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De acordo com o local em que é praticado, o jongo adquire outros nomes como
caxambu, batuque, tambu, tambor. Nas comunidades do sul do estado do Espírito
Santo, região de referência para este estudo, o termo caxambu é mais comumente
utilizado pelos praticantes para designar essa expressão cultural. No entanto, opta-
mos pelo termo jongo, pela identificação do tema com outras propostas de traba-
lho, inclusive com a do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan,
que utilizaram esta designação.
O jongo do Sudeste foi proclamado patrimônio cultural imaterial brasileiro pelo Con-
selho Consultivo do Iphan e registrado no Livro das Formas de Expressão, em 2005;
reconhecimento que reforça a condição de pertencimento à identidade negra en-
quanto prática representativa da memória viva das origens culturais afro-brasileiras.
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ARTE CULTURA DISTRAÇÕES ANTAGONISMOS
Até hoje o jongo traz em seus cantos “memórias coletivamente cultivadas dos tempos
do cativeiro e da abolição”, que remontam à chegada de africanos e de seus descen-
dentes vindos de vários lugares da África e do Brasil nas lavouras cafeeiras, à escravi-
dão e à libertação (IPHAN, 2007, p. 25-30).
Cabe ressaltar que as memórias individual e coletiva têm nos lugares uma referência
importante para a sua construção, ainda que não sejam condição para a sua preser-
vação. Do contrário, povos nômades não teriam memória. As memórias dos grupos
se referenciam também nos espaços em que habitam e nas relações que as pessoas
e os grupos constroem com estes espaços.
A partir disso, pode se considerar as rodas de jongo como meio de memória e lu-
gares de memória, por seu valor imaterial e material, na medida em que são reves-
ARTE CULTURA DISTRAÇÕES ANTAGONISMOS
Para que esse espaço se torne um lugar de memória, precisa ser vivido pelos sujei-
tos que o perpassam. O jongo, nesse sentido, tende a manter uma tradição que se
manifesta na sua estrutura ritualística e na ênfase que se dá à transmissão oral do
conhecimento.
Nas rodas de jongo há uma expressão vocal, chamada de ponto, que se trata de um
longo colóquio com exibições de argúcia, de debates entre solistas, que se sucedem
junto aos tambores e aos diálogos continuados entre solistas e coro. Numa roda que
acaba de se formar, quem dá inicio aos pontos geralmente ocupa uma posição de
destaque no grupo, seja por sua idade e respeitabilidade, seja por sua capacidade
de liderança.
Suas canções tecem comentários sérios ou jocosos acerca de eventos presentes e passa-
dos das comunidades, bem como de seus personagens conhecidos de todos. Reafirmam-
-se assim valores morais, éticos e religiosos, inserindo-se a crônica cantada nos mecanis-
Com relação aos eventos passados, as narrativas trazidas para a roda fazem refe-
rência a períodos do tempo do cativeiro, da abolição e/ou próximos a essa última.
Nesse momento, ao adotar a perspectiva de Halbwachs, na qual argumenta que o
indivíduo que lembra é sempre um indivíduo inserido e habitado por grupos de re-
ferência; e a memória, que é sempre construída em grupo, é também, sempre, um
trabalho do sujeito.
Das suas bocas, o que sair e for respondido pelo coro, está sendo legitimado e sacramen-
tado pelos séculos dos séculos. Assim como o jongo é a palavra antes do ritmo, o cantador
é o individuo, antes do coletivo. E, dessa forma, o centro da atenção é ele, através de cuja
vivencia foi criado um ponto que é e será sempre comungado por todos (TEOBALDO,
2003, p. 60).
Halbwachs aponta para o fato de que não há uma vivência solitária e que sempre há
testemunhos. A memória não é somente individual, mas coletiva, pois, ao utilizar-se
de fragmentos de lembranças que são fornecidos por indivíduos diversos, faz desses
fragmentos a formação/composição do discurso da memória.
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Nesse sentido, pode-se dizer que o que dá consistência às lembranças (que, por sua
vez, formarão a memória) é a existência de uma comunidade afetiva, a existência de
um grupo de referência e o fato de o indivíduo permanecer apegado a esse grupo
ou a essa comunidade. A memória é esse trabalho de reconhecimento e de recons-
trução que atualiza a imagem completa do quebra-cabeça, ou seja, pega cada lem-
brança e as articula entre si construindo um “quadro social” completo.
A memória coletiva tem assim uma importante função de contribuir para o senti-
mento de pertença a um grupo de passado comum que compartilha memórias. Ela
garante o sentimento de identidade do indivíduo calcado numa memória comparti-
lhada não só no campo histórico, do real, mas, sobretudo, no campo simbólico.
REFERÊNCIAS
DIAS, Paulo. A outra festa negra. In Festa: cultura e sociabilidade na America portu-
guesa, volume II. PP.859-888.
GANDRA, Edir. Jongo da Serrinha: do terreiro aos palcos. Rio de Janeiro: GGE/
UNIRIO, 1995.
JONGO NO SUDESTE. Brasília, DF: Iphan, 92 p.: il. color. ; 25 cm. + CD ROM. –
(Dossiê Iphan; 5), 2007.
Artigos de jornal
“Mãe África, Pátria Amada Brasil”. Gazeta on line. Vitória, 31/07/2009. Dis-
ponível em: http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2009/07/117287-
-mae+frica+patria+amada+brasil.html. Acesso em: 03 mar. 2011
AMARAL, Rossini. O povo no ritmo dos tambores. A Gazeta, Vitória, 03 Ago. 1994.
Caderno Dois.