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A526
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-7785-531-5
1. Ciências sociais. I. Moura, Fadul. II. Serafim, Yasmin. III. Oliveira, Rita Barbosa de.
Apresentação........................................................................................ 7
Fadul Moura
Yasmin Serafim
Rita Barbosa de Oliveira
Allison Leão
Sensorialmente,
o livro começa a desvendar
sua música-poema,
ao ser manuseado.
Depois,
ao abrir da capa,
a leitura se faz mais rica,
para além,
somente,
do discurso lido.
Poesia plena
(1977, s/n.p.)
Nesta edição corrijo uma injustiça por mim cometida nas edi-
ções anteriores deste livro e de todos os livros de minha autoria.
(2011, p. 5)
SONETO DO PORTA-NÍQUEIS
SONETO DO GUARDA-CHUVA
Introdução
1. A sistematicidade da metáfora
Para a análise dos poemas de Astrid Cabral, neste estudo, assu-
mo o conceito de metáfora formulado por Lakoff e Johnson (2002,
p. 47-48), como segue: “a essência da metáfora é compreender e
experenciar uma coisa em termos de outra”, ou seja, usamos expres-
sões referentes a um determinado domínio da realidade para falar,
metaforicamente, de conceitos correspondentes a outro domínio da
Esse arrazoado me leva a crer que não é sem razão que a poe-
ta Astrid Cabral tenha produzido insistentemente poemas cujo eu-
-lírico seja um poeta, que, a partir dessa condição, discursa metafo-
ricamente sobre si mesmo e sobre o seu ofício, em atitude narcísica.
Como se vê, é a poesia que toma o poeta pela mão e o leva pela
estrada de sombras, por regiões reclusas, não sem antes ensiná-lo
como se preparar para a viagem: o ritual básico de preparo consiste
em um desnudamento do poeta, inclusive da máscara diária que
costumamos utilizar em nossas relações. É necessário que ela seja
jogada fora, pois no reino recôndito da poesia ela não tem a menor
serventia. Aliás, ela só atrapalha a viagem. As únicas matérias essen-
ciais ali são a caneta e o papel. Em uma palavra, a linguagem. Mas
a poesia é suave, ela não ordena, não grita, não faz alardes. Ela con-
vida o poeta, ela o seduz, sussurrando o convite ao seu ouvido. As
muitas viagens pelas ínvias e labirínticas estradas que conduzem ao
recôndito reino da poesia resultam nos poemas que ficam gravados
no papel, as experiências que são fantasiadas.
Tudo isso só é possível por causa das palavras, a “necessidade
prima” do poeta. São elas que iluminam os passos do poeta nas es-
tradas sombrias:
[...]
Só a palavra
levanta pontes
de homem a homem.
Só a palavra
clareia a estrada
por onde vamos.
(CABRAL, 2011a, p. 36)
Palavra na berlinda
Palpita discreto
na soturna entranha
de sonho ou vigília
o feto em enigma.
As palavras se contaminam
de cada um de nós.
Bebem nosso único sangue.
Engravidam das vivências
de específicos destinos.
Quando alçadas em abstrações
prévias estagiaram no cerne
de nossa própria carne.
Por isso descaminhos se traçam
e se cavam abismos e abismos
entre bocas e ouvidos.”
(CABRAL, 2011a, p. 13)
Ó alados poetas
ínclitos inquilinos
de estratosferas,
perdoai-me os poemas
com gosto de barro
perdoai-me o pé na terra.
Acontece que
o que me apetece
é o pássaro na mão.
Acontece que
o que me estremece
é mesmo o chão
endereço certo
de qualquer ilusão.
(CABRAL, 2011a, p. 23)
Àquelas companheiras
que põem a mão na massa
do pão e da palavra.
(CABRAL, 2011b, p. 5)
Nunca me livrei
da inveja de Vishnu
seus múltiplos braços.
Considerações finais
É possível perceber que, nas metáforas metalinguísticas dos
poemas em que Astrid Cabral dá a palavra ao eu-poético poeta, o
que sobressai é a condição humana do poeta, e, mais que isso, sua
condição feminina. Na verdade, é uma poeta que fala nos textos
astridianos. Por meio dessa voz lírica, Astrid nos propicia o conheci-
mento e a reflexão sobre as constatações e angústias da mulher que
é poeta, sendo também “dona de casa” e “escrava de lavras”. Talvez
por isso as metáforas e antíteses que utiliza para falar sobre o seu
ofício de poeta tenham quase sempre o mundo doméstico como
contraponto. Nessas metáforas estão as taças e o vinho, além dos
flagrantes ligados à dor e à urgência do parto; nas antíteses, a torre
de marfim aparece conjugada ao chão em que pisamos, e as via-
gens da palavra não prescindem da necessidade pragmática do pão.
Circulando entre domínios-fontes e domínios-alvos, a poeta Astrid,
assim como a poeta de Astrid, derrama as luzes da metáfora sobre
as contingências de sua condição como poeta e como mulher, e as-
sim nos serve de cicerone pelas incursões que fazemos, expectantes,
por esses dois mundos, o da mulher e o da poeta, um fornecendo
matéria-prima para o outro. O que sobra de tudo é a constatação:
não temos como viver sem o pão, que alimenta o corpo; mas não
Referências
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SILVA, Wellington Brandão da. Inclinações da metapoesia de Manoel de Barros. Brasília:
UNB, 2011 (Dissertação de mestrado).
Fadul Moura
[...] [o] valor estético é por definição engendrado por uma in-
teração entre artistas, um influenciamento que é sempre uma
interpretação. A liberdade de ser artista, ou crítico, surge neces-
sariamente do conflito social. Mas a fonte ou origem da liberda-
de de perceber, embora mal conte para o valor estético, não é
idêntica a ele; [...] (2001, p. 31).
[...]
Ficareis oferecida
à fama, que sempre vela,
frauta de mim tão querida,
porque, mudando-se a vida,
se mudam os gostos dela.
Acha a tenra mocidade
prazeres acomodados,
e logo a maior idade
já sente por pouquidade
aqueles gostos passados.
[...]
(CAMÕES, 1998, p. 113)
[...]
Se vires, leitor, o que há de
agreste no que aqui trouxe
com estas canções que colhi,
I II III
Em menino achei um dia Jorre a módula toada Nos longes da infância paro;
bem no fundo de um surrão com seu churriante humor há uma inscrição sobre o muro:
um frio tubo de argila que sempre com ar de magia Frauta clara, arroio escuro,
e fui feliz desde então; sai o canto do cantor. frauta escura, arroio claro.
rude e doce melodia Canto como u’a menina E esse cavalo capenga?
quando me pus a soprá-lo colhendo amoras no mato E esse espelho espedaçado?
jorrou límpida e tranquila (com medo de estar sozinha) E a cabra? E o velho soldado?
como água por um gargalo. num tom faceto e gaiato. E essa casa solarenga?
E mesmo que toda a gente Se vires, leitor, o que há de Tudo volta do monturo
fique rindo, duvidando agreste no que aqui trouxe da memória em rebuliço.
destas estórias que narro, com estas canções que colhi, Mas tudo volta tão puro!...
não me importo: vou contente sentirás minha saudade E, mais puro que tudo isso,
toscamente improvisando provando o gosto agridoce essa anárquica inscrição
na minha frauta de barro. das amoras que escolhi... feita no muro a carvão.
Notas
1
Este texto nasce da pesquisa de mestrado realizada no âmbito do Programa de
Pós-graduação em Letras e Artes da Universidade do Estado do Amazonas, sob
o título de A coleção dos afetos: cartografias de temporalidades sensíveis em Frauta de
barro, de Luiz Bacellar, vinculada ao projeto de pesquisa Estudo sobre uma poética da
repetição: Frauta de barro, de Luiz Bacellar, coordenado pelo professor Allison Leão
na mesma instituição.
2
Em Cartografia sentimental (2013), Suely Rolnik compreende que “[n]o encontro, os
corpos, em seu poder de afetar e serem afetados, se atraem ou se repelem. Dos movimentos
de atração e repulsa geram-se efeitos: os corpos são tomados por uma mistura de
afetos” (2013, p. 31). Nesse sentido, afetar é correlacionado à identificação, ao reco-
nhecimento – alteridade que se abre, tanto para o compartilhamento de algumas
características quanto para o afastamento de outras.
3
Doravante, as referências feitas ao Poeta de Frauta de barro, enquanto categoria fic-
cional, serão escritas com inicial maiúscula, a fim de distingui-lo de outros autores
que serão citados, assim como do próprio Luiz Bacellar.
4
Segundo Roberto Vecchi, a poesia “institui muito mais uma relação cruzada entre
o mundo e o espírito, [...] porque, nela, é como se se manifestasse a espiritualidade
da carne e a carnalidade do espírito, numa brusca inversão que se afasta, de ime-
diato, da transposição direta de um real sensível. Seria portanto uma excrescência
que se torna voz, corpo, e que não encontra palavras” (2010, p. 329). Esse descon-
forto pela ausência de palavras alude ao traço residual mnemônico anteriormente
comentado.
5
No ano em que recebe o Prêmio de Poesia Ovalo Bilac, duas de suas marcas poé-
ticas estiveram na banca de avaliação do concurso. Trata-se de Manuel Bandeira e
de Carlos Drummond de Andrade. Isso quer dizer, simbolicamente, que Bacellar é
consagrado poeta por dois autores considerados por ele como mestres em poesia.
Notas
1
MANAUS abre seu Salão de Arte, 1976.
2
ARCHIVES of American Art, 2017.
Referências
ARCHIVES of American Art, Smithsonian. Pietro Lazzari. Disponível em: https://
www.aaa.si.edu/collections/pietro-lazzari-papers-9747. Último acesso em 20 de
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da Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da Universidade Federal
do Rio de Janeiro.
______. Jara. Opera in prologo e due atti. Manuscrito do Instituto Carlos Gomes, de
Belém, Pará.
Resplandecem, acompanham
Mais estrelas de candente porporim
Na flama decantadas desse
Guaiaquil mais exaltados.
Em mortal repita a
Portuguesa e Espanhola gente
Viva Espanha e Requeña no Ocidente.
(SILVEIRA apud MONTEIRO, 1977, p. 88)
[...]
A recepção do poema
Dois historiadores amazonenses detiveram-se com maior aten-
ção sobre o poema de Wilkens: Mário Ypiranga Monteiro e Márcio
Souza, os quais apresentam opiniões válidas e até certo ponto dis-
cordantes. Julgamos de relevância referi-las aqui, para que melhor
sejam situados os problemas que envolvem esse texto fundador de
nossa literatura.
Mário Ypiranga Monteiro tem um certo respeito diante do tex-
to, ao qual considerada como a primeira obra da literatura no Ama-
zonas, ignorando, com razão, os textos de Francisco Vitro. A análise
feita por Monteiro outorga ao poema sobre os muras importância
mais histórica que propriamente literária:
Conclusão
Fraca literariamente, conforme já expusemos, débil expressão
retardatária do gênero épico, num contexto em que as epopeias não
mais se realizariam e cediam lugar a outras formas narrativas, a
Muraida comprova uma característica fundamental da literatura re-
alizada no Amazonas: os períodos literários não se sucedem como
no restante do Brasil e surgem sempre com atraso. Façamos, a esse
respeito, uma comparação com a literatura brasileira.
No Rio de Janeiro e São Paulo (núcleos econômicos principais),
a literatura também começou com uma obra calcada no Classicis-
mo: a Prosopopeia, de Bento Teixeira. Publicada em 1601, quase trin-
ta anos depois de Os Lusíadas, como mais uma obra epígona desse
poema, ela é erroneamente classificada no período barroco. A lite-
ratura no Amazonas e a brasileira começam, portanto, com obras
vinculadas ao modelo clássico.
Essa é, porém, a única semelhança. As diferenças, a partir daí,
acumulam-se. Se 1601 ainda é uma data admissível para o surgimen-
to de uma obra clássica na Colônia, apesar de o Barroco se ter ini-
ciado em Portugal em 1580, parece-nos estranho que o Classicismo
se manifeste no Amazonas nas últimas décadas do século XVIII.
Mas tal foi o que aconteceu e nisso há uma correspondência com o
próprio fenômeno da colonização.
No Brasil, no final do século XVIII, já há movimentos pró-au-
tonomia, como o da Conjuração Mineira. A própria independência
Referências
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apresentação de autores e textos. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro:
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do texto ao contexto. Manaus: SEDUC [2002]
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WILKENS, Henrique João. Muhuraida ou o Triunfo da fé: 1785. Manaus: Biblioteca
Nacional, Universidade Federal do Amazonas, Governo do Estado do Amazonas,
1993.
A gesta
“
M eu avô, pai de meu pai, tinha um amigo. Vem daí o papel que
me cabe nesta história transmudada até os ouvidos de minha
mãe que a confiou a mim por adivinhar nos meus olhos sinais segu-
ros de curiosidade por histórias de mistérios e encantamentos” (ME-
DEIROS, 1994, p. 11). Assim são apresentadas narrativa e narrado-
ra de Quarto de hora, texto híbrido entre conto e novela, da escritora
paraense Maria Lúcia Fernandes Medeiros.1
A narradora, assim como a mãe, não é nomeada, e os homens
são citados apenas como origem da narrativa. A história que chega
até a mãe lhe é revelada, e o leitor vai tomando conhecimento ao
mesmo tempo em que acompanha a narradora em uma jornada que
constitui sua própria saga.
O que é proferido por elas mantém-se em tensão e supressão
durante o texto, conservando a força dramática e o mistério, numa
espécie de narrativa sagrada. Mircea Eliade, em seu livro O sagrado
e o profano (2001), apresenta como a realidade da experiência reli-
giosa é um fato para determinadas sociedades arcaicas; e é por essa
trilha que conduzirei a minha leitura das histórias da mãe e da fi-
lha, considerando os espaço e tempo indeterminados da obra como
sagrados, e a comunidade agrária que se depreende na narrativa,
como “arcaica”, conforme denomina Eliade.
Trago a ideia de gesta não só por subverter as canções de gesta
tradicionais, pois aqui quem canta são as mulheres, e a matéria can-
tada não é heroica, mas também pelo seu significado próximo ao
gestar: gerar, engendrar, o que vai rechear-se de sentido conforme o
texto desenvolver-se.
Diz Eliade que “o sagrado é real por excelência [...], revela a
sacralidade absoluta [...], [porque] descreve as irrupções do sagra-
O Verbo
... e sua contextura nesse espaço demarcado.
No dicionário de símbolos de Chevalier e Gheerbrant, o verbete
sobre feiticeiro (feiticeira) inicia citando Jung, afirmando que o psi-
cólogo acreditava que elas são
Gênese
de um mundo sagrado, a partir do verbo gerador.
Assim como a jovem narradora não tem a imagem completa da
cidade, os leitores também vamos completando a história como um
mosaico, cujas peças estão espalhadas ao longo da narrativa:
... e vieram os ceifeiros que foi o nome pelo qual minha mãe os nomeou,
fazendo o sinal da cruz diante de mim. E minha mãe gesticulava e gati-
monhava para melhor reiterar a expressão deles de ódio, contrapartida
à exclusão que sofreram de suas mulheres soltas em banho de rio, soltas
em banho de solidão compartilhada.
E não falaram elas, e não disseram palavras porque, surpreendidas,
encenaram cenas de mentiras, gestos de crianças quando pilhadas em
malfeitos. E o ódio deles aflorava pelas barbas negras, pelos pomos-de-
-adão a subir e descer, eles engolindo em seco, a quase furar a garganta,
pelos fios dos bigodes a acompanhar a boca em torcedura.
E contou minha mãe que foi só um momento, o pesado momento em que
Notas
1
Maria Lúcia nasceu na cidade de Bragança em 1942 e morou em Belém, a partir
de 1953, graduando-se em Letras pela UFPA, para onde voltou como professora,
anos depois. Morreu em 2005, em consequência de grave doença degenerativa que
lhe paralisou os movimentos. Em 1988, publicou sua primeira coletânea de contos,
Zeus ou A menina e os óculos; em 1990, uma nova coletânea, Velas por quem, quatro
anos depois, Quarto de hora; no ano de 2000, foi a vez de Horizonte silencioso. Seu
último livro de contos, Céu caótico, foi publicado postumamente, em 2005. <http://
profdariobenedito.blogspot.com.br/2012/09/saudades-de-maria-lucia-medeiros.
html>.
2
“De tudo somente sei que se passou há muito tempo, numa cidade toda branca à
beira de um rio não tão largo mas de verdade tão profundo e de águas muito es-
curas. [...] Os senhores zelavam por suas senhoras e as senhoras retribuíam o zelo
e proteção, encerrando-se no interior das casas a educar os filhos, ensinando-lhes,
além de hábitos saudáveis, línguas mortas. [...] As mulheres casadas viviam decerto
como monjas e se alguém desejava, desejava sem ímpetos, desejava que as chuvas
não tardassem tanto para que a colheita fosse feita em tempo exato e nada se ante-
cipasse ou sofresse adiamento. Desejavam que todos os dias fossem calmos, que as
noites fossem frescas, que as vidas fossem ordenadas” (MEDEIROS, 1994, p. 13). A
mãe apresenta a cidade, revelando a atmosfera opressiva, já pelo inicial entre o rio
de águas escuras e a cor branca, pelo controle dos senhores sobre suas senhoras
(inclusive no que tange ao desejo delas). A cidade, a opressão e o controle serão
mencionados ao longo do texto, revestindo esta passagem de maior significado.
3
Essa jornada iniciática apresenta outros símbolos, constitui-se em outra narrativa.
Para conhecimento, digo apenas que vimos a jovem descer aos infernos, voltar,
montar em um cavalo de fogo – e queimar-se gravemente em consequência disso –,
montar em um cavalo alado, que a leva à presença de uma velha, em uma cabana
com imagens de santos católicos (muito bem marcados), encontrar três imagens
masculinas equivalentes às moiras; ver um menino criando vida a partir da água...
Pela complexidade de que este outro aspecto se reveste, a jornada não será estuda-
da neste texto.
Paulo Nunes
Vânia Torres Costa
1. Considerações iniciais
Brigar, seja por que motivo, fome, glória, cobiça, amor ou ódio,
mas arriscar, era a exigência que dona Inácia fazia aos homens.
Em vão seu Virgílio pedia cautela, tivesse cuidado com a língua.
Que tinha Inácia de estar falando em política? Já não tivera uma
lição? Já não era mais moça para aquele frenesi. Não bastava o
lemismo?
[...] Em vão indagava o seu Virgílio: “de onde sabia ela, quem
vinha lhe trazer informações e boatos?”
– Ora, Inácia, cala o bico.
– Calar o bico. Ah se neste vale de lágrimas, o desgraçado do ho-
Ofício de dramaturgia
Reinvenção do encantamento
Vera do Val inicia sua carreira de escritora com a publicação
de dois livros O imaginário da floresta – lendas e histórias da Amazônia
e Histórias do rio Negro, em 2007, tendo esse último merecido dois
Notas
1
Disponível em: ciadeteatrovitoriaregia.com/espetaculos/qorpo-santo/. Acesso:
04 fev 2017.
2
Disponível em: araqiri.blogspot.com.br. Acesso: 04 fev 2017.
3
Disponível em: araqiri.blogspot.com.br. Postado em 21/01/2011. Acesso: 04 fev
2017.
4
SANTIAGO. In: PINTO. Disponível em: palavradofingidor.blogspot.com.br.
Acesso: 02 fev 2017.
5
MOTTA. Disponível em: http://www.acritica.com/channels/entretenimento/
news/recriando-mitos-tikuna-e-retratro-de-qorpo-santo-sao-opcoes-para-final-de-
semana. Acesso: 03 fev 2017.
6
Trata-se de um texto de 2017, que ainda está no prelo para publicação.
7
SAHDO. In: BORGES. Disponível em: http://palavradofingidor.blogspot.com.
br/2011/09/as-tres-faces-de-medeia.html. Acesso: 02 fev 2017.
8
Disponível em: http://palavradofingidor.blogspot.com.br/2011/09/as-tres-faces-
de-medeia.html. Acesso: 02 fev 2017.
9
Disponível em: https://ciadeteatrovitoriaregia.com/espetaculos/papai-cumpriu-
sua-missao/. Acesso: 12 fev 2017.
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Yasmin Serafim
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