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Palavras-chave:
Cosmologia Africana; Encantamentos; Máquina de rostidade; Ritornelos; Lei
10.639/03.
Abstract
1
Mestranda do Programa de Pós-graduação Ensino e História das Ciências e da Matemática da Universidade
Federal do ABC - UFABC - elzafari@gmail.com
2
Professor Adjunto do Centro de Ciências Naturais e Exatas da Universidade Federal do ABC – UFABC.
Credenciado no Programa de Pós-Graduação em Ensino e História das Ciências e da Matemática da mesma
universidade - allan.xavier@ufabc.edu.br
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This work seeks to hear the sounds of drums that play from unforgettable times and
present the knowledge of African culture and worldvisions. From today we look at a
yesterday, which looks back and questions us about the ways to conceive worlds, to
create life, to make feel gender, of readings created evoking spiritualities, forms of
community life, here, enchantments. Bringing to the curriculum the contributions and
enchantments of Exu, in the lessons passed by those who were imprisoned on the
banks of history to establish here as a verse of enchantment. It proposes the
disintegration, and (re)creation of worlds and possibilities. For this, it uses
cartography as a method in order to contaminate us with life, maculate hygienized
stories and thus contaminate with life. We reflect on law 10.639/03, twenty years
after its promulgation, as a conquest of the organised struggle and resistance of the
people, despite the many facets and impacts of individual, institutional and structural
racism, the organizational mark of capitalist society. We draw lines from the
Antirracist Curriculum of the City of São Paulo, to demonstrate the complexity in the
implementation of an anti-racist education, and how urgent it is, either as a guarantee
of rights and life for racist students, or to broaden the experiences of nonracist
children and their privileges. It quickly catches up on the black movements and their
struggle for rights and in particular, for access to education. It covers the challenges
for implementation in the elementary school of law. From the contributions of
Deleuze and Guattari, he argues how the abstract machine of rostivity, builds and
separates bodies, allowing some to pass and others not. We bring the contributions
of Exu to a plural education, full of Axé, as a life force and invention of worlds.
Keywords:
African Cosmology; Enchantments; Rusting Machine; Refrains; Law 10.639/03.
INTRODUÇÃO
Há um som que toca o corpo, toca saberes, propõe cosmovisões, suscita
alegria em uns, em outros horror. Esses sons que ecoam são, por vezes,
escondidos, disfarçados, domados, embranquecidos, para serem aceitos ou menos
atacados. São sons de tambores milenares, que não iniciam seu canto com a
invasão de terras, sequestro, morte e escravização, enfim, colonização ocorrida em
África e Américas. O presente trabalho seguirá ouvindo o som dos tambores,
atabaques, Djembês, chocalhos e tantos outros, que tocam desde antes da chegada
de negras, negres e negros africana/e/os, sequestrada/e/os em África para serem
submetida/e/os a trabalhos forçados em diversas colônias europeias, e em especial
no Brasil. Povos que vêm construindo saberes, lutando e (re)existindo; criando
cultura, formas de vidas para além das dicotomias ocidentais.
Essa dança conta com sons diversos, que criam cirandas, retornam,
entristecem, alegram, festejam, anunciam batalhas, algumas conquistas... Parte
desses sons vem do Ccurrículo da Ccidade de São Paulo - educação antirracista:
orientações pedagógicas: povos afro-brasileiros, que objetiva contribuir para uma
outra nova forma de educação para as relações étnico-raciais. Um dos fios
condutores, será, portanto, a lei 10.639 promulgada em 2003, fazendo-a falar vinte
anos depois.
Essa lei tem relevância uma vez que altera o texto da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação, Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Ela
determina que “conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão
ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de
Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras” (BRASIL, 2003).
A sansão promulgaçao dessa lei , ter ocorrid a o no primeiro mandato do
presidente Lula, demonstra demostra o alinhamento desse governo com pautas
democráticas e reconhecimento de direito de minorias historicamente excluídas dos
espaços de poder. Entretanto, é ainda mais relevante lembrar que esses “passos
vêm de longe” e são fruto da luta do Movimento Negro Unificado (MNU). Segundo
Amilcar Araújo Pereira, o MNU tem formação
Tais grupos organizados e de formas diversas, criaram diferentes estratégias de atuação, que
iam desde campanhas de alfabetização de afrodescendentes, formação cultural, política até
organização de protestos. Um dos exemplos foi
em meio ao processo de abertura política durante a ditadura militar, podemos encontrar a “Carta de
um novo regime baseado na conquista da terra, no uso comunal dela e dos seus produtos obtidos m
O movimento negro funda ainda em 1930, a Frente Negra Brasileira – FNB, que, entre suas
ações, propôs mudanças em legislações que prejudicavam pessoas negras.
Nilma Lino Gomes (2017) e outros pensadores negros, vão registrar o longo caminho de luta e resi
fosse
seja nos esforços para a consolidação de leis e políticas públicas de garantia aos dir
O currículo abrange conceitos referente racismo estrutural que pauta a construção do povo brasilei
Quanto às orientações pedagógicas, que compõe o Currículo, referem uma educação antirracista, re
Sua elaboração ocorreu a partir de uma orquestração entre professores da
rede municipal e pesquisadores, coordenados pelo Núcleo de Educação para as
Relações Étnico-Raciais – NEER da rede. Esse currículo está em implementação.
Algumas atividades já estão implementadas na rede, como “leituraços”, dia em que
toda a escola se volta para a leitura de livros em torno de tema predeterminado s.
Esses momentos de leitura e atividades coletivas, tem versado sobre as questões
migrantes, indígenas e afrodiaspóricas ou novembro negro. Entretanto, essa ação,
embora seja um começo, não é o suficiente. A rede municipal tem ofertado cursos e
palestras com o objetivo de cumprir o estabelecido também no plano nacional, no
sentido de oferecer formação continuada para professores. Foi num desses
momentos, em que a rede fomentou um curso com tema: “Museu Afro Brasil:
Construindo Contrapontos Antirracistas”. Vivenciar esse curso, foi uma experiência
diferenciada, à medida que possibilitou possibilitando à
a professores das diversas regiões da cidade encontrar
em
-se, presencialmente, no Museu Afro Brasil, onde puderam fazer uma
Acompanhado s
por um especialista-educador,
foram motivados
. Trazendo a importância de novos olhares, práticas e enfrentamentos no campo escolar. É nesse lugar que
influenciou pensadores
a partir brasileiros,
de nomes como a exemplo
Joseph Arthur deGobineau,
Comte de Sílvio Romero e Euclides
e como este influenciouda
pensadores br
. Dentre as teorias que ganharam espaço e ainda estão presentes na
sociedade, estão teorias relacionadas a Antropologia Criminal de Cesare Lombroso,
que atribui características violentas e degenerescências a determinados biotipos.
Não por acaso, esses foram colados ao corpo da pessoa negra, que é entendida,
até os dias atuais, como violento, indolente, menos capaz intelectualmente, e vários
outros atributos negativos (BENTO, 2002). No campo escolar, social, econômico,
tais teorias criaram marcas profundas que reatualizam.
máquina abstrata de rostidade que “não se efetua apenas nos rostos que
produz, mas em diversos graus, nas partes do corpo, nas roupas, nos objetos que
ela notifica segundo uma ordem das razões” (DELEUZE, GUATTARI, 2012, p. 47).
Institui-se corpos que valem a pena e outros que são colocados à margem,
que são classificados como menos humanos, menos cultos, assim como sua cultura,
seus hábitos, sua música etc. É também quando os autores afirmam
Fazendo um voo raso e rápido, chegamos ao texto da Lei 10.639/03. Como apresentado, sua
promulgação não se deve à boa vontade de um presidente, mas a décadas de luta e organização, de
trabalho incessante que vêÉ nesse cenário que no ano de 2022 a cidade de São Paulo lançou o
Cu.Oliveira (2020), em um giro pela história, apresenta a escravização como sendo primeiramente
justificada e incentivada pela igreja, num sentido de salvar, por meio do batismo, seres sem alma e
permitir-lhes adentrar aos modelos da sociedade (OLIVEIRA, 2020, p. 61). A autora segue, abordando
como, a partir das ideologias racistas que “justificavam e naturalizam o regime escravista”, servirão
como base para teorias pseudocientíficas, que balizarão o racismo científicoSegundo Carneiro (2005,
p.43) “o dispositivo de racialidade ao demarcar o estatuto humano como sinônimo de brancura irá
por consequência redefinir todas as demais dimensões humanas e hierarquizá-las de acordo com a
sua proximidade ou distanciamento desse padrão”. É assim que na escola, crianças negras são
classificadas como menos capazes, recebem menos atenção, ao mesmo tempo em que estão mais
coladas a aspectos negativos, seja de preguiça, baixo desempenho de aprendizagem, violência,
roubos etc. Essa ação é realizada pela Assim o corpo negro marcado pelo dispositivo de
racialidade, que serve a um poder que classifica, excluí, determina possibilidades e interdita outras,
uma vez que “dado um rosto concreto, a máquina julga se ele passa ou não passa, se vai ou não vai,
segundo as unidades de rosto elementares [...] a máquina rejeita rostos não-conformes ou com ares
suspeitos” (DELEUZE, GUATTARI, 2012, p. 49).A partir dessa ferramenta, olhar para as histórias como
constam em livros didáticos, por exemplo, é olhar para uma história eurocentrada que atribui valores
distintos para os grupos que não conformam o rosto europeu. Segundo Deleuze e Guattari (2012, p.
50)
Essa visita ocorreu no mês, visitado no mês de junho, sendofoi possível ver o
quadro “Aa redenção de Cam”, quadro pintado em 1895, por Modesto Brocos. Esse
quadro é obra constante em livros de história e sua interpretação, faz referência ao
pecado, que teria originado as pessoas negras e feito com que “naturalmente”
fossem feitas escravizadas. Faz referência também às políticas de incentivo à
migraçãoa migração, ao racismo científico, entre outras possibilidades de análise.
Depois os professores da rede conheceram outras obras, inclusive produções
contemporâneas de artistas africanos. Dialogar a partir desses encontros e muitas
outras ações que ocorrem no território, assinala que muito foi feito e que esse
esforço é necessário para implementação da lei 10.639/03 e do Ccurrículo da
antirracista da Cidade de São Paulo - Educação Antirracista; .mas dDemonstra
também que muito ainda há a se fazer, posto que torna-se nítido como a formação
nessa temática ainda necessita ser aprofundada para grande parte dos educadores,
t. Trazendo a importância de novos olhares, práticas e enfrentamentos no campo
escolar. É nesse lugar que que avaliamos atravessamentos ocorridos no chão da
escola e possibilidades de estranhamento e novos ritmos que possam impulsionar
outras formas de viver a partir da educação. QUANDO EU SUGIRO TROCA DE
LUGAR PARECE Q AS SUGESTÕES ANTERIORES SE PERDEM, NÃO SEI USAR
ISSO
Ouvir o som do passado é perceber que um ritornelo (DELEUZE, GUATTARI, 2011[b], p. 45), “d
.;
Ainda que a biologia não consiga pautar diferenças além das fenotípicas
dentre homo sapiens, são eleitas conjecturas diversas para assinalar a inferiorização
das pessoas racializadas, em especial pessoas negras. Isso faz com que sejam-lhes
imputadas dificuldades de acesso ou mesmo negadas suas existências, anseios e
realizações , uma vez que:
Mas essa não será a única cantiga, o único som a criar história. Como
apresentado, é a partir da luta do povo negro que espaços são conquistados;
normas são desestabilizadas. Retomando a ideia do ritornelo (DELEUZE,
GUATTARI, 2011b, p. 45), há aqueles “que colhem ou juntam as forças, seja no seio
do território, seja para ir para fora (são ritornelos de afrontamento ou de partida, que
engajam às vezes um movimento de desterritorialização absoluta”; marcando o
processo histórico de ressignificar a história dos povos pretos, suas ações,
interações e papéis na sociedade.
em.
, “97,5% dos entrevistados dizem que não são racistas, enquanto apenas
2,5% admitem o racismo” (ATLAS POLÍTICO, 2020). Isso pode indicar que as
pessoas sabem o que é racismo, bem como os danos que sua prática causa , mas
não estão dispostas ou comprometidas com as mudanças necessárias para operar
mudanças efetivas na estrutura social. Tais dados reforçam a necessidade de ser
antirracista
, conceito empregado com bastante frequencia nos ultimos anos. Ser antirracista implica em
colocar-se ativamente em defesa da vida e dos direitos da
população racializada.
3
Para maiores referências, vale a pena acompanhar o PodCast Projeto Querido. Esse podcast conta com oito
episódios e um extra. Também disponibiliza o material de pesquisa, para leitura e aprofundamento. Dedica-se
a uma análise da história da escravização no Brasil e uma análise de diversas consequências presentes na
sociedade brasileira da atualidade. Dsiponível em < https://projetoquerino.com.br/>
se absorver como normalizar no sentido de estabelecer normas e padrões que
orientarão a ação dos indivíduos ”(ALMEIDA, 2023, p. 38. Grifos do autor). O autor
continua argumentando que
A primeira vez que eu fui na África Meu amigo chapa me levou num museu
que tem em Angola Que eles chama de museu da escravidão E naquele
lugar tinha uma pia E 'tava escrito um texto na parede que era mais ou
menos assim Foi nessa pia que os negros foram batizados E através de um
ideia distorcida do Cristianismo Eles foram levados a acreditar que eles não
tinham alma. Eu olhei pro meu parceiro e naquele dia eu entendi qual era
minha missão. A minha missão cada vez que eu pegar uma caneta e o
microfone É devolver a alma de cada um dos meus irmãos e das minhas
irmãs que sentiu que um dia não teve uma.
Emicida5. Música Principia. Em AmarElo.
5
Artistas: Emicida, Henrique Vieira . Álbum: Amarelo. Data de lançamento: 2019
europeus, e fazer tudo isso trabalhar conjuntamente, desnudando os interesses
dessas ficções. Como nos diz Deleuze e Guattari (2012b, p. 149).
Essa outra forma de contar a história dos povos em diáspora, objetiva alargar
as fronteiras, apresentar outros elementos, possibilidades, ritmos e formas que
possam não apenas contribuir para o reconhecimento da população racializada,
como também mostrar a cultura brasileira como tributária desses conhecimentos
milenares, possibilitando que crianças racializadas se vejam com apreço ao mesmo
tempo em que espaços na sociedade são conquistados. Para as crianças não
racializadas, é também necessário que percebam os privilégios que têm e assim,
reposicionem-se e assumam suas responsabilidades na construção de uma
sociedade mais justa, solidária e equânime. Simas e Rufino (2019),
argumentam que a sociedade colonialista, capitalística produz “‘sobras viventes’,
seres descartáveis, que não se enquadram na lógica hipermercantilizada e
normativa do sistema, onde o consumo e a escassez atuam como irmãos siameses;
um depende do outro” ( p. ) . Essas pessoas , a partir das exclusões compulsórias e
consecutivas, criam estratégias de encantamento que é definida pelos autores como
“ato de desobediência, transgressão, invenção e reconexão: afirmação da vida”
. Essa gira de fortalecimento do ori (da cabeça) não é apenas aquela que
pensa racionalmente, mas aquela que intui e se liga à ancestralidade, buscando
formas de criar uma vida pulsante e múltipla que não se deixa prender e
homogeneizar fazendo fuga às maquinarias capitalísticas. Os autores referem
ainda aos encantados como aqueles “ que obteve a experiência de
atravessar o tempo e se transmutar em diferentes expressões da natureza” (Idem,
2019).
kits de perfis padrão de acordo com cada órbita do mercado, para serem
consumidos pelas subjetividades, independentemente de contexto
geográfico, nacional, cultural, etc. Identidades locais fixas desaparecem
para dar lugar a identidades globalizadas flexíveis que mudam ao sabor dos
movimentos do mercado e com igual velocidade. (pagina)
Esse compromisso tem como “primeiro passo [...] afinar e reeducar olhares e
ouvidos para identificar as situações no cotidiano e superar um discurso defensivo
presente em muitas escolas de que ‘ aqui todos são iguais e não há racismo ’”
(SÃO PAULO, 2022, p. 211). O racismo está presente nas instituições, bases
estruturantes da colonialidade ; a limentar o mito da democracia racial, de que o
Brasil não é racista, é inviabilizar a vida de mais da metade da população, seja pelo
impedimento de acesso, seja pela impossibilidade de ascensão socioeconômica, ou
ainda , pela eliminação física efetiva como ocorre com jovens negros nas periferias.
SANKOFAJEANDO
: o pássaro Sankofa tem o corpo voltado para a frente, e ao mesmo tempo, sua
cabeça olha para trás. Simboliza assim, que “nossos passos vêm de longe”. A luta
pela igualdade, pelo reconhecimento das contribuições das pessoas negras na
construção do país, de sua riqueza cultural e atuação organizada, não começou com
a ‘libertação’ inconclusa ocorrida em 1888. Ela é fruto da luta, da organização, da
reinvenção de vida de pessoas negras.
Em se tratando do campo educacional,
Eessa luta tem como ápice a promulgação da lei 10.639/03 , . E entretanto, a
implementação efetiva da lei, capaz de cria ndo r espaços de vida, ainda tem longo
percurso para, enfim, esculhambar com as branquitudes, com espaços de privilégio
e garantir o pertencimento e re-existência, no sentido de fazer com que as tradições
afro diaspóricas possam garantir seu espaço, ou seja, elas não são historicamente
localizadas, antes se reinventam e tomam novas configurações no presente,
marcando possibilidades para o futuro.
Ccurrículo antirracista da da Cidade de São Paulo : Educação Antirracista ,
publicado 19 anos após a emergência lei, demonstra a lentidão das mudanças, e ao
mesmo tempo, que o trabalho organizado de grupos negros persiste para garantir
“nenhum direito a menos”. Isso inclui acesso, permanência e educação de
qualidade; bem como emprego e renda para o povo negro, que ainda conta, em sua
maioria, com os piores postos de trabalho e menores renda.
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6
Composição: Edgar / Kiko Dinucci. Album lançado por Elza Soares, em maio de 2018.
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