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Resumo
Este artigo investigou quais os sentidos e percepções que educadores dão ao ensino de artes nos cursos
integrados do IFCE, campus Fortaleza. A metodologia, utilizando a história oral, realizou entrevistas
semiestruturadas com os educadores que ministram aulas de artes na Instituição. Considerou-se, por
fim, que os educadores e os educandos tornam esse ensino um bem precioso que incomoda, porque ele
age e chega a lugares nos quais a burocracia das leis, das diretrizes, dos parâmetros não conseguem
alcançar. São mulheres, homens e jovens que na sala de aula de artes, sem estrutura, sem material
adequado, com educadores fazendo concursos para ensinar em quatro áreas quando tem formação
apenas em uma, com educandos marcados pela violência, pelas chacinas de seus colegas, pela
discriminação religiosa, de raça, de gênero e de orientação sexual, teimam em continuar sonhando, em
dar sentido as suas existências, ampliando sua visão de si, do outro e do mundo ao redor por meio da
educação em artes.
Palavras-chave: Ensino de artes. Cursos integrados. IFCE. Percepções.
Introdução
Muitos são os trabalhos acadêmicos cuja pesquisa versa sobre a questão do ensino de
artes na escola básica. De norte a sul do país, pesquisadoras e pesquisadores,
comprometida(o)s com a temática, dedicaram seus esforços para compreender como esse
ensino tem se realizado em suas localidades, haja vista o número de artigos, monografias,
dissertações e teses apresentados tanto em programas de graduação e pós-graduação como em
congressos.
Assim, objetivando compreender quais os sentidos e percepções que educadores dão
ao ensino de artes nos cursos integrados do IFCE, campus Fortaleza, foi realizado uma
1
Pesquisa vinculada ao Mestrado Profissional em Artes/IFCE e ao Grupo de Pesquisa em Cultura Folclórica
Aplicada/CNPq.
2
Professora doutora do Departamento de Artes do IFCE- Campus Fortaleza. E-mail: simone@ifce.edu.br.
3
Bolsista de iniciação científica da Licenciatura em Teatro/IFCE. E-mail: mirllacxaraujo@gmail.com
Assim, parte da(o)s educadora(e)s que estão atuando na área de artes na escola básica
no Ceará e que possuem formação superior em uma das áreas de arte foram formados pelo
IFCE. Ainda que esse contingente de educadora(e)s não seja suficiente para suprir a demanda
do Estado, ele já está sendo formado. Considerando que a formação na área foi tardia, não
será difícil compreender a reflexão de Feldmann ao contextualizar a formação de professor e a
mundialização crescente no século XXI e suas consequências para as instituições educativas:
Bem, hoje no Brasil, eu penso que o ensino de Artes deve ser mais voltado
pra produção de arte, produção artística e não somente apreciação e ensino
de história da... das artes, né? E sim a gente fazer... Arranjar um meio de
fazer com que eles produzam. Que eles mesmos sejam criadores de arte. Eu
acho que essa é a dificuldade porque é... na maioria das vezes eles... eles... O
ensino, né, no Brasil só tem uma sala com carteiras e uma lousa, né? Então
fica... difícil fazer música, fazer artes visuais, artes plásticas e fica também
difícil fazer teatro, né, sem... sem o material de figurino, de cenário. Apesar
de ser possível, a gente sabe que é possível, mas não é uma imersão tão... tão
grande como a gente gostaria que fosse. Sem instrumentos musicais, sem
tela de pintura, sem tinta, sem câmeras fotográficas, fica... mais difícil, mas
não impossível (Prof. Marcos Paulo, depoimento oral, Mar/2018).
E, ao mesmo, tempo, é no ato criativo, na sua própria expressão da arte, no fazer que o
educando passa, de fato, a ser sujeito do aprendizado. E o ensino de artes precisa dessa
“imersão” para ser vivido e experenciando em sua plenitude. E como sugere a fala do Prof.
Herbert, também temos que nos preocupar com a possibilidade da aceitação sem muita
resistência à imposição da polivalência, no que se refere ao ensino de arte e, que, na prática,
continua acontecendo em grande parte na escola básica, resguardando questões regionais, e,
vez por outra, volta nos discursos e leis criados pelos gestores de diferentes instâncias.
Quando se trata das condições oferecidas pelo IFCE para o ensino de artes os
depoimentos trazem afirmações recorrentes nas falas dos entrevistados e basicamente retratam
uma realidade ainda presente nas escolas brasileiras desde longa data:
(...) Uma das dificuldades principais que a gente tem, é estrutural, física,
aqui. A disciplina específica, que é do estágio supervisionado, né, que é a
disciplinada que eu dou associada às Artes do integrado, a gente tem muita
dificuldade de espaço aqui. A sala é muito pequena pra quantidade de alunos
que entra. São os alunos do primeiro semestre do integrado, que são trinta e
cinco, às vezes quarenta ou mais de quarenta alunos pra uma sala muito
pequena. (...) O Instituto não dispõe de uma sala disponível dentro do que a
gente precisa. Ou seja, uma sala mais ampla, que tenha espaço pra eles
fazerem exercícios corporais, atividades, isso demanda realmente... O
Instituto tem algumas salas assim, mas ainda não tá completamente
adequado. (...) Mas tirando isso, assim... Eu acho que o Instituto tem bons
profissionais (...). Que todo semestre tem Música... de Teatro, de Artes
Visuais. A parte, digamos, de formação é muito boa. Eu acho que sim. Mas a
parte estrutural, física, eu acho que ainda falta bastante do Instituto (Profa.
Joyce, depoimento oral, Nov/2017).
O ideal seria que tivesse uma... salas específicas do ensino de artes. Uma
sala revestida acusticamente para a Música, com instrumentos, teclados,
flautas doces para a Música. Pro Teatro, uma sala que tivesse figurino, uma
sala que fosse... que não tivesse carteiras, né? Porque a gente precisa de
espaço. Pras Artes Plásticas, uma sala que tivesse máquinas fotográficas,
(...) Na medida do possível, sim. Né? Mas... Claro que não temos uma... uma
oficina, um laboratório, né, com material disponível (...) e... normalmente
nós tamos pedindo para os alunos trazerem esses materiais. Mas já agora,
recentemente, o governo disponibilizou uma plataforma pra que as
respectivas disciplinas possam pedir esses materiais (Prof. Herbert,
depoimento oral, Mai/2018).
Percebe-se pelas falas dos sujeitos que o Instituto Federal, assim como a maior parte
das escolas brasileiras, carece de estrutura física e de materiais compatíveis com as demandas
que o ensino de artes em suas especificidades (Artes Visuais, Dança, Música e Teatro)
necessita. Causa espanto, no entanto, que apesar da obrigatoriedade desse ensino estar vigente
no ambiente escolar, em termos de lei, desde o início da década de 1970 (LDBN, 5.692/71),
as escolas, de modo geral, ainda não tenham se adaptado minimamente a essa realidade. Será
que a função social do ensino de artes não importa? Será que tornar o educando um ser
sensível e cada vez mais reflexivo sobre sua realidade, não interessa aos gestores das políticas
educacionais ou serão econômicas?
Cabe, aqui, não uma resposta a essas inquietações, mas uma reflexão trazida por
López sobre “por que nossas sociedades contemporâneas em tensão precisam urgentes da
educação em artes”:
Eu... eu... eu puxo mais... muito pro jogo, os jogos musicais, jogos rítmicos
no... no ensino de música. Jogos de... de... Eles escutarem uma música e
tentarem passar... fazer essa música com movimentos corporais. Jogos de
apreciação auditiva, né. Jogos brincando de imitação musical e... e
reprodução. E tentando levar um pouco do Teatro também, mas nas Artes...
Artes Visuais que é o que me pega, porque não tem câmera, não tem tela,
não tem lápis, né, aqueles lápis básicos eles não têm. Então, fica muito
difícil, apesar da gente ter aquele material, aquele livro, né, que tem todas as
Artes, mas fica resumido à história, a conhecimento, não produção artística,
não... não de criação, mas sim como se eles fossem uma... Aquela velha
educação bancária, né? A gente vai dizendo: Ah, Impressionismo! Aí fala do
Renoir. Aí mostra... mostra na internet os quadros, mas era legal que eles
tivessem fazendo. Coisa que a gente não consegue aqui (Prof. Marcos Paulo,
depoimento oral, Mar/2018).
Por meio das metodologias apresentadas pelos educadores, mais uma problemática já
conhecida, que perpassa esse ensino, vem à tona. É a questão das áreas que cada educador
Como mudar essa realidade? Como enfrentá-la sem trazer de volta a polivalência, ou
tornar o ensino de artes um faz de contas e, ao mesmo tempo, não torná-lo inviável dando
munição aos burocratas de plantão que insistem em retirar o ensino de artes do currículo,
como bem frisa Ana Mae, em todas as suas falas em defesa desse ensino?
Não tendo a intenção de dar respostas, lanço as perguntas, inquietações que podem nos
mover do lugar cômodo de só observar, e quem sabe, de repente, juntos na busca,
encontremos uma solução possível para que efetivamente essa área de conhecimento possa
existir, atuar e ser reconhecida em toda sua grandeza e dignidade.
Considerações finais
Por fim, pode se considerar que o sentido e a percepção da educadora e dos
educadores que atuam no ensino de artes nos cursos integrados do IFCE, de certa forma,
revelam um recorte desse ensino no Brasil como um todo. Ora demonstra com altivez seus
avanços, ora se encolhe em seus recuos. Mas há aqui um elemento revelador do grande
potencial que essa área de conhecimento enseja: o humano.
São a(o)s educadora(e)s e a(o)s educanda(o)s que tornam esse ensino um bem precioso
que incomoda, porque ele age e chega a lugares nos quais a burocracia das leis, das diretrizes,
dos parâmetros não conseguem alcançar. São essas mulheres, esses homens, esses jovens no
cotidiano da sala de aula do ensino de artes, com salas sem estrutura, sem material didático,
com educadores fazendo concursos para ensinar em quatro áreas quando tem formação apenas
em uma, com educandos marcados pela violência, pelas chacinas de seus colegas, pela
discriminação religiosa, de raça, de gênero e de orientação sexual que teimam em continuar
sonhando, que teimam em dar sentido as suas existências ampliando sua visão de si, do outro
e do mundo ao redor por meio da educação em arte que:
(...) assim pensada, ajuda a configurar uma arquitetura interna que permite
sentir que um terremoto pode derrubar nossas casas, mas não a nossa
capacidade de reconstruí-las, que um assalto pode nos fazer perder um
Referências Bibliográficas