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Identidade e Diferença
no Contexto Brasileiro
Nesta unidade, iniciaremos
nossos estudos com um olhar
para as relações do homem e a
sociedade, a f i m de suscitar in-
terrogações críticas sobre si mes-
mo e o meio que o cerca. Logo,
você perceberá a capacidade de
construirmos nossa própria histó-
ria e as de muitos outros.
Este é um convite para mer-
gulharmos na História, que impli-
ca ref lexões de longo alcance.
3.1 Para Início de Conversa...
55
3.2 Diversidade
Cultural como Parte
do Processo Histórico
Ao expor que o Multiculturalismo processa-
-se histórico-socialmente, é relevante destacar que a
realidade social é constituída pelas mais variadas for-
mações de grupos sociais. Nas entrelinhas do Multi-
culturalismo podemos identificar a diversidade, pela
qual a sociedade brasileira é organizada, e ainda a for-
ma como esta sociedade apresenta-se diante desta.
Você observou que até o momento, utilizamos
o termo “diversidade” e isso se deve aos mais amplos
sentidos do termo, ou seja, estamos fazendo referência
a diferenças culturais, econômicas, sociais, étnicas, reli-
giosas, de gêneros, de gerações, dentre outras.
É nesse viés que nos referimos à diversidade
cultural, uma vez que esse termo vai muito além do
que, até então, era entendido pelas vagas percepções
de costumes e modos de comportar-se numa determi-
nada sociedade, porém que engloba, sobretudo, uma
visão particular, uma forma de relacionar-se com o
outro, enfim, uma forma de expressar um sentimento
de pertença a um determinado grupo.
Na configuração da diversidade cultural
consideramos os fatores de um determinado local,
desta maneira o espaço físico e geográfico influen-
ciam a cultura de um determinado grupo social e
suas relações de troca com outros grupos, entretan-
to não são determinantes.
56
Cabe aqui uma ilustração. Na 1ª unidade,
você teve a oportunidade de assistir ao documentário:
“Pantanal – O Pantaneiro”, onde mostrou claramente
os relacionamentos do homem com o ambiente físico.
Ao contrário, que se possa pensar que o homem foi
determinado no espaço, tomado pela aquela natureza
exuberante, nossa visão deve alçar voos maiores. Per-
ceber que cada indivíduo e grupo constroem formas
diferentes de se adaptar e modificar o espaço em que
vive, em face às suas necessidades.
Isso significa que cada um atribuirá uma res-
posta diferente frente às relações com outros indiví-
duos e com o espaço que o cerca. Tanto é verdade,
que o espaço referenciado no documentário apresen-
ta configurações humanas multifacetadas, como um
mosaico cultural, em constante relacionamento com
o meio físico e social.
Ainda tomando como base o documentário,
como um paralelo de discussão, torna-se profícuo
pensarmos nos traços humanos, que a sociedade pas-
sa a ser desenhada, sobretudo pelos deslocamentos de
grupos indígenas para certas áreas do Pantanal, soma-
da à chegada de migrantes de várias regiões brasileiras
e de países oriundos de vários continentes.
Todo esse “caldeirão cultural” não dispensa
as expressões simbólicas identificadas por caracterís-
ticas como: a culinária, a vestimenta, línguas, crenças,
religiões, produções manuais e artísticas (artesanato,
música e dança), entre vários outros. Somente a guisa
de ilustração, o Mato Grosso do Sul, Estado que en-
57
globa maior parte do território pantaneiro, tem, hoje,
uma das maiores comunidades indígenas, paraguaia e
japonesa, no contexto nacional.
Assim como, o Mato Grosso do Sul, muitos
dos estados e regiões brasileiras têm uma configura-
ção social e cultural com múltiplos grupos sociais, que
se diferenciam culturalmente e igualmente. A confi-
guração dessas sociedades tem um caráter histórico
interligado com a História nacional.
Pare para pensar na cidade e estado em que
vive. Lembre-se dos nomes das ruas, dos monumen-
tos e construções, as comidas típicas, as festividades
locais, os dialetos, o artesanato, as músicas regionais,
as fenotipias de cada indivíduo à sua volta. Desafio-
-o a dizer que nenhum desses itens recorda culturas
oriundas de grupos sociais diferentes. Pois bem! Essa
é apenas uma mostra da diversidade cultural.
De acordo com a Declaração Universal da
Unesco sobre a Diversidade Cultural1 (2002, p. 3), o
Artigo 1 expõe:
1
Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/
images/0012/001271/127160por.pdf
58
e de criatividade, a diversidade cultural é, para o
gênero humano, tão necessário como a diversidade
biológica para a natureza. Nesse sentido, constitui
o patrimônio comum da humanidade e deve ser
reconhecida e consolidada em benefício das gerações
presentes e futuras.
59
contexto democrático, o pluralismo cultural é propício
aos intercâmbios culturais e ao desenvolvimento das
capacidades criadoras que alimentam a vida pública.
60
3.3 Identidade e
Diferença
Tolerar a existência do outro,
E permitir que ele seja diferente,
Ainda é muito pouco.
Quando se tolera,
Apenas se concede
E essa não é uma relação de igualdade,
Mas de superioridade de um sobre o outro.
Deveríamos criar uma relação entre as pessoas,
Da qual estivessem excluídas
A tolerância e a intolerância.
(José Saramago2)
2
José Saramago (1922 - 2010). Escritor e jornalista português.
61
outro. Segundo Boaventura Souza Santos (1993, p. 31):
62
tais relações resultam no estabelecimento de frontei-
ras invisíveis entre o “nós” e os “outros”, para assim
ter uma identidade reconhecida.
Dessa forma, a maneira como um indivíduo
e determinado grupo expressa-se, perpassam as ma-
neiras de portar-se, de vestir-se, de apresentar gostos
diversos, interesses profissionais e pessoais, para afir-
mar pensamentos, que se defendem e modos em co-
mum de ver o mundo.
Giddens (2002) complementa que o termo
autoidentidade, ampara os pontos que trouxemos
quando pesamos a influência do meio, ele afirma que:
“... mudanças em aspectos íntimos da vida pessoal es-
tão diretamente ligadas ao estabelecimento de cone-
xões sociais de grande amplitude... ”eu” e “sociedade”
estamos inter-relacionados num meio global”. (GID-
DENS, 2002, p. 36)
Nesse sentido, podemos reafirmar que um
grupo tem um papel, que favorece os contornos sin-
gulares, ao mesmo tempo em que conformam uma
unicidade coletiva. Pensemos como Ortiz (1994, p.
137), identidade será: “... sempre um elemento que de-
riva de uma construção de segunda ordem”, de forma
que nenhuma identidade constitui-se individualmente.
Toda identidade é constituída socialmente. Reafirman-
do, assim, a origem da identidade do “global” ao sin-
gular, ou do singular ao global.
Partindo do pressuposto de que identida-
de e diferença são elementos inseparáveis, aponta
Silva (2000, p.75-76):
63
[...] consideramos a diferença como um produto deri-
vado da identidade. Nesta perspectiva, a identidade é
a referência, é o ponto original relativamente ao qual
se define a diferença. Isto reflete a tendência a tomar
aquilo que somos como sendo a norma pela qual des-
crevemos ou avaliamos aquilo que não somos.
64
ferenças, o sujeito passa a repensar sua relação como
o outro, pois uma vez que este sujeito está inserido às
diferentes relações de poder, poderá demonstrar ou ser
alvo de situações de intolerância do outro. Essa intole-
rância que por vezes pode gerar a exclusão social.
Nesse sentido, pensar a intolerância é tam-
bém pensar preconceito e discriminação, grosso
modo, podem ter a mesma definição. A intolerân-
cia caracteriza-se pelo repúdio a alguma coisa e a
alguém, negando o diferente. O preconceito com-
preende um juízo antecipado, pré-concebido e sem
fundamento. A discriminação atribui sentido de dis-
tinção e separação, isto é exclusão social, sobretudo,
uma exclusão que priva o consumo de bens materiais
e culturais (BRASIL, 1997)
A intolerância, o preconceito e a discrimi-
nação manifestam-se sob diferentes formas e em
diferentes situações, desde as atitudes escamotea-
das às práticas de eliminação e extermínio do outro.
Parte do princípio que o diferente não é aceito, é
subalterno e ameaçador.
Tal princípio sempre foi e continua a ser
preocupante na sociedade, sobretudo, pelas ten-
dências universalizantes de se propagar uma cultura
dominante, que busca estabelecer padrões culturais.
Valores estes que recaem sobre as diferenças: étnica,
fenotípica, religiosa, de opções sexuais, de gênero e
de modos de vida humanos.
O preconceito e a intolerância tende a mani-
festar-se ao colocar-se em posição de superioridade,
65
constituindo como ponto de partida para as práticas
de discriminação. Nesse sentido, concordamos com
Crochick (1997, p. 11):
66
mas que merece discussões.
Do ponto de vista da identidade étnica, Go-
mes (2002) explora aspectos importantes para pensar-
-se a identidade negra e mesmo que seus interesses
de discussões estejam voltados para um dado grupo
e suas especificidades, ainda assim podem-se esten-
der as reflexões, ao acolher os princípios básicos da
construção histórica e cultural das identidades, dos
diferentes grupos que compõem a sociedade.
67
Sugestões para
Aprofundamento de Estudos
Documento: Declaração Universal sobre Diversida-
de Cultural.
Disponível em:
http://unesdoc.unesco.org/
images/0012/001271/127160por.pdf
Livro: Estigma. A deteriorização da identidade so-
cial. (Everg Goffman).
DVD: Pluralidade Cultural – Colonialidade de Saber
e de Poder (vol. 2).
Documentário “Eu Sou Assim” - Documentário
que aborda, através das percepções do universo infan-
to-juvenil, questões relacionadas às diferenças entre in-
divíduos e aos preconceitos. Paralelamente, tem relatos
pessoais de crianças em três momentos, que refletem
as questões de diversidade e desigualdade. Discussão
extra sobre “educação e diferenças”, com a Pedagoga
Ana Canen, o economista Marcelo Paixão e o Sociólo-
go Ahyas Siss. Produção: CNPq e UNIAFRO.
Exercício Proposto
1) Observe a tirinha da Mafalda e procure aprofun-
dar-se nos estudos, buscando acessar as sugestões de
complementação de estudos, assim como outras fon-
tes diversas relacionadas ao assunto. Por fim, reflita
sobre o conteúdo estudado, nessa unidade, e posicio-
ne-se, criticamente, elaborando um texto de no míni-
68
mo 10 linhas, expondo a sua opinião.
Mafalda – Preconceito racial
Sugestão de Roteiro
69
Diálogos com a Teoria de
Pierre Bourdieu para
Entender o Multiculturalismo
no Contexto Educacional
Nesta unidade, você terá a
oportunidade de conhecer um
pouco sobre a teoria do sociólo-
go Pierre Bourdieu e suas contri-
buições para os estudos educacio-
nais, levando em consideração a
questão da diversidade cultural e
as manifestações no meio escolar.
As discussões, aqui, apresen-
tadas são imprescindíveis para a
construção de uma visão crítica
de um profissional da Educação,
pois dessa maneira poderemos
elaborar estratégias de aversão
e ações contra a violência física
ou simbólica.
4.1 Para Início de Conversa...
73
leitura do Multiculturalismo no contexto educacional,
a partir do suporte teórico de Pierre Bourdieu, sobre-
tudo com o propósito de iluminar questões que com-
petem ao assunto. A existência da diversidade cultural,
suas manifestações no meio escolar e os possíveis im-
plicativos geradores de desigualdade social.
Por fim, é válido deixar claro que as discussões
não se encerram no estudo dessa unidade, uma vez que
a vasta produção desse autor suscita maior aprofunda-
mento de estudo, em face dos vários elementos teóricos
que merecem vir à luz do conhecimento.
74
sua própria teoria ao reconhecer sua experiência em
dois universos culturais distintos: o familiar e o da elite
escolar, é como afirma Nogueira (2008, p. 9) 10):... atri-
buía a si mesmo um “habitus clivado”, produto de forte
dissonância entre uma “alta consagração escolar e uma
baixa extração social”.
A auto-análise de Bourdieu é constatada,
principalmente, pela sua formação acadêmica na École
Normale Supérieur, local de formação da elite intelec-
tual francesa; diplomando-se em Filosofia aos 25 anos.
Além de realizar estudos na Faculdade de Letras de Pa-
ris, a Sorbonne. (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2008)
Mais tarde, tornou-se professor de Filoso-
fia no Liceu de Moulin (França) e entre 1955 a 1958,
prestou serviço militar na Argélia, ao norte da África
e após conclusão do serviço militar, permaneceu no
país durante dois anos como professor onde iniciou
suas primeiras pesquisas em sociologia.
75
dos jovens intelectuais de sua geração – e, do mesmo
modo, em relação à emoção imediata, assumir uma
distância reflexiva que, sem incorporá-la, permite
dominá-la e orientá-la para a ação. (ENCREVÉ;
LAGRAVE, 2005, p. 155)
76
4.3 Principais conceitos
de Pierre Bourdieu para
compreender o Multicultura-
lismo no contexto educacional
Para iniciarmos nossas reflexões, salientamos
que estudar Pierre Bourdieu é importante porque o
sujeito social é colocado como o centro e a chave das
análises sociológicas, um ponto imprescindível, que
colaboram com os estudos do Multiculturalismo que
em seu bojo, defende as diferentes identidades.
As bases, que sustentam a teoria de Pierre
Bourdieu, posicionam-se entre o objetivismo e o sub-
jetivismo, uma vez que o sociólogo foge ao determi-
nismo do objetivismo e defende as estruturas sociais
como esteio de produção, e por outro lado, escapa ao
subjetivismo que argumenta a constituição do sujeito,
alheio às influências das estruturas.
Nesse pensar, Bourdieu (1996) concebe a re-
alidade social a partir de uma leitura de espaço social,
considerando: “... a dimensão simbólica ou cultural na
produção e reprodução da vida social.” (NOGUEI-
RA; NOGUEIRA, 2006, p. 29)
Do ponto de vista epistemológico, Bourdieu
buscou em Durkheim as compreensões acerca dos
sistemas simbólicos como estruturas, que são estrutu-
rantes, uma vez que esses elementos “... organizam o
conhecimento ou mais amplamente a percepção que
os indivíduos têm da realidade.” (NOGUEIRA; NO-
GUEIRA, 2006, p. 2006)
77
Igualmente, busca em Saussure, entendimen-
tos de como se organizam as realidades, com base
numa estrutura subjacente, a qual busca identificar.
Por fim, o Marxismo contribuiu com elementos que
explicam as formas de dominação ideológica, capaz de
legitimar o poder de uma dada classe social. As con-
tribuições desses teóricos postularam a visão de reali-
dade social para Bourdieu, configurada como sistemas
simbólicos, que agem como estruturas organizadas, e
como esclarece Nogueira e Nogueira (2006, p. 30):
78
bens são produzidos, consumidos e classificados.
Este conceito concebe as transformações so-
ciais, tendo em vista que a ideia de que distribuição so-
cial do trabalho torna-se cada vez mais complexa na
contemporaneidade. No campo, inserem-se os agentes
que travam lutas simbólicas e hierarquicamente posi-
cionam-se de acordo com a distribuição de um capital.
Trata-se do que Bourdieu compara com
um jogo, em que os agentes estão engajados e que
lhes cabe realizar a escolha de aceitação e reconhe-
cimento de sua posição de inferioridade no campo,
ou contestar e ser avesso aos padrões da cultura dos
grupos dominantes.
Certamente, não há uma neutralidade nos
campos sociais, haja vista as constantes lutas simbó-
licas travadas entre os agentes em face dos critérios
de classificação cultural. Como ressaltou Bonnewitz
(2003), o campo é conflituoso e hierarquizado pela
desigual distribuição dos capitais.
79
Podemos pensar que o campo opera sob uma
lógica que determina a posição de cada agente, e nessa
perspectiva, acabam por reproduzir as desigualdades?
É certo que não. Primeiro, porque o agente poderá
reconhecer a superioridade da cultura dominante ao
buscar aproximar-se, entretanto, Bourdieu reconhece
as contraposições de agentes à hierarquia da cultura
dominante, buscando reverter sua posição por meio
de uma contracultura.
Contracultura caracteriza-se pela reação do
grupo do dominado à cultura dominante, ou seja, “...
quando os grupos se opõem à cultura dominante e
procuram promover a instauração de novas normas
culturais.” (BONNEWITZ, 2003, p. 95) Com base
nessa concepção, observamos que as relações entre
agentes e campos sociais não se constituem de forma
rígida e determinista, no sentido de sempre reprodu-
zir a hierarquização e promover a hegemonia cultural.
Mas, de que bens reais e simbólicas (capitais)
estamos referindo-nos e que é capaz de posicionar
hierarquicamente um agente em campo social? Em
linhas gerais, engloba-se o acúmulo de posses de di-
versas ordens distribuídas como: capital cultural, capi-
tal econômico, capital simbólico e capital social. Con-
ceitos que com base em Nogueira e Nogueira (2006)
resumem-se da seguinte forma:
• Capital cultural: apresenta-se de três formas: o capi-
tal cultural objetivado (posse de objetos culturais va-
lorizados como livros e obras de arte), o capital cultu-
ral incorporado (é a legítima cultura incorporada por
80
um agente, tais como: postura corporal, habilidades
linguísticas, sem síntese são hábitos, atitudes e com-
portamentos internalizados e relacionados à alta cul-
tura - cultura dominante) e por fim, o capital cultural
institucionalizado (são as posses de diplomas, ou seja,
certificados escolares, cursos, dentre outros).
• Capital econômico: todos os bens e serviços con-
quistados por volume de capitais.
• Capital social: são as amizades, contatos profis-
sionais, laços de parentesco, os quais são mantidos
pelos indivíduos e pelas suas famílias.
• Capital simbólico: é a reputação e o prestígio so-
cial. Em geral, acumular capital simbólico é levar
em consideração o acúmulo de pelo menos um dos
outros três capitais.
Bourdieu (2008) argumenta com proprie-
dade e fundamentação que o volume desses capi-
tais que esses agentes possuem, postulam distin-
ções. Essas distinções são possíveis de serem lidas
nas várias formas de expressão dos agentes, cuja
leitura acaba por destacar sua posição no campo,
enfim na realidade social.
O volume dos capitais constitui-se a partir
de uma trajetória, que os agentes traçam ao longo da
vida. Tal trajetória é inerente ao espaço social no qual
faz parte, pois seus valores, crenças, visões, tradições,
ações e relações que estabelece com o mundo confi-
guram a noção de “habitus”.
81
sições duráveis e transponíveis que, integrando todas
as experiências passadas, funciona a cada momen-
to como uma matriz de percepções, de apreciações e
de ações – e torna possível a realização de tarefas
infinitamente diferenciadas, graças às transferências
analógicas de esquemas, que permitem resolver os
problemas da mesma forma, e às correções incessantes
dos resultados obtidos, dialeticamente produzidas por
esses resultados. (BOURDIEU, 1983, p. 65)
82
de grupos dominantes como referência de cultural
ideal. Como desenvolvemos anteriormente, a socie-
dade alicerçada na égide do Capitalismo e suas várias
faces assumidas ao longo da História, coloca a domi-
nação como forma necessária para a sustentação do
sistema político-econômico.
Seja de forma conflituosa às duras penas
ou espreitamente oculta, constata-se a presença de
estratégias de grupos dominantes, que buscam fo-
mentar padrões de pensamento e comportamento
social, insistindo em perdurar e difundir seus valo-
res numa sociedade que, historicamente, se cons-
truiu por divisões sociais.
De um lado, os grupos de elite sempre busca-
ram encontrar meios de posicionar-se em patamar de
distinção e assim, fomentar o acúmulo de poder e de
capitais. De outro, as camadas desfavorecidas à mer-
cê da dominação, optam por duas alternativas: aceitar
a dominação e adequar-se à convivência harmoniosa
para a sua existência ou contrapor-se à dominação.
Ambas as alternativas pagam preço alto,
seja sofrendo as resignações da aceitação e forjan-
do sua identidade nos moldes culturais de grupos
dominantes, passíveis à violência simbólica, ou por
outro lado, ficando disponíveis a pagar o preço de
exclusão seletiva, à margem da sociedade, em face
de sua contraposição.
Acontece, com efeito, que o preço a ser
pago nem sempre é visualizado com a consciência
necessária, atribuindo força para uma tendência à
83
culpabilização do singular, amplamente difundida na
sociedade neoliberal. O exemplo de grupos sociais,
você já deve ter ouvido que o índio é preguiçoso e
teimoso, por dispensar “ajuda”; que o negro é rebel-
de e malandro; que o paraguaio é sempre envolvido
com o tráfico ou o contrabando.
Enfim, são infinidades de atribuições nega-
tivas que não é interesse provocar o sentimento de
“coitadisse” do outro, mas apenas de conduzi-lo à
reflexões acerca dos estereótipos generalizados, que
podem estar rotulando um povo, e além disso, se
nossa forma de enxergar o outro esteja tomando
contornos etnocêntricos ao tomarmos uma cultura,
como absoluta, única e verdadeira.
Notoriamente, Bourdieu (2008) mostra como
os sistemas simbólicos imbricados nos campos so-
ciais, tendem a reproduzir sutilmente as desigualdades
culturais e sociais, legitimando uma cultura dominan-
te, de grupos dominantes. Trata-se de um arbitrário
cultural que se manifesta por essa “não consciência”
ou visão naturalizada de que tudo é normal, ou seja,
“é do jeito que tem que ser e ponto final”.
A conivência é, portanto, aliada da reprodu-
ção dessas desigualdades, porque implica em aceita-
ção e com isso, abre brechas para as múltiplas práticas
de violência simbólica (BOURDIEU, 2008). Antes
que se defina a noção de violência simbólica, você já
parou para pensar que os apontamentos levantados
até o momento não deixam a escola de fora?
Pois bem! A escola, também, configura-se
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como campo e como tal, assume características hie-
rarquizantes, posicionando seus agentes com base
no volume de capitais e de forma alarmante; faz da
ação pedagógica uma tendência à reprodução da de-
sigualdade. Pense no professor como agente, uma
autoridade na sala de aula.
Imagine se esse professor não está prepara-
do para reconhecer e lidar com a diversidade? É cla-
ro que ele não fomentará uma prática pedagógica de-
mocrática de respeito, de tolerância e de interventor
de ações preconceituosas e discriminatórias. Agora,
você percebe a dimensão que a teoria de Bourdieu
alcança? E ainda, o quanto é importante promover o
conhecimento para tirar as vedas do senso comum,
tão responsável por práticas discricionárias?
Levantadas essas reflexões, retornemos ao
conceito de violência simbólica. Para Bourdieu (2008),
entende-se por violência simbólica, as formas de do-
minação econômica e social imposta para reproduzir
os mecanismos de ação, percepção e julgamento aos
dominados, por meio de uma referência cultural, tão
necessária para a perpetuação dos valores de um gru-
po, de uma sociedade.
Como salientou, a cultura é arbitrária, pois,
não se assenta numa única realidade, que por sua vez,
também arbitrária. Socialmente construída, o sistema
simbólico propõe a incorporação da cultura por todos
os seus membros: um arbitrário cultural. Sem perce-
ber, a violência simbólica é legitimada pela aceitação
do dominado que não se percebe como vítima desse
85
processo, ao contrário, o oprimido conforma-se pela
situação “natural e inevitável”.
Mostrou Bourdieu (2008) que a escola tende
a concordar com a seleção e divisão social. De fato,
seus estudos voltaram-se para a realidade francesa,
mas, amplamente, difundida no Brasil pelas concor-
dâncias de sua leitura teórica frente à escola brasileira.
As práticas de violência simbólica, em âmbi-
to escolar, apresentam-se de forma mais corriqueira
do que se imagina, sobretudo, numa sociedade mar-
cada pelas diferenças étnicas, religiosas, de gênero,
de classe, de opção sexual, e dentre tantas outras.
Como disse Pereira (2010, p. 33): “Somos todos di-
ferentes em algum aspecto”.
86
Sugestões para
Aprofundamento de Estudos
Livros
87
dução: Mateus S. Soares Azevedo. Petrópolis: Vozes,
2003.
BOURDIEU, P. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense,
2004.
BOURDIEU, P. O poder simbólico. 11ª. Ed. Tradu-
ção: Fernando Tomaz. Rio de Janeiro; Bertrand Brasil,
2007.
NOGUEIRA, M. A; NOGUEIRA, C.M.M. Bour-
dieu e educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
TURI, M. L.R. et. al. (Org). Sociologia para educa-
dores. Rio de Janeiro: Quart, 2006.
Periódico
Exercício Proposto
1) Assista ao filme “Quem quer ser um milionário?”.
Procure lembrar-se do que foi estudado da teoria de
Pierre Bourdieu e reflita sobre o Multiculturalismo no
contexto educacional. Faça um texto de no mínimo
15 linhas a partir do roteiro proposto.
88
Gênero: Drama
Ano de lançamento: 2008
Diretor: Danny Boyle, Loveleen Tandan
Elenco: Dev Patel, Anil Kapoor, Saurabh Shukla,
Raj Zutshi, Jeneva Talwar, Freida Pinto, Irfan
Khan, Azharuddin Mohammed Ismail, Ayush
Mahesh Khedekar, Sunil Aggarwal, Jira Banjara,
Sheikh Wali, Mahesh Manjrekar, Sanchita Couhda-
ry, Himanshu Tyagi.
Sinopse:
89
provar sua inocência, Jamal conta a história da sua vida
na favela - onde ele e o irmão cresceram -, as aventuras
juntos, os enfrentamentos com gangues e traficantes
de drogas e até mesmo, o amor por uma garota.
Sugestão de Roteiro
90