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Mas essa relativa permeabilidade da estrutura social não nos deve fazer esquecer o
caráter escravista da sociedade baiana, com milhares de seus habitantes na condição
de propriedade legal de outros indivíduos, e em que racismo e intolerância étnico-
cultural desempenhavam um papel importante na definição de quem devia obedecer e
quem devia mandar. Os africanos, por exemplo, podiam muito bem desfrutar algum
sucesso no mundo material, mas em troca de alianças sociais que em geral
redundavam no sacrifício de boa parte de sua autonomia e não raro de sua dignidade.
Os brancos – e não importava a condição social que tivessem – exigiam dos libertos
africanos subserviência social e assimilação subordinada aos símbolos culturais da
terra, em geral aqueles mais marcadamente europeus, como se a cultura local já não
fosse em grande medida africanizada. Aos ex-senhores, agora tornados seus patronos,
os libertos deviam obediência e lealdade, às vezes sob pena de revogação das cartas de
alforria. Por fim, o sucesso econômico aconteceu para muito pouca gente.
Segundo Kátia Mattoso, 90% da população livre de Salvador no século XIX vivia “no
limiar da pobreza”. Não é exagero. Os arquivos policiais da época do levante dos malês
estão cheios de relatórios de juízes de paz e outras autoridades policiais queixando-se
diariamente do número crescente de mendigos e de desocupados que vagavam pelas
ruas de suas freguesias, pessoas que já haviam ultrapassado o limiar da pobreza para
se situarem na condição de absolutamente pobres. Dezenas dessas correspondências
relatam a apreensão de crianças abandonadas, muitas delas órfãs. Os juízes enviavam-
nas para mestres de ofício ou instituições como o Orfanato de São Joaquim. Aí
aprendiam a ser trabalhadores manuais sob rígida disciplina. Se não fugiam do
internato, ou de seus mestres de ofício, essas crianças se tornavam artesãos, sem
muita chance de prosperar na profissão numa sociedade em que predominava o
trabalho escravo e que atravessava um período de crise econômica aguda.
Havia muita pobreza, e a escassa riqueza que havia estava concentrada nas mãos de
poucos. O que se suspeita que fosse a distribuição de riqueza numa sociedade
escravista, agora pode ser aproximadamente avaliado em números. Os 10% mais ricos
controlavam 67% da riqueza. Se isolarmos apenas os 5% do topo, verificamos que
possuíam 53% da riqueza. E se destacarmos os dez indivíduos mais ricos da amostra,
eles despontam como proprietários de 37% dos bens inventariados. Aí se encontravam
os mais poderosos senhores de engenho e os grandes negociantes. Do outro lado do
muro, outro mundo, os últimos 60% que possuíam apenas 6,7% da riqueza. Eram, sem
dúvida, membros da plebe livre baiana, que também tinha suas desigualdades
internas.
TABELA DEMONSTRATIVA
GRUPOS DE % da riqueza
PESSOAS controlada
10% mais ricos 66,9
30% seguintes 26,4
30% seguintes 5,6
30% mais pobres 1,1
TOTAL 100