Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Trabalho apresentado no VIII Encontro Regional Sudeste de Historia Oral - ABHO - Belo
Horizonte / UFMG - 5 a 7 de outubro de 2009.
Resumo
Realiza breve análise das cantigas de capoeira enquanto literatura oral, entendendo
capoeira como performance afro-brasileira. Utiliza como exemplos algumas cantigas de
capoeira tecendo comentários sobre suas características, enfatizando, também, a história
oral revelada a partir destas cantigas e sua importância como dado ou metodologia de
pesquisa nas ciências sociais.
1 APRESENTAÇÃO
Ao pensarmos nos relatos orais como dados ou método de pesquisa em qualquer campo de
estudos, creio ser pertinente considerarmos os seguintes aspectos levantados pelo
antropólogo norte-americano Clifford Geertz (1989) quando teoriza sobre o método
etnográfico – característico da Antropologia:
O autor pondera, porém, que ‘a força de nossas interpretações não pode repousar, [...], na
rigidez com que elas se mantêm ou na segurança com que são argumentadas. (GEERTZ,
1989, p. 28). Assim, é importante relativizarmos nossas interpretações dos dados orais
coletados em campo (sem, no entanto, cairmos no niilismo), priorizando, também, os
significados das ações dos sujeitos na vida social. Segundo Lang (1998) apud Nakamoto e
Amaral (2009, p. 227), a história oral vem sendo utilizada por diversas ciências, entre elas a
sociologia que, voltada à práxis, busca conhecer a realidade, reconstruindo-a de forma
simplificada e criando, assim, um modelo orientador da ação sobre a mesma, visando o
remanejamento social. Em outras palavras, a sociologia une dois interesses, compreender e
intervir, sendo que a história oral enquanto metodologia de pesquisa pode ser útil a ambos.
Tal como a análise etnográfica, a reconstrução histórica, levando em conta o uso de
diversas fontes documentais, entre elas, os relatos orais, é de grande importância para a
compreensão de uma realidade cultural específica. Isso, pois, a memória possui uma
ligação estreita com o sentimento de identidade, tanto individual, correspondente à imagem
particular que o sujeito possui para si e para outros, como também coletiva, referente aos
elementos que caracterizam a continuidade do sujeito com seu grupo. Além disso,
dependendo de como é conduzida a pesquisa e de seus objetivos, o trabalho com a
memória não apenas permite a compreensão da dinâmica social específica de uma
comunidade por parte do pesquisador, como também a apropriação da própria história pela
coletividade em foco. Apropriação essa que atua reforçando os vínculos identitários entre os
sujeitos, permitindo-lhes reconhecer o individual no coletivo, dando-lhes maior coesão social
e possibilitando, a partir disso, uma afirmação cultural e política mais eficaz.
Não é possível estabelecer um marco divisório entre cantigas de capoeira antigas e atuais,
embora alguns capoeiristas tentem fazê-lo. Ao examinar esta distinção, verifica-se que não
procede, uma vez que muitas das cantigas consideradas atuais são quadras antiqüíssimas,
que remontam aos primórdios da colonização, as quais relatam passagens da Donzela
Teodora, Decamerão, cenas da vida patriarcal brasileira e motivos outros. Também as
cantigas que eles classificam de antigas, em sua maior parte, não o são. Em realidade são
quadras de desafios cujos autores viveram até bem pouco; cantigas de roda infantil e
samba de roda. Portanto é por demais perigoso se tentar distinguir cantiga de capoeira
antiga da atual e, de um modo geral, cantiga e capoeira propriamente dita e cantiga de
proveniência outra, cantada no jogo da capoeira. (REGO, 1968, p. 89).
E ainda:
A não existência de qualquer vínculo rítmico-instrumental ou construções poéticas
específicas para a luta capoeira no decurso do século XIX, fortalece cada vez mais a
posição de que, após a transformação e consolidação da prática referida em expressão de
cariz lúdico, a partir do século XX, propiciou-se a revivalização de emanações de
musicalidade rítmico-instrumental e vocal, já agora específicas para a manifestação cultural
citada. (ARAÚJO, 2002, p. 114).
Outra característica das performances da oralidade foi identificada por Leda Martins (2002)
ao analisar as congadas: “na performance dos ritos o corpo e voz são portais de inscrição
de um conhecimento que se grafa no gesto, no movimento, na coreografia, na superfície da
pele, assim como nos ritmos e timbres da vocalidade”. De acordo com a autora, “nas
performances da oralidade (características das culturas de ascendência banto – da qual a
capoeira é herdeira – ou nagô-iorubá), o gesto não é apenas uma representação mimética
de um aparato simbólico, veiculado pela performance, mas institui e instaura a própria
performance”. Neste sentido o corpo passa a ser mídia de si mesmo. Jogar capoeira é
performar, inscrever. É, pois, um ato de inscrição, uma grafia. O corpo passa a ser, por
excelência, o local da memória, o corpo em performance, o corpo que é performance. Como
tal, este corpo não apenas repete um hábito, mas também institui, interpreta e revisa o ato
reencenado. O fazer não elide o ato de reflexão, a memória grafa-se no corpo, que registra,
transmite e modifica dinamicamente.
Por serem muitas as cantigas de capoeira, serão abordadas agora, sete cantigas de
capoeira onde ocorre a presença de algumas das características citadas anteriormente.
Inicialmente uma ladainha, depois uma chula e finalmente cinco corridos: quatro corridos
para serem utilizados durante o jogo de capoeira e o último específico para o final da roda
de capoeira. Essa é a ordem de entrada das cantigas na roda de capoeira mais utilizada
como fundamento, principalmente nas rodas de capoeira de grupos que se definem como
praticantes de capoeira angola.
2 ALGUMAS CANTIGAS
Ladainha
Na cidade de Açu
Da grossura de um chinelo
Convido Riachão
Pra cantá o martelo
Riachão arrespondeu
Você ta parecendo
Chula
Iê, água de bebê
Aruandê
Quis me matá
Na falsidade
Faca de ponta
Sabe furá
Ele é cabecêro
É mandinguêro
No campo de batalha
Que me insinô
A capoêra
Iê, a capoêra camarado (coro)
Da vorta do mundo
Corrido
Sto dormindo
Sto sonhando
So eu, so eu
So eu Brevenuto
Montado a cavalo
Fumando charuto
Lembaê Lembá
N’golo n’gunzu
Força e poder
Adeus adeus
Eu vou-me embora
Nossa Senhora
3 CONCLUSÃO
Portanto, conhecer estas dinâmicas das cantigas de capoeira, saber ler suas “entre linhas”
é de extrema importância para a preservação de sua memória ancestral e construção da
identidade desta manifestação cultural, que ocorre no momento de sua execução na roda
do jogo de “vadiação”. Para o pesquisador de ciências humanas, os dados orais coletados
em campo (ou compartilhados no cotidiano dos sujeitos pesquisados – como no caso das
cantigas de capoeira), são fontes preciosas que auxiliam a compreender o significado
histórico-cultural das ações dos sujeitos no contexto em questão, devendo, portanto, ser
cuidadosamente abordados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, Paulo Coelho de. O revivalismo africano e suas implicações para a prática da
capoeira. Revista Mackenzie de educação física e esporte, Universidade de Coimbra, ano I,
n. I, 2002.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan,
1989.
REGO, Waldeloir. Capoeira Angola: Ensaio Sócio-Etnográfico. Salvador: Ed. Itapuã, 1968.
Fonte: aguadebebercamara