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Costuma-se pensar o quilombo como ‘refúgio de negros escravos fugi vos’. De onde vem essa ideia?

Trata-se de uma formulação que


vem desde o período escravista [...]. Em 1740, o Conselho Ultramarino, órgão colonial responsável pelo controle central patrimonial,
considerava quilombo ‘toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos
levantados nem se achem pilões neles’. Apesar de terem se passado centenas de anos, essa ideia distorcida de quilombo ainda permanece
entre nós. Insis r em tal conceito significa negar ou tornar invisível o verdadeiro sen do e a história dos quilombos. […]
Segundo alguns antropólogos, na África, a palavra quilombo refere-se a uma associação de homens, aberta a todos. Os membros dessa
associação eram subme dos a rituais de iniciação que os integravam como coguerreiros num regimento de super-homens invulneráveis às
armas inimigas. Existem muitas semelhanças entre o quilombo africano e o brasileiro, formados mais ou menos na mesma época. Sendo
assim, os quilombos brasileiros podem ser considerados como uma inspiração africana, reconstruída pelos escravizados para se opor a uma
estrutura escravocrata, pela implantação de uma outra forma de vida, de uma outra estrutura polí ca na qual se encontraram todos os pos
de oprimidos. […] Nesse sen do, quilombo não significa refúgio de escravos fugidos. Tratava-se de uma reunião fraterna e livre, com laços de
solidariedade e convivência resultante do esforço dos negros escravizados de resgatar sua liberdade e dignidade por meio da fuga do ca veiro
e da organização de uma sociedade livre. Os quilombolas eram homens e mulheres que se recusavam a viver sob o regime da escravidão e
desenvolviam ações de rebeldia e de luta contra esse sistema. O tamanho dos quilombos variava muito desde os acampamentos de alguns
fugi vos às povoações com milhares de moradores. […]
O maior de todos foi o Quilombo de Palmares, em Alagoas, que não era apenas um, mas uma série de doze ou mais quilombos, alguns de
grande tamanho, organizados em reino ou em confederação florescente no fim do século XVII. Calculou-se que havia ali entre 20 mil e 30 mil
pessoas. Havia uma variedade considerável [de pessoas] na localização e [de a vidades] na economia interna dos quilombos.
Embora Palmares es vesse localizado em um local distante e de diDcil acesso, muitos quilombos exis am na proximidade de vilas e cidades
ou de centros agrícolas ou de mineração. Os quilombos muitas vezes sobreviviam do saque dos engenhos, fazendas e povoações onde seus
integrantes iam buscar comidas, armas e mulheres.
(MUNANGA, K.; GOMES, N. L. Para entender o negro no Brasil de hoje: história, realidade. São Paulo: Global, 2004).

[...] Nos úl mos anos, para além das poucas dezenas que veram suas terras tuladas pelo INCRA ou as quase 2 mil comunidades
reconhecidas e cer ficadas pela Fundação Cultural Palmares, existem inúmeras associações rurais, o movimento negro e principalmente o
movimento nacional de ar culação polí ca quilombola, que iden ficou cerca de 5 mil comunidades que lutam por reconhecimento,
cidadania, terras e polí cas públicas de educação e saúde.
(GOMES, Flávio dos Santos. Mocambos e quilombos: uma história do campesinato negro no Brasil. São Paulo: Claro Enigma, 2015).

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem dis nção de qualquer natureza, garan ndo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
(BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).

A Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel em 13 de maio de 1888, tem só dois ar gos. O primeiro decreta o fim do regime escravocrata
no Brasil. O segundo revoga as disposições em contrário. Até então, o Brasil construiu e aplicou um sem-número de leis que limitavam ao
máximo a vida de negros e ignoravam apelos internacionais para reduzir o trabalho forçado. A canetada garan u a liberdade de uma
população de escravizados, mas não freou o surgimento de legislações discriminatórias. A “neutralidade” dos disposi vos ignorava séculos
de escravidão, enxergando como iguais cidadãos que, até pouco tempo antes, eram vistos como mercadoria. O Brasil não teve leis
segregacionistas como o regime Jim Crow [nos EUA] ou o apartheid na África do Sul. Mas não é preciso que a lei diga explicitamente que é
contra o negro, nem que seja discriminatória, para produzir efeito muito semelhante. A neutralidade do sistema jurídico tem como foco o
privilégio de determinado sujeito do Direito.
(TAB-UOL. Especial Consciência Negra. Desigualdades perante a Lei: como o Brasil usou – e usa – leis para criminalizar a vida da população
negra, desde o fim da escravidão. Por: João Vieira, 2020).

Em 13 de maio de 1888, quando Dom Pedro II se encontrava no exterior, a princesa regente Isabel sancionou a Lei Áurea. Em seu primeiro
ar go, lemos: “É declarada ex nta desde a data desta lei a escravidão no Brasil”. Podemos afirmar que, a par r desse momento, a escravidão
se tornou ilegal, mas não que tenha sido ex nta como forma de exploração do trabalho. Após mais de 300 anos, decretou-se o fim de uma
escravidão que levava em consideração a cor da pele da pessoa, ou seja, escravos no Brasil eram prioritariamente os negros de origem
africana.
O fim da escravidão, contudo, não ex nguiu de modo automá co o preconceito racial e étnico longamente estabelecido nas terras
brasileiras. Além disso, não foram criadas oportunidades para que os libertos adquirissem melhores condições de vida e ingressassem no
mercado de trabalho assalariado. Muitos ex-escravos permaneceram nas fazendas ou nos estabelecimentos onde prestavam serviços,
trabalhando por pequenos salários ou em troca de roupas, alimentos e moradia. Outros buscaram alterna vas de trabalho nas cidades.
(JR. CATELLI, R. História em rede: conhecimentos do Brasil e do mundo. São Paulo: Scipione, 2011).

[...] Passada a euforia dos primeiros momentos da Lei Áurea, de 1888, foram ficando claras as falácias e incompletudes da medida. Se
ela significou um ponto final no sistema escravocrata, não priorizou uma polí ca social de inclusão desses grupos, os quais nham poucas
chances de compe r em igualdade de condições com demais trabalhadores, sobretudo brancos, nacionais ou imigrantes. [...] Os libertos
conviviam, pois, com o preconceito do passado escravocrata, somado ao preconceito de raça. Após a Abolição as populações de origem
africana foram marcadas por um racismo silencioso, mas eficaz, expresso por uma leitura hierarquizada e criteriosa das cores. [...] A igualdade
e a cidadania eram ganhos das elites brancas e com acesso a voto, sendo que as populações que conheceram a escravidão deveriam se limitar
a celebrar a liberdade do ir e vir.
(SCHWARCZ, L. M.; STARLING, H. M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015).

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