respetiva (…) delimitar as
atribuições e as competências da autarquia e dos seus órgãos, em razão do lugar» - F.A. p. 410
«(…) as autarquias locais são todas, e cada uma delas, pessoas coletivas distintas do Estado. As autarquias locais
não fazem parte do Estado, não são o Estado, não pertencem ao Estado. São entidades independentes e
completamente distintas do Estado – embora possam por ele ser fiscalizadas, controladas ou subsidiadas.» - F.A. p.
409
Em primeiro lugar, a existência das autarquias locais resulta diretamente da CRP, que também
identifica os seus tipos e estatui sobre a sua organização e poderes – artigos 235.º e seguintes
CRP (ver pp. 424-426 Freitas do Amaral)
Já o desenvolvimento legislativo do regime das autarquias locais está disperso por vários
diplomas (ex.: Lei 75/2013; Lei 169/99; Lei 27/96), sendo que devemos ainda acrescentar uma
fonte importante de natureza internacional: a Carta Europeia da autonomia local –
instrumento de Direito Internacional de aplicação direta.
Durante cerca de 140 anos – de 1836 a 1974 – a Administração local era regulada por um
instrumento legislativo unitário impropriamente designado de Código Administrativo, que se
devia ao facto de na altura a função administrativa caber menos ao Estado e mais às coletividades
locais (às autarquias locais).
O Código Administrativo de 1936-1940 foi o de mais longa duração perdurou até 1974,
acompanhando a longevidade política do Estado Novo. Tratava-se de um Código centralizador e
nada democrático, tendo de ser substituído quase integralmente a partir do 25 de abril de 1974 e,
sobretudo, a partir da CRP de 1976.
Tem-se verificado codificações parciais – Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro que estabelece o
regime jurídico das autarquias locais (aprova os estatutos das entidades intermunicipais e estabelece o
regime jurídico das transferências de competências do estado para as autarquias locais e para as entidades
intermunicipais).
Este diploma veio introduzir, mas não revogar a Lei 169/99 de 18 de setembro, que é relativa
ao quadro de competências e ao regime de funcionamento dos órgãos das autarquias locais.
Ainda que bastante alterado não podemos excluir a relevância deste diploma (Lei 169/99, de 18
de setembro).
A matéria relativamente ao regime das autarquias locais, incluindo as finanças locais, é de reserva
relativa da Assembleia da República – artigo 165.º, alínea q) CRP –, ressalvando certos aspetos
que são da competência exclusiva da Assembleia da República – artigo 164.º, alíneas l), m), n)
e r) CRP.
Tipologia das autarquias locais e respetivos órgãos
São autarquias locais no continente as freguesias e os municípios; e constitucionalmente as
regiões administrativas (ainda não instituídas).
«(…) o sistema português de autarquias locais compõe-se atualmente de freguesias e municípios, devendo evoluir
para um sistema de freguesias, municípios e regiões» - F.A. p.422
Freguesias
As freguesias são autarquias locais inframunicipais, que visam a prossecução de interesses
públicos próprios da população residente em cada área paroquial. Têm como órgãos a Junta de
Freguesia (corpo administrativo comporto pelo Presidente e por um certo número de vogais) e
Assembleia de Freguesia – Lei n.º 166/99, 18 de setembro – artigo 4.º, artigo 5.º e 24.º + artigos
244.º e seguintes CRP
A Junta de Freguesia é o órgão colegial executivo (artigo 24.º Lei 166/99) e a Assembleia da
Freguesia é órgão colegial deliberativo (artigo 5.º Lei 166/99).
NOTA: «autarquias locais inframunicipais» - «queremos referir-nos à área maior ou menor a que respeitam,
não pretendendo de modo algum inculcar que entre as autarquias de grau diferente haja qualquer vínculo de
supremacia ou subordinação – não há hierarquia entre as autarquias locais; a sobreposição de algumas em relação
a outras não afeta a independência de cada uma» - F.A. pp. 422/423
Artigo 4.º
Constituição
A assembleia de freguesia é eleita por sufrágio universal, direto e secreto dos cidadãos recenseados na
área da freguesia, segundo o sistema de representação proporcional.
Artigo 5.º
Composição
1 - A assembleia de freguesia é composta por 19 membros quando o número de eleitores for superior a
20000, por 13 membros quando for igual ou inferior a 20000 e superior a 5000, por 9 membros quando
for igual ou inferior a 5000 e superior a 1000 e por 7 membros quando for igual ou inferior a 1000.
2 - Nas freguesias com mais de 30000 eleitores, o número de membros atrás referido é aumentado de
mais um por cada 10000 eleitores para além daquele número.
3 - Quando, por aplicação da regra anterior, o resultado for par, o número de membros obtido é
aumentado de mais um.
Artigo 24.º
Composição
1 - Nas freguesias com mais de 150 eleitores, o presidente da junta é o cidadão que encabeçar a lista
mais votada na eleição para a assembleia de freguesia e, nas restantes, é o cidadão eleito pelo plenário
de cidadãos eleitores recenseados na freguesia.
2 - Os vogais são eleitos pela assembleia de freguesia ou pelo plenário de cidadãos eleitores, de entre
os seus membros, mediante proposta do presidente da junta, nos termos do artigo 9.º, tendo em conta
que:
a) Nas freguesias com 5000 ou menos eleitores há dois vogais;
b) Nas freguesias com mais de 5000 eleitores e menos de 20000 eleitores há quatro vogais;
c) Nas freguesias com 20000 ou mais eleitores há seis vogais.
Uma função eleitoral – procede à eleição dos vogais da Junta (artigo 17.º, n.º 1, alínea a)
e b) Lei 75/2013, 12 de setembro)
Uma função de orientação geral, designadamente por via de aprovação de normas gerais
em matérias de interesse fundamental para a freguesia e através do exercício dos
respetivos poderes tributários
Uma função de acompanhamento e de fiscalização da atuação desenvolvida pela Junta de
Freguesia
Uma função de decisão superior em domínios subtraídos por lei à competência da Junta
Municípios
Quanto aos municípios são autarquias locais que visam a prossecução de interesses próprios da
população da circunscrição concelhia, diante de órgãos representativos por ela eleitos, sendo que
são órgãos do município a Assembleia Municipal e a Câmara Municipal (podemos destacar
ainda um órgão unipessoal que é o Presidente da Câmara Municipal) – artigos 250.º e seguintes
No que respeita às funções da Assembleia Municipal elas são previstas fundamentalmente no
artigo 25.º da Lei 75/2013, de 12 de setembro:
Bibliografia:
FREITAS DO AMARAL, Curso..., op. cit., pp. 281-284; 407-426; FREITAS DO AMARAL, Curso..., op. cit., pp.
309-357; 363-405; COLAÇO ANTUNES, A Ciência Jurídica Administrativa, op. cit., pp. 99 a 117; VITAL
MOREIRA, Administração Autónoma..., op. cit., pp. 380-408; 541-568.
Aula n.º 14 – 09-11-2020 – ‘Continuação da aula anterior. 13. Regime jurídico do associativismo autárquico.’
Temos vindo a tratar da Administração autónoma, tendo referido a sua natureza jurídica, das
fontes normativas, da tipologia das autarquias locais e dos respetivos órgãos – assinalando que
quer os municípios como as freguesias têm um órgão executivo (Câmara Municipal/ Junta de
Freguesia) e um deliberativo (Assembleia Municipal/ Assembleia de Freguesia).
Assinalamos as suas competências e funções de cada um destes órgãos e iríamos agora falar das
regiões administrativas quanto à tipologia das autarquias locais e dos respetivos órgãos.
Antes disso, refira-se a Lei 169/99, de 12 de setembro (define o quadro de competências e o regime
jurídico de funcionamento das autarquias locais) que, ao nível dos órgãos do município, mais
especificamente ao nível da Câmara Municipal (artigo 57.º), faz-nos menção de que a composição
deste órgão depende, quanto ao número de variadores, do número de eleitores na respetiva
circunscrição administrativa – o número de eleitores tem clara influência no número de variadores
e, portanto, na composição deste órgão colegial executivo.
Regiões administrativas
Estas são uma terceira autarquia local, apenas prevista na Constituição no artigo 236.º, mas que
ainda não foi instituída.
As regiões administrativas são autarquias locais supramunicipais, que visam a prossecução de
interesses próprios das respetivas populações que a lei considere serem mais bem geridos e
tutelados em áreas intermédias entre o escalão nacional e o escalão municipal.
Tem previstos, na Constituição, como órgãos a Junta Regional e a Assembleia Regional. Prevê-
se a existência de um representante do Governo, nomeado pelo Conselho de Ministros, junto
de cada uma das regiões administrativas a criar – espécie de governador civil regional. Tem,
contudo, uma constitucionalidade duvidosa, na medida em que os governadores civis já foram
extintos – artigo 262.º CRP.
É certo que a CRP diz que «pode criar», isto é, aponta para uma ideia de discricionariedade
administrativa, não estando obrigada a criar este órgão junto das regiões administrativas. Quando
se utiliza este termo entre a hipótese e a estatuição da norma vê-se que o legislador pretende
conceder ao órgão legiferante (decisor) uma certa discricionariedade (legislativa neste caso).
Contudo, desde a revisão constitucional de 1997, as regiões administrativas só podem ser
instituídas em concreto diante prévia autorização em referendo – artigo 256.º CRP, uma vez que
numa primeira tentativa, em 1998, a criação das regiões e o respetivo mapa regional não lograram
pela sua distribuição vertical e não horizontal.
Outro aspeto que vamos tratar são as atribuições locais (1), a autonomia regulamentar (2), as
finanças locais (3), os serviços administrativos locais (4), a administração indireta da
Administração local (5) e a tutela administrativa (6).
Quanto às atribuições locais (1) – para a atribuição das atribuições municipais assumem relevo
os princípios da descentralização, da subsidiariedade e da generalidade das atribuições.
Com este último princípio pretende afirmar-se que deve caber às autarquias locais todas as
atribuições, sejam a prossecução de todos os interesses específicos dessas coletividades infra
estaduais, ou seja, interesses próprios dos respetivos residentes dessa circunscrição
administrativa. É que, ao contrário dos institutos públicos, empresas públicas ou instituições
públicas, as autarquias locais não visam a prossecução de interesses específicos ou setoriais, são
sim pessoas coletivas públicas primárias/ necessárias – pessoas coletivas públicas territoriais de
fins múltiplos.
Tarefas próprias são aquelas que têm especificamente a ver com os interesses da coletividade
em causa, e que podem ser destacadas e geridas autonomamente em relação às tarefas públicas
gerais que estão confiadas à Administração do Estado. Note-se, porém, que a lei abandonou o
sistema de cláusula geral para o substituir por um elenco exemplificativo de atribuições
municipais – artigo 23.º Lei 75/2013, de 12 de setembro.
Artigo 23.º
Atribuições do município
1 - Constituem atribuições do município a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas
populações, em articulação com as freguesias.
2 - Os municípios dispõem de atribuições, designadamente, nos seguintes domínios:
a) Equipamento rural e urbano; b) Energia; c) Transportes e comunicações; d) Educação, ensino e formação
profissional; e) Património, cultura e ciência; f) Tempos livres e desporto; g) Saúde; h) Ação social; i) Habitação;
j) Proteção civil; k) Ambiente e saneamento básico; l) Defesa do consumidor; m) Promoção do desenvolvimento; n)
Ordenamento do território e urbanismo; o) Polícia municipal; p) Cooperação externa.
Na definição das atribuições municipais, a lei goza de uma relativa margem de liberdade de
conformação destas atribuições, dada a natureza relativamente imprecisa da expressão
constitucional de interesses próprios do artigo 235.º, n.º 2 CRP – esta expressão utilizada pelo
legislador constitucional é como que um conceito jurídico relativamente indeterminado, o que
confere uma margem de decisão ao legislador.
Contudo, esta margem legislativa de liberdade para desenhar o universo das atribuições
municipais deve ser de certo modo confrontada com os princípios da descentralização e da
subsidiariedade, que constituem limites relevantes à liberdade de conformação legislativa dada
pela expressão imprecisa de «interesses próprios».
Ora, quanto às finanças locais (3), as autarquias locais dispõem de autonomia financeira, no
sentido de que dispõem de meios financeiros próprios, independentes das transferências do
Orçamento do Estado, tendo também autonomia de gestão desses meios mediante um Orçamento
próprio, aprovado pelos seus próprios órgãos e aplicável também às despesas por si decididas
segundo a sua exclusiva autoridade.
Contudo, os meios financeiros próprios (ex.: impostos locais) podem não ser suficientes, não
garantindo receitas suficientes às autarquias locais para a prossecução dos interesses que lhes
estão legalmente cometidos. Daí o facto de a autonomia financeira poder exigir o reforço mediante
meios financeiros suplementares – normalmente proporcionados pelo Orçamento do Estado,
precisamente para assegurar essa coesão territorial do país.
O regime das finanças locais encontra-se estabelecido no artigo 238.º CRP e na Lei 73/2013,
de 3 de setembro, sendo que o artigo 238.º CRP define os princípios fundamentais nesta matéria,
bem como as receitas próprias que cabem às autarquias locais.
Entre os recursos próprios contam-se impostos privativos.
Quais são estes impostos privativos do município? Impostos sobre o património imobiliário, sobre
as transações imobiliárias e sobre os veículos automóveis. Mas, além destes impostos privativos,
têm também a possibilidade de aplicar taxas pelos serviços autárquicos, em que avultam as taxas
ligadas ao urbanismo e edificação (o que aumenta consideravelmente os rendimentos patrimoniais
das autarquias locais). – NÃO É POR ACASO QUE, DURANTE MUITO TEMPO, SE
CONSTRUIU EXTRAORDINARIAMENTE
Além dos recursos próprios, a lei garante aos municípios, bem como às freguesias transferências
estaduais, de acordo com certos critérios objetivos de modo a reforçar os meios financeiros das
autarquias, sobretudo tendo em conta o objetivo de ajudar as autarquias locais mais pobres.
Contam-se ainda os financiamentos comunitários: Fundo de Coesão, Fundo de Desenvolvimento
Regional, Fundo de Coesão Social Europeu.
Outro ponto a ver é o dos serviços administrativos locais (4), no qual deve ficar clara uma
leitura mais restrita e uma mais extensa, que nos permite distinguir entre os serviços
administrativos propriamente ditos dos serviços municipalizados.
As autarquias locais, como qualquer outra pessoa de coletiva de direito público, tomam decisões
mediante os seus órgãos e desempenham as suas tarefas por meio de serviços administrativos –
as decisões antes de ser tomadas têm de ser estudadas e preparadas e, depois disso, têm de ser
executadas - a preparação e execução dessas decisões cabem aos serviços administrativos.
Mas esta Lei 50/2012, de 31 de agosto refere-se, nos artigos 19.º e seguintes, às empresas públicas
municipais.
O problema é este: os serviços municipalizados eram tradicionalmente a forma de organização
administrativa dos serviços públicos locais prestados aos municípios – ex.: água, eletricidade,
saneamento, transportes coletivos – beneficiando da autonomia de gestão que lhe era conferida.
Mas, recentemente, tem-se verificado uma reconversão dos serviços municipalizados em
empresas públicas municipais, dotadas de personalidade jurídica e de regime empresarial.
Por outro lado, em alguns casos, deu-se a concessão desses serviços públicos a empresas privadas,
por um lado, e também a empresas públicas estaduais, por outro – TENDO DEIXADO DE SER
PRESTADOS PELO MUNICÍPIO DE FORMA DIRETA
A figura dos serviços municipalizados ocupou historicamente um lugar importante na
administração local; de certa maneira a Lei 50/2012 tenta recuperar essa importância, mas não há
dúvida de que a sua relevância tem dado lugar á criação de empresas públicas municipais.
O regime legal geral da tutela do Estado sobre as autarquias locais encontra-se estabelecido na
Lei 27/96, de 1 de agosto. Contudo este define unicamente o regime da tutela inspetiva, nada
estabelecendo quanto às restantes modalidades. É certo que outras modalidades podem estar e
estão estabelecidas noutras leis.
Esta Lei 27/96, de 1 de agosto é MAIS E MENOS que uma lei da tutela administrativa:
É menos do que uma lei da tutela administrativa, porque não trata de toda a tutela, mas
só da tutela inspetiva;
Por outro lado, é mais do que uma lei da tutela administrativa na medida em que
estabelece instrumentos de natureza processual contra os titulares dos órgãos autárquicos
– ex.: ações de perda de mandato ou de dissolução de órgãos autárquicos, que podem
ser propostos nos termos do artigo 11.º lei 27/96, de 1 agosto
O que está aqui em causa são ações processuais, relativas à perda de mandatos e à
dissolução de órgãos autárquicos (que obviamente não integram o conceito de tutela
administrativa) – LEI QUE É MAIS QUE UMA LEI DA TUTELA
ADMINISTRATIVA
Se esta for uma lei da tutela administrativa deve, por definição, ser exclusivamente exercida por
meios administrativos, o que não se verifica no que acabamos de ver.
O artigo 15.º Lei 27/96, de 1 de agosto, na redação que foi dada pelo Decreto-Lei 214 G/2015,
de 2 de outubro – alteração considerável ao CPTA e ao ETAF – no artigo 9.º do mesmo, passa a
ter a seguinte redação «As ações para declaração de perda do mandato e de dissolução de órgãos
autárquicos ou entidades equiparadas têm caráter urgente e seguem os termos do processo do
contencioso eleitoral, previstos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos».
Portanto, trata-se de um processo urgente principal (contencioso eleitoral) – não estamos a falar
de um processo urgente cautelar/ acessório. Assim, nós temos a ação administrativa que é o
processo normal (com a sua tramitação própria) e depois temos sobre determinadas matérias
processos urgentes atendendo à sensibilidade dos Direitos Fundamentais em causa.
Caraterísticas desta tutela administrativa, tal como vem definidos na Lei 27/96:
O objeto da aula será o tratamento das pessoas coletivas públicas que integram a Administração
indireta do Estado, mas também a Administração autónoma regional e a Administração autónoma
local.
INSTITUTOS PÚBLICOS
Desde logo, o diploma fundamental nesta matéria, com sucessivas alterações, é a Lei-Quadro
n.º 3/2004, de 15 de janeiro (última alteração em 2015)
Ora, no sentido ainda abrangente podemos definir os institutos públicos como pessoas
coletivas de Direito Público de tipo institucional, na medida em que assentam sobre uma
organização de caráter material e não em pessoas, criadas para assegurar o desempenho de tarefas/
funções administrativas – pessoas coletivas públicas de fins únicos e não de fins múltiplos –
pertencentes ao Estado ou a outra pessoa coletiva pública territorial (embora não esteja vedada a
possibilidade de outras pessoas coletivas criarem igualmente institutos).
Neste sentido, estes institutos públicos distinguem-se essencialmente de associações públicas,
porque estas têm um substrato pessoal. O substrato dos institutos públicos tanto pode ser um
serviço administrativo, um fundo ou património, um estabelecimento público ou até um
empreendimento comercial ou industrial.
Porque é que incluímos neste substrato dos institutos públicos os empreendimentos comerciais
ou industriais?
Tem sentido fazer esta referência numa perspetiva histórica, dado que em países juridicamente
cultos e próximos desde há muito que se distinguia entre institutos públicos administrativos e
institutos públicos económicos, empresariais, comerciais ou industriais.
Sendo estes últimos justamente os institutos públicos de substrato empresarial constituídos pelo
tal estabelecimento público de índole comercial/ empresarial.
Os institutos públicos são criados e extintos pelo Estado – artigos 9.º e 10.º -; e são em geral
um instrumento da entidade matriz da Administração principal que designa os seus dirigentes e
exerce superintendência e tutela sobre eles - artigos 19.º, 20.º, 41.º e 42.º da Lei-Quadro dos
institutos públicos.
Por isso mesmo, pertencem, em geral, à Administração indireta do Estado ou das Regiões
Autónomas
EXCEÇÃO:
A Lei-Quadro em grande medida, salvaguardada a exceção do artigo 48.º onde vem esta
referência aos INSTITUTOS DE REGIME ESPECIAL, consagram um regime comum dos
institutos públicos
Mas como já se disse isso não equivale a abranger todos os institutos públicos, uma vez que pode
haver institutos públicos autónomos, como as Universidades, e institutos públicos independentes,
como as autoridades reguladoras independentes (que integram a Administração independente).
Para além das pessoas coletivas públicas territoriais (neste caso: Estado e Regiões Autónomas –
dado que as autarquias não podem criar institutos públicos), em teoria, também as associações
públicas podem ser titulares de institutos públicos; e até os próprios institutos públicos podem ter
uma espécie que se designa por sub institutos, que se criam por lei.
Portanto, neste sentido poderíamos dizer que os institutos públicos não gozam de garantia
institucional na lei fundamental, sendo apenas referidos no artigo 227.º, n.º 1, alínea o) CRP a
propósito das Regiões Autónomas.
A EXCEÇÃO a esta mesma afirmação são as Universidades, que gozam de garantia institucional
como institutos autónomos nos termos do artigo 76.º CRP, não podendo, por isso, estes serem
transformados em serviços diretos ou indiretos da Administração do Estado – Lei-Quadro n.º
3/2004 + artigo 76.º, n.º 2 CRP.
Artigo 10.º
Requisitos e processos de criação
2 - A criação de um instituto público será sempre precedida de um estudo sobre a sua necessidade e implicações
financeiras e sobre os seus efeitos relativamente ao sector em que vai exercer a sua atividade.
Os institutos públicos podem ser doutrinariamente tidos de várias maneiras de acordo com o seu
substrato. A doutrina, de acordo com este critério, distinguia 3 modalidades:
Funções reguladoras
(ex.: instituto da vinha e do vinho; institutos da farmácia e do medicamento)
Conselho Diretivo (artigo 18.º Lei-Quadro 3/2004 - órgão executivo) – órgão principal
Conselho Fiscal (artigos 26.º a 28.º Lei-Quadro 3/2004 - órgão de fiscalização)
Podem ter a criação de um Conselho Consultivo (artigo 29.º a 32.º Lei-Quadro 2004 -
órgão consultivo)
Por via de regra, os titulares dos órgãos dos institutos públicos são livremente nomeados e
exonerados pelo Governo; e o seu mandato é 5 anos, salvo demissão ou destituição – artigo 19.º,
n.º 4 e 20.º, n.º 1 Lei-Quadro n.º 3/2004
Como elementos da Administração indireta, os institutos públicos (de regime comum) estão
sujeitos a tutela e superintendência – artigos 41.º e 42.º da Lei-Quadro. A tutela é particularmente
intensa no que respeita à gestão financeira e em geral encontram-se adstritos a um ministério em
particular, designado ministério da tutela.
Existem algumas categorias de institutos públicos com regimes especiais . Uma coisa são
os institutos públicos de regime comum e outra são os institutos públicos de regime especial. São
estes últimos que podem dar lugar a formas de organização administrativa diferente
(Administração autónoma e independente) – artigo 48.º da Lei-Quadro n.º 3/2004.
Podem existir, portanto, alguns institutos públicos com regimes especiais mais ou menos
divergentes do previsto na Lei-Quadro, entre os quais contam os estabelecimentos de ensino
superior (universidades e escolas de ensino superior politécnico), os estabelecimentos do SNS e,
ainda, as instituições públicas de solidariedade e segurança social.
Artigo 48.º
Normas especiais
1 - Gozam de regime especial, com derrogação do regime comum na estrita medida necessária à sua
especificidade, os seguintes tipos de institutos públicos:
a) As universidades e escolas de ensino superior politécnico;
b) As instituições públicas de solidariedade e segurança social;
c) Os estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde;
d) (Revogada.)
e) (Revogada.)
f) (Revogada.)
Falarmos em categorias especiais de institutos públicos, significa que, além dos institutos públicos
de estatuto comum, a Lei-Quadro reconhece algumas categorias de institutos públicos de regime
especial – previstas no artigo 48.º da Lei Quadro n.º 3/2004, de 15 de janeiro.
EM SUMA:
Assim, por um lado, há que distinguir os institutos públicos de regime comum que integram a
Administração indireta e os institutos públicos de regime especial que podem integrar outros tipos
de Administração, nomeadamente a Administração autónoma institucional, como acontece com
as Universidades; ou a Administração independente, como acontece com as entidades
administrativas independentes (que apesar de eliminadas erraticamente).
EMPRESAS PÚBLICAS
Para começar, em sentido genérico, são empresas públicas todas as organizações económicas
criadas com capitais públicos, ou dominadas pelo poder público, e organizadas sobre forma
empresarial, independentemente da sua configuração jurídico-institucional.
Num sentido menos amplo só podemos falar de empresas públicas quando essas organizações
forem dotadas de personalidade jurídica, com autonomia de gestão (nomeadamente em matéria
de propriedade, liberdade contratual, responsabilidade), embora sob controlo dos órgãos da
Administração Pública. Neste sentido restrito a expressão exclui os serviços e estabelecimentos
públicos empresariais desprovidos de personalidade jurídica. Por isso é que nós, ao contrário
do Professor Freitas do Amaral, consideramos que os serviços municipalizados não integram a
noção de empresa pública.
Entre nós, a noção de empresa pública nasceu no final do Estado Novo, sobre a forma de entidades
públicas empresariais, dotadas de capital próprio, personalidade jurídica de Direito Público e de
uma gestão empresarial. Portanto, resultaram da desagregação dos institutos públicos
empresariais, dando ligar às entidades públicas empresariais.
Na altura constitui uma novidade, visto que os serviços públicos de natureza económica,
nomeadamente os serviços públicos prestacionais (ex.: CTT), revestiam até aí a natureza de
institutos públicos, estando por isso sujeitos a um regime de gestão administrativa.
Depois de 1974, a generalidade das empresas assumiu este modelo de entidade pública
empresarial (DL 260/76), sendo que, a partir dos anos 80 e sobretudo nos finais dos anos 80, as
empresas públicas começaram a transformarem-se em sociedades de capitais públicos, tendo em
vista a sua privatização – MODELO ESTE QUE SE TORNOU UM MODELO PRINCIPAL
DE EMPRESA PUBLICA.
Deve observar-se, porém, que não existe uma coincidência entre setor empresarial
público e empresas de serviço público. Nem todas as empresas públicas são empresas de
serviço público, dado que há muitas empresas públicas que não têm a incumbência da prestação
de serviços públicos. Por outro lado, nem só as empresas públicas podem ser empresas de serviço
público – pode haver concessão de serviços públicos a empreas privadas.
Quanto à sua estrutura orgânica, ela vem definida no artigo 60.º, apontando para a ideia de
que a administração e fiscalização das entidades públicas empresariais deve estruturar-se segundo
as modalidades e com as designações previstas paras as sociedades de capitais públicos (pessoas
coletivas de direito privado)
ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS
As associações públicas fazem parte da Administração autónoma associativa/ Administração
autónoma não territorial – referimo-nos, essencialmente, às ordens profissionais, cujo diploma
que rege esta matéria é a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro.
Artigo 45.º
Tutela administrativa
1 - As associações públicas profissionais não estão sujeitas a superintendência governamental nem a tutela de
mérito, ressalvados, quanto a esta, os casos especialmente previstos na lei.
2 - As associações públicas profissionais estão sujeitas a tutela de legalidade idêntica à exercida pelo Governo
sobre a administração autónoma territorial.
3 - A lei de criação ou os estatutos de cada associação pública profissional estabelecem qual o membro do Governo
que exerce os poderes de tutela sobre cada associação pública profissional.
4 - Ressalvado o disposto no número seguinte, a tutela administrativa sobre as associações públicas profissionais é
de natureza inspetiva.
(…)
Ao contrário das associações privadas, que são expressão de uma liberdade de associação, as
associações públicas são uma expressão do poder do Estado para congregar oficialmente certas
categorias de particulares e incumbi-los unilateralmente do exercício de certos poderes públicos.
Podemos sintetizar que, com as associações públicas a lei entrega a organizações de sujeitos
privados a prossecução de um interesse público que coincide pelo menos parcialmente com os
interesses particulares dos seus membros – POR ISSO CONSTITUTEM UM FENOMENO
DE ADMINISTRAÇÃO AUTONOMA
Para além das administrações públicas profissionais, nós podemos constatar associações públicas
económicas, culturais (de academias), de assistência e Segurança Social, desportivas, religiosas.
A legislação que lhe respeita é reserva relativa da Assembleia da República – artigo 165.º,
n.º 1, f)
Só podem ser constituídas para a satisfação de necessidades específicas – artigo 267.º,
n.º 4;
Não podem exercer funções próprias das associações sindicais – artigo 267.º, n.º 4 CRP;
A sua organização interna deve basear-se no respeito dos direitos dos seus membros e na
formação democrática dos seus órgãos.
Artigo 4.º
Natureza e regime jurídico
1 - As associações públicas profissionais são pessoas coletivas de direito público e estão sujeitas a um regime de
direito público no desempenho das suas atribuições.
2 - Em tudo o que não estiver regulado na presente lei e na respetiva lei de criação, bem como nos seus estatutos,
são subsidiariamente aplicáveis às associações públicas profissionais:
a) No que respeita às suas atribuições e ao exercício dos poderes públicos que lhes sejam conferidos, o Código do
Procedimento Administrativo, com as necessárias adaptações, e os princípios gerais de direito administrativo;
b) No que respeita à sua organização interna, as normas e os princípios que regem as associações de direito
privado.
Assim, aplica-se aqui, também, um regime de Direito Privado, mas aplica-se, essencialmente, o
regime de Direito Público.
Portanto, no que respeita aos poderes que são atribuídos por lei convém notar que estas gozam de
um conjunto de poderes que lhes são atribuídos por lei e que são fundamentais para a configuração
jurídicas das associações públicas profissionais. Primeiramente, gozam do privilégio da
unicidade – artigo 13.º, n.º 1 Lei 2/2013 -, o que significa que só pode haver uma associação
pública para prosseguir cada interesse por essa forma no país.
Em segundo lugar beneficiam do princípio da obrigatoriedade de inscrição para o exercício
da função – artigo 24.º, n.º 1.
Depois podem impor cotização obrigatória. No caso das ordens profissionais, controlam o
acesso à profissão do ponto de vista deontológico; exercem sobre os seus membros poderes
disciplinares, que podem ir até à interdição do exercício da profissão, nos termos do artigo 25.º,
n.º 2.
Ora, numa primeira aproximação ampla são administrações independentes todas as entidades
administrativas que definem elas mesmas a sua orientação, claro que dentro das atribuições e
competências estabelecidas pela CRP e pela lei, sem receberem orientações heterónomas e sem
estarem sujeitas ao controlo de outras entidades quanto ao modo como prosseguem os seus fins
ou exercem as suas atividades – ESTÁ EXCLUÍDA QUALQUER TUTELA DE MÉRITO
Cabem aqui todas as entidades administrativas territoriais e até as demais formas de
Administração autónoma.
Porém, quando falamos de entidades administrativas independentes (artigo 267.º, n.º 3 CRP) não
estamos a falar neste sentido amplo. Quando nos referimos às entidades administrativas
independentes em sentido próprio (estrito) elas não correspondem à autoadministração de
coletividades territoriais ou funcionais, porque não representam fenómenos de administração
autónoma.
Por outro lado, embora tratando-se, em geral, de prosseguir fins do Estado por meio de entidades
por ele criadas, elas estão longe, contudo, de corresponder ao paradigma da Administração
indireta, porquanto não se encontram numa situação de dependência/instrumentalidade, antes
gozando de uma substancial independência perante à Administração do Estado – NÃO ESTÃO
SUJEITAS A SUPERINTENDÊNCIA NEM A CONTROLO DE MÉRITO
Assim, compartilham as características da Administração autónoma sem, no entanto, serem uma
expressão da autodeterminação própria da Administração autónoma.
No fundo a Administração independente tem características que a aproxima da Administração
autónoma, sem, no entanto, corresponder a expressões desta, por não haver formas e
autoadministração ou de autogoverno.
Noutra mão, apesar de as entidades administrativas independentes serem criadas pelo Estado para
realizarem tarefas administrativas que lhe competem (ao Estado), estão isentas de subordinação
e controlo, como se se tratasse de Administração autónoma.
Há aqui uma ideia de instrumentalização, na medida em que são entidades realizam tarefas e
funções administrativas que competem ao Estado, mas que, ao mesmo tempo, o Estado isenta de
qualquer subordinação ou controlo, o que as afasta da Administração indireta.
Têm elementos que se aproximam da Administração indireta sem constituírem Administração
indireta; e têm elementos de Administração autónoma, sem, no entanto, constituírem
Administração autónoma, por não gozarem da autoadministração nem do autogoverno que dão a
matriz à Administração autónoma.
A filosofia que lhe está subjacente encontra-se na preocupação de assegurar a
desgovernamentalização e a neutralidade política de certas esferas administrativas, vedando a
intervenção governamental nestas esferas.
Os seus titulares nem sempre são nomeados pelo Governo, podendo ser nomeados pelo
Parlamento – ex.: autoridades de garantia de certos Direitos Fundamentais
Se as autoridades reguladoras independentes têm os seus membros designados pelo Governo, já
as autoridades de garantia de certos Direitos Fundamentais têm os seus membros também
nomeados pelo Parlamento.
Não devem obediência a nenhum outro órgão, e a sua atividade não está sujeita a
superintendência alheia ou de controlo de mérito – artigo 45.º Lei-quadro 67/2013
Bibliografia:
FREITAS DO AMARAL, Curso..., op. cit., pp. 309-357; COLAÇO ANTUNES, A Ciência Jurídica Administrativa,
op. cit., pp. 99 a 117; VITAL MOREIRA, Administração Autónoma..., op. cit., pp. 380-408; 541-568; J. COUTINHO,
O Público e o Privado na Organização Administrativa, Coimbra, 2017, p. 401-438; PAULO OTERO, "Institutos
públicos", in DJAP, vol. V, pp. 250-273.
Aula n.º 16 – 16-11-2020 – ‘16. As associações públicas: definição, modalidades e organização. 17. A
Administração independente. 18. As entidades administrativas de direito privado e o exercício privado de funções
públicas.’
NOTA: A Lei-quadro das Autoridades Administrativas Independentes, ainda que apenas com
funções de regulação da atividade económica, tem um regime apenas relativo a uma das
modalidades das Entidades Administrativas Independentes: autoridades reguladoras
independentes
Mas, no artigo 3.º, n.º 3 da Lei 67/2013, vêm enumeradas as autoridades reguladoras
independentes: autoridade da concorrência, institutos de seguros de Portugal, instituto nacional
de aviação civil, entidade reguladora da saúde, etc.
Agora, por um lado, estas dependem mais do Governo, por outro lado, atuam mais no campo
económico-financeiro.
Por outro lado, a segunda modalidade, relativa às autoridades de garantia de certos Direitos
Fundamentais, são normalmente criadas pela Assembleia da República e funcionam junto dela,
sendo os seus titulares eleitos por ela, e cujas suas funções consistem em assegurar a proteção de
certos Direitos Fundamentais.
Foi relativamente a estes problemas que, no fundo, o artigo 277º, n.º 3 CRP veio procurar
resolver, consagrando expressamente a criação de Entidades Administrativas Independentes.
Estas Entidades Administrativas Independentes são, então, criadas por lei (artigo 7.º da Lei
67/2013), podendo, a ver do professor, tratar-se de um Decreto-Lei governamental, visto que a
CRP não parece estabelecer nenhuma reserva de competência parlamentar nesta matéria, salvo
no caso especial da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, prevista diretamente na
Constituição.
As Entidades Administrativas Independentes tanto podem ter personalidade jurídica como não:
No entanto, a Administração Independente tem limites (artigo 6.º), quer quanto à amplitude dos
seus poderes, quer quanto ao número e extensão dos setores administrativos que lhe são confiados.
Quanto à amplitude dos seus poderes, devemos notar, desde logo, que as autoridades
administrativas independentes:
Não podem ter poderes normativos nos domínios de reserva de lei;
Nem podem ter poderes jurisdicionais, que devem caber aos tribunais;
Nem devem ter poderes que se traduzam numa forma de desoneração das
funções de definição das orientações básicas da Administração, que
constitucionalmente cabem ao Governo (artigo 199.º CRP)
No que respeita ao número e extensão dos setores administrativos que lhe são
confiados, deve entender-se que vigora o princípio segundo o qual as autoridades
administrativas independentes não podem seguir um princípio geral da organização
administrativa.
Elas devem ser sempre uma solução especial, e mesmo excecional, devidamente
justificada, para esferas contadas da Administração.
É que, para além do mais, é necessário não esquecer que nos casos da Administração
Independente estamos perante fenómenos de eliminação/moderação da responsabilidade
democrática destas entidades, justificada pela independência e imparcialidade, ligadas à sua
legitimidade técnico-profissional.
Nota-se aqui já uma certa preocupação de criar uma maior democratização destas entidades,
com a envolvência do Parlamento, ainda que de uma forma não muito intensa: há aqui algum
escrutínio parlamentar, mas continuam a não ser eleitos pelo próprio Parlamento, como acontece
já em alguns países.
Isto deve-se ao «mito de a sua legitimidade» decorrer de uma certa autolegitimação pessoal dos
seus membros, ou seja, uma espécie de legitimação técnica que é um pouco alheia à legitimação
democrática, que carateriza a Administração comum e que torna o Governo responsável por ela
em relação ao Parlamento.
NOTA: no artigo 5.º da Lei 67/2013 vem explícito o regime jurídico destas entidades; no artigo
7.º vem a sua criação e ainda, quanto aos limites desta criação, deve referir-se o artigo 6.º, n.º 1 e
n.º 2.
O artigo 9.º refere ainda o ministério responsável (Ministério da Tutela); o artigo 10.º é relativo
aos órgãos e a partir do artigo 15.º temos a organização dos seus serviços (como funcionam os
respetivos órgãos e serviços).
Note-se que o mandato destas entidades é mais longo do que no caso dos institutos públicos (6
anos), sendo irresponsáveis e inamovíveis pelas opiniões e decisões que tomarem no exercício
das suas funções - artigo 20.º
Para já tem incidido sobre o setor empresarial público, mas começa a verificar-se alguma
privatização no setor público administrativo, o que acentuaria de forma dramática a privatização
organizatória da Administração.
Estas entidades administrativas privadas são de criação pública, têm composição pública, têm
financiamento público e têm missão pública. No entanto, não são pessoas coletivas de Direito
Público, mas pessoas coletivas de Direito Privado, estando em quase tudo sujeitas a este: quer
quanto ao património, quanto à gestão financeira, quanto aos contratos, quanto à responsabilidade
civil extracontratual, quer quanto às vias de execução das dívidas, etc.
QUESTÃO: A proliferação destas entidades pode levar-nos a algum problema de
inconstitucionalidade?
Crê-se que não: a admissibilidade constitucional destas entidades administrativas privadas, em
princípio, não suscita objeções, uma vez que, pese embora a CRP não as preveja, também não as
proíbe explicitamente, nem impõe que a Administração Pública consista somente em
organizações jurídico-públicas.
Estas entidades não podem ser criadas para o desempenho de tarefas públicas, que
por natureza não podem deixar de ser prosseguidas por entidades públicas.
Isto se se entender que o núcleo duro da constituição administrativa consagra uma reserva
constitucional das entidades de Direito Público (artigos 266.º a 272.º CRP).
O limite tem de ser posto à luz, em termos constitucionais, de uma defensável reserva
constitucional.
Para terminar, apesar de criadas e regidas pelo Direito Privado, não deixam de ser entidades
administrativas – pertencem à organização administrativa e desempenham tarefas administrativas
– pelo que não podem fugir à vinculação aos Direitos Fundamentais e ao respeito pelos princípios
fundamentais da atividade administrativa, nomeadamente aos princípios da imparcialidade, da
igualdade de tratamento, da proporcionalidade, etc.
Por mais ampla que seja a liberdade de escolha das formas organizatórias de administração
privada, esta não pode servir de expediente para contornar os princípios constitucionais relativos
à organização e à atividade da Administração Pública – ENTENDIMENTO MAIS RAZOÁVEL
QUE CORRESPONDE À LETRA E AO ESPÍRITO DA LEI FUNDAMENTAL
Conclui-se dizendo que: é claro que esta forma de participação de privados em tarefas
administrativas tem-se vindo a desenvolver e a cobrir outras áreas. Se, inicialmente, só abrangia
determinadas infraestruturas, bem como os tradicionais serviços públicos de rede, energia, água,
saneamento e telecomunicações, hoje estas figuras têm sido aplicadas a estabelecimentos públicos
na área social e cultural (de saúde; escolas).
A participação e este desempenho de tarefas públicas por particulares pode assumir formas
jurídico-públicas e formas jurídico-privadas.
As entidades privadas que sejam beneficiárias da delegação de tarefas públicas podem revestir
vários tipos: sociedades comerciais, cooperativas, associações ou fundações.
É certo que a CRP, nos termos do artigo 267.º, n.º 6, aponta para que a relação jurídico-
administrativa que se estabelece entre o poder público e a entidade delegatária de tarefas públicas
possa envolver um controlo do primeiros sobre o segundo, a qual podemos reconhecer como uma
relação de tutela e de superintendência.
NOTA: Há quem considere que estas entidades fazem parte da Administração Indireta (seriam
uma espécie de administração indireta privada). Crê-se que não – quanto muito são Administração
Indireta em sentido funcional, desempenhando funções e tarefas administrativas, mas não
integrando orgânica e subjetivamente a Administração (267.º, n.º 6 CRP)
Para concluir, apesar de haver, atualmente, uma credencial constitucional, nos termos do artigo
267.º, n.º 6 CRP, a nosso ver isso não valida toda e qualquer transferência de tarefas públicas/
administrativas para o setor privado – devem ficar excluídas as matérias que a CRP reserva
expressa ou implicitamente aos poderes públicos enquanto tais.
O exercício de tarefas administrativas por entidades particulares NÃO SE PODE TORNAR O
PRINCÍPIO/REGRA. São necessárias, a CRP legitima-as, mas não se pode tornar numa forma
hegemónica de atuação administrativa, sob forma de nos confrontarmos com uma forma
inadmissível ou inconstitucional o sentido útil do texto constitucional.
Bibliografia:
COLAÇO ANTUNES, O Direito Administrativo e a sua Justiça no Início do Século XXI, op. cit., pp. 15 a 32;
FREITAS DO AMARAL, Curso..., op. cit., pp. 363-406; COLAÇO ANTUNES, A Ciência Jurídica Administrativa,
op. cit., pp. 99 a 117; VITAL MOREIRA, Administração Autónoma..., op. cit., pp. 380-408; 541-568; J.
COUTINHO, O Público e o Privado na Organização Administrativa, op. cit., p. 665 e ss.
Aula n.º 17 - 17-11-2020 – ‘19. Os órgãos administrativos - noção, funções e tipologia. As regras de
funcionamento dos órgãos colegiais. 20. Atribuições e competências. Definição e distinção. O caso especial do
Estado face à organização horizontal do Governo por Ministérios relativamente independentes. 20.1. A competência
em particular. 21. Da delegação de poderes. 22. Noção e natureza jurídica da delegação de poderes; regime
jurídico; suplência e substituição de órgãos. 23. Conflitos de atribuições e de competências.’
Quando se fala em formas de cooperação interadministrativa quer-se dizer que hoje em dia os
organismos administrativos estabelecem frequentemente relações de cooperação entre si para a
prossecução de interesses comuns entre si – genericamente pode designar-se estes esquemas por
parcerias jurídico-públicas.
Esta cooperação tanto pode revestir-se de ocasionalidade e, nesse caso, reveste, em princípio, a
forma contratual ou para-contratual (ex.: protocolos e iniciativas comuns), como pode revestir
formas mais estáveis e institucionais, mediante a criação de organismos administrativos conjuntos
ou então a participação de organismos administrativos na vida de outras entidades
administrativas.
Artigo 63.º
Natureza e fins
1 - Podem ser instituídas associações públicas de autarquias locais para a prossecução conjunta das
respetivas atribuições, nos termos da presente lei.
2 - São associações de autarquias locais as áreas metropolitanas, as comunidades intermunicipais e as
associações de freguesias e de municípios de fins específicos.
3 - São entidades intermunicipais a área metropolitana e a comunidade intermunicipal.
Ora, sobre este aspeto pontualiza-se:
Por um lado, ao contrário do que diz o legislador quando refere «podem ser instituídas associações
públicas», nós adotamos um conceito de associação pública mais estrito, uma vez que a
associação pública em sentido próprio pressupõe um substrato de entidades particulares. Quando
se trata de associações entre entidades administrativas parece mais apropriado fala-se em
consórcios públicos/ formas de cooperação interadministrativa – aqui o substrato não
é o de entidades particulares, mas sim de entidades públicas.
Entende-se que se deve distinguir esta forma associativa entre entidades administrativas daquelas
outras que se consideram associações públicas em sentido próprio.
Já as comunidades intermunicipais são tratadas a partir do artigo 80.º da Lei 75/2013. Estas,
não deixando de ter atribuições e órgãos próprios (artigo 81.º e 83.º e ss.), nos termos do artigo
80.º, n.º 2, constituem-se por contratos nos termos previstos na Lei Civil, sendo outorgantes os
Presidentes dos órgãos dos municípios envolvidos.
NOTA: estas entidades que consubstanciam uma certa forma de associativismo autárquico (área
metropolitana e as comunidades intermunicipais) no nosso ver são formas sui generis de
associações de municípios compreendidos nas respetivas áreas de influência. Assim, não se trata
da criação de novas autarquias locais (definidas no artigo 236.º CRP – freguesias, municípios e
regiões administrativas) – SERIA INCONSTITUCIONAL EM VIRTUDE DA TIPICIDADE
DAS AUTARQUIAS LOCAIS
Não são associações públicas também, mas mais consórcios públicos; não constituem a criação
de novas autarquias locais – o que seria inconstitucional como já visto.
Dito isto vamos ver como funcionam por dentro as pessoas coletivas de Direito Público que são
o elemento principal da Administração:
As pessoas coletivas são dirigidas por órgãos, cabendo-lhes tomar decisões em nome da pessoa
coletiva que integram – manifestar a vontade imputável a essa pessoa coletiva. São eles (órgãos)
que realizam as atribuições da pessoa coletiva pública respetiva, mediante o exercício de
competências que lhes tenham sido conferidas para esse efeito.
Pode haver pessoas coletivas com um único órgão, mas a regra geral é a constatação de que as
pessoas coletivas de Direito Público possuem vários órgãos (executivos, deliberativos, dirigentes,
subordinados, principais, auxiliares), o que significa que esta pluralidade de órgãos implica uma
repartição de competências entre eles – uma espécie de separação de poderes.
Órgãos centrais: são aqueles que têm competência sobre todo o território nacional
Órgãos locais: têm a sua competência limitada a uma circunscrição administrativa
Órgãos primários: são aqueles que dispõem de competência própria para decidir as
matérias que lhes estão confiadas
Órgãos secundários: apenas dispõem de competências delegada
Órgãos vicários: exercem a sua competência por substituição de outros órgãos
Órgãos representativos: aqueles cujos titulares são livremente designados por eleição
Órgãos não representativos: os restantes
Órgãos ativos: são aqueles a quem compete tomar decisões ou executá-las – aqueles que
consubstanciam a administração ativa
Órgãos consultivos: fazem parte da administração consultiva, e cuja função é dar
pareceres e opiniões de modo a esclarecer os órgãos ativos, fornecendo-lhes os
conhecimentos necessários
Órgãos de controlo: fiscalizam a regularidade do funcionamento dos outros órgãos
Depois existem ainda órgãos (ativos) decisórios ou executivos e deliberativos (no caso de serem colegiais) / órgãos
permanentes ou temporários/ órgãos simples ou complexos – Freitas do Amaral pp. 628/629
Desde logo o artigo 20.º, n.º 1 CPA refere os elementos estruturais do órgão: «1 – São órgãos da
Administração Pública os centros institucionalizados titulares de poderes e deveres para efeitos da prática
de atos jurídicos imputáveis à pessoa coletiva.».
O exposto no artigo 20.º, n.º 3 CPA deve-se à variedade de órgãos e trata-se de uma faculdade e
não de uma vinculação – há aqui alguma margem de liberdade de decisão e de discricionariedade.
«Durante décadas, não houve em Portugal nenhum diploma legislativo que regulasse de forma genérica o regime
jurídico da constituição e funcionamento dos órgãos colegiais da Administração Pública (…) A situação inverteu-se
em 1991 com o primeiro Código do Procedimento Administrativo (…)» - F.A. p. 630
No artigo 22.º CPA temos a suplência do Presidente e do Secretário. Quando ocorra ausência ou
impedimento destes membros eles são substituídos pelo vogal mais antigo (no caso do
Presidente) e pelo vogal mais moderno (no caso do Secretário) – o vogal mais moderno é aquele
que mais recentemente adquiriu o grau.
Há que atender também que há dois tipos de reuniões: reuniões ordinárias e reuniões
extraordinárias (artigo 23.º CPA).
Normalmente cabe ao Presidente a fixação e as horas das reuniões ordinárias (n.º 1) ou pode
o órgão deliberar que as reuniões ordinárias sejam realizadas todos os meses na primeira quarta
feira de cada mês. De qualquer modo, qualquer alteração do dia ou da hora fixada para essas
reuniões deve ser comunicada a todos os membros do órgão.
Quando às reuniões extraordinárias, são convocadas ad hoc (quando há assuntos urgentes
para tratar). Tambem aqui compete, em princípio, a convocatória ao Presidente, salvo disposição
em especial, sendo de salientar, nos termos do artigo 24.º, n.º 2, que o Presidente é obrigado a
proceder à convocação sempre que pelo menos 1/3 dos vogais o solicitem por escrito, invocando
o assunto que desejam ver tratado.
É de salientar o n.º 5, que prevê a solução para os casos em que o Presidente não procede à
convocação requerida no n.º 2, podendo o requerente, neste caso, invocá-la diretamente, com
invocação dessa circunstância. Trata-se de dar uma resposta àquelas situações de recusa ou
conduta omissiva por parte do Presidente quanto à convocatória que teria sido solicitada nos
termos do n.º 2 do artigo 24.º
Nos termos do n.º 6, a convocatória efetuada de acordo com o disposto no número anterior deve
ser feita com antecedência mínima de 48 horas.
Qualquer órgão colegial só pode deliberar em reunião formalmente convocada e realizada, sendo
por isso inexistentes quaisquer pretensas decisões tomadas por auscultação telefónica, ou por
circuito integrado de televisão, por exemplo.
Outro aspeto importante é a ordem do dia – artigo 25.º CPA - documento onde se fixam as
matérias a tratar na reunião. É esta a sua grande finalidade no sentido de delimitar o objeto das
reuniões, sob pena de ilegalidades – só se podem tratar, em princípio, os temas agendados na
ordem do dia.
A ordem do dia é estabelecida pelo Presidente nos termos do artigo 25.º, n.º 1, e salvo disposição
em contrário, deve incluir os assuntos que para esse fim forem invocados por qualquer vogal
desde que sejam da competência do órgão e desde que o pedido tenha sido apresentado por escrito
com uma antecedência mínima de 5 dias sobre a data da reunião.
Quanto ao objeto da deliberação, nos termos do artigo 26.º CPA, só podem ser tomadas
deliberações cujo objeto se inclua na ordem do dia da reunião.
EXCEÇÃO no n.º 2 do artigo 26.º – só se aplica às reuniões ordinárias – excetua-se o disposto
no número anterior os casos em que, numa reunião ordinária, pelo menos 2/3 dos membros do
órgão reconheçam a urgência da deliberação imediata sobre um assunto não incluído na ordem
do dia – este juízo de urgência deve ser devidamente fundamentado.
No artigo 27.º CPA estabelece-se que, em princípio, as reuniões não são públicas, mas quando a
lei o determinar, ou o órgão tiver deliberado nesse sentido, os assistentes às reuniões públicas
podem intervir para comunicar ou pedir informações ou expressar opiniões sobre assuntos
relevantes da competência daquele (ex.: artigo 49.º, n.º 2 Lei 75/2013)
A violação das disposições sobre convocação de reuniões, incluindo as relativas aos prazos, gera
a ilegalidade das deliberações tomadas, salvo se todos os membros do órgão comparecerem à
reunião e nenhum suscitar oposição à sua realização – artigo 28.º CPA
O artigo 29.º CPA fala do quórum de reunião/ de funcionamento. Neste sentido o n.º 1 diz
que os órgãos colegiais só podem, em regra deliberar quando esteja presente a maioria do número
legal dos seus membros com direito a voto - exige-se aqui a presença de um número mínimo de
membros para que o órgão possa funcionar legitimamente.
Nos termos do n.º 3 sempre que se não disponha de forma diferente, os órgãos colegiais reunidos
em segunda convocatória podem deliberar desde que esteja presente um terço dos seus membros
com direito a voto.
É importante o n.º 4 – o quórum dos órgãos colegiais compostos por três membros é sempre de
dois, mesmo em segunda convocatória. É certo que aqui pressupõe-se que, em caso de empate,
um dos membros tenha um voto de qualidade, porventura, desde logo, por ser o vogal mais
antigo na categoria.
Nos termos do artigo 30.º CPA, salvo determinação da lei em contrário, noa órgãos consultivos
da Administração não são permitidas abstenções; dizendo-se o mesmo quando se trate de órgãos
deliberativos a exercer funções consultivas.
Quanto às formas de votação – artigo 31.º CPA: pode ser nominal (pública) ou por
escrutínio secreto (deve aplicar-se quando estejam em causa comportamentos ou qualidades
de pessoas – n.º 2 – ex.: deliberação sobre a aplicação de uma sanção disciplinar)
NOTA: Como se fundamenta uma deliberação votada por escrutínio secreto? Neste caso, o
Presidente do órgão elabora a fundamentação tendo presente a discussão que foi feita
anteriormente (discussão que tiver antecedido a votação por escrutínio direto).
É importante ainda atender ao n.º 4 do artigo 31.º CPA que diz que não podem estar presentes no
momento da discussão, nem da votação os membros do órgão que se encontrem ou se considerem
impedidos.
Quanto ao quórum deliberativo – artigo 32.º CPA questiona-se: qual maioria exigida nas
deliberações para que sejam válidas?
As deliberações são tomadas por uma maioria absoluta de votos dos membros presentes à reunião,
salvo nos casos em que, por disposição legal ou estatutária, se exija maioria qualificada ou seja
suficiente maioria relativa – artigo 32.º, n.º 1 CPA.
Portanto, há três formas de deliberar: por maioria absoluta (regra), por maioria qualificada
(quando a lei exige) ou através de uma maioria relativa.
Quando se trata de uma maioria absoluta aponta-se para a ideia de que têm que estar
reunidos mais de metade dos membros presentes – o número dos que votam a favor tem
que se superior ao dos que votam contra ou se abstêm.
Na maioria relativa – o que está em jogo são mais votos a favor do que contra, mas
excluem-se os que se abstêm – a maioria calcula-se em função dos que votam somente a
favor ou contra (pelo que não se impõe que mais de metade do total de membros vote a
favor)
Ao contrário da maioria absoluta, só se contabilizam os que votam (a favor ou contra).
Se se verificar um empate numa votação, o Presidente tem voto de qualidade (artigo 33.º, n.º
1 CPA). Se por acaso o empate se verificar numa votação por escrutínio secreto inicia-se uma
nova votação e se o empate se mantiver adia-se.
Nos termos do artigo 33.º, n.º 3 CPA, se, na primeira votação da reunião seguinte, se mantiver o
empate, procede-se a votação nominal, na qual a maioria relativa é suficiente.
Por último temos a ata da reunião (artigo 34.º CPA) – é um documento onde se reúnem todas
as deliberações que foram tomadas durante a reunião (n.º 1) e é um requisito da eficácia dos atos.
As atas, nos termos do n.º 2, são lavradas pelos secretários e submetidas à aprovação dos membros
no final da respetiva reunião ou início da reunião seguinte, sendo assinadas, após aprovação, pelo
presidente e pelo secretário.
Nos termos do n.º 3, não participam na aprovação da ata os membros que não tenham estado
presentes na reunião a que ela respeita.
É importante chamar ainda atenção para o n.º 4 que nos casos em que o órgão assim o delibere, a
ata é aprovada, logo na reunião a que diga respeito, em minuta sintética, devendo depois ser
transcrita com maior concretização e novamente submetida a aprovação. Uma minuta é uma
forma recolhida da ata em que se contém os elementos essenciais.
Veja-se ainda o n.º 6. As decisões dos órgãos colegiais só pela respetiva ata poderão ser
aprovadas, salvo os casos de extravio ou falsidade, em que – perante a Administração ou em
tribunal – serão admitidos todos os meios de prova para reconstituir a verdade dos factos.
Por último há aqui o registo na ata do voto de vencido, o que é muito importante, porque o
membro pretende com o mesmo exonerar-se de qualquer eventual responsabilidade pelas
deliberações tomadas (seja penal, disciplinar ou civil) – artigo 35.º, n.º 2 CPA.
NOTA: chama-se ainda a atenção para o artigo 30.º, cuja epígrafe é «proibição da abstenção»
Tratado este tema de análise e interpretação dos artigos que consubstanciam o funcionamento
dos órgãos colegiais passaríamos agora a analisar as atribuições e competências dos órgãos
Em princípio, na maior parte dos casos, as atribuições referem-se a pessoas coletivas públicas,
enquanto que a competência se reporta aos órgãos
NOTA: muitas vezes, na doutrina estrangeira não se faz uma separação nítida entre competências
e atribuições, não obstante, no ordenamento jurídico português faz-se essa clara distinção.
A lei especificará as atribuições de cada pessoa coletiva e, noutro plano, a competência de cada
órgão. Assim, por exemplo, no caso dos municípios estes têm as atribuições definidas na lei, cujas
são prosseguidas pelos seus órgãos (Assembleia Municipal, Câmara Municipal e Presidente da
Câmara) através dos tais poderes funcionais que a lei lhes confere – competências.
No caso das pessoas coletivas privadas não é assim – são os seus criados que definem nos
seus estatutos as respetivas atribuições – atribuições autodefinidas. Já no caso das pessoas
coletivas públicas, tendo em conta o princípio da legalidade, elas só têm as atribuições que lhe
são conferidas por lei.
Note-se, porém, que é muito variável o âmbito das atribuições ao nível das várias pessoas
coletivas públicas. A pessoa coletiva pública «Estado» no ordenamento jurídico interno é uma
pessoa coletiva pública necessária e primária de fins gerais; mas há outras que têm atribuições
genéricas, como por exemplo a administração autónoma local e a administração autónoma das
Regiões Autónomas.
Por outro lado, temos as pessoas coletivas derivadas, que são criadas por estas pessoas
coletivas públicas necessárias/primárias – são híbridas e de fins singulares, meramente
instrumentais (ex.: institutos públicos).
Em qualquer caso os órgãos respetivos só podem exercer os seus poderes no âmbito das
atribuições para cada entidade administrativa. Chama-se princípio da especialidade à regra
segundo a qual os órgãos da pessoa coletiva só podem atuar na prossecução das atribuições da
pessoa coletiva que integram.
Daqui resulta que qualquer órgão da administração, ao agir, encontra uma dupla limitação:
Limitado pela sua própria competência, não podendo invadir a esfera da competência
dos outros órgãos da mesma pessoa coletiva
Limitado pelas atribuições da pessoa coletiva em cujo nome atua, não podendo
praticar qualquer ato sobre matérias estranhas às atribuições da pessoa coletiva a que
pertence
Tudo isto é assim, em geral, nas pessoas coletivas públicas. No entanto, no caso do Estado a
questão é mais complexa. Com efeito, e por consequência da repartição horizontal do Governo
em Ministérios relativamente independentes, convencionou-se que as atribuições administrativas
dos Estados estão repartidas pelos próprios Ministérios.
Os órgãos dos Ministérios são o Ministro e o Diretor-Geral, estando dotado de competências para
prosseguir as atribuições dos Ministérios.
Formalmente um Ministério é um órgão, mas na realidade para certos efeitos ele funciona
como uma pessoa coletiva pública, na medida em que a estrutura horizontal departamental
distribui as atribuições pelos vários Ministérios.
Assim, os Ministérios têm atribuições e, nessa medida, funcionam como entidades
administrativas autónomas/ pessoas coletivas públicas
Portanto, para se perceber a diferença do caso do Estado para a generalidade das restantes pessoas
coletivas públicas poder-se-á dizer que, em geral, os órgãos têm competências diferentes para
prosseguir as mesmas atribuições da pessoa coletiva pública a que pertencem.
No caso do Estado não é assim, porque os vários Ministros, que são órgãos, têm competências
idênticas para prosseguir atribuições diferentes. Aqui as próprias atribuições estão repartidas
pelos vários ministérios pelo que cada Ministério possui atribuições específicas.
«Isto significa, em termos práticos, que se o Ministro A praticar um ato sobre matéria estranha ao seu ministérios,
porque incluída nas atribuições do ministério B, a ilegalidade desse seu ato não será apenas a incompetência por
falta de competência, mas sim a incompetência por falta de atribuições. Quer dizer: o ato não será meramente
anulável, mas nulo.» - F.A. p. 643
Esta distinção entre atribuições e competências tem importância não só para se perceber a
distinção entre os fins que se prossegue e os meios materiais que se utiliza para os prosseguir,
mas sobretudo, porque a lei estabelece uma consequência jurídica diferente no caso de os órgãos
da administração praticarem atos estranhos às atribuições das pessoas coletivas públicas em que
se integram ou fora da competência confiada a cada órgão – isto é a sanção é mais grave no caso
da violação das atribuições: enquanto os atos praticados fora das atribuições são nulos, os
atos praticados fora das competências dos órgãos são anuláveis – artigo 161.º, n.º 2, al. b) e
163.º, n.º 1 CPA
(ex.: se o Ministro da Defesa praticar um ato sobre matéria incluída nas atribuições do
Ministério das Finanças esse ato é nulo por violação das atribuições, e não somente anulável)
Quanto está em causa uma violação das atribuições: vício de incompetência absoluta
– consequência jurídica é a nulidade
Quanto está em causa uma violação das competências: vício de incompetência relativa
– consequência jurídica é a anulabilidade
Quanto à competência em especial cumpre sublinhar o princípio de que ela só pode ser
conferida, delimitada ou retirada por lei – princípio da legalidade da competência (artigo
36.º CPA).
Artigo 36.º
Irrenunciabilidade e inalienabilidade
1 - A competência é definida por lei ou por regulamento e é irrenunciável e inalienável, sem prejuízo do
disposto quanto à delegação de poderes, à suplência e à substituição.
2 - É nulo todo o ato ou contrato que tenha por objeto a renúncia à titularidade ou ao exercício da
competência conferida aos órgãos administrativos, sem prejuízo da delegação de poderes e figuras afins
legalmente previstas.
Quanto ao n.º 2 do artigo 36.º CPA vemos que a renúncia ou a alienação da competência tem
como consequência a nulidade.
A repartição das competências pelos vários órgãos de uma pessoa coletiva pode obedecer a
vários critérios:
«(…) um ato administrativo praticado por certo órgão da Administração contra as regras que delimitam a competência
dir-se-á ferido de incompetência – incompetência em razão da matéria, incompetência em razão da hierarquia,
incompetência em razão do território ou incompetência em razão do tempo, conforme for o caso.
Os quatro critérios expostos acima são cumuláveis e todos têm de atuar em simultâneo: um órgão administrativo que
tome uma decisão só não incorrerá no vício de incompetência se for, ao mesmo tempo, o órgão competente para tomar
tal decisão quer em razão da matéria, quer em razão da hierarquia, quer em razão do território, quer em razão do
tempo. Bastará que o não seja à luz de um só desses critérios para se tornar automaticamente em órgão incompetente
para a prática do ato pretendido.» - F.A. p. 645
NOTA: «(…) a lei exclui hoje expressamente que a globalidade dos poderes de um órgão possa ser delegada (CPA,
art. 45.º, al. a)). Aliás, a recusa de delegação total impõe-se como uma evidência: primeiro, porque isso seria aceitar
que o delegante renunciasse ao desempenho do seu cargo (…); segundo, porque há competências indelegáveis por
determinação da lei; e terceiro, porque há mesmo competências indelegáveis por natureza, é o caso, por exemplo, so
poder disciplinar sobre o delegado» - F.A. pp. 699/700
A primeira questão: qual a noção e natureza jurídica da delegação?
Por vezes, acontece que a lei, atribuindo a um órgão a competência para a prática de determinados
atos, permite que esse órgão a delegue a outro órgão. Para sabermos em que consiste esse ato de
delegação de poderes é necessário determinar previamente a natureza jurídica do instituto.
Várias teses:
Tese da transferência ou da alienação da competência
Tese da autorização
Tese de transferência do exercício
Tese da transferência ou da alienação da competência
Aqui a delegação de poderes é um ato de transmissão ou alienação da competência do delegante
para o delegado. A titularidade de poderes que pertencia ao delegante passa, por força do ato de
delegação e com fundamento na lei habilitante da delegação, para a esfera da competência do
delegado.
Tese da autorização
O que acontece aqui é que a lei de habilitação, que prevê a possibilidade de delegação, confere,
desde logo, uma competência condicional ao delegado sobre as matérias em que permite a
delegação.
Deste modo, antes da delegação, o delegado já é virtualmente competente, só que não pode
exercer a competência enquanto o delegante não o permitir. O ato de delegação visa facultar ao
delegado o exercício de uma competência que, embora condicionada a uma autorização do
delegante, já é, antes da delegação, uma competência própria do delegado. Deste modo, a
delegação será um ato pelo qual um órgão permite a outro o exercício de uma competência
própria, tendo por isso a natureza de uma delegação.
O que se vem aqui autorizar é o exercício de uma competência que já é, antes da delegação,
virtualmente uma competência própria do delegado.
ANÁLISE CRÍTICA:
Quer uma quer outra não traduzem a verdadeira natureza do ato da delegação de poderes. Com
efeito, se a delegação fosse uma autêntica alienação os poderes delegados deixariam de pertencer
ao delegante; a titularidade de tais poderes passaria na íntegra para o delegado, sendo que o
delegante ficaria afastado de toda e qualquer responsabilidade quanto aos poderes delegados e
quanto à matéria incluída no objeto de delegação. No entanto, como iremos ver, essa não é a
concretização do nosso ordenamento jurídico – artigo 49.º CPA (o delegante mantém um conjunto
de poderes que só se compreendem por, de facto, não ter havido a tal alienação).
No que respeita à segunda tese, esta também deve ser recusada. É que na delegação de poderes a
competência é exclusivamente do delegante, não existindo na esfera do delegado ainda antes do
ato de delegação. Como também se verá, o delegado exerce uma competência alheia e não uma
competência própria
Tese da transferência do exercício: ADOTADA NO CURSO
Quanto a nós, a tese que mais se coaduna com o regime jurídico imposto pelo CPA é a que vê a
natureza jurídica da delegação de poderes como um ato pelo qual um órgão de uma pessoa coletiva
pública permite que outro órgão, em princípio da mesma pessoa coletiva, exerça um órgão que
continua a ser do primeiro órgão (delegante).
Com a delegação cria-se no delegado uma qualificação para o exercício em nome próprio de uma
competência alheia (na medida em que esta continua a ser do órgão delegante).
Com isto queremos afirmar que a competência continua a pertencer ao delegante, pese embora a
delegação.
Não se transfere a competência, mas quando muito o exercício dessa competência
«Por conseguinte, lei de habilitação, existência de delegante e delegado (ou melhor, de um órgão que pode delegar e
de um órgão ou agente em quem se possa delegar), e ato de delegação – tais são as condições ou requisitos que a
ordem jurídica exige para que haja delegação de poderes.» - F.A. p. 695
EXCEÇÃO
Porém, nos casos previstos no n.º 3 e n.º 4 verifica-se a dispensa de uma habilitação legal
especifica: o CPA dispensa uma habilitação legal específica, funcionando estes artigos como uma
HABILITAÇÃO LEGAL GENÉRICA.
Portanto, neste caso à habilitação legal específica substitui-se uma habilitação legal genérica,
permitindo ao órgão delegante delegar a competência no seu imediato inferior hierárquico, mas
só para determinados atos de administração ordinária.
Habilitação genérica: «(…) a lei permite que certos órgãos deleguem, sempre que quiserem, alguns dos seus poderes
em determinados outros órgãos, de tal modo que uma só lei de habilitação serve de fundamento a todo e qualquer
ato de delegação praticado entre esses tipos de órgãos […] neste tipo de delegações só podem ser delegados poderes
para a prática de atis de administração ordinária, por oposição aos atos de administração extraordinária que ficam
sempre indelegáveis, salvo lei de habilitação específica.» - F.A. p. 699
A delegação carece de outro pressuposto, não sendo necessária apenas a existência de uma
habilitação legal – 2.ª parte do n.º 1 do artigo 44.º CPA. Portanto, neste caso constitui-se o
segundo requisito da delegação de poderes – a existência de um ato de delegação de poderes,
uma vez que a previsão legal constitui unicamente uma mera faculdade, que necessita de ser
concretizada com a prática do ato de delegação de poderes.
Depois é importante o artigo 46.º CPA. É que a lei permite que uma competência delegada seja
subdelegada. No caso da primeira subdelegação, para o efeito, não é necessário, ao contrário da
delegação, uma autorização legal – o que é necessário é que a lei não a proíba e que o delegante
autorize o delegado a subdelegar.
Mas o artigo 46.º, n.º 2 CPA permite ainda uma segunda subdelegação, isto é, permite que o
subdelegado subdelegue as competências que lhe haviam sido subdelegadas, desde que a lei não
o impeça e desde que o delegante ou o subdelegante não tenham vedada essa possibilidade.
«Há ainda uma outra classificação de delegações de poderes, que distingue entre a delegação propriamente dita, ou
de 1.º grau, e a subdelegação de poderes, que pode ser uma delegação de 2.º grau, ou de 3.º, ou de 4.º, etc., conforme
o número de subdelegações que forem praticadas (…). A subdelegação é uma espécie do género delegação, porque é
uma delegação de poderes delegados.» - F.A. pp. 700/701
Do ponto de vista do conteúdo, o delegante deverá especificar os poderes que são delegados –
artigo 47.º, n.º 1 CPA – ou os atos que podem ser praticados. Com isto, a lei pretende impedir
delegações genéricas. A especificação dos poderes delegados deve ser feita positivamente, através
de uma enumeração explícita dos poderes delegados ou dos atos que o delegado pode praticar e
não de forma negativa através de uma reserva genérica de delegações de poderes em favor do
delegado.
«Como já sabemos, há na competência dos órgãos da Administração poderes delegáveis e poderes indelegáveis: na
dúvida, deverá interpretar-se o ato de delegação no sentido de que não terá querido abranger poderes indelegáveis.»
- F.A. p. 702
Os atos de delegação e subdelegação estão sujeitos a publicação – artigo 47.º, n.º 2 CPA – sob
pena de INEFICÁCIA. Trata-se de proteger, sobretudo, os administrados.
Os atos praticados ao abrigo da delegação ou subdelegação de poderes não publicados, ou feitos
antes da publicação, são ATOS INVALIDOS, por incompetência do respetivo autor, visto que o
ato de transmissão do exercício de competência ainda não produziu efeitos.
«Falta de algum dos requisitos exigidos por lei: os requisitos quanto ao conteúdo são requisitos de validade, pelo
que a falta de qualquer deles torna o ato de delegação inválido; os requisitos quanto à publicação são requisitos de
eficácia, donde se segue que a falta de qualquer deles torna o ato de delegação ineficaz.» - F.A. p. 702
A lei exige ainda que o delegado e o subdelegado façam menção da sua qualidade no uso da
delegação e da subdelegação – artigo 48.º CPA
Esta exigência era importante para determinar os meios de reação administrativa contra os atos
praticados pelo delegado ou pelo subdelegado. Atualmente não é assim, porque, por força do
artigo 199.º, n.º 2 CPA, diz-se:
«2 - Sem prejuízo dos recursos previstos no número anterior, pode ainda haver lugar, por expressa
disposição legal, a recurso para o delegante ou subdelegante dos atos praticados pelo delegado ou
subdelegado.»
Ora, a verdade é que, de certa maneira o artigo 199.º CPA, ao prever esta norma
(incompreensível) vem eliminar a categoria geral do recurso dos atos praticados do delegado para
o delegante, o que só é possível quando houver expressa consagração legal.
Se não houver uma expressa consagração legal a permitir esse recurso ele não existe, quando
antes não havia esta limitação. E, portanto, normalmente estes recursos (como não há hierarquia
na relação da delegação de poderes) eram sempre facultativos, o que significava que o lesado pela
prática do ato emanado pelo delegado poderia recorrer contenciosamente e imediatamente para o
Tribunal.
Portanto, esta norma vem de certo modo prejudicar a possibilidade conjugada com o artigo 199º,
n.º 2, sendo que agora o escopo deste artigo 48.º é um pouco diferente.
Artigo 48.º
Menção da qualidade de delegado ou subdelegado
1 - O órgão delegado ou subdelegado deve mencionar essa qualidade no uso da delegação ou
subdelegação.
2 - A falta de menção da delegação ou subdelegação no ato praticado ao seu abrigo, ou a menção
incorreta da sua existência e do seu conteúdo, não afeta a validade do ato, mas os interessados não
podem ser prejudicados no exercício dos seus direitos pelo desconhecimento da existência da delegação
ou subdelegação.
Portanto, esta solução é nova. O prejuízo a que se refere esta disposição legal é aquele que poderia
resultar da utilização de meios de impugnação administrativa inadequada, devendo entender-se
que o recurso administrativo do ato do delegado não possa ser rejeitado.
No entanto, ele está sempre limitado por aquela norma do artigo 199.º CPA que acabou com a
categoria geral do recurso dos atos praticados pelo delegado para o delegante.
Por outro lado, há que ter em conta que, nos termos do n.º 5 do artigo 44.º CPA, «Os atos praticados
ao abrigo de delegação ou subdelegação de poderes valem como se tivessem sido praticados pelo delegante
ou subdelegante.».
De certa maneira esta é também uma norma contraditória. Contudo, o seu sentido último significa
que os atos praticados pelo delegado ou pelo subdelegado é como se tivessem sido praticados
pelo delegante ou pelo subdelegante. Portanto, significa que estes atos são direta e imediatamente
impugnáveis judicialmente junto do Tribunal competente.
Aula n.º 18 – 23-11-2020 – ‘Continuação da aula anterior. III - INTERESSE PÙBLICO, PODER
ADMINISTRATIVO E FUNÇÃO ADMINISTRATIVA 1 - Poderes e limites da Administração. 1.1. Os poderes típicos
de autoridade da Administração; 1.2. Os limites da Administração.’
Artigo 49.º
Poderes do delegante ou subdelegante
1 - O órgão delegante ou subdelegante pode emitir diretivas ou instruções vinculativas para o delegado
ou subdelegado sobre o modo como devem ser exercidos os poderes delegados ou subdelegados.
2 - O órgão delegante ou subdelegante tem o poder de avocar, bem como o de anular, revogar ou
substituir o ato praticado pelo delegado ou subdelegado ao abrigo da delegação ou subdelegação.
A delegação cria para o delegado o poder/dever de exercer a competência delegada – artigo 49.º
CPA – este artigo vem legitimar a nossa opção pela terceira tese sobre a natureza jurídica do ato
de delegação como transferência apenas do exercício da competência (e não da própria
competência).
Artigo 50.º CPA – a extinção da delegação ou subdelegação pode ser feita por duas formas:
Substituição e suplência
Quanto à substituição e à suplência, veja-se o que dizem os artigos 43.º CPA e 42.º CPA,
respetivamente:
Artigo 42.º
Suplência
1 - Nos casos de ausência, falta ou impedimento do titular do órgão ou do agente, cabe ao suplente
designado na lei, nos estatutos ou no regimento, agir no exercício da competência desse órgão ou
agente.
2 - Na falta de designação, a suplência cabe ao inferior hierárquico imediato e, em caso de igualdade
de posições, ao mais antigo.
3 - O exercício de funções em suplência abrange os poderes delegados ou subdelegados no órgão ou no
agente.
NOTA: a suplência deve ser utilizada quando a competência do órgão não pode deixar de ser
exercida por razões de imediato interesse público.
Artigo 43.º
Substituição de órgãos
Nos casos em que a lei habilita um órgão a suceder, temporária ou pontualmente, no exercício da
competência que normalmente pertence a outro órgão, o órgão substituto exerce como competência
própria e exclusiva os poderes do órgão substituído, suspendendo-se a aplicação da norma atributiva
da competência deste último.
Isto quer dizer que a competência do órgão substituído se transforma em competência exclusiva
e própria do órgão substituto – funciona como se tivesse posse das competências que pertenciam
ao órgão substituto.
RESOLUÇÃO DE CONFLITOS DE ATRIBUIÇÕES E DE COMPETÊNCIAS
São positivos quando duas ou mais entidades ou órgãos reivindicam para si o exercício
da mesma atribuição ou da mesma competência, respetivamente.
Ou são negativos quando duas ou mais entidades ou órgãos consideram
simultaneamente que não lhes competem as atribuições ou competências para decidir um
dado caso concreto, respetivamente.
O CPA de 2015 veio definir no artigo 51.º os critérios gerais para a resolução dos referidos
conflitos.
Os conflitos de competências são normalmente resolvidos por via administrativa – por decisão
do órgão da pessoa coletiva em causa que tenha poderes de supervisão sobre os órgãos em
conflito, ou seja, o superior hierárquico com poderes hierárquicos com poderes de autoridade
sobre os órgãos em causa – artigo 51.º, n.º 2 CPA.
Artigo 51.º
Competência para a resolução de conflitos
Garantias de imparcialidade
(Impedimentos, escusa e suspeição – artigo 69.º e ss. CPA)
Impedimentos
Os impedimentos respeitantes à participação em procedimentos administrativos de titulares de
órgãos ou agentes que tenham um interesse pessoal na decisão aparece no CPA sobre a designação
de garantias de imparcialidade (artigo 69.º e seguintes), embora não visem apenas assegurar os
valores inerentes ao princípio constitucional e legal da imparcialidade administrativa. O que está
em causa é o próprio princípio da prossecução do interesse público.
Quanto ao regime jurídico pontificam os artigos 69.º a 72.º CPA. O artigo 69.º CPA fixa as
situações de impedimento, embora muitas outras leis estabeleçam outras para hipóteses e cargos
especiais. Esta enumeração é TAXATIVA.
No fundo trata-se de impedir a intervenção de autoridades administrativas em procedimentos ou
decisões administrativas que envolvam um interesse pessoal direto, de parentesco ou afinidade
próxima, de relação equiparada, de interesse pessoal em questão semelhante, ou em casos em que
o órgão administrativo tenha participado ou obtido intervenção
NOTA: As relações de parentesco são mais apertadas que no caso da escusa ou suspeição que
veremos mais à frente.
ARGUIÇÃO DO IMPEDIMENTO
Quanto à arguição do impedimento, este pode ser invocado pelo próprio agente ou ser arguido
pelos interessados cabendo ao superior hierárquico daquele proceder à sua (ou ao presidente do
órgão colegial a que ele pertença) verificação e competente declaração, caso se confirme – artigo
70.º CPA
Trata-se de uma simples constatação em relação à existência de uma situação de facto prevista na
lei. Daí a natureza declarativa do impedimento: BASTA A VERIFICAÇÃO DOS
PRESSUPOSTOS DE FACTO PREVISTOS NA LEI
Quanto às sanções, os atos praticados por um órgão em situação de impedimento, mesmo não
declarado, padecem de invalidade, podendo ser judicialmente impugnados - artigo 76.º CPA
A consequência jurídica que resulta de uma atuação irregular neste domínio é a invalidade do ato
e, mais concretamente, a ANULABILIDADE DO ATO
Escusa e a suspeição – REFEREM-SE AO TITULAR DO ORGAO
Ao contrário dos impedimentos, que pressupõem uma mera verificação dos pressupostos fixados
na lei que conduz ao impedimento e à invalidade do ato praticado pelo impedido, no caso da
suspeição o risco da parcialidade de atuação do titular do órgão não é tão evidente (ex.: pelo uso
de conceitos indeterminados) – enumeração EXEMPLIFICATIVA no artigo 73.º CPA.
Nos termos do artigo 73.º, n.º 1, al. d) CPA, diz «se houve inimizade grave ou grande intimidade
entre o titular do órgão ou agente, ou o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições
análogas às dos cônjuges, e a pessoa com interesse direto no procedimento, ato ou contrato» -
repare-se que aqui a dificuldade não está tanto na inimizade grave (que se manifesta por uma
conduta que denuncia factualmente uma adversidade relativamente a uma pessoa através de atos
contrários de natureza negativa, sem fundamento e explicação racional).
NOTA: não se conhece nenhuma anulação de um ato praticado por um órgão administrativo alvo
de uma suspeição no domínio de uma grande intimidade.
A intimidade é um termo difícil de precisar no seu conteúdo e nunca ninguém invocou isso.
Dito isto, saliente-se que no caso da escusa e da suspeição os casos não são tão claros como no
impedimento, portanto, o risco aqui de parcialidade parece maior.
Portanto, até as relações de parentesco são mais afastadas. Além disso, a utilização de conceitos
jurídicos indeterminados torna difícil precisar as situações que ponham em causa a retidão e a
imparcialidade do agente/ funcionário.
Por estas razões, no caso de uma suspeição, os efeitos jurídicos não dependem imediatamente da
lei, mas carecem aqui de uma avaliação administrativa da situação concreta que estiver em causa
pelo órgão competente, pelo que neste caso a proibição não decorre direta e imediatamente da lei,
deixando-se para um órgão da Administração a apreciação e a resolução final do incidente,
atendendo ao caráter da pessoa que está numa situação suscetível de levantar suspeição e de uma
adequada ponderação e valoração dos bens jurídicos e dos interesses em causa.
Ou seja, eu posso achar que a situação é suscetível de levantar alguma suspeição, mas o meu
conhecimento da pessoa aponta para que esta seja uma pessoa reta e daí a necessidade de avaliação
concreta (ao contrário do impedimento). Apesar de, abstratamente, poder suscitar-se com
razoabilidade a suspeição, o conhecimento da retidão, da decência da pessoa, pode manter o
funcionário em funções.
REGIME DA ESCUSA E DA SUSPEIÇÃO
Para concluir, o regime da escusa e da suspeição encontram-se definidos nos artigos 74.º e 75.º
CPA que remetem em grande parte para o regime dos impedimentos. Mas há aqui uma diferença
muito importante:
NOTA: O artigo 76.º CPA quanto às sanções continua a referir-se como acontecia no Código de
91 apenas aos impedimentos. Assim, parece que a lei continua a ser omissa na sanção dos atos
praticados por quem esteja numa situação que, em abstrato, devia ser suscetível de gerar um
pedido de escusa ou levantamento de uma suspeição, parecendo a contrario que não padecem de
nenhum vício, daí se concluindo que nem o agente nem o interessado viram motivo para isso.
Há, porém, sempre a possibilidade de o interessado apenas vir a saber supervenientemente de uma
situação geradora de suspeição, o que levantaria uma questão delicada de uma potencial
anulabilidade do ato superveniente.
Bibliografia:
COLAÇO ANTUNES, A Ciência Jurídica Administrativa, op. cit., pp. 209 a 222; FREITAS DO AMARAL, Curso...,
op. cit., pp. 627-652; A. SALGADO DE MATOS, “A delegação de poderes”, in Comentários ao Novo CPA, Lisboa,
2015, pp. 209-227; COLAÇO ANTUNES, O Direito Administrativo e a sua Justiça..., op. cit., pp. 19-32; VITAL
MOREIRA, Administração Autónoma..., op. cit., pp. 126-137; ROGÉRIO SOARES, Direito Administrativo, Coimbra,
1978, pp. 237-263; FREITAS DO AMARAL, Curso..., op. cit., pp. 693-721.
Aula n.º 19 – 24-11-2020 – ‘2. O interesse público enquanto vínculo teleológico da Administração. 3. As
posições jurídicas substantivas favoráveis e as posições jurídicas de desvantagem dos particulares face à
Administração. 4. A centralidade da relação jurídico-administrativa. 5. As garantias e procedimentais (e
processuais) e o seu caráter instrumental relativamente às posições jurídicas substantivas favoráveis. 6. As formas
de atividade administrativa (noção breve e remissão).’.
Portanto, daí digamos que esta centralidade tem o seu conhecimento ao mais alto nível. Talvez
fosse metodologicamente adequado passar para a noção de relação jurídico-administrativa
(típica):
A relação jurídico-administrativa é uma relação estabelecida entre a Administração e os
particulares, disciplinada pelo Direito Administrativo, em regra, mediante a atribuição de
um direito a um dos sujeitos e a imposição do correspondente dever jurídico/ obrigação
ou sujeição a outro sujeito (passivo).
Portanto, a centralidade do Direito Administrativo já não está no ato administrativo, mas sim
nesta categoria fundamental da relação jurídica
Portanto, a perspetiva da relação jurídica como um instrumento essencial do Direito
Administrativo tem, desde logo, algumas vantagens:
Com ela o particular deixa de ser visto como um mero administrado (sujeito aos poderes
exorbitantes da Administração Pública), passando a ser visto como a outra parte na
relação jurídica, como um sujeito, que mesmo subordinado aos poderes administrativos,
se mantém titular de alguns direitos e garantias, nomeadamente aqueles que constituem
o seu estatuto jurídico-constitucional.
Tudo isto numa relação que é bastante complexa, abrangendo-se os direitos e as garantias
dos particulares.
Além de uma diferente consideração da posição jurídica relativa aos particulares no
contexto do Direito Administrativo, o esquema explicativo da relação jurídica permite
também compreender melhor certos fenómenos, que não podem ser devidamente
captados através da perspetiva do ato administrativo: é o que sucede com o regime
jurídico das relações unilaterais da administração, que projetam a sua eficácia não
somente sobre a esfera jurídica do destinatário do ato, mas também na esfera jurídica de
terceiros (ex.: a concessão de um subsídio a uma certa empresa pode prejudicar a
posição das empresas concorrentes).
Ora, estas novas situações são perfeitamente enquadráveis e explicáveis no contexto das
relações jurídico-administrativas.
Relações de pessoas privadas com pessoas privadas, desde que uma surja munida de
poderes jurídico-administrativos e subordinada também a um regime de Direito
Administrativo (ex.: relação entre um concessionário de serviço público e os respetivos
utentes)
Quanto ao conteúdo estas relações podem assumir várias formas: simétricas, assimétricas,
dissimétricas e poligonais.
Dito isto, e atendendo à matéria a ser desenvolvida de seguida, convém ter em conta que estamos
sempre a falar no âmbito de uma relação jurídico-administrativa, em que o cidadão já não é visto
como um mero administrado, mas como um sujeito (como parte da relação jurídica).
Óbvio que uma relação jurídica administrativa não se pode equiparar a uma relação jurídica
privada. De qualquer modo é um conceito jurídico fundamental que confere direitos às
partes e que veio para o Direito Administrativo.
Poderes da Administração:
Quanto às limitações:
NOÇÃO DE EQUILIBRIO: estes poderes e estes limites agora jogam-se no âmbito de
uma relação jurídico-administrativa, disciplinada no essencial pelo CPA
A posição dos particulares em face dos entes públicos pode agrupar-se em duas categorias,
consoante o que resulta do conteúdo das normas: seja uma proteção ou ampliação da sua esfera
jurídica; ou uma limitação ou restrição da mesma esfera jurídica:
(ex.: imagine-se que uma lei passa a determinar que ao fim de 5 anos acompanhados de
classificações de excelente por parte de um funcionário implica uma subida de escalão que
reflete uma melhoria no salário)
Se a lei disser diretamente isto, a Administração não tem nenhum tipo de discricionariedade, pois
a lei protege diretamente a pretensão do particular.
(ex.: imagine-se que a lei diz que o resgate de uma determinada concessão de um serviço
público da lugar a uma indemnização por parte da Administração – isto significa que a
Administração está vinculada a proceder ao pagamento dessa justa indemnização, e se não o
fizer o tribunal será chamado a condenar a Administração a esse preciso pagamento)
NOTA: o que é o resgate? – faculdade concedida à Administração, por expressa determinação
legal ou por cláusula contratual da concessão do contrato, de extinguir a relação juridicamente
emergente do contrato de concessão.
Em todas estas situações estamos perante direitos subjetivos, figura esta que entronca com
a relação de uma atividade administrativa vinculada, enquanto o interesse legalmente
protegido diz mais respeito a uma atividade administrativa discricionária.
Portanto, como se vê, é clara a situação da posição dos direitos subjetivos – PRINCIPAL
POSIÇÃO SUBSTANTIVA FAVORÁVEL
Então qual é a vantagem que a lei reconheça interesses legalmente protegidos se, após o
recurso/impugnação contenciosa, a situação pode ficar a mesma?
(ex.: imaginemos que a lei estabelece para preencher o lugar de professor catedrático um
conjunto de requisitos para se poder concorrer a um concurso público. Suponhamos que
concorrem 3 pessoas e que o júri atribui o primeiro lugar a um dos concorrentes, que nem
sequer cumpre os requisitos legais exigidos para concorrer)
Ora, isto significa que qualquer dos outros candidatos podem impugnar contenciosamente essa
decisão e, por consequência, terão uma nova oportunidade para conseguir realizar a sua pretensão,
mas NENHUM DELES TEM DIREITO A ESSE LUGAR ASSEGURADO. O júri não tem
obrigação jurídica de nomear este ou aquele – o júri reabre a apreciação da situação, terá de afastar
o candidato que não cumpre os requisitos legais, e reabre o procedimento onde foi cometida a
ilegalidade, mas continua com a possibilidade de escolher aquele que considerar mais apto.
(ex.: imaginemos que um funcionário comete uma infração disciplinar, ficando nos termos da
lei sujeito a um processo disciplinar, no qual se averiguam os factos, se ouvem as testemunhas,
confrontam as provas, podendo esse processo culminar numa decisão em que o superior
hierárquico aplicará ou não uma determinada pena ao funcionário (que poderá ser num caso
extremo a demissão))
A lei exige que ninguém seja punido sem ser previamente ouvido – artigo 269.º, n.º 3 e 161.º, n.º
2, al. b) CPA (o ato seria nulo se tal não se fizesse). Imagine-se que não houve audição e o
funcionário recorre para o tribunal pedindo a anulação da pena a que foi sujeito, com esse
fundamento.
Se o Tribunal Administrativo verificar que efetivamente foi assim anula a pena disciplinar
imposta ao funcionário que implica que ele deixa de estar demitido e regressa à sua anterior
condição de funcionário público.
EM SUMA:
Esta distinção parece relevante, pese embora a aproximação das duas figuras, até porque a tutela
jurisdicional é muito mais efetiva/plena quando se trata de um direito subjetivo do que quando se
trata de um interesse legalmente protegido.
Estas posições jurídicas subjetivas favoráveis dos particulares podem sofrer alguma
compressão nas relações especiais de poder (de Direito Administrativo):
Ao lado das relações gerais do poder Administrativo a que estamos todos os particulares
submetidos por igual à Administração, existem outras relações que apenas se estabelecem entre
a Administração e certas categorias de particulares, em virtude de um contacto mais intenso que
só em relação a elas se verifica – RELAÇÕES ESPECIAIS DE DIREITO
ADMINISTRATIVO.
Estas relações especiais de poder/ de Direito Administrativo tratam-se situações que se fundam
num título específico, nos termos do qual o particular se coloca por vontade própria, por força da
lei ou de uma decisão judicial, ou por ato administrativo, no âmbito de uma determinada esfera
da atividade administrativa e que propicia uma ligação mais intensa do que aquela que em geral
todos mantêm com o Estado.
(ex.: pessoas que ingressam na função pública, pessoas que prestam serviços militares, pessoas
que prestam serviços nos presidiários, pessoas internadas nos estabelecimentos de acolhimento
menores, quando ingressamos numa Universidade pública na qualidade de estudantes)
Uma das questões clássicas a este propósito é a de saber se: no domínio jurídico constituído
por estas relações especiais, valem ou não as pedras basilares do Direito Administrativo no que
respeita aos limites da atividade administrativa e à proteção dos interesses dos administrados,
nomeadamente o princípio da legalidade, ou se, pelo contrário existe aqui alguma exceção a
esses princípios.
Na conceção atual, o que é certo é que as relações especiais de Direito Administrativo não
constituem um espaço a-jurídico, nem implicam qualquer renuncia por parte dos particulares aos
Direitos Fundamentais que o ordenamento jurídico lhes reconhece ou atribui – não constituem
deste modo uma exceção ao princípio da legalidade em nenhuma das suas vertentes.
Compete, por efeito, à lei estabelecer ou autorizar o estabelecimento das especificidades
necessárias pela relação especial de Direito Administrativo, incluindo algumas limitações aos
direitos dos interessados que se revelem necessárias, adequadas e imprescindíveis.
A própria CRP pode apontar para regime especiais em certos casos (artigo 270.º CRP – militares
e membros das forças de segurança).
De facto, as relações especiais de Direito Administrativo podem justificar, em alguns casos, uma
restrição mais ou menos intensa dos Direitos Fundamentais dos que nela estão envolvidos – ex.:
inviolabilidade de correspondência é praticamente intangível no quadro das relações gerais, mas
pode sofrer limites quando esteja em causa correspondência destinada a um presidiário; a
liberdade física de um doente num hospital é necessariamente diferente da que goza fora do
hospital; a liberdade de associação dos militares não é igual à dos civis)
Mas uma coisa é admitir estas limitações, outra é dispensar a aplicação das regras que presidem,
em geral, a tais limitações, designadamente a previsão legal, o princípio da proporcionalidade,
etc.
Como se tem assinalado na doutrina, há que distinguir neste domínio 2 hipóteses entre a relação
fundamental e a relação de funcionamento ou orgânica:
Na relação fundamental o particular aparece antes de tudo mais como uma pessoa,
titular de Direitos Fundamentais não limitáveis por qualquer regulamento com caráter
normativo-inovatório.
Depois acresce que, dentro da relação fundamental, o administrado, visto agora dentro de uma
condição especial (estudante, militar, doente), conserva ainda necessariamente o núcleo
essencial dos seus Direitos Fundamentais, embora se permitam algumas restrições mais ou
menos intensas desses direitos, desde que tenham por base a lei e se forem proporcionais.
Ou seja, admite-se que nas relações especiais de Direito Administrativo possam justificar
limitações mais fortes de certos direitos, mas serão sempre situações que carecem de
enquadramento legal prévia, pois é à lei a quem cabe estabelecer as condições e os
pressupostos genéricos dessas limitações.
Portanto, na relação fundamental o funcionário enquanto pessoa é titular de Direitos
Fundamentais e nesse aspeto não vê limitados significativamente esses Direitos
Fundamentais.
Relação de funcionamento/ orgânica: o funcionário é visto como elemento da
máquina administrativa, quando, por exemplo, estamos perante normas que disciplinam
a organização e funcionamento dos serviços; distribuição de tarefas, etc. Assim sendo,
aqui é que pode haver mais limitações.
Na relação orgânica, que aliás deve ser vista com um âmbito cada vez mais circunscrito, a
posição jurídica do particular deve ser analisada no quadro de uma disciplina interna da
organização administrativa onde ele está inserido
(ex.: a delimitação dos horários das aulas numa Universidade tem uma natureza mais
organizatória – mais interna// contrariamente à atribuição de uma nota)
Bibliografia:
COLAÇO ANTUNES, A Ciência Jurídica Administrativa, op. cit., pp. 223 a 259; 499 a 509; COLAÇO ANTUNES, O
Direito Administrativo e a sua Justiça..., op. cit., pp. 32-64; FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito
Administrativo, vol. II, Coimbra, 2016, pp. 9 a 28 e 55-63; ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, vol. I,
Coimbra, 1984, pp. 344-369; RUI MACHETE, "Privilégio de execução prévia", in DJAP, vol. VI, pp. 448 e ss;
COLAÇO ANTUNES, A Teoria do Acto e a Justiça Administrativa, Coimbra, 2006, pp. 38-43; MARCELO REBELO
DE SOUSA, Lições..., op. cit., p. 99 e ss; VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, Coimbra 2015, p. 56 e
ss; COLAÇO ANTUNES, Direito Público do Ambiente, Coimbra, 2008, pp. 109-119.
Aula n.º 20 – 30-11-2020 – ‘Continuação da aula anterior. 7. Os princípios fundamentais da atividade
administrativa. 7.1. O princípio da legalidade (noção, o princípio da legalidade no Estado de Direito liberal, o
princípio da legalidade na atualidade, incidência do princípio da legalidade, princípio da legalidade e hierarquia
normativa, o princípio da legalidade e o estado de necessidade, a presunção de legalidade dos atos administrativos e
a sua desatualidade). 7.2. O princípio da imparcialidade (remissão).’
Princípio da legalidade
O princípio da legalidade é o princípio fundamental do Direito Administrativo, sendo originário
deste.
Como se sabe, o nascimento do Direito Administrativo supôs a submissão do poder público ao
Direito, em contraposição com o princípio da imunidade jurídica típica do Estado Absoluto.
Desde o início que essa ideia fundamental se designa pelo princípio da legalidade da
Administração, que não é mais do que uma componente do princípio do Estado de Direito e,
de certo modo, uma consequência da separação dos poderes.
Entre nós, o princípio da legalidade está expressamente mencionado, desde logo, no artigo 3.º
CPA e no artigo 266.º, n.º 2 CRP.
Numa definição elementar, o princípio da legalidade quer dizer que a Administração deve
atuar dentro da lei, e não contra ou à margem desta. É, porém, necessário ter presente que,
quando atualmente se fala na subordinação da Administração à lei, tal deve ser entendido como a
subordinação da Administração a um bloco normativo global, isto é, ao conjunto composto pelo
Direito da União Europeia (1), pela Constituição (2), pelo Direito Internacional (3), pelos
Princípios Gerais de Direito (4), pelas leis ordinárias (5) e pelos regulamentos (6).
De facto, no início do Estado de Direito (século XIX), a lei era o único parâmetro externo da
atividade administrativa. Como a Constituição não era considerada uma norma diretamente
exequível por si mesma, dependendo do legislador para ser concretizada (ESTAVA SOB
RESERVA DE LEI), e como o Direito Internacional não tinha grande relevância nem efeito
direto na ordem interna, então o princípio da legalidade representava a subordinação da
Administração à única fonte primária do Direito (dotada de eficácia direta e imediata), que era a
LEI PARLAMENTAR.
Com o tempo, porém, como já insinuamos anteriormente, a estrutura da ordem jurídica e das
fontes do Direito alterou-se consideravelmente. Primeiro, a Constituição tornou-se numa
verdadeira norma jurídica, de aplicação direta e imediata em muitas das suas normas, sem
necessidade de lei concretizadora; em segundo lugar, sobreveio o Direito Internacional com
efeito direto na ordem jurídica interna; em terceiro lugar, a anterior Comunidade Europeia criou
a sua própria ordem jurídica que, como se sabe, goza de eficácia direta na ordem jurídica dos
Estados-Membros.
Desta feita, atualmente, a Administração está subordinada não apenas à lei, mas a uma
pluralidade de fontes do Direito: Direito da União Europeia (primário ou derivado);
Constituição e regulamentos administrativos (como expressão de um ordenamento jurídico
próprio da Administração e como expressão de autovinculação da Administração).
Neste sentido, atualmente, o princípio da legalidade deve ser entendido no sentido de querer dizer
subordinação da Administração a todas as fontes de Direito que a vinculam. No entanto, a
lei continua a ser o principal parâmetro de ação da Administração, pelo que faz todo o sentido
continuar a utilizar essa expressão como equivalente do princípio da juridicidade da
Administração.
Assim, em extrema síntese, o princípio da legalidade em sentido amplo equivale a esta expressão
«princípio da juridicidade».
Por conseguinte, embora continue a ser de uso corrente a expressão «princípio da legalidade», a
verdade é que ele não continua a ser a mera subordinação à lei, no sentido estrito que o termo
tem, mas de um verdadeiro princípio da juridicidade ou da subordinação da Administração ao
Direito, ou seja, à ordem jurídica.
Assim sendo, as noções de «lei» e de «legalidade» têm aqui um sentido amplíssimo equivalente
ao sentido de toda e qualquer norma jurídica. Aliás, é neste mesmo sentido que a própria lei
fundamental utiliza o termo «lei» no artigo 203.º CRP, quando diz que os tribunais são
independentes e apenas estão sujeitos à lei – QUER AQUI SIGNIFICAR ESSE SENTIDO
AMPLÍSSIMO.
Depois disto diga-se, portanto, que a lei está longe de ser o único parâmetro normativo da
Administração, se bem que continua a ser o principal parâmetro imediato:
E, por último, a Administração está vinculada também aos seus próprios regulamentos
administrativos.
Daí que o conceito de legalidade e ilegalidade da Administração só possa ser utilizado num
sentido muito amplo, ou seja, no sentido de qualquer norma, independentemente do seu nível, à
qual a Administração deva obediência. Neste sentido, será ilegal tanto o ato que infringe uma lei
em sentido próprio, como o ato administrativo que viole um regulamento, um tratado
internacional, regulamento europeu ou até uma norma constitucional diretamente aplicável.
Por isso mesmo, não se nos afigura inútil que o artigo 266.º, n.º 2 CRP tenha referido a
Constituição e a lei e que o artigo 3.º, n.º 1 do CPA refira a lei e o Direito. Em qualquer dos casos,
podemos dizer que o termo lei, com o significado exposto, abarcaria tanto a Constituição como o
Direito.
Vamos ver agora como é que evoluiu o princípio da legalidade (em sentido amplo) / princípio da
juridicidade:
De certa maneira, digamos que esta evolução passa por aquela evolução também do próprio
Estado. No Estado de Direito democrático contemporâneo o princípio da legalidade tem um
alcance mais vasto do que o que tinha no início da era constitucional (durante o período do Estado
de Direito liberal). Parece-nos, portanto, relevante fazer referência a esta transformação, porque
não é uma questão puramente descritiva, mas é uma forma de perceber-se melhor o sentido atual
do princípio da legalidade em sentido amplo.
No entendimento originário e, portanto, no início da era constitucional, a ideia de separação de
poderes assegurava também um espaço de autonomia originária ao poder executivo, porque a lei
constituía somente um limite, mas não um fundamento necessário da atividade administrativa.
A subordinação da Administração à lei no século XIX desdobrava-se, por isso, em apenas dois
subprincípios:
2. Verificou-se uma quebra da teoria das relações especiais de Direito Administrativo, que
isentavam da reserva de lei as restrições aos Direitos Fundamentais de certas categorias
de pessoas - ex.: artigos 269.º e 270.º CRP em relação aos funcionários públicos e aos
militares e membros das forças de segurança.
O fundamento da reserva de lei em sentido próprio, ou seja, enquanto reserva legal da disciplina
jurídica primária de determinadas matérias, continua a ser essencialmente o princípio democrático
segundo o qual as decisões fundamentais do poder público devem ser efetuadas pela ei emanada
da assembleia representativa. Entre elas devem estar, designadamente, as restrições a direitos
fundamentais e as matérias de maior importância para a sociedade.
ASPETO IMPORTANTE NO SUBPRINCÍPIO DA RESERVA DE LEI: Nos casos em que
o Governo detém poderes legislativos próprios, surge, ao lado da reserva de lei em sentido geral,
uma reserva de lei parlamentar, vedando certas matérias à intervenção legislativa do Governo
artigos 164º e 165º CRP.
Trata-se de uma questão de repartição de poderes legislativos entre o Governo e a Assembleia da
República, o qual não afeta, porém, a questão da reserva de lei. Portanto, quando a reserva de lei
não é acompanhada da reserva de lei parlamentar, isso quer dizer que o Governo tem de utilizar
os seus poderes legislativos e não os poderes regulamentares.
Desse modo, a questão não é despicienda nos termos do fundamento da reserva de lei, visto que
a Assembleia da República pode chamar sempre a controlo os Decretos-Leis, nos termos de um
mecanismo constitucional previsto no artigo 169º CRP, o que não sucede com os regulamentos
administrativos.
Também aqui se verificou uma ampliação do seu efeito limitador, mesmo no seu sentido
puramente negativo, impedindo a Administração de praticar atos que contrariem o disposto na
lei, visto que se multiplicaram as leis que disciplinam a atuação da Administração, para além da
reserva constitucional de lei.
De facto, com o tempo, não se soube avençar a teia legislativa, pelo que a Administração foi sendo
cada vez mais limitada pela lei. E isso, aliás, por um lado reforça a vinculação da Administração,
mas, por outro lado, por vezes verifica-se uma torrencialidade legislativa que cria não poucas
dificuldades na interpretação e na aplicação da lei por parte da Administração.
De qualquer modo, a densificação legislativa é também um processo de identificação da
subordinação e da vinculação da Administração à lei e ao Direito.
No entanto, a mudança mais relevante tem a ver com um NOVO ENTENDIMENTO, agora
mais exigente, do princípio da legalidade: de facto, a lei deixou de ser apenas um limite para a
Administração, para passar também a ser um pressuposto e fundamento de toda a atividade
administrativa.
Enquanto que, anteriormente, fora da esfera da reserva de lei, era lícita a atividade administrativa,
desde que não contrária à lei, agora, toda a atividade administrativa só pode ser legítima com
base na lei. Passa, assim, a figurar, ao lado do princípio do primado da lei em sentido negativo,
o princípio geral da precedência da lei. Este princípio consubstancia-se na necessidade de
habilitação legal para todo e qualquer ato jurídico da Administração – não há, a partir de agora,
Administração sem lei.
NOTA: Portanto, aos subprincípios da reserva e do primado da lei, vem acrescentar-se um
terceiro subprincípio que é, a ver do professor, a principal alteração do princípio da legalidade
relativamente aos seus momentos iniciais.
Todavia, isto não quer dizer que a Administração tenha perdido toda a liberdade de atuação, como
se tivesse passado a ser um mero braço executivo da lei, aplicando, a cada caso concreto, as
soluções previstas na lei. Pelo contrário, a Administração conserva uma extensa liberdade de
decisão; simplesmente, a partir deste novo entendimento do princípio da legalidade, a própria
liberdade de decisão da Administração carece de atribuição/autorização legal, pelo que só
existe se e na medida em que a lei lhe confira esses passos/ essas margens de liberdade de decisão.
A Administração deixou, assim, de ser uma atividade originariamente livre dentro dos limites da
lei, para passar a ser uma atividade subordinada à lei, mesmo no que respeita à liberdade de
que pode dispor.
De resto, mesmo fora da reserva de lei, existem aspetos que estão vedados à Administração. Isto
por a lei não lhe dar liberdade para tal, pois toda e qualquer atuação da Administração tem que
ter por base uma lei que lhe determine, no mínimo, os interesses públicos a satisfazer e os órgãos
encarregados de os prosseguir, isto é, a competência do órgão (artigo 3.º, n.º 1 CPA).
No fundo, podemos dizer até que se verificou mesmo uma universalização da reserva de lei,
pois é necessária uma habilitação legislativa mínima para toda a atividade administrativa,
deixando de haver Administração à margem da lei, como sucedia no Estado de Direito liberal
NOTA: Todavia, importa manter a noção específica de reserva de lei enquanto espaço em que só
a lei pode definir o regime substantivo, sem poder deixar à Administração mais do que a sua
regulamentação executiva.
NOTA: Tal como não existem atos administrativos sem lei, também não pode haver regulamentos
ou contratos administrativos sem lei.
É claro que a Administração pode dispor de autonomia para praticar ou não praticar certos atos
(é a chamada «discricionariedade quanto ao âmbito»), bem como pode dispor de autonomia
regulamentar e contratual, mas trata-se sempre de espaços de liberdade conferidos, delimitados e
limitados pela lei – DEIXOU DE HAVER ATIVIDADE ADMINISTRATIVA
ABSOLUTAMENTE INDEPENDENTE DA LEI. O que deixou de haver foi a atividade
administrativa absolutamente independente da lei.
Convém, ainda, salientar que, na atualidade, existem alguns deveres (além destes, que são
negativos) positivos para a Administração, que resultam do princípio da legalidade numa época
em que se reconhece a Administração, não só na sua vertente agressiva, mas também prestacional
(constitutiva e de prestações, tal qual é apanágio do Estado Social e de Direito).
No Estado liberal, o princípio da legalidade visava delimitar e limitar a Administração agressiva,
isto é, as intrusões da Administração na esfera da liberdade e da propriedade dos particulares.
Tratava-se de proibir restrições ou lesões para além das que a lei admitia, pelo que no
princípio da legalidade importava normalmente a ilegalidade da atuação da Administração
desconforme com a lei, por violação do princípio da primazia/preferência da lei. Por isso, a
violação da lei era feita por ação administrativa, bastando a anulação da decisão administrativa
ilegal para corrigir a ilegalidade.
Daí o papel central do recurso contencioso de anulação nas garantias dos particulares contra a
Administração e também a importância do pedido da suspensão da eficácia do ato ao nível dos
processos cautelares.
No entanto, no Estado Social, a lei não se limita a dizer o que a Administração pode ou não
pode fazer (faculdades ou proibições de atuação), mas também o que ela deve fazer em
benefício dos cidadãos.
No domínio da Administração de prestações (típica do Estado Social, mas que se mantém ainda
que diminuída), a lei impõe, muitas vezes, obrigações positivas à Administração em relação aos
particulares, através de deveres de «fazer» ou «prestar» – ex.: cuidados de saúde, prestações de
Segurança Social, subsídios, etc.
Todavia, esta tese tem vindo a ser contestada sendo hoje dominante a doutrina que vê o
princípio da legalidade como cobrindo todas as manifestações da Administração
Pública, inclusive as da Administração de prestações e não apenas as da Administração
agressiva.
Portanto, o princípio da legalidade como limite e fundamento, mas sobretudo como fundamento,
aplica-se a todas as manifestações da atividade administrativa (sejam elas agressivas, isto é,
limitadoras; seja no âmbito da atividade prestacional).
Quais as razões que acompanham a doutrina dominante para fundamentar esta tese?
Em quinto lugar, o princípio da legalidade não está apenas ao serviço da proteção dos
direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos dos particulares, mas também da
proteção do interesse público tal como definido pelo legislador, no sentido de que há
sempre a primazia do legislador sobre a Administração (ex.: compete à lei definir e
qualificar os interesses públicos, pelo que a Administração não goza de nenhuma
liberdade em matéria da escolha dos fins que devem orientar a sua atuação).
Em sexto lugar, nos termos do artigo 266.º CRP, a subordinação da Administração à
Constituição, à lei e aos princípios gerais de Direito Administrativo vale para toda a
atividade administrativa (seja de natureza agressiva ou de natureza prestacional).
(ex.: um ato que respeite a lei que imediatamente o disciplina pode ser ilícito pelo facto de esta
lei ser inconstitucional)
Ora, a questão que se coloca é a de saber se a Administração pode deixar de respeitar, isto é,
desaplicar o parâmetro normativo mais próximo (aquele que disciplina imediatamente a situação
e que a vincular), com fundamento na ilegalidade do mesmo por violação de um parâmetro
normativo superior?
Pode um órgão ou um agente administrativo, por exemplo, deixar de aplicar um regulamento por
o considerar ilegal; ou uma lei, por a considerar inconstitucional?
Por outras palavras, cabe à Administração o poder, ou recai sobre ela um dever de fiscalização
da legalidade ou constitucionalidade das normas que disciplinam imediatamente a sua
atividade?
O problema tem sido discutido, quer em sede doutrinal, quer ao nível da jurisprudência, pese
embora se tenha discutido, sobretudo, ao nível da constitucionalidade. Ora, é doutrina maioritária,
mas não incontroversa, aquela que defende que, em princípio, e salvo casos extremos, a
Administração não pode invocar a possível inconstitucionalidade ou ilegalidade para não
aplicar a norma que disciplina imediatamente a sua atividade.
Argumentos:
1. A Constituição só refere a fiscalização da constitucionalidade pelos tribunais (artigo
204.º CRP) e não pela Administração. Só aqueles têm poder para não aplicar normas
infraconstitucionais por violação da norma fundamental, o que quer dizer que não
foram contempladas outras hipóteses.
2. As referencias ao artigo 18.º, n.º 1 e 266.º, n.º 2 CRP podem também querer dizer
que as normas constitucionais valem para a Administração, mesmo na ausência de
lei, sempre que se trate de normas diretamente exequíveis por si mesmas, pelo que
nem só à lei deve a Administração obediência (não havendo lugar a conflitos de
normas).
No fundo este segundo argumento faz uma leitura diferente do artigo 18.º e 266.º, n.º 2
da CRP, relativamente à tese anteriormente vista.
Porquê?
Fundamentalmente por dois argumentos:
Em primeiro lugar, a falta de previsão constitucional ou legal para conceder tal poder à
Administração – estando aqui em causa o subprincípio da precedência de lei.
Ou seja, não há norma legal que atribua expressamente à Administração tal poder.
Estivemos até agora a analisar esta questão, essencialmente, do ponto de vista do direito interno,
no entanto, no que respeita ao Direito da União Europeia, poder-se-á colocar igualmente a
questão: qual é o entendimento da jurisprudência comunitária?
O entendimento da jurisprudência comunitária é de que incumbe às autoridades
administrativas dos Estados-Membros fazer prevalecer o Direito da União Europeia, seja
originário ou derivado, o que implica um dever de desaplicação do direito interno que contrarie
esse Direito europeu, dando assim à Administração o poder e o dever de verificar a conformidade
do seu direito interno com o Direito da União Europeia.
É certo que aqui se pode invocar a norma do artigo 8.º, n.º 4 CRP, segundo a qual o Direito da
União Europeia vale na ordem interna nos termos previstos pela própria ordem comunitária, o
que pode dar cobertura constitucional a esta fiscalização administrativa da conformidade do
direito interno com o Direito da União Europeia.
Já sobre o ponto de vista do controlo judicial da atividade administrativa, não pode haver dúvidas
de que os tribunais podem e devem, seja oficiosamente ou a pedido dos interessados, verificar,
não somente a conformidade da atividade administrativa face aos parâmetros normativos
imediatos, mas também verificar a conformidade destes parâmetros normativos imediatos com os
parâmetros normativos superiores (incluindo a Constituição ou qualquer norma europeia).
Na verdade, se os juízes não podem aplicar normas que infrinjam a Constituição, nos termos do
artigo 204.º CRP, então também não podem deixar de aferir a conformidade constitucional das
normas conformadoras da atividade administrativa quando se trate de avaliar a legalidade desta.
Uma decisão administrativa, mesmo que conforme à lei que a regula, terá de ser considerada ilegal
quando essa norma seja ela mesmo ilegal (ex.: incluindo a violação de uma lei de valor reforçada,
violação de um tratado internacional vigente na ordem interna, etc.).
«Os atos administrativos praticados em estado de necessidade, com preterição das regras
estabelecidas no presente Código, são válidos, desde que os seus resultados não pudessem ter
sido alcançados de outro modo, mas os lesados têm o direito de ser indemnizados nos termos
gerais da responsabilidade da Administração.»
NOTA: nós já vimos que as formas de atividade administrativa (atos, regulamentos, contratos)
necessitam, normalmente, de um procedimento administrativo. Contudo, aqui, numa situação de
estado de necessidade, a Administração Pública está legalmente autorizada a decidir sem ter de
seguir o procedimento estabelecido para as situações de normalidade.
Em segundo lugar, pode ainda atuar sem ter por base um ato administrativo prévio (2).
Ora, para além do n.º 2 do artigo 3.º CPA, podemos ainda trazer à colação o artigo 177.º, n.º 2
CPA em matéria de execução dos atos que diz:
Depois, no Código de Expropriações podemos ainda ver a situação que tem lugar no artigo 16.º,
que tem como epígrafe «Expropriação urgente». Neste caso decaem certas garantias dos
particulares (ex.: desde logo a Administração pode entrar imediatamente na posse administrativa
do bem, o que é uma consequência dos procedimentos urgentes).
Então, o artigo 177.º, n.º 2 CPA prevê a possibilidade de a Administração atuar sem que haja uma
decisão administrativa prévia, tal como o artigo 3.º, n.º 2 CPA, ao passo que este artigo 16.º do
Código de Expropriações prevê a hipótese de nem sequer haver qualquer procedimento prévio.
Aliás, esta mesma hipótese não está igualmente afastada do n.º 2 do artigo 3.º CPA.
A partir destas disposições legislativas é lícito retirar a conclusão de que o estado de necessidade
é um princípio, também, do Direito Administrativo válido para todas as áreas da atuação
administrativa, que permite à Administração decidir e/ou mesmo atuar à margem da lei, quer
tomando decisões que normalmente seriam ilícitas (quanto ao conteúdo e quanto à forma), quer
atuando diretamente sem decisão prévia.
O estado de necessidade torna lícitas medidas e decisões tomadas para enfrentar esse mesmo
estado de necessidade, afastando a ilegalidade em que elas possam incorrer. No entanto, é preciso
notar que as medidas adotadas pela Administração em estado de necessidade só são legítimas se
respeitarem o princípio da proporcionalidade em sentido amplo (princípio geral de toda a
atividade administrativa).
EM SUMA:
Só podem ser tomadas medidas ilegais respeitando três requisitos:
O estado de necessidade, como vimos, não pode legitimar atuações dispensáveis, despropositadas,
que nenhuma relação tenham com a situação de necessidade em causa; nem atuações excessivas
(ex.: não tinha qualquer adequação requisitar camionetes para salvar pessoas que estão
rodeadas de água)
Além disso, as medidas que causem danos aos particulares, apesar de lícitas, por justificadas pelo
estado de necessidade, dão lugar a uma indemnização/à reparação correspondente (artigo 3.º, n.º
2 CPA e regras gerais da responsabilidade civil da Administração [responsabilidade
extracontratual por atos lícitos – artigo 16.º da lei 67/2007]).
Ela justifica ainda o regime do caráter não suspensivo da impugnação judicial dos atos
administrativos, a não ser em casos muito restritos, nos termos do artigo 50.º, n.º 2 CPTA
Ora, a esta doutrina e a estes argumentos podemos opor outra doutrina e outros fundamentos,
sufragando autores como José Soares e outros, sendo que esta considera que o regime a que estão
sujeitos os atos anuláveis, quanto à não suspensão da sua execução, não se baseia em qualquer
presunção da legalidade dos atos administrativos, mas no facto de se pretender evitar que o
exercício dos poderes públicos fique imediatamente paralisado por uma simples invocação
de uma ilegalidade no seu exercício, o que obviamente obstaria à produção dos seus efeitos
normais até à decisão final da questão.
Portanto, impediria que a Administração, no processo principal, através da tal invocação de uma
ilegalidade (ou de um vício, que sugerisse que o ato era anulável), ficasse paralisada, não podendo
executar o ato ou produzir alguns efeitos práticos do ato e impedida de realizar os efeitos públicos.
Por outro lado, durante muito tempo, a consideração da presunção da legalidade dos atos
administrativos contribuiu para dificultar desnecessariamente a tutela cautelar, nomeadamente o
processo cautelar relativo à suspensão de eficácia do ato, limitando-se de forma grave o princípio
constitucional da tutela jurisdicional efetiva.
Lei anterior ao novo CPTA (artigo 76.º Lei do Processo nos Tribunais Administrativos) exigia
que se reunissem 3 requisitos cumulativos:
1. Que o ato causasse um prejuízo de difícil reparação na esfera jurídica do particular;
2. Que da suspensão da execução não resultasse uma grave lesão para o interesse público;
3. Que do processo não resultasse indícios da interposição da ilegalidade da ação.
Portanto, estes 3 requisitos cumulativos dificultavam, pelo menos inicialmente, o decretamento
por parte do juiz da tutela cautelar (neste caso do pedido da suspensão da eficácia do ato).
Só mais tarde é que a jurisprudência começou a fazer uma interpretação dos artigos da Lei do
Processo dos Tribunais Administrativos em conformidade com a CRP, sendo que se foi
ultrapassando estas limitações que resultavam diretamente da Lei do Processo dos Tribunais
Administrativos.
Para concluir, ao contrário do que pode dar a entender na presunção da legalidade dos atos
administrativos, podíamos dizer que o ónus da prova de uma ação judicial impugnatória não
recai apenas sobre quem invoca a ilegalidade do ato contra a Administração, que
naturalmente deve justificar a sua alegação de ilegalidade, mas também recai sobre a
Administração que o praticou, que deve igualmente fundamentar a sua legalidade.
Portanto, digamos que há aqui uma certa repartição objetiva do ónus da prova pelo autor
recorrente e pela Administração; e não apenas pelo autor (o que seria desequilibrado).
Num sistema de Administração executiva puro as decisões da Administração gozavam de uma
espécie de autoridade ‘de coisa decidida’, como diz a doutrina francesa, uma vez que os
particulares afetados teriam sempre de recorrer a um tribunal para as impugnar se quisessem ver
tuteladas e defendidas as suas posições jurídicas ofendidas pela atuação da Administração.
Apesar de não se ter passado da Administração executiva para a Administração judiciária, hoje
em matéria de execução dos atos administrativos há um conjunto de garantias dos particulares
que limitam, em grande medida, a autotutela executiva da Administração – possibilidade de
executar por meios próprios os atos administrativos impositivos desfavoráveis para os
particulares.
Para terminar, diga-se somente que os atos administrativos e demais medidas da Administração
devem considerar-se COMO SE FOSSEM LEGAIS ATÉ JUDICIALMENTE SER
DECIDIDO O CONTRÁRIO – é uma questão de cautela. Este princípio da presunção da
legalidade atualmente considera-se ultrapassado no ordenamento jurídico-administrativo
português e no ordenamento jurídico-constitucional.
Bibliografia:
COLAÇO ANTUNES, A Ciência Jurídica Administrativa, op. cit., pp. 223 a 259; 499 a 509; COLAÇO ANTUNES, O
Direito Administrativo e a sua Justiça..., op. cit., pp. 32-64; FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito
Administrativo, vol. II, op. cit., pp. 29 a 55; ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, vol. I, Coimbra, 1984,
pp. 344-369; RUI MACHETE, "Privilégio de execução prévia", in DJAP, vol. VI, pp. 448 e ss; COLAÇO ANTUNES,
A Teoria do Acto e a Justiça Administrativa, Coimbra, 2006, pp. 38-43; MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições...,
op. cit., p. 99 e ss; COLAÇO ANTUNES, Direito Público do Ambiente, Coimbra, 2008, pp. 109-119. NOTA: A
matéria sumariada corresponde à aula do dia 30 de novembro e à aula de substituição do dia 1 de dezembro.
Aula n.º 22 – 7-12-2020 – ‘1. Princípios gerais materiais da atividade administrativa: os princípios da
razoabilidade, da justiça, da proporcionalidade, da igualdade, da boa fé e da boa administração.’
No fundo, o que este princípio impõe é um dever de tratamento equitativo, quer ao longo do
procedimento administrativo, quer ao conteúdo das decisões administrativas. E esta leitura
cautelosa do conteúdo do princípio da justiça é manifesta na jurisprudência do STA.
No entanto, este princípio tem um alcance muito limitado, pois o próprio legislador configura-o
como um princípio residual, em face de todos os demais princípios gerais da atividade
administrativa – a própria norma é clara nesse sentido.
A limitação da sua relevância é feita com referência a casos limite, não reconduzíveis aos demais
princípios, porque estes, na verdade, são uma derivação direta do princípio da justiça. Portanto, o
facto deste princípio se reservar apenas a “soluções manifestamente incompatíveis com a ideia de
Direito” pretende não pôr em causa a utilidade, não só do princípio da justiça, como dos demais
princípios dele derivados.
Uma interpretação mais generalista deste princípio resultaria no esvaziamento dos demais
princípios gerais da atividade administrativa, pelo que este princípio da justiça tem de ser lido de
uma forma rigorosa e tem de ter uma aplicação bastante limitada aos casos previstos no artigo 8º
CPA.
Essa escolha faz-se aplicando o princípio da interpretação conforme à CRP (1) e o princípio
da interpretação conforme ao Direito da União Europeia (2). À partida, por via da aplicação
destes princípios, ficamos apenas com um sentido possível e todos os demais serão inadmissíveis.
Mas, se assim não for, terá o intérprete de fazer a sua escolha.
Posto isto, a consagração do princípio da razoabilidade ao nível da interpretação acaba, de certa
forma, por lembrar o intérprete da necessidade, nesse exercício criativo, de tomar em
consideração as circunstâncias do caso concreto e os critérios de interpretação.
E em relação aos conceitos indeterminados, que são usados pelo legislador, a par da
discricionariedade, para flexibilizar o princípio da legalidade e para dar margem de manobra à
Administração Pública? Se, na norma, estiverem previstos conceitos indeterminados, qual é o
papel do princípio da razoabilidade?
Desde logo, convém perceber que os conceitos indeterminados não atribuem poderes
discricionários à Administração Pública, porque situam-se, não no momento da decisão, mas da
interpretação (momento anterior à tomada da decisão), pelo que o que se atribui à Administração
Pública é uma tarefa de densificação e de concretização – função, de certa forma, co constitutiva
da própria norma.
Esta função tem claramente fragilidades, nomeadamente o facto de permitir que haja alguma
desarmonia no plano do agir administrativo, na medida em que, por se projetar no enquadramento
jurídico de determinada atividade administrativa, não deixará de se projetar na atuação em si
mesma.
Assim, quando a norma prevê conceitos indeterminados, não deixa o legislador de, nessa tarefa
de densificação, de ver respeitado o princípio da razoabilidade no exercício dessa mesma tarefa,
devendo a interpretação dada à norma ser razoável, quer à luz do circunstancialismo do caso
concreto, quer à luz dos critérios de interpretação.
No entanto, o princípio da razoabilidade não se aplica apenas no momento da interpretação da
norma, mas também ao momento da qualificação jurídica dos factos (terceiro momento).
A qualificação jurídica é um processo intelectual por via do qual o operador jurídico aprecia os
factos objeto de qualificação e interpreta um determinado instituto jurídico com ou sem auxílio
da sua definição.
O procedimento termina com uma tomada de decisão de recondução ou não do objeto da
qualificação a uma determinada norma e o efeito da decisão é a aplicação ou não de um
determinado regime jurídico.
(ex.: Se se chega à conclusão de um determinado ato jurídico merece a qualificação como ato
administrativo (artigo 148º CPA), isso significa que aquele ato jurídico vai estar sujeito ao
regime jurídico dos atos administrativos)
Esta violação do princípio da razoabilidade tem como consequência a anulabilidade, nos termos
do artigo 163.º, n.º 1 CPA.
A prática de qualquer ato jurídico (seja ele qual for) é antecedida de um procedimento
administrativo, que tem, em regra, a seguinte estrutura:
A fase de iniciativa, podendo ter sido iniciado oficiosamente pela Administração Pública
ou a pedido de terceiro;
Segue-se a fase da participação dos interessados, na qual estes são ouvidos, tendo por
referência um projeto de decisão elaborado no fim da fase de instrução e que lhes é
notificado para pronúncia em audiência prévia. A audiência prévia pode ser realizada por
escrito ou oralmente;
Esta figura é a única situação de delegação obrigatória prevista no CPA e justifica-se pela
necessidade de garantia da imparcialidade do órgão com competência decisória, na medida em
que este não entra em contacto direto, nem com os factos, nem com os interessados no
procedimento, mas apenas no momento da tomada da decisão, tendo por base um relatório por
aquele elaborado, nos termos do artigo 126º CPA.
Portanto, o princípio da proporcionalidade acaba por ter de estar respeitado, não só pelo órgão
com competência decisória, mas também pelo responsável pelo procedimento, pois é este que
elabora o relatório e que propõe um sentido de decisão que, depois, é seguido ou não por aquele.
Assim, esse relatório acaba por ter uma participação co constitutiva na tomada da decisão.
Finalizada esta nota, importa ainda referir que o artigo 7º CPA desdobra o princípio da
proporcionalidade em dois números:
O n.º 1 prevê a dimensão da adequação, que implica uma ponderação entre o meio
escolhido e o fim a prosseguir, na medida em que o meio terá de ser o mais apto a alcançar
o interesse público definido na lei.
Assim, por proporcional tem-se uma conduta adequada e apta à situação concreta, considerando
o interesse público a prosseguir; não excessiva ou desnecessária, na medida em que envolve para
os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares um mínimo de sacrifício; que traduz
uma ponderação equilibrada entre os custos e benefícios dela resultantes.
Por outro lado, não é um parâmetro apenas da atividade administrativa propriamente dita
(ou seja, da atividade administrativa que produz efeitos jurídicos na esfera jurídica de
terceiros), mas também vincula a atividade da organização administrativa
(organização administrativa em sentido dinâmico).
Além disso, a relevância do princípio da proporcionalidade é tanto maior quanto
maior for o grau de autonomia decisória da Administração Pública: se estivermos
perante uma atividade administrativa estritamente vinculada, em que não há espaço de
livre decisão, não há grandes ponderações a fazer do ponto de vista da tomada de uma
decisão proporcional, pois o princípio da proporcionalidade implica que tenhamos
alternativas de decisão por forma a escolhermos qual delas é a mais necessária, adequada
e proporcional.
A sua violação implica um efeito invalidante, que se traduz num vício material, cuja
consequência jurídica é a anulabilidade e, se daí forem gerados prejuízos, há também
lugar a responsabilidade civil;
Artigo 167º, n.º 5 CPA – refere-se à revogação de atos administrativos (válidos) que
concedem direitos ou posições de vantagem a particulares os direitos e interesses
legalmente protegidos de terceiros de boa fé são protegidos da revogação desses mesmos
atos;
NOTA: a revogação não tem por fundamento a invalidade, mas sim a sua inconveniência e
inoportunidade.
Artigo 162º, n.º 3 CPA – está em causa a atribuição de efeitos jurídicos a situações de
facto decorrentes de atos nulos à partida, os atos nulos não produzem efeitos
jurídicos, mas a verdade é que eles podem produzir efeitos de facto aos quais devem ser
reconhecidos efeitos jurídicos se os terceiros a que esses factos se referirem estiverem
de boa fé.
(ex.: uma licença de construção, que viola um Plano de Diretor Municipal, conferida a um
particular que a solicitou. A pessoa que o solicitou confia na validade dessa licença e constrói
a sua habitação. Apesar de a licença de construção ser nula, a casa foi construída ao seu
abrigo. Assim, sendo declarada a nulidade da licença a obra não será demolida se o particular
estiver de boa fé, por força do artigo 162º, n.º 3 CPA + 68.º do Regime jurídico de urbanização
e edificação)
Se o fizer, o ato pode ser anulado, no prazo de 5 anos, nos termos do artigo 168º, n.º 4 CPA. Se
a atuação do cidadão configurar a prática de um crime, estaremos a falar em nulidade, nos termos
do artigo 161º, n.º 2, alínea c) CPA.
A boa fé como proibição de abuso de direito e de fraude à lei – esta é uma cláusula
residual que se reconduz a situações de manifesto excesso dos limites impostos pela boa
fé, pelos bons costumes e pelos fins que lhes estão associados.
Há abuso de direito, por exemplo, quando alguém tenha adotado uma conduta ilícita e, depois, se
venha a prevalecer dessa situação e exigir a terceiro o acatamento dessa conduta por si violada ou
arguir essa violação a terceiro. No fundo, há abuso de direito em todas as situações de venire
contra factum proprium que NÃO se reconduzam a condutas lícitas (aí já cabem no
subprincípio anterior).
6. Princípio da igualdade (artigos 13.º, 266.º CRP e 6.º CPA) – é uma decorrência da ideia
de justiça, tendo uma dupla vertente: em termos formais, todos devem ser tratados do
mesmo modo; em termos materiais, as diferenças factuais justificam um tratamento
diferenciado, desde que este seja objetivo, razoável e racionalmente alicerçado, o que
significa que daqui resulta a proibição de discriminações que não obedecem a estes
critérios (artigo 13º, n.º 2 CRP).
Desde logo, este princípio começa por vincular o legislador, impondo uma igualdade perante a
lei e na formulação do Direito, sob pena de inconstitucionalidade da norma.
No que diz respeito ao agir administrativo, entende-se que há violação do princípio da igualdade
quando temos decisões diferentes para situações factuais semelhantes ou decisões iguais para
situações factuais que exigem um tratamento diferenciado.
Posto isto, a aferição de uma violação do princípio da igualdade impõe uma comparação das
situações de facto subjacentes, de forma a identificar as similitudes e as disparidades.
(ex.: Dois militares que, na mesma altura, solicitaram a passagem à reserva. Um deles viu o
seu pedido indeferido por existir um défice superior a 5% na sua categoria, quanto ao seu posto
e especialidade. O outro militar viu o seu pedido deferido, embora também não preenchesse o
mesmo requisito. Portanto, ambos têm situações de facto iguais, mas, na primeira, o não
preenchimento do requisito levou ao indeferimento da decisão e, na segunda, não)
O militar que viu o seu pedido indeferido por falta de preenchimento do requisito de que dependia
o deferimento do seu pedido pode invocar o facto de ter sido deferido a outro militar numa
situação semelhante esse mesmo pedido, apesar de lhe faltar esse requisito?
Ou seja, alguém pode reivindicar para si um tratamento favorável que a Administração conferiu
ilegalmente a um terceiro? Prevalece o princípio da igualdade ou o princípio da legalidade?
Na doutrina, entende-se que só há igualdade na legalidade, ou seja, um particular não se pode
fazer valer de uma atuação ilegal da Administração Pública numa situação factual semelhante à
sua para o efeito de a reivindicar para si (assim, o militar da primeira situação não o poderia
fazer).
Procedimental – exige à Administração Pública uma atuação num prazo razoável e com
utilização dos meios estritamente necessários (eficiente).
NOTA: Esta ideia está muito ligada à nova cultura da Administração Pública, que começou por
ser bastante burocrática, foi substituída pela cultura da gerência pública e, agora, a cultura da
corporate governance, inspirada no modo de funcionamento das empresas privadas. E é
precisamente neste âmbito que este princípio deve ser lido na perspetiva material.
No fundo, na dimensão material, a boa administração combina a correção da atuação com a
eficácia na prossecução de um determinado interesse público e, do ponto de vista procedimental,
combina-se a eficiência na utilização dos meios com a resolução desse problema num prazo
razoável.
De facto, numa Administração Pública de resultados como a que temos hoje, a Administração
está muito direcionada para a ideia de uma prossecução otimizada do interesse público,
seguindo critérios de eficiência e de eficácia.
E esta realidade estende-se ao próprio desenho organizativo e até ao próprio legislador na
elaboração das normas, impondo-se-lhe perceber que deve promover a eficiência e a eficácia da
atuação administrativa por via das normas que elabora e que vão vincular a Administração
Pública. Por outro lado, a Administração Pública deve, na tomada de decisões, ter isso em
consideração, quer se trate de matéria organizativa, quer se trate da sua atividade.
Há um problema que se coloca ao nível deste princípio: questão de saber se pode funcionar
ou não como um critério de controlo por parte dos tribunais relativamente à atuação da
Administração Pública.
A questão não é fácil, porque, quando se fala de eficiência e de eficácia, facilmente se confunde
o plano da legalidade com o plano do mérito e a tendência é a jurisprudência ser cautelosa na
leitura. Agora, este princípio não deixa de ter algum nível de juridicidade.
Antes de relevar do ponto de vista do controlo jurisdicional, o facto de uma atuação ser eficiente
e eficaz tem relevância no âmbito da tutela de mérito e superintendência; no plano dos
mecanismos de garantia administrativa e da revogação administrativa; para efeitos de
avaliação do desempenho e de determinação de responsabilidade disciplinar.
Agora, um tribunal, que tem os seus poderes limitados à apreciação da legalidade da atuação da
Administração Pública, pode anular um ato administrativo com fundamento na sua ineficácia ou
ineficiência?
Depende.
Há situações em que a exigência de eficiência e eficácia se traduzem em obrigações
específicas previstas em normas, como acontece, por exemplo, na necessidade de um
parecer prévio que aprecie a viabilidade económica de uma empresa. Nestes casos, não
há uma aplicação autónoma do princípio da boa administração, senão uma concretização
do princípio da boa administração num determinado domínio, sendo que, havendo uma
violação, a violação é dessa norma e não do princípio em si/de forma autónoma.
Porque pode acontecer que o legislador não tenha isso em consideração e, por isso, a
Administração Pública se venha a confrontar, num caso concreto, com a situação de confronto
entre a eficiência e a eficácia, por um lado, e a legalidade, por outro. Nestes casos, o princípio
da legalidade ganha, pois ele deve ser devolvido ao legislador para este resolver.
Por outro lado, também há que ter em consideração que não podemos considerar a eficiência e a
eficácia como valores absolutos – os restantes princípios gerais da atividade administrativa
devem estar presentes e elas não se lhes devem sobrepor.
Aula n.º 23 – 14-12-2020 – ‘1. Conclusão da aula anterior. 2. Os princípios da prossecução do interesse
público, da proteção dos direitos e interesses legalmente protegidos e da responsabilidade.’
8. Princípio da prossecução do interesse público (artigo 266.º, n.º 1 CRP + 4.º CPA) –
diz-nos que a atividade que a Administração Pública desempenha visa a prossecução de
fins de interesse público.
Desta limitação retira-se, desde logo, o facto de a Administração Pública não poder prosseguir
interesses que não sejam interesses públicos, sob pena de haver lugar a desvio de poder, cuja
consequência jurídica seria a nulidade, nos termos do artigo 161.º, n.º 2, alínea e) CPA, sem
prejuízo de existir também eventualmente responsabilidade criminal.
Da mesma forma, deste princípio resulta que as entidades administrativas têm as suas atribuições
delimitadas em função dos interesses públicos que a lei lhes confiou, pelo que, se ultrapassarem
essas atribuições conferidas pela lei, haverá lugar a um vício orgânico de incompetência
absoluta, cuja consequência jurídica também será a nulidade, nos termos do artigo 161.º, n.º
2, alínea b) CPA.
Em terceiro lugar, deve também notar-se o facto de, em termos práticos, se prosseguir o interesse
público, mas o interesse público que se prossegue não ser o interesse público que foi atribuído
àquela entidade administrativa pela lei – nesse caso, haverá lugar, além de vício orgânico de
incompetência absoluta (com a consequência jurídica da nulidade), um desvio de poder que,
neste caso, não terá como consequência a nulidade, mas a anulabilidade, nos termos do artigo
163.º, n.º 1 CPA.
Além disso, cada órgão administrativo exerce a sua competência tendo como motivo determinante
o interesse público visado/atribuído pela lei – e é à luz desse interesse público que as suas
competências são definidas.
Portanto, num Estado de Direito democrático, este princípio acaba por ser um limite essencial
e inultrapassável, independentemente do tipo de atividade administrativa que esteja a ser
desempenhada, ou seja, o princípio da prossecução do interesse público é limite de toda e qualquer
atividade administrativa desempenhada por entidades administrativas, tenham elas uma natureza
pública ou privada, e vincula de igual forma, independentemente de essa atividade ter uma
natureza vinculada ou discricionária.
Isto porque a função administrativa é uma função secundária, subordinada à função legislativa,
devendo o legislador, por isso, fazer o melhor uso possível deste seu poder de pré-conformação,
não se esquecendo nunca de que há um espaço que tem de estar necessariamente reservado à
Administração Pública, a fim de, em face do circunstancialismo do caso concreto, ela ser a única
apta a tomar a melhor decisão.
Nesse sentido e por causa disso, o legislador vai equilibrando esta pré-conformação com a
atribuição de espaços de discricionariedade à Administração Pública, ou seja, de espaços de
livre decisão, que se podem refletir no conteúdo e sentido da decisão a tomar no caso concreto,
no momento em que se toma a decisão e na própria tomada ou não de uma decisão.
Tendo isto em conta, existem níveis diferentes de vinculação e níveis diferentes de
discricionariedade, mas há aspetos, independentemente disso, que estão sempre vinculados:
Competência – poderes funcionais dos órgãos que são atribuídos por lei, irrenunciáveis,
inalienáveis e que servem a satisfação de um determinado fim (artigo 36.º CPA).
Pressupostos de facto – estes factos são estabelecidos na fase de instrução (por via do
princípio do inquisitório) e é em relação a eles que se vai proceder à apreciação,
qualificação jurídica e à determinação do regime jurídico aplicável, bem como dos efeitos
jurídicos a eles associados.
Assim, os pressupostos de facto são vinculados, quer se trate de uma atividade
administrativa vinculada em maior ou menor medida, quer se trate de uma atividade
administrativa discricionária.
NOTA: A noção de interesse público é uma noção legal/jurídica, mas, por força, sobretudo, dos
princípios da proporcionalidade e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos
dos cidadãos, o interesse público que acaba por ser prosseguido já tem em consideração essa
ponderação. Portanto, a decisão tomada no final de um procedimento administrativo (no decurso
do qual são ponderados os interesses e os direitos dos interessados; outros interesses públicos
que tenham relevância e no decurso do qual é tomado, por referência o interesse público que
aquela entidade tem o dever de prosseguir) não deixa de prosseguir o fim de interesse público a
que aquela entidade está sujeita, mas, por força dos dois princípios anteriormente referidos,
prossegue esse mesmo fim de uma forma que não ponha em causa esses direitos, salvaguarde
esses interesses e respeite os parâmetros da proporcionalidade (necessidade, adequação e
proibição do excesso).
9. Princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos
(artigo 266.º CRP + artigo 4.º CPA) – por a Administração Pública estar sujeita ao
primado da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º CRP) e pela essência do Direito
Administrativo passar por uma conceção personalista da Administração Pública, impõe-
se às entidades administrativas o dever de se absterem de violar ou lesar, por ação ou
omissão, as posições ativas detidas pelos interessados.
Direitos subjetivos - o facto de ser titular de um direito subjetivo implica que a proteção que é
dada ao titular é direta e imediata. De tal modo que o interessado tem a faculdade de exigir à
Administração os comportamentos necessários tendo em vista a satisfação integral desse mesmo
direito, bem como a possibilidade de exigir em juízo a sua completa realização e o seu
cumprimento, no caso de violação ou não cumprimento por parte da Administração Pública.
Quando se fala de um interesse legítimo (legalmente protegido), a proteção é mais frágil por parte
da lei. Portanto, a sua proteção não é imediata; é indireta, ou seja, o particular não pode exigir à
Administração Pública que satisfaça integralmente o seu interesse, nem se pode dirigir aos
tribunais por forma a exigir esse respeito e a satisfação desse mesmo interesse.
O que a titularidade de um interesse legalmente protegido traz para o interessado é o direito que
o interessado tem a que a Administração Pública não o prejudique ilegalmente o
interessado não tem o poder de exigir a satisfação do seu interesse, mas tem o direito de exigir à
Administração (ou aos tribunais) que, na prossecução de fins de interesse público, não ponha em
causa a sua posição jurídica ativa. O interessado consegue isso quando solicita à Administração
Pública, com este fundamento, a anulação de atos administrativos, ou quando se dirige aos
tribunais e solicita a impugnação de um ato administrativo ilegal.
ISTO NÃO ACONTECE COM O FIM DE LHE SER ATRIBUÍDA ALGUMA COISA,
MAS COM A FINALIDADE DE OBRIGAR A ADMINISTRAÇÃO A REPENSAR O
ASSUNTO E A DECIDIR NOVAMENTE, SEM REINCIDIR NA ILEGALIDADE
COMETIDA.
(ex.: DIREITO SUBJETIVO Cumpridos um determinado número de anos de serviço, a lei
reconhece ao trabalhador o direito a pedir a passagem à reforma. Ora, esse trabalhador
solicita a passagem à reforma, mas ela é-lhe negada. Aqui está em causa a violação de um
direito subjetivo, pelo que, reclamando ou recorrendo junto da Administração Pública ou
reagindo contenciosamente junto de um Tribunal Administrativo, o trabalhador vai solicitar
precisamente a concretização desse direito subjetivo)
Contratual – se o que estiver em causa for a violação dos termos de um contrato. Esta
responsabilidade civil contratual depende do TIPO DE CONTRATO:
Se, pelo contrário, esse ato (ação ou omissão) tiver sido praticado ao abrigo de
normas de Direito Civil, essa responsabilidade seguirá o disposto no Código
Civil.
ATENÇÃO: Nesta Lei n.º 67/2007, não vamos encontrar apenas a responsabilidade civil
extracontratual pelo exercício da função administrativa, mas também a responsabilidade civil
extracontratual do Estado pelo exercício da função jurisdicional e da função político-legislativa.
A responsabilidade do Estado nestas duas funções é também civil EXTRACONTRATUAL (senão
não estaria nesta Lei) e é também sempre uma responsabilidade civil extracontratual por factos
ILÍCITOS.
Aula n.º 24 – 15-12-2020 – ‘1. Conclusão da aula anterior. 2. Conceitos indeterminados e discricionariedade’
Vínculo de Direito Privado, se o contrato que tiver sido celebrado com a entidade
empregadora tiver sido de Direito Privado ou um contrato individual de trabalho.
Vínculo de Direito Público, caso em que o contrato que tem com a entidade
empregadora foi celebrado ao abrigo da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Por via de um procedimento disciplinar que segue o disposto na Lei Geral do Trabalho
em Funções Públicas (no caso de vínculo de Direito Público).
Para danos morais, estes são, por definição, inquantificáveis, portanto, em relação aos
quais o critério de equidade é baseado num quantum doloris.
Se o contrato em causa tiver sido celebrado for um contrato for disciplinado por norma
de Direito Administrativo ou pelo Código dos Contratos Públicos, a responsabilidade
contratual seguirá o disposto no Código dos Contratos Públicos e, subsidiariamente, o
disposto no Código Civil.
Ou seja, para ser aplicável a Lei n.º 67/2007, não é necessário que os prejuízos tenham ocorrido
aquando da prática de poderes públicos de autoridade o que é necessário é que os prejuízos
tenham sido originados por um facto disciplinado por normas de Direito Administrativo, o que
transfere o problema para a natureza jurídica das normas que disciplinam o facto gerador do dano.
OU SEJA:
É preciso tentar perceber se o ato é regido por normas de Direito Público. Daqui resultam duas
hipóteses:
Se tal se verificar, trata-se de um ato (ação ou omissão) de gestão pública, e como tal a
responsabilidade civil extracontratual daí decorrente é disciplinada pela Lei n.º 67/2007.
Se for disciplinado por normas de Direito Privado, então o regime que disciplina a
responsabilidade civil extracontratual é já o previsto no Código Civil.
NOTA: este exercício de qualificação é essencial, uma vez que uma falha na qualificação do facto
gerador do dano como de gestão pública ou de gestão privada significa um erro no que se refere
ao regime jurídico aplicável e, portanto, significa um erro quanto aos pressupostos de
responsabilidade a cumprir.
NOTA: A Lei n.º 67/2007 tem algumas especificidades, sobretudo no plano da culpa, que não
encontram paralelo no Código Civil, sendo extremamente significativas, sobretudo, em termos de
prova.
Dentro da responsabilidade civil extracontratual, feita esta análise no sentido de saber qual o
regime jurídico que a irá disciplinar, precisamos de saber QUAL O TIPO DE
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
Aqui temos de fazer uma distinção entre 3 tipos diferentes:
Por factos ilícitos (artigos 7.º e seguintes da Lei n.º 67/2007), ou seja, uma
responsabilidade subjetiva que pressupõe a culpa.
Por factos lícitos (artigo 16.º da Lei n.º 67/2007) – redação do art. 16.º não é a mais feliz!
NO ENTANTO, a Lei n.º 67/2007 não disciplina apenas a responsabilidade civil extracontratual
por danos causados no exercício da função administrativa, mas também a responsabilidade civil
extracontratual por danos causados no exercício das funções jurisdicional e da função político-
legislativa.
No caso da função jurisdicional artigos 12.º, 13.º e 14.º;
No caso da função legislativa artigo 15.º
O que se sucede é que essa responsabilidade, no caso do Estado, por danos praticados no exercício
da função jurisdicional e por danos derivados de factos praticados no exercício da função político-
legislativa, é uma responsabilidade civil extracontratual, pela própria natureza da relação em
causa, que não é contratual.
Contudo, é preciso perceber que, pela configuração que é dada a esta responsabilidade, no caso
de o dano resultar do exercício da função jurisdicional ou político-legislativa, está configurada
como sendo sempre por FACTOS ILÍCITOS.
Há, no entanto, que realçar a situação dos CONCESSINÁRIOS e das entidades privadas que
integram a Administração Pública, como é o caso das EMPRESAS PÚBLICAS S.A. e das
EMPRESAS LOCAIS relativamente a estas, o artigo 1.º, n.º 5 da Lei n.º 67/2007 resolve o
problema.
É importante perceber se os atos de que resultam os danos são ou não atos de gestão pública ou
de gestão privada, uma vez que a Lei n.º 67/2007 só é aplicável a atos de gestão pública.
O exercício que se deve fazer é olhar para um concessionário ou para uma pessoa coletiva
privada sujeita a influência pública dominante e tentar perceber se o facto gerador do dano é
ou não disciplinado por normas de Direito Administrativo
Se for disciplinado por normas de Direito Administrativo, é irrelevante tratar-se de um
concessionário ou de uma pessoa coletiva privada sujeita a influência pública dominante,
porque a responsabilidade pelos danos causados pelos factos praticados ao abrigo de
normas de Direito Administrativo é disciplinada pela Lei n.º 67/2007.
NOTA: Esta questão não se coloca em relação à responsabilidade civil extracontratual do Estado
pelo exercício da função jurisdicional, nem na responsabilidade civil extracontratual do Estado
pelo exercício da função político-legislativa, pelo simples facto de que estamos a falar de funções
indelegáveis, por inexistir uma norma constitucional que habilite a sua delegação, e que não se
reconduzem ao exercício da função administrativa.
Âmbito da jurisdição administrativa:
1. Os Tribunais Administrativos são SEMPRE competentes para conhecer quaisquer ações
de responsabilidade, contratual ou extracontratual, de pessoas coletivas públicas,
independentemente de lhes ser aplicável a Lei n.º 67/2007, o Código Civil ou o Código
dos Contratos Públicos – isto leva-nos à conclusão de que os Tribunais Administrativos,
por vezes, também aplicam Direito Privado.
2. Se se tratar de pessoas coletivas privadas, nesse caso, já será necessário perceber se lhes
é aplicável ou não o Código dos Contratos Públicos e a Lei n.º 67/2007.
Repare-se que a relevância da vinculação do legislador aos princípios gerais materiais da atividade
administrativa tem tanto mais sentido se pensarmos na atividade administrativa
predominantemente vinculada, em que a Administração Pública se limita a dar por verificados os
factos que permitem a aplicação de uma determinada norma, retirando da aplicação dessa norma
um conjunto de efeitos.
Assim sendo, é bom que essa norma preveja uma solução que satisfaça proporcionalisticamente
o interesse público e que salvaguarde os interesses legalmente protegidos dos interessados
Daqui resulta que este caráter hétero-vinculado da atividade administrativa significa que
qualquer incompatibilidade que, depois, se venha a verificar na prática entre a prossecução
proporcionalíssima de fins de interesse público, a eficiência dessa mesma prossecução e a própria
norma é uma problema que não é resolvido pela Administração Pública, que toma partido do
interesse público, em detrimento da aplicação da norma é um problema que se devolve ao
legislador e que este tem necessariamente que resolver.
Por isso é que ter consciência da vinculação do legislador aos princípios gerais da atividade
administrativa é particularmente importante, e é-lo quando a atividade administrativa em causa é
uma atividade vinculada ou predominantemente vinculada.
1
Quanto ao âmbito subjetivo de aplicação dos princípios gerais – temos jurisprudência
nesta matéria, mas também temos hoje o artigo 2.º CPA, que nos resolve o problema.
Repare-se que no que diz respeito à aplicação de princípios gerais da atividade administrativa, no
que se refere ao âmbito subjetivo de aplicação destes princípios, o critério a seguir é estritamente
funcional, isto é, basta que em causa esteja o desempenho de tarefas públicas dirigidas à
prossecução de fins de interesse público, sejam estas tarefas reguladas por normas de Direito
Administrativas ou por normas de Direito Privado, os princípios gerais da atividade
administrativa SÃO SEMPRE APLICÁVEISA.
(ex.: Pessoa coletiva privada, desprovida de influência pública dominante, que ao abrigo de
um contrato de concessão desempenhe tarefas públicas – está sujeita aos princípios gerais da
atividade administrativa, no que diz respeito às tarefas públicas que lhes são concessionadas
por via daquele contrato)
(ex.: Pessoas coletivas privadas com influência pública dominante, como é o caso das S.A.,
são-lhes aplicáveis os princípios gerais da atividade administrativa)
No entanto, esta autossuficiência do critério funcional para a aplicação dos princípios gerais
materiais da atividade administrativa não se estende às demais partes do CPA.
Isto porque, aí, relativamente a estas últimas, temos de fazer uma diferenciação ex.: a parte
das normas do CPA relativas ao funcionamento de órgãos colegiais só se aplica ao
funcionamento de órgãos colegiais de pessoas coletivas públicas, que não desempenhem
atividades empresariais.
Assim sendo, temos 3 partes:
1. A parte da atividade administrativa à qual se aplicam sempre os princípios gerais
materiais da atividade administrativa.
As normas do CPA que disciplinam estes aspetos são aplicáveis tendo em consideração o
CRITÉRIO de saber se há lugar ou não ao exercício de poderes públicos de autoridade e se os
órgãos em causa têm ou não competência de atos administrativos e de normas regulamentares
com eficácia externa.
NOTA: No que diz respeito à prática de atos administrativos, não é necessária uma norma,
tratando-se de uma pessoa coletiva pública, que expressamente diga que podem praticar atos
administrativos. No entanto, essa norma é necessária quando se trate de pessoas coletivas
privadas.
Se em causa está o exercício de poderes regulamentares, que têm em vista, portanto, a emissão de
normas regulamentares com eficácia externa, independentemente de se tratar de uma pessoa
coletiva pública ou privada, é sempre necessário haver a menção expressa numa norma de
competência.
Portanto, estando isso em causa, e havendo lugar ao exercício de poderes públicos de autoridade,
é aplicável o CPA na parte restante.
2
Quanto ao âmbito objetivo de aplicação, que tem que ver com a atividade a
desempenhar propriamente dita:
Repare-se que quando falamos de âmbito objetivo de aplicação dos princípios, estamos a falar na
questão de essa atividade ser mais ou menos vinculada. Desde logo, os princípios gerais da
atividade administrativa aplicam-se sempre, seja a atividade mais ou menos vinculada ou mais ou
menos discricionária.
A questão é quando é que têm mais relevância prática:
A Administração Pública, para decidir de entre as várias decisões legalmente admissíveis, tem de
ter critérios, que lhe são dados pelos princípios gerais da atividade administrativa. Isto levanta-
nos a questão de saber exatamente o que é a DISCRICIONARIEDADE e de saber quais os
termos da distinção da discricionariedade relativamente à interpretação de conceitos
indeterminados.
A discricionariedade depois vai ser controlada pelos tribunais, tendo em consideração os aspetos
que são sempre vinculados:
Pressupostos de facto;
Competência;
Fim;
Princípios gerais da atividade administrativa.
PARTE II DA AULA
São ambos previstos pelo legislador e impõe-se à Administração Pública por via do
princípio da legalidade.
Posto isto, para efeitos de se tentar perceber se essa norma se aplica ou não a esses mesmos factos,
é necessário interpretá-la.
E os conceitos indeterminados, fazendo parte integrante de previsão da norma, é um dos vários
aspetos da norma que necessitam de ser interpretados pela Administração Pública para efeito de
se concluir ou não pela sua aplicação a determinados factos.
Por isso é que os conceitos indeterminados são um instrumento utilizado pelo legislador para
conferir uma menor densidade ou uma maior elasticidade às normas, transferindo para a
Administração Pública uma tarefa de densificação e de concretização que não existiria da mesma
forma se a norma não previsse um conceito indeterminado.
Desta feita, os conceitos indeterminados situam-se e condicionam a Administração Pública num
plano interpretativo e de qualificação e apreciação dos factos, que é um plano necessariamente
anterior ao plano do exercício propriamente dito da função administrativa. é um plano em
relação ao qual se vai refletir a previsão de poderes discricionários.
OU SEJA: Ambos (conceitos indeterminados e poderes discricionários) se impõem à
Administração Pública por via do princípio da legalidade, não obstante situam-se em planos
diferentes.
Através da interpretação de um conceito indeterminado decidimos aplicar ou não uma
determinada norma aos factos a apreciar e a qualificar, retirando através dessa aplicação os efeitos
jurídicos previstos nessa mesma norma. Motivo pelo qual, se houver um erro em relação à
interpretação dos conceitos indeterminados e se esses conceitos não forem interpretados de acordo
com o princípio da razoabilidade, isto é algo que se projeta ao nível dos pressupostos de direito.
Quer-se dizer: projeta-se ao nível das normas aplicadas aos factos, verificando-se, por isso, um
erro quanto aos pressupostos de direito, cuja consequência jurídica é a anulabilidade (artigo 163.º,
n.º 1 CPA)
Se se interpreta de forma não razoável um conceito indeterminado, aplicando aos factos a norma
por causa dessa interpretação descabida, significa que se aplicou/ apreciou uma norma e
interpretaram e qualificaram os factos erradamente.
NOTA: repare-se que o controlo que é feito pelos tribunais deste erro quanto aos pressupostos de
direito é um controlo que NÃO PRESSUPÕE que o erro quanto aos pressupostos de dto seja um
erro grosseiro ou um erro manifesto BASTA QUE SE TRATE DE UM ERRO NORMAL
A amplitude por parte dos Tribunais Administrativos relativamente à interpretação de conceitos
indeterminados acaba por não ser tão limitada como o controlo da discricionariedade pelos
Tribunais Administrativos, tendo por referência a aplicação ou não dos princípios gerais da
atividade administrativa.
Interpretada a norma e decidida a sua aplicação/ ou não aplicação, passa-se, com base nos
pressupostos de facto e de direito definidos nestes termos para a PRÓXIMA FASE em termos de
percurso cognoscitivo, até à tomada da decisão, para a TOMADA DA DECISÃO
PROPRIAMENTE DITA: passa-se para a definição do sentido, conteúdo e momento e
condições do ato jurídico a praticar.
Portanto, é neste plano que se levanta a questão de saber em que medida é que a competência é
vinculada e em que medida é que a competência é discricionária, sendo que a discricionariedade
se refere já ao exercício propriamente dito da função administrativa (tomada da decisão
propriamente dita).
Repare-se que a discricionariedade não se trata de um mal necessário que deva ser reduzido
ao mínimo, antes pelo contrário é indispensável para a realização do interesse público e
para a defesa adequada dos dtos e interesses legalmente protegidos dos administrados.
Precisamente porque aquilo que a discricionariedade impõe à Administração Pública é a tomada
da melhor decisão possível, na perspetiva da prossecução do interesse público e da defesa dos
direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados.
A DISCRICIONARIEDADE traduz-se na competência conferida pela lei à Administração para
escolher, servindo-se dos princípios gerais da atividade administrativa como critérios de decisão,
a solução que em face das circunstâncias do caso concreto melhor satisfaça o interesse público. É
UM PODER JURÍDICO FUNDAMENTADO E LIMITADO PELA LEI
Há aspetos, mesmo quando esteja em causa o exercício de competências discricionárias, que são
sempre vinculados:
A competência não se presume e tem de estar prevista na lei – artigo 36.º CPA
O controlo dos tribunais incide sobre qualquer um/ todos destes aspetos e, no que diz respeitos
aos princípios gerais da atividade administrativa o controlo dos tribunais é, no entanto, um
controlo limitado às situações de erro grosseiro ou de erro manifesto.
Ou seja, os Tribunais Administrativos, por força do princípio da separação de poderes, apenas
anulam um ato administrativo, praticado no exercício de poderes discricionários por violação dos
princípios gerais da atividade administrativa, quando essa violação seja manifesta/ grosseira/
clamorosa.
Há alguma subjetividade no controlo baseado num erro grosseiro ou manifesto, porque tem se
avaliar casuisticamente
Posto isto, não há aqui qualquer discricionariedade, tudo está estritamente vinculado pelo que não
há espaço para que os princípios gerais da atividade administrativa atuem como critérios de
decisão.
Reduzir a discricionariedade a zero acontece quanto tudo isto ponderado que no final só exista
uma solução correta se a situação correta é apenas uma, isso significa que só haverá uma
solução possível, pelo que a discricionariedade é reduzia a zero
Isto tem relevância na matéria do controlo dos tribunais sobre a atividade discricionária, uma vez
que, regra geral, os tribunais, perante o exercício de poderes discricionários por parte da
Administração Pública, têm alguns limites a considerar. E no que se refere ao controlo dos
princípios gerais da atividade administrativa estão limitados pelo ERRO GROSSEIRO.
Para evitar pronúncias que se substituam à Administração Pública, na medida em que incidem
sobre o mérito das decisões, os Tribunais, em regra, condenam a Administração Pública à pratica
de um ato administrativo com o conteúdo e com o sentido que a Administração Pública considerar
ser o adequado, à luz dos princípios gerais aplicáveis, mas que não reincida nas ilegalidades que
o Tribunal considerou que existiram - isto é o que normalmente se faz quando em causa está o
exercício de uma competência discricionária.
Apenas nestes dois casos é que pronuncias deste género por parte dos Tribunais, não
significam uma substituição da função jurisdicional à função administrativa; não significa uma
intromissão no mérito, que é o fica para lá de todos os aspetos vinculados do exercício da
competência discricionária
Em relação a esse mérito não pode haver qualquer intromissão por parte dos tribunais, por isso é
sentenças substitutivas ou que condenam a Administração Pública á prática de um ato com um
determinado conteúdo e com um determinado sentido só são possíveis nos casos
supramencionados.
NOTA: ver a este propósito o artigo 71º CPTA
OUTRAS REFERÊNCIAS:
Aspetos que podem ser discricionários:
A discricionariedade é um JUÍZO DE PREDOMINÂNCIA – podemos ter atos estritamente
vinculados, mas não ter absolutamente discricionários podemos ter atos mais ou menos
discricionários ou mais ou menos vinculados.
Posto isto, podem ser discricionários:
NOTA: pode suceder que a própria Administração Pública se auto vincule no exercício de
poderes discricionários.
Ou seja, quando está em o exercício de poderes discricionários das duas uma:
Ou fixa critérios de decisão para casos idênticos - para a decisão a tomar relativamente a
pressupostos de facto e de direito idênticos.
Faz isto autovinculando-se - faz-se através da elaboração de normas genéricas, assentes na sua
experiência, onde se enunciam critérios a que a própria Administração Pública obedecerá na
tomada de decisões no exercício de competências discricionárias.
Estas normas genéricas podem ter a natureza de regulamentos administrativos com eficácia
externa ou podem ser normas internas. No entendimento da regente é preferível que se trate
sempre de normas regulamentares com eficácia externa.
Depois de se ter autovinculado aos critérios, se praticar um ato que contrarie os critérios que ela
própria elaborou, praticará necessariamente um ATO ILEGAL, por vício material de
violação de lei em sentido estrito.
Isto, porque a violação de norma regulamentar reconduz-se à violação de lei em sentido estrito e
tem um efeito invalidante em relação ao ato jurídico praticado.
Isto NÃO QUER DIZER que estas normas regulamentares externas, de cuja observância a
Administração Pública se autovincula no exercício de competências discricionárias, não possam
ser alteradas. No entanto, a alteração tem de ser DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA, uma
vez que o interesse público não é invariável.
Contudo, as circunstâncias vão-se alterando o que leva a que a forma como se prossegue o
interesse público tenha de ser reajustada e essa possibilidade de reajuste é importante. Porém,
para ser admissível essa alteração terá de ser devidamente fundamentada – artigo 152.º, n.º 1,
alínea d) CPA
Para os Tribunais NEM SEMPRE É CLARA ESTA DISTINÇÃO DOS PLANOS em que os
conceitos indeterminados e a discricionariedade se situam e operam, o que faz com muitas haja
uma tendência por parte da jurisprudência em considerar que os conceitos indeterminados
conferem discricionariedade e em controlar a interpretação de conceitos indeterminados por via
do erro grosseiro, o que fragiliza o controlo por parte dos tribunais, na medida em que o controlo
por erro grosseiro é mais restritivo em comparação com o controlo feito por via do erro normal
(menos exigente).
É no plano do exercício da função administrativa propriamente dita que se coloca a questão de
saber se a competência que se está a exercer é predominantemente discricionária ou vinculada
ou se é estritamente vinculada, para o efeito de se perceber qual a relevância operativa dos
princípios gerais da atividade administrativa (e em que medida em que se articulam com o
princípio da legalidade).
Face a isto, aos Tribunais pede-se que, neste contexto, nem adotem uma posição de excessiva
autocontenção judicial, nem caiam num excessivo ativismo judicial ponto de equilíbrio
entre a tutela jurisdicional efetiva e o princípio da separação de poderes que só se consegue se os
tribunais perceberem os diferentes planos de relevância dos conceitos indeterminados e dos
poderes discricionários e se se desprenderem de um entendimento rígido do princípio da
separação dos poderes que nada favorece o princípio da legalidade e da tutela jurisdicional efetiva.
Isto é o mesmo que se pede ao legislador no momento em que elabora as normas e tem que
optar por consagrar competências vinculadas ou discricionárias (em maior ou menor medida)
Atividade administrativa
A atividade administrativa tem sempre uma natureza voluntária, isto é, assenta sempre numa
conduta voluntária desenvolvida por órgãos, designadamente, mas não exclusivamente, pelo
órgão com competência decisória (isto, porque na formação da atividade administrativa
intervêm vários órgãos para além daquele ao qual cabe o exercício da competência decisória).
Estamos aqui a referir-nos à vontade administrativa, conceito este diferente da vontade de pessoas
coletivas públicas, já que o primeiro conceito é mais amplo por a sua definição resultar da
combinação de dois critérios (critério subjetivo e um funcional). A vantagem de um critério
amplo surge associada à lógica de reconhecer a pessoas coletivas privadas o desempenho de
atividade administrativa.
Vontade administrativa
Quando falamos em vontade administrativa, estamo-nos a referir:
Em segundo lugar, referimo-nos à prática de atos jurídicos e não jurídicos que não se
reconduzem ao exercício de poderes públicos de autoridade e que são praticados ao
abrigo de normas de DA (ou seja, cujo regime substantivo é um regime de direito
administrativo) por pessoas coletivas públicas e por pessoas coletivas privadas.
Esta disposição refere de forma clara esta formação, manifestação e execução com uma exigência
de procedimentalização como sendo uma exigência constitucional – artigo 267.º, n.º 5 CRP
(norma não exequível por si mesma – impõe ao legislador ordinário um dever legiferante que foi
cumprido através do CPA, que dá resposta a esta exigência ao conter o regime geral dos
procedimentos administrativos).
O que o CPA prevê é um regime geral que é afastado quando existam regimes especiais que
disciplinem determinados procedimentos.
[ex.: procedimentos de formação de contratos sujeitos ao Código de Contratos Públicos, sendo
o CPA aplicável de modo subsidiário, nos termos do artigo 2.º, n.º 5 CPA; é o que acontece ao
nível das expropriações, é o que sucede em relação ao processo relativo a licenças de
urbanização – artigo 2.º, n.º 5 CPA]
Atualmente a questão não se coloca nestes termos, porque a legislação aplicável foi alterada no
sentido de clarificar a natureza administrativa das normas que o regime prevê. Mas, enquanto tal
não acontecia, eram suscitados frequentemente conflitos negativos de competência.
[ex.: Imaginemos um contrato desta natureza entre o Município e o senhor Joaquim. Joaquim
deixa de pagar as rendas, sendo que o Município se dirige aos tribunais comuns e intenta uma
ação de despejo pelo não pagamento das rendas]
Normas regulamentares
Correspondem a normas gerais e abstratas emanadas por órgãos de pessoas coletivas públicas
(apenas), às quais a CRP e/ou a lei atribui competência regulamentar (não há pessoas coletivas
privadas com poderes regulamentares públicos, nem há a possibilidade de pessoas coletivas
públicas delegarem em pessoas coletivas privadas competências regulamentares).
Isto, porque, como se sabe, a relação entre os regulamentos e a lei é pautada pelo princípio da
legalidade na vertente da precedência de lei, reserva de lei e primazia de lei.
As normas regulamentares podem ter eficácia interna, o que significa que os seus efeitos se
esgotam no seio da pessoa coletiva de que são emanados (ex.: regulamentos de auto-organização
– dirigidos à organização e funcionamento internos de uma determinada pessoa coletiva pública,
como os regimentos [Regimento do Conselho Científico da Faculdade de Direito do Porto]).
Ainda assim, existem, também, regulamentos com caráter externo – produzem efeitos junto de
outros sujeitos de Direito para além da pessoa coletiva que os emana (ex.: caso do regulamento
de avaliação dos alunos do primeiro ciclo de estudos da Faculdade de Direito do Porto/
regulamentos estradais/ regulamentos de trabalho).
Este conceito é valido apenas para o fim da definição do âmbito de aplicação das normas do
próprio CPA, não esclarecendo a natureza de normas regulamentares, nem tem como efeito negar
a qualificação como normas regulamentares a normas regulamentares com eficácia interna. Ou
seja, aqui apenas se refere que o CPA só é aplicável a normas regulamentares com eficácia
externa, não obstante a existência de normas regulamentares com eficácia interna.
NOTA: por exigência constitucional, o exercício, a manifestação e a execução de qualquer ato jurídico por
parte da AP é sempre antecedido de um procedimento administrativo mais ou menos complexo, sendo que
o regime geral deste procedimento está previsto no CPA (sem prejuízo de normas especiais que prevejam
regimes especiais para um determinado procedimento e forma de atividade administrativa, caso em que o
CPA se aplica subsidiariamente nos termos do artigo 2.º, n.º 5 CPA).
Estrutura do procedimento administrativo: fase de iniciativa – fase de instrução – fase de audiência prévia
– fase eventual de diligencias complementares – fase da decisão propriamente dita.
Através de acordos endo procedimentais o legislador deu aos interessados e à AP a possibilidade de optar
por uma das alternativas que o próprio legislador prevê.
[ex.: a audiência prévia dos interessados pode dar-se por escrito ou presencialmente. Ora, através do
acordo endo procedimental os interessados num determinado procedimento podem acordar realizá-la
presencialmente]
«1. Os órgãos da Administração Pública têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos
da sua competência que lhes sejam apresentados e, nomeadamente, sobre os assuntos que aos
interessados digam diretamente respeito, bem como sobre quaisquer petições, representações,
reclamações ou queixas formuladas em defesa da Constituição, das leis ou do interesse público.
2. Não existe o dever de decisão quando, há menos de dois anos, contados da data da
apresentação do requerimento, o órgão competente tenha praticado um ato administrativo
sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos.
3. Os órgãos da Administração Pública podem decidir sobre coisa diferente ou mais ampla do
que a pedida, quando o interesse público assim o exija.»
Para que haja dever de decidir é necessário:
REQUISITOS CUMULATIVOS
Verificados estes requisitos, o órgão com competência decisória tem o dever de decidir, salvo
norma especial, no prazo de 90 dias úteis, nos termos do artigo 128.º, n.º 1 CPA.
Se não decidir, temos um silêncio administrativo, colocando-se a questão de como interpretar
este silêncio administrativo - a questão é resolvida pelos artigos 129.º e 130.º CPA.
Ou há uma norma especial que associa ao silêncio administrativo, nestes casos em que
ele ocorre, a tomada de uma decisão tácita favorável ao interessado
Ou há pura e simplesmente uma omissão ilegal – caso o legislador não tenha feito
corresponder àquela situação de inércia o deferimento tácito.
Quando não exista lei especial há uma omissão ilegal, que serve desde logo para nos permitir a
utilização de meios de garantia administrativa e jurisdicional – artigo 184.º, n.º 1, b) CPA
(verificamos que a reclamação e os vários meios de recurso administrativo podem ser utilizados
contra omissões ilegais) – e artigo 67.º, n.º 1, a) CPTA (vemos que face a uma omissão ilegal
podemos fazer uso do pedido de condenação à prática de ato legalmente devido, em que se solicita
ao tribunal que condene a AP à prática de um ato que preencha o silêncio administrativo, podendo
até pedir aos tribunais a prática de um ato com um determinado conteúdo e sentido se em causa
estiver a prática de competências vinculadas).
*Se em causa estiver o exercício de competências discricionárias, o tribunal não poderia condenar a AP à
prática de um ato com determinado conteúdo e sentido, porque estaria a violar o princípio da separação de
poderes – condena somente à prática do ato que considera ser adequado.
[ex.: no domínio do licenciamento, quando uma licença de construção não é decidida num
determinado prazo – o legislador, no regime jurídico da urbanização, atribui a esse silêncio
administrativo um valor positivo (forma de deferimento tácito)]
[ex.: pedidos de apoio jurídico ao abrigo da Lei de Acesso ao Direito – passado o prazo
previsto assume-se que o pedido foi deferido favoravelmente (forma de deferimento tácito)]
Veja-se, quanto ao último exemplo, o artigo 25.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei de Acesso ao Direito.
Remissão do artigo 130.º CPA para o artigo 25.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei de Acesso ao Direito
Artigo 25.º
Prazo
1 - O prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de proteção
jurídica é de 30 dias, é contínuo, não se suspende durante as férias judiciais e, se terminar em dia em
que os serviços da segurança social estejam encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil
seguinte.
2 - Decorrido o prazo referido no número anterior sem que tenha sido proferida uma decisão,
considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de proteção jurídica.
NOTA: se se tiver um prazo (não contínuo) de 30 dias só se contam os dias úteis para efeitos da
contabilização do prazo, ao passo que se a contabilização for contínua também se contam os fins de semana
e os feriados. Em qualquer um dos casos, se o prazo terminar num feriado ou num fim de semana, passa
para o dia útil imediatamente a seguir.
n.º 2 – o artigo 130.º CPA, quando se refere a normas especiais que associem ao silêncio
administrativo/ inatividade administrativa o efeito de deferimento tácito está-se a referir a normas
como o artigo 25.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei de Acesso ao Direito.
NOTA FINAL: há sempre um esforço de qualificação jurídica, porque em função disso define-se o
regime jurídico aplicável. E no que diz respeito ao regime jurídico aplicável a qualquer tipo de forma de
atividade administrativa, nós temos de fazer uma distinção entre o regime substantivo e o regime adjetivo
ou processual. Ou seja, através da qualificação da forma de atividade administrativa nós conseguimos
definir o regime que disciplina a formação desse tipo de forma de atividade, o regime que disciplina a
manifestação desse tipo de forma de atividade e a execução desse tipo de forma de atividade (REGIME
SUBSTANTIVO). Por outro lado, o REGIME PROCESSUAL/ ADJETIVO indica-nos as formas de
reação junto dos tribunais administrativos (!!as formas de reação junto da AP resultam do regime
substantivo).
Aula n.º 2 – 12-02-2021 – ‘Conclusão da aula anterior. 1. O ATO ADMINISTRATIVO 1.1. Conceptualização
do ato administrativo: debate doutrinal sobre a noção de ato administrativo. 1.2. A noção legal-procedimental de ato
administrativo prevista no artigo 148.º do CPA: análise e decomposição dos elementos expressos e implícitos na
definição legal - a sua caracterização como ato unilateral, que visa a produção de efeitos jurídicos próprios,
externos e inovadores, numa situação individual e concreta. A desnecessidade para a qualificação como ato
administrativo da sua prática por pessoas coletivas públicas (elemento orgânico/subjetivo).’
NOTA: Para terminar, refira-se uma categoria meramente residual, porque pode suceder que a
AP pratique um ato jurídico não reconduzível a nenhum dos atos supramencionados e que seja
regido por normas de DA, o que normalmente acontece com atos jurídicos instrumentais relativos
a outros atos.
Em sétimo lugar temos os meros atos jurídicos
Esta é uma categoria residual, onde cabe tudo o que não coube nas categorias anteriores. O que
está em causa são atos meramente instrumentais, com eficácia interna, na medida em que não
produzem efeitos jurídicos para lá da pessoa coletiva em que se integra o órgão que os pratica –
são atos instrumentais/ preparatórios.
Além do mais, estes são, regra geral, praticados no decurso do procedimento administrativo, pese
embora o possam ser feitos fora dele, e dirigem-se à preparação de um outro ato, sendo que
este último já terá eficácia externa – FUNÇÃO MERAMENTE INSTRUMENTAL E, POR
ISSO, DE EFICÁCIA MERAMENTE INTERNA.
[ex.: pareceres – artigos 91.º e 92.º CPA – os pareceres são simples atos jurídicos meramente
opinativos, que são praticados por órgãos com competência consultiva a pedido do responsável
pelo procedimento administrativo ou a pedido do órgão com competência decisória]
Noções:
O órgão com competência decisória é o órgão com competência para tomar uma decisão
relativamente à prática de um ato administrativo, à celebração de um contrato administrativo, à
aprovação de normas regulamentares.
O responsável pelo procedimento administrativo é o órgão a quem cabe dirigir o
procedimento administrativo, prepará-lo, garantindo que ele corre de forma eficiente, eficaz e
conforme à lei, concluindo a sua participação com um relatório em que propõe um determinado
sentido de tomada de decisão ao órgão com competência decisória.
Estes têm, portanto, uma função importante, mas não produzem efeitos jurídicos externos
(na esfera jurídica do interessado)
Assim, têm eficácia interna, uma função preparatória e instrumental
Nós temos dois tipos de pareceres relativos aos seus efeitos:
NOTA:
Se o parecer for vinculativo este não tem eficácia externa, o que sucede é:
[ex.: imagine-se um procedimento administrativo – regra geral os pareceres são solicitados
na fase de instrução, sendo que depois dela vem a fase da audiência prévia, onde se ouvem os
interessados no procedimento administrativo – artigo 267.º, n.º 5 CRP]
O parecer é qualificado pelo legislador como tendo efeitos vinculativos, o que quer dizer que o
órgão com competência decisória (mais tarde) terá necessariamente de o seguir, a menos que este
seja ilegal, sob pena de, não o seguindo, praticar um ato administrativo anulável por vício de
forma.
Então, o parecer vinculativo foi solicitado na fase de instrução à qual se segue a fase de audiência
prévia dos interessados. A fase da audiência prévia dos interessados passa pela notificação dos
interessados, indicando-lhes quais os elementos apurados em sede de instrução, dizendo já aos
interessados nessa mesma notificação qual o sentido provável da decisão e fazendo referência
aos pareceres que eventualmente existam (esclarecendo o interessado se os pareceres que
existam são ou não de caráter vinculativo).
Ao se dizer que o parecer é vinculativo, no momento da audiência prévia dos interessados, estes
já sabem qual vai ser a decisão a ser tomada lá à frente, independentemente do que estes venham
a dizer em sede de audiência dos interessados.
O que o legislador permite que os interessados façam, no sentido de salvaguardar preventivamente
a sua posição jurídica, é que, em sede de audiência prévia em que tomam conhecimento de um
parecer vinculativo que os vai afetar negativamente, e sabendo que os pareceres não são atos
administrativos (porque são instrumentais, preparatórios, com eficácia interna), passou a tratá-
los (os vinculativos) como se fossem atos administrativos (para efeitos de acesso aos tribunais).
NOTA: Os pareceres vinculativos também podem ser impugnados contenciosamente pelo órgão com
competência decisória – isto porque o órgão com competência decisória pode olhar para um parecer e
chegar à conclusão de que esse parecer vinculativo é ilegal.
Portanto, a norma de habilitação prévia, que vai permitir a aplicação do Direito Privado, vai ela
própria delimitar o âmbito desta mesma alternativa.
Atos disciplinados por normas de Direito Privado, pese embora o regime que as antecede
seja regido por normas de Direito Administrativo [ex.: contratos de compra e venda – à
AP é dada a possibilidade de celebração de contratos de compra e venda (normas do
CC), não obstante o procedimento que antecede a celebração deste mesmo contrato é um
procedimento regido por normas de Direito Administrativo]
Atos jurídicos disciplinados por normas de Direito Privado e cujo procedimento também
é regido por normas de Direito Privado [ex.: contrato individual de trabalho]
O facto de serem praticadas a descoberto de qualquer ato jurídico faz com que as mesmas
estejam inquinadas de nulidade, uma vez que serem operações materiais não quer dizer que
sejam desvinculadas da juridicidade
Elas não produzem efeitos jurídicos, estão sujeitas aos princípios gerais da atividade
administrativa (não são zonas livres de juridicidade), devem assentar num ato jurídico anterior,
estão sujeitas a controlo jurisdicional e podem ser juridicamente relevantes (sobretudo em sede
de responsabilidade civil extracontratual).
Disse-se que nenhuma das formas de atividade não jurídica da AP produz efeitos jurídicos diretos,
mas pode produzir efeitos INDIRETOS, sobretudo por via da responsabilidade civil
extracontratual
[ex.: imagine-se que se está a demolir um muro e cai uma perda na cabeça de alguém que vai a
passar nesse momento]
Do facto da realização de uma operação material resultar um dano é o suficiente para que uma
operação material que não produz efeitos jurídicos diretos passe a ser juridicamente relevante para
efeitos de responsabilidade civil extracontratual.
Não há aqui nenhuma obrigação dos cafés de efetivamente deixarem dois metros entre o fim da
esplanada e o fim do passeio (que coincide com o início da faixa de rodagem), mas tal é
recomendado, sendo que o não cumprimento da mesma não tem qualquer consequência jurídica
associada.
2. As advertências são declarações com o objetivo de alertar os administrados para os riscos
ou perigos da sua conduta, mas aqui a lógica é mais de proteção do próprio
administrado. Tem mais que ver com situações em que possa resultar um risco para o
próprio ou para terceiro.
[ex.: os fiscais de um município estão a passar por uma obra devidamente licenciada, em que
todos estão a trabalhar no cumprimento estrito da legalidade, mas em que os fiscais chamam a
atenção para a forma como o andaime está montado na via pública e para o risco que pode
implicar o transporte de materiais de construção naquela zona]
Por sua vez, as normas, sejam regulamentares ou legais, são gerais e abstratas. Aquelas são as três
características relativas aos atos administrativos.
Não característica dos atos administrativos – o artigo 148.º CPA não exige para a qualificação
como ato administrativo que o ato administrativo seja praticado por pessoas coletivas públicas.
Tal acontecia no CPA de 1991, na medida em que da disposição do artigo 120.º constava uma
referência ao elemento orgânico. Contudo, em termos práticos isto deixou de fazer sentido, porque
a AP é integrada por pessoas coletivas públicas e privadas (sendo possível que pessoas coletivas
privadas pratiquem atos administrativos).
Pessoas coletivas públicas (que, com exceção das EPE, têm por inerência a possibilidade
de praticar atos administrativos – o simples facto de serem pessoas coletivas públicas
atribui-lhes essa capacidade)
Pessoas coletivas privadas (com ou sem influencia pública dominante, dependendo
SEMPRE estas de norma habilitante ou de um contrato de concessão – não são titulares
desta capacidade formal para a prática de atos administrativos).
O artigo 148.º CPA configura uma opção do legislador entre duas tradições históricas diferentes:
a francesa, por um lado, e a alemã e austríaca, por outro.
PROBLEMA: se se considera que tudo é ato administrativo, tenho um problema no que se refere
à definição de ato administrativo quanto ao acesso junto dos tribunais administrativos – não se
considera que todos os atos administrativos neste conceito amplíssimo possam ser sindicáveis
junto dos tribunais, pelo que tem de se criar um conceito de ato administrativo mais restrito dentro
deste conceito amplo (é só com referencia a este conceito mais rigoroso que se vai permitir o
acesso aos tribunais).
Para se poder aceder aos tribunais não bastava ter um ato que produzisse efeitos jurídicos internos
ou externos numa situação individual e concreta; precisava-se, sim de um ato com determinadas
caraterísticas. E de acordo com a doutrina francesa essas caraterísticas eram: definitividade
vertical, definitividade horizontal, definitividade material e executoriedade.
Na orientação francesa temos, não um, mas dois conceitos de ato administrativo – um
conceito mais amplo para efeitos procedimentais (de determinação do regime jurídico
substantivo aplicável), e um mais restritivo para efeitos de acesso aos tribunais
administrativos. Desta feita, para esta orientação de inspiração francesa, nem todos os
atos administrativos para efeitos procedimentais são atos suscetíveis para serem
sindicados judicialmente (para tal é necessário o preenchimento de um conjunto de
requisitos adicionais).
Para a orientação alemã e austríaca havia apenas um conceito de ato administrativo,
definido em sentido ilimitado, sendo que o conceito de ato administrativo relevante para
efeitos do regime jurídico substantivo aplicável é exatamente o mesmo que aquele
conceito que serve o acesso aos tribunais, o que quer dizer que todos os atos
administrativos para efeitos procedimentais são atos administrativos para efeitos
contenciosos.
ORIENTAÇÃO FRANCESA – quais os requisitos que a orientação francesa exige para que o
conceito de ato administrativo em termos substantivos possa ser sindicado judicialmente?
NOTA: as conceções em Direito têm associado um determinado regime jurídico. Assim, quando se fala
em ato administrativo para efeitos substantivos, referimos uma noção que depois será utilizada pelo
legislador para lhe associar um regime jurídico procedimental, que é o conjunto de regras e princípios que
disciplinam a formação de um ato administrativo, que disciplina os mecanismos administrativos de reação
contra esse ato administrativo
Qual o conceito de ato administrativo que devemos ter em conta para aplicar um determinado regime
jurídico, conjunto de regras e princípios que disciplinam a sua forma de manifestação, os seus requisitos
de validade e eficácia, as suas formas de execução e as suas formas de garantia administrativa.
Quando falamos de ato administrativo para efeitos contenciosos falamos da noção que o legislador
considerou relevante para efeitos de possibilitar o acesso dos tribunais à justiça administrativa através de
mecanismos de reação que ele pensou como sendo os adequados para serem apresentados contra os atos
administrativos.
Uma outra questão é se depois estes dois conceitos se sobrepõem ou não? – No caso francês não
coincidiam
De acordo com a doutrina francesa, as caraterísticas para que um ato pudesse ser impugnável
junto dos tribunais eram (REQUISITOS CUMULATIVOS): era necessário que fossem dotados
de definitividade horizontal, definitividade material, definitividade vertical e
executoriedade
Assim, para esta orientação francesa apenas eram atos administrativos os atos praticados no
final deste procedimento administrativo, sendo totalmente irrelevante outros atos praticados
durante esse procedimento ainda que produzissem efeitos jurídicos externos.
[ex.: a celebração de um qualquer contrato administrativo é antecedida de um procedimento
pré-contratual que começa com a decisão de contratar (é em si mesmo um ato administrativo,
no qual a entidade adjudicante toma a decisão de celebrar um contrato para prosseguir um
determinado fim de interesse público em detrimento de optar por uma qualquer outra forma de
atuação) e termina com a prática de um ato de adjudicação, atribuindo-se a celebração do
contrato ao candidato que tiver ficado graduada em primeiro lugar naquele procedimento pré-
contratual.]
No decurso deste procedimento, pode suceder que os candidatos/ concorrentes sejam excluídos,
porque, por exemplo, não apresentam a documentação exigida pela decisão de contratar. Quando
se o faz está-se a afastá-lo daquele procedimento pré-contratual e a impossibilitar que este seja
considerado na tomada de decisão de adjudicar, que é aquela que poe termo ao procedimento pré-
contratual e que tem por referência apenas os candidatos que se mantiveram no procedimento pré-
contratual até aquele momento.
O que acontece é que ao se exigir, como a orientação francesa o fazia, a definitividade horizontal,
está-se a afastar a possibilidade de o candidato excluído no decurso de um procedimento
pré-contratual reagir contra o ato que o excluiu, apesar de, em relação a ele, esse ato ser, na
verdade, final.
Este foi um problema que a própria orientação francesa e as conceções amplas de ato
administrativo acabaram por detetar. Deixaríamos, portanto, todos os candidatos excluídos no
decorrer do procedimento desprovidos de qualquer tipo de tutela judicial.
NOTA DE ATUALIDADE: hoje em dia não precisamos de recorrer a esta teoria, porque não se
exige a definitividade horizontal para o acesso aos tribunais – artigo 51.º, n.º 2 e n.º 3 CPTA –
afasta-se hoje a definitividade horizontal, sendo que se pode impugnar qualquer ato
administrativo, independentemente de este ter sido praticado no início, no meio ou no final do
procedimento administrativo.
Assim, a teoria dos atos destacáveis perde o sentido, porque há uma opção clara do legislador
em permitir a impugnação de todos os atos administrativos
A segunda característica é a definitividade material/produção de efeitos jurídicos
reguladores/produção de efeitos externos inovadores - traduz-se na produção de efeitos
externos inovadores numa situação individual e concreta.
Ou seja, exigia-se que esse ato administrativo produzisse efeitos jurídicos na sua esfera jurídica e
que esses efeitos jurídicos constituíssem, alterassem ou extinguissem uma relação jurídico-
administrativa entre o destinatário e a AP.
A definitividade material é exigida, hoje em dia, no artigo 148.º CPA – a qualificação de qualquer
ato administrativo depende da definitividade material, na medida em que um ato jurídico, para
ser um ato administrativo tem sempre de produzir estes efeitos externos inovadores com
referência a uma situação individual e concreta.
Definitividade vertical – apenas poderiam ser objeto de recurso junto dos tribunais
administrativos os atos que tivessem sido praticados por superiores hierárquicos, ou
aqueles que, tendo sido praticados por inferiores hierárquicos, tivessem sido decididos
em sede de recurso hierárquico pelos superiores hierárquicos.
TEM DE HAVER SEMPRE A INTERVENÇÃO DO SUPERIOR HIERARQUICO
Esta orientação francesa entendia que apenas eram recorríveis juntos dos tribunais
administrativos os atos praticados pelos superiores hierárquicos e não os que eram praticados
pelo subalternos. Portanto, das duas uma:
Hoje em dia TAMBÉM NÃO É ASSIM, mas era esta a posição defendida por esta orientação.
Hoje, nos termos do artigo 185.º, n.º 2 CPA, só excecionalmente é que o recurso hierárquico é
necessário – a regra é que ele seja facultativo. Ou seja, não há diferença entre atos administrativos
praticados pelo superior hierárquico ou pelo subalterno no que concerne ao recurso para os
tribunais.
Só excecionalmente, quando exista uma norma especial que o exija, é que é necessário primeiro
fazer o recurso hierárquico e só depois fazer o recurso para os tribunais administrativos – MAS
ISTO É UMA EXCEÇÃO.
NOTA: atualmente pode-se impugnar atos administrativos que AINDA NÃO COMEÇARAM
a produzir os seus efeitos. É necessário que sejam suscetíveis de produzir efeitos jurídicos
externos, mas não é necessário que o ato esteja a produzir esses efeitos naquele exato momento –
artigo 52.º CPTA.
[ex.: imagine-se um ato administrativo sujeito a termo inicial – o termo inicial é uma cláusula
em que se faz depender a produção dos seus efeitos jurídicos de um acontecimento certo futuro
– decide-se revogar a atribuição de um subsídio com efeitos a dia 1 de abril de 2021 – o ato foi
praticado hoje, mas só produz efeitos no dia 1 de abril. Ora, o destinatário não tem de esperar
até o dia 1 de abril para deixar de receber o subsídio e só depois recorrer aos tribunais; tal não
faz sentido]
Assim, previu-se a possibilidade de se recorrer de atos administrativos que ainda não produziram
efetivamente os efeitos jurídicos a que tendem, mas em que fosse previsível que viessem a fazê-
lo – artigo 52.º CPTA.
NOTA FINAL: Esta foi uma discussão que é relevante do ponto de vista histórico, mas
efetivamente a noção defendida por autores propulsores desta doutrina não é aquela que está
vigente no artigo 148.º CPA do nosso ordenamento jurídico
Em termos práticos apenas releva a DEFINITIVIDADE MATERIAL, mas não releva para o
efeito de se definir um conceito dentro de um outro conceito que é válido apenas para possibilitar
o recurso aos tribunais administrativos. Aqui a definitividade material serve para caraterizar o
núcleo duro dos atos administrativos, para efeitos procedimentais e contenciosos – PORTANTO,
HÁ UMA PLENA COINCIDÊNCIA ENTRE AMBOS OS CONCEITOS (e não uma
dissociação que implique, como visto na orientação francesa, que obrigue à verificação de
critérios adicionais cumulativos para que depois se possa recorrer aos tribunais.
Todos os atos administrativos para efeitos processuais são atos administrativos para efeitos
contenciosos, mas há atos administrativos para efeitos contenciosos, que não o são para efeitos
procedimentais [ex.: pareceres vinculativos – como definem perentoriamente o conteúdo e o
sentido do ato que venha a ser praticado, o legislador possibilita que eles sejam impugnados e
tratados como atos administrativos para efeitos contenciosos enquanto não é praticado o ato
administrativo a que se dirigem vincular – para efeitos de tutela preventiva] – artigo 51.º, n.º 2
e n.º 3 CPTA
Estes não são atos administrativos, mas são tratados como tal precisamente para garantir a tutela
preventiva dos interessados, mas a sua impugnação só é possível até ao momento em que é
praticado o ato administrativo que segue aquele parecer – daí para a frente deixa de haver a
necessidade de se criar uma exceção em nome da tutela preventiva, porque o que é preventivo
deixou de o ser.
Efetivamente o que sucede é que temos uma correspondência de conceitos de ato administrativo
para efeitos procedimentais e para efeitos contenciosos, mas depois possibilitou-se, em
determinadas situações pontuais, que atos instrumentais/ preparatórios fossem tratados, em nome
da tutela jurisdicional efetiva, como atos administrativos para efeitos de impugnação junto dos
tribunais administrativos enquanto o ato que se dirigem a vincular não é praticado.
NOTA: artigo 51.º, n.º 3 CPTA – DIVIDE-SE EM DUAS PARTES – uma parte que se refere aos
pareceres vinculativos e uma parte que se refere aos atos de exclusão de um candidato de um procedimentos
pré-contratuais – AMBOS SÃO PRATICADOS NO DECURSO DE UM PROCEDIMENTO
ADMINISTRATIVO – o ato que exclui um candidato de um procedimento pré-contratual é um ato
administrativo, ao passo que o primeiro não o é.
*o parecer vinculativo só pode ser impugnado até à prática do ato que põe termo ao procedimento em que
ele foi solicitado, ao passo que o ato de exclusão de um candidato de um procedimento pré-contratual tem
de ser necessariamente impugnado, sob pena de não poder depois impugnar o ato de adjudicação.
Aula n.º 4 – 19-02-2021 – ‘1. Ato administrativo para efeitos procedimentais e ato administrativo para efeitos
processuais: a possibilidade de reação contenciosa contra qualquer ato administrativo e a possibilidade de reação
contenciosa contra determinados atos jurídicos que o legislador equipara no CPTA a atos administrativos - os
pareceres vinculativos. 2. A interpretação do silêncio administrativo: a omissão ilegal de ato administrativo e o
deferimento tácito. 3. Tipologia dos atos administrativos. 3.1. Atos primários e atos secundários; 3.2. Atos que
conferem situações de desvantagem. 3.3. Atos que criam situações de vantagem ou reduzem encargos. 3.4. Atos
administrativos singulares, coletivos e gerais. 3.5. Atos administrativos de conteúdo positivo, de conteúdo negativo e
de conteúdo ambivalente’
Temos uma noção legal e uma clara opção por parte do legislador por uma noção restrita de ato
administrativo (artigo 148.º CPA).
Exige-se, para que um ato jurídico mereça a classificação como ato administrativo, que esse ato
jurídico produza efeitos jurídicos externos, inovadores (ou seja, reguladores), numa situação
individual e concreta (é necessário que os efeitos produzidos por esse ato jurídico se traduzam na
constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídico-administrativa).
Por outro lado, temos um conceito de ato administrativo para efeitos contenciosos, o
que quer dizer que à qualificação de um ato jurídico como ato administrativo para efeitos
contenciosos está associada a aplicação de um determinado regime adjetivo ou
processual, ou seja, um conjunto de normas jurídicas que disciplinam os meios de acesso
aos tribunais administrativos para reação contra um ato administrativo praticado.
Na ORIENTAÇÃO FRANCESA havia uma distinção entre estes dois conceitos (o primeiro era
muito amplo, ao passo que o segundo era mais restrito, sendo definido com referência a um
conjunto de requisitos cumulativos).
Já para a ORIENTAÇÃO DO DIREITO ALEMÃO E DO DIREITO AUSTRÍACO não
tínhamos esta discrepância de conceitos, isto é, lugar à defesa de um conceito único de ato
administrativo em sentido estrito, válido para efeitos de determinação da aplicação do regime
substantivo e procedimental e para determinação da aplicação do regime adjetivo ou processual.
É exatamente esta solução que temos entre nós, ou seja, todos os atos administrativos para efeitos
procedimentais ou substantivos são sempre, necessariamente e sem exceção, suscetíveis de
reação contenciosa junto dos tribunais administrativos – a partir do momento em que um ato
jurídico merece a qualificação como ato administrativo, nos termos do artigo 148.º CPA, ele é
automaticamente e necessariamente ato administrativo para efeitos contenciosos, sem
necessidade recurso a critérios adicionais.
O que acontece, depois, é que o legislador no CPA permitiu identificar certos e determinados atos
jurídicos que não merecem a qualificação como atos administrativos nos termos do artigo 148.º
CPA, mas que devem ser tratados como se o fossem (pareceres vinculativos) – com base na tutela
da legalidade e da tutela preventiva dos destinatários.
Estas noções são, portanto, tendencialmente correspondentes na medida em que todos os atos
administrativos para efeitos procedimentais também o são para efeitos contenciosos, contudo
há uma tendência para que a noção para efeitos contenciosos seja ligeiramente mais ampla
São os casos excecionais em que o legislador exige ou faz depender, para acesso aos
tribunais administrativos, esse recurso da apresentação prévia de recurso necessário
(em regra, recurso hierárquico necessário, embora também possa haver recurso tutelar
necessário ou reclamação necessária).
Artigo 185.º, n.º 2 CPA – já falamos um pouco dos mecanismos de reação administrativa, ou seja,
os mecanismos de garantia que o destinatário de um ato administrativo tem ao seu dispor para,
junto da AP, reagir contra o mesmo.
NOTA: mecanismos de reação administrativa e não contenciosa, ou seja, mecanismos de reação
junto da AP, e não junto dos tribunais administrativos.
Há aqui uma questão que se deve sempre colocar, que é um exercício prévio de verificação e
confirmação que se tem de fazer quanto estamos perante um ato administrativo, que é olhar para
o artigo 185.º, n.º 2 CPA – a utilização de qualquer um dos mecanismos de reação administrativa
é facultativa.
Pode recorrer-se diretamente aos tribunais, sem necessidade de fazer uso, nem da
reclamação, nem de nenhum dos tipos de recurso previstos
Posso fazer uso de ambos simultaneamente – ou seja, alguém é notificado num dia de um
ato administrativo que lhe é desfavorável; no dia seguinte apresenta uma reclamação ou
um recurso hierárquico e no dia seguinte avança com uma ação junto do tribunal
administrativo e fiscal competente
Ou seja, quando está verificada a regra, que é a de estes mecanismos serem facultativos, quando
se é notificado de um ato administrativo que é desfavorável, tem-se estas 3 alternativas de atuação.
Mas o artigo 185.º, n.º 2 CPA enuncia uma exceção «salvo quando norma especial os preveja
como necessários». – Remissão para o artigo 3.º DL 4/2015 que aprova o CPA
Tal quer dizer que, nestas situações, primeiro tem de se fazer uso do mecanismo de reação
administrativa que foi enunciado pelo legislador como sendo o necessário – tal transfere a situação
para a questão da interpretação das normas especiais.
(ex.: eu apresento uma reclamação ou um recurso necessário, porque existe uma norma
especial que o impõe para depois recorrer aos tribunais; e há um prazo para decisão da
reclamação ou de qualquer um dos tipos de recursos quando sejam necessários.
Eu estou habilitada a recorrer aos tribunais a partir do momento em que tenho uma decisão
(1) ou que termina o prazo para que órgão competente tem para decidir da reclamação ou do
recurso (2) [É O QUE ACONTECER PRIMEIRO])
Consequências associadas, EM TERMOS PROCEDIMENTAIS/SUBSTANTIVOS, à
qualificação como ato administrativo
Isto, porque quando são notificados para a audiência prévia nessa notificação já seguem as
linhas gerais do ato administrativo a praticar e dos atos instrutórios e diligências preparatórias
praticadas para que, em sede de audiência prévia, os interessados se possam pronunciar de
forma esclarecida e completa.
Depois temos uma fase dedicada a diligencias instrutórias complementares – em sede de
audiência prévia, os interessados podem levar ao procedimento administrativo factos que a
própria AP não se tinha apercebido, pelo que dever-se-á verificar a sua veracidade.
Assim, verificada a sua verdade, dá-los por assentes ou não e, em função disso, alterar o
projeto de decisão ou não - se houver lugar a uma alteração do projeto de decisão há nova
audiência dos interessados.
Depois temos a fase da prática do ato administrativo propriamente dito, que fica a cargo
do órgão com competência decisória (pode ser um órgão singular [pratica o ato administrativo
decidindo] ou colegial [que pratica o ato administrativo deliberando]).
É necessário entender se é colegial ou singular, porque se for colegial há um conjunto de regras a
observar em matéria de funcionamento dos órgãos colegiais que estão previstas na Parte II do
CPA, que são fundamentais para a validade do ato administrativo – ex.: é necessário o
preenchimento do quórum, a tomada da deliberação pela maioria prevista, a redução a ata como
requisito de eficácia da deliberação a tomar, etc.
Estas exigências de validade e eficácia não se colocam nestes termos quando o ato administrativo
é praticado por um órgão singular.
(ex.: requisito de validade de um ato administrativo: fundamentação deste ato quando exigida)
O dever de fundamentação de um ato administrativo só existe quando o legislador o preveja e só
nesses casos é que constitui um requisito de validade do ato administrativo.
O legislador prevê o dever de fundamentação no artigo 152.º CPA e a preterição do dever de
fundamentação pode fazer-se de 1 de duas formas:
1. Porque simplesmente não se fundamenta um ato administrativo que o legislador impõe
que seja fundamentado
2. Ou então fundamenta-se, mas esta é insuficiente ou obscura
EM AMBOS OS CASOS HÁ VIOLAÇÃO DO DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
NOTA: a fundamentação tem o importante papel da clarificação junto do destinatário do ato
administrativo da clarificação do sentido e conteúdo do ato administrativo praticado
Quando a fundamentação constitui um dever a sua violação acarreta um vicio invalidante, que
se designa de vício formal de preterição de formalidade essencial, cuja consequência jurídica
é a anulabilidade nos termos do artigo 163.º, n.º 1 CPA
Um ato administrativo anulável (se for nulo ou inexistente juridicamente o que vai ser
dito não se aplica) deve ser impugnado judicialmente dentro de um determinado
prazo
Esse prazo, nos termos do artigo 58.º CPTA, é de 3 meses para os administrados e de 1 ano para
o MP. O que acontece é que, findo o prazo mais longo (1 ano para o MP), um ato administrativo
anulável deixa de poder ser impugnado contenciosamente.
Ele não se convalida – continua anulável – o que sucede é que não é possível atacá-lo
judicialmente com fundamento naquela anulabilidade (Freitas do Amaral fala em convalidação, mas o mais
correto é que se consolida).
Se for nulo ou inexistente juridicamente, como estas situações não estão sujeitas a prazo, tal não
se verifica; mas como a anulabilidade deve ser invocada nos prazos supramencionados, terminado
o prazo de 1 ano do MP, deixa de poder ser impugnado contenciosamente e consolida-se.
Tem que ver com os pedidos que se podem apresentar contra atos administrativos; as formas de
ação que esses pedidos podem seguir e os trâmites processuais associados.
(ex.: Vamos imaginar que somos funcionários públicos, que é instaurado um procedimento
disciplinar e que nos é aplicada uma sanção de suspensão de funções durante 3 meses – este
ato administrativo produz efeitos desfavoráveis e lesivos, pelo que temos legitimidade de
recorrer desse ato administrativo junto dos tribunais administrativos)
Requisitos necessários para que se possa aceder aos tribunais/ pressupostos processuais:
Legitimidade ativa
Interesse processual/ interesse em agir
O pedido que faz com que o ato desapareça é o pedido de impugnação, que tem como objetivo
apurar se aquele ato que aplica a sanção é ou não ilegal. Se for ilegal, vai apurar qual a ilegalidade
(e em função disso vai: anular, declarar a nulidade ou declarar a inexistência jurídica – e o ato vai
desaparecer porque foi anulado OU porque foi declarado nulo OU porque foi declarado
inexistente juridicamente).
Este pedido, que tecnicamente se chama de pedido de impugnação, vai seguir um conjunto de
trâmites. As formalidades e os trâmites que se seguem à apresentação da petição inicial designam-
se de forma de ação. Esses trâmites podem, depois, ir variando em função do pedido e em função
do ato que se pretende atacar.
Mas, regra geral, o que acontece é que a seguir à apresentação da petição inicial é que a mesma é
distribuída pelos juízes, que irão verificar se existem ou não vícios. Se tiver vícios, retorna a
petição ao interessado para modificar, ao passo que se não os tiver, irá para contestação da
entidade que praticou o ato. Daqui a entidade envia, então, o procedimento disciplinar aos juízes
e dá-se a remessa para processo administrativo e, por fim, temos a decisão.
Quando qualificamos um ato jurídico como ato administrativo, temos associado um regime
processual previsto no CPTA, que vai definir o pedido adequado para aquele ato e a forma de
ação que esse pedido irá seguir – se em vez de ser um ato administrativo, for uma norma, um
contrato, uma omissão ilegal, uma situação de responsabilidade civil, etc. será sempre diferente.
(ex.: artigo 37.º CPTA – temos um conjunto de pedidos em função daquilo de que se pretende
reagir)
Em termos de pedidos a apresentar junto dos tribunais administrativo contra atos administrativos
nos termos dois:
Atos de conteúdo positivo – são atos que introduzem na esfera jurídica do destinatário
os efeitos jurídicos pretendidos, casos em que os efeitos jurídicos são favoráveis OU
efeitos jurídicos que provocam situações de desvantagem.
Ou seja, os atos de conteúdo positivo tanto podem ser atos com efeitos jurídicos favoráveis, como
podem ser atos com efeitos jurídicos desfavoráveis. A característica de que ambos comungam
para merecer a sua integração neste tipo de atos traduz-se na introdução de uma alteração na esfera
jurídica do destinatário desse ato administrativo, independentemente dessa alteração lhe ser
favorável ou desfavorável.
(ex.: ato administrativo que concede o subsídio requerido pelo interessado, licença de
construção, declaração de utilidade pública, ordem de demolição de um prédio ou de remoção
de um veículo, ato contraordenacional, ato que aplica uma sanção disciplinar)
Como vemos encontramos aqui atos que provocam situações de vantagem, como atos que
provocam situações de desvantagem.
Pedido de impugnação de ato administrativo (artigo 37.º, n.º 1, a) CPTA e artigos 50.º e
ss. CPTA)
Pedido de condenação à prática de ato legalmente devido (artigo 37.º, n.º 1, b) CPTA e
artigos 60.º e ss. CPTA)
Esta classificação serve para nos ajudar a definir, em função do conteúdo do ato, o pedido
adequado para reagir desse mesmo ato administrativo junto dos tribunais.
Artigo 71.º CPTA – o tribunal, dependendo do facto do ato administrativo em causa ser mais ou
menos discricionário ou mais ou menos vinculativo, vai ter de, ao abrigo do princípio da separação
de poderes, ter isso em conta na sentença de condenação à prática de ato legalmente devido:
Se o ato administrativo que o interessado pretende ver praticado (tendo o tribunal já
reconhecido que essa é a solução conforme à lei) tiver um conteúdo discricionário, condena
a AP à prática de um ato administrativo que respeite as regras e princípios aplicáveis, que não
reincida sobre as ilegalidades anteriormente cometidas, mas que terá o conteúdo e sentido que
a AP bem entender, porque resulta do exercício de poderes discricionários.
Por fim, o tribunal atende à competência a exercer pela AP mas chega à conclusão de que ela
é estritamente vinculada, portanto condena a AP à prática de um ato administrativo com
conteúdo e sentido previamente determinado na sentença de condenação
Quanto tenhamos um ato de conteúdo ambivalente – quem ter interesse para reagir do
ato de conteúdo ambivalente são os terceiros que queriam estar no lugar daquele que ficou
graduado em primeiro lugar e que não estão.
O que o terceiro quer é que aquele ato de adjudicação seja praticado atribuindo-lhe a ele a
celebração daquele contrato. Ou seja, eles querem a substituição daquele ato de conteúdo positivo
para o seu concreto destinatário por um outro ato de conteúdo positivo em que são eles os seus
diretos destinatários.
Portanto, o pedido é o de condenação à prática de ato legalmente devido em que os concorrentes
que ficaram graduados em 2.º, 3.º e 4.º lugar têm a possibilidade de pedir ao tribunal
administrativo territorialmente competente que substitua o ato praticado por um outro em que o
conteúdo positivo do mesmo lhes é direcionado a si e em que o conteúdo negativo do mesmo é
direcionado aos demais.
O pedido de condenação à prática de ato legalmente devido é ainda aplicável a uma outra
situação:
Omissão ilegal de ato administrativo – como se sabe, a situação de omissão ilegal de
ato administrativo diz respeito a um caso de inatividade administrativa, em que o
interessado apresenta um requerimento que constitui, nos termos do artigo 13.º CPA, a
AP no dever de decidir, e que, passando o prazo definido (90 dias uteis em regra), cria-
se uma situação de silêncio administrativo, que excecionalmente é tida como deferimento
tácito (artigo 130.º CPA) e, em regra, é interpretada como pura e simplesmente uma
omissão ilegal, nos termos do artigo 128.º CPA.
Acontecendo isso, o pedido adequado a apresentar junto dos tribunais administrativos é também
o pedido de condenação à prática de ato legalmente devido – o que se procura é precisamente
que a AP pratique um ato administrativo que resolva o silêncio da sua inatividade.
Aula n.º 6 – 26-02-2021 – ‘1. Tipologia dos atos administrativos: conclusão 2. Requisitos de validade do ato
administrativo. 2.1. Quanto à forma do ato e ao texto do ato. 2.2. Cláusulas acessórias.’
NOTA: (nota adicional quanto aos atos de conteúdo ambivalente) – também podemos ter atos
de conteúdo positivo e, hipoteticamente, atos de conteúdo negativo praticados no âmbito de
relações jurídicas multipolares/ poligonais, simplesmente a diferença relativamente aos atos de
conteúdo ambivalente traduz-se no facto de, nestes casos, não existe o tal interesse concorrente
entre o destinatário direto do ato administrativo e os terceiros que acabam por ser afetados por
esse ato administrativo.
(ex.: licença de construção conferida em termos que prejudica o vizinho, que não tem com o
destinatário dessa mesma licença qualquer interesse concorrente)
Uma outra distinção relevante ao nível da tipologia de atos administrativos é a distinção entre atos
bipolares e atos multipolares/poligonais.
Também se fez uma distinção entre atos administrativos singulares, colegiais, plurais e gerais.
Este quadro enuncia uma tipologia de atos administrativos tendo em consideração o caráter
favorável/ vantajoso e o caráter desfavorável/ desvantajoso dos efeitos produzidos pelos atos
administrativos.
Assim temos atos administrativos que provocam situações de desvantagem, podendo estes ser
atos ablativos ou atos impositivos, e atos administrativos que provocam situações de
vantagem, seja porque reduzem ou eliminam encargos, seja porque conferem ou ampliam
direitos.
Os primeiros produzem efeitos jurídicos desfavoráveis/desvantajosos face aos seus destinatários,
ao passo que os segundos produzem efeitos jurídicos favoráveis/vantajosos face aos seus
destinatários.
A importância prática desta distinção tem relevância, desde logo, mas não exclusivamente, em
três situações:
Sucede que o dever de fundamentação só existe nos casos previstos na lei – o CPA prevê um
regime geral e tem uma norma especificamente pensada para o dever de fundamentação (artigo
152.º CPA), que dando concretização a uma exigência constitucional (artigo 268.º, n.º 3 CRP)
enuncia os casos em que considera obrigatória a fundamentação – não quer dizer que a AP não
possa fundamentar todos os atos administrativos que pratique, independentemente de existir uma
norma que exija esse dever de fundamentação.
O que acontece é que, quando a fundamentação é facultativa, do facto de não o ter feito não
resulta qualquer vicio invalidante para o ato administrativo; só quando a fundamentação é
configurada pelo legislador como um dever é que a sua inobservância é relevante, no sentido
de determinar a invalidade do ato administrativo a que se refere.
Se olharmos para o artigo 152.º CPA vemos que o dever de fundamentação está pensado para os
casos em que o ato administrativo praticado produz efeitos jurídicos desvantajosos na esfera
jurídica do seu destinatário; ou então quando a AP recusa o efeito pretendido pelo requerente.
Portanto, é mais um aspeto que torna relevante apurar se os efeitos jurídicos produzidos pelo ato
administrativo são favoráveis/vantajosos ou desfavoráveis/desvantajosos.
Podem ter interesse em reagir terceiros prejudicados por um ato administrativo que,
sendo favorável ao seu destinatário, acaba por produzir efeitos jurídicos desvantajosos na
esfera jurídica desse mesmo terceiro.
Tal sucede, porque o ato administrativo deu origem a uma relação jurídica poligonal
Depois tem o MP, que tem a titularidade da ação pública, competindo-lhe dirigir a
legalidade (e não defender a posição jurídica individual dos administrados), pelo que,
quando confrontado com um ato administrativo, ainda que só produza efeitos jurídicos
favoráveis, que seja ilegal, o MP deve atuar servindo-se dos mecanismos de reação
contenciosa previstos no CPTA.
Explicação (DUP):
No procedimento de expropriação por utilidade pública, o momento da transferência da
propriedade do bem não é o momento da prática da DUP (declaração de utilidade pública). A
transferência do bem num processo de expropriação pode ter lugar por três vias.
Tentativa de aquisição por via do Direito Privado – contrato de compra e venda
Se esta tentativa não for bem-sucedida, designadamente porque o proprietário do bem não aceitou
o preço que lhe estava a ser proposto, então avança-se para o procedimento de expropriação.
Começa-se por uma DUP
A DUP é um ato administrativo, porque explicita o fim de interesse público que procura satisfazer
com um bem da propriedade de um particular; dá conta do caráter absolutamente imprescindível
da expropriação desse mesmo bem e determina a expropriação desse bem. O que sucede é que,
quando é praticada uma declaração de utilidade pública, o proprietário do bem visado na DUP
tem a certeza de que o bem de que é titular naquele momento deixará de o ser num momento
posterior.
Tudo o que acontecer depois da prática da DUP será no sentido, não de tentar evitar a expropriação
do bem, mas no sentido de, dando por assente a expropriação do bem, definir o valor da
indemnização a pagar ao expropriado.
A transferência efetiva do bem dá-se mais tarde por sentença do tribunal, que adjudica o
bem expropriado, nos termos do artigo 51.º do Código de Expropriações
Em suma, a DUP é um ato administrativo e pode ser qualificada como ato administrativo ablativo,
porque determina que um determinado bem será expropriado e, portanto, será transferido para a
esfera jurídica do beneficiário da expropriação, tendo em vista a satisfação de um bem de interesse
público – ATO DE CONTEUDO ABLATIVO
Atos impositivos: o que temos são atos que impõem uma conduta positiva ou negativa
ao destinatário do ato administrativo, que se traduzem numa ordem ou numa proibição,
na medida em que se proíbe o destinatário daquele ato administrativo impositivo de fazer
algo. Também são atos impositivos os atos administrativos que impõem uma sanção
(sanções disciplinares e contraordenacionais).
Delegações
A delegação de competências só tem a configuração como ato administrativo no caso das
delegações de competências praticadas entre órgãos de pessoas coletivas diferentes, porque se
exige para a formação de um ato administrativo a produção de efeitos jurídicos externos. E para
haver efeitos jurídicos externos é necessário que o ato seja praticado no âmbito de uma relação
entre sujeitos de direito diferentes.
NOTA: se o ato de delegação for praticado entre órgãos da mesma pessoa coletiva, estamos a
falar, não de um ato administrativo, mas de um ato meramente jurídico no âmbito de uma relação
interorgânica, porque os seus efeitos são meramente internos.
As delegações de competências, nos termos do artigo 44.º e seguintes CPA, podem ser praticadas
entre órgãos de pessoas coletivas diferentes ou órgãos da mesma pessoa coletiva – no caso dos
atos que conferem ou ampliam direitos só relevam os atos de delegação entre órgãos de pessoas
coletivas diferentes
Concessões
Nas concessões é transferida para a esfera jurídica de uma pessoa coletiva privada, ou de uma
pessoa singular, a responsabilidade de exercício de uma atividade pública.
Concessões translativas – neste caso, a entidade pública transmite para o
concessionário poderes administrativos que já detém, passando esses poderes
administrativos a serem exercidos pelo concessionário.
NOTA: A entidade que concede/atribui é a entidade concedente e entidade privada que recebe a concessão
chama-se concessionário.
Autorizações
Nas relações com os particulares
Licenças/ Autorizações constitutivas
Autorizações permissivas
O que está em causa é que nas autorizações constitutivas se atribui um direito que não era pré-
existente na esfera jurídica do destinatário do ato administrativo, ao passo que nas permissivas
se elimina um obstáculo que se colocava ao nível de um direito que já existia na esfera jurídica
do destinatário.
Dispensas – atos administrativos que permitem a alguém, nos termos da lei, não
cumprimento de uma obrigação legal e geral.
Porque o ato administrativo se traduz numa forma escrita, essa forma escrita deve conter um
conjunto de elementos que constam do ato administrativo – as menções obrigatórias de ato
administrativo estão previstas no artigo 151.º CPA e são as seguintes:
Grande parte deles são requisitos de validade do ato administrativo a praticar e alguns deles, não
deixando de ser requisitos de validade, têm como consequência jurídica a inexistência do ato
administrativo como tal – quando se chega à conclusão de que o ato administrativo é inexistente
determina-se ele não existe juridicamente como tal – de todos os desvalores associados à
invalidade, a inexistência jurídica é a mais grave, se bem que em DA os efeitos que lhe estão
associados não são muito diferente dos da nulidade.
Deve ler-se o artigo 151.º CPA em articulação com o artigo 155.º, n.º 2 CPA.
Assim sendo:
Artigo 151.º CPA:
a) [parte final] - «menção da delegação ou subdelegação, quando exista» – articula-se
com o artigo 48.º CPA – a falta de menção não é um requisito de validade, nem sequer de eficácia,
mas sim uma exigência que resultava da lei, cujo incumprimento a lei fazia associar a MERA
IRREGULARIDADE.
a) [primeira parte] – «Indicação da autoridade que pratica o ato» - este é um elemento
essencial do ato administrativo e tanto o é que nos termos do n.º 2 do artigo 155.º CPA o ato só
se considera praticado quando haja lugar à identificação do autor.
A exigência de identificação da autoridade que o pratica é um requisito de validade, cuja
inobservância tem como consequência a INEXISTÊNCIA JURÍDICA do ato administrativo.
b) – «Identificação adequada do/dos destinatário/os» - lido em conjugação com o artigo
155.º, n.º 2, trata-se de um requisito de validade, cuja inobservância tem como consequência a
INEXISTÊNCIA JURÍDICA
c) – «Enunciação dos factos ou atos que lhe deram origem, quando relevantes» - este
é um requisito de validade do ato administrativo, sendo que a sua não enunciação conduz a uma
invalidade do ato, traduzindo-se esta invalidade do ato em mera ANULABILIDADE (artigo
163.º CPA)
NOTA: a nulidade tem de estar prevista na lei como consequência jurídica associada à invalidade de um
ato administrativo. Se não estiver prevista a nulidade, isso significa que a consequência jurídica associada
é a anulabilidade.
Artigo 149.º CPA: Outra questão a referir quanto ao texto do ato administrativo:
No texto do ato administrativo podem ser apostas cláusulas acessórias. As clausulas acessórias
que podem ser apostas num ato administrativo são a condição, o termo, o modo ou a reserva.
A posição de qualquer uma destas cláusulas deve ser feita por escrito, naturalmente
Não podendo ser contrárias à lei,
Devendo estar de acordo com o fim a que o ato se destina,
Devem ser justificadas e adequadas por terem sempre de ter uma relação direta com o
conteúdo do ato administrativo
Devem respeitar os princípios gerais da atividade administrativa, nomeadamente o
princípio da proporcionalidade
O desrespeito de um destes requisitos/ imposições redunda na invalidade dessas mesmas cláusulas
que são tidas como não escritas, MAS TAL NÃO AFETA A VALIDADE DO ATO
ADMINISTRATIVO (assim, as cláusulas são tidas por não apostas – o ato administrativo deve
ser interpretado como se a cláusula não tivesse sido aposta).
Aula n.º 7 – 01-03-2021 – ‘1. Continuação da aula anterior - vícios de invalidade do ato administrativo: os
vícios do ato administrativo quanto ao autor, quanto ao procedimento que antecede a formação do ato, quanto ao
seu objeto, quanto ao conteúdo, quanto à vontade do órgão, quanto ao fim. 2. Consequências jurídicas dos vícios - a
invalidade do ato administrativo: anulabilidade, nulidade e inexistência jurídica. 3. Requisitos de eficácia do ato
administrativo.’
1 - Os atos administrativos podem ser sujeitos, pelo seu autor, mediante decisão fundamentada, a
condição, termo, modo ou reserva, desde que estes não sejam contrários à lei ou ao fim a que o ato se
destina, tenham relação direta com o conteúdo principal do ato e respeitem os princípios jurídicos
aplicáveis, designadamente o princípio da proporcionalidade.
2 - A aposição de cláusulas acessórias a atos administrativos de conteúdo vinculado só é admissível
quando a lei o preveja ou quando vise assegurar a verificação futura de pressupostos legais ainda não
preenchidos no momento da prática do ato.
Ainda aqui se acrescenta, para além destes 3 elementos (não serem contrárias à lei ou ao fim a
que o ato se destina; terem relação direta com o conteúdo principal do ato; respeitarem os
princípios jurídicos aplicáveis, nomeadamente o princípio da proporcionalidade), um 4.º que se
prende com a necessidade de as cláusulas acessórias adotarem a mesma forma que o ato
administrativo.
Como se sabe, o ato administrativo tem, em princípio uma forma escrita, pelo que as cláusulas
acessórias devem ser apostas por escrito.
1. Estar prevista especificamente naquele caso para aquele tipo de ato administrativo
OU visar assegurar a verificação futura de pressupostos legais ainda não
preenchidos no momento da prática do ato
Quando falamos de um ato administrativo de conteúdo estritamente vinculado, estamos a falar de
um ato administrativo cujo conteúdo e sentido resulta da mera aplicação da lei (foi previamente
determinado pelo legislador).
Chegando o órgão com competência decisória à conclusão de que é de aplicar aquela norma
àquela situação concreta, naturalmente o conteúdo e sentido do ato a praticar não poderá ser outro
sem ser aquele determinado.
Portanto, em todos os casos, a aposição de cláusulas acessórias corresponde a uma competência decisória nos
termos do n.º 1 do artigo 149.º CPA; está sujeita a um conjunto de requisitos que resultam desta mesma disposição,
sendo que, no caso dos atos administrativos VINCULADOS, devem ainda satisfazer um de dois requisitos adicionais
(ou estarem expressamente previstos na lei, que define o conteúdo e sentido do ato a praticar OU visarem assegurar
a verificação futura de pressupostos legais que a lei faz depender a prática daquele ato, mas que ainda não estão
assegurados no momento)
Deve-se ainda falar no segundo requisito adicional que se coloca apenas no caso em que a
cláusula acessória a apor é a RESERVA DE REVOGAÇÃO.
No artigo 149.º, n.º 1 faz-se referência a quatro tipo de clausulas acessórias: condição, o termo, o
modo e a reserva – quando se fala de reserva fala-se em reserva de revogação.
A reserva de revogação é uma cláusula, mediante a qual o órgão com competência decisória
salvaguarda a possibilidade de, no futuro, vir a revogar um ato administrativo válido, favorável,
que de outra forma não poderia revogar. A revogação traduz-se na prática de um ato
administrativo secundário que tem por objeto um outro ato administrativo. A revogação, ao
contrário da anulação, tem por fundamento questões de mérito, conveniência e oportunidade.
Os efeitos são os mesmos da anulação, que é a extinção do ato sobre qual incidem, mas os
fundamentos são diferentes (artigo 165.º CPA).
Ora, se olharmos para o artigo 167.º CPA, vemos que, de facto, os atos constitutivos de direitos,
ou seja, os atos que produzem efeitos jurídicos favoráveis na esfera jurídica dos seus destinatários,
constituindo em seu favor direitos que não existiam na sua esfera jurídica são passiveis de
revogação em termos muito limitados, precisamente pelas expectativas que criam no
destinatário, que se consideram que são expectativas legitimas, merecedoras de uma proteção
dessa mesma confiança.
Na alínea a), b) e c) temos situações em que são passiveis revogações de atos constitutivos
de direitos
Na alínea d) faz-se uma referência específica à reserva de revogação. Esta disposição, que
se refere à limitação de revogação, refere-se a atos que conferem direitos que não existiam
na esfera jurídica dos destinatários – isto por causa da tal necessidade de salvaguardar a
posição jurídica do destinatário desses mesmos atos.
Na alínea d) do n.º 2 do 167.º CPA uma das possibilidades de revogação deste tipo de atos
administrativos é precisamente eles terem sido sujeitos a reserva de revogação.
Mas se virmos a parte final desse mesmo artigo ‘… desde que se verifique o circunstancialismo
específico previsto na própria cláusula’ – isto leva-nos àquele outro requisito adicional.
Outras cláusulas que o legislador considerou admissíveis de apor (para além da reserva)
Modo – ao contrário da condição e do termo não tem que ver com a eficácia do ato
administrativo, mas com os benefícios que o ato cria para os seus destinatários. É uma
cláusula que só é aposta em atos administrativos favoráveis, em que se impõe ao
destinatário a adoção de um comportamento de que depende o benefício que lhe é
conferido por aquele ato administrativo
(ex.: faz-se depender o benefício resultante de um ato administrativo do pagamento de uma
quantia certa a título de caução)
No entanto, estes NÃO SÃO OS ÚNICOS requisitos de legalidade a que os atos administrativos
estão sujeitos – o que se exige é uma relação de conformidade com esses mesmos requisitos e não
de mera compatibilidade, ou seja, não basta que o ato administrativo não os viole, é necessário
que este tenha por fundamento estes mesmos requisitos legais e deve respeitá-los e observá-los.
No caso de desconformidade, os atos administrativos são ilegais, cuja ilegalidade se manifesta
num vício (que se traduz num juízo desfavorável por parte da ordem jurídica que envolve a
aplicação de consequências desfavoráveis).
Esse vício, dependendo do requisito de validade que é violado pelo ato administrativo poderá
referir-se:
Esses atos jurídicos inexistentes não são também suscetíveis de sanação de qualquer tipo
Portanto, o artigo 164.º CPA não é aplicável a atos inexistentes juridicamente.
Não são suscetíveis de ser revogados, mas são suscetíveis de declaração de inexistência,
tendo competência para tal, quer a AP, quer os tribunais, sendo que, no caso da AP, têm
competência para essa declaração os mesmo órgãos que são competentes no regime da
anulação administrativa.
NOTA: Um ato administrativo inexistente juridicamente não produz efeitos jurídicos, mas pode
produzir efeitos de facto.
(ex.: declaração de utilidade pública com posse administrativa imediata)
A declaração de utilidade pública é um ato administrativo que identifica um bem a expropriar,
tendo em vista a prossecução do interesse público determinado.
Tendo uma posse administrativa imediata, a partir do momento em que é notificada ao
proprietário do bem, a entidade administrativa beneficiária da declaração pode ocupar
imediatamente esse mesmo bem e prosseguir com os trabalhos necessários para a satisfação do
interesse público.
Ora, se a DUP for inexistente juridicamente, não produz efeitos jurídicos, mas a verdade é que,
entre o início da sua vigência e a reação contra ela, os efeitos de facto acontecem. É a propósito
da necessidade de nos precavermos quanto a eventuais efeitos de facto que é importante reagirmos
contra atos administrativos inexistentes juridicamente.
O mesmo se aplica à nulidade – um ato nulo também não produz efeitos jurídicos, mas pode
produzir efeitos de facto.
No sistema de AP português, de tipo executivo de inspiração francesa, o regime regra no que diz
respeito à sanção jurídica é a anulabilidade e não a nulidade, o que é compreensível pelo facto de
a anulabilidade conseguir uma articulação equilibrada entre a tutela da legalidade e a ideia de
estabilidade nas relações jurídicas criadas pelos atos jurídicos praticados e de autoridade.
Nesse sentido, não há aqui dúvidas quanto à opção do legislador ser a mais correta, o que torna
decisivo determinar a exceção, ou seja, determinar as hipóteses de nulidade (porque a
anulabilidade será a consequência do vício nas hipóteses restantes).
Temos de perceber se o vício invalidante tem ou não como consequência jurídica a nulidade,
porque se não o tiver, a consequência jurídica será a anulabilidade
Nulidade
O artigo 161.º CPA tem um elenco exemplificativo de situações de nulidade, fazendo depender
o desvalor jurídico de nulidade de previsão expressa. Assim, este artigo fez desaparecer a
categoria das nulidades por natureza, que existia no CPA de 1991.
No CPA de 1991, o legislador começava por enunciar uma cláusula geral (artigo 133.º),
identificando os critérios que permitiam apurar da sanção jurídica de nulidade, reservando-a para
situações graves e, depois, fazia acompanhar esta cláusula geral de um elenco exemplificativo.
Portanto, o aplicador tinha aqui dois tipos de nulidades possíveis: as nulidades por natureza
(situações em que o legislador não fez corresponder expressamente a consequência jurídica
nulidade, mas que por aplicação da cláusula geral se poderiam entender por nulas) e as nulidades
por determinação legal (aquelas que estavam especificamente determinadas como tal).
Esta cláusula do artigo 133.º CPA 1991 apelava para a essencialidade dos elementos em falta para
a natureza do tipo legal de ato administrativo, e a verdade é que oferecia algumas dúvidas de
delimitação, mas tinha a vantagem de flexibilizar os casos em que o desvalor jurídico associado
era a nulidade.
Ora, no artigo 161.º CPA o legislador eliminou a cláusula geral e, nesse sentido, eliminou as
nulidades por natureza e ficou-se apenas pelas nulidades expressamente previstas pelo legislador.
Assim, o desvalor jurídico associado a um vício invalidante só é nulidade quando exista
uma norma que expressamente o preveja
O elenco do artigo 161.º CPA é taxativo [na medida em que não prevê nenhuma cláusula aberta
que permita, para além dos casos que estão previstos neste artigo ou noutras normas do CPA ou
especiais, ao intérprete associar a consequência jurídica nulidade a vícios invalidantes], mas não
prejudica outros casos que estejam previstos como nulidades na lei – acrescem nulidades previstas
noutras normas do CPA (artigo 36.º, n.º 2) ou em leis especiais (artigo 68.º do Regime Jurídico
de Urbanização e Edificação e artigos 103.º e 115.º do Regime Jurídico dos Instrumentos de
Gestão Territorial).
Isto é algo que à doutrina e à jurisprudência coloca dificuldades significativas, uma vez que há
vícios a que a lei (CPA e normas especiais) não associa como consequência jurídica uma nulidade,
mas que não podem ser senão nulos.
Se nós atendermos exclusivamente ao que está previsto na lei concluímos: só são nulos os
atos administrativos inválidos aos quais norma legal ou regulamentar associe a nulidade como
consequência jurídica. Os outros, a que não se associe como consequência jurídica, nem a
nulidade, nem a inexistência jurídica, são anuláveis.
Mas nós conseguimos encontrar casos aos quais o legislador não associa a nulidade, mas que
não podem ser senão nulos.
Os atos nulos não produzem efeitos jurídicos, muito embora possam produzir efeitos de
facto, independentemente de qualquer declaração administrativa ou jurisdicional de
nulidade
Não têm carater vinculativo e, portanto, também não são suscetíveis de execução coerciva
Em regra, a invocação da nulidade não está sujeita a qualquer prazo (embora existam
situações em que o legislador imponha um prazo)
Pelo que, à partida, o decurso do tempo não tem o efeito de consolidação que se verifica
nos atos anuláveis
Os atos nulos não são suscetíveis de sanação, mas são suscetíveis de reforma e conversão
– GRANDE DIFERENÇA FACE AOS ATOS INEXISTENTES
JURIDICAMENTE
Os atos nulos são, à partida, insanáveis, mas há casos contados em que é possível a sua sanação
– artigo 164.º CPA
Artigo 164.º CPA:
O artigo 164.º CPA refere-se a atos nulos e anuláveis:
1. RATIFICAÇÃO
A ratificação está circunscrita a situações feridas com anulabilidade e traduz-se na eliminação
do vicio.
Através da ratificação há uma manifestação de vontade por parte do órgão com competência no
sentido da eliminação do vício ao qual está associada a anulabilidade.
a. A ratificação-sanação tem, regra geral, lugar com referência ao vício da incompetência
relativa (vício orgânico em que um órgão exerce a competência exercida por outro órgão
da mesma pessoa coletiva).
b. Para além de se poder utilizar a ratificação-sanação nas situações em que temos um vício
orgânico de incompetência relativa, também se pode usar para sanar vícios de forma que
tenham como consequência jurídica a anulabilidade.
Ora, o vício pode ser sanado se o órgão com competência decisória fundamentar sucessivamente,
isto é, acrescentar a fundamentação ao ato administrativo. Tal é possível porque se trata de um
vício formal, que tem como consequência jurídica associada a anulabilidade.
(ex. 2: caso de preterição de audiência prévia numa situação em que não se trate de um
procedimento contraordenacional ou disciplinar [nesse caso a consequência associada ao vício
era a nulidade])
Aqui, via da ratificação-sanação, ‘volta-se atrás’ e realiza-se a audiência prévia e, assim, sana-se
o vício daquele ato administrativo.
Fora destas duas situações de vícios formais e de vícios orgânicos, a doutrina não entende que
possa haver lugar a ratificação-sanação, mesmo que a consequência jurídica do vício seja a
anulabilidade.
Ou seja, se estiverem em causa vícios orgânicos e formais que tenham como consequência jurídica
associada a anulabilidade, é possível a ratificação-sanação, mas se estiverem em causa vícios
materiais, ainda que a consequência jurídica associada seja a anulabilidade, entende-se que
não são passíveis de ratificação-sanação, uma vez que o que está em causa é a prática de um
novo ato administrativo e não o aproveitamento, por via da sanação, do ato administrativo já
existente.
2. REFORMA
Na reforma há uma redução do ato administrativo, ou seja, expurga-se do ato administrativo a
parte que lhe traz a nulidade, o que pressupõe que o ato administrativo seja divisível.
(ex.: suponha-se um ato administrativo em relação ao qual se apôs cláusulas acessórias,
cláusulas estas que são nulas e que, por sua vez, tornam o ato administrativo nulo)
Nós podemos operar aqui uma reforma do ato administrativo, eliminando as cláusulas acessórias.
Ou seja, mantemos o ato administrativo como está, mas expurgamos o elemento responsável pela
nulidade desse ato administrativo (o mesmo raciocínio vale se estivermos a falar de atos
anuláveis)
3. CONVERSAO
Neste caso, a conversão passa pelo aproveitamento de aspetos válidos do ato administrativo
praticado, que é nulo ou anulável, mas simplesmente se pega nesses elementos que não estão
afetados pelo vício de invalidade e se pratica um novo ato administrativo.
(ex.: transformar uma nomeação definitiva de um funcionário numa nomeação temporária, por
não ser possível naqueles casos uma nomeação definitiva)
(ex.: transformar uma concessão ilegal numa licença meramente precária)
(ex.: substituir uma licença de construção que autoriza a construção de 20 andares por uma
licença de construção que autoriza a construção de 2 andares)
Em suma, os atos nulos à partida são insanáveis, tirando os casos em que é possível a sua sanação,
que são os casos de reforma e conversão, nos termos do artigo 164.º CPA.
Aula n.º 8 – 05-03-2021 – ‘1. Conclusão da aula teórica anterior. II - O REGULAMENTO ADMINISTRATIVO
1. Noção. 2. Classificação e critérios (âmbito da eficácia jurídica, tipo de relação jurídica regulada e ligação em
relação à lei)’
Anulabilidade
As anulabilidades correspondem a situações em que há violações de normas que têm, no entanto,
uma consequência jurídica menos grave. Para as violações em que não deva estar associada a
inexistência jurídica, nem a nulidade, têm-se como consequência jurídica associada a
anulabilidade.
A anulabilidade (consequência jurídica regra) está prevista no artigo 163.º, n.º 1 CPA.
Os atos anuláveis produzem efeitos jurídicos e de facto, enquanto não forem anulados
pela AP ou pelos tribunais
A anulabilidade está sujeita a prazo, pelo que só pode ser invocada dentro de um
determinado prazo
Em regra, junto dos tribunais, a anulabilidade deve ser invocada num prazo de 3 meses para o
cidadão comum (particulares) e de 1 ano para o MP – artigo 58.º CPTA
No caso da anulação administrativa (não pelos tribunais, mas pela AP), esta também está
sujeita a prazo, sendo que os condicionalismos aplicáveis são os previstos no artigo 168.º CPA e
o prazo regra para se anular administrativamente um ato administrativo é de 6 meses (há casos
em que se admite a extensão deste prazo por 5 anos, quando em causa estejam determinados tipos
de vícios – artigo 168.º, n.º 1 CPA).
NOTA: O prazo máximo de 5 anos no caso de invalidade decorrente de erro está limitado a um
ano para os atos constitutivos de direito – artigo 168.º, n.º 2 CPA
Artigo 168.º, n.º 3 CPA – pode suceder que, perante um ato administrativo anulável, eu tenha
recorrido aos tribunais impugnando (solicitando a sua anulação) e, ao mesmo tempo, tenha
solicitado à AP a sua anulação administrativa e, portanto, este artigo pretende compatibilizar os
dois processos (o processo de anulação judicial e o processo de anulação administrativa).
Partindo do pressuposto de que o processo administrativo vai demorar menos tempo do que o
judicial, a anulação administrativa só pode ter lugar até ao encerramento da discussão em
julgamento.
Estando um processo a decorrer em tribunal e ao mesmo tempo junto da AP, a AP tem de se
inteirar do estado do processo que está a correr em tribunal e:
Pelo facto de a anulabilidade ter de ser invocada durante um determinado prazo, ao fim desse
prazo, o ato não se convalida, mas CONSOLIDA-SE e, portanto, torna-se inimpugnável/
inatacável.
O proprietário do bem expropriado solicita a anulação da DUP à AP ou intenta uma ação junto
do tribunal administrativo territorialmente competente, em que a impugna com fundamento na
sua anulabilidade. Entretanto essa DUP com posse administrativa imediata começou a produzir
efeitos jurídicos e de facto – o proprietário teve de abandonar o imóvel, começaram a haver
obras nesse mesmo imóvel, havia um arrendatário que teve de sair tendo cessado o seu contrato
de arrendamento, etc. – houve um conjunto de efeitos jurídicos e de facto que se produziram por
esta DUP.
A partir do momento em que a DUP é anulada administrativamente ou anulada judicialmente, o
que se vai impor (à AP ou aos tribunais, respetivamente) é, não só a determinação da extinção desses
efeitos com fundamento na sua anulabilidade, mas também a reposição da situação que existia
antes do ato ter sido praticado.
O tribunal vai olhar para a situação e tentar perceber se factualmente dá para repor tudo aquilo e
condenar a AP à reposição da situação factual que existia. Ou então, chega-se à conclusão de que
essa reconstituição in natura não é possível e, por isso, fixa-se um montante indemnizatório.
É por isto mesmo que uma anulação administrativa ou judicial de um ato administrativo tem
efeitos que não são meramente declarativos, mas também constitutivos.
A irregularidade está reservada para casos em que a própria irregularidade está expressamente
prevista na lei. Esta irregularidade está reservada para casos em que os atos administrativos
padeçam de uma ilegalidade pouco grave, que não afete a produção de efeitos estáveis pelos atos
administrativos que se encontram viciados.
O seu REGIME é igual ao dos atos validos e eficazes, sendo que a irregularidade pode,
eventualmente, ter relevância no plano da responsabilidade disciplinar e da responsabilidade civil
extracontratual.
NOTA: diferença entre consolidação e convalidação – os atos anuláveis, ao contrário dos atos
inexistentes juridicamente e dos atos nulos, por efeito do decurso do tempo não se transformam
em atos válidos – simplesmente, como a sua invocação e anulação (administrativa e jurisdicional)
está sujeita a um prazo, o termo desse prazo faz com que esses atos deixem de poder ser anulados
– eles continuam anuláveis, mas deixam de poder ser anulados.
No caso dos atos administrativos inexistentes juridicamente ou nulos, como a declaração não está
sujeita a prazo, significa que o efeito de consolidação, que existe relativamente aos atos anuláveis,
não se verifica.
Como é que salvaguardamos estes terceiros de boa-fé, que confiam na legalidade, validade e
eficácia de um ato de autoridade praticado pela AP?
Nesta situação das licenças de construção, por exemplo, o que acontece é que a licença de
construção é nula (nulidade que resulta do artigo 68.º RJUE. Contudo, atente-se que a conduta
correta leal e de boa-fé daqueles que ignoram que houve lugar à violação de uma qualquer
disposição legal, não convalida a licença (NÃO FAZ DESAPARECER A INVALIDADE).
Existem várias soluções possíveis: a boa-fé dos terceiros não retira a nulidade da licença, pelo
que resolvemos isto pelos efeitos de facto que a licença nula produziu:
1. Destruição dos efeitos de facto – destruição dos efeitos materiais de um ato
administrativo nulo, por forma a conformar a realidade com as normas regulamentares
em vigor.
No caso shopping seria a demolição dos últimos 3 últimos andares, conformando a realidade com
os Planos Municipais violados pela licença.
Ou seja, a licença permaneceria nula, mas atuar-se-ia sobre a realidade que se constituiu ao abrigo
da licença nula, conformando-a com o padrão de conformidade violado pela licença.
De todas as soluções esta é aquela que menos respeita o princípio da legalidade, mas foi a
que foi seguida.
NOTA: os municípios têm discricionariedade de planeamento urbanístico, pelo que eles podem,
a qualquer momento e sem quaisquer limitações (sem ser as que resultam da própria lei), alterar
os Planos Municipais (Plano Diretor Municipal e Plano de Urbanização).
Assim, a prolação de uma sentença por um qualquer tribunal não limitava essa discricionariedade
de planeamento por parte dos Municípios.
Aula n.º 9 – 08-03-2021 – ‘1. Conclusão da aula anterior. 2. Análise do elemento de apoio disponibilizados
quanto aos vícios do ato administrativo. 3. O REGULAMENTO ADMINISTRATIVO: 3.1. Noção.’
NOTA: há vício de incompetência absoluta não só quando se trata de órgãos de pessoas coletivas
diferentes, mas também quando se trata de órgãos de ministérios diferentes (que são
equiparados, para este efeito, a pessoas coletivas)
Legitimação:
Impedimento – o facto de se ter atuado e intervindo na tomada de uma
determinada decisão, pese embora ao abrigo das garantias de imparcialidade
previstas essa intervenção não seja admissível.
Aqui podemos até falar numa concorrência de vícios, uma vez que: há um vicio material por
violação do princípio da imparcialidade e um vício orgânico de falta de legitimidade, cuja
consequência jurídica é a ANULABILIDADE, nos termos do artigo 76.º CPA.
Ato cujo objeto constitua crime – NULIDADE (artigo 161.º, n.º 2, c) CPA)
Ato que ofenda caso julgado – uma sentença transitada em julgada por parte de
um tribunal [que não é suscetível de recurso ou os recursos esgotaram-se, por já
terem sido interpostos] que não é respeitada por parte da AP – NULIDADE –
artigo 161.º, n.º 2, j) CPA
NOTA: os restantes vícios relativos ao conteúdo do ato (violação do regime legal, erro sobre os
pressupostos de facto ou violação de princípios gerais da atividade administrativa como a
imparcialidade, proporcionalidade, justiça, igualdade, etc. têm como consequência jurídica
associada a ANULABILIDADE.
Aula n.º 10 – 12-03-2021 – ‘1. A eficácia dos atos administrativos. II REGULAMENTOS ADMINISTRATIVOS
1. Noção. 2. A relevância da noção de regulamento administrativo prevista do artigo 135.º do CPA, em especial: 2.1.
A tramitação procedimental; 2.2. O princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos; 2.3. O regime de
invalidade e os mecanismos de reação. 3. Classificação e critérios: âmbito da eficácia jurídica e tipo de relação
jurídica regulada e ligação em relação à lei. 3.1. Âmbito da eficácia jurídica: as normas regulamentares internas e
as normas regulamentar externas (imediatamente operativas e mediatamente operativas).’.
A propósito do artigo 60.º CPTA distinguem entre duas situações, em função dos elementos que
faltam na notificação e que deveriam constar da mesma:
Artigo 60.º, n.º 1 CPTA – se na notificação não constar o conteúdo e sentido do ato
administrativo, considera-se que a mesma não foi realizada e o prazo de acesso aos
tribunais não começa sequer a contar
Artigo 60.º, n.º 2 CPTA – se constar o conteúdo e sentido do ato, mas não outros
elementos, o prazo de acesso aos tribunais inicia a sua contagem se o destinatário do ato
administrativo solicitar a indicação dos elementos em falta
A notificação é um dever que se impõe em todos os casos, independentemente de os atos
administrativos serem favoráveis ou desfavoráveis, e é a partir da notificação que começam a
contar os prazos para que o destinatário faça uso, ou dos mecanismos de reação contenciosa
(artigo 59.º, n.º 1 e n.º 2 CPTA), ou dos mecanismos de reação administrativa (reclamação ou
qualquer um dos tipos de recurso [tutelar ou hierárquico] – artigo 188.º, n.º 1 CPA).
NOTA: Esta questão do dever de notificação se impõe em todos os casos e do facto de o prazo
para se fazer uso dos mecanismos de reação (contenciosa ou administrativa) começar a contar
apenas a partir da notificação é algo que não se confunde com a questão de saber se a
notificação é requisito de eficácia.
SITUAÇÃO CONCRETA:
Suponha-se que temos um trabalhador da função pública, que tem com a sua entidade
empregadora um vínculo de Direito Público, contra o qual foi instaurado um procedimento
disciplinas que terminou com a aplicação de uma sanção disciplinar de despedimento (cessação
do vínculo laboral).
Este ato que aplica a sanção é um ato impositivo, sancionatório, com efeitos jurídicos
desfavoráveis.
Mas, se a notificação for requisito de eficácia, isto significaria que ele só poderia
considerar o seu vínculo com a entidade empregadora extinto quando o ato administrativo
lhe fosse notificado (o que quer dizer que entre a prática do ato e o momento da
notificação este poderia continuar a exercer funções e tinha o direito a ser remunerado
pelo trabalho exercido nesse período de tempo) – OPÇÃO CORRETA
A questão de saber se se deve ou não notificar um ato administrativo não se confunde com a
questão de saber se a notificação é ou não requisito de eficácia desse ato administrativo
Para atos administrativos que produzem efeitos jurídicos favoráveis, a notificação NÃO
constitui requisito de eficácia, porque os atos administrativos favoráveis produzem
efeitos a partir da data da sua prática – artigo 155.º, n.º 2 CPA
1. Cláusulas acessórias que podem ser apostas num ato administrativo (artigo 149.º CPA) –
condição suspensiva e condição resolutiva, termo inicial e termo final, modo e reserva de
revogação.
Quando falamos de eficácia diferida para um momento POSTERIOR àquele da sua prática ou
da sua notificação, estamo-nos a referir apenas ao termo inicial, que faz depender a produção de
efeitos de um evento futuro certo, e à condição suspensiva, que faz depender a produção de efeitos
de um evento futuro incerto.
2. Quando for necessária a aprovação da ata – o que acontece, apenas, quando em causa
estejam atos administrativos praticados por órgãos colegiais (deliberações de órgãos
colegiais – artigo 34.º, n.º 6 CPA em conjugação com o disposto no artigo 157.º, alínea
c) CPA).
Estes são casos em que é necessária a aprovação em ata para que o ato administrativo produza os
seus efeitos, sendo que a aprovação em ata tem lugar, normalmente, em momento posterior ao da
prática do ato, pese embora não tenha lugar em momento posterior ao da notificação.
4. Quando o ato administrativo estiver sujeito a visto do Tribunal de Contas – ex.: ato
administrativo que tenha um reflexo direto no Erário Público
O visto do Tribunal de Contas é um ato integrativo de aprovação, que só é necessário nos casos
expressamente exigidos por lei e que se traduz na concordância do Tribunal de Contas
(manifestada através desse mesmo visto) na realização de uma determinada despesa – artigo 157.º
CPA e LOPTC
5. Sujeição a aprovação hierárquica ou tutelar – não há uma previsão genérica no CPA que
a imponha, mas sim previsões específicas em legislação especial – artigo 157.º, alínea a)
CPA
RESUMO INICIAL:
Começamos com uma referência aos vários tipos de atuação da AP (várias formas de atividade
administrativa) – fizemos uma distinção entre formas jurídico-públicas e jurídico-privadas, sendo que
dentro das formas jurídico-públicas falamos nos atos administrativos, regulamentos administrativos,
contratos, declarações negociais, etc.
Depois focamo-nos naquelas que são as principais formas de atuação da AP: falamos no ato administrativo
e depois temos o regulamento administrativo e os contratos administrativos.
Quando falamos do ato administrativo, falamos de um ato jurídico que produzia efeitos jurídicos
inovadores, numa situação individual e concreta – exigia-se, para a qualificação de um ato jurídico como
ato administrativo, a produção efeitos jurídicos externos que criavam, modificavam ou extinguiam relações
jurídico-administrativas (efeitos reguladores)
Para o CPA, a noção de regulamento administrativo é uma noção que integra, para além dos
elementos que acabamos de referir, um outro que se prende com a produção de efeitos jurídicos
externos – portanto, para que um ato jurídico mereça a qualificação como regulamento
administrativo é também necessário que produza efeitos jurídicos externos.
No caso das normas regulamentares, elas podem ter efeitos jurídicos internos ou externos,
não deixando por causa disso de ser regulamentos administrativos
Como entendemos então este conceito de regulamento administrativo previsto no artigo 135.º
CPA?
Repare-se que este é um conceito que, ao fazer referência à eficácia externa, não permite afastar
da qualificação como regulamentos administrativos os regulamentos com eficácia interna.
Ou seja, o que se pretende é limitar o âmbito de aplicação de determinadas normas do CPA aos
regulamentos administrativos com eficácia externa (‘para efeitos do disposto no presente
Código’)
Que normas são estas? Os artigos 97.º e ss. CPA e o artigo 135.º e ss. CPA.
Portanto, o artigo 135.º CPA não nos dá um conceito de regulamento administrativo válido para
todos os casos e para além do CPA; responde sim à questão de saber qual o âmbito de aplicação
objetivo do CPA (não incluindo neste âmbito os regulamentos internos, aos quais não lhes são,
portanto, aplicáveis as normas do CPA referentes aos regulamentos administrativos)
Portanto, este artigo não pode ser interpretado com o sentido de negar a qualificação como
regulamentos administrativos aos regulamentos com eficácia interna, nem tem como objetivo
conduzir o intérprete a considerar que os regulamentos com eficácia interna não têm caráter
imperativo.
Daqui retiram-se 3 coisas:
Nada isto obsta a que aos regulamentos com eficácia interna se apliquem os princípios
gerais da atividade administrativa e as demais normas do CPA que não tenham
especificamente por objeto regulamentos administrativos, mas que dirijam a disciplinar a
atividade administrativa como um todo (independentemente da forma que assuma)
CRÍTICA:
A ideia do legislador foi esta, mas talvez não seja a melhor – para alguma doutrina (Paulo Otero)
esta disposição é inconstitucional por violação do n.º 5 do artigo 267.º CRP. Este artigo impõe a
existência de uma disciplina legal do procedimento administrativo para toda e qualquer forma de
atuação da AP, sem que o legislador constituinte tenha feito a distinção entre atividade interna ou
externa.
E, portanto, se o legislador constituinte não distinguiu e não especificou que esta exigência
constitucional valia apenas para formas de atividade administrativa com efeitos externos, não
pode o legislador ordinário ter uma interpretação que diminua o sentido desta disposição
constitucional.
Portanto, não pode o legislador ordinário prever normas relativas à tramitação do procedimento
regulamentar (artigos 97.º e ss. CPA) que, segundo o artigo 135.º CPA, só são aplicáveis aos
regulamentos com eficácia externa.
Isto é ainda mais curioso se pensarmos na frequência dos regulamentos híbridos, que são
regulamentos que contêm normas com eficácia interna e normas com eficácia externa.
Esta aplicação dos artigos 97.º e ss. CPA apenas a normas regulamentares com eficácia externa
não só é inconstitucional como é impraticável, porque um regulamento, em geral, contém
normas com eficácia interna e normas com eficácia externa.
(ex.: pense-se no RAC – contem várias normas, sendo cada uma delas uma norma
regulamentar, não obstante umas têm eficácia interna [aquelas que definem um prazo para os
docentes corrigirem os exames] e outras com eficácia externa [aquelas que se dirigem ao prazo
para os alunos se inscreverem em orais de melhorias])
Se levássemos esta limitação do artigo 135.º CPA à letra, isto quer dizer que, para aprovar um
regulamento, tínhamos de distinguir as normas e sujeitar umas a um procedimento e outras a
nenhum. Ora, em termos operativos não dá para andar constantemente a fazer esta distinção, para
além de que, por vezes, não é fácil distinguir dentro duma mesma norma a possibilidade de ter
certos efeitos internos e outros externos (ou seja, em termos práticos, o que se faz é sujeitá-las
todas ao procedimento previsto no CPA).
O que é que se tem feito? Tem-se, pela prática, suprido esta inconstitucionalidade por omissão,
aplicando os artigos 97.º e ss. CPA às normas regulamentares com eficácia interna.
NOTA:
Normas regulamentares com eficácia interna – normas que esgotam o seu efeito no
seio da pessoa coletiva que os emana.
Normas regulamentares com eficácia externa – normas que produzem efeitos
intersubjetivos, ou seja, para além da esfera coletiva que os emana, perante outros sujeitos
de Direito.
ARTIGO 136.º CPA – se olharmos para o n.º 4 do artigo 136.º CPA, conseguimos perceber que
normas regulamentares com eficácia interna, pese embora o conceito do artigo 135.º CPA, não
passaram ao lado do CPA – este artigo dirige-se especificamente às normas regulamentares com
eficácia interna, sujeitando-as de forma clara ao princípio da precedência de lei (‘carecem de lei
habilitante’)
Ora, pode acontecer que esta lei habilitante pode estabelecer, ela própria, um procedimento para
esses regulamentos com eficácia interna que terão que ser seguidos por essas normas
regulamentares.
Todas as normas regulamentares, sejam elas com eficácia interna ou externa, estão sujeitas a um
procedimento regulamentar, sob pena de inconstitucionalidade.
No que diz respeito a normas regulamentares com eficácia interna, das duas uma:
1. Ou a lei que habilita essas normas regulamentares com eficácia interna prevê ela
própria um procedimento – sendo que terá de ser esse o procedimento a cumprir
2. Ou então há que aplicar de forma adaptada o procedimento previsto no artigo 97.º
e ss. CPA aos regulamentos com eficácia interna, sob pena de
inconstitucionalidade.
Artigo 142.º, n.º 2 CPA – este artigo prevê o princípio da inderrogabilidade singular
dos regulamentos – isto significa que um regulamento não pode ser afastado por um ato
administrativo numa situação individual e concreta.
Os regulamentos administrativos aplicam-se em todos os casos a que se referem sendo que
não pode haver lugar à prática de um ato administrativo que esteja em desacordo com esse
regulamento no sentido de não o aplicar/ de o derrogar com referência a uma situação
individual e concreta.
Este princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos, por via do artigo 135.º CPA, só é
aplicável com referência aos regulamentos com eficácia externa.
Ou da sua desconformidade material com a CRP, com a lei (normas de Direito Interno,
normas de DUE ou normas de Direito Internacional) e com os princípios gerais de Direito
Administrativo
Ou por desrespeitarem outros regulamentos administrativos que são oriundos de órgãos
hierarquicamente superiores (ou dotados de poderes de superintendência) OU que por
alguma outra razão devam ser observados por se considerarem hierarquicamente
superiores
Repare-se que são dois tipos de invalidade, sendo que não fazemos, em relação a essa invalidade,
o mesmo exercício que fizemos em relação à invalidade dos atos administrativos. Os
regulamentos administrativos são inválidos em virtude de uma destas desconformidades e o que
se solicita é a sua declaração de invalidade.
Esta invalidade está sujeita a um regime que não é tipificado pelo legislador como sendo de
anulabilidade, nulidade ou de inexistência jurídica, mas sim de invalidade dos regulamentos
administrativos.
Ora, o artigo 135.º CPA, ao dispor que estas normas são apenas aplicáveis às normas
regulamentares com eficácia externa, levanta um problema: isso significa que os regulamentos
com eficácia interna não podem ser inválidos ou não estão sujeitos a nenhum regime de
invalidade?
Os regulamentos com eficácia interna devem conformidade à CRP, à lei, aos princípios
gerais do Direito Administrativos e a outros regulamentos (quando seja esse o caso), pelo
que estão sujeitos aos mesmos padrões de conformidade que os regulamentos com
eficácia externa, pelo que também poderão ser inválidos e, por isso, é de lhes aplicar o
regime de invalidade previsto no artigo 144.º CPA (pese embora se diga o contrário no artigo
135.º CPA)
Mas não são suscetíveis de reclamação e de recursos administrativos – o artigo 147.º CPA
que se refere à reclamação e recurso administrativos, remetendo para o regime do artigo
184.º e ss. CPA, só se aplica aos regulamentos com eficácia externa
Por outro lado, também não é possível recorrer contenciosamente, ou seja, impugnar junto
dos tribunais administrativos, regulamentos com eficácia interna, mas somente
regulamentos com eficácia externa – artigo 72.º e ss. CPTA
Ou seja, não se pode recorrer a mecanismos de reação administrativa, nem contenciosa, no caso
de regulamentos com eficácia interna.
Então para que serve aplicarmos o artigo 144.º CPA?
Muito embora não se possa fazer uso da reclamação e dos recursos administrativos, nem se possa
fazer uso dos mecanismos de reação contenciosa contra regulamentos com eficácia interna, a
verdade é que a própria AP deve zelar pela legalidade dos atos que pratica.
Assim, o artigo 144.º CPA serve para dizer que, na medida em que o seu regime de invalidade é
aplicável aos regulamentos com eficácia interna, isso permite ao órgão administrativo competente
declarar ele próprio (sem necessidade de alguém ter exercido iniciativa nesse sentido) declarar a
invalidade dos regulamentos com eficácia interna.
Há quem entenda que o facto de esta possibilidade de um órgão competente declarar a invalidade
de um regulamento com eficácia interna ao abrigo do artigo 144.º CPA não passa de uma
possibilidade que está na discricionariedade desse órgão competente, que pode ou não usar desse
mesmo poder.
Não obstante, a professora não entende assim, porque considera que há um dever generalizado de
reintegração da legalidade violada que se impõe à AP e, por isso, esta deve desempenhar funções
de fiscalização da legalidade dos atos jurídicos que ela própria pratica, sob pena de se poder
admitir que há uma forma de atividade administrativa (normas regulamentares com eficácia
interna) ser contrária à lei, e continuar a sê-la, sem que possa ser declarada inválida ou ilegal pela
AP, nem pelos tribunais.
Ao contrário da norma proibitiva, que produz efeitos diretos e imediatos, no caso da norma
mediatamente operativa é necessário um ato administrativo que decida o pedido de atribuição do
subsídio, tendo em consideração aqueles critérios, deferindo ou indeferindo aquele requerimento.
Mas isto são tudo normas regulamentares com eficácia externa, pelo que se questiona: para que
serve esta distinção?
A utilidade desta distinção é muito significativa e reconduz-se aos artigos 72.º e seguintes do
CPTA, porque as formas de declarar a ilegalidade de normas regulamentares com eficácia externa
divergem em função de essas normas serem mediata ou imediatamente operativas.
Portanto, para o efeito de determinar, ao abrigo dos artigos 72.º e seguintes do CPTA, o pedido
adequado para verem declarada pelos tribunais a ilegalidade das normas regulamentares com
eficácia externa, precisa-se, a montante, de determinar se a norma cuja ilegalidade se quer ver
declarada é mediata ou imediatamente operativa, porque os pedidos a intentar junto do tribunal
administrativo competente hão de ser diferentes.
2. Critério da relação dos regulamentos com a lei
Esta forma de atividade administrativa (regulamentos) não é diferente de todas as outras, pelo que
está igualmente subordinada ao princípio da legalidade e é preciso perceber em que termos é que
esta relação se estabelece.
A relação dos regulamentos com a lei é pautada pelo princípio da legalidade que depois se
desdobra num conjunto de subprincípios:
Princípio da reserva de lei – através deste princípio é a própria CRP que reserva à lei a
regulamentação de determinadas matérias. Aqui está em causa a regulamentação primária
dessas matérias, sendo que tal não impede que depois de estabelecida a regulamentação
por lei dessas mesmas matérias não possa existir um regulamento com fundamento nessa
mesma lei.
Em Direito Administrativo há uma perspetiva um pouco diferente com referência ao princípio
da reserva de lei – os administrativistas tendem a ser mais flexíveis na leitura desta dimensão
da reserva de lei (e da precedência de lei, a ver a seguir).
.
Com base neste entendimento elástico são de admitir os regulamentos delegados ou
autorizados, que são aqueles regulamentos em que a AP é autorizada pela lei a atuar em vez
da lei – ou seja, a CRP define um âmbito que considera ser reservado à lei e depois é a própria
lei que autoriza a AP, por via do poder regulamentar, a se substituir a ela.
Efetivamente, esta figura dos regulamentos autorizados ou delegados suscita questões delicadas
do ponto de vista constitucional, desde logo, do ponto de vista da inconstitucionalidade da lei que
autoriza estes regulamentos, para além da inconstitucionalidade destes regulamentos
propriamente ditos.
No entanto, tem-se entendido, conjugando esta leitura elástica do princípio da reserva de lei com
o disposto no artigo 112.º CRP, que estes regulamentos autorizados ou delegados são admitidos
desde que respeitem o princípio anterior (da preferência de lei) e não violem nenhuma
norma legal expressa.
Precedência de lei – este princípio da precedência de lei diz-nos que não há lugar ao
exercício de poder regulamentar sem fundamento numa lei prévia anterior.
No entanto, há aqui duas exceções:
Há a possibilidade de regulamentos do Governo se fundarem diretamente na CRP
Há a possibilidade de regulamentos das Autarquias Locais (AL) se fundarem
diretamente na CRP
(ex.: regulamentos das AL em matérias que lhes digam especificamente respeito e que se
prendem exclusivamente com a satisfação de interesses públicos locais)
Tem-se entendido que, sem prejuízo dos casos em que exista uma lei prévia, as AL podem
exercer a sua competência regulamentar nestes casos com base diretamente no artigo 241.º
CRP.
(ex.: regulamentos do Governo que se podem fundar também diretamente na CRP, mais
concretamente na alínea g) do artigo 199.º CRP, caso em que tomam a forma de decretos
regulamentares do Governo (que é a forma mais solene, nos termos do artigo 112.º, n.º 6
CRP)
NOTA: Distinguem-se:
Se se tratar de um órgão que integra uma pessoa coletiva que constitua uma forma
de administração autónoma, então os seus regulamentos hão de se classificar
sempre como autónomos, independentemente de depois poderem ser executivos,
complementares, de desenvolvimento ou independentes (dependendo da relação
que têm com a lei).
1. Os regulamentos que os órgãos das AL aprovam no domínio das suas atribuições próprias
e exclusivas, tendo em vista a satisfação dos interesses públicos locais, e que se fundam
diretamente no artigo 241.º CRP são, não apenas regulamentos autónomos, mas também
regulamentos independentes.
Ou seja, são resultado do exercício de um poder normativo reservado às AL e, por outro lado,
não visam complementar nem executar o estabelecido na lei, na medida em que assentam
diretamente no artigo 241.º CRP.
2. Os segundos, que são aqueles que, pese embora o disposto no artigo 241.º CRP, retiram
a sua legitimidade de uma autorização que é dada por uma lei, podem ser ou não
regulamentos independentes em função da discricionariedade regulamentar que essa
mesma lei lhes confere, devendo em todo o caso fazer uma referência a essa mesma lei,
nos termos do n.º 7 do artigo 112.º CRP.
Independentemente de serem independentes, complementares, de desenvolvimento ou de
execução, são sempre regulamentos autónomos, porque são fruto do exercício de órgãos que
integram pessoas coletivas que constituem formas de administração autónoma.
Aula n.º 12 – 19-03-2021 – ‘1. A publicidade e a eficácia dos regulamentos administrativos. 2. Invalidade
própria (artigo 143.º CPA) e invalidade derivada dos regulamentos administrativos. 3. Regime da invalidade dos
regulamentos administrativos - artigo 144.º do CPA.’
NOTA: a noção de regulamentos independentes não se confunde com a noção de regulamentos autónomos:
a qualificação de um regulamento como autónomo depende da sua proveniência (sendo proveniente de uma
pessoa coletiva que constitui uma forma de administração autónoma, serão regulamentos autónomos), já a
classificação como independentes, ou não, depende da relação que os regulamentos têm com a lei e com a
intensidade de vinculação imposta pela lei que lhes serve de base.
Haverá também lugar a regulamentos independentes quando o Governo decida regulamentar uma
determinada matéria fundamentando-se diretamente na CRP (alínea g) do artigo 199.º CRP), ou quando,
tratando-se de uma AL, o que se pretenda seja a regulamentação de interesses públicos específicos da
circunscrição territorial daquela mesma AL (nesse caso a própria CRP confere a possibilidade à AL de
emitir regulamentos com base no artigo 241.º CRP).
Agora, a forma como a publicidade é feita e as exigências a que está sujeita varia no caso de
o regulamento ter eficácia interna ou externa:
No caso dos regulamentos com eficácia externa, há uma norma essencial que é o artigo
139.º CPA – este artigo é aplicável, por causa do artigo 135.º CPA, somente aos
regulamentos com eficácia externa.
Este artigo prevê uma regra geral de publicação oficial em DR, muito embora preveja a
possibilidade de publicação no boletim oficial da entidade pública e no sítio institucional da
entidade em causa.
(ex.: artigo 56.º, n.º 2 Lei 75/2013 – caso das AL – se a publicação em boletim oficial da
entidade pública ou no sítio institucional da entidade em causa, para além da publicação em
DR, é ou não obrigatória, tal resulta das normas especiais que disciplinam o tipo específico
de entidade ou regulamento que está em causa)
Uma coisa é certa: a publicação dos regulamentos em DR é sempre uma exigência,
independentemente do tipo de regulamento com eficácia externa e da entidade que os emana.
Artigo 140.º CPA – os regulamentos com eficácia externa entram em vigor na data neles
estabelecida ou no 5.º dia após publicação. A entrada em vigor destes regulamentos contabiliza-
se a partir do momento em que eles são publicados em DR.
Os regulamentos com eficácia interna produzem efeitos na data neles estabelecida ou a partir
do dia da publicação no sítio institucional da entidade em causa.
Por outro lado, se forem híbridos vale o disposto no artigo 140.º CPA (regime dos regulamentos
com eficácia externa).
Não há aqui uma qualificação mais densa dos vícios como sucede com o ato administrativo, na
medida em que acaba por ser indiferente a norma legal violada, o princípio infringido ou a norma
constitucional que seja posta em causa, etc. – o que se estabelece no artigo 143.º CPA é a
invalidade do regulamento nos casos em que esteja em desconformidade com um conjunto de
parâmetros (enunciados no artigo 143.º CPA – são estes e mais nenhuns para além deles [norma
exaustiva]).
O artigo 143.º CPA prevê a invalidade do regulamento administrativo e a invalidade que prevê é
uma INVALIDADE PRÓPRIA, ou seja, do próprio regulamento administrativo que está
desconforme com os parâmetros já enunciados, independentemente de as normas que estejam
a ser violadas serem normas que estabeleçam exigências formais, de conteúdo e sentido ou
de competência – é absolutamente indiferente o conteúdo da norma com a qual o regulamento é
desconforme para o efeito de se apurar se ele é ou não inválido.
Também pode suceder, para além destas situações de invalidade própria do artigo 143.º CPA, que
o regulamento seja inválido derivadamente, ou seja, que haja na verdade uma INVALIDADE
DERIVADA do regulamento, o que sucede quando ao longo do procedimento que antecede o
regulamento administrativo são praticados atos administrativos inválidos – invalidade essa que se
vai repercutir no regulamento que põe termo a esse mesmo procedimento.
Tal só ocorre se efetivamente entre esse ato administrativo praticado no procedimento
regulamentar e o regulamento administrativo que é resultado desse mesmo procedimento existir
uma relação de dependência/ conexão jurídica – esse ato administrativo inválido tem de pré-
determinar a existência, o sentido e conteúdo do regulamento para o efeito da invalidade do ato
administrativo praticado no procedimento regulamentar afetar a validade do regulamento que
vier a por termo e esse mesmo procedimento.
Como se sabe à anulabilidade está sujeita a prazo. Vamos imaginar que foi ultrapassado – o
regulamento administrativo que poe termo ao procedimento é inválido? Nesse caso, o ato
administrativo consolida-se por efeito do decurso tempo e deixa de poder ser objeto de
impugnação administrativa ou judicial, o que implica a impossibilidade de o regulamento venha
a ser declarado inválido com esse fundamento.
Síntese dos três requisitos cumulativos da invalidade derivada dos regulamentos administrativos:
Depois, no artigo 144.º CPA estão previstas as consequências dessa invalidade (seja própria ou
derivada).
Esta norma tem uma função semelhante à da nulidade e anulabilidade dos atos administrativos,
pelo que procura explicar qual o significado jurídico da invalidade própria ou derivada do
regulamento administrativo. A invalidade pode ser invocada a qualquer tempo por qualquer
interessado, podendo a sua invalidade ser declarada a todo o tempo por órgão competente.
Quem tem competência para, administrativamente (apenas), declarar a invalidade de um
regulamento administrativo, isto sem prejuízo do papel dos tribunais (sobre o qual não nos vamos
pronunciar agora)?
A invalidade/ilegalidade de um regulamento pode ser declarada judicialmente ou
administrativamente e esta declaração de ilegalidade/invalidade administrativa pode ser feita
oficiosamente pela AP, independentemente de qualquer pedido nesse sentido, ou então na
sequência de reclamação ou de recurso.
A utilização de reclamação e de recurso vale apenas para normas regulamentares com eficácia
externa, já a declaração administrativa oficiosa pode ter lugar quer face a regulamentos dotados
de eficácia externa, quer face a regulamentos dotados de eficácia interna.
Sem prejuízo disto (ponto anterior e a exclusividade de competência), nada disto exclui
a desaplicação de normas regulamentares inválidas – pode suceder que um órgão não
tenha competência para declarar a invalidade do regulamento, mas tal não quer dizer que
não possa desaplicar normas regulamentares inválidas. Ou seja, todos os órgãos
administrativos podem (ou devem) desaplicar normas regulamentares inválidas.
Se se reparar o n.º 1 do artigo 144.º CPA refere ‘pode’ pelo que é mais simples defender-se que
a declaração administrativa da invalidade de regulamentos é uma mera possibilidade e que a
desaplicação pelos órgãos administrativos desses regulamentos é também uma possibilidade. É
neste sentido que vai a professora Ana Raquel Moniz.
A professora Juliana Coutinho (bem como os professores, Colaço Antunes, Paulo Otero e Pedro
Moniz Lopes) discorda e entende que, pese embora a utilização por parte do legislador do termo
‘pode’, que atribui à AP discricionariedade, não pode ser lido desta forma, por respeito ao
princípio da legalidade – parece grave a possibilidade de se admitir que a AP esteja consciente da uma
ilegalidade de um regulamento e que, ainda assim, tenha a possibilidade de não os declarar inválidos,
cometendo conscientemente e quotidianamente ilegalidades, porque há uma discricionariedade neste
sentido.
Este termo ‘pode’ deve ser lido em consonância com o princípio da legalidade (artigo 3.º CPA e
artigo 266.º CRP) – portanto, apesar desta expressão ‘pode’, que abre apriori a possibilidade de
não haver uma vinculação estrita no sentido da declaração de invalidade do regulamento, a
professora entende que não faz sentido atribuir aos órgãos administrativos discricionariedade na
execução do princípio da legalidade, pelo que a um intérprete responsável impõe-se que interprete
o disposto no artigo 144.º, n.º 1 CPA tendo em conta esse mesmo princípio.
Aula n.º 13 – 22-03-2021 – ‘1. Conclusão da aula anterior. 2. A omissão de regulamentos administrativos
devidos. Jurisprudência relevante: Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 9 de setembro de 2016,
Processo 00510/11.4BECBR’
No entanto, repare-se que o n.º 2 introduz uma EXCEÇÃO (artigo 74.º, n.º 2 CPTA).
Qual é aqui a regra? A invalidade dos regulamentos pode ser invocada a todo o tempo e isto vale
sem qualquer tipo de exceção para as ilegalidades materiais, para as ilegalidades orgânicas e
para as ilegalidades formais ou procedimentais de que resulte inconstitucionalidade ou que se
traduzam numa de duas situações: carência absoluta de forma legal OU preterição de consulta
publica exigida por lei.
Só assim não é, havendo um limite de 6 meses, para a impugnação administrativa ou contenciosa
OU para a declaração oficiosa (independentemente de impugnação nesse sentido) nos demais
casos, para além dos enunciados, de ilegalidade formal ou procedimental.
Podemos enunciar 4 situações em que as normas regulamentares devem ser tidas por devidas:
NOTA: Artigo 77.º CPTA – Nos casos de reação contenciosa, o que sucede é que o tribunal se
limita a constatar a falta do regulamento e a declarar uma ilegalidade por omissão, emitindo uma
sentença condenatória que condena o órgão com competência regulamentar a emitir o
regulamento administrativo em falta num determinado prazo. Em termos da feitura da sentença o
juiz terá de fazer a apreciação da maior ou menor discricionariedade conferida à AP pela norma
legal em causa e, sem prejuízo de em todo o caso condenar a entidade competente à feitura do
regulamento em falta, deverá ponderar e estabelecer elementos vinculativos (ou não [em caso de
maior discricionariedade]) a observar por parte da AP e, mais concretamente, por parte do órgão
competente.
NOTA 2: não é possível uma sentença produzir o mesmo efeito que uma norma
regulamentar em falta – tendo em conta que as normas regulamentares são gerais e abstratas
não é possível que uma sentença se substitua à norma regulamentar devida [tal acontece ao nível
dos atos administrativos].
Um CONTRATO PÚBLICO para o ser necessita apenas de ter como uma das suas partes
um contraente público que poderá ser, para este efeito, uma pessoa coletiva pública ou uma
pessoa coletiva privada sujeita a influência pública dominante.
Assim, especificidade dos contratos públicos está no facto de uma das partes, pelo menos, ser
contraente público (noção tratada no Código dos Contratos Públicos, a par da noção de entidade
adjudicante).
Poderá ter o sentido de não adjudicação - pode suceder que, terminado o procedimento
pré-contratual, ninguém tenha apresentado uma proposta, que todas as candidaturas ou
propostas tenham sido excluídas por um motivo ou por outro, que haja circunstâncias
imprevistas que levem a que aspetos fundamentais do procedimento sejam alterados, que
circunstâncias supervenientes façam com que deixe de fazer sentido contratar, pode ser
que nenhuma das soluções apresentadas satisfaça as necessidades e as exigências da
entidade adjudicante, etc. (artigo 79.º CCP – alíneas a)-f) do n.º 1)
Naturalmente que esta decisão de não adjudicação, por ser desfavorável aos concorrentes,
tem de ser devidamente fundamentada, e, em alguns casos, pode a entidade adjudicante ter
de indemnizar os concorrentes, cujas propostas não tenham sido excluídas, pelos encargos
em que comprovadamente incorreram com a elaboração das respetivas propostas – artigo
79.º, n.º 4 CCP (forma de acautelar a tutela de terceiros de boa-fé).
Esta figura tem uma relevância muito limitada ao procedimento que antecede a celebração do
próprio contrato. A decisão de contratar traduz-se na decisão tomada pela entidade adjudicante
de, entre várias alternativas ao nível da prossecução de um determinado fim de interesse público,
escolher pela celebração de um determinado tipo de contrato, com um determinado conteúdo.
Essa decisão de contratar tem de ser devidamente fundamentada para que se perceba o porquê
dessa opção de adotar a via contratual, em detrimento de outras (artigo 36.º CCP).
Naturalmente que, no decurso de um procedimento pré-contratual, são praticados vários atos
jurídicos, alguns deles, inclusivamente, atos administrativos (ex.: como sucede com o ato que
exclui um concorrente de um procedimento pré-contratual) e todos esses atos são praticados pela
entidade adjudicante responsável por aquele procedimento pré-contratual.
Decompondo isto (quem são entidades adjudicantes? / Quem são contraentes públicos?)
Sabendo o significado da figura das entidades adjudicantes, vamos saber quem são as entidades
adjudicantes:
Pessoas coletivas públicas (todas elas) – todas têm a capacidades jurídica, pelo simples
facto de terem natureza pública, de darem início, de participarem e de porem termo a um
procedimento pré-contratual.
Organismos de Direito Público, desde que os contratos por si celebrados sejam, por
vontade das partes, qualificados como contratos administrativos ou submetidos a um
regime substantivo de Direito Público, articulando-se, para este efeito, o disposto no
artigo 2.º, n.º 2, a) com o disposto no artigo 3.º, n.º 1, b) CCP.
Ora, os contratos públicos (cuja formação, celebração e execução são regidas por normas de
Direito Administrativo) podem ser regidos por normas de Direito Privado ou por normas de
Direito Público:
Quando são regidos por normas de Direito Privado são CONTRATOS PÚBLICOS
NÃO ADMINISTRATIVOS (ou contratos públicos de Direito Privado)
Contratos públicos são todos aqueles que, independentemente da sua designação e natureza, sejam
celebrados por um contraente público, mas que estão sujeitos a normas de Direito Privado.
No entanto, apesar de regidos pelo Direito Privado, há aqui uma disciplina mínima de Direito
Administrativo, que se refere aos princípios gerais de Direito Administrativo que são aplicáveis
(artigo 2.º, n.º 3 CPA e artigo 202.º, n.º 2 CPA). Assim, o Direito Privado que lhes é aplicável
não é semelhante ao regime que seria aplicável se uma das partes não fosse sujeito de Direito
Público – há aqui necessariamente uma disciplina mínima de Direito Administrativo, que se refere
aos princípio gerais e aos preceitos do CPA que sejam concretização direta da CRP.
Quando são regidos por normas de Direito Público, são CONTRATOS
ADMINISTRATIVOS
O conceito de contrato administrativo é mais restritivo que o conceito de contrato público, pelo
que não compreende apenas um único elemento, mas sim 3 elementos:
Assim, os órgãos administrativos nem sempre atuam através de uma estrutura unilateral, pelo que
nem sempre a atividade administrativa se reconduz à imposição de uma vontade de um sujeito de
Direito, que é a AP, a um outro sujeito de Direito, que são os administrados (é o que sucede no
âmbito dos atos administrativos e dos regulamentos administrativos, ainda que com algumas
exceções).
À partida um ato administrativo e um regulamento administrativo são formas unilaterais da
vontade da AP, sendo que não é isso que sucede nos contratos administrativos, onde há um acordo
de vontades, que originam um contrato, que poderá ser público ou administrativo.
Aula n.º 14 - 26-03-2021 – ‘1. Contratos públicos: contratos públicos não administrativos ou de direito
privado e contratos administrativos. 2. Entidades adjudicantes e contraentes públicos: conceitos/análise dos artigos
2.º e 3.º do CCP. 3. Espécies e tipos de contratos administrativos. 4.Definição do regime jurídico aplicável às
diferentes espécies de contratos administrativos considerando o seu objeto.
(continuação…)
Os contratos administrativos são submetidos a um regime de Direito Administrativo, quanto ao
procedimento, formação, celebração, execução e resolução de litígios contratuais (artigos 200.º
CPA e 278.º CCP).
‘São contatos administrativos os que como tal são classificados no CCP ou em legislação
especial’
Assim, o que o legislador fez, tendo em consideração os critérios supramencionados, foi tipificar
expressamente os contratos administrativos.
Previstos no CCP (lista taxativa):
Dentro dos contratos administrativos, podemos distinguir vários tipos de contratos consoante os
critérios:
NOTA: ver minuta de um contrato de aquisição de bens e serviços para manutenção de sistemas de
polibennes e compactadores móveis – contrato celebrado entre uma empresa intermunicipal (contraente
público) e uma empresa privada que vai fornecer esses mesmos bens e serviços que constituem objeto desse
contrato - SIGARRA)
Por outro lado, os contratos de concessão também são usados para transferir a gestão de
estabelecimentos públicos e de serviços não económicos, como acontece com os contratos de
gestão dos hospitais.
São tipos de contatos de concessão os contratos de concessão de obras públicas; os contratos de
concessão de serviços públicos e os contratos de concessão de exploração do domínio público.
Os contratos administrativos contenciosos, por sua vez, são disciplinados pela Lei Processual
(no que diz respeito ao contrato de transação judicial) e pela Lei da Arbitragem Voluntária (no
que diz respeito à convenção de arbitragem).
Considerando apenas os contratos substantivos, para definirmos o regime jurídico aplicável,
temos de distinguir entre:
Se, pelo contrário, o objeto do contrato substantivo envolve prestações que não são
suscetíveis de serem submetidas à concorrência do mercado, o seu procedimento pré-
contratual (de formação) está sujeito ao regime geral do CPA, nos termos do n.º 3 do
artigo 201.º CPA, e os demais aspetos do seu regime é que estão sujeitos ao CCP, salvo
quando se trate de um contrato excluído do âmbito de aplicação do CCP, como acontece
com o contrato de trabalho em funções públicas (artigo 4.º, alínea a) CCP), ou quando
norma especial determine uma solução diferente, sendo que será aplicável o CCP
subsidiariamente.
Aula n.º 15 – 09-04-2021 – ‘PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO 1. Considerações sobre a categoria
jurídica do procedimento administrativo. 2. Funções do procedimento administrativo. 3. Tipos de procedimentos
administrativos, em especial, procedimentos administrativos gerais e procedimentais administrativos especiais. 4. O
regime geral do procedimento administrativo - âmbito de aplicação do CPA. 5. Princípios de deveres
procedimentais. 6. Sujeitos do procedimento.’
Procedimento administrativo
O procedimento administrativo tem um caráter central no Direito Administrativo contemporâneo
e no exercício da atividade da AP, porque toda e qualquer forma de atuação da AP tem a sua
formação e execução enquadrada por um procedimento administrativo, só assim não sendo
quando em causa estão formas de atuação informal da AP. Esta marca de procedimentalização
constitui a diferença mais significativa entre as relações jurídico-públicas e as relações jurídico-
privadas.
Não é nova esta defesa do procedimento administrativo como um conceito central – ela verifica-
se desde a última década, sobretudo com o contributo da doutrina alemã e, em especial, da nova
ciência jurídica administrativa. No entanto, e em face da privatização do Direito Administrativo
e da publicização do Direito Privado, do que vai ficando de diferente, pouco mais há que o
procedimento administrativo.
Artigo 1.º, n.º 1 CPA – prevê o conceito de procedimento administrativo e refere-se a uma
sucessão ordenada de atos e diligências, tendo em vista a obtenção de um determinado
resultado. Este conceito, lido de uma forma não integrada, poderá parecer um conceito
exclusivamente formalista. Mas não é assim – o melhor é adotarmos uma posição
mista/intermédia formal-substancial do procedimento administrativo, que compreende aqui duas
dimensões essenciais, indissociáveis, articuladas e que se complementam entre si:
Temos uma DIMENSÃO MATERIAL que se reporta ao facto de, uma vez que estas
fases/ momentos procedimentais são sequenciais, têm associado um efeito co-constitutivo
na definição do conteúdo e sentido do ato jurídico que põe termo ao procedimento
administrativo, porque respeitam necessariamente à formação da vontade dos sujeitos que
fazem parte do procedimento administrativo. Nesta medida, nada mais é do que a síntese
que foi acontecendo ao longo de todo o procedimento.
Garantir que quem pratica o ato jurídico é o órgão com competência para o efeito
O procedimento administrativo acaba por pôr em destaque a ligação entre atividade e organização,
porque esta sequência de fases que se articulam entre si implica que falemos de órgãos,
funcionários e agentes que exercem as suas competências de uma forma articulada, tendo em vista
a prossecução de um determinado resultado (único) composto da intervenção de cada um deles.
Deste modo, os sujeitos do procedimento administrativo são os interessados, o órgão com
competência decisória, os órgãos com competência consultiva e o responsável pelo
procedimento e pressupõe-se necessariamente que o procedimento garanta que cada um deles
intervenha no momento certo e de forma coordenada com os demais, desempenhando apenas as
funções que lhes estão cometidas por lei e não outras.
A lei que dá resposta a esta exigência de procedimentalização do n.º 5 do artigo 267.º CRP é o
CPA – o CPA organiza-se em 4 partes:
O artigo 2.º CPA define o âmbito de aplicação do CPA e define níveis diferentes de aplicação em
função da parte do procedimento administrativo a que nos estamos a referir.
Outra questão do artigo 2.º do CPA prende-se com saber a que sujeitos de direito, e em que
circunstâncias, é que se aplica cada uma das partes do CPA. Esta normatividade reguladora dos
procedimentos não se esgota no CPA – ou seja, o CPA é a lei geral que dá resposta à exigência
constitucional prevista no artigo 267.º, n.º 5 CRP, mas não esgota a disciplina reguladora dos
procedimentos administrativos, na medida em que, sendo o CPA um regime geral, apenas é
aplicável quando não haja normas especiais a aplicar.
O n.º 5 do artigo 2.º CPA diz que aos procedimentos administrativos especiais, regidos por
normas especiais, o CPA apenas é aplicável subsidiariamente.
Para além desta distinção que resulta e é um pressuposto do n.º 5 do artigo 2.º CPA, ainda
podemos falar de outros critérios para além deste que permitem identificar diferentes tipos de
procedimentos administrativos.
Portanto, para além desta tipologia de procedimentos administrativos, que assenta na distinção
entre procedimentos administrativos gerais e especiais, que outros tipos de procedimentos
temos?
Pelo contrário, os procedimentos administrativos de 2.º grau são procedimentos que apenas
indiretamente incidem sobre a situação jurídica a disciplinar, na medida em que o seu conteúdo
imediato/direto se reconduz a um outro ato jurídico.
(ex.: procedimentos administrativos tendentes à prática de um ato administrativo de anulação
ou de revogação, porque são ambos atos administrativos secundários)
Critério da iniciativa
Procedimentos de iniciativa oficiosa vs. procedimentos de hétero-iniciativa ou de iniciativa
externa
Os procedimentos de iniciativa oficiosa são aqueles que são iniciados oficiosamente pelo órgão
com competência decisória, independentemente de um requerimento apresentado nesse sentido.
Já os procedimentos de hétero-iniciativa ou de iniciativa externa são procedimentos iniciados
por um requerimento escrito ou verbal, apresentado pelo interessado e que institui o órgão com
competência decisória no dever de decidir.
Esta distinção entre procedimentos de iniciativa oficiosa ou de iniciativa externa resulta do artigo
53.º CPA e tem relevância, desde logo, no que se refere ao prazo de decisão, uma vez que estes
são diferentes nos termos do artigo 128.º CPA para os procedimentos de iniciativa oficiosa e para
os procedimentos de hétero-iniciativa.
Princípio da participação dos interessados na formação dos atos jurídicos que lhes
digam respeito – artigo 12.º CPA
Este princípio tem consagração constitucional nos termos do artigo 267.º, n.º 5 CRP e está
especificamente consagrado em todos os procedimentos administrativos previstos no CPA e,
depois, tem uma consagração geral no artigo 12.º CPA. Assim, os cidadãos têm o direito de
participação na formação dos atos jurídicos que lhes digam respeito por forma a evitar decisões
surpresa e facultar aos interessados a oportunidade de fazer valer as suas posições e argumentos
no procedimento administrativo e, por outro lado, auxiliar a AP a decidir melhor, de uma forma
mais consensual.
Este princípio está, então, especificamente consagrado em todos os procedimentos
administrativos previstos no CPA:
(ex.: artigos 100.º e 101.º CPA relativamente ao procedimento tendente à elaboração de um
regulamento e artigos 121.º a 124.º CPA no que se refere aos procedimentos tendentes à
prática de um ato administrativo primário)
Aula n.º 16 – 12-04-2021 – ‘1. Conclusão da aula anterior. 2. Procedimento administrativo geral do ato
administrativo primário: 2.1. As fases do procedimento; considerações introdutórias. 2.2 A fase preparatória: 2.2.1.
A fase inicial ou da iniciativa; 2.2.2. A fase instrutória; 2.2.3. A audiência prévia dos interessados; 2.2.4.
Preparação direta da decisão. 2.3. A fase constitutiva ou decisória. 2.4. A fase complementar ou integrativa da
eficácia. Cfr. elemento de apoio referente ao procedimento administrativo tendente à prática de um ato
administrativo primário.’
Qualquer um destes dois casos (dentro das normas que se encontram na disponibilidade das
partes) constitui discricionariedade procedimental, ou seja, significa que o responsável pelo
procedimento administrativo e o órgão com competência decisória têm liberdade para estruturar
o procedimento administrativo da forma que entenderem ser mais adequada à luz do princípio da
participação, da eficiência, da economicidade e da celeridade na tomada de decisão.
O princípio da adequação procedimental previsto no artigo 56.º CPA só tem, assim, cabimento
perante normas procedimentais que não sejam normas impositivas ou injuntivas
Dever de decisão
Os procedimentos administrativos podem ser iniciados oficiosamente ou por requerimento inicial
(artigo 53.º CPTA), sendo que neste segundo caso há um prazo de decisão de aceitação ou não
do requerimento de 60 dias úteis, que podem ser prorrogados até aos 90 dias, a contar da data de
apresentação do requerimento (artigo 128.º, n.º 1 CPA).
Nestas circunstâncias, este dever de decisão existe verificados os requisitos do artigo 13.º CPA:
tem de haver um requerimento inicial, inteligível e apresentado dentro do prazo quando exista. O
requerimento tem de ser apresentado pelo interessado, dirigido ao órgão com competência para
decidir sobre esse mesmo pedido (sem prejuízo da possibilidade de remessa oficiosa ao abrigo do
princípio da colaboração, nos termos do artigo 41.º CPA), tem de ter por objeto o exercício de
uma competência jurídico-administrativa e não pode existir decisão sobre pedido igual do mesmo
requerente, com os mesmos fundamentos tomada há menos de 2 anos – VERIFICADOS ESTES
REQUISITOS HÁ UM DEVER DE DECISAO
Princípio da gratuitidade
O procedimento administrativo e o acesso ao mesmo, em princípio, é gratuito, sem prejuízo da
possibilidade de serem cobradas taxas pela AP. Este princípio está previsto no artigo 15.º CPA e,
de facto, este artigo é honesto ao falar que o procedimento é TENDENCIALMENTE gratuito.
O artigo 15.º, n.º 2 CPA prevê que, em caso de insuficiência económica e havendo taxas a pagar,
a AP isenta total ou parcialmente o interessado do pagamento dessas despesas, devendo a
averiguação da insuficiência económica nestes efeitos ser feita nos mesmos termos do regime do
acesso ao Direito – artigo 15.º, n.º 3 CPA.
O artigo 133.º CPA prevê que o não pagamento das taxas ou das despesas constitui fundamento
para cessação do procedimento administrativo, a não ser que existe um caso de insuficiência
económica comprovada.
Aula n.º 17 – 13-04-2021 – ‘Aula lecionada no dia 13 de abril de 2021, das 9h00 às 10h00. Continuação da
aula anterior.’
(ex.: Uma pessoa concorre a um concurso público e os critérios de seriação desse concurso
público são: ser titular de uma licenciatura em Direito, ter um curso de alemão e praticar
natação. Numa determinada fase desse concurso, o júri, perante os candidatos que preenchem
estes requisitos, terá que fazer um exercício de graduação: “fica em primeiro lugar quem tiver
a melhor média na licenciatura e no curso de alemão”. Imaginando que essa pessoa fica em
segundo lugar e que, por isso, quer confirmar se efetivamente quem ficou em primeiro lugar tem
melhor média, pede para aceder aos documentos do concurso público e para ver o curriculum
vitae da pessoa que ficou em primeiro lugar. No entanto, sucede que esse curriculum vitae contém
uma série de outros dados além dos pretendidos. Assim, a AP vai anonimizar tudo e apenas
disponibilizar a informação que é pretendida).
NOTA: O uso da proteção de dados como fundamento para recusar o acesso aos documentos de
modo injustificado (ou seja, não devia haver essa recusa) traduz-se numa violação do princípio
da transparência.
Princípio da responsabilidade (artigo 16.º CPA) – esta ideia de responsabilidade da AP
pelos danos causados no exercício da sua atividade é essencial e resulta, desde logo, do
artigo 22.º CRP. É um princípio que acaba concretizado em diferentes regimes em função
do contexto de responsabilidade. Isto porque podemos estar a falar de responsabilidade
contratual da AP (o regime que a irá reger será o Código dos Contratos Públicos ou o
Código Civil, dependendo do contrato violado), ou de responsabilidade extracontratual
da AP.
Dentro da responsabilidade extracontratual da AP, temos que distinguir consoante os danos
tenham sido provocados por atos de gestão pública (danos provocados por atos regidos por
normas de Direito Administrativo) ou por atos de gestão privada (danos provocados por atos
regidos por normas de Direito Privado).
O regime da responsabilidade extracontratual da AP por atos de gestão privada está previsto no
Código Civil, ao passo que o regime da responsabilidade da AP por atos de gestão pública está
previsto na Lei n.º 67/2007 (é a este tipo de responsabilidade que nos vamos referir no fim do
semestre).
NOTA: Aqui, “atos” abarca, quer a possibilidade de ações, quer a possibilidade de omissões.
___//___
Fases:
1. Fase preparatória – esta fase é integrada por várias subfases:
Fase inicial (artigos 53.º e 97.º CPA) – cabe, ou aos interessados, por via da apresentação
de requerimento, ou ao órgão com competência decisória, que decide oficiosamente, dar
início a um procedimento administrativo.
Fase da instrução (artigos 58.º, 115.º e 116.º e 91.º e 92.º CPA) – é dirigida pelo
responsável pelo procedimento administrativo (figura prevista no artigo 55.º CPA). É
também aqui que pode haver lugar à intervenção de órgãos consultivos.
Fase da audiência dos interessados (artigos 120.º e seguintes CPA) – é dirigida pelo
responsável pelo procedimento administrativo (figura prevista no artigo 55.º CPA).
Fase da preparação direta da decisão (artigo 126.º CPA) – é dirigida pelo responsável
pelo procedimento administrativo (figura prevista no artigo 55.º CPA).
2. Fase constitutiva/decisória – é da responsabilidade do órgão com competência
decisória.
Aula n.º 18 – 16-04-2021 – ‘1. Conclusão da aula anterior. 2. O procedimento administrativo comum tendente
à emissão de um regulamento.
1. FASE PREPARATÓRIA
A. FASE DA INICIATIVA (artigo 53.º CPA)
O procedimento administrativo tendente à prática de um ato administrativo primário pode ter
início de uma de duas formas:
Artigo 102.º CPA (alínea a) – o requerimento inicial deve indicar o órgão administrativo a que
se dirige, sem prejuízo desse órgão administrativo não ser efetivamente competente para exercer
essa competência naquele momento, caso em que ao abrigo dos artigos 11.º (princípio da
colaboração) e 41.º CPA se impõe a esse órgão administrativo a remessa oficiosa para aquele
órgão a quem compete decidir naquele momento.
Depois, impõe-se a identificação do requerente; a exposição dos factos em que se baseia o pedido;
o dever de indicar o pedido em termos claros e precisos. Além do mais, o pedido deve ser assinado
e datado; devendo haver lugar à indicação do domicílio para ser notificado e à indicação do
número de telefone e de identificação de caixa postal para efeitos do artigo 63.º CPA.
O artigo 63.º CPA não se refere à notificação dos atos administrativos – a propósito da notificação
dos atos administrativos por meios eletrónicos, tratando-se de uma pessoa singular, é necessária
a existência de um consentimento prévio, que pode ser dado de várias formas (não bastando que,
do mero procedimento, para esses efeitos, constasse a indicação do número de telefax, telefone
ou e-mail, como sucede se se tratasse de uma pessoa coletiva).
Assim, o artigo 63.º CPA prende-se, não com a notificação, mas com as comunicações que têm
lugar entre a AP e os particulares ao longo do procedimento administrativo, tendo em vista a
instrução do procedimento administrativo, a comunicação de um qualquer ato praticado, etc.
seguem um regime diferente da notificação propriamente dita. Segue-se, portanto, o regime do
artigo 63.º (artigo mais flexível no que diz respeito às formas de comunicação entre a AP e os
administrados).
Sempre que se apresenta um requerimento há um registo de apresentação desse requerimento, que
atribui um número de ordem a esse mesmo requerimento e menciona a dará, o objeto do
requerimento, o número de documentos juntos e o nome de quem requer – artigo 105.º CPA. São
estes elementos que depois são considerados para organizar o processo físico do procedimento
administrativo.
Artigo 108.º CPA - de qualquer das formas, o legislador, ao abrigo do princípio da colaboração
possibilita os órgãos a suprir de modo oficioso essas insuficiências para evitar que os interessados
fiquem prejudicados por simples irregularidades ou pela mera imperfeição na formulação dos
seus pedidos.
Há aqui duas situações em que, de facto, o requerimento não é suscetível de convite para
suprimento das deficiências existentes, nem se considera ser possível ao órgão administrativo
oficiosamente suprir essas mesmas deficiências:
Nestes dois casos (artigo 108.º, n.º 3 CPA) há uma rejeição liminar do requerimento e o
procedimento administrativo nem sequer avança. Nos demais casos, há um convite para suprir as
deficiências existentes (prazo de 10 dias úteis ao interessado para que o faça), sem prejuízo de
não haver lugar a este convite e da própria AP aperfeiçoar o requerimento apresentado – isto são
aspetos que se prendem com as formalidades do requerimento escrito.
Depois temos questões que se prendem já com o mérito do requerimento apresentado que
prejudicam o desenvolvimento normal do procedimento administrativo:
Ilegitimidade dos requerentes – ex.: imagine-se que alguém pede uma licença de
construção para edificar na propriedade de outra pessoa – o requerimento que se
apresente nestes termos prejudica o desenvolvimento normal do procedimento e impede
a tomada de uma decisão sobre o requerimento apresentado.
Extemporaneidade do pedido – uma coisa é a caducidade do direito (temos um direito
sujeito a um prazo e se não exercermos esse direito num determinado prazo, o direito
caduca/ extingue-se). Coisa diferente é quando, independentemente de sermos titulares
de um determinado direito, o pedido a apresentar esteja dependente de um determinado
prazo - ex.: suponha-se que se abrem candidaturas para o desenvolvimento de uma
qualquer atividade e isso depende da apresentação da candidatura até ao dia X – aqui
não se tem nenhum direito subjetivo, o que fazemos é apresentar um pedido que nos
coloca a possibilidade de se ir exercer uma atividade – aqui levanta-se só a questão da
extemporaneidade do pedido e não a caducidade do direito, porque não se tem qualquer
direito.
No caso da caducidade somos titulares de um direito cujo exercício está sujeito a um determinado
prazo, ao passo que na extemporaneidade do pedido não se é titular de um direito e o que está em
causa é a obtenção de uma vantagem cujo acesso depende da apresentação de um pedido num
determinado prazo.
Tudo isto no que diz respeito ao requerimento inicial a apresentar pelos interessados nos
termos dos artigos 102.º a 109.º CPA
Sendo que o requerimento pode ser iniciado oficiosamente ou por iniciativa externa a pedido dos
interessados (hétero iniciativa) convém perceber quais as diferenças que existem ao nível do
procedimento administrativo partindo de uma ou de outra hipótese:
2. No que diz respeito aos procedimentos iniciados por requerimento inicial, este enquadra o
procedimento administrativo e a relação jurídica procedimental constituída – a partir do momento
em que se apresenta um requerimento com os requisitos do artigo 102.º CPA, constitui-se o
órgão com competência decisória no dever de decidir e esse dever de decisão implica
necessariamente que seja dado início a um procedimento administrativo. E este procedimento
administrativo, por ter início por iniciativa particular, está sujeito a um determinado prazo (artigo
128.º, n.º 1 CPA)
Fase da instrução
Fase da audiência prévia
Fase das diligências complementares quando existam
Terminada esta fase preparatória, temos a fase constitutiva da decisão (decisória propriamente
dita), que é da competência do órgão com competência decisória, assim como a fase
complementar (ou integrativa de eficácia).
Portanto, há aqui uma clara divisão imposta pelo CPA dos papéis do responsável pelo
procedimento administrativo e do órgão com competência decisória – a ideia foi processualizar
o procedimento administrativo por forma a salvaguardar a imparcialidade do órgão com
competência decisória, que em momento algum tem contacto direto com os factos, nem com os
interessados do procedimento administrativo.
A pessoa do delegado é vinculada – não há uma seleção livre da pessoa a quem se delega
a tarefa de dirigir o procedimento administrativo (tem de haver na base da delegação uma
relação de dependência entre o órgão decisor do procedimento administrativo e o
responsável pelo procedimento administrativo – ex.: do superior no seu inferior
hierárquico/ no caso do órgão colegial, em membro deste órgão ou em trabalhador
dependente desse mesmo órgão)
NOTA: este é mais um motivo para esta não ser a luz que faltava quanto ao problema da
imparcialidade na tomada de decisões.
Tudo aquilo que o órgão com competência decisória delega na pessoa que vai
desempenhar as funções do procedimento administrativo é aquilo que o legislador pré-
determinou como sendo funções do responsável pelo procedimento administrativo – tem
de se delegar tudo/ delegação em bloco.
B – FASE DE INSTRUÇÃO
É talvez a mais importante de todas as fases do procedimento administrativo. Naturalmente, a
simples falta de uma delas, independentemente da fase que se trate, tem por si só efeitos
invalidantes face ao ato administrativo que põe termo ao procedimento. Não obstante, sem
prejuízo disso, a fase de instrução parece a mais importante.
Repare-se que à fase de instrução cabe a definição, com exatidão e rigor, dos pressupostos de
facto do ato administrativo a praticar. E, para além desta tarefa de identificação destes factos, de
averiguação e prova dos mesmos, no sentido de tentar perceber se são verdadeiros ou falsos, e de
estabelecimento dos factos exatos, que depois servirão de pressuposto ao ato administrativo a
praticar, é na fase instrutória que se apreciam os interesses em causa e se graduam esses mesmos
interesses, através da aplicação do princípio da proporcionalidade em conjugação com os da
prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos
administrados.
Portanto, esta é uma fase absolutamente essencial – nesta fase, à AP (ao responsável pelo
procedimento administrativo) pede-se uma atitude procedimental ativa, ou seja, pede-se ao
responsável pelo procedimento administrativo que oficiosamente averigue todos os factos
relevantes para uma decisão justa e célere do procedimento administrativo. Tal faz-se através de
todos os meios de prova admitidos em Direito (prova documental, testemunhal e pericial),
apurando-se a veracidade dos factos recolhidos.
É com base nos factos provados como verdadeiros que depois se tomará a decisão. Portanto, os
pressupostos de facto do ato administrativo não surgem espontaneamente, havendo todo um
trabalho de identificação desses factos, de prova e avaliação desses factos, que antecede o
estabelecimento efetivo dos pressupostos de facto desse procedimento.
Naturalmente que ao longo desta fase de instrução é fundamental a participação e colaboração
dos interessados, na medida em que devem facultar ao responsável pelo procedimento
administrativo todos os documentos eventualmente requeridos e abstendo-se de requerer
diligências inúteis que têm todo o objetivo de atrasar o procedimento administrativo.
1. FASE PREPARATÓRIA
1.1. FASE INICIATIVA (artigo 97.º CPA)
A iniciativa dos procedimentos regulamentares é OFICIOSA, ou seja, quem decide iniciar ou
não um procedimento administrativo regulamentar é o órgão com competência regulamentar.
Agora, pode acontecer que a esse órgão com competência regulamentar tenha sido enviada uma
petição apresentada por um qualquer cidadão em que se solicita o início desse mesmo
procedimento regulamentar.
Porque é que isto não é visto como uma iniciativa particular? Porque a última palavra cabe ao
órgão competente. Ou seja, podemos todos nós apresentar uma petição, mas a nossa petição por
si só não é suficiente para dar início a esse procedimento regulamentar, sendo que é necessário
que o órgão com competência decida ele próprio (ainda que impulsionado pela petição) dar início
a esse procedimento regulamentar.
O início do procedimento é objeto de publicitação no sítio institucional da entidade pública
competente para a elaboração do regulamento administrativo – artigo 98.º CPA.
NOTA: este procedimento regulamentar está previsto nos artigos 97.º e seguintes CPA.
1.3. PARTICIPAÇÃO
Pode ter lugar por uma de duas vias: audiência dos interessados e consulta pública.
Pode suceder que, pese embora se trate de um regulamento que contenha normas
regulamentares com eficácia externa imediatamente operativas, o número de interessados
seja de tal forma elevado que a audiência se torne incompatível, tendo de se recorrer a
CONSULTA PÚBLICA (artigo 100.º, n.º 3 CPA).
Tambem deverá recorrer-se à consulta pública nos demais casos, quando não esteja em causa
um regulamento com normas regulamentares com eficácia externa imediatamente operativas.
É necessário, quando o regulamento administrativo tenha sido sujeito a consulta pública
(independentemente do motivo pelo qual o foi), uma menção no preâmbulo, não havendo essa
exigência quando o regulamento seja sujeito a audiência dos interessados (pode acontecer, mas
não é necessário).
1.4. FASE DA ELABORAÇÃO DO PROJETO FINAL DO REGULAMENTO
ADMINISTRATIVO (acolhendo ou não as sugestões apresentadas pelos administrados)
Exemplo: recentemente, no Conselho Científico aprovou-se um novo regulamento do curso de
mestrado (regulamento híbrido, com normas regulamentares com eficácia interna e normas
regulamentares com eficácia externa [sendo que dentro destas tem normas imediatamente e
mediatamente operativas]). O CPA não prevê um regulamento administrativo para as normas
regulamentares com eficácia interna, tratando-se desta omissão através da aplicação do
procedimento regulamentar previsto para as normas regulamentares com eficácia externa.
Este regulamento foi sujeito a consulta pública, tendo em conta o número elevado de interessados.
Depois, são compiladas as sugestões e os cometários que o projeto de regulamento administrativo
posto a participação teve por objeto; depois, estas sugestões são levadas ao órgão com
competência para elaborar o regulamento, sendo cada uma delas apreciada individualmente, indo-
se decidindo uma a uma se são acolhidas ou não. E é assim que se elabora o projeto final do
regulamento administrativo
2. FASE CONSTITUTIVA
Passa-se, depois, para a fase de aprovação ou não do regulamento. Regra geral, a competência
para elaboração e aprovação do regulamento administrativo cabem ao mesmo órgão, mas pode
assim não ser. Se couberem ao mesmo órgão, há aqui quase que um ATO CONTÍNUO, porque
assim que se assenta o projeto final do regulamento administrativo, na sequência da análise e do
acolhimento ou não das sugestões apresentadas pelos administrados, passa-se logo de seguida
para a aprovação ou não do regulamento.
Quando assim não é, já não há um ato contínuo, na medida em que o órgão competente para
elaborar o regulamento administrativo termina a sua participação neste procedimento com a
efetiva elaboração do projeto final do regulamento e com a sua remessa para o órgão com
competência para aprovar esse mesmo regulamento.
A aprovação do regulamento pelo órgão com competência regulamentar pode estar a cargo de um
órgão singular ou colegial e, à semelhança do que sucede com a prática de atos administrativos,
se a sua aprovação couber a um órgão colegial é necessário que se observem as normas referentes
à tomada de deliberações por órgãos colegiais (menção à convocatória, quórum, maioria de
aprovação e sujeição a ata [para que produza os seus efeitos]).
O ato de aprovação integra o procedimento regulamentar e tem caráter instrumental, ou seja,
não tem autonomia face ao regulamento como ato administrativo. A aprovação do regulamento,
por si só, não introduz qualquer modificação no sistema jurídico. A regulação inovatória de
situações jurídicas decorre do regulamento administrativo aprovado.
NOTA: atualmente já há uma jurisprudência relativamente constante quanto a esta matéria, que
tem que ver com a natureza do ato de aprovação do regulamento administrativo – a dúvida
que existia passava por se tentar perceber se o ato de aprovação do regulamento era um ato
administrativo autonomamente considerável/ impugnável ou se era um ato instrumental
preparatório integrado no procedimento regulamentar. Esta dúvida persistiu durante largos anos,
sendo que atualmente é visível a existência de uma posição maioritária que é a de considerar o
ato de aprovação do regulamento administrativo um ATO MERAMENTE PREPARATÓRIO/
INSTRUMENTAL.
Isto leva-nos a uma segunda consequência, na medida em que não é possível reagir
contra o ato de aprovação do regulamento administrativo com fundamento em
vícios desse ato de aprovação, porque, a haver vícios relativos ao ato de aprovação, os
mecanismos de reação a utilizar, precisamente porque o ato de aprovação é instrumental/
preparatório, hão de necessariamente ter por objeto um regulamento administrativo e não
o ato de aprovação.
Vamos imaginar que em 2020, ainda estando a decorrer estes procedimentos de avaliação, o
regulamento de 2019 é alterado e são mudadas as pontuações atribuídas a determinadas tarefas –
esta alteração em 2020 do regulamento de avaliação dos docentes já se aplica aos regulamentos
de avaliação em curso à data desta alteração?
Não pode!
A não ser que seja absolutamente favorável (ex.: vamos imaginar que o regulamento estipula um
prazo maior para entrega de documentação – aqui pode ter eficácia retroativa, é aplicável a toda
a gente, favorece as condições de exercício e uma avaliação mais ponderada).
Além disso, os efeitos dos regulamentos não podem reportar-se a data anterior àquela a que
se reporta a lei habilitante – artigo 141.º, n.º 2 CPA
Aula n.º 19 – 23-04-2021 – ‘1. Procedimento administrativo pré-contratual 1.1. A decisão de contratar -
anúncio e convite; 1.2. Apresentação de propostas; 1.3. Apreciação preliminar das propostas,
exclusão/aperfeiçoamento de propostas, audiência prévia; 1.4. Relatório preliminar do júri (exclusão de candidatos
e graduação das demais propostas) - audiência prévia; 1.5. Relatório final do júri (quanto à exclusão de candidatos
e à graduação das propostas que se mantêm no procedimento) 1.6. Prática de ato de adjudicação (a que se seguirá a
celebração do contrato) ou de ato de não adjudicação’
Porquê? Porque a entidade adjudicante deverá adjudicar/ atribuir o contrato à entidade que
apresente a proposta que melhor realize a necessidade que a entidade adjudicante considerou que
apenas poderia ser satisfeita pela satisfação de um determinado tipo de contrato.
Quando, por outro lado, e decorrido o procedimento pré-contratual, se chega à conclusão que essa
necessidade já não existe, que o contrato que se entendia ser aquele que faria sentido celebrar
afinal já não o é, OU quando se chega à conclusão que nenhuma das propostas apresentadas
satisfaz a necessidade de interesse publico a prosseguir, em vez de se adjudicar o contrato, terá
necessariamente, e em nome do princípio da prossecução do interesse público, de se decidir pela
NÃO ADJUDICAÇÃO.
Quer num caso, quer noutro pratica-se um ato administrativo pré-contratual de exclusão das
propostas que corresponde àquele ato de exclusão de candidato ou concorrente que vem referido
no artigo 51.º, n.º 3 CPTA.
NOTA:
Quando falamos de atos praticados ao longo do procedimento administrativo falamos de duas
situações:
Este artigo 51.º, n.º 3 CPTA diz-nos que se o candidato excluído não impugnar o ato de exclusão
do procedimento pré-contratual, não poderá mais tarde vir reagir contra o ato de adjudicação. A
partir do momento em que o concorrente é excluído do procedimento pré-contratual, o próprio
procedimento continua sem ele, pelo que o ato de adjudicação não o tem em consideração para
aqueles efeitos (porque já não é concorrente naquele concurso) – assim, o legislador diz que não
dá para não impugnar o ato de exclusão com o objetivo de depois vir a impugnar o ato de
adjudicação.
Pode pura e simplesmente se cingir ao preço mais baixo – fica graduada em primeiro
lugar a proposta que apresente o preço mais baixo, sem prejuízo de se prever um critério
de desempate quando duas ou mais propostas apresentem o mesmo preço.
Em alternativa a este critério temos o critério da proposta economicamente mais vantajosa
– para além do preço, tem-se em consideração critérios qualitativos e quantitativos
relativos ao objeto do contrato a celebrar/ da proposta – ou seja, tem-se em consideração,
por exemplo, as caraterísticas do bem a fornecer, no caso de estar em causa um contrato
de aquisição de bens.
Neste caso, a cada um dos fatores a considerar para efeitos de adjudicação atribui-se uma
percentagem e é através do cômputo geral de todos estes fatores que resulta a graduação dos
candidatos/ concorrentes.
A seguir à fase da audiência prévia, o júri elabora um relatório final fundamentado (porque
deve espelhar a ponderação a que houve lugar das observações dos concorrentes apresentadas na
audiência prévia), mantendo a ordenação dos candidatos que constavam do relatório preliminar
ou não, mantendo as propostas excluídas no relatório preliminar ou voltando a integrá-las, etc.,
ou seja, mantendo ou modificando o teor das conclusões que constavam do relatório preliminar.
NOTA: sempre que existir uma alteração a ordenações ou exclusão de propostas deve haver
sempre lugar a audiência prévia.
Este relatório final será enviado à entidade adjudicante e será com base nele que esta vai tomar
uma de duas decisões:
Adjudica
Não adjudica
Por isso é que o pedido adequado para apresentar junto dos tribunais administrativos para reagir
quanto a um ato de adjudicação é o pedido de condenação à prática de ato legalmente devido
em que quem apresenta o pedido solicita ao tribunal que condene a entidade adjudicante a
substituir aquele ato de adjudicação por outro que lhe adjudique a si aquele contrato – daí que
quem tem interesse em reagir contenciosamente contra atos de adjudicação são os candidatos
graduados, não em primeiro lugar, mas nas posições seguintes.
O ato de adjudicação pode não ser só impugnado contenciosamente, mas também
administrativamente, caso em que o regime geral do CPA relativo às reclamações e recursos
administrativos (artigo 184.º e ss. CPA) dá lugar à aplicação das normas especiais previstas nos
artigos 267.º e ss. CCP.
NOTA: há um aspeto curioso que tem dado aso a alguma discussão, que é o facto de o artigo 76.º
CCP falar num “dever de adjudicação” – de facto, com um critério literal de interpretação parece
que a entidade adjudicante não tem outra alternativa sem ser adjudicar. No entanto, a verdade é
que a interpretação jurídica não se basta com o critério literal, pelo que, se utilizarmos também o
critério sistemático, percebemos que há duas opções que o legislador coloca à disposição da
entidade adjudicante: possibilidade de adjudicar (celebração do contrato com os candidatos/
concorrente graduado em primeiro lugar) ou não (artigo 79.º CCP).
Assim, não há um dever de adjudicar
Se, pelo contrário, se optar por NÃO ADJUDICAR, tem que se seguir o previsto no artigo 79.º
CCP. As causas de não adjudicação são as que estão previstas no n.º 1 deste mesmo artigo, sendo
que há quem defenda que o elenco é taxativo e quem defenda que é exemplificativo – ora, a
professora Juliana Coutinho considera ser exemplificativo, uma vez que defende que não deverá
haver lugar à adjudicação sempre que o interesse público o imponha, o que quer dizer que, para
além destas situações enunciadas, poderão existir outras justificadas pela melhor salvaguarda do
princípio da prossecução do interesse público que justifiquem não adjudicar.
Não adjudicar implica revogar a decisão de contratar, ou seja, é um ato administrativo que
tem efeitos extintivos num outro ato administrativo (a decisão de contratar), revogando-a com
fundamento na inconveniência daquela decisão de contratar para a prossecução de um
determinado fim de interesse público – artigo 80.º CCP.
Todos os concorrentes que chegaram ao final e com os quais não foi celebrado o contrato devem
ser indemnizados pelos encargos em que incorreram na elaboração das propostas, mas,
salvaguardando este interesse pré-contratual dos concorrentes, não há nenhum motivo pelo qual
não se possa adjudicar além dos casos previstos no artigo 79.º CCP.
NOTA: é exatamente nos casos das alíneas c) e d) do artigo 79.º CCP em que há um dever de
indemnizar os concorrentes cujas propostas não tenham sido excluídas, mas com os quais também
não tenha sido celebrado nenhum contrato dos encargos que ocorreram com a elaboração das
propostas. Caso haja lugar à não adjudicação nas demais alíneas, JÁ NÃO HÁ ESTE DEVER
DE INDEMNIZAÇÃO.
A decisão de não adjudicação também se configura como um ato administrativo, devendo ser
devidamente fundamentada e sendo suscetível de reação junto dos tribunais administrativos ou
junto da própria AP, servindo-se, neste caso, dos mecanismos de reação administrativa previstos
nos artigos 267.º e ss. CCP, aplicando-se subsidiariamente o CPA – neste caso, o interesse em
recorrer da decisão de não adjudicar é do concorrente que ficou graduado em 1.º lugar.
NOTA: ver neste âmbito - “Adjudicar ou não adjudicar? Eis a questão” (prof. Juliana Coutinho).
Pode chegar-se à conclusão de que assim não é, desde logo, porque pode não se ter feito uma
boa avaliação dos factos:
(ex.: vamos imaginar que se tomou a decisão de contratar, ou seja, que se optou pela
celebração de um contrato, com base na ideia de que um determinado material era fornecido
gratuitamente, mas que afinal assim não é, pelo que, a meio do procedimento pré-contratual, se
chega à conclusão que a melhor forma de prosseguir o fim do interesse público é não celebrar
um contrato, ou celebrar um contrato de outro tipo – aqui invoca-se a alínea c) do artigo 79.º,
n.º 1 CCP)
Não faz sentido prosseguir-se este procedimento pré-contratual e adjudicar um contrato cuja
execução se sabe, à partida, que é impossível.
(ter em atenção aula prática de 29-04-2021 – essencialmente as vantagens dos mecanismos de
reação administrativa)
Também pode suceder que tenhamos uma forma de atividade administrativa que parece ser um
ato administrativo, mas é necessária uma análise detalhada de cada uma das suas características
para que se chegue à conclusão de que não é um ato administrativo.
Respondendo à questão de saber se aquela forma de atividade administrativa é ou não um ato
administrativo e chegando à conclusão que é, passa-se para a questão de caraterizar o tipo de ato
administrativo.
Se o ato administrativo produzir efeitos jurídicos desfavoráveis, isso quer dizer que
tem de ser fundamentado, que a sua eficácia jurídica depende de notificação, que a
audiência prévia, em princípio, não pode ser dispensada, pelo que podemos identificar
um vício nestes trâmites - (se chegamos à conclusão que não houve fundamentação ou
que não houve audiência prévia descobrimos um vício; ou se chegamos à conclusão de
que não foi objeto de notificação é ineficaz).
Depois, se o ato administrativo for de conteúdo positivo, significa que introduziu uma
alteração na esfera jurídica do destinatário, pelo que o objetivo é eliminar essa alteração;
se tiver conteúdo negativo, o objetivo é que uma alteração seja introduzida; por sua vez,
se for de conteúdo ambivalente, significa que aqueles aos quais foi recusada a
introdução da alteração na sua esfera jurídica querem, não só que o ato administrativo
desapareça, mas que seja praticado um que introduza essa mesma alteração.
Assim, a identificação do conteúdo do ato administrativo serve para PERCEBER O QUE SE
QUER DO TRIBUNAL, sendo a partir daí que se define o pedido a apresentar ao tribunal.
Se for ato praticado por órgão colegial, temos de identificar as regras de funcionamento
do órgão colegial (quórum, maioria de aprovação, ata, etc.), havendo aqui uma série de
possibilidades quanto a vícios que não existe se o órgão que pratica o ato for singular.
Por outro lado, ainda temos a questão de saber se o ato administrativo se enquadra em
relações singulares ou poligonais/multipolares – isto é importante sobretudo no âmbito
da questão da legitimidade, ou seja, de QUEM PODE RECORRER AOS
TRIBUNAIS.
Se o ato administrativo se enquadrar no âmbito de uma relação jurídica bipolar, os
interessados em reagir desse ato já estão, à partida, identificados (é o interessado); já se o ato
administrativo se enquadrar no âmbito de uma relação jurídica poligonal, para além do
destinatário, temos outros interessados que podem querer reagir contra esse ato – é relevante
do ponto de vista da legitimidade, portanto.
Ora, tudo isto são questões prévias fundamentais para determinar, por um lado, se o ato jurídico
é ou não um ato administrativo e enquadrá-lo no respetivo regime jurídico e, depois, para
identificar os vícios que lhe correspondem e as respetivas sanções.
III. Identificação dos vícios do ato e correspondentes sanções. Conclusão: o ato é nulo,
anulável ou inexistente juridicamente?
Tendo em conta a fase anterior, e verificando-se a existência de vícios no ato administrativo, há
que averiguar quais as sanções que lhes correspondem: ANULABILIDADE; NULIDADE;
INEXISTÊNCIA JURÍDICA.
NOTA: estas três primeiras fases são fundamentais, porque só teremos interesse em recorrer aos
tribunais se tivermos, pelo menos, alguma certeza de que vamos ganhar a ação.
Ninguém consegue, à partida, adivinhar o sentido de uma sentença – agora, há áreas em que é
mais garantido que outras, porque são áreas que têm que ver com a própria configuração dos
factos e com a forma da produção de prova.
À partida, consegue-se perceber, quando se conhece a matéria, numa ação administrativa e
também no contencioso tributário se se vai perder ou ganhar uma ação – porque é tudo
extremamente técnico. O que normalmente introduz margem de erro nestas previsões é o facto de
haver a possibilidade de uma interpretação plurissignificativa das normas (mas mesmo aí a
questão não deixa de ser técnica).
IV. O ato é impugnável? Nos termos dos artigos 51.º, n.º 1 CPTA e 268.º, n.º 4 CRP, o critério
de recorribilidade do ato administrativo é o da suscetibilidade de produção de efeitos externos.
Feita esta análise prévia, temos que depois encaixar tudo isto no CPTA – é um ato administrativo
do tipo X e tem tais vícios, mas posso recorrer dele aos tribunais administrativos. À partida, é
possível recorrer de qualquer ato administrativo junto dos tribunais administrativos, porque há
sobreposição de conceitos entre ato administrativo para efeitos substantivos e ato administrativo
para efeitos contenciosos. Ou seja, os atos administrativos substantivos para efeitos do artigo
148.º CPA são atos impugnáveis para efeitos do artigo 51.º CPTA.
Aliás, o que se sucede é que o legislador, para garantir o acesso dos administrados aos tribunais,
trata, para efeitos contenciosos, atos instrumentais e preparatórios como se fossem atos
administrativos (artigo 51.º, n.º 1 CPTA: ‘ainda que não ponham termo a um procedimento’) – é
o que sucede com os pareceres vinculativos.
Além destes, o legislador logo à partida admite que possa haver a prática de verdadeiros atos
administrativos dentro do procedimento administrativo, como sejam os atos de exclusão de
candidatos de procedimentos pré-contratuais.
Depois, no artigo 51.º, n.º 2 CPTA temos um elenco meramente exemplificativo e o critério para
o legislador escolher estes exemplos e não outros tem que ver com as questões que levantaram
mais controvérsias.
Alínea a) – está pensado para pré-decisões, ou seja, atos administrativos que, depois, são
pressuposto de outros atos administrativos que venham a ser praticados. O que aqui se
diz é que não se tem de esperar pela prática do ato administrativo principal para se poder
impugnar este ato administrativo que constitui uma pré-decisão.
(ex.: Imaginemos que, na fase de instrução, é pedido um parecer ao qual uma norma especial
atribui caráter vinculativo (artigo 91.º, n.º 2 CPA). À fase de instrução segue-se a fase da
audiência dos interessados, pelo que, quando se notifica os interessados para audiência prévia,
é necessário comunicar tudo aquilo que se passou ao longo do procedimento até àquele momento,
incluindo o parecer vinculativo. Portanto, em sede de audiência prévia, o interessado olha para
o parecer vinculativo e sabe qual vai ser o ato administrativo a praticar no final do procedimento,
porque, a menos que o órgão com competência decisória considere o parecer ilegal e impugne
contenciosamente, o ato administrativo que põe termo ao procedimento será conforme com o
parecer, sob pena de anulabilidade. Ora, o interessado não tem que esperar pelo final do
procedimento para impugnar o ato administrativo, pois o legislador permite que reaja contra o
parecer vinculativo a partir do momento em que tem conhecimento do mesmo e enquanto não
haja ato administrativo)
Pode fazê-lo até ao momento em que não há ato administrativo, isto porque, como já vimos, a
partir do momento em que o parecer vinculativo é seguido pelo ato administrativo que põe termo
ao procedimento, deixa de se poder impugnar o parecer e passa só a poder-se impugnar o ato
administrativo que se segue ao parecer.
Mas isto é o que diz a primeira parte do n.º 3, porque a SEGUNDA PARTE já não se refere aos
pareceres vinculativos, mas aos atos de exclusão de um interessado num procedimento pré-
contratual – o ato de exclusão do candidato de exclusão de procedimento pré-contratual não é um
ato instrumental nem preparatório, mas um verdadeiro ato administrativo que exclui o candidato
a que se refere do procedimento pré-contratual de que o interessado quer continuar a fazer parte.
A partir do momento em que o candidato é excluído do procedimento pré-contratual, ele deixa de
ser considerado para efeitos de graduação e avaliação de propostas (tudo se passa sem o ter em
consideração). Ora, se o concorrente é excluído de um procedimento, ele tem de impugnar o ato
que o exclui e não o ato de adjudicação (que já não o teve em consideração, porque no momento
da sua prática ele já não estava no procedimento) – NÃO DÁ PARA NÃO IMPUGNAR O ATO
DE EXCLUSÃO E, DEPOIS, IMPUGNAR O ATO DE ADJUDICAÇÃO.
A recorribilidade do ato administrativo não se confunde com a sua lesividade, uma vez que o ato
administrativo não precisa de produzir efeitos jurídicos lesivos para ser impugnável. Temos um
ato que é recorrível contenciosamente como ato administrativo, seja porque é um ato
administrativo, seja porque, não o sendo, o CPTA trata-o como se o fosse (caso dos pareceres
vinculativos) – recorribilidade. A questão de saber se o ato administrativo produz, ou não, efeitos
lesivos é uma questão que serve o propósito de identificar quem é que tem legitimidade para
recorrer daquele ato administrativo – lesividade (só pode recorrer de um ato administrativo quem seja
lesado por esse ato).
Há então aqui uma questão importante de ver: uma coisa é percebermos se o ato administrativo é
recorrível, outra coisa é percebermos quem pode recorrer do ato administrativo, daí a afirmação
de que a recorribilidade do ato administrativo não se confunde com a sua lesividade, uma vez que
o ato administrativo não precisa de produzir efeitos jurídicos lesivos para ser impugnável.
Vamos imaginar um ato administrativo que não lese ninguém, mas é ilegal. Mantém-se ilegal?
Não, até porque o nosso sistema de justiça administrativa combina elementos subjetivos com
elementos objetivos, ou seja, não está apenas em causa a garantia da posição jurídica subjetiva
dos cidadãos, mas também a salvaguarda da legalidade como valor em si mesmo.
Assim, podemos ter um ato administrativo que não lese ninguém, mas é ilegal e, por isso, é
recorrível para os tribunais administrativos.
Quando falamos de formas de ação urgentes e não urgentes estamos a falar de tramitação e
formalidades – se é NÃO URGENTE encontramos, por exemplo, formalidades processuais e
prazos mais alargados; ao passo que se for URGENTE encontramos uma maior simplicidade
processual, prazos mais curtos e o facto de esses mesmos prazos correrem em férias judiciais.
O CPTA só prevê um meio processual principal não urgentes, que é a ação administrativa –
artigo 78.º e seguintes CPTA e prevê várias formas de processos principais urgentes (temos de
perceber qual das formas de ação principal urgentes vamos utilizar – artigo 97.º e ss. CPTA e 36.º
CPTA).
Os meios urgentes traduzem-se num conjunto de meios processuais, com regras próprias e
tramitação adaptada, destinados à proteção de situações jurídicas subjetivas, e que têm como
ponto comum o pressuposto objetivo, previsto em abstrato, da urgencia. Nos termos do artigo
36.º, n.º 2 CPTA, os processos urgentes correm nas férias, com dispensa de vistos prévios, mesmo
em fase de recurso jurisdicional, e os atos da secretaria são praticados no próprio dia, com
precedência sobre quaisquer outros.
Se o ato não for praticado num procedimento pré-contratual, segue sempre a mesma
forma.
Se o ato for praticado num procedimento pré-contratual, precisamos de ir ao artigo
100.º, n.º 1 CPTA ver se o procedimento no qual o ato se insere está englobado pelo seu
elenco taxativo. Se lá estiver, segue a forma de contencioso pré-contratual; se não estiver
lá previsto, segue a forma de ação administrativa.
B - Como recorrer contenciosamente de uma omissão ilegal?
Aqui o exercício é o mesmo: temos de chegar à conclusão que há uma omissão ilegal e, para tal,
é preciso que tenha havido um requerimento dirigido à AP, constituindo-se um dever de decidir,
sendo que este dever implica que esteja em causa o exercício de competências jurídico-
administrativas, que o órgão a quem é dirigido o requerimento seja competente para o efeito, que
não tenha havido lugar a uma decisão há menos de 2 anos sobre essa mesma questão e que a lei
não qualifique esse silencia administrativo como deferimento tácito.
Depois, tudo segue os mesmos termos…
NOTA: pode suceder, em situações muito especificas, previstas pelo legislador de forma
detalhada e com uma aplicação muito limitada, que a forma de ação que o pedido de impugnação
ou o pedido de condenação à prática de ato legalmente devido acabem por ter de seguir não seja
a ação administrativa, nem o contencioso pré-contratual, mas uma das outras formas de processos
principais urgentes, previstas nos artigos 97.º e ss. CPTA.
No entanto, estas outras formas, para além do procedimento pré-contratual, têm uma aplicação
excecional e muito limitada. Não obstante, são uma alternativa para pedidos que seguem a forma
de ação administrativa, ou seja, quando estejam em causa atos administrativos ou omissões ilegais
não inseridas em procedimentos pré-contratuais, mas que se encaixem nas situações específicas
indicadas nessas formas de processos urgentes.
NOTA: isto não quer dizer que as que têm eficácia interna não sejam normas regulamentares.
Como se sabe, o artigo 135.º CPA não responde à questão da natureza jurídica das normas
regulamentares, mas sim à questão de saber qual o âmbito de aplicação do CPA no que se refere
a normas regulamentares. E a resposta que este artigo dá é no sentido de que as normas do CPA
que se referem a regulamentos referem-se unicamente a normas regulamentares com eficácia
externa (remissão do 147.º para o 135.º CPA).
Nos termos do artigo 147.º, n.º 3 CPA, à impugnação dos regulamentos é aplicável o previsto nos
artigos 184.º e 190.º CPA para a impugnação facultativa de atos administrativos e, depois, nos
números anteriores refere-se a possibilidade de se fazer uso da reclamação ou dos recursos, casos
em que se aplicarão os respetivos regimes específicos (n.º 2), bem como o que se pode solicitar
face a uma norma regulamentar com eficácia externa (n.º 1) – modificação, suspensão, revogação
ou declaração de invalidade de regulamentos administrativos diretamente lesivos dos seus direitos
ou interesses legalmente protegidos, assim como reagir contra a omissão ilegal de regulamentos
administrativos.
A tudo o resto aplica-se o regime do artigo 184.º e ss. CPA, sendo que o legislador achou por
bem destacar o disposto no artigo 189.º e 190.º CPA:
ARTIGO 189.º CPA – para a impugnação facultativa de atos administrativos no que diz
respeito à não suspensão de efeitos associada à utilização dos mecanismos de reação
administrativa.
Como se sabe a utilização da reclamação e do recurso, quando estes são facultativos, não tem
efeitos suspensivos relativamente aos efeitos que se impugna administrativamente.
ARTIGO 190.º CPA – refere-se à suspensão dos prazos de acesso aos tribunais associada
à utilização da reclamação ou um dos tipos de recursos administrativos
Como está aqui em causa a impugnação facultativa de regulamentos administrativos, estes
prazos suspendem-se, sem prejuízo de se poder renunciar a essa suspensão e fazer uso,
simultaneamente, da reclamação/ recurso e dos mecanismos de reação contenciosa (junto dos
Tribunais Administrativos).
Portanto, não há aqui diferenças significativas no que referimos quanto às reações administrativas,
apenas e tão só o que resulta do artigo 147.º CPA, que tem que ver com a especificidade de se
tratar de um regulamento administrativo e não de um ato administrativo.
No que diz respeito aos mecanismos de reação administrativa contra normas regulamentares com
eficácia externa não há muito mais a dizer, porque tudo acaba por se reconduzir ao regime já
visto.
No que diz respeito aos mecanismos de reação junto do Tribunal Administrativo territorialmente
competente…
À semelhança do que sucede com a reclamação e com os recursos administrativos, só se pode
reagir junto dos Tribunais Administrativos de normas regulamentares com eficácia externa.
NOTA:
Quanto aos atos administrativos colocamos um conjunto de questões prévias a que tínhamos de
responder para o efeito de determinar o pedido adequado a apresentar junto do Tribunal (primeiro
percebíamos se se tratava de um ato administrativo; depois perceber de que tipo de ato
administrativo se tratava [o seu conteúdo; os seus vícios; quais os desvalores associados aos
vícios]. Depois, em função disso, determinaríamos o pedido adequado a apresentar junto do
Tribunal Administrativo [pedido de impugnação ou pedido de condenação à prática de ato
legalmente devido]).
O pedido de impugnação dar-se-ia se o ato tivesse um conteúdo positivo, ao passo que o pedido
de condenação à prática de ato legalmente devido se o ato tiver um conteúdo negativo ou
ambivalente. No caso de omissões de atos administrativos, o pedido adequado será sempre o
pedido de condenação à prática de ato legalmente devido.
Quanto apresentamos um pedido de impugnação, o Tribunal Administrativo, se considerar o
pedido procedente, vai declarar nulo, anular o declarar inexistente juridicamente o ato
administrativo impugnado, o que tem efeitos extintivos sobre o ato administrativo impugnado e,
depois, tendo em consideração os efeitos produzidos ou não até ao momento (efeitos de direito e
de facto, no caso de atos anuláveis; e de facto, no caso de atos nulos ou inexistentes juridicamente)
será ditada a sentença. Obviamente que a sentença terá isto em conta, no sentido de procurar repor
a situação que existia antes do ato ser praticado e, eventualmente havendo terceiros de boa-fé
cujas expectativas mereçam tutela, salvaguardar a posição jurídica deles.
Quando apresentamos um pedido de condenação à prática de ato legalmente devido, o que o
Tribunal Administrativo faz é reconhecer a ilegalidade da omissão ou do ato administrativo de
indeferimento e, depois, condenar a entidade administrativa demandada no processo à prática de
um ato:
Se o ato que estiver em causa for um ato vinculado, o tribunal pode condenar a entidade
administrativa demandada à prática de um ato administrativo com um determinado
conteúdo e com um determinado sentido.
Se o ato administrativo que estiver em causa for um ato administrativo que implique o
exercício de competências discricionárias, mas cuja discricionariedade, face às
circunstâncias do caso concreto, fique reduzida a zero, também poderá o tribunal, feita
essa notificação prévia de redução de discricionariedade a zero, condenar a entidade
administrativa demandada à prática de um ato administrativo com um determinado
conteúdo e sentido.
NOTA: há normas regulamentares imediatamente operativas (que não estão dependentes de ato
administrativo de aplicação), mas em relação às quais houve um ato administrativo de aplicação
– não obstante, este não era necessário para a produção dos seus efeitos.
Qual a diferença que isto importa? Importa, porque as normas imediatamente operativas (que
não estão dependentes de um ato administrativo de aplicação) são IMPUGNÁVEIS A TÍTULO
PRINCIPAL.
Impugnar a título principal significa que o objeto principal do processo é a impugnação da norma
regulamentar com eficácia externa, por contraposição aos casos em que as normas são
IMPUGNÁVEIS A TÍTULO INCIDENTAL, ou seja, por contraposição aos casos em que a
impugnação da norma regulamentar é meramente instrumental ao objeto principal do processo.
EXPLICAÇÃO:
A fiscalização sucessiva concreta tem lugar a título incidental – havia um processo a correr num
qualquer tribunal, sobre uma qualquer matéria (ex.: ação de despejo), e a propósito dessa ação
era levantada a título incidental a questão da inconstitucionalidade de uma norma relevante para
a tomada de decisão desse processo.
A lógica aqui entre impugnação a título principal e incidental é a mesma:
Pelo contrário, se a impugnação for a título incidental, quer dizer que foi a propósito de
um qualquer processo que se levantou a questão da ilegalidade de uma norma
regulamentar; e a decisão que se toma é relevante para a decisão a tomar quanto ao objeto
principal do processo.
O pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral só pode ter por fundamento a
ilegalidade simples para evitar conflitos positivos de competência com o Tribunal Constitucional,
que tem competência para fiscalizar a inconstitucionalidade e a ilegalidade reforçada em sede de
fiscalização sucessiva abstrata de qualquer norma (artigo 281.º CRP) e, portanto, também de
normas regulamentares.
Assim, nos termos do artigo 281.º CRP, em sede de fiscalização sucessiva abstrata, o Tribunal
Constitucional fiscaliza a inconstitucionalidade e a ilegalidade reforçada de qualquer norma. No
que diz respeito à ilegalidade reforçada, tal tem que ver com a violação de normas legais de valor
reforçado (artigo 112.º, n.º 3 CRP – ver noção lei de valor reforçado)
Portanto, em sede de fiscalização sucessiva abstrata, que termina com a declaração ou não da
ilegalidade reforçada ou da inconstitucionalidade com força obrigatória geral, aos tribunais
administrativos cabe apenas a fiscalização das normas regulamentares (nunca uma norma legal),
sendo que o fundamento controlado é apenas a ilegalidade simples (para evitar os tais conflitos
positivos com o Tribunal Constitucional).
Depois, a propósito desse pedido principal dirigido ao ato de aplicação, é que vamos invocar a
ilegalidade da norma regulamentar que esse ato administrativo de aplicação concretiza
A ilegalidade simples significa que a norma legal violada pela norma regulamentar não
tem valor reforçado OU que a norma regulamentar é ilegal, porque viola outra norma
regulamentar a que deva obediência (este conceito de ilegalidade simples vale para todos
os casos).
Na ilegalidade reforçada está em causa a violação de uma norma legal, por uma norma
regulamentar, à qual é dado valor reforçado, nos termos do artigo 112.º, n.º 3 CRP.
Na inconstitucionalidade, aquilo que é violado pela norma regulamentar é uma norma
constitucional
EM SUMA:
São estes os três fundamentos possíveis em relação aos pedidos que vimos – no caso da
impugnação de normas imediatamente operativas, a impugnação é a título principal e o
pedido de declaração com força obrigatória geral só pode ter por fundamento a ilegalidade
simples, ao passo que se for um pedido com efeitos circunscritos ao caso concreto só pode
ter por fundamento a ilegalidade reforçada ou a inconstitucionalidade // na impugnação
de normas mediatamente operativas, a impugnação é a título incidental e o pedido pode ter
por fundamento a ilegalidade simples, a ilegalidade reforçada e a inconstitucionalidade
NOTA: não vamos entrar nas formas de ação, mas o raciocínio é muito semelhante ao que vimos
a propósito dos atos administrativos – respondida à questão de saber qual o pedido que devemos
apresentar junto do tribunal administrativo territorialmente competente, importa definir as formas
de ação/ trâmites/ formalidades processuais que o pedido vai seguir. E esse pedido, quando é
dirigido a normas, não é muito diferente quanto às opções possíveis em comparação aos casos em
que está a impugnação do ato administrativo.
Também aqui as opções são as seguintes: ou o pedido apresentado contra uma norma
regulamentar com eficácia externa segue a forma de ação administrativa (forma de processo
principal não urgente – artigo 78.º e seguintes CPTA) ou segue a forma de processo urgente
principal (pode ser qualquer um dos previstos no artigo 97.º e ss. CPTA).
Aula n.º 23 – 11-05-2021 – ‘RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO E DEMAIS
ENTIDADES PÚBLICAS - LEI N.º 67/2007, DE 31 DE DEZEMBRO’
Isto porquê? A Lei n.º 67/2007 acaba por disciplinar a responsabilidade civil extracontratual do
Estado e demais entidades públicas, organizando-a de acordo com a função do Estado de cujo
exercício resulta o dano que se quer ver reparado.
Ou seja, esta lei prevê o regime da responsabilidade civil extracontratual por danos
decorrentes do exercício da FUNÇÃO ADMINISTRATIVA, o que está diretamente em
articulação com o princípio da responsabilidade do artigo 22.º CRP.
FACTO – só há responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (o que vale também para
a responsabilidade civil extracontratual objetiva) quando o facto que origina o dano seja
dominável pela vontade, ou seja, é necessário que se trate de um facto voluntário.
O facto pode traduzir-se numa ação ou numa omissão, podendo ser jurídico ou não jurídico (ex.:
operação material ou qualquer forma de atuação informal por parte da AP), sendo que o que
importa é que esse facto tenha sido praticado no exercício e por causa do exercício da função
administrativa.
ILICITO – a ilicitude é sinónimo de anti juridicidade – traduz-se num juízo de desvalor/ negativo
formulado pela ordem jurídica relativamente a um determinado facto. Ou seja, ilícito é um
qualquer facto que viole uma norma: agora, não é qualquer norma que sustenta a ilicitude
relevante para efeitos de responsabilidade civil extracontratual – isto é, a norma violada tem de
ser uma norma que proteja uma posição jurídica subjetiva (direito ou interesse legalmente
protegido), cuja lesão se pretende ver reparada.
CULPOSO – no que diz respeito à culpa, esta é um juízo formulado pela ordem jurídica sobre
quem age com culpa, sendo que a culpa tem aqui essencialmente duas modalidades: DOLO (que
pressupõe a intenção de praticar um determinado resultado danoso, sendo que aqui se distingue
entre dolo direto, dolo necessário e dolo eventual) e NEGLIGÊNCIA (que se traduz na violação,
consciente ou inconsciente, de deveres de cuidado, podendo ser grave/grosseira ou leve).
O que quer dizer presunção de negligência leve? Quais as consequências práticas desta
presunção?
A prova da culpa (à semelhança da prova dos demais pressupostos da responsabilidade civil
extracontratual) cabe ao autor da ação da responsabilidade (lesado), só assim não sendo quando
estão previstas presunções. Ou seja, ao prever presunções de culpa neste artigo, o legislador
inverteu o ónus da prova – na verdade, quem tem de provar que não atuou com culpa é a AP.
Assim, não é necessário ao autor fazer prova dessa negligência leve, impondo-se ao titular do
órgão ou agente fazer prova que não atuou com essa negligência leve.
NOTA: esta é, assim, a primeira especificidade da responsabilidade civil extracontratual por
factos ilícitos prevista na Lei n.º 67/2007 em comparação ao regime que resulta do Código Civil,
que não prevê estas presunções.
Uma segunda especificidade tem a ver com o seguinte: o juízo de culpa é um juízo formulado
pela ordem jurídica com referência às circunstâncias do caso concreto, tendo em consideração o
padrão médio do funcionário zeloso e cumpridor, com referência em relação à pessoa à qual se
imputa um facto voluntário ilícito. Pode suceder que esse agente/pessoa/ trabalhador não seja
possível identificar.
O que sucede?
Para as situações em que não é possível fazer um juízo de culpa por se desconhecer a quem é
imputável o facto voluntário, o legislador criou uma figura (que só existe na Lei n.º 67/2007 e
que não tem paralelo no Código Civil – ou seja, só se aplica em atos de gestão pública) que é a do
FUNCIONAMENTO ANORMAL DE SERVIÇO – artigo 7.º, n.º 3 e n.º 4 da Lei n.º 67/2007.
Portanto, o pressuposto da culpa pode ser preenchido não só por dolo ou por negligência leve
havendo presunções de negligência leve, mas também pela figura do funcionamento anormal do
serviço.
DANO – traduz-se num prejuízo e pode ter-se como diminuição ou extinção de uma vantagem
que é objeto de proteção ou tutela jurídica.
Última referência…
O facto de o agente ter atuado com dolo ou negligência leve OU o facto de não ter sido possível
identificar quem efetivamente atuou e ter-se recorrido ao funcionamento anormal de serviços tem
relevância para saber se se exerce ou não o DIREITO DE REGRESSO.
Quando a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos assenta em dolo ou negligencia
grosseira por parte do titular do órgão ou do agente, este é solidariamente responsável com o
Estado ou com a pessoa coletiva pública ou privada à qual o facto é imputado e em nome da qual
atua perante o lesado.
Isto da responsabilidade solidária significa que o lesado pode intentar a ação de responsabilidade
contra a pessoa coletiva OU contra o funcionário OU contra ambos, exigindo a qualquer um deles
ou a ambos o pagamento da indemnização sendo que, de qualquer forma, estes responderão
sempre solidariamente perante o lesado.
Se quem pagar a indemnização ao lesado for o Estado ou a pessoa coletiva responsável, porque o
agente ou trabalhador atuou com dolo ou negligência grosseira, deverá o Estado ou a pessoa
coletiva em causa exercer um direito de regresso contra esse titular do órgão ou agente (pedindo-
lhe a devolução do montante que pagou ao lesado) – artigos 6.º e 8.º da Lei n.º 67/2007
NOTA: isto já não acontece nos casos em que o titular do órgão ou agente atuou com negligência
leve. Nestes casos, o Estado ou a pessoa coletiva em causa é exclusivamente responsável – artigo
7.º da Lei n.º 67/2007, pelo que o pedido de indemnização não pode ser solicitado ao trabalhador.
Ora, a responsabilidade por factos lícitos a que se refere o artigo 16.º da Lei n.º 67/2007 é
meramente residual, porque este artigo tem uma exigência adicional muito especifica
relativamente ao dano (um dos pressupostos), porque EXIGE QUE O DANO SEJA
ANORMAL, remetendo para o artigo 2.º da Lei n.º 67/2007. Ao exigir que este dano seja
anormal, o legislador acaba por limitar significativamente o âmbito de aplicação deste artigo 16.º
da Lei n.º 67/2007 – há previsto noutros diplomas outras modalidades de responsabilidade civil
extracontratual por factos lícitos, na medida em que estas, ao contrário do que acontece no artigo
16.º, não exigem que o dano seja anormal.
(ex.: a indemnização por expropriação assenta no princípio da responsabilidade civil
extracontratual, sendo que o seu regime é o do Código de Expropriações [que não exige que o
dano seja anormal])
Ou seja, o legislador deu diversas configurações à responsabilidade civil extracontratual por
factos lícitos, sendo que uma delas é a do artigo 16.º da Lei n.º 67/2007, sendo esta mais restritiva,
por exigir que o dano ocorrido seja um dano anormal (só havendo nesse caso um dever de
indemnizar o lesado).
A responsabilidade civil extracontratual pelo RISCO está prevista no artigo 11.º da Lei
n.º 67/2007
Há responsabilidade pelo risco quando de uma atividade especialmente perigosa resulta um dano,
existindo entre o dano ocorrido e essa atividade especialmente perigosa um nexo de causalidade.
Ou seja, como PRESSUPOSTOS aqui temos: um facto voluntário especialmente perigoso (ex.:
manobras militares; deposito de armas, substâncias inflamáveis e explosivas; centrais de
produção e redes de distribuição de energia elétrica ou gás; circulação de veículos prioritários
em estado de emergência [ambulâncias, veículos de polícia]; operações policiais que envolvam
armas de fogo; transfusões de sangue); do qual resulta um dano; e entre o dano e essa atividade
exista um nexo de causalidade aferido à luz da teoria da causalidade adequada.
NOTA: esta perigosidade especial não é aferível em abstrato, mas tendo em conta o concreto
funcionamento do serviço, da coisa ou da atividade em causa.
Esta é uma responsabilidade objetiva, porque prescinde da culpa e até, de certa forma, da ilicitude.
____//____
___//___