Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
www.portalanda.org.br
2834
ISSN: 2238-1112
which reveals itself in the body and moves through/between antecedents in the
constant happening of now.
Introdução
2836
ISSN: 2238-1112
Bethânia em um trecho da sua canção Não mexe comigo: “não começa, não
termina, é nunca, é sempre…”. Este é o movimento que precisamos experienciar
para compreender as dinâmicas identitárias da contemporaneidade. De outro modo,
a forma como as populações negras, indígenas e quilombolas se organizaram para
resistir às opressões e às tentativas de apagamento impostas pelas estruturas
raciais no processo colonizatório – as quais permanecem até os dias atuais –
revelam o que aqui chamamos de identidades contemporâneas na dança: um modo
de conceber e transformar o mundo totalmente desviado daquele que foi/é
legitimado e operacionalizado pela colonialidade.
Nesse sentido, tal marco identitário pode ser percebido no cerne das
cadeias de notas musicais que constituem movimentos artísticos africanos e
afrobrasileiros, como o jazz, o frevo, o maracatu, os afoxés, dentre outros. No caso
do pagode baiano enquanto “um ritmo popular, negro, e periférico” (SANTOS;
CONRADO, 2020, p.131), os autores ressaltam a importância de fomentar a sua
visibilidade nesse contexto, uma vez que foi negada por vários anos.
Mencionamos tais práticas culturais por compreendermos que não são
movimentos isolados ou independentes. Propomos como reflexão que as estruturas
que formam os fazeres citados e outros, são formas de continuidades ancestrais
atravessadas por posicionamentos estéticos, políticos e poéticos produzidos pela
contemporaneidade. Ao pensarmos nas manifestações culturais como o funk, o
pagode, o rap e outros, queremos dizer que tais danças são formas de expressão
política galgadas na ancestralidade, que se congregam nas identidades culturais da
pessoa negra. Esta, provida de “múltiplas identificações, o que envolve a ideia de
interseccionalidade e diversidade, pautados em um processo de tomada de
consciência do sujeito interpenetrado às visões de mundo e de lugar” (CONRADO;
CONCEIÇÃO, 2020, p.104). 2841
ISSN: 2238-1112
Pode-se dizer que a ideia de uma identidade cultural negra em uma cidade
como Salvador-Bahia emerge de um processo contínuo de busca pela
liberdade e direitos em que o corpo negro, como lugar de manifesto, carrega
as histórias e simbologias que dão significado à sua existência. Esta, que
não é autossuficiente, na medida em que o poder das organizações que
constituem o Movimento Negro, compreende a necessidade da relação com
outros corpos [...]. (CONRADO; CONCEIÇÃO, 2020, p.104-105)
De outro modo, Gilroy (2007) afirma que a temática das identidades ressoou
uma rota de lutas, mas também de incertezas no âmbito da pesquisa acadêmica
contemporânea, justamente por se tratar de um campo movediço, em que os
discursos homogeneizantes são constantemente estimulados pelas dinâmicas da
globalização capitalista hegemônica - arraigada às estruturas racistas da
colonização. Mesmo assim, o autor considera que: “A identidade veio para
proporcionar uma espécie de âncora em meio às águas turbulentas” (ibdem, p.133),
seja dos padrões instaurados pela globalização ou pela própria ideia de
desterritorialização do planeta, proporcionada pelo acontecimento da diáspora.
Neste sentido, o autor considera que “a diáspora é uma ideia especialmente
valiosa” (ibdem, p.151), pois problematiza qualquer limite imposto por uma mecânica
cultural enraizada. É aqui que o território cíclico da ancestralidade nos é palpável, 2842
ISSN: 2238-1112
Considerações finais
corpos diversos em constante luta por um novo futuro, sem perder de vista quais são
as lógicas e mecanismos de manutenção das ideologias discriminatórias e
hegemônicas que interferem nas suas dinâmicas de vida. Isso porque, do mesmo
modo em que percebemos uma massa cultural da sociedade dedicada à produção
de estéticas culturais em consonância com um pensamento diaspórico globalizado,
as ideologias e representações que ecoam das dinâmicas do capitalismo global
hegemônico também contribuem para a reconfiguração dessas expressões culturais,
seus apagamentos e suas transformações.
Esse campo de relação entre a ancestralidade e a dança no espaço-
tempo contemporâneo abriu portas para que pudéssemos afirmar hoje, valores
contra-hegemônicos e decoloniais, os quais respeitam a diversidade de corpos e
etnias, seus saberes dançados e ancestrais. Por meio de suas expressões políticas,
como forma de combate às práticas de discriminação das chamadas “diferenças”, tal
perspectiva nos aponta um espaço de diálogo entre as sociedades globalizadas e
uma concepção de ancestralidade que ecoa na continuidade dessas lutas –
mobilizando fronteiras para a transgressão das desigualdades vigentes nas
sociedades atuais.
Referências:
ALBUQUERQUE, Gabriel. Dor, alegria e fé: novos álbuns sobre a diáspora africana.
Jornal do Commercio, 2016. Disponível em:
https://jc.ne10.uol.com.br/canal/cultura/musica/noticia/2016/08/21/dor-alegria-e-fe-
novos-albuns-sobre-a-diaspora-africana-249462.php. Acesso em: 10/07/2021.
CONRADO, Amélia Vitória de Souza; CONCEIÇÃO, Sueli Santos. Dança e Música
de Blocos Afro: fundamentos de uma poética e política negra. IN: Revista Dança,
Salvador, v. 5, n. 1 p. 100-109, jul./dez. 2020.
GILROY, Paul. Identidade, pertencimento e a crítica da similitude pura. IN: Entre
campos: nações, culturas e o fascínio da raça. São Paulo: Annablume, 2007. (123-
164)
HALL, Stuart. Identidade cultural e diáspora. In: PEDROSA, CARNEIRO,
MESQUITA (Orgs). Histórias Afro-Atlânticas. Vol.2, Antologia. São Paulo: MASP,
2018.
MARTINS, Leda Maria. Performances da oralitura: corpo, lugar da memória. (2003)
(p.94-112) IN: BRYAN-WILSON, Julia e ARDUI, Olivia. Histórias da dança: vol.2
Antologia. São Paulo: MASP, 2020.
MBEMBE, Achille. Sair da grande noite: ensaio sobre a África descolonizada.
Tradução de Fábio Ribeiro - Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2019.
OLIVEIRA, Eduardo. Filosofia da Ancestralidade: corpo e mito na Filosofia da
educação Brasileira. Curitiba: Ed. Gráfica popular, 2007. Parte 1. Cap.4: Corpo (99-
126)
RUFINO, Luiz. Pedagogia das Encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula Editorial,
2019.
SANTOS, Everton Bispo dos; CONRADO, Amélia Vitória de Souza. A Escola, o
Pagode e a Rua: Os jovens e suas interseções nesses contextos. In: CONRADO,
Amélia Vitória de Souza; ALCÂNTARA, Celina Nunes de; FERRAZ, Fernando
Marques Camargo; PAIXÃO, Maria de Lurdes Barros da. (Orgs). Dança e Diáspora
Negra: poéticas políticas, modos de saber e epistemes outras. 1ed. Salvador:
2845
ANDA, 2020, v. 6, p. 130-145.