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SENTIDOS E PERCEPÇÕES: O ENSINO DE ARTES NOS CURSOS

INTEGRADOS DO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA


E TECNOLOGIA DO CEARÁ (IFCE) - CAMPUS FORTALEZA1

Simone Oliveira de Castro2 - IFCE/Campus Fortaleza.


Mirlla Valnice Câmara de Araújo3 - IFCE/Campus Fortaleza.

Grupo de Trabalho em Fundamentos da Arte/Educação: GT – 01


Agência Financiadora: CNPq

Resumo
Este artigo investigou quais os sentidos e percepções que educadores dão ao ensino de artes nos cursos
integrados do IFCE, campus Fortaleza. A metodologia, utilizando a história oral, realizou entrevistas
semiestruturadas com os educadores que ministram aulas de artes na Instituição. Considerou-se, por
fim, que os educadores e os educandos tornam esse ensino um bem precioso que incomoda, porque ele
age e chega a lugares nos quais a burocracia das leis, das diretrizes, dos parâmetros não conseguem
alcançar. São mulheres, homens e jovens que na sala de aula de artes, sem estrutura, sem material
adequado, com educadores fazendo concursos para ensinar em quatro áreas quando tem formação
apenas em uma, com educandos marcados pela violência, pelas chacinas de seus colegas, pela
discriminação religiosa, de raça, de gênero e de orientação sexual, teimam em continuar sonhando, em
dar sentido as suas existências, ampliando sua visão de si, do outro e do mundo ao redor por meio da
educação em artes.
Palavras-chave: Ensino de artes. Cursos integrados. IFCE. Percepções.

Introdução
Muitos são os trabalhos acadêmicos cuja pesquisa versa sobre a questão do ensino de
artes na escola básica. De norte a sul do país, pesquisadoras e pesquisadores,
comprometida(o)s com a temática, dedicaram seus esforços para compreender como esse
ensino tem se realizado em suas localidades, haja vista o número de artigos, monografias,
dissertações e teses apresentados tanto em programas de graduação e pós-graduação como em
congressos.
Assim, objetivando compreender quais os sentidos e percepções que educadores dão
ao ensino de artes nos cursos integrados do IFCE, campus Fortaleza, foi realizado uma

1
Pesquisa vinculada ao Mestrado Profissional em Artes/IFCE e ao Grupo de Pesquisa em Cultura Folclórica
Aplicada/CNPq.
2
Professora doutora do Departamento de Artes do IFCE- Campus Fortaleza. E-mail: simone@ifce.edu.br.
3
Bolsista de iniciação científica da Licenciatura em Teatro/IFCE. E-mail: mirllacxaraujo@gmail.com

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pesquisa durante o semestre letivo de 2017.2. Por meio de entrevistas semiestruturadas,
investigou-se, com dois educadores e uma educadora, que ministram as aulas de artes,
questões relativas à formação e a preparação para atuar na área, a concepção sobre o ensino de
arte no Brasil, as condições para desenvolver esse ensino na Instituição e as metodologias
empregadas.
São seis os cursos integrados nos campus Fortaleza do IFCE, com uma média de trinta
educandos: Edificações, Eletrotécnica, Informática, Mecânica Industrial, Química e
Telecomunicações. As aulas de artes são ministradas no primeiro semestre ou período do
curso, tendo duas horas semanais, totalizando quarenta horas semestrais.

O IFCE e a formação em Arte


O IFCE ao longo de sua centenária existência, de alguma forma, manteve relação
contínua com a arte e seu ensino. Essa afirmação certamente carece ser problematizada com
mais atenção, mas neste trabalho ela não será o foco. O fato é que a Instituição, desde o início
de sua criação, em 1909, como Escola de Aprendizes e Artífices, passando por Escola Técnica
Federal do Ceará (ETFCE), Centro Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
(CEFET-CE) e hoje como Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
(IFCE), teve a arte, embora que indiretamente, fazendo parte do cotidiano dos educandos. E a
partir da década de 1980, de forma mais sistematizada até alcançar o currículo dos cursos
integrados como disciplina.

Em 1985, foi criado o Projeto Arte-Educação, na antiga Escola Técnica


Federal do Ceará (ETFCE), que tinha como objetivo principal contribuir
para o desenvolvimento estético e crítico dos alunos, propiciando uma
formação cultural diferenciada. Formação esta indispensável à uma
instituição de caráter profissionalizante que fazia os alunos ingressarem cedo
no mercado de trabalho, com poucas oportunidades para desenvolver sua
capacidade criativa pessoal. O projeto Arte-Educação era organizado pela
Coordenação de Atividades Artísticas da ETFCE - CCA, que tinha como
coordenadora a professora Maria de Lourdes Macena Filha. O Projeto Arte-
Educação recebeu em 1985 as instalações da Casa de Artes para que o
mesmo pudesse ocorrer em um espaço próprio. (GOMES, 2014, p.51)

Havia, ainda que de forma incipiente e, provavelmente, inscrito no caráter tecnicista


que o ensino obrigatório da Educação Artística acabou incorporando com a Lei nº 5.692/71,

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um pensamento voltado para uma formação complementar diferenciada para o educando no
seio da Instituição, à época, com cursos apenas tecnológicos.
Hoje, a Instituição abriga, no campus Fortaleza, também licenciaturas, bacharelados,
mestrados e doutorados. Cabendo pontuar a existência das Licenciaturas em Artes Visuais e
em Teatro, do curso Técnico em Instrumento Musical, do Mestrado Profissional em Artes e o
encaminhamento para uma futura Licenciatura em Música.
Talvez caiba aqui perguntar e tentar responder a seguinte questão: por que fazer uma
pesquisa sobre o ensino de artes nos cursos integrados do Instituto Federal do Ceará?
Porque a formação superior em arte no Ceará é algo um tanto recente, pois de 1975 até
2002, havia apenas um curso superior na área de arte, a Licenciatura em Música, da
Universidade Estadual do Ceará (UECE). E foi o IFCE que criou, em 2002, dois outros cursos
superiores, que embora fossem tecnológicos, em Artes Plásticas e em Artes Cênicas, abriram
caminho para se tornarem licenciaturas em 2008.

Embora as estatísticas das secretarias de Educação do Estado e do município


de Fortaleza comprovassem a defasagem de professores de Ciências e de
Artes para o ensino básico, na época, aos CEFETs era permitido a criação de
cursos de licenciatura apenas em áreas como Matemática e Física. Desse
modo, a alternativa encontrada foi criar os cursos de Tecnologia em Artes
Plásticas e de Tecnologia em Artes Cênicas. Inicialmente pensado para
professores de Arte, e redirecionado pelas contingências locais para a
formação de artistas numa área de tecnologia, o curso Superior de
Tecnologia em Artes Plásticas orientou-se para uma formação mais
humanística e estética do que técnica (MACHADO, 2008, p.100).

Assim, parte da(o)s educadora(e)s que estão atuando na área de artes na escola básica
no Ceará e que possuem formação superior em uma das áreas de arte foram formados pelo
IFCE. Ainda que esse contingente de educadora(e)s não seja suficiente para suprir a demanda
do Estado, ele já está sendo formado. Considerando que a formação na área foi tardia, não
será difícil compreender a reflexão de Feldmann ao contextualizar a formação de professor e a
mundialização crescente no século XXI e suas consequências para as instituições educativas:

O tema formação de professores foi secundarizado como pauta de discussões


nas décadas anteriores na história da educação brasileira. Dentre outros
motivos para que isso acontecesse, situa-se a forte presença de um modelo
positivista de ciência e de uma abordagem de cunho psicologista da

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educação, que se concentraram mais nas explicações dos fenômenos e
problemas educativos centrados em temas como repetência, fracasso e
sucesso escolar, prevalecendo dessa forma o enfoque da avaliação por
resultados, tendo como medida mais os produtos alcançados que os
processos formativos em educação (FELDMANN, 2008, p.171).

O fato é que, embora tardio, a formação de professores na área de Artes Visuais e de


Teatro teve no IFCE um grande impulso, motivando em 2010 e 2011, respectivamente, que a
Universidade Federal do Ceará (UFC) criasse outra Licenciatura em Teatro e uma
Licenciatura em Dança (OLIVEIRA, 2018), seguidas, depois, por outras instituições de nível
superior no estado.

Sentidos e Percepções: o ensino de artes nos cursos integrados do IFCE, campus


Fortaleza
Apresentar-se-á algumas impressões colhidas ao longo da pesquisa a partir das
percepções dos sujeitos atuantes nesse ensino: educadora e educadores.
A primeira questão refere-se à formação dos educadores que estão à frente do ensino
de artes nos cursos integrados do IFCE. É importante salientar que a forma como esse ensino
acontece se configura em uma relação direta com as disciplinas de estágio nas Licenciaturas
em Artes Visuais e em Teatro e com o Curso de Instrumento Musical. Os professores que
ministram aulas de estágio nas licenciaturas são os mesmos que administram as aulas de artes
no integrado. Eles conjuntamente com os estagiários estabelecem as metodologias que serão
aplicadas nas aulas e ministradas pelos licenciandos.
Dos três educadores entrevistados, a Professora Joyce Custódio de Freitas, nascida em
1981, é formada em Artes Cênicas e complementou depois com a Licenciatura em Teatro,
ambos no IFCE, e também é graduada em Arquitetura e Urbanismo pela UFC; o Professor
Marcos Paulo Miranda Leão dos Santos, nascido em 1983, tem graduação em Música pela
UECE e Mestrado em Educação Brasileira (UFC) e o Prof. Francisco Herbert Rolim de
Souza, nascido em 1958, tem graduação em Letras (UECE), mestrado em Letras (UFC) e
doutorado em Educação Artística pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.
De início tentou-se compreender que concepção sobre o ensino de arte no Brasil os
educadores construíram ao longo de suas formações e práticas:

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Eu acho que o ensino de Artes já avançou bastante, né? Quando a gente
estuda a história da educação no Brasil, a gente entende que já teve muitos
avanços. Mas, ainda assim... Acho que ainda precisa muita coisa ser
conquistada. A principal coisa que eu vejo, é que, de um modo geral, os
alunos não chegam acostumados ou disponíveis pra... pra aula de Artes. É
uma aula que é diferenciada, não é uma aula comum, digamos: que tem
aquelas carteiras e o professor escrevendo na lousa, o que eles tão
acostumados. Eles vêm acostumados de um ensino tradicional, quando eles
chegam numa aula de Artes, que muitas vezes é mais vivencial, tem muita
prática, muitos jogos, isso não, não... num primeiro momento, não é bem
aceito. E eu sinto que os alunos têm muita dificuldade de se adaptar, ou
brincam muito e acham que tudo é uma brincadeira e não levam a sério; ou
então não conseguem se adaptar, ficam querendo ir praquela coisa do ensino
bancário mesmo: sentar e ficar ouvindo o professor falar. Eu sinto essa
dificuldade... (Profa. Joyce, depoimento oral, Nov/2017).

Bem, hoje no Brasil, eu penso que o ensino de Artes deve ser mais voltado
pra produção de arte, produção artística e não somente apreciação e ensino
de história da... das artes, né? E sim a gente fazer... Arranjar um meio de
fazer com que eles produzam. Que eles mesmos sejam criadores de arte. Eu
acho que essa é a dificuldade porque é... na maioria das vezes eles... eles... O
ensino, né, no Brasil só tem uma sala com carteiras e uma lousa, né? Então
fica... difícil fazer música, fazer artes visuais, artes plásticas e fica também
difícil fazer teatro, né, sem... sem o material de figurino, de cenário. Apesar
de ser possível, a gente sabe que é possível, mas não é uma imersão tão... tão
grande como a gente gostaria que fosse. Sem instrumentos musicais, sem
tela de pintura, sem tinta, sem câmeras fotográficas, fica... mais difícil, mas
não impossível (Prof. Marcos Paulo, depoimento oral, Mar/2018).

O ensino de Arte no Brasil vem perdendo espaço, sobretudo nessa última


gestão do governo federal, né, que ver a Arte como um apêndice, um
complemento, não como base da formação do aluno. E há uma tendência
também no ensino de Arte para a polivalência o que vai de desencontro a... a
necessidade de formação nas linguagens específicas (Prof. Herbert,
depoimento oral, Mai/2018).

Os depoimentos, partindo da prática dos entrevistados, ao mesmo tempo apontam


avanços e retrocessos na forma como tem sido possível desenvolver esse ensino no Brasil. Por
um lado, as condições estruturais continuam sem existir adequadamente nas escolas e
inviabilizam a prática desse ensino nas diferentes linguagens, por outro, os educandos
acostumados a uma educação bancária, como diria Paulo Freire, em princípio, resistem às
metodologias diferenciadas que alguns educadores põem em prática e cujo foco é o fazer do
próprio educando. Esse comportamento dos educandos certamente é reflexo de um modelo de
educação que se construiu entre nós:

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(...) Nas décadas de 1970 e 1980, com a predominância do enfoque tecnicista
de educação, os professores de educação artística, como todos os outros, não
foram os principais autores da sua prática pedagógica. As políticas
educacionais de formação, as propostas pedagógicas quase sempre impostas
pela “padronização nacional” por meio de legislações disciplinadoras
reforçaram o caráter do professor executor de tarefas, não o considerando
como um sujeito que reflete, que dialoga e que cria com os alunos uma obra
que pode tornar-se uma obra de arte - a aula (FELDMANN, 2008, p.180).

E, ao mesmo, tempo, é no ato criativo, na sua própria expressão da arte, no fazer que o
educando passa, de fato, a ser sujeito do aprendizado. E o ensino de artes precisa dessa
“imersão” para ser vivido e experenciando em sua plenitude. E como sugere a fala do Prof.
Herbert, também temos que nos preocupar com a possibilidade da aceitação sem muita
resistência à imposição da polivalência, no que se refere ao ensino de arte e, que, na prática,
continua acontecendo em grande parte na escola básica, resguardando questões regionais, e,
vez por outra, volta nos discursos e leis criados pelos gestores de diferentes instâncias.
Quando se trata das condições oferecidas pelo IFCE para o ensino de artes os
depoimentos trazem afirmações recorrentes nas falas dos entrevistados e basicamente retratam
uma realidade ainda presente nas escolas brasileiras desde longa data:

(...) Uma das dificuldades principais que a gente tem, é estrutural, física,
aqui. A disciplina específica, que é do estágio supervisionado, né, que é a
disciplinada que eu dou associada às Artes do integrado, a gente tem muita
dificuldade de espaço aqui. A sala é muito pequena pra quantidade de alunos
que entra. São os alunos do primeiro semestre do integrado, que são trinta e
cinco, às vezes quarenta ou mais de quarenta alunos pra uma sala muito
pequena. (...) O Instituto não dispõe de uma sala disponível dentro do que a
gente precisa. Ou seja, uma sala mais ampla, que tenha espaço pra eles
fazerem exercícios corporais, atividades, isso demanda realmente... O
Instituto tem algumas salas assim, mas ainda não tá completamente
adequado. (...) Mas tirando isso, assim... Eu acho que o Instituto tem bons
profissionais (...). Que todo semestre tem Música... de Teatro, de Artes
Visuais. A parte, digamos, de formação é muito boa. Eu acho que sim. Mas a
parte estrutural, física, eu acho que ainda falta bastante do Instituto (Profa.
Joyce, depoimento oral, Nov/2017).

O ideal seria que tivesse uma... salas específicas do ensino de artes. Uma
sala revestida acusticamente para a Música, com instrumentos, teclados,
flautas doces para a Música. Pro Teatro, uma sala que tivesse figurino, uma
sala que fosse... que não tivesse carteiras, né? Porque a gente precisa de
espaço. Pras Artes Plásticas, uma sala que tivesse máquinas fotográficas,

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uma sala que tivesse telas, tintas, papel couchê, lápis HB, H não sei o quê...
Esses todos lá que a gente usa pro desenho e não tem. Aqui não tem esse
material. É impossível fazer Arte no IFCE? Não, porque a gente tá fazendo,
mas seria bem mais interessante. (...) Porque nossa aula é um laboratório,
né? (...) São oficinas, a gente tem que mexer, tem que criar. Não tem o
material necessário que a gente precisa pra fazer Arte e não apenas aprender
a história da Arte. Porque uma coisa é aula de história da Arte e outra coisa é
aula de Arte, né? (Prof. Marcos Paulo, depoimento oral, Mar/2018).

(...) Na medida do possível, sim. Né? Mas... Claro que não temos uma... uma
oficina, um laboratório, né, com material disponível (...) e... normalmente
nós tamos pedindo para os alunos trazerem esses materiais. Mas já agora,
recentemente, o governo disponibilizou uma plataforma pra que as
respectivas disciplinas possam pedir esses materiais (Prof. Herbert,
depoimento oral, Mai/2018).

Percebe-se pelas falas dos sujeitos que o Instituto Federal, assim como a maior parte
das escolas brasileiras, carece de estrutura física e de materiais compatíveis com as demandas
que o ensino de artes em suas especificidades (Artes Visuais, Dança, Música e Teatro)
necessita. Causa espanto, no entanto, que apesar da obrigatoriedade desse ensino estar vigente
no ambiente escolar, em termos de lei, desde o início da década de 1970 (LDBN, 5.692/71),
as escolas, de modo geral, ainda não tenham se adaptado minimamente a essa realidade. Será
que a função social do ensino de artes não importa? Será que tornar o educando um ser
sensível e cada vez mais reflexivo sobre sua realidade, não interessa aos gestores das políticas
educacionais ou serão econômicas?
Cabe, aqui, não uma resposta a essas inquietações, mas uma reflexão trazida por
López sobre “por que nossas sociedades contemporâneas em tensão precisam urgentes da
educação em artes”:

(...) para restabelecer a ética e a estética como fatores-chave na


reconfiguração dos pactos sociais que sustentam a convivência em
comunidades fraturadas, ou até para conseguir a afirmação de um sentir e
uma consciência cidadã que se definam e trabalhem individual e
coletivamente não somente pela vida humana, mas por todas as espécies que
habitam o planeta (LÓPEZ, 2018, p. 77).

Provavelmente escolas bem equipadas com estrutura física favorável, materiais e


equipamentos disponíveis e acessíveis, com educadoras e educadores dominando e inseridos
na sua área de conhecimento e educandos criando, refletindo e fruindo arte possibilitem essa

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“ética”, essa “estética” e essa “consciência cidadã” que não interessa serem desenvolvidas. E
como afirmou Ana Mae Barbosa em seu recente artigo “Em Defesa da Arte-Educação”,
talvez, “Os essencialistas jamais convencerão os burocratas que querem se ver livres das artes
nos currículos (BARBOSA, 2018, p.69)”.
Alguns educadores estão se esforçando por ter uma formação adequada para ensinar
arte, como sugere a Profa. Joyce “(...) Eu acho que o Instituto tem bons profissionais, (...) Que
todo semestre tem Música... de Teatro, de Artes Visuais. A parte, digamos, de formação é
muito boa”. Outros reconhecem, como o Prof. Marcos Paulo, que “uma coisa é aula de
história da Arte e outra coisa é aula de Arte” e não querem mais fazer de conta nesse ensino,
outros se munem de esperanças nos gestores, como o Prof. Herbert, e aguardam o material
que o “governo disponibilizará numa plataforma pra que as respectivas disciplinas possam
pedir esses materiais”, mas o fato é que os sujeitos que atuam no ensino de artes continuam no
campo de batalha, lutando para não perder as conquistas que a arte-educação teve nesses
últimos 25 anos (BARBOSA, 2018), para oferecerem a(o)s educadora(e)s que ainda virão e
a(o)s educanda(o)s condições dignas para que as aulas de arte alcancem a primazia e a função
essencial que a elas cabem.
Ao falarem sobre as metodologias ministradas nas aulas os educadores mostram quão
imbricadas as mesmas estão com essa falta de estrutura material adequada e a possibilidade da
experiência transformadora que a arte fecunda:

Pronto, é: a disciplina de Artes do integrado tá ligada a minha disciplina de


estágio supervisionado que é o Estágio III, né, da Licenciatura. (...) A gente
tem um livro didático que é o livro de Artes do Ensino Médio fornecido pelo
MEC. E dentro desse livro, né, ele aborda todos os campos das Artes, como
a nossa linguagem especifica é Teatro, a gente se concentra nas partes do
livro que estão ligadas a Teatro e estrutura as aulas em cima daquele
conteúdo que o livro propõe. Não necessariamente a gente usa direto o livro,
né, a gente amplia também pra outros conhecimentos. Então, assim, eu vejo
que, por um lado, é muito bom porque é um espectro muito amplo, porque
eles veem... eles veem um pouco da história quase inteira do Teatro, desde o
Teatro da Grécia antiga até o teatro contemporâneo, a performance, as coisas
mais recentes que a gente tem em Teatro. E aí, eu acho que a forma como o
livro propõe e que a gente faz na aula tá muito bem estruturada pros alunos
terem um panorama geral do que era o Teatro. A grande maioria deles nunca
fez teatro na vida, um ou outro já fez na escola, em algum grupo da igreja,
do bairro, mas a grande maioria nunca fez e... Eu acho muito positivo eles já
chegarem no Instituto no primeiro semestre deles e terem contato com a Arte

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dessa forma, né, porque eles ampliam muito a visão de mundo deles, assim.
A partir de entender a história, porque a gente também dá a parte teórica da
história do teatro, a gente explica através de vídeo, de slides, textos e enfim
de várias formas e a parte prática que eu acho que também é muito
importante por ser vivencial. Eles experimentam no corpo, na voz, técnica de
teatro, de interpretação, vários tipos de teatro, veem cultura popular também,
veem várias coisas que eu acho que são muito importantes. E até além. Eu
acho que o Teatro ainda vai além porque hoje mesmo no encerramento da
disciplina um aluno disse assim: “Olha professora, eu queria lhe dizer que no
começo do semestre a gente nem se conhecia, a gente nem se falava e hoje
foi essa disciplina aqui que ajudou a gente, hoje todo mundo se conhece,
todo mundo é amigo, todo mundo sabe um do outro”. E aí a gente reforça
muito essa coisa do Teatro ser coletivo e de ser uma Arte que agrega, que
junta às pessoas, né. Eu até... dei até o exemplo: música você pode até fazer
sozinho, você tocar a sua música ali e compor, as artes visuais você pode
pintar seu quadro, fazer sua escultura, sua obra de Arte ali sozinho, mas o
Teatro, ele, por si só, é uma Arte coletiva. Então eu acho que ele ajuda muito
nesse sentido da integração das pessoas a partir do Teatro, também (Profa.
Joyce, depoimento oral, Nov/2017).

Eu... eu... eu puxo mais... muito pro jogo, os jogos musicais, jogos rítmicos
no... no ensino de música. Jogos de... de... Eles escutarem uma música e
tentarem passar... fazer essa música com movimentos corporais. Jogos de
apreciação auditiva, né. Jogos brincando de imitação musical e... e
reprodução. E tentando levar um pouco do Teatro também, mas nas Artes...
Artes Visuais que é o que me pega, porque não tem câmera, não tem tela,
não tem lápis, né, aqueles lápis básicos eles não têm. Então, fica muito
difícil, apesar da gente ter aquele material, aquele livro, né, que tem todas as
Artes, mas fica resumido à história, a conhecimento, não produção artística,
não... não de criação, mas sim como se eles fossem uma... Aquela velha
educação bancária, né? A gente vai dizendo: Ah, Impressionismo! Aí fala do
Renoir. Aí mostra... mostra na internet os quadros, mas era legal que eles
tivessem fazendo. Coisa que a gente não consegue aqui (Prof. Marcos Paulo,
depoimento oral, Mar/2018).

Bom, a gente procura seguir a metodologia é... da... da abordagem triangular,


né, com base na... na adaptação que a Ana Mae Barbosa fez dessa
abordagem como uma metodologia. Então, a gente procura contextualizar o
objeto artístico historicamente, procura fazer uma leitura crítica deste objeto
artístico e depois uma... uma prática. Também há uma metodologia que é da
Artografia do... me referindo aqui, no caso, dos estágios com licenciando em
Artes (Visuais) do Instituto Federal. E a Artografia é uma metodologia que
leva em conta o artista-pesquisador-professor, né, como a experiência em
sala de aula como experimento estético também (Prof. Herbert, depoimento
oral, Mai/2018).

Por meio das metodologias apresentadas pelos educadores, mais uma problemática já
conhecida, que perpassa esse ensino, vem à tona. É a questão das áreas que cada educador

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domina e que obviamente se liga a sua formação ou vivência em uma delas. A Profa. Joyce
tem formação em Artes Cênicas e na Licenciatura em Teatro estava à frente da disciplina de
Estágio III. Vale ressaltar que como a Instituição abriga o nível médio e o superior cria
possibilidades das Licenciaturas realizarem parte de seus estágios nas turmas dos cursos
integrados que unem a um só tempo o médio e o técnico. Assim, percebe-se que apesar da
existência de um livro que propõe abordar todas as linguagens em um único semestre letivo,
os estagiários da Licenciatura em Teatro, orientados por Joyce, trabalham especificamente o
Teatro com plenitude de domínio e, talvez, transversalmente tentem agregar Música e Artes
Visuais na teoria. No entanto, ao falar das práticas metodológicas com o Teatro, Joyce
descortina as possibilidades sensíveis que essa arte traz para o educando. Este, inicialmente,
resistente às práticas do ensino de Teatro que envolve o corpo e, de certa forma, sua
exposição, percebe, depois, seu potencial criativo não apenas estético ou poético, mas
sobretudo sensível, agregador, coletivo, como declarou o educando ao final do semestre.

A arte é uma experiência vital para a transformação social. Dewey propunha


que a educação em artes transforma a práxis social ao promover o processo
criativo como rota de autoconhecimento, experimentação, descoberta de si
mesmo e do mundo circundante (LÓPEZ, 2018, p.82).

O Prof. Marcos Paulo, diferentemente da Profa. Joyce e do Prof. Herbert que


dividem as aulas de artes com os estagiários, ministra diretamente para a(o)s educanda(o)s a
disciplina de artes no ensino integrado. Formado em Música, fala com fluência e facilidade
sobre as metodologias empregadas para essa área e aponta honestamente as dificuldades do
trabalho com Teatro e, sobretudo, Artes Visuais, áreas das quais não tem domínio nem
poderia ter. Essa dificuldade não é novidade para nenhum gestor ou qualquer pessoa
envolvida com educação neste país. Já se sabe que esse modelo não se sustenta, ainda que
tenhamos tido alguns avanços nessa área, não houve efetivamente ainda nenhum
enfrentamento real da questão por envolver muitas variáveis, inclusive econômicas, pois em
2007, Corrêa já trazia essa reflexão:

(...) recaímos no mesmo problema das décadas anteriores: o enorme


descompasso entre a teoria e a prática. Ainda não contamos com professores
especializados que possam dar conta de um ensino voltado para as Artes
Visuais, Dança, Música ou Teatro como propõe a legislação. Torna-se

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inviável a um profissional atuar no ensino de áreas distintas. Para tal, as
escolas deveriam constituir uma equipe de profissionais que pudessem
trabalhar, em conjunto, as áreas que compõem o ensino da arte. Entretanto,
isso seria economicamente impossível para as instituições privadas e
públicas (CORRÊA, 2007, p.109).

Como mudar essa realidade? Como enfrentá-la sem trazer de volta a polivalência, ou
tornar o ensino de artes um faz de contas e, ao mesmo tempo, não torná-lo inviável dando
munição aos burocratas de plantão que insistem em retirar o ensino de artes do currículo,
como bem frisa Ana Mae, em todas as suas falas em defesa desse ensino?
Não tendo a intenção de dar respostas, lanço as perguntas, inquietações que podem nos
mover do lugar cômodo de só observar, e quem sabe, de repente, juntos na busca,
encontremos uma solução possível para que efetivamente essa área de conhecimento possa
existir, atuar e ser reconhecida em toda sua grandeza e dignidade.

Considerações finais
Por fim, pode se considerar que o sentido e a percepção da educadora e dos
educadores que atuam no ensino de artes nos cursos integrados do IFCE, de certa forma,
revelam um recorte desse ensino no Brasil como um todo. Ora demonstra com altivez seus
avanços, ora se encolhe em seus recuos. Mas há aqui um elemento revelador do grande
potencial que essa área de conhecimento enseja: o humano.
São a(o)s educadora(e)s e a(o)s educanda(o)s que tornam esse ensino um bem precioso
que incomoda, porque ele age e chega a lugares nos quais a burocracia das leis, das diretrizes,
dos parâmetros não conseguem alcançar. São essas mulheres, esses homens, esses jovens no
cotidiano da sala de aula do ensino de artes, com salas sem estrutura, sem material didático,
com educadores fazendo concursos para ensinar em quatro áreas quando tem formação apenas
em uma, com educandos marcados pela violência, pelas chacinas de seus colegas, pela
discriminação religiosa, de raça, de gênero e de orientação sexual que teimam em continuar
sonhando, que teimam em dar sentido as suas existências ampliando sua visão de si, do outro
e do mundo ao redor por meio da educação em arte que:

(...) assim pensada, ajuda a configurar uma arquitetura interna que permite
sentir que um terremoto pode derrubar nossas casas, mas não a nossa
capacidade de reconstruí-las, que um assalto pode nos fazer perder um

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objeto, mas jamais a alma, que a água pode nos inundar, mas não nos fazer
perder a esperança de nos reconciliarmos como o planeta (LÓPEZ, 2018, p.
93).

O ensino de artes se inscreve no campo do sensível e nos convoca a permanecemos


firmes no propósito de mantê-lo existindo em nossas salas de aula, para tanto é preciso
reaprender a unir saberes: arte e ciência devem passear de mãos dadas nos jardins do
conhecimento.

Referências Bibliográficas

BARBOSA, Ana Mae. Em defesa da Arte-Educação. Revista Observatório Itaú Cultural. N.


24, pp. 66-75, jun./dez. 2008. São Paulo: Itaú Cultural, 2018.
B RASIL. Lei no 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1o
e 2o graus, e dá outras providências. Brasília, 1971.
Disponível: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-5692-11-agosto-1971-
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Brasília, DF – 6 a 9 de novembro de 2018


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