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Introdução
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Doutorando do Programa em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social (UCSal). Membro do Grupo
de Pesquisa Desenvolvimento, Sociedade e Natureza (DSN).
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Para responder a essa pergunta tão incisiva, nos reportamos a Prandi (1996), na obra
Herdeiras do Axé, que segundo este Pombagira é um Exu de Umbanda, ou melhor, um Exu-
mulher, como a maioria delas gosta de ser chamada. Na concepção umbandista, Exu é um
espírito do mal, um anjo decaído, um anjo expulso do céu, um demônio, enfim. Ainda
segundo o supracitado autor e as observações realizadas em campo, o Exu da Umbanda é
diferente do orixá Exu cultuado nos candomblés de nação. Para os umbandistas trata-se de um
espírito de um antepassado; enquanto que no candomblé onde predomina uma ligação mais
intrínseca com as tradições africanas é um espírito divinizado, um orixá que poderá ser dono
da cabeça de um filho ou filha de santo, diferentemente do que é praticado na religião de
Umbanda, onde tal procedimento não se realiza.
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No candomblé nagô (iorubá), Exu é o nome do orixá mensageiro entre o mundo dos
homens e o dos orixás. No candomblé jeje (fon) é chamado Legba ou Elegbara. No
batuque é mais conhecido pelo nome de Bará. Nos candomblés congo e angola
(bantos), um dos nomes de Exu, o orixá mensageiro, é Bombogirá (Bambojira), do
qual Pombagira certamente é uma corruptela. Com o tempo, esse nome acabou por
se restringir à qualidade feminina de Exu (tipicamente banta) (PRANDI, 2010:145).
(2010), tomando como base o número total de habitantes, apresentou os seguintes dados:
Católica Apostólica Romana 80,39%, Espíritas 11% e Evangélica 35%. No que se refere ás
religiões afro-brasileiras, representou menos de 1% do total de habitantes. Quando
questionamos a agência do IBGE local, o responsável pela mesma nos deu a seguinte
explicação:
Esses dados são de 07 anos atrás, onde a SOCAB ainda não tinha uma atuação
direta com essas comunidades no que se refere a conscientização de que se trata de
uma religião como outra qualquer. Ou seja, a sociedade do culto-afro ainda não
existia oficialmente. Creio que no próximo censo essa realidade poderá ser
alterada, pois hoje as pessoas do candomblé/umbanda já têm uma autoestima
melhor trabalhada. Realizamos várias atividades para que isso seja feito. O
Novembro Negro é um exemplo, a Marcha do Dendê também (SOCAB, 2017).
áreas rururbanas (CARNEIRO, 2001) que ficam entre a zona urbana e rural, geralmente onde
se localiza a população mais carente da cidade. Estas zonas são locais propícios para a
instalação destes terreiros, pois os mesmos exigem áreas geralmente territoriais grandes,
embora nem todos tenham grandes espaços para a execução de seus cultos.
Com isso, percebemos que um grande número de adeptos da Umbanda em Poções não
assume seu pertencimento à religião. As causas são várias, segundo os relatos apresentados,
tanto por parte do funcionário do IBGE quanto da presidente da SOCAB. Porém, essa questão
não é o cerne deste trabalho. O que percebemos durante as nossas observações empíricas é
que o número de umbandistas é muito superior aos dados apresentados pelos órgãos oficiais,
e, os cultos às entidades, em especial as de pombagiras são numerosos e movimentam a
dinâmica dos terreiros ao longo dos anos (Figura 1).
Das casas observadas nesta pesquisa, todas realizam festas para as “moças” como
costumam chamar as festas de pombagiras. Uma das nossas entrevistadas nos deu o seguinte
depoimento:
Para mim ele é tudo, sem ela eu não sou ninguém, ela me deu tudo que eu tenho e
tudo que eu faço agradeço primeiramente a ela. Desde os meus 14 anos que ela me
acompanha, ela foi herança de uma irmã de sangue minha que tinha um centro de
Umbanda em São Paulo que resolveu ser “crente” e acabou com tudo, um dia eu
estava em casa, aqui em Poções, na minha cama dormindo, acordei com ela
incorporada, chorava e reclamava que tinha sido abandonada pela minha irmã e
que queria ficar sendo cultuada, nesta noite Maria Padilha bebeu um litro de
uísque. Deste momento, eu comecei a cuidar dela e nunca mais deixei (Mãe Bibiu de
Oyá, maio de 2017).
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Dou duas festas na minha casa para as pombagiras, uma no mês de fevereiro e
outra em agosto, a primeira é uma festa social com som, comida e bebida e convido
todos e quem quiser chegar para a sua festa. A minha Maria Padilha gosta muito de
música alegre, ela é fã de Tayroni Cigano, é apaixonada por ele, nesta noite
contrato um tecladista ou uma banda para alegrar a festa dela. Já a segunda festa é
fechada, somente para os filhos da casa e alguns convidados, á a obrigação dela,
sempre faço, aliás, todo ano, nunca deixei e fazer, não pode deixar de agradá-la,
pois ela sempre coloca o dinheiro na minha mão quando á época da festa dela
agradeço muito a ela (Mãe Bibiu de Oyá, Agosto de 2017).
A entidade de pombagira, pelo depoimento acima, está muito próxima dos humanos,
traz consigo sentimento, desejos, preferências, algo que é natural no ser humano, atende e
entende todos os problemas inerentes às pessoas que a procuram.
Minha Padilha atende a todos, sem olhar quem é pobre ou rico que procura os
serviços dela. Ela resolve muitos “mandus”, outro dia mesmo um rapaz veio se
consultar com ela para que ela ajudasse a trazer seu amor (namorada) que tinha
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separados. Ela fez um trabalho e em três dias os dois tinham voltado (Mãe Nice,
Junho, 2017).
Sou eterna, vivi várias vidas, e hoje sou uma pombagira de luz, meu nome é Maria
Padilha para quem não me conhece. Ajudo a quem me procura, e lasco com a vida
de quem me desafia. Não tenho medo de feitiço e nem de reza mal rezada. Quem me
dá o de comer também come quem me dá o de beber também bebe. Mas quem nada
me oferta, eu também não tenho nada para dar (Pombagira Maria Padilha, Agosto
de 2017).
O caráter de entidade perigosa e feiticeira, com o que se deve tomar muito cuidado,
qualifica Pombagira para trabalhar contra aqueles que são seus inimigos e inimigos de seus
amigos. Ela considera seus amigos aqueles que a procuram necessitando seus favores e que
sabem como agradecer-lhe e agradá-la. Para ser amigo ou devoto de Pombagira é preciso ter
uma causa pela qual ela possa trabalhar, pois é o feitiço que a fortalece e lhe dá prestígio.
Pombagira, entretanto, não vive só de feitiços, ela não vem só para “trabalhar”. Em suas
festas, Pombagira vem para se divertir, dançar e ser apreciada e homenageada.
A ideia mais generalizada sobre pombagira é a de que se trata de uma entidade muito
parecida com os seres humanos. Como mulher, teria tido uma vida passada que espelha
certamente uma das mais difíceis condições humanas: a prostituição:
Moro no cabaré, lá é meu lugar, moro nas encruzilhadas e em qualquer lugar, quem
quiser me ver, me agradar passa em um desses lugares. Juraram de me matar na
porta deum cabaré, passa por lá todo dia, não mata porque não quer kkkkkkkkkkkkk
(Pombagira Maria Padilha, Setembro de 2017).
Referências
CARNEIRO, Maria José Teixeira. Do rural e do urbano: Uma nova terminologia para uma
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HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução Beatriz Sidou. 2. ed. São Paulo:
Centauro, 2006.
LE GOFF, Jacques. História e memória. Tradução Bernardo Leitão. 5. ed. Campinas, São
Paulo: Ed. da UNICAMP, 2003.
SERACENI, Rubens. O livro de Exu. O mistério revelado. São Paulo: Madras, 2008.
SILVA, Jorge Augusto Alves da. Breve história do Município de Poções. In: LUCCHESI,
Dante (Org.). Projeto Vertentes. Salvador: UFBA, 2018. Disponível em:
<http://www.vertentes.ufba.br/breve-historia-do-municipio-de-pocoes >. Acesso em: 05 abr.
2018.