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ORQUESTRA DE BARRO UIRAPURU: LAZER, CULTURA E TRADIÇÃO

Lívia dos Santos Oliveira1


Simone Oliveira de Castro2

Introdução

A Orquestra de Barro Uirapuru é um projeto que existe desde 2009 e foi criado pelo
luthier Tercio Araripe em parceria com moradores do povoado de Moita Redonda, em
Cascavel – CE. A orquestra tem um grande diferencial: a criação de instrumentos musicais
feitos de barro.
O barro, além da usual tradição na confecção de utensílios domésticos e decorativos na
Comunidade de Moita Redonda, ganha um ar de ludicidade por meio de instrumentos criados,
como marimbas, chocalhos, congas, tambores, apitos. A riqueza visual e musical existente ao
desenvolver instrumentos e sons tão singulares revela um novo olhar sobre a utilidade do
barro, também visto como capital cultural.
A pesquisa se propôs como objetivos apresentar a Orquestra de Barro Uirapuru,
investigar seu papel na preservação da cultura local na comunidade de Moita Redonda, como
também seu processo criativo utilizado na elaboração dos instrumentos musicais, além de
compreender sua possível configuração como um importante espaço de criação e fruição de
lazer e como uma manifestação que atualiza a tradição do barro presente na localidade.
A Comunidade de Moita Redonda é tradicionalmente conhecida pelo trabalho
artesanal desenvolvido com barro há muitas gerações, e a Orquestra, como o próprio nome
sugere, utiliza o barro como principal elemento para confecção de instrumentos musicais.
A música pode proporcionar uma significativa contribuição social à formação cidadã
dos participantes. Visto dessa forma, a Orquestra tem potencial para despertar a criatividade, a
interação e o contato com a cultura. Ações que são promovidas junto com as práticas de lazer
estimulam o sentido de apropriação da cultura local e o espaço de liberdade. Exemplos como
a Orquestra de Rabecas, do Crato – CE, e as Bandas Cabaçais, localizada na região do Cariri,

1
Graduada em Gestão Desportiva e de Lazer pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
(IFCE)
2
Doutora em Sociologia (UFC-2009). Mestre em História Social (PUC/SP-2003). Licenciada História (UECE-
2000) Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará.
mostram como a conquista do reconhecimento e da contribuição social são elementos
fundamentais para a valorização e a mudança do local em que vivem.
Entendendo a importância do conhecimento da Comunidade e da Orquestra para o
desenvolvimento dos objetivos propostos, a metodologia aplicada constituiu-se de pesquisa de
natureza qualitativa e exploratória. Além da pesquisa bibliográfica, configurada em estudo da
literatura relacionada ao tema: lazer, patrimônio cultural, cultura e cultura popular, a de
campo possibilitou, por meio da coleta de dados a partir de entrevistas semiestruturadas,
compor um rico material documental cujo principal foco foram as narrativas dos sujeitos
envolvidos. Quanto às entrevistas, os pais e participantes da orquestra foram entrevistados
cerca de três minutos cada, já com o dirigente da orquestra, a duração foi de dezesseis
minutos em média.

Lazer, Cultura e Patrimônio

O Lazer é uma necessidade da vida humana. Segundo Requixa (1974), durante muito
tempo foi entendido como algo supérfluo e, por isso, era relegado para o último plano. Ainda
hoje a sociedade supervaloriza o trabalho e a produção, pondo, quando possível, as atividades
de lazer nos finais de semana ou nas férias. A história humana mostra, por exemplo, que entre
os povos primitivos não havia uma real divisão do que seria trabalho e lazer, pois eram
instancias que se complementavam.
No entanto, a partir da Revolução Industrial, com o avanço tecnológico e a redução da
jornada de trabalho, surge o tempo determinado na vida dos operários para o descanso e a
recuperação das forças, isto é, o lazer tal qual se conhece. E, nessa dimensão, o Lazer assume
um significado amplo ligado à cultura. Essa dimensão da cultura pode ser entendida como
uma:

[...] dimensão da cultura constituída por meio da vivencia lúdica de manifestações


culturais em um espaço/tempo conquistado pelo sujeito ou grupo social,
estabelecendo relações dialéticas com as necessidades, os deveres e as obrigações,
especialmente com o trabalho produtivo (GOMES, 2004, p.124).

Isto é, na construção do significado na vida dos sujeitos, a cultura desenvolve diversos


aspectos, como o lúdico, por intermédio de vivências diversificadas e inovadoras, e o do
espaço/tempo, que, ao assumir um local mais do que um lugar, possibilita a interação social e,
além disso, possibilita o encontro de pessoas com as manifestações culturais. Nessa
perspectiva, quanto mais o indivíduo se envolver, mais terá o domínio das variáveis presentes
nesse fenômeno, de como aproveitá-lo ou optar pelas alternativas que mais despertem seu
interesse, de maneira a realizar-se de forma individual e coletiva. Desse ponto de vista, são
vastas as possibilidades do lazer:

[...] as atividades de lazer oferecem ocasião para que as pessoas externem suas
faculdades criadoras, exercitem seus dotes artísticos ou estimulem a realização de
suas virtualidades estéticas; facilitam ao indivíduo a contemplação e o prazer de
admirar criações artísticas de outros (REQUIXA, 1974, p.31).

O Lazer possui entre suas características o sentido da não obrigatoriedade, pois o


indivíduo faz a escolha da atividade que mais lhe atrair, da que mais lhe possibilite a sensação
de prazer, alegria e liberdade para participar e criar. Portanto, como fator de desenvolvimento
das potencialidades humanas, o lazer está diretamente ligado à cultura.
A cultura é o que nos caracteriza como membros da sociedade. Os nossos costumes,
expressões e o jeito de viver revelam nossa identidade. Ela não está apenas centrada nas artes,
nas danças, mas em toda a nossa dimensão social. Seguindo essa linha,

cultura é uma construção histórica, seja como concepção, seja como dimensão do
processo social. Ou seja, a cultura não é algo natural, não é uma decorrência de leis
físicas ou biológicas. Ao contrário, a cultura é um produto coletivo da vida humana
(SANTOS, 1994, p.45).

Dessa maneira, a Cultura faz parte de um sentido de comunidade; é uma dimensão do


plural, construído a partir da vivência entre as pessoas e se dissemina permitindo o
apoderamento dos participantes.
As manifestações culturais são canais de transmissão da simbologia e das relações
sociais presentes na vida dos envolvidos. Com a prática das expressões populares, esse
simbolismo passa a ter um valor singular no modo de viver e influencia a maneira como eles
se percebem. Com isso, o significado de cultura pode ser compreendido “num conjunto de
modos de fazer, ser, interagir e representar que, produzidos socialmente, envolvem
simbolização e, por sua vez, definem o modo pelo qual a vida social se desenvolve”
(MACEDO apud VALLE, 1982, p.35).
Isso mostra que a cultura está presente no cotidiano de forma a influenciar os hábitos
das pessoas e de forma a relacioná-las à realidade que as cerca. É possível descobrir que
determinada prática cultural faz parte de grupo x ou y em virtude de perceber como aquela
atividade está inserida na vida de seus praticantes.
Como objeto de construção social, a cultura deve ser estudada em sua totalidade,
desde a forma como as práticas culturais se estruturam, as significações para os envolvidos,
até a relação das pessoas com o meio, como essa relação se dá no envolvimento que
proporciona sensações de bem-estar, lazer e troca de conhecimentos entre os participantes.

A Cultura não apenas representa a sociedade; cumpre também, dentro das


necessidades de produção do sentido, a função de reelaborar as estruturas sociais e
imaginar outras novas. Além de representar as relações de produção, contribui para a
sua reprodução, transformação, e para a criação de outras relações. (CANCLINI,
1983, p. 29-30, grifos do autor).

Quando a Cultura assume espaço na vida dos sujeitos, a comunidade passa a


compreender o valor da manifestação a qual está inserida e da maneira em que ela pode
construir as relações com o espaço. O ritmo de viver obedece a um tempo próprio longe da
efervescência do cotidiano da vida moderna. As raízes de um povo são um ponto essencial
para a formação pessoal, preservação dos costumes e transmissão de conhecimento aos mais
jovens.
Isso revela a Cultura como uma marca de determinado lugar ou povo. Esse fato
acontece, por exemplo, quando se viaja para outros locais, quando é possível o contato com
outro contexto diferente do que se está presente no cotidiano. Esse contato facilita o
compartilhamento de experiências, atitude cada vez mais difundida em uma sociedade tão
globalizada, em que o acesso à informação é tão rápido e de fluxo tão intenso.
Afinal, o contato com a manifestação permite uma apropriação, pois a comunidade se
torna responsável, ou seja, passa a assumir o papel de agente de transformação ao passo que
percebe que a contribuição empreendida faz diferença no presente e tem impacto no futuro, e,
assim, passa a usufruir da riqueza cultural de forma mais consciente e criativa. Como aponta
Milton Santos3:

O conceito de cultura está intimamente ligado às expressões da autenticidade, da


integridade e da liberdade. Ela é uma manifestação coletiva que reúne heranças do
passado, modos de ser do presente e aspirações, isto é, o delineamento do futuro
desejado. Por isso mesmo, tem de ser genuína, isto é, resultar das relações profundas
dos homens com o seu meio, sendo por isso o grande cimento que defende as
sociedades locais, regionais e nacionais contra as ameaças de deformação ou
dissolução de que podem ser vítimas.

3
Da cultura à indústria cultural. Folha Online, São Paulo, 19 mar./2000. Disponível em:
< http://www1.folha.uol.com.br/fol/brasil500/dc_3_10.htm>. Acesso em 13 jun./ 2015.
Neste sentido, a cultura para um povo é um instrumento para fortalecer os valores
existentes além de despertar o fazer artístico.
A Cultura abrange a questão cognitiva como o fazer e o criar. Ao elaborar
instrumentos, por exemplo, imagina-se o som, a forma, a textura e qual a melhor técnica a se
empregar para a produção. Nesse momento, é possível notar o espírito de satisfação, o prazer
de estar envolvido com a atividade de forma livre e como recurso da ludicidade, elemento
essencial para o desenvolvimento humano. O lúdico abrange todos os aspectos da vida, aos
quais passam do individual para o grupal. É nessa passagem que existe, também, a descoberta
de si mesmo e do outro.
O Lazer possui um sentido da busca pelo prazer que não é exclusividade de todos os
momentos, mas também tem uma relação com o tempo. Nesse tempo empregado nas
linguagens artísticas, busca-se explorar aspectos não vivenciados no cotidiano. O Lazer
propicia momentos de liberação das tensões assim como o prazer de explorar talentos e
expressões. A vivência nos mergulha em uma atmosfera circundada pelo diferente e pela
novidade.
Essa novidade dá aos participantes uma sensação de bem-estar, o que mostra o quanto
o contato com o Lazer é necessário nos dias atuais, nos quais as pessoas se encontram tão
estressadas com o ritmo frenético do dia a dia e, muitas vezes, têm um tempo restrito para
atividades no tempo livre. Esse tempo livre é usado por uma parte das pessoas para ter um
envolvimento com atividades culturais. O contato com essas manifestações aproxima o sujeito
da cultura, seja quando pretende experimentá-la, seja quando pretende conhecê-la mais de
perto fazendo parte. Ao passo que os envolvidos estejam imersos nessa realidade, é forte a
probabilidade de exploração do conteúdo assim como a mudança da visão a respeito da
própria concepção do que seja o Lazer e do lugar dele na vida de cada um.
De certa forma, o que se percebe, nos dias atuais, são as pessoas restringirem as
práticas de lazer pelo fato de não terem contato com outras possibilidades no campo da
cultura. Essa realidade as distancia da apropriação da cidade e dos equipamentos promotores
da relação entre lazer e cultura. Como coloca Gomes (2001, p.47):

Nesse sentido, o conceito de cultura está intimamente vinculado aos processos de


reprodução, produção e transformação de nossas práticas coletivas, mas geralmente
a indústria cultural nos apresenta apenas a possibilidade de reprodução e consumo.

Sendo assim, o Lazer é um instrumento de formação individual e coletiva dos sujeitos.


Ao uni-los, esse instrumento colabora para a valorização bem como a conservação das
práticas culturais. Dessa maneira, o Lazer torna-se um tempo para o exercício da cidadania
por meio da participação cultural. As atividades de lazer se configuram em um espaço de
encontro entre a comunidade. O encontro em torno de uma vivência cultural os envolve
tornando-os protagonistas nesse processo. Como pontua Marcellino (2007, p. 12-13), “o
Lazer é entendido como especificidade concreta e, na sua especificidade, com possibilidades
de gerar valores que ampliem o universo da manifestação do brinquedo, do jogo, da festa, da
re-creação, para além do próprio lazer”.
Com isso, verifica-se que o Lazer assim como a Cultura têm caráter de
desenvolvimento de valores pessoais os quais são fundamentais para a escolha da vivência
dos sujeitos. Ao participar de atividades culturais, notam-se presentes aspectos como a
satisfação e a criatividade os quais são valores existentes no campo do lazer. Como pontua
(PINTO, 1998, p. 24):

Nesse sentido, lazer é uma rica oportunidade de experimentarmos desdobramentos


da nossa compreensão sobre as coisas, o mundo e as relações, vivendo os requintes
da nossa sensibilidade. Momento que engloba também nossas inquietudes diante dos
limites que o contexto social nos impõe.

Com a aproximação da comunidade dos conteúdos ligados ao Lazer, é possível ter


uma vivência mais rica da cidade e de como isso pode influenciar para a prática de atividades
mais libertadoras. O que faz a Cultura forte são as atitudes de valorização bem como a difusão
das práticas. Assim, nota-se o poder de mudar o contexto que a circunda. Tendo em vista que
na sociedade atual o tempo para o Lazer é tão escasso, em virtude da labuta diária e do
esforço empreendido para melhorar o nível de vida, a participação em atividades culturais e
de lazer é pequena. Faz-se necessário, então, pensar em alternativas que estimulem os sujeitos
a conhecer e tomar posse dos bens culturais.
As pessoas muitas vezes desconhecem as possibilidades da cultura e, por falta de
incentivo ou atitude dos envolvidos em busca desse encontro com o Patrimônio Cultural,
optam por um lazer massificado e sem nenhuma relação com a realidade que os cerca.
O Patrimônio envolve todas as manifestações, sejam elas de ordem material, sejam de
ordem imaterial. No imaterial, temos danças, folguedos, músicas, saberes e expressões
desenvolvidas por um grupo ou comunidade que visa a valorização das manifestações.

Acrescentando à noção de cultura, conclui-se que é um produto da cultura o que é


herdado e transmitido de geração para geração. Como na noção de cultura, no
conceito de patrimônio cultural também são indissociáveis as dimensões materiais e
simbólicas (MARTINS, 2003, p. 50-51).
Embora o Patrimônio material tenha mais destaque por ser palpável, as expressões
imateriais não podem ficar despercebidas pelo fato de não serem concretas. O abstrato tem
relevância, pois se constitui como um elemento vivo e dinâmico. Dessa maneira, o conceito
de Patrimônio Imaterial é assim apresentado:

[As] práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os


instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as
comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte
integrante de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se
transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua
história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim
para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana (UNESCO,
2003).

Assim, o Patrimônio material bem como as manifestações de Lazer de determinada


sociedade podem aparecer ligados ao Patrimônio Imaterial, pois desenvolvem uma rede
relacional entre os moradores, assim como criam fortes laços dos habitantes com essas
expressões. Isso significa que ao estar presente no cotidiano das pessoas, leva para si e os seus
as marcas dessa ligação.
Dessa forma, o Lazer pode se configurar como elemento da questão do Patrimônio. O
Lazer é um campo que possibilita estimular a participação e mobilização cultural, como
também possibilita estimular a educação, que pressupõe ao estudante reconhecimento da
riqueza cultural. Isso torna os sujeitos mais próximos de sua história e, assim, desperta-os
para uma vivência mais enriquecedora ligada a temática do Patrimônio.

O que se busca entender hoje é a existência de costumes, festas, tradições e formas


de entretenimento, no contexto das condições concretas de vida de seus portadores,
constituindo, deste modo, uma via de acesso ao conhecimento de sua ideologia, seus
valores e sua prática social (MAGNANI, 1998, p.32).

Os processos dessa dinâmica são importantes para consolidar os recursos por meio de
trocas de conhecimentos entre os que transmitem e os que recebem essa partilha. A
comunidade quando se apodera das tradições pode criar novas possibilidades de
desenvolvimento. Ao aperfeiçoar novas formas de sobrevivência, ela participa ativamente das
ações para tornar as manifestações culturais em riquezas da localidade e dos envolvidos, e
isso possibilita um crescimento dependente e ligado às raízes presentes na vida dos sujeitos.
No ato de participar, valores como a solidariedade e pertencimento motivam os
sujeitos a crescerem com e pelo grupo. Isso gera uma transformação no modo de perceber o
impacto do Patrimônio na vida dos participantes e na relação com as manifestações existentes.
A longo prazo, essa cadeia cultural pode desenvolver uma transformação da realidade local
tendo em vista o Patrimônio como elemento relevante para a formação na participação
cultural, tão necessária nos dias atuais, os quais a população consome performances
fabricadas e que não possuem ligação com a cidade.
É cada vez mais presente, nos pequenos e grandes municípios, a ocorrência da
massificação do que seja a cultura. E o que acaba ganhando destaque são atividades e eventos
que não têm ligação com os moradores. Enquanto isso, os grupos que carregam o Patrimônio
da localidade passam despercebidos ou são totalmente esquecidos. E, em outros casos, a arte é
promovida, mas não aqueles que a fazem.

A Comunidade de Moita Redonda em Cascavel – CE

A Comunidade de Moita Redonda integra a cidade de Cascavel – CE, município


situado na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Localizado no litoral leste do estado,
distanciando aproximadamente 60 km da capital, Cascavel se destaca no cenário nacional
pelas belas praias e por abrigar uma histórica feira popular realizada aos sábados, que agrega
pessoas advindas de todas as partes. Além disso, em Cascavel é notório a riqueza do
artesanato de barro, em especial na Comunidade de Moita Redonda, e de cipó, na
Comunidade da Bica.
As principais atividades econômicas do município são advindas do comércio, bastante
movimentado e com grande oferta de produtos por conta principalmente da feira, que ocorre
durante os sábados; a pesca, em que há grande diversidade de peixes, lagostas e mariscos; e a
agricultura, cuja produção é familiar e artesanal e a maior parte dos produtos é comercializada
também na referida feira.
Além disso, existem três empresas presentes no município, a saber: MARTEXTIL,
empresa que trabalha no ramo de bojo para sutiãs, JBS, voltada para o beneficiamento de
couro, e a Indústria Rudolf Sizing Nordeste, de fécula de mandioca, localizada em Guanacés.
Entre as riquezas culturais presentes no município, vale citar o Patrimônio material
com as seguintes edificações: a igreja matriz, a antiga cadeia pública, hoje abandonada e sem
nenhum plano de reestruturação no momento, e a capela de São José, na entrada do cemitério.
Em relação ao Patrimônio Imaterial, destaca-se o artesanato. O cipó no bairro da Bica
foi inclusive usado no cenário do Programa No Limite e na festividade natalina do Shopping
Benfica. O cipó adquirido pelos artesãos da Bica é retirado de terrenos próximos às praias, em
trechos de Aracati ao Pecém, às vezes sem pedir autorização aos proprietários, com exposição
de risco de vida e sem aparente preocupação ambiental.
O artesanato de barro presente em povoados como Boa Fé e Moita Redonda é uma
forte marca de visibilidade de Cascavel em outros locais. Turistas de toda parte se encantam
com a qualidade da produção e beleza do produto. Em Boa Fé, por exemplo, a família Muniz
trabalha há décadas e desenvolve peças decorativas e utilitárias com a técnica de desenho nas
peças.
Na comunidade de Moita Redonda, a tradição com o barro remonta à herança dos
índios que habitaram a região. Isso permeia a vida dos moradores. É comum encontrar na
frente das casas o barro usado na confecção das peças e as peças produzidas pelos artesãos.
Gente que amanhece o dia colocando “as mãos na massa” na queima, pisada, criação e
finalização das peças. Entre um processo e outro, surgem conversas, risadas e partilhas dos
acontecimentos diários. Geralmente, os artesãos sentam-se no chão e reúnem a família para
desenvolver o trabalho. É perceptível que as senhoras mais idosas são as que mais se dedicam
a essa atividade.
Em Moita Redonda, existe uma forte presença de mulheres na produção do artesanato.
As roupas sujas de barro e os galpões em casa revelam que a arte do barro se mistura com a
vida dessas pessoas. Os homens em geral são os responsáveis pela queima das peças e a
venda, já as mulheres ficam a cargo geralmente da criatividade na concepção da arte final.
A técnica para o uso do barro é trabalhosa e passa por diversos processos, como a
secada ao sol, a quebra e a tritura, assim como a seleção para retirar as impurezas e o barro
ficar pronto para a produção da peça. Em seguida, passar para o acabamento (TORÁ), retirar
as asperezas (ALISÁ) e amaciar a superfície exterior (RELÁ) para finalizar com a pintura,
secagem e queimada no forno.
As peças produzidas não têm ligação direta com a cultura da localidade onde é
produzida. A produção é guiada pelos artigos mais procurados e por projetos que os
compradores apresentam aos artesãos. Os objetos utilitários e decorativos estão entre as
preferências do público. É uma cultura viva presente na história da comunidade que têm nos
utensílios de barro a principal fonte de renda.
Na comunidade, o deslocamento se dá geralmente de moto ou carro do modelo para
estradas, pois existe certa deficiência no acesso, já que nem todas as ruas têm calçamento
adequado. Existem placas indicatórias, mas apenas na localidade. Quem vem à sede do
município e quer adquirir o artesanato diretamente de quem o produz, encontra dificuldades
para chegar ao local.
Já em relação à produção do artesanato de cerâmica, os pais e avós dos moradores
mais jovens são os que seguem na tradição. O trabalho desenvolvido pelos artesãos faz parte
da história do povoado. Essa prática não é apenas um meio de subsistência, é, também, uma
atividade de Lazer, ocasião para despertar a arte e também tornar viva a memória dos
antepassados os quais contribuíram para a comunidade ser referência em cerâmica na região.
A cada peça produzida e vendida, um pedaço dessa simbologia vai junto com aqueles que o
adquirem. Em cada peça, a marca da obra desses artistas se espalha e impressiona pelo
encanto e perfeição. No entanto, o artesanato sofre com a falta de exposição para as vendas e
divulgação na feira do município. A Feira de São Bento, hoje dominada pelo ramo de
confecção, praticamente faz desaparecer os artesãos.

A Orquestra de Barro Uirapuru

Com o propósito de despertar nos jovens o interesse de manter e preservar a cultura do


barro, presente na história da comunidade rural de Moita Redonda, o artista plástico e luthier
Tércio Araripe desenvolve há seis anos o trabalho de coordenador da Orquestra de Barro
Uirapuru.
A Orquestra busca agregar os jovens filhos de artesãos da localidade. Esses jovens
estão na faixa etária entre doze e vinte anos. A iniciativa, entre outros objetivos, proporciona
o contato com dimensões presentes no campo do Lazer, como a promoção da cidadania, que
acontece com a inclusão dos membros na dinâmica da vida social. Além disso, a reflexão
sobre a conquista por mais direitos e liberdade, sem submeter-se as dominações impostas no
mundo globalizado.
Aproximando-se da realidade que cerca esses jovens, a Orquestra de Barro Uirapuru
cria, a partir do barro, instrumentos de corda, sopro e percussão, como violino, tambores,
flautas.
Sobre o surgimento da Orquestra de Barro Uirapuru, Tércio Araripe4 relata que:

Surgiu da continuidade da pesquisa que eu vinha fazendo com os instrumentos com


material orgânico, né? Aí, eu quando eu vim morar na Moita Redonda que tinha em
abundância da cerâmica aí eu desenvolvi aquela pesquisa que eu tava [...]. Eu voltei
ela pra ser feito os instrumentos de cerâmica, principalmente.

Tércio trabalha com a elaboração de instrumentos há mais de vinte anos e a opção pelo
barro se deu pelo fato de ser abundante na região. Para confeccionar os instrumentos, Tércio
esclarece:
[...] O processo de criação é uma coisa que vem através das pesquisas, das
necessidades, das composições que a gente tá querendo fazer né? A partir disso aí
vai criando certos tipos de instrumentos e são instrumentos na sua maioria... são
instrumentos clássicos por mais que tenham uma leitura diferenciada, mas são
instrumentos clássicos5.

Harpa. Foto Lívia Santos Violoncelo. Foto Lívia Santos Violino. Foto Lívia Santos

Esse espaço para a criatividade amplia a imaginação e torna o sujeito diretamente


envolvido com processo de criação, o que faz do Lazer uma atividade dinâmica, pois nele está
presente a sensação de ver o resultado de uma obra concretizada e de ter contribuído com a
ação. É também algo que suscita abertura para novos experimentos e proporciona ao
indivíduo o aumento da sensibilidade bem como da satisfação e da alegria pelo desempenho
alcançado. Para desenvolver essa atividade, ocorrem ensaios duas a três vezes por semana,
dependendo da demanda e necessidade das apresentações. Existe uma espécie de estúdio

4
Entrevista realizada em 08/07/2015 em Moita Redonda, bairro de Cascavel – CE.
5
Idem.
produzido especialmente para o projeto, construído com barro e grandes janelas, o qual
permite contato com o ambiente e traz um clima mais próximo da natureza.
Essa relação com o externo é de grande importância para fortalecer os laços dos
participantes com a própria comunidade. Fazer parte e tomar posse dos espaços é um
exercício do Lazer, e a reivindicação de áreas mais conservadas e de maior qualidade e até
mesmo o engajamento da comunidade na busca de melhorias são atividades relacionadas a
esse exercício. O Lazer é um momento de vivenciar as utopias, sonhos, descobertas e
possibilidades.
E os moradores da região têm uma visão bem clara da relevância da Orquestra de
Barro Uirapuru, embora uma parcela não tenha tanta consideração. Segundo os participantes e
os pais:
Recebe bem, gosta, valoriza. A galera gosta do trabalho aí. Porque é da cultura da
Moita Redonda, né? Feito de instrumento de barro e essas coisas aí. (Jonas da Silva
Nunes – participante)6.

É bem recebido também. Porque além da gente tocar os instrumentos, são eles que
fazem também. Então tem uma participação deles, também. (Gislane Silva –
participante)7.

Achou estranho né? Porque como é que ia tirar som? Instrumento de barro? Como
que ia sair som? Aí o pessoal achou estranho. (Eduardo Muniz – participante)8.

Ela recebe bem assim, mas também mais ou menos. Porque assim se ela (a
comunidade) recebesse realmente bem assim, teria muitas pessoas no grupo e assim,
nós estamos com doze, mas assim, creio que vai melhorar. E, assim que a gente
também... é melhor assim, eu acho. (Tom Vital Leitão Araripe – participante)9

Alguns sim, né? Outros, não! Outros ignoram, acham que não tá nem aí. Mas devia
que conhecer porque o artesanato sempre tá aí mundo afora. (Maria Lidiane Martins
Da Costa – mãe de participante)10.

A respeito dessa ligação, a Orquestra de Barro Uirapuru é um instrumento de


divulgação da cultura local de Moita Redonda. A aproximação dos fenômenos culturais
amplia a percepção sobre novos contatos e capacidades presentes no campo do Lazer. Os
artesãos da localidade cotidianamente experimentam fatores vistos como o fazer artístico, e aí
se inclui também a ludicidade, pois a atividade de confeccionar as peças é cheia de
originalidade, seja no movimento constante das mãos habilidosas, seja no capricho para a
confecção dos utensílios, como potes, quartinhas, panelas, peças de decoração etc.

6
Entrevista realizada em 24/07/2015 em Moita Redonda/Cascavel – CE.
7
Entrevista realizada em 08/07/2015 em Moita Redonda/Cascavel – CE.
8
Entrevista realizada em 16/07/2015 em Moita Redonda/Cascavel – CE.
9
Idem.
10
Entrevista realizada em 08/07/2015 em Moita Redonda/Cascavel – CE.
Nem todos os moradores de Moita Redonda se envolvem com o trabalho da Orquestra
de Barro Uirapuru; é um envolvimento mais sentido entre os pais dos participantes. Existem
aqueles que colaboram tanto na confecção dos instrumentos como no acompanhamento das
atividades.
A Orquestra de Barro Uirapuru se mostra como fundamental no incentivo aos jovens
do povoado, pois possibilita que esses jovens vivenciem novas experiências na música e se
reconheçam como agentes transformadores da realidade. Isso torna essa prática de Lazer não
apenas um divertimento, saída para outros lugares, mas também um espaço para o
desenvolvimento pessoal e social dos envolvidos. Na maioria das vezes, há um desinteresse
por parte dessa faixa etária de seguir com a tradição do barro. É perceptivo nas casas dos
artesãos, poucos filhos se interessam em dar continuidade à arte transmitida pelos pais e avós.
Além disso, entre os pais dos participantes existem os que não desenvolvem a arte da
cerâmica. É uma cultura que, por mais forte que seja, vem perdendo força entre os habitantes
do lugar. Os pais entrevistados reconhecem o grau de importância dos filhos no projeto:

Bom, né? Melhor pra conhecer melhor o artesanato, porque às vezes nós trabalha
com o artesanato, mas não sabia que fazia os instrumentos, né, com o artesanato?
(Maria Lidiane Martins Da Costa – mãe de participante)11.

É, eu vejo assim bem, porque se é de tá na estrada, na rua, fazendo o que é ruim é


melhor tá lá. (Vera Lucia da Silva – mãe de participante)12.

Porque eu gosto que ela participe, porque é um divertimento bom pra ela. E, talvez
ela aprenda alguma coisa do barro. E assim ela vai indo até aprender outra coisa.
(Aila Pereira da Silva – mãe de participante)13.

Pra mim assim, eu acho importante pra ela né, pro conhecimento dela né, uma
oportunidade nova, eu acho muito bonito assim o projeto que foi feito da Orquestra,
sempre que a gente pode, a gente é chamada lá, né? É comunicado das coisas que
vai ser feita, das viagens que eles fazem, das apresentações, e eu acho assim
importante, é outro conhecimento assim diferente até porque assim como os
instrumento são de artesanato né, é uma coisa muito diferente né? Até no começo eu
dizia: “Meu Deus, como é que pode uma coisa que a gente fez, a gente aprendeu
emitir sons tão bonitos.” Eu achei muito importante a... assim a parte do projeto.
(Maria Diana dos Santos Silva – mãe de participante)14.

Gosto, porque aí já é um trabalho que ela trabalha, né? Ela não sai assim, pra ficar,
pra sair, pra ficar na brincadeira como os outros meninos e aí pelo menos ela
fazendo esse trabalho a gente já tem menos preocupação com ela. (Aldenir Pereira
da Silva – mãe de participante)15.

11
Idem.
12
Idem.
13
Entrevista realizada em 16/07/2015 em Moita Redonda/Cascavel – CE.
14
Idem.
15
Idem.
Ao mesmo tempo em que a Orquestra de Barro Uirapuru se coloca como uma proposta
inovadora sobre a cultura do barro, os jovens se apropriam das apresentações culturais nas
quais são convidados a participar. Alguns membros das famílias dos participantes ajudam na
confecção dos instrumentos e os integrantes do projeto levam essa tradição com a inserção
nessa área artística. Os jovens são convidados a colaborar na criação dos instrumentos
utilizados, embora nem sempre surja o interesse de produzir e confeccionar.
A maioria dos entrevistados vê o projeto como uma atividade de Lazer que tira os
participantes dos caminhos de perigo presentes no mundo. A orquestra como prática de Lazer
para esses jovens ainda é vista como meio de apenas ocupar o tempo ocioso dos jovens,
oferecendo-lhes melhores oportunidades. Essa visão utilitarista ainda é muito forte entre boa
parte das pessoas que enxerga o lazer apenas como uma forma de distanciar jovens de coisas
danosas.
O Lazer constitui-se como fenômeno social e abrange campos como os valores e
interesses dos envolvidos. Ao vivenciar as práticas, o indivíduo desenvolve uma ligação mais
forte com a Cultura do lugar. Isso é de grande importância tendo em vista o abandono de
espaços públicos bem como a adesão cada vez mais acentuada das pessoas por espaços de
Lazer privados. Falta um estímulo da educação e dos poderes públicos para conceber esse
fenômeno como mais que um momento para sair da rotina, e sim um direito de todos. Com
uma mudança de visão, as pessoas podem se tornar agentes no sentido de elaborar, captar e
colaborar. Assim, o participante contribui com o desenvolvimento de iniciativas de forma
ativa, engajando-se nas transformações a serem realizadas.
Entre os participantes da Orquestra de Barro Uirapuru, boa parte começou a participar
por conta do convite do próprio Tércio Araripe e de familiares que já participavam da
Orquestra. Como é um povoado relativamente pequeno, com uma população em torno de
novecentos habitantes, a maioria das pessoas se conhece e possui laços de parentesco entre si.
Entre o grupo de jovens, é preponderante que muitos só foram ter uma experiência com a
música a partir da participação na Orquestra, e isso gerou uma significativa mudança na vida
e no modo de enxergar a cultura do barro.

Trouxe muitas mudanças porque eu nunca pensei em tocar um instrumento feito de


barro né? Aí agora eu já sei tocar alguma coisa assim. Significa muito, traz muita
alegria, eu gosto de tá com as pessoas lá, adoro quando a gente se ajunta pra tocar
todos, pois acho muito boa as músicas que o grupo forma. (Aldenize da Silva –
participante)16.

16
Idem.
Muito. O respeito nos cantos aonde vai e aprendi a tocar né?. Significa tá
representando a minha comunidade e a Cultura. (Eduardo Muniz da Silva –
participante)17.

Olha, trouxe uma mudança que é bom, assim, sempre é cultivar a nossa cultura aqui
da Moita Redonda que é o barro e é muito bom assim né? Porque as culturas do
mundo já tão acabando, brevemente talvez daqui uns vinte anos a cultura da Moita
Redonda não exista mais. E aí a gente vem assim querendo, assim... que ela continue
existindo, querendo preservar a nossa Cultura. Significa ajudar a nossa Cultura.
(Tom Vital Leitão Araripe – participante)18.

[...] Fez eu ficar um pouco mais responsável com minhas coisas, mudou muito
também no meu cotidiano, me ensinou a ter responsabilidade. Significa... é... eu
gosto, quando eu entrei eu não gostava muito, mas agora depois de alguns dias que
tá passando eu tô gostando e tá sendo bom participar do projeto. (Vitoria Maria dos
Santos Silva – participante)19.

Trouxe sim, muita mudança porque a gente além de aprender a tocar, a gente
conhece muitos lugares, é muito bom. A gente tá sempre conhecendo outros canto e
tal. Eu gosto de participar. (Beatriz dos Santos Silva – participante)20.

Desde que surgiu, há seis anos, o projeto desenvolve várias atividades ligadas ao
Lazer, como a construção de linguagens artísticas, principalmente no que se refere à
linguagem musical. Os integrantes recebem estudo sobre a música em geral, aprendem a tocar
instrumentos e ler as partituras, além de promoverem as suas próprias habilidades sociais. O
trabalho é realizado em grupo, e a participação de todos é de suma importância para o
funcionamento do projeto. Aspectos que envolvem a expressão corporal típicos do Teatro
também são trabalhados na Orquestra, como a postura, presença de palco, a comunicação,
pois muitas vezes os participantes ficam tímidos nas apresentações. Além do desenvolvimento
da consciência corporal, o conhecimento da expressão corporal possibilita aos jovens a
percepção de si mesmo e o movimento. Isso é perceptível entre o público que prestigia as
apresentações, como aponta Tércio Araripe:

O pessoal sempre fica muito encantado pelo diferencial dos instrumentos, pela coisa
social que tem dos meninos, né? Que é uma comunidade, que de certa forma, que
nunca teve tanto apoio para ter formações e tudo o mais. Né?. Então, de repente
chega um projeto desses e os meninos tão começando já a estudar música, a ler
partitura, a acompanhar um grupo, a formar, a compor, a se portar, a fazer cena e
tudo o mais. Então, as pessoas assim, por mais que a gente não tenha ainda um nível
artístico elevado como eu gostaria de ter ou pelo menos um pouco mais, mas isso
tudo as pessoas consideram por que a gente tá como alguns dizem “tirando leite de
pedra”. É, porque realmente a gente tá aqui no meio do deserto, aí de repente a
gente... chegamos com uma proposta inovadora e os meninos se envolvem e as
famílias se envolvem e eles têm uma coisa riquíssima que é a tradição do barro. Esse

17
Idem.
18
Idem.
19
Idem.
20
Entrevista realizada em 20/07/2015 em Moita Redonda/Cascavel – CE.
é o maior tesouro da Orquestra de Barro, né? Manter essa tradição e tá ligada com
uma coisa ancestral que você vê muito forte aqui na Moita Redonda21.

No entanto, a Orquestra de Barro Uirapuru, como tantos projetos na área de Lazer e


Cultura, consegue o recurso financeiro para funcionar com a conquista de editais,
principalmente os de nível nacional. A Prefeitura Municipal de Cascavel tem fornecido receita
para pagar os professores, as aulas, mas manter um projeto como esse é um desafio, seja pela
questão do recurso, que nem sempre tem projeção de ampliação das atividades, seja pelo
custo com a logística. Os eventos que a Orquestra participa não garantem a verba necessária
para manter a escola de música e suas atividades. Os editais para os quais são selecionados
ainda são o recurso mais seguro para manter a estrutura e atividades do projeto.
Ao viajar para as apresentações, os participantes têm a oportunidade de conhecer
outros conteúdos turísticos, de descobrir o novo, de sair do local de origem. O ato de viajar
dessa maneira se faz como meio de fruição, de manifestação cultural, pois oportuniza a
vivência com um cenário diferente do qual os participantes estão habituados. Viajar, dessa
forma, é outra vertente presente no campo do Lazer. Esse contato com outros locais é
relevante para a troca de experiências com outros grupos como também para o estímulo dos
participantes ao verem o reconhecimento do projeto e continuarem seguindo com a tradição.
Em relação às dificuldades que surgem em torno do ato de viajar e em torno da viagem
em si, um grande volume de instrumentos geralmente precisa ser transportado, além dos
integrantes e acompanhantes cujas necessidades com hospedagem, passagens, alimentação
entre outros têm de ser atendidas. Sobre alguns pontos que precisam ser melhorados, os
entrevistados apontam:

Assim, né? Porque eles vai pra lá né, lá pra Orquestra e tem que... precisa de alguma
coisa, fazer uma faculdade, que a gente não tem como assim fazer uma faculdade
porque é muito cara. E ganhasse assim um tanto que desse pra eles fazer uma
faculdade lá, né, mais? (Francisca Maria da Silva – mãe de participante)22.

É, algumas coisas devia ter mais. Às vezes até no modo deles, até do
comportamento deles, às vezes tem horas que eles pensam que é brincadeira. A
gente já foi pra reunião, e já foi falado sobre isso. Tem que melhorar um pouco
mais, eu acho. (Maria Lidiane Martins da Costa – mãe de participante)23.

Assim, às vezes eu acho assim, tem dificuldade, às vezes assim, até no... no
transporte, assim eu num sei porque nessa parte aí eu não tenho muito entendimento
né. Também assim, ampliação do projeto que as vez querem fazer mais coisas, mas
não tem mais condições né, e as vez precisa de... de como é que a gente fala?

21
Entrevista realizada em 08/07/2015 em Moita Redonda/Cascavel – CE.
22
Entrevista realizada em 08/07/2015 em Moita Redonda/Cascavel – CE.
23
Idem.
Precisam de coisas, ajuda né da parte às vezes das prefeituras, né e pra isso eles vão
atrás pra ver se consegue. Mas até agora, tem conseguido algumas coisas, mas ainda
falta mais pra que fique mais melhor ainda, né. (Maria Diana dos Santos Silva – mãe
de participante)24.

Não, assim o ponto principal é... como se diz... As atividades em grupo que não tem.
Mais ajuda, mais compreensão. Porque tá no ponto de acabar, já. (risos). Não, assim
a ajuda, por que tem muitos que não tem. Por exemplo, assim: quando a gente faz
uma apresentação, aí precisamos de ajuda para carregar os instrumentos, pra botar
na caixa e muitos não querem fazer, aí sobra tudo pro Tércio. (Irislândia Pereira da
Silva – participante)25.

Olha, tem alguns, por exemplo, o atraso. Que às vezes acontece até comigo. É, e até
mesmo assim o interesse. Acredito, assim, alguns são bem interessados, todos assim
querem tocar, entendeu? Mas assim todos não têm o interesse assim... de pegar,
chegar aqui todo dia pra ficar treinando assim, mas não tem nenhum desinteressado
só não tem interessado, assim, mesmo. (Tom Vital Leitão Araripe – participante)26.

Outra questão levantada é o valor financeiro recebido pelos integrantes. Uma quantia
de cem reais por mês é dada aos participantes como forma de auxílio. Mesmo sendo um
avanço, ao se levar em consideração que as turmas anteriores não tinham esse suporte
financeiro, deve ser melhorado, pois muitos jovens saem da Orquestra pelo fato de buscarem
uma fonte de renda fixa para o sustendo próprio e da família.
Já em relação à convivência dos integrantes, como em todo o grupo, desentendimentos
e diferenças fazem parte, isso só não pode ser mais forte do que o objetivo que os uniu, pois
os laços afetivos construídos são importantes para o fortalecimento do projeto. A saída de
integrantes, por exemplo, de certa forma prejudica o grupo por falta de continuidade. Ao se
envolverem, os participantes se tornam canais de transmissão do trabalho desenvolvido pela
Orquestra para outras pessoas. Isso explica o fato de alguns membros terem ingressado na
Orquestra de Barro Uirapuru à convite daqueles que já a integravam. Experiências
enriquecedoras de Lazer como essa despertam nos participantes sentir, pensar e agir de forma
mais consciente sobre a realidade que os circunda; despertam também uma transformação no
modo de compreender e participar das atividades.
A Orquestra de Barro Uirapuru é um alimento para a alma. Conseguir unir múltiplas
linguagens mostra como o Lazer transforma ao dar novas perspectivas sobre a vida e si
mesmos. É um processo de construção pessoal e social ao qual traz aprendizado aos
envolvidos e admiração e contentamento ao público que prestigia as apresentações.
Infelizmente, alguns obstáculos enfrentados revelam certo descaso do poder público
em investir e incentivar com mais afinco os que vivem e se dedicam ao artesanato no

24
Entrevista realizada em 16/07/2015 em Moita Redonda/Cascavel – CE.
25
Entrevista realizada em 08/07/2015 em Moita Redonda/Cascavel – CE.
26
Entrevista realizada em 16/07/2015 em Moita Redonda/Cascavel – CE.
município, em especial a Orquestra de Barro Uirapuru. Isso é preocupante, pois, como mostra
o relato dos entrevistados, se medidas não forem tomadas, essa arte tão rica e importante para
a comunidade pode cessar. Se esse equipamento cultural acabar, os que vivem exclusivamente
da arte do barro como fonte de renda serão afetados diretamente. Essa importante
manifestação do Patrimônio Imaterial pode não ser levada adiante pela falta de espaço para
divulgação e comercialização da produção local.
Soma-se a isso o desconhecimento e/ou descaso também por parte de muitos
moradores quanto ao trabalho desenvolvido pela Orquestra, visto que muitos não conhecerem
o trabalho da Orquestra de Barro Uirapuru bem como as atividades de Lazer e Cultura nas
quais a orquestra se insere Deve acontecer, então, um trabalho de conscientização dos
moradores do município sobre a importância de um equipamento cultural como a Orquestra
para o bem do município e dos envolvidos.

Conclusão

A Orquestra de Barro Uirapuru pode ser considerada uma atividade de Lazer, pois,
diante do que foi visto durante a pesquisa, pode-se constatar que é um importante instrumento
para preservação da cultura local e transmissão aos mais jovens. A comunidade de Moita
Redonda possui entre suas fortes marcas culturais a ligação com o barro, herança vinda de
povos indígenas e de outros povos que habitaram a região. A iniciativa é relevante para
manter a cultura do barro no município, a qual nos tempos atuais sofre por falta de
investimentos e de Políticas Públicas de valorização e difusão.
No que se refere ao processo criativo na elaboração das peças, constatou-se que esse
trabalho é desenvolvido principalmente pelo dirigente da Orquestra e por alguns pais dos
participantes. A maioria dos jovens do grupo prefere ficar com a parte artística do projeto, isto
é, participar dos ensaios e representar a comunidade nas apresentações.
Dessa forma, a Orquestra de Barro Uirapuru desenvolve um significativo trabalho para
a cultura local ao estimular os jovens a enriquecerem a cultura do local por meio da
musicalidade. Por intermédio dos instrumentos artesanais elaborados com o barro, a tradição
se atualiza e ganha novo vigor se mantendo no som e nas batidas dos instrumentos.
Ainda como espaço de Lazer, a Orquestra possibilita uma visão mais ampla da
realidade e do papel da preservação da tradição para a história da localidade, do estímulo ao
prazer e à alegria. Esses foram alguns dos fatos expostos pelos entrevistados sobre a
importância do projeto.
Dessa maneira, faz-se necessário o desenvolvimento de Políticas Públicas para
fortalecer e estimular as novas gerações a dar prosseguimento à cultura do barro, como
também a criação de mais equipamentos e iniciativas promotoras de Lazer nas comunidades
rurais do município. Isso porque essas realidades não são assistidas de forma plena no que
tange a essas questões e, por não serem assistidas devidamente, não acontece o
desenvolvimento mais diversificado do espaço e das potencialidades dos indivíduos.
Neste sentido, acredita-se que esse estudo é apenas uma pequena contribuição que
envolve o importante trabalho desenvolvido pela Orquestra de Barro Uirapuru.
Recomendam-se novos estudos que explorem ainda mais o papel do projeto para preservar a
cultura local, e, por conseguinte, novos olhares sobre o Lazer.

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