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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

Poéticas de um Corpo-testemunho: a ancestralidade, o


tempo e a memória que se resguarda na dança opanijé nos
xirês de Obaluaê

Uberlândia — MG

2022
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

Poéticas de um Corpo-testemunho: a ancestralidade, o


tempo e a memória que se resguarda na dança opanijé nos
xirês de Obaluaê

Projeto de pesquisa apresentado ao


Programa de Pós-Graduação em Estudos
Literários, do Instituto de Letras e Linguística,
para linha de pesquisa: literatura, Outras
Artes e Mídias, na Universidade Federal de
Uberlândia.

Possíveis nomes para orientação: Prof. Dr.


Luiz Humberto Martins Arantes; Profa. Dra.
Kenia Maria de Almeida Pereira e Prof. Dr.
Nuno Manna.

Uberlândia — MG
2022
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 3
JUSTIFICATIVA 5
EMBASAMENTO TEÓRICO 9
OBJETIVOS 12
Objetivo Geral 12
Objetivo Específicos 12
METODOLOGIA 13
CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO 14
REFERÊNCIAS 14
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INTRODUÇÃO

A pesquisa visa investigar a memória, o tempo, o discurso semiótico e a


ancestralidade presentes na dança opanijé de Obaluaê. O opanijé é uma linguagem
que se forma como resposta, preenchendo um corpo testemunho, diante da
ritualística presente nos xirês de Obaluaê.
Os xirês de Obaluaê, através do opanijé, tornam visível a memória deste
orixá, seu tempo e sua ancestralidade. Opanijé quer dizer “ele mata qualquer um e
come”. Obaluaê é o orisá da terra, sendo, portanto, responsável pelas doenças e
pelas curas. Toda vez que perpetuamos os movimentos deste orixá, estamos nos
conectando à sua energia.
O corpo que dança em sintonia com Obaluaê, torna tangível algo que não
pode ser registrado concretamente. Não se trata de negar o documento pelo seu
formato físico de notação, mas as ações desenvolvidas nos xirês não estão
protegidas apenas por documentos físicos e, muito menos, são fundamentadas
somente num registro visual ou audiovisual. Quando nos referimos às ritualísticas
afro-diaspóricas, estamos proporcionando um entendimento que se preserva por um
corpo-testemunho, que experimenta, em si, a função simbólica de um fenômeno,
onde a dança o convida e exige uma atenção à experiência do ato, no presente.

Diria que nossa ciência ocidental tem medo da vida. Quando se trata de
estudar o homem e sua expressão, não são os gestos vivos do homem que
ele se interessa, mas os resíduos mortos desses gestos (JOUSSE, 1978,
p.34)

Quando uma pessoa se torna filho de santo, uma centralidade existencial se


forma ao redor do seu corpo, que se torna uma força vital. Isso se dá por uma
dinâmica litúrgica que se estabelece a partir da mitologia de cada orixá. Os xirês
são, em parte, o que conhecemos no candomblé como Ìfọgbọ́ ntáayéṣe, ações para
trazer tranquilidade e harmonia para a sociedade e a comunidade. A cerimônia é
uma ocasião alegre e uma oportunidade para refletir sobre a ancestralidade do povo
africano e afro-diaspórico.
Os xirês retomam o tempo ancestral africano, através das danças, músicas,
cânticos e da literatura mitológica de cada orixá, onde circularmente a ritualística se
molda, diante da transmutação da matéria em contato com a energia do orisá que é
a representação da natureza e sua força sob nós. A ritualística presente em um xirê,
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nos permitem olhar para o conhecimento científico, político e social presentes nos
conhecimentos orais que se estabelecem nos terreiros de candomblé, podendo se
compreender a noção de tempo que perfaz os corpos afro-diaspóricos e seus
conceitos de passado e presente, onde o futuro faz parte de um não-tempo, pois
aquilo que a natureza ainda não transformou, não existe.

Na tradição Africana o tempo é simplesmente a composição dos eventos


que ocorreram, que estão ocorrendo agora, que imediatamente e
inevitavelmente ocorrem. Os eventos que ainda não ocorreram estão na
categoria do “ Não- tempo”. Neste caso o futuro é praticamente ausente
porque os eventos ainda não aconteceram, não se realizaram, portanto, não
constituem o tempo. (TOMÁS, 2011, p.07).

O xirê é uma reunião festiva para a comunhão das pessoas. O terreiro é


onde a poética Ubuntu se materializa, o senso de comunidade deste espaço, parte
da coletividade que ali se estabelece, através das pessoas que se encontram como
sua família, sendo o terreiro, território espiritual da ancestralidade preta.

A ligação era territorial e ancestral, pois os acontecimentos estavam


diretamente ligados ao seu espírito guardião, que devia sempre ser
fortalecido. Dentro da sua própria lógica, as entidades interagem em suas
diferenças, tendo o respeito da comunidade (SANTANA, 2018, 06).

Os xirês de Obaluaê e a dança opanijé nos permitem, através dos elegun,


abrir um portal para que ele distribua seu axé as pessoas que lhes são queridas. O
opanijé é o encontro da matéria com a energia do orixá, onde, por meio desta
dança, se estabelece a memória, o corpo, a voz, o espírito e a alma de um
corpo-testemunho. A dança é a linguagem que os filhos de santo usam para se
comunicar. Ela prevê a união de uma comunidade em um só corpo, com a finalidade
de promover a felicidade coletiva. O conceito de felicidade para o corpo-testemunho
que dança para seu orisá no candomblé, é a felicidade em plenitude para todos os
presentes.

JUSTIFICATIVA

O Candomblé é tradição oral. Essa religião de origem africana conseguiu,


dentro de si, preservar a linguagem africana. O terreiro é conservatório cultural e
histórico que difere de outras instâncias afro-brasileiras, sociológicas, religiosas e
musicais.
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Ao compreender a oralidade como forma de expressão simbólica que


configura um corpo, procuro, através da pesquisa, estabelecer os saberes presentes
nas ritualísticas dos xirês de Obaluaê. Dessa forma, faço com que os processos de
conhecimento oral dos terreiros sejam visíveis num contexto universitário, político,
científico e artístico. A pesquisa permitirá a criação de um documento que mostre a
ação dos xirês por meio da dança opanijé de Obaluaê, bem como a sua importância
para um corpo-testemunho e sua coletividade.
As poéticas que giram em torno das rituais dos xirês, permitem criar um
corpo-testemunho, que mantém a memória africana e afro-diaspórica viva, onde o
conhecimento se expande em um tempo ancestral e circular, diante de um corpo
que se comunica com o público por meio da dança.

Memória não se restringe, na própria genealogia do termo, à sua


face de inscrição alfabética, à escrita. O termo nos remete a muitas
outras formas e procedimentos de inscrições e grafias, dentre elas a
que o corpo, como portal de alteridades, dionisicamente nos remete
(MARTINS, 2003, p. 02).

A memória não se limita a livros, museus, arquivos e jornais, está presente


também no corpo daquilo que chamamos de ancestralidade. O corpo é a chave para
se compreender o humano expressivamente. O corpo atravessa espaços próprios e
profundos, proporcionando experiências históricas, pessoais e de resgate cultural e
científico, que permitem a transmissão de conhecimento de outras maneiras, se
constituindo de uma linguagem única, seja ela efêmera ou permanente.

Os repertórios orais e corporais, gestos, hábitos, cujas técnicas e


procedimentos de transmissão são meios de criação, passagem,
reprodução e de preservação dos saberes [...] (MARTINS, 2003, p.
05).

Poucos são aqueles que tomam consciência de que a senzala é


responsável por dar vida ao mundo ocidental. Os nossos hábitos alimentares, gosto
por música, literatura e forma de lazer são todos oriundos da cultura africana, antes
da colonização, tornando a cultura brasileira africana. Dessa forma, torna-se
imprescindível a ritualística que se cria nos xirês de obaluaê, oferecendo a hipótese
de assegurar a preservação da essência cultural brasileira, dando-lhe visibilidade
perante a sociedade e desconstruindo concepções equivocadas acerca da
religiosidade africana e afro-brasileira, para concretizar a linguagem real da cultura
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preta. “A linguagem, e eixo fundamental de toda a cultura e das religiões de origem


africana na diáspora, guarda certa identificação com as raízes. Principalmente a
linguagem dos gestos, que expressa valores tradicionais” (MUNANGA, 2004, p.
157).
A vida é reflexo do movimento dinâmico das coisas, a dança opanijé é
testemunho da construção “ser”, que se estabelece por uma linguagem única de
comunicação. Ao movimentar o meu corpo de forma ritualística, estabeleço um
diálogo com o outro através das experiências que marcaram a minha história, pois
nos movimentamos conforme as memórias que habitamos. O candomblé é o
encontro daqueles que ali estudam juntos, construindo um mundo dinâmico de
equilíbrio de chegadas e partidas de pessoas, através do corpo, que mostra a força
universal do orixá na sua forma mais pura, através da dança, que liga o
corpo-testemunho ao seu orixá e à simbologia de sua energia com a natureza.

Segundo a filosofia do candomblé, o universo é dinâmico e ao


manter-se em movimento ele está em equilíbrio. A vida faz parte
desse processo rítmico e dinâmico de criação e destruição, de morte
e renascimento, expresso no ritmo das danças dos orixás, que
simbolizam as energias da natureza nesse eterno e alterno ritmo,
que continua em ciclos infinitos (BARBARA, 2002, p.35).

Obaluaê é um dos Orixás mais admirados do candomblé. Ele é o senhor da

terra, o orixá da cura, da saúde e também das doenças. Enfim, é o orixá da vida e

da morte. A dança opanijé de Obaluaê, apresenta-nos símbolos que compõem a

linguagem da vida e da morte, do céu e da terra, dos ciclos, do tempo, do ouvir, ver

e falar. Essas são as energia de Obaluaê. Quem está sob a influência de sua

energia está sob o corpo do ancião, e é necessário sentir e habitar essa força com o

poder da saúde, da vida e da morte.

Orixá perigoso não é de brincadeira tem que ser respeitado é muito


sério, ele sabe que entre a vida e a morte entre céu e a terra existe a
energia do meio. Por isso é importante mostrar ou mais que isso
viver todos os momentos em que vocês estiverem simbolizando suas
energias, demarcando os elementos. Então incorporem essa ideia,
transformem essa imagem em uma força, em algo verdadeiro. Com
as mãos para baixo e após para cima pode simbolizar a morte –
cemitério.Todos esses elementos são os que caracterizam, que
simbolizam, que codificam esses Orixá que dão a sua identidade.
Tudo isso simboliza um ponto de vista, ou seja, o que ele ouve, o
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que ele vê, o que ele fala, enfim o que mostra sempre pelos gestos
(FERREIRA, 2011, p.75).

O que significa cada elemento de um orixá? A dança do orixá nos dá uma


identidade, nos mostrando como é a vida diante do seu axé e da sua força. Ele se
comunica com as pessoas que estão ao seu redor, por meio de uma linguagem
única, que se constrói ao redor daquele que dança com a energia deste orisá. Mas
como é a vida para você? Quais energias o seu corpo testemunha e se
territorializa? No opanijé de Obaluaê, é servido o olubajé (alimento), que é,
obrigatoriamente, colocado em cima de uma folha especial chamada Ewe lara. Essa
folha representa a morte, e em cima dela está a vida, sendo o alimento.
A partir da composição de ideias que abordam esses e outros temas, o
corpo de um filho de santo de Obaluaê sofre uma metamorfose durante o xirê, ao
dançar o opanijé. A partir do momento em que suas emoções e digitais são postas
em cada movimento, algo é comunicado, uma nova linguagem se constrói, a qual é
efêmera para quem assiste e eterna para quem a sente. Neste momento, quem fala
não é mais você e sim o seu orisá.

Cântico de um xirê

Ó gbélé ìko, sàlàrè


Ele vive em casa de palha
Sálà rè lórí
que é o seu Alá, que cobre a sua cabeça
Ó gbélé ìko, Ó gbélé ìko
vive em casa de palha
Sálà rè lórí
o Alá que cobre a sua cabeça.

Três golpes fortes no Run, fazem cessar a melodia de maneira abrupta; é o remate,
que se ouve para que um outro canto possa se elevar:

Olórí ìjeníiyà a pàdé


O Senhor que mata, o Senhor que castiga
Sálà rè lórí
que é o seu Alá, que cobre a sua cabeça
Ó gbélé ìko, Ó gbélé ìko
vive em casa de palha
9

Sálà rè lórí
o Alá que cobre a sua cabeça.

O canto repetido várias vezes fala daquele que castiga e pune os infratores. O
refrão a seguir, fala da proteção àqueles que sabem bem receber:

Jó alé ijó , é
Dance em nossa casa,
Jó alé ijó , é jó
dance, dance , dance em nossa casa.
alé ijó ,
dando força e energia à nossa casa.

EMBASAMENTO TEÓRICO

A ausência de memória africana deixa o afro-brasileiro num vazio, onde o


tempo ancestral não tem como ser lembrado, ou seja, não há como dialogar sobre
este indivíduo que se torna retalho da diáspora africana. O racismo tem como um
dos seus pilares o esquecimento da história afro-diaspórica, como se a única
experiência possível, aceitável e desejada fosse aquela contada pela comunidade
branca europeia.

A memória dos afro-brasileiros, muito ao contrário do que afirmam aqueles


historiadores convencionais de visão curta e superficial entendimento, não
se inicia com o tráfico escravo e nem nos primórdios da escravidão dos
africanos, no século XV. Em nosso país, a elite dominante sempre
desenvolveu esforços para evitar ou impedir que o negro brasileiro, após a
chamada abolição, pudesse assumir suas raízes étnicas, históricas e
culturais, desta forma seccionando-o do seu tronco familial africano
(NASCIMENTO, 2002, p. 329).

Para se ter uma compreensão da memória afro-brasileira, é necessário


estabelecer uma literatura científica, filosófica, artística, poética e política-social
afro-diaspórica. Entretanto, onde estão estas literaturas e este conhecimento? A
ausência de visibilidade da cultura africana fez com que o pensamento
afro-diaspórico se resguardasse em espaços de aquilombamento, sendo os terreiros
de candomblé um desses espaços, guardiões de tais conhecimentos, através da
oralidade e das ritualísticas.
Diante disto, como compreender, por meio do opnanijé de Obaluaê, a
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tradição como força vital no contexto social em que vivemos? A tradição é um


instrumento de poder científico, político e teórico, sobre a cultura e a identidade
afro-brasileira, sendo o território de nossas origens.

Através da tradição viva nos mais velhos, a palavra segue seus caminhos
comprovando sua força, sua potência e ganha movimento ao se unir ao
ritmo para gerar outras forças. Essa manipulação das forças, das energias
sobrevive na roça, devido a uma tradição viva que atravessou os mares
vindo da África e aqui no Brasil chegaram, fazendo da fala um instrumento
de poder (SANTANA, 2018, 12).

Em parte, o processo está na compreensão do terreiro de candomblé como


um espaço de aquilombamento, de grande relevância na sua estrutura
político-social. O terreiro de candomblé, também conhecido como roça, é uma
biblioteca afro-diaspórica, que guarda o conhecimento científico, filosófico,
sociológico, político, artístico e literário.
Esse lugar nem sempre foi considerado legal perante a lei e, ainda que
legalizado atualmente, sofré com a destruição de seus espaços através da
materialização do ódio de camadas dominantes, que não medem esforços para
marginalizar o corpo afro-diaspórico e seus espaços. Corpo este, aos quais são,
uma ferramenta de comércio cultural, científico e social, é um corpo “legal” perante a
sua ilegitimidade existencial.

Tanto os permitidos quanto os "ilegais" foram uma unidade, uma única


afirmação humana, étnica e cultural, a um tempo integrando uma prática de
libertação e assumindo o comando da própria história. A este complexo de
significações, a esta práxis afro-brasileira, eu denomino de quilombismo
(NASCIMENTO, 2002, p.338).

O terreiro é lar de um corpo-testemunho, onde a história é criada e recriada


através da oralidade, musicalidade e da dança. Não, é algo material ou estático,
mas sim mutável conforme a narrativa de cada corpo-testemunho presente ali, que
constrói novas histórias todos os dias. Para um pensamento cartesiano, entender
essas consignas como pensamento de conhecimento legítimo é difícil, pois se
constrói em um tempo ancestral, onde tais pensamentos são vividos e
experienciados para dar alcance ao primordial humano.

Pode parecer caótica àqueles que não lhe descortinam o segredo e


desconcertar a mentalidade cartesiana acostumada a separar tudo em
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categorias bem definidas. Dentro da tradição oral, na verdade, o espiritual e


o material não estão dissociados. [...] a tradição oral consegue colocar-se ao
alcance dos homens, falar-lhes de acordo com o entendimento humano,
revelar-se de acordo com as aptidões humanas. Ela é ao mesmo tempo
religião, conhecimento, ciência natural, iniciação à arte, história,
divertimento e recreação, uma vez que todo o pormenor sempre nos permite
remontar à Unidade primordial. (BÂ, 2010, p.193).

Para compreender a linguagem construída no opanijé de Obaluaê, é preciso


estabelecer um pensamento sobre o que, de fato, é narrado através da linguagem
do corpo que dança, sendo ela uma linguagem não verbal afro-brasileira. Dessa
forma, há diversos caminhos para que se possa analisar e estudar, a semiótica dos
xirês de forma mais aprofundada, o que é um corpo-testemunho e as poéticas que
este corpo comunica ao dançar.
Para compreender um xirê, é necessário compreender a política-social que
se instaura sob este corpo que cultua um orixá e a cultura afro-diaspórica. É
necessário estabelecer uma ótica filosófica acerca do existir sobre um tempo
ancestral africano, entendendo o tempo, neste sentido, como uma grandeza cíclica.

Tempo cíclico e o tempo mítico, o tempo ritual, o tempo ritmado pelas festas
que renovam a vida da comunidade, da terra da comunidade africana , o
tempo de “divinização” dos chefes e dos reis [...] Enfim, tudo tem o seu
tempo. Essa concepção do tempo exige grande exercício de paciência, da
sabedoria ancestral Africana. Cada evento tem o seu lugar e seu tempo.
(TOMAS, 2011, p.07).

“O homem africano não é escravo do tempo; faz tanto tempo quanto queira”
(MBITI 2005). O tempo é crucial para aquele que estabelece sob o seu corpo as
ritualísticas africanas. A filosofia Ubuntu, que surge a partir do ciclo do tempo, é uma
forma de habitar em conjunto e de forma igualitária em um espaço que vive diante
dessa filosofia.
Os xirês de Obaluaê celebram a comunhão e a manifestação da vida

através do alimento, preparado em comunidade por diversos corpos diferentes, que

se unem para um propósito, dar ao outro o axé de Obaluaê.

O opanijé de Obaluaê propõe a compreensão da morte como uma


restauração da vida. O velho nos conta, pela mitologia que lhe cerca, que em cada
movimento seu, se resguarda a memória de um existir. Em cada movimento, ele
eterniza o efêmero ao corpo que se faz com ele, e nos conta que ele nos protege,
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sendo ele a terra, a vida, a morte e aquele que nos ensina a ser grato pelas pessoas
que nos cercam.
Por meio desses pensamentos torno território para pesquisa nomes como
Abdias Nascimento, Na´im Akbar, Eliana Cruz Alves, Akbar, Na’im, Amadou
Hampâté Bâ, Paula Batista Carolina, Sueli Carneiro, Frantz Fanon, Leila Gonzales,
Bell Hooks, Leda Martins, Achille Mbembe, John Mbiti, Julio Silva Menezes,
Kabengele Munanga, Aza Njeri, Renato Nogueira, Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí, Mogobe
Ramose, Humberto Manoel Santana, Tiganá Santana, Muniz Sodré, Severino Elias
Ngoenha, Renato Nogueira, Lorena Oliveira Silva, Luiz Tomaz, Gislene Aparecida
Santos, Luiz Tomaz, Dalzira Iyagunã, Antonio Ferreira, Rosa Maria Bárbara.
É necessário compreender a essência de si para criar a imagem do todo.

Com a pesquisa, planejo um documento que seja território para os que estão

presentes, dentro e fora do meio universitário, político, científico e artístico, para que

estes também se aquilombe e vivam sob uma perspetiva afro-brasileira de

referenciais pretos, almejo construí uma pesquisa preta com referências e corpos

pretos, fazendo dela um espaço de aquilombamento.

OBJETIVOS

Objetivo Geral

Propor um estudo a respeito do xirê de Obaluaê e sua dança opanijé.


Oferecendo uma linguagem poética, científica e política-social, que demonstre a
expressão e a fala de tal orisá.

Objetivo Específicos

Propor o opanijé como uma linguagem não verbal, que perfaz um corpo
testemunho; desenvolver um estudo da semiótica do discurso e da linguística
presente nos xirês; estabelecer o xirê como um estado de comunicação do homem
com a memória ancestral, tendo o corpo, registros de uma linguagem que se
constrói pela memória; propor os conhecimentos orais presentes no terreiro de
candomblé, como conhecimentos político, científico e artístico; viabilizar o terreiro de
candomblé como um espaço de aquilombamento, estabelecendo sua importância
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para a cultura brasileira, sendo ela também africana; propor um olhar para a
tradução dos cânticos dos xirês de Obaluaê e suas múltiplas interpretações
linguísticas.

METODOLOGIA

Cogito realizar um estudo qualitativo sobre a fenomenologia por trás da

dança opanijé de Obaluaê em seus xirês. O opanijé é um fenômeno dinâmico, que

se desenvolve através da memória e da ancestralidade que perfaz cada

corpo-testemunho. Sendo assim, apesar do movimento estabelecido na dança ser o

mesmo, a mensagem comunicada pode ter diferentes interpretações. Dessa forma,

o opanijé pode ser observado sob diversos ângulos e maneiras da experiência

humana. O contato do ser humano com essa ritualística sempre se renova, não

sendo possível, dessa forma, estabelecer uma teoria única.

Para compreender os processos por detrás dos xirês de Obaluaê, é preciso

compreender que tal processo, se constrói por um conhecimento oral e conjunto,

sendo a mitologia e os cânticos parte importante e mutável. Os xirês criam uma

linguagem inconstante, sendo necessário olhar para este fenômeno com uma

perspetiva de ingenuidade, proporcionando, dessa forma, um caminho para

perceber que o mesmo processo ritualístico pode propor diferentes traduções,

diante da forma como se estrutura o opanijé e o corpo-testemunho que o transpõe

em meio ao dançar. Onde as interpretações de quem o assiste pode se passar

pelas mais distintas, sendo os movimentos do filho de santo efêmero a quem

observa, e eterno para si.

Tenho como cenário de pesquisa neste primeiro momento o terreiro de


candomblé em suas mais distintas nuances e nações. Dessa forma, entendo ser
necessário analisar e apresentar os caminhos percorridos pela pesquisa, por via de
uma escrita que siga os caminhos filosóficos Ubuntu, por compreender o
pensamento africano como crucial para se construir esta pesquisa. “Ubuntu como
uma maneira de viver, uma possibilidade de existir junto com outras pessoas de
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forma não egoísta, uma existência comunitária antirracista e policêntrica”


(NOGUEIRA, 2012, p.01).

O termo ntu já indica toda manifestação particular, os modos distintos de


existência. Vale destacar que ubu está invariavelmente orientado para ntu.
Ou seja, na acepção de Ubuntu toda a realidade está integrada. Com efeito,
a tradução de Ubuntu por “humanismo” não nos oferece toda a dimensão da
palavra. Em linhas gerais, “ubu” indica tudo que está ao nosso redor, tudo
que temos em comum. “Ntu” significa a parte essencial de tudo que existe,
tudo que está sendo e se transformando (NOGUEIRA, 2008 p.02).

Dessa forma, torna-se possível a criação de um trabalho ético, para

constituir um documento de um futuro no presente. O pensamento Ubuntu permite a

criação de uma escrita, por um pensamento afro-perspectivista, que protege o corpo

preto, como fonte fundamental desta pesquisa.

A ética deve levar em consideração as três dimensões. Se a realização de


uma pessoa está sempre na interação com todas as outras pessoas. É
indispensável levar em conta os ancestrais e os que estão por vir [...]
podemos viver de um modo mais solidário, aprendendo mais com os que se
foram, dando aos que virão a devida importância e, sobretudo, vivendo a
vida de um modo compartilhado [...] Com efeito, Ubuntu como modo de
existir é uma re-existência, uma forma afro-perspectivista de configurar a
vida humana coletivamente, trocando experiências, solidificando laços de
apoio mútuo e aprendendo sempre com os outros (NOGUEIRA, 2008 p.03).

CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO

2023 e 2024:

Cumprimento das disciplinas; levantamento da bibliografia, literaturas e


mitologias dos cânticos dos xirê de Obaluaê; estudo da semiótica do discurso e da
linguística, dos movimentos que perfazem um corpo de um filho de santo em um
opanijé de Obaluaê; construção dos primeiros registros de escrita e visuais, que
nortearam a pesquisa.

2025:

Início da escrita da tese; qualificação; finalização dos processos e estudos


de campo; defesa da pesquisa.
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REFERÊNCIAS

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pré-historia da África. Ki-Zerbo. 2.ed. rev. - Brasília: UNESCO, 2010.

BARBARA, Rosamaria Susanna. A dança das aiabás: Dança, corpo e cotidiano


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Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, São Paulo. 2002.

FERREIRA, Antonio Marcos Junior. A Dança Dos Orixás De Augusto Omolu E


Suas Confluências Com A Antropologia Teatral. 2011. 138 p. Dissertação
(Mestrado) - Dissertação apresentada ao programa de Pós-graduação em Artes da
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JOUSSE, Marcel. Anthropologie du geste. Paris: Éditions Gallimard, 1978.

MARTINS, Leda. Performances da Oralitura: corpo, lugar de memória.


Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Letras. nº 26. Língua e Literatura:
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MBITI, John S. African religions and philosophy. 2ª. ed. Ibadan, Nigeria,
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MUNANGA, Kabengele. Origem e histórico do Quilombo na África. São Paulo:


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