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dinâmicas sociais
no Brasil, entre os
séculos XVIII e XXI
Conceitos, culturas, políticas, identidades
coleção povos
coordenadora
Isnara Pereira Ivo
conselho editorial
Carmen Bernand
Eduardo França Paiva
Grayce Mayre Bonfim Souza
Helder Macedo
Manuel F. Fernández Chaves
Maria Lemke
Rafael M. Pérez García
Roberto Guedes
Introdução
Povos e lugares são categorias que nos permitem perceber
as historicidades das dinâmicas sociais em suas manifestações lú-
dicas. A compreensão da conformação das práticas culturais, em
seus distintos lugares, tais como a casa e a rua, o sertão e o litoral,
o urbano e o rural, o espaço público e o espaço privado, prescinde
de exercícios teóricos que primem pela noção de continuidades
e elos promovidos por encontros culturais que promovem novas
formas de dinâmicas, mesmo que estas fomentem formas de aco-
modação, de rejeição ou de coexistências.
As abordagens sobre e entre os universos culturais america-
nos, africanos, europeus e asiáticos são orientadas por estas propo-
sições. As relações entre o aqui e o acolá, entre o perto e o distan-
te instigam o repensar os exercícios de comparação e de conexão
dos movimentos diacrônicos e sincrônicos que permitem captar
as mudanças e transformações fomentadas pelas permeabilidades
e impermeabilidades dos universos culturais que abrigam Povos e
Lugares em suas temporalidades múltiplas, ora estendidas, ora de-
marcadas, pelas diversidades das conformações históricas.
7 Nascido no Rio Grande do Sul, Tavares era um político com tendências li-
berais, foi preso e remetido à Corte, onde, após a absolvição, instala-se no
Distrito de Bananal de Itaguaí e inicia a prática da sericultura. As iniciativas
e dificuldades enfrentadas para implantação da sericultura, entre os anos
de 1838 e 1839, foram registradas pelo empreender em seu livro “Memória
para a sericultura do Império do Brasil”, publicado em 1860. As dificuldades
financeiras do empreendimento e os recorrentes pedidos de ajuda governa-
mental obteve sucesso. Somente em 1855, Tavares é agraciado com a con-
cessão de auxílio financeiro para a criação de amoreiras mediante contrato
entre o Estabelecimento Seropédico de Itaguaí e o governo da província do
Rio de Janeiro. Ver TAVARES, José Pereira. Memória sobre a sericultura no
Império do Brasil. Rio de Janeiro: J. Villeneuve, 1860. Fontes Diário do Rio
202 Isnara Pereira Ivo & Eduardo França Paiva (orgs.)
basqueteira para jogar capoeira. Usar esse tipo de traje, que era
característico de pessoas externas ao cotidiano dos escravos e à
prática da capoeira, era uma forma de transformá-lo também em
um objeto mestiço, isto porque a vestimenta, que para a popula-
ção em geral era apenas a roupa comum do dia a dia, transforma-
va-se numa espécie de “fantasia” ou uniforme, que os capoeiras
colocavam para escapar da repressão policial.
Os objetos mestiços também aparecem dentre os componen-
tes sonoros da capoeira. O assobio e o canto, que reafirmam o con-
texto da escravidão, ajudados pelas palmas e pelo tambor, davam o
ritmo do jogo. De acordo com Soares (1993, p. 45-46), “o tambor era
um elemento comum da cultura africana construída pelos escravos
no Brasil. Apropriado pelas maltas,11 se tornou mais um dado ca-
racterístico da capoeiragem”. Apenas a título de esclarecimento, é
preciso dizer que o tambor, ou atabaque é, na verdade, de origem
árabe, e foi introduzido na África por mercadores que chegaram
pelo Egito, sendo incorporado às práticas dos povos do continente.
Podemos afirmar, portanto, que este instrumento é representativo
dos trânsitos verificados naquele continente em diferentes épocas.
Além disto, tem-se registros do uso do tambor também em
celebrações indígenas. Fernão Cardim, em 1583, narrou algumas
dessas comemorações em que, à medida que entoavam canções, os
índios utilizavam diferentes instrumentos musicais, como pandei-
13 https://www.oxfordmusiconline.com/search?q=berimbau&searchBtn=-
Search&isQuickSearch=true. Consulta em 08.05. 2020.
14 BAINES, Anthony. Musical instruments through the ages. London, Pen-
guin Books, 1969
15 SACHS, Curt. The history of Musical instruments. New York. 1940. Con-
sultar também: TINHORÃO, José Ramos, Música popular de índios, negros
e mestiços. Petrópolis, Editora Vozes, 1972.
Povos, lugares e dinâmicas sociais no Brasil, entre os séculos XVIII e XXI 207
Considerações finais
O objetivo desta breve análise sobre a trajetória da capoeira
no Brasil, desde a sua emergência entre os trabalhadores do pe-
ríodo colonial até o reconhecimento como Patrimônio Imaterial
da Humanidade, passando pelos períodos em que ela experimen-
tou a repressão e a exaltação, era demonstrar como os trânsitos e
as mestiçagens culturais estão entranhados nas manifestações da
cultura do Brasil e nos diálogos culturais perscrutados entre os
distintos Povos e Lugares, no tempo.
Povos, lugares e dinâmicas sociais no Brasil, entre os séculos XVIII e XXI 215
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