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OBJETIVO:
METODOLOGIA: A EXPERIÊNCIA
Segue-se os pressupostos fenomenológicos a partir da Geografia humanista na
leitura dos lugares e descrição profunda do fenômeno (HOLZER, 2008;
MARANDOLA JR., 2005). Com-viveu-se com o “Grupo Folclórico Congada e Tambu
de São Benedito rioclarense” de 2014 a 2016 e é por essas experiências que a
pesquisadora expõe este trabalho, sem julgamentos a priori ou a posteriori, compreende-
se que se escreve dos mundos a partir do seu próprio e que é no contato com o outro que
se descobre e faz-se a si mesmo. (MERLEAU-PONTY, 1971).
Tuan (1983, p.10) afirma que a experiência implica na capacidade de aprender a
partir da própria vivência, arriscar-se a enfrentar o novo, a enfrentar o desconhecido e o
incerto. “Experienciar é aprender; significa atuar sobre o dado e criar a partir dele.” Já
que “O dado não pode ser conhecido em sua essência. O que pode ser conhecido é uma
realidade que é um constructo da experiência, uma criação do sentimento e
pensamento.”
E o corpo humano é a condição para experienciar o mundo. Entende-se corpo
não enquanto um somatório de sentidos, tendo o pensamento como o autor da verdade
Mãos, ouvidos, boca, nariz e olhos não possuem exclusivamente em si os sentidos
humanos, a percepção se dá com o corpo todo, o todo que sou, com preferências e
memórias.. O corpo sou eu e sei que o sou quando no contato com o outro. No encontro
com o diferente me delimito e, ao mesmo tempo, reafirmo-me enquanto ser. Por vezes,
nem se consegue expressar tal experiência: “As experiências íntimas, quer com pessoas
ou coisas, são difíceis de comunicar. As palavras apropriadas são evasivas.” (TUAN,
1983, p.163).
Criado nos anos 2000, o “Grupo Folclórico Congada e Tambu de São Benedito
rioclarense”1 é uma tradição inventada (HOBSBAWN, 1997) no contexto cultural de
Rio Claro/SP. Nesse período, o contexto da cidade era de fortalecimento do movimento
negro local e retomada de espaços e tradições no seio da Irmandade Negra de São
Benedito e do Conselho da Comunidade Negra de Rio Claro – CONERC.
Atualmente com cerca de 30 integrantes, o “Grupo Folclórico Congada e Tambu
de São Benedito rioclarense” é formado em sua maioria por mulheres brancas, com
mais de 50 anos e muitas delas desconhecem o mundo do Batuque e seus significados.
De ritmo lento e pouco cadenciado, o grupo tem poucas músicas próprias e um baixo
1O capitão do “Grupo Folclórico Congada e Tambu de São Benedito”, senhor Ariovaldo, afirma que em
1974, em Rio Claro, havia um grupo de Congada comandado por um mineiro de nome Barbosa, mas não
se encontrou nenhuma outra comprovação (documentos ou depoimentos) que relatassem tal histórico.
número de batuqueiros, tem no seu capitão a liderança e o carisma, mas encontra
dificuldade em estabelecer vínculos com a comunidade negra local (que em muitas
ocasiões demonstrou desconhecer a existência do grupo na cidade). A Congada de Rio
Claro faz pouquíssimas apresentações em sua cidade de origem e prefere se apresentar
em outras, com o discurso de que leva o nome da cidade para fora. Essa condição de
mais viajar do que fortalecer vínculos dentro de Rio Claro expressa a visão de mundo de
sua atual configuração – além do sentido dado ao grupo em seu autodeterminar
“folclórico”.
Nessas viagens com o grupo pode-se experienciar o Batuque e os lugares. Cada
lugar uma feição em especial da manifestação é ressaltada e, nem por isso, desfigura-se
a essência que lhe constitui e lhe dá existência. É no lugar e pelos lugares que se sente o
mundo, que se pensa as escalas e que se vive as relações sociais. Esse mundo do
Batuque se encontra nos lugares, não a toa é Rio Claro, Guaratinguetá, Pirapora do Bom
Jesus e Aparecida do Norte no âmbito da manifestação Congada. A formação
socioespacial dessas cidades, a localização geográfica e os caminhos históricos que
ligavam e ligam o fluxo cultural entre esses lugares rememora os antigos Batuques e
atualiza o fenômeno no estado de São Paulo:
Desde as primeiras décadas do século XX, era hábito entre as
populações negras da capital, moradoras de bairros como Barra
Funda, Cassa Verde, Bixiga, Camos Elísios, Vila Brasilância, a
organização das romarias e excursões para Festas Negras do interior
paulista, como a de São Benedito em Tietê e Aparecida do Norte, e a
de São Bom Jesus em Pirapora. As festas de Tietê eram celebradas
com batuque, e as de Pirapora, com samba rural (samba-lenço, samba
campineiro). (BUENO, TRONCARELLI, DIAS, 2015, p.236).
Mas essas cidades não são por inteira o lugar, o lócus da manifestação. Existem
pontos específicos de referência para a comunidade que com-vive pelo tambor: Praças,
Igrejas, Clubes, Bairros. Em cada cidade, uma referência, em cada referência uma
vivência do fenômeno Batuque, nesse emaranhado de lugares a geograficidade.
Sobre a perspectiva das negações históricas do Batuque, assim como de todas as
outras práticas culturais dos negros quando ainda não apropriadas pelos brancos
enquanto produto comercializável, compreende-se que os lugares em Rio Claro e em
outras cidades que se manifestam o Batuque são, sim, um lugar de resistência. Tendo a
possibilidade de se manifestar mais abertamente do que no século passado, a cultura de
origem afro foi apagada também pelos próprios negros para que, sendo aceitos
socialmente, pudessem ascender da situação em que se encontravam.
Quando a manifestação do Batuque não é mero espetáculo, mas traz em si o
sentido do com-viver e celebrar a essência dos Tambores, o lugar da manifestação se faz
resistência por, entre tantas possibilidades de não sê-lo - de ignorá-lo, esquecê-lo tal como
se faz com uma dor latente -, insiste em ressoar e atrair com roupas, toques e rituais a
memória de uma situação tão recente historicamente no Brasil, que diz respeito a matriz
do povo brasileiro.
Desde os anos 1990, interpretações sobre lugar floresceram e foram
refinadas. As interpretações são frequentemente contraditórias e
muitas vezes contestadas, mas na base parece haver uma visão geral
de que lugar tem um papel importante a desempenhar para
compreende e, talvez, corrigir a insistência neoliberal na eficiência
global de ganhos que diminui a qualidade de nossas vidas, erodindo
tudo o que é local. Em suma, estudar e promover o lugar, seja de uma
perspectiva humanista, radical, seja de uma perspectiva arquitetônica
ou psicológica, é uma prática de resistência. (RELPH, 2014, p. 21).
2
No trecho do relato das experiências geográficas nos lugares Guaratinguetá, Pirapora do Bom
Jesus e Aparecida do Norte tomou-se a liberdade de escrever o texto em primeira pessoa para
melhor descrever a situação.
lugares aqui não são apenas concebidos, mas vividos pela experiência do corpo.” (CHAVEIRO,
2014, p.268). Alimentação simples, mas farta; Batuque e danças do primeiro ao último
momento. Na experiência geográfica em Guaratinguetá o destaque para a devoção dos
fiéis que no ritmo dos coloridos, diversificado e longos cortejos tomam a cidade,
sacralizando o espaço e tornando o local público o lugar da manifestação. De igreja em
igreja que o cortejo se fez, de casa em casa que se parou para louvar São Benedito,
Guaratinguetá expressa a tradição da Congada com os elementos mais característicos
desse universo, aglomerando em seus festejos os grupos mais antigos. No salão de um
dos cafés da manhã percebi a diversidade da manifestação Congada, vários sotaques e
trejeitos, alguns grupos com vestes tão simples como se fizessem menção aos negros
escravizados e outros com tanto brilho como se fossem de uma corte real europeia.
Revestidos de sedas e veludos, com coroas, carmim no rosto, falsos
chapéus dos nobres da Colônia e espadas, dão a ver justamente isto: o
disfarce branco sobre o corpo negro. Não é só no carnaval das escolas
de samba que os “pobres e pretos” gostam das cores e papéis da
nobreza. Isso é mais ilusoriamente visível nas festas tradicionais de
negros católicos. Mas é também porque nelas, finalmente, eles se
livram por uma trinca de dias da desconfiança que precisam ter diante
do olhar, da máquina, mais ainda, do outro. A pessoa teme, a
personagem não. (BRANDÃO, 1989, p.110).
RESULTADOS PRELIMINARES
BIBLIOGRAFIA
GIL FILHO, S.F. Espaço Sagrado: Estudos em Geografia da Religião. Curitiba: IBPEX, 2008.
HOLZER, W. A geografia humanista: uma revisão. In: Espaço e Cultura, UERJ, RJ, edição
comemorativa, pp. 137-147, 2008.
MAIA, C.E.S. Ritual e emoção nas interações espaciais – repensando o espaço sagrado nas
festas populares de romarias e folguedos (notas introdutórias). In: ROSENDAHL, Z.
(org.).Trilhas do sagrado. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010. pp.87-112.
RELPH, E. Reflexões sobre a emergência, aspectos e essência de lugar. In: Qual o espaço do
lugar? MARANDOLA JR., E., HOLZER, W., OLIVEIRA, L. de. (orgs). São Paulo:
Perspectiva, 2014. pp. 17-32.