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Iraci Del Nero da Costa e Francisco Vidal Luna | De escravo a senhor | 109
Negra cabinda. Aquarela e desenho de Hércules Florence, 1828.
Acervo Academia de Ciências da Rússia in MONTEIRO, S., KAZ, L. ed. Expedição Langsdorff ao Brasil 1821-1829. Rio de Janeiro: Alumbramento/Livroarte, 1988.
diminuto afluxo de novos indivíduos fez avolumar-se o ras, obedecidos os períodos selecionados, as seguintes
número de viúvas, herdeiras dos escravos dos maridos. participações: 5,16%, 8,23%, 5,63% e 2%. Aos libertos
do sexo masculino, tocaram cifras mais modestas:
3,61%, 6,33%, 1,25% e 1%.
Senhoras e senhores
Como assinalamos acima, as mulheres predominavam
Atenhamo-nos, agora, aos proprietários forros. Para estes, entre os proprietários forros. A nosso ver, esta característica
diferentemente do observado com referência aos senhores representa a grande distinção entre livres e libertos. O pe-
livres, revelou-se majoritário o sexo feminino. De outra so relativo maior do sexo feminino vai ilustrado na Tabela
parte, com respeito aos alforriados; não se patentearam 4, da qual infere-se, concomitantemente, a apoucada mu-
transformações quantitativas capazes de igualar, pela dança na massa de proprietários forros, considerados os
magnitude, aquelas detectadas entre os senhores livres. sexos, frente às grandes variações ocorridas no conjunto de
Relativamente ao total de proprietários, couberam às for- senhores livres, fenômeno ao qual já nos reportamos.
Nossos dados parecem apontar a "preferência" dos livres homens, aparentemente, também "preferiam" escravos do
por escravos do sexo masculino. Tomada a participação sexo masculino. Embora os diferenciais não sejam da
por sexos, firma-se mais fortemente esse comportamento mesma ordem dos respeitantes aos livres, nota-se clara-
dos proprietários, pois figuram para senhores livres do mente a referida "identidade" entre senhores forros e livres
sexo masculino elevados percentuais correspondentes a (Tabela 6). Acima da barreira representada pelo estrato
cativos homens, computada a massa de adultos falecidos. social, aparece um elemento de semelhança, embora
Quanto às proprietárias livres, essa participação tênue, entre senhores de sexos opostos.
revelou-se menor (Tabela 5). Marca-se, portanto, de
modo palmar, a "preferência" dos livres, particularmente
dos senhores do sexo masculino, por escravos homens. Escravos do Serro Frio
Sugestivamente, tomados os proprietários forros, verifica- Antes de passarmos ao estudo das evidências empíricas
se comportamento similar, vale dizer, os alforriados concernentes aos registros fiscais da Comarca do Serro
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Frio 5 cabe lembrar que, embora a área em apreço tenha- 18,3% do total, enquanto, para os não-forros, o peso
se notabilizado pela atividade diamantífera, no momento relativo correspondente alcançava 28,1%.
contemplado neste trabalho (1738), ela estava proibida.
Daí poder-se presumir que os proprietários – e respectiva Por fim, apenas 3,7% dos libertos detinham uma
escravaria – arrolados no documento referido, dedicavam- escravaria superior a sete cativos. Dentre os não-forros, a
se, predominantemente, à exploração aurífera. cifra respectiva alcançava 22,3%. Do exposto, percebe-se
claramente constituírem os forros um grupo relativamente
Colocada essa consideração preliminar, atenhamo-nos à pobre quando comparado ao segmento oposto. Isso se
análise do Quadro I. Nele aparecem dois corpus, um cor- confirma através do confronto da média de cativos por
respondente aos proprietários forros, outro referente aos proprietário dos dois grupos: 2,02 para forros e 5,27
não-forros (livres). Aos forros correspondia a expressiva relativamente aos não-forros.
parcela de 22,2% dos senhores. Note-se que, enquanto
dentre os não-forros os elementos do sexo feminino repre- Os escravos dos forros revelavam características algo
sentavam tão-somente 3,1% dos proprietários anotados, diferentes em face dos pertencentes aos não-forros.
no segmento dos forros esse percentual alcançava a signi- Quanto ao sexo, os homens participavam com menor
ficativa cifra de 63%. peso relativo na escravaria pertencente aos forros – 55%
contra 86,8% concernentes aos não-forros. Com respeito
As libertas possuíam, em conjunto, 55,6% dos escravos à origem, a massa escrava dos forros denotava partici-
pertencentes aos forros, e entre os não-forros as pação relativa dos sudaneses (82,9%), maior que a verifi-
muheres detinham apenas 1,9%. Evidencia-se, ademais, cada no estoque dos não-forros (73,5%). Considerando
certa correspondência entre o sexo do proprietário e o que os sudaneses representavam os elementos preferidos
dos respectivos escravos, tanto no conjunto dos forros como escravos nas Gerais, conclui-se que, sob tal aspec-
como no relativo aos não-forros. Assim, dentre os forros to, a escravaria dos forros apresentava melhor "qualidade"
homens, os escravos do mesmo sexo participavam com do que a massa de cativos dos não-forros.
71%, ao passo que, na escravaria pertencente aos forros
do sexo feminino, o percentual referente aos cativos Quanto à estrutura etária, os escravos pertencentes aos
homens reduzia-se a 42,3%. Fato similar ocorria no forros revelavam-se mais jovens. Assim, o estrato dos
grupo dos não-forros: para o estoque de cativos perten- cativos com idade igual ou superior a quarenta anos
centes aos homens desse segmento, os elementos do representava 10,7% da escravaria dos forros e 14,3% do
sexo masculino representavam a elevada parcela de total de escravos dos não-forros. O inverso ocorria com os
87,3% e, na massa escrava de propriedade das mu- cativos de idade inferior a 20 anos: 22,2% no estoque de
lheres, os indivíduos do sexo masculino participavam escravos dos forros e 13,2% no dos não-forros.
com 49,6%.
menorizadamente os principais resultados propiciados 2. Servimo-nos dos seguintes códices manuscritos: MSS. - Cod. 2 RO - Livro
de assento dos mortos (livres e escravos) e Testamentos da Freguesia de
pelo estudo dos elementos empíricos apreciados: Nossa Senhora da Conceição: Livro A (1727-1753); Livro B (1753-1764).
MSS.- Cod. 3 RO - Livro de assento de óbitos - 1741/1770. MSS. - Cod.
marcou-se a presença altamente relevante do elemento 5 RO - Livro de assento de óbitos - 1796-1821.
forro no conjunto dos proprietários de escravos; 3. Os resultados subseqüentes constam de trabalho de mais larga
amplitude (COSTA, 1978), no qual são analisadas as mesmas fontes
confirmou-se a prevalência, na área em apreço, de documentais arroladas na nota precedente.
uma sociedade permeável à ascensão de elementos 4. Apenas para o triênio 1809-1811 foi-nos possível determinar, aproxi-
madamente, o peso relativo das viúvas sobre o total de proprietárias
alforriados, de que decorreu a inexistência de estrita livres. Representavam as viúvas, pelo menos, 45,7% das senhoras
rigidez quanto à estratificação social; livres e possuíam, ao menos, 47,7% da escravaria pertencente a
todas as proprietárias livres.
quanto ao sexo dos proprietários forros, contrariamente 5. MSS. - Cód. no. 1068. Serro do Frio: Escravos, livro de matrícula. Acervo
da Casa dos Contos.
ao verificado com referência aos não-forros (livres),
predominou o feminino. Por outro lado, os proprietários
não-forros do sexo masculino mostraram-se
majoritários no conjunto dos senhores; Referências bibliográficas
1. COSTA, Iraci del Nero da. Vila Rica: população (1719-1826). São
patenteou-se – tanto para forros como para não-forros – Paulo: FEA-USP, 1977.
"preferência" por cativos do mesmo sexo do proprietário; 2. COSTA, Iraci del Nero da. Algumas características dos proprietários
de escravos de Vila Rica. São Paulo: FEA-USP/IPE-USP, 1978. (Série
para Vila Rica, cujos dados nos permitiram analisar História Econômica, nº 1).
variações no decurso do tempo, evidenciou-se declínio 3. FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 8 ed. São Paulo:
do peso relativo do elemento forro no conjunto de sen- Ed. Nacional, 1968.
hores de cativos, fenômeno condicionado, provavel- 4. LUNA, Francisco Vidal e COSTA, Iraci del Nero da. Contribuição ao
estudo de um núcleo urbano colonial (Vila Rica: 1804). São Paulo:
mente, pela decadência da atividade exploratória IPE-USP, 1978.
naquela cidade. * Este artigo, publicado originalmente sob o título A presença do
elemento forro no conjunto de proprietários de escravos em Ciência e
Quanto à Comarca do Serro Frio impõem-se, ademais, Cultura. São Paulo, SBPC, 32(7):836-841, 1980, é agora republicado
com pequenas alterações de forma, sem prejuízo de seu conteúdo.
três outras conclusões:
quanto à origem dos cativos, a escravaria dos forros Iraci del Nero da Costa aposentou-se como professor
livre-docente pela Faculdade de Economia, Administração
denotava participação relativa dos sudaneses, maior do e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP).
que a verificada no estoque dos não-forros; Francisco Vidal Luna aposentou-se como professor-doutor
pela mesma instituição. Ambos são membros do Núcleo
no concernente à estrutura de posse de escravos, os de Estudos em História Demográfica da FEA/USP e
proprietários forros constituíam um grupo relativamente autores do livro Minas colonial: economia e sociedade
(Fipe/ Pioneira), entre outros.
pobre frente ao segmento oposto.
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Tabela 1 | Percentagens de escravos adultos do sexo masculino no total de óbitos
Proprietários 1743-45 1760-62 1799-1801 1809-11
Livres 77,78 71,92 63,88 52,27
Forros 31,82 47,92 31,25 33,33
Tabela 2 | Percentagens de óbitos de escravos adultos do sexo masculino sobre o total de óbitos de escravos adultos
Proprietários 1743-45 1760-62 1799-1801 1809-11
Livres 90,52 84,83 76,73 73,40
Forros 66,67 74,19 55,56 33,33
Tabela 5 | Percentagens de óbitos de escravos adultos do sexo masculino sobre o total de óbitos de escravos adultos
Proprietários livres 1743-45 1760-62 1799-1801 1809-11
Homens 91,70 86,36 83,78 75,00
Mulheres 50,00 53,33 60,42 69,23
Tabela 5 | Percentagens de óbitos de escravos adultos do sexo masculino sobre o total de óbitos de escravos adultos
Proprietários forros 1743-45 1760-62 1799-1801 1809-11
Homens 77,78 81,25 50,00 100,00
Mulheres 58,33 66,67 57,14 --
Proprietários Proprietários
Forros Não-Forros
387 22,2% 1357 77,8%
H: 37,0% M: 63,0% H: 96,9% M: 3,1%
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