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CERÂMICA KARAJÁ: MEMÓRIA E RESISTÊNCIA ATRAVÉS DA CULTURA

MATERIAL

Paulo César Marques Holanda1

Resumo

A importância de estudos referentes ao patrimônio destes povos é viés pertinente para a


salvaguarda de seus costumes. A inserção de um capítulo constitucional abordando os povos
indígenas e seus direitos é a prova sucinta da necessidade de garantia e respeito às culturas e
tradições de povos indígenas em nosso país. A Conferência Geral da Organização das Nações
Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (1972) reafirmou que devido pressões do mundo
moderno, tornou-se mais comum a degradação e desaparecimento de bens culturais e
naturais. Foi propósito deste trabalho, elencar a importância das bonecas Ritxoko entre o povo
Karajá, residente nas margens do Rio Araguaia. Assim como, a tarefa de postular e apresentar
dados acerca desse ofício como possível forma de resistência frente às mudanças globais.

Palavras-chave: Cerâmica Karajá, Boneca Ritxoko, Identidade Cultural.

Abstract

The importance of studies concerning the patrimony of these peoples is pertinent bias for the
safeguard of their customs. The insertion of a constitutional chapter addressing indigenous
peoples and their rights is a succinct proof of the need to guarantee and respect the cultures
and traditions of indigenous peoples in our country. The General Conference of the United
Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (1972) reaffirmed that due to the
pressures of the modern world, the degradation and disappearance of cultural and natural
assets became more common. It was the purpose of this work, to highlight the importance of
Ritxoko dolls among the Karajá people, residente on the banks of the Araguaia river. As well,
the task of postulating and presenting data about this office as a possible forme of resistence to
global changes.

Keywords: Karajá Ceramics, Ritxoko Doll, Cultural Identify.

1
Paulo César Marques Holanda (paulo.flu@sapo.pt).
Licenciado em Artes Visuais - UFAM. Mestre Interdisciplinar em Ciências Humanas pelo PPGICH-UEA.
Doutorando em Artes Visuais pelo PPGAV-UFRJ.

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INTRODUÇÃO

A cerâmica apresenta formas estilísticas e funcionais variadas dentre os


povos indígenas brasileiros, e representam um universo de produção que inclui
diferentes períodos históricos. Os Karajá, nas margens do rio Araguaia, na
região Central do Brasil, possuem a cestaria, as plumárias e a cerâmica como
referenciais de sua cultura. Suas aldeias se localizam cerca de lagos e
afluentes que formam a Ilha do Bananal, a maior ilha fluvial do mundo.

Entedemos que a observação da arte é um sentimento inerente a todos,


desde a apreciacão de um quadro até mesmo ao deleite por um filme. Para
tanto, Geertz (1997) explicita que a arte pode servir, refletir, desafiar, ou
descrever, mas não, por si só, criar, se congregam ao redor da arte para
conectar suas energias específicas à dinâmica geral da experiência humana.

Realizar um levantamento acerca desta produção é necessário para


conhecimento posterior, devido à insuficiência de dados referentes à cultura
material de povos tradicionais. O enfoque de nossa investigação será voltado à
coleção pertencente ao Centro Cultural dos Povos da Amazônia e sua
catalogação, onde poderemos estabelecer uma sistemática de identificação do
grupo produtor destes artefatos. De acordo com Lima (apud. Bertha Ribeiro
Org. 1987), é essencial o esforço de reconstituição das culturas, utilizando
elementos da cultura material que por muitos é considerada uma temática
pouco nobre. Segundo a autora,

Em trabalhos mais recentes, vimos assistindo à retomada do


interesse pela cultura material, agora não mais calcado nos antigos
propósitos evolucionistas e difusionistas dos primórdios da
Antropologia, mas sim no reconhecimento do objeto como a
materialização do comportamento dos membros de uma determinada
sociedade, comprometido com o entendimento das culturas na sua
totalidade. (LIMA, 1987, p. 173).

A etnoarqueologia oferece diferentes meios para que se possa


interpretar o registro arqueológico, referenciando todo o contexto etnográfico, a
produção, padrões e utilização da cultura material. Constituindo-se como fonte
valiosa de evidências para levantamentos etnográficos de povos e sua relação
intríseca para com seus materiais. Lagrou (2007) cita que em vez de localizar o

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‘objeto’ é preciso examinar as relações, as qualidades diferenciadas das
relações e as maneiras através das quais estas são significativas.

Para Willey (apud. Bertha Ribeiro Org. 1987), a maior parte da cerâmica
sul-americana tinha função de recipiente utilitário empregado na preparação,
consumo e armazenagem de comidas e bebidas. Outra grande categoria
funcional dos recipientes seria considerada cerimonial. Herbert Baldus (1936)
registra que a cerâmica Karajá é uma espécie de barro, cujo estilo não se vê
imitado ou repetido em outra parte do Brasil, nem em parte alguma do mundo.

Dominar a arte cerâmica é uma das habilidades fundamentais para a


sociabilização da mulher dentro da comunidade, gerando um papel e
funcionalidade para esta pessoa. Velthem (2009), escrevendo sobre os
Waiana, povo de língua caribe, pondera que através do aprendizado técnico,
iniciado na infância, amplia-se e aprofunda-se com a puberdade porque visa ao
casamento e à geração de filhos, para que se adquiram na velhice refinamento
e especialização.

Tais aprendizados ocorrem no ambiente do grupo doméstico, a relação


das mulheres com a cerâmica está sempre interligada à confecção da comida.
Silva (2000) acorda que os homens costumam se posicionar totalmente alheios
ao fabrico dos vasilhames, eles apenas se dispõem a realizar algumas das
tarefas que envolvem a confecção dos mesmos.

A principal riqueza arqueológica do Brasil, sem dúvida é a cerâmica


indígena. A pesquisa e a divulgação do assunto na Amazônia – sobretudo em
nosso Estado – são quase nulas. A sociedade ocidental separou as artes de
outras esferas sociais, Vidal (2000, p. 281) afirma que em sociedades
indígenas as artes são uma ornamentação para as manifestações públicas e os
talentos manuais, mesmo que individualizados, comunicando sempre com sua
comunidade que entende o que está sendo expresso. É comum principalmente
ao ocidental lograr comunicar-se, Geertz (1997) esclarece que estamos
habituados,

descrevemos, analisamos, comparamos, julgamos, classificamos;


elaboramos teorias sobre criatividade, forma, percepção, função
social; caracterizamos a arte como uma linguagem, uma estrutura,

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um sistema, um ato, um símbolo, um padrão de sentimento:
buscamos metáforas científicas, espirituais, tecnológicas, políticas; e
se nada disso dá certo, juntamos várias frases incompreensíveis na
expectativa de que alguém nos ajudará, tornando-as mais inteligíveis.
(GEERTZ, 1997, p. 143).

Este é um tema importante entre os índios do Brasil de forma geral, que


assume contornos especialmente dentre os Karajá, decorrentes das
particularidades de sua história e desenvolvimento para com a cerâmica. Uma
vez que esta é utilizada também como potencial lúdico e educativo (as bonecas
ritxoko). Enriquecendo uma antropologia que não vira as costas para os modos
de se discutir a cultura a partir dos artefatos. Segundo Leitão (2014),

Embora as ritxoko sejam brinquedos de meninas, a sua natureza


educativa abraça a todos. As crianças Karajá, meninos e meninas, na
sua primeira infância, passam os dias na companhia de mulheres do
seu grupo familiar materno, mães e irmãs das mães, avós e irmãs das
avós. As crianças não são objetos passivos de um processo
educativo a priori. Elas estão sempre por perto dos adultos vendo,
observando e acompanhando tudo. (LEITÃO, 2014, p. 16).

Tais fragmentos reforçam a necessidade permanente de construir estas


concepções da relação entre pessoas e coisas, e da produção de artefatos a
partir de uma etnografia. Em nosso país, a temática da cultura material ganhou
novo interesse acadêmico com o fortalecimento dos estudos ligados ao
patrimônio. Escritos como o de Appadurai (2006) e Kopytoff (2006), despontam
com a ideia da “antropologia das coisas”, acerca dessa circulação dos objetos
e os valores que lhe estão sendo atribuídos, em um esquema de agentes e
agências que são presentes na vida social dos Karajá.

Segundo Brandão (1981), nas relações de sentimentos e saber indígena


a respeito do mundo e dos seres naturais, estes não são compreendidos como
uma coisa, mas como um dom; desta forma, os seres existentes são dados ao
homem para que juntos estabeleçam uma relação de reciprocidade, pois a
terra não é apenas um lugar e sim um marco de realização de símbolos e
memórias.

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BONECAS RITXOKO: SINÔNIMO DE RESISTÊNCIA CULTURAL

Atualmente, encontram-se catalogadas cerca de 10 bonecas Ritxoko, na


reserva técnica do Centro Cultural dos Povos da Amazônia, localizado em
Manaus no Amazonas. Estas peças trazem incorporados os elementos da
cultura Karajá e fazem parte de seu sistema cultural de mundo, podendo ser
encontradas em diversos tamanhos e designs. Também representam em sua
maioria figuras femininas, e estão alinhadas com adornos produzidos por folha
de palha da bananeira.

Figura 01: Boneca Ritxoko da fase moderna, CCPA/AM.

Este fazer cerâmico é compreendido pelos registros orais e não é


tarefa comum a todas as etnias indígenas, possuindo diferentes formas para
cada local, explicitando a riqueza e diversidade cultural presente dentre estes
povos. Ribeiro (1987) afirma que só na arte cerâmica a criatividade indígena
encontra materiais capazes de conservar-se sob quaisquer condições.
Perpetuando este ofício como campo específico da cultura material nestas
civilizações, onde constatamos uma produção rica em detalhes, exuberante em
cores e nas mais diversas formas. Gallois (2016), no entanto, sinaliza para as

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tensões entre as abordagens “estetizantes” e abordagens “contextualizantes”, a
qual considera duas maneiras bem distintas de estabelecer continuidades ou
descontinuidades culturais.

Ao examinarmos esses exemplares antigos, podemos constatar que há


formas na cerâmica que distinguem os gêneros masculino e feminino, uma vez
que o masculino é muito marcado pela sua genitália. Porém, em peças mais
modernas não se observa nenhuma representação de órgãos, seja masculino
ou feminino.

Figura 02: Boneca Ritxoko da fase antiga, CCPA/AM.

Faria (1959) nos relata que no primeiro momento da figuração Karajá,


na cerâmica antiga, os índios não colocavam para o cozimento essas
estatuetas de barro, e por este motivo que as figuras encontram-se sempre em
pé, sem variações cênicas e composições de postura. O fato de não haver o
cozimento fazia com que todas as extremidades como braços e pernas,
quebrassem com facilidade. Nesse sentido que as índias resolveram simplificar
a forma do corpo, apresentando pernas roliças e braços com esquema de
continuação do cabelo.

Podemos dividir os estilos em dois momentos: a fase antiga e a fase


moderna. Assim, Farias (1959) e Costa (1978) compreendem com a primeira
fase, as bonecas que não apresentam pernas e braços definidos, os seus

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cabelos são feitos de cera de abelha, não sofrem a queima, sendo apenas
modeladas no barro e possuem formato esteatopígico (triangular com bases
mais largas). A segunda fase é iniciada em 1940, sendo agregada a técnica da
queima e sua temática ganha outros motivos, como as cenas do cotidiano na
aldeia.

A presença dos grafismos nas bonecas são representações com


padrões muito semelhantes aos mesmos usados na pintura corporal. Toral
(1992) registra que além de decoração, os desenhos e pinturas também
aparecem em máscaras, cestarias e esteiras. Mais do que objetos lúdicos,
estas bonecas são suportes de transmissão de conhecimentos entre as
mulheres e fazem parte do entendimento do que é ser uma Karajá. No
momento em que as meninas observam a sua feitura, estas já estão sendo
educadas acerca dos modos de fazer e de seus usos, sendo o processo
criativo orientado por experiência, habilidades manuais e o senso estético de
cada ceramista. A antropóloga Edna Luisa Taveira (2002) registrou:

São vários os padrões usados caracterizando-se pela combinação de


linhas horizontais e verticais, numa composição geométrica de gregas
quátricas. Os desenhos, pelos nomes que lhes são dados,
representam partes do corpo, da fauna terrestre e aquática: formiga,
cobra, urubu, morcego, peixe, tartaruga, mas nunca o animal no todo.
Podem ocorrer também motivos ornamentais interpretados como
elementos da natureza: “caminho sem fim”, “forquilha”, etc. O único
motivo ornamental que foge a essa regra encontra-se na decoração
de alguns potes, pratos cerimoniais, figuras fantásticas e maracás
nos quais aparece representada a máscara de Aruanã. (TAVEIRA,
2002, p. 25)

O conjunto de mitos envolvendo toda essa relação com os objetos é


fundamental para compreender os motivos das figuras pintadas e modeladas
pelas ceramistas. Sendo consenso geral que nas sociedades indígenas a
atividade produtiva está inserida no cotidiano, e encontra-se regulada por
divisão sexual do trabalho, pois envolvem regras de parentesco, políticas e
rituais. Assim, estes saberes são parte da memória coletiva como herança
Karajá. Logo, a ceramista encontra-se na confluência de diferentes forças das

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quais necessita demarcar sua posição no grupo, ocupando seu papel de
artífice da tradição deste mundo simbólico.

A CERÂMICA KARAJÁ E O PROCESSO DE PATRIMONIALIZAÇÃO

A enorme inter-relação entre todos os componentes de nosso mundo


fazem com que os atos praticados localmente repercutam globalmente. Os
povos indígenas não estão isentos a tais transformações, suas particularidades
carecem de um reconhecimento de nossa sociedade como forma de auxílio e
interesse à natureza dos mesmos. A proteção de um patrimônio mundial,
cultural e natural objetiva minimizar as ameaças do mundo capitalista frente os
processos socioculturais.

A salvaguarda internacional dos bens culturais é realizada através da


Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, que
foi adota em 1972 pela Conferência Geral da Unesco. Essa convenção passou
a integrar o ordenamento jurídico brasileiro em 12 de dezembro de 1977, por
meio do Decreto n. 80.978. Os graves problemas existentes no Brasil e a
insuficiência de estudos jurídicos voltados exclusivamente para os indígenas e
sua realidade, servem como obstáculos maiores ao exercício de possíveis
melhorias nos eixos patrimoniais e culturais dessas culturas.

As bonecas Ritxokos não compõe a lista do Patrimônio Mundial, a qual


contém mais de quinhentos bens e encontra-se em constante atualização.
Porém, esses números são acrescidos anualmente com novas inserções de
cidades históricas, monumentos e festas religiosas, sendo muito raro
encontrarmos representações de culturas vivas ou tradicionais. Fiorillo (2013 :
105) entende essa situação como reflexo da “questão da diversidade cultural,
que, de um lado, é influenciada por um discurso pró-globalização da cultura e
flexibilização da soberania e, de outro, convive com a dominação da cultura
ocidental racional e individualista”.

Para que um bem possa ser inscrito na Lista do Patrimônio Mundial,


Cultural e Natural o país soberano deve realizar um procedimento composto
por quatro etapas:

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a) identificação do bem: o Estado integrante da convenção e
interessado em promover a inscrição de um bem situado em seu
território prepara um inventário dos bens;

b) proposta de inscrição: deverá especificar o bem, assim como


descrever sua situação, fornecendo informações e indicando os
critérios nos quais ele se enquadra para ser inscrito;

c) avaliação: o centro de patrimônio mundial verifica se as


formalidades foram preenchidas e encaminha a documentação para o
órgão técnico especializado, o qual deverá opinar sobre o valor
universal excepcional do bem. Isso porque os bens considerados pela
convenção são aqueles culturais ou naturais de valor excepcional;

d) decisão: de acordo com o parecer das agências


especializadas, o bem é recomendado para o comitê, a quem cabe a
decisão final, aceitando ou rejeitando o bem proposto. (FIORILLO,
2013 : 68)

A convenção também estipula que se deve atualizar e divulgar uma


Lista do Patrimônio Mundial em Perigo, afim de que estes recebam uma
atenção especial já que precisam de trabalhos específicos. Compreender o
conjunto de valores, crenças, atitudes e modos de vida que delineiam uma
organização social é apoiar a singularidade de todo o processo histórico-social
dos povos indígenas em nosso país. O objeto cerâmico, por exemplo, atua
como marcador de tempo e estabelecimento.

As Karajás são mulheres detentoras de técnicas que perpassam as


gerações pelo viés do ensino-aprendizagem da oralidade. Sendo este ofício,
potencial forma de exercício da memória social e meio fértil de expressão da
criatividade individual e coletiva. Este foco conduz, ao final, uma análise da
estreita articulação entre os processos de pessoas e coisas frente ao acordo
internacional. Em nosso país o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional reconheceu em 2012 como patrimônio, a proposta apresentada pelas
lideranças indígenas das aldeias Buridina e Bdè-Burè, localizadas em Aruanã,
no Estado de Goiás. Este movimento foi fruto do projeto Bonecas Karajá: Arte,
Memória e Identidade Indígena no Araguaia, iniciado em 2009.

É importante ressaltar que são muitos os povos indígenas que habitam


nosso território e que suas características culturais são tuteladas pelo Estado
Democrático de Direito (art. 215 da CF) sendo tais manifestações, parte do
patrimônio cultural brasileiro. Porém, como elencado anteriormente não

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encontramos qualquer indício de traço cultural desses povos junto a lista de
bens estipulados pelo Brasil perante a UNESCO. Contudo, na mesma
constituição de 1988, o Estado ressalta a importância maior a atividade cultural
do país, principalmente aquelas relacionadas aos quilombos e aos índios,
entendendo que estas atividades foram se perdendo em meio à inserção
desses povos em nossa sociedade.

Definiu assim, como patrimônio cultural brasileiro no art. 215, da CF/88,


todos os bens materiais e imateriais portadores de identidade cultural,
conforme explica José Afonso da Silva (2005), “como sendo constituído dos
bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, desde que portadores de referencia à identidade, à ação, à memoria
dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem
as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver, as criações
científicas, artísticas e tecnológicas, as obras, documentos, edificações e
demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais e os conjuntos
urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e cientifico, patrimônio esse que terá que ser
protegido pelo poder publico, com a colaboração da comunidade, por meio de
inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras
formas de acautelamento e preservação”. Portanto, é dever do Estado garantir
que a cultura dos povos se mantenha frente aos modelos contemporâneos de
desenvolvimento econômico das regiões em que vivem.

REFLEXÕES CONCLUSIVAS

O que temos alinhado aqui surge como fruto de um levantamento


etnográfico acerca do ofício cerâmico Baniwa e sua intensidade sociomaterial.
Ser detentora de tal prática dentro da comunidade atrela um apreço e fortalece
a ideia da mulher como detentora das tradições do povo. Foi tarefa explicitar a
importância da cerâmica, cujo desenvolvimento perpassa técnicas
diferenciadas de produção e complexidade. Suscitando o desafio em integrar
estas análises com a relação da materialidade e a necessidade de ações para
sua valorização.

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Certamente, a cerâmica ganha espaço como tecnologia que depende
fortemente de materiais de qualidade, e de grandes cuidados em todo seu
preparo. A produção de cerâmica das Karajás atravessa temporalidades e
espacialidades, oscilando entre tempos. Pretendemos, com este estudo suprir
a carência de pesquisas no âmbito artístico-antropológico, visto que há
necessidade de levantamentos e organização de dados cerâmicos Karajás
como patrimônio a partir de uma abordagem cultural e artística, valorizando
esta arte regional e étnica.

Atualmente, estas bonecas fazem parte do acervo de muitas instituições


museológicas no país, também são procuradas como objetos de decoração e
frequentemente comercializadas a turistas em lojas de artesanatos locais,
regionais e nacionais. O estímulo à produção entre as mulheres Karajá
possibilita o crescimento e a autonomia destas ceramistas frente às pressões
externas, e fortalecem o processo de reafirmação cultural de sua identidade.

Ademais, nota-se que estas bonecas também são a materialização de


representações do imaginário desse povo. A iconografia presente nas ritxoko
nos demonstra que as ceramistas também visando o lucro de suas vendas,
facilitaram na produção e ornamentação de suas peças. Através deste
parâmetro é possível compreender, que o desenvolvimento da linguagem
indígena e suas formas de artes devem ser incentivados, e que todos esses
fatores aliados ao respeito ao modo de vida indigenista são meios para o
desenvolvimento desses povos sem o perecimento de sua cultura.

Tal proposta não é fácil. Porém, partindo das comparações aqui


elencadas, constatamos a necessidade de difundir este tema além da sala de
aula formal com os professores, apresentando suas várias formas de se
trabalhar em outros espaços. Com a multiplicação de iniciativas voltadas para a
preservação do patrimônio cultural, a ideia da patrimonialização ampliou-se em
ações, métodos e práticas, usados como recurso para a compreensão sócio
histórica. É importante considerar as inúmeras contribuições na formação da
sociedade, visando criar sujeitos ativos e conscientes, tornando-os atentos ao
seu entorno, e que exerçam de fato sua cidadania e autonomia cultural.

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