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Performances do tempo

espiralar. Poéticas do corpo-tela –


Leda Maria Martins

Composição II
Composição VII
Leda Maria Martins
• Poeta, ensaísta, acadêmica e
dramaturga brasileira
•Carioca, morando atualmente em
Belo Horizonte.
•Rainha de Nossa Senhora das Mercês
da Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário no Jatobá, em Belo Horizonte.
•Doutora em Letras/Literatura
Comparada pela Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG), mestre em
Artes pela Indiana University e
formada em Letras pela UFMG.
•Tese intitulada: A cena em sombras:
expressões do teatro negro no Brasil e
nos EUA (1991).
Publicado em 2021

A autora explora as
inter-relações
entre corpo, tempo, performanc
e, memória e produção de
saberes, principalmente os que
se instituem por via das
corporeidades.
No corpo, o tempo bailarina…

CORPO VIVO
como noção
cósmica,
ontológica,
teórica,
compreensão do
tempo

TEMPO - Local de
inscrição de um
conhecimento
que se grafa no
gesto/movimento
/coreografia

Não apenas a experiência no tempo, mas a


experiência com o tempo, do tempo
COMPOSIÇÃO II – Os tempos curvos da memóriaa

• “Por meio de seus múltiplos e rizomáticos


palimpsestos, África engravida as
Américas”.(MARTINS, 2021, p. 43).

• A cultura e as epistemes negras foram


reinventadas, recicladas, nas encruzilhadas
históricas, de suas travessias para a América.
• Deslocamento
Princípios e táticas básicas operadores
• Metamorfose da formação cultural
• Encobrimento

• Processos de readequação
• Congados, Reinados
• Tambores feitos de couro de boi nas
charqueadas em Pelotas-RS
Documentário Grande Tambor(2010)
• Coletivo Catarse

• Sobre a diáspora no RS

• Narra a história do tambor


do sopapo

• Presença negra na cultura


gaúcha e a relação dos
trabalhos nas charqueadas
com os orixás
• https://www.youtube.com
/watch?v=xIL6Hfq4ZTw&t=
5491s
• A performance, os ritos, cerimônias e festejos
são férteis ambientes de memória

• Recriam e transmitem repertórios corporais e


orais, gestos, hábitos e técnicas de criação e
recriação de memórias, identidades e
histórias.
Corpo - Corporiedade
• O corpo é o guardador de conhecimento,
memória e saberes.

• “(...) o corpo é dotado de uma inteligência


integral” (RUFINO, 2019, p. 58).

• Os ritos cumprem uma função pedagógica


Cosmopercepção
• Uma perspectiva de interação entre os seres e
os ambientes, as dimensões física, material e
espiritual, a ideia da existência da vida em
todas as formas.
• Tudo tem vida, pois em tudo corre a energia
ou força vital - Sacralidade
“Há nos objetos memórias de você,
mas parece que tudo que restou deles
me agride ou me conforta, porque são
sobras de afeto. Em silêncio, esses
mesmos objetos me contam sobre
você. É com eles que te invento e te
recupero. (...) Mas como um percurso
que vasculhe os ambientes e dê início a
um quebra-cabeça, um quebra-cabeça
que começa atrás da porta da sala,
onde encontro um alguidar de argila
alaranjada. E, dentro dele, uma pedra,
um ocutá, enrolada em guias de cores
vermelhas, verdes e brancas, um orixá.
Observo-a com cuidado. É assim que se
adentra numa vida que já se foi. Tiro o
ocutá do alguidar. Lembro o dia em que
você me disse que sua cabeça era de
Ogum, e que isso era ter sorte, porque
Ogum era o único orixá que sabia lidar
com os abismos.”
Tradição
• Algo móvel, dinâmico, que remete aos princípios
míticos inaugurais. Constitutivos e condutores da
identidade.

• Transmitem continuidade e ao mesmo tempo


reelaboram-se nas diversas circunstâncias.
• “(...) o tecido cultural brasileiro funda-se por
processos de cruzamentos transnacionais,
multiétnicos e multilinguísticos” (MARTINS, 2021,
p.48).
Encruzilhada
“A cultura negra é uma cultura das
encruzilhadas” (MARTINS, 2021, p.50).

Ésú – entidade da comunicação e


agenciador do processo de semiose

Tese: “A cena em sombras: expressões do


teatro negro no Brasil e nos EUA” (1991)

Para Martins, a encruzilhada é o lugar


sagrado das intermediações entre sistemas
e instâncias de conhecimentos diversos.

Para Rufino a ideia de possibilidades e


diálogos
Muntu e Ubuntu
• Muntu – pessoa constituída pelo corpo,
mente, cultura e em especial pela palavra.

• Ubuntu – a existência é definida pela


existência de outras existências
• Colaboração, codependência e integração
Tempo espiralar
• Kalunga – núcleo de energia vital em
movimento, também é o Mar-Oceano, lugar do
sagrado, espelhando a divindade.
• A ancestralidade funda a cinese (exprime a
ideia de movimento)
• É o princípio filosófico do pensamento
civilizador africano, um canal por onde se
esparge todo o cosmo, a força vital
Cronosofias em espirais
• A ancestralidade é crivada por um tempo
anelado, um tempo espiralar, que retorna,
restabelece e também transforma.
• Noção complexa – Zamani(passado) é
dinâmico e vivo e funda o tempo presente –
Sasa.
• “A vida é um permanente processo de
mudança”(MARTINS, 2021, p. 67).
Ritos
• Sendo assim, os ritos constituem um éthos
(cjto de costumes e hábitos fundamentais),
que restitui e transmite o axé, a energia vital.
• A morte considerada um evento, um ato
necessário na dinâmica da transformação e da
renovação, não é vista como o fim.
• Os ritos funerários ganham uma importância,
pois atuam como forças de restauração do
equilíbrio, momentaneamente rompido.

• O corpo é um agenciador de práticas culturais,


e as performances incorporam e ilustram
valores, são um modo de apreensão e
interpretação do mundo.
• Famihada(“virada dos ossos”) - Comemorada a
cada 5 ou 7 anos, os restos mortais são exumados
pelos parentes, para reunir vivos e
mortos.Dançam-se com os corpos.

• Descoroação da Rainha do Congado

• Velório regado a cantos, orações e muita


performance
• https://jornalspasso.com.br/ritual-de-descoroame
nto-da-rainha-perpetua-de-santa-ifigenia-em-itau
na/
Ética e Estética
• Se complementam
“(...) para muitas civilizações negras, a estética não é
acessória ou um sentido posterior(...) a estética é
uma dimensão tradutória das estéticas ancestrais
de ser, ou seja, os traços de um tecido, um oriki
(peoma sagrado no universo iorubano em África),
um instrumento de cordas do Mali, uma máscara,
um gesto de realização, a geometria da comida
em um recipiente traduzem a proposta de
kalunga”
• Para ser belo há de ser benéfico do e para o
coletivo, precisa ser funcional.
• “se pensarmos na música africana com relação
ao seu intuito, teremos de ver que ela diferiu
da música ocidental no fato de ser música
puramente funcional. (...) canções utilizadas
pelos moços para influenciar as moças (na
corte, no desafio, no désdem), canções
utilizadas pelos trabalhadores para facilitar as
tarefas, canções usadas pelos mais velhos a
fim de preparar os adolescentes para a
virilidade, e assim por diante(...)”.
• Na cultura africana é inconcebível separar
música, canção, dança, artefato e a vida do
homem e sua adoração aos deuses.

• “A arte, assim, é uma dádiva e uma oferenda”


(MARTINS, 2021, p.75).
Composição VII - Escrever o outro

Rosana Paulino
Como esculpir uma escrita que queira
não apenas descrever o outro de
forma comedida, nem só discorrer
sobre o outro, a ele se sobrepondo,
nem tão somente transcrever o outro,
dele se subtraindo?

como falar o outro em letras?


MEU TIO O IAUARETÊ - João Guimarães Rosa
EU E O OUTRO – o invasor ou em poucas três linhas uma maneira de pensar o texto -
Manuel Rui

a escrita do colonizador
como morte da oralidade e
dos sujeitos africanos
A cultura e o folclore são meus
Mas os livros foi você quem escreveu
Quem garante que palmares se entregou
Quem garante que zumbi você matou
Perseguidos sem direitos nem escolas
Como podiam registrar as suas glórias
Nossa memória foi contada por vocês
E é julgada verdadeira como a própria lei
Por isso temos registrados em toda história
Uma mísera parte de nossas vitórias
É por isso que não temos sopa na colher
E sim anjinhos pra dizer que o lado mau é o candomblé

Palmares, 1999 - Natiruts


Espelhamento cúmplice entre as duas
liminaridades na constituição dos sentidos, pois o
mais lá, o outro, é semanticamente recoberto pela
subjetividade do enunciador

o canhão que destrói a harmonia desejada do eu,


apagando-a de suas letras e alojando-o na
periférica invisibilidade do seu desconcerto

Naufrágio do outro
texto-medusa
Será a escrita sempre Górgona?
Ártemis
a travessia
Símbolo da civilidade
“das fronteiras onde o
outro se manifesta no
contato que
regularmente se
mantém com ele
convivendo em
oposição, mas também
em interpenetração”
Dionísio

parecença do outro
absorção da outridade - fecundação da identidade
a invasão do outro
“a necessidade dessa escrita transformadora, não apenas
da outra língua, mas igualmente a língua do outro,
simultaneamente nativa e estrangeira, translíngue”

experiência de escrever o outro - abertura ao risco do


outro, sujeito da linguagem

“Essa escrita desejante promove a erosão das


dicotomias ilusórias, instaurando o jogo de
alternâncias e ressonâncias vocais como
pulsões textuais”
Exercício de possessão mútua
Textos de Guimarães Rosa - o olhar de um perde-se nas
retinas do que também o mira, e por sua vez, é mirado

a linguagem persegue novas vias de realização: a lingua


portuguesa com outros repertórios - tupi, quimbundo,
rosenios…

Formatam o corpo da textualidade jaguar,


sendo sua função não apenas estilística,
mas também fabulativa
“No exercício dessa dicção, o escritor
expande os limites dos códigos linguísticos
ao mesmo tempo que os corrói e os
desterritorializa”

“o onde que a
gente demos
encontro os
milagres do
impossível”
No texto oral já disse: não toco e não o
deixo minar pela escrita, arma que eu
conquistei ao outro. Não posso matar o
meu texto com a arma do outro. Vou é
minar a arma do outro com todos os
elementos possíveis do meu texto. Invento
outro texto. Interfiro, desescrevo para
que conquiste a partir do instrumento de
escrita um texto escrito meu, da minha
identidade. Os personagens do meu texto
têm de se movimentar como no outro texto
inicial. Têm de cantar. Dançar. Em suma
temos de ser nós.‘Nós mesmos’. Assim
reforço a identidade com a literatura.

Manuel Rui: Eu e o outro – o invasor ou em poucas três linhas uma


maneira de pensar o texto

Manto tupinambá do século XVI, feito de penas de


guará, que está no Museu Nacional da Dinamarca e
será doado ao Museu Nacional, no Rio

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