Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
afrodescendentes
RESUMO
APRESENTAÇÃO
FESTA E EDUCAÇÃO
Pensamos que na festa – e em tudo o que ela representa -, estão envolvidas ricas
redes educativas (Alves, 2012), e não seria diferente no tocante aos ambientes formais
de ensino como escolas e universidades. A festa traz um pouco do movimento das ruas
e praças que pode desestabilizar os tempos e espaços que costumam valorizar saberes
outros, alicerçados que são pela ciência e filosofia tradicionais.
Corpo cultural, segundo Jorge Sabino e Raul Lody é “um corpo que, antes de
tudo, retrata um lugar, um tempo histórico, atividades, profissões, religiosidade,
ludismo, rituais de sociabilidade e formas de comunicação.”. (SABINO, LODY, p. 15,
2011). Apropriamo-nos desse conceito, para tentar entender os complexos culturais
festivos e as suas manifestações enunciadas a partir do elemento corporal. Porque é
festa, é dança, é música, é ritmo, é toque, é história etc., caminha com esse corpo e por
intermédio dele, um corpo negro que se movimenta festivamente, reinventando-se pelos
espaços e tempos, revelando e desvelando memórias toda vez em que se expressa. Um
corpo que é alma, porque vive música, dança, ritmo, tempo e espaço, como escreveu
Muniz Sodré: “(...) música não se separa de dança, corpo não está longe da alma, a boca
não está suprimida do espaço onde se acha o ouvido.” (SODRÉ, 2007, p. 61).
O corpo cultural que guarda, cria e recria memórias ancestrais pode e deve
subverter essas ordens. Simas (2016) sugere que a ordem de domesticação dos corpos
seja um projeto colonial que deve ser combatido pelos discursos do corpo:
Lembremos que, sequestrados de sua terra natal, esses corpos negros têm
resistido ao longo dos espaços e tempos da afro-diáspora, negociando nas frestas do
poder hegemônico e recriando a festa que preserva, cria e recria suas histórias em meio
à mazela do cativeiro. Assim, como bem escreveu Simas, “nós somos herdeiros dos
homens que bateram tambor na fresta e criaram a subversão pela festa” (p. 37, 2014).
Com as frestas e festas religiosas dos terreiros e das comunidades pelos espaços
e tempos, é possível contemplar o encantamento de outros universos educativos,
livrando da invisibilidade, sobretudo aos olhos científicos hegemônicos, culturas negras
de belezas e riquezas incomensuráveis. Entendemos também que, com essa
experiência, é possível ampliar a reflexão educacional aos padrões estabelecidos nos
ambientes formais de ensino, a partir de práticas, pensamentos, lutas, resistências,
negociações e recriações de populações inteiras sequestradas de diferentes nações
africanas.
AS FESTAS FÚNEBRES
1
Exu, Oxalá, Xangô, Ossain, Oxóssi, Iemanjá. Ogum são Orixás, divindades iorubanas distribuídas por
estados/nações africanos e cultuados em terreiros ou roças de candomblés no Brasil e outros países das
Américas.
Podemos dizer que Axexê é um ritual fúnebre realizado quando da morte de um
membro importante do terreiro de candomblé, como um babalorixá ou ialorixá2.
Tomemos como exemplo, o Axexê de Mãe Regina de Iemanjá, do Axé Ilê Yamim,
também conhecida como Mãe Regina de Bamboxê.
Prandi, em seu Mitologia dos Orixás, narra como teria surgido o axexê:
2
Babalorixá, pai do Orixá e Ialorixá, mãe do Orixá, são os chefes de culto, conhecidos como pai e mãe de
santo do terreiro.
3
Nascia, assim, o ritual do axexê. (PRANDI, 2001, p. 310 e 311)
Após os 7 dias de axexê pós morte da Ialorixá, a casa ficou fechada, reabrindo
com um novo axexê – o axexê de um ano – quando o jogo de búzios definiu
efetivamente os herdeiros da liderança da comunidade. Depois desse ano fechado para
cumprir o luto, o Axé Ilê Yamim foi reaberto, já sob a administração da Ialorixá Lina de
Oxumarê, ao lado do seu filho carnal Pai George de Xangô. Todos os filhos da casa
sabem da determinação de Ifá, o oráculo, pois muitos estiveram presentes no evento.
*Professora e pesquisadora do IPN (Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos), Mestre em História
Social.
3
PRANDI, Reginaldo: Segredo dos Orixás (Mito narrado por Mãe Stella, Ialorixá do Axé Opô Afonjá,
mito que resume bem a ideia do axexê como cerimônia de homenagem ao morto. 2005, p. 59.
A morte, para os afrodescendentes, também possui características lúdicas fora
dos candomblés. Vejamos o que nos diz Simas sobre o Gurufim:
As autoras concluem:
Com este pequeno artigo, pudemos conhecer um pouco mais desses processos
culturais que nos revelam corpos sagrados e suas memórias ancestrais. Festivamente, a
vida e a morte se recriam, transbordando e subvertendo o poder que tenta disciplinar os
corpos. Ao se reinventarem constantemente, os afro-brasileiros nos têm mostrado como
driblar a domesticação dos corpos, produzindo belezas e realidades, exercendo sua
vocação para a celebração.
Na medida em que percebemos a potência desse corpo que festeja, seja nas ruas,
nas praças, nos ambientes mais formais de educação como universidades e escolas,
abrimos um leque de possibilidades de processos de aprendizagem-ensino que pode
revolucionar a maneira como temos enxergado a educação e encantar o cotidiano. Mas
os poderes que agem em várias instâncias da vida não têm interesse em uma educação
encantada.
O que quisemos com este texto, é dizer que até na hora da morte, a festa está
presente, o corpo não se cala, os sentires não cessam. Os que ficam celebram a saudade
cantando, dançando, bebendo, enfeitando, brincando, tocando, comendo, encantando
esse momento extremo. Podemos notar esse encantamento no mito da invenção do
axexê por Iansã, onde os negros conseguem encher de poesia um ritual fúnebre, sem
limites. Os que vão, por intermédio de seus pertences, suas comidas favoritas, suas
histórias, suas lembranças, ficam vivos nas memórias que o festejam, vivendo, assim,
nos corpos que criam e recriam poesias e felicidades pelos tempos e espaços.
REFERÊNCIAS
CAPUTO, Stela Guedes. Educação nos Terreiros: e como a escola se relaciona com
crianças de candomblé. 1ª edição. Rio de Janeiro: Pallas, 2012.
OLIVEIRA, Inês Barbosa de. Boaventura & a Educação. 2. Ed. Belo Horizonte:
Autêntica, 2008.
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. 14. reimpr. Rio de Janeiro: Companhia das
Letras, 2001.
______. A gramática dos tambores. GGN, o jornal de todos os Brasis. Disponível em:
<http://jornalggn.com.br/fora-pauta/a-gramatica-dos-tambores-por-luiz-antonio-simas>.
Acesso em: 09 jul. 2015.
______. Pedrinhas miudinhas: ensaios sobre ruas, aldeias e terreiros. Rio de Janeiro:
Mórula Editorial, 2013.
SILVA, Maria Trindade Barboza da, MACIEL, Lygia dos Santos. Paulo da Portela;
traço de união entre duas culturas. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1979.