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religiões afro-brasileiras

e ameríndias da amazônia:
afirmando identidades
na diversidade

Nação Angola
Nação Jeje Savalu
Nação Ketu
Nação Mina Jeje Nagô
Nação Umbanda
e Pajelança

realização apoio

COMUNIDADES
DE TERREIROS DE Iphan pNCSa CASA 8
BELÉM DO PARÁ Belém, 2012
Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará sumário

coordenação do pncsa organização do livro


projeto nova cartografia social da amazônia Camila do Valle (PNCSA/UFRRJ)
Alfredo Wagner Berno de Almeida 7 Apresentação
Raimunda Negrão da Silva Campos (SEDUC/PNCSA)
(PPGSCA/UFAM/FAPEAM/CNPQ)
Rosa Elizabeth Acevedo Marín (NAEA/UFPA/UNAMAZ)
Alfredo Wagner Berno de Almeida
coordenação técnica Jurandir Santos de Novaes (PNCSA/PARU-UFPA)
do projeto cartografia social dos
Arthur Leandro (Instituto Nangetu/UFPA) 11 Prefácio
afrorreligiosos em belém do pará
Camila do Valle (PNCSA/UFRRJ) Walmir da Luz Fernandes (AAROO) Cynthia Carvalho Martins
Valter dos Santos Vieira
equipe de coordenação de pesquisa
do projeto cartografia social dos
Kate Wayne Wasques e Silva Santos 17 Homenagem aos ancestrais
afrorreligiosos em belém do pará Luiz Augusto Loureiro Cunha/Pai Tayandô
Camila do Valle (PNCSA/UFRRJ) (ACAOÃ-UNIMAZ)

Maria da Consolação Silva Cabral/Mãe Jokolosy 19 Pajelança


Jurandir Santos de Novaes (PNCSA/PARU-UFPA)
(ARFUOJY)
Raimunda Negrão da Silva Campos (SEDUC/PNCSA)
Oneide Monteiro Rodrigues/ 37 Nação Umbanda
Solange Maria Gayoso da Costa (PNCSA/IAGUA)
Mam'etu Nangetu (Instituto Nangetu)
equipe de coordenação de pesquisa Uelton Jorge Gonçalves Amador/ Pai Farenan
das nações afrorreligiosas
Vanda Lúcia dos Santos Soares/ Mãe Vanda 67 Nação Mina Jeje Nagô
Luiz Augusto Loureiro Cunha/Pai Tayandô
Virginia Lunalva Miranda de Sousa Almeida/
(ACAOÃ-UNIMAZ)
Mãe Nalva (ACIYOMI)
Maria da Consolação Silva Cabral/Mãe Jokolosy 95 Nação Angola
(ARFUOJY) edição

Oneide Monteiro Rodrigues/ Ernandes Fernandes / Design Casa 8


125 Nação Ketu
Mam'etu Nangetu (Instituto Nangetu)
projeto e produção gráfica
Uelton Jorge Gonçalves Amador/Pai Farenan
Elayne Fonseca / Design Casa 8
Vanda Lúcia dos Santos Soares/ Mãe Vanda 147 Nação Jeje Savalu
Saulo Macedo, Victor Lanari, Mariane Martins
Virginia Lunalva Miranda de Sousa Almeida/
Mãe Nalva (ACIYOMI) mandala da capa
167 Posfácio
Mam'etu Nangetu
assessoria de comunicação Camila do Valle
Arthur Leandro [foto]
Neusa Pressler (UNAMA)

168 Afrorreligiosos em Belém do Pará


fotografias,
presença na mídia
e documentos

Festa das Raças ocorrida na


Fundação Curro Velho/ Belém,
Pará, em 13 de novembro de 2010.
Evento que teve início na década de
1990 para congregar e fortalecer
as nações afrorreligiosas da região
metropolitana de Belém
foto Marcus Vinicius da Costa Lima
Alfredo Wagner Berno de Almeida

O mapeamento social das comunidades


de terreiro da região metropolitana de Belém consistiu num trabalho de
pesquisa baseado em critérios intrínsecos às diferentes práticas dos que
se autodenominam afrorreligiosos. Mesmo que esta designação não seja
explicitamente mencionada no Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007,
que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos
e Comunidades Tradicionais, verifica-se que os povos e comunidades de
terreiro passam a fazer parte da Comissão Nacional referida à citada Polí-
tica e a se mobilizar politicamente no sentido de assegurar seus direitos
territoriais. O reconhecimento da autodefinição, a partir da ratificação
pelo Brasil da Convenção 169 da OIT, em 2002, propicia ademais o acesso
pleno aos seus direitos civis individuais e coletivos. A consciência de si
mesmo torna-se um fator de mobilização permanente, buscando garantir
os territórios que ocupam como condição para sua reprodução cultural e
religiosa (cf. Art.3º). Esta dimensão política implica que a decisão sobe-
rana dos afrorreligiosos esteja, no momento atual, se deslocando do
“tombamento” patrimonial do terreiro (casa, tenda, templo, seara) para
o reconhecimento efetivo do conjunto de lugares rituais (praias, rios e
igarapés, árvores sagradas, encruzilhadas, matas e locais de concentração
de plantas medicinais), que compõem o território. Também fazem parte
dele, consoante a representação dos afrorreligiosos, os mercados públicos,
onde podem ser adquiridas ervas utilizadas nos rituais e as praças que
acolhem suas oferendas. Sob este prisma, a noção de território abrange
concomitantemente distintos domínios e cria condições para que a carto-
grafia social seja vista pelos afrorreligiosos como um instrumento teórico
que possibilita um conhecimento concreto de suas condições específicas.
Cartografar, aqui, enquanto um recurso de descrição etnográfica, signi-

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fica geo-referenciar as informações, disciplinando a dispersão geográfica giosas, recuperando informações históricas que são coextensivas à sua
das práticas religiosas e dos agentes sociais que as executam. O ato de identidade coletiva. Tais informações permitiram uma compreensão reli-
mapeamento como demanda dos afrorreligiosos se dispõe, neste sentido, giosa mais abrangente com respeito à região amazônica, articulando gene-
numa situação de passagem e de reforço de uma identidade coletiva, com alogias de autoridades religiosas e a formação de comunidades desde o
fundamento religioso, objetivada em movimento social. século XIX, como no caso da Nação Mina Jeje Nagô. O mapa construído
junto com o livro contém um resumo histórico das “nações”, através
As informações ao mapa foram construídas a partir de critérios intrínsecos
dos excertos de entrevistas e os respectivos calendários de festividades
refletidos nas diferentes “nações” e “casas” (Nação Angola, Nação Umbanda,
e espaços sagrados de referência para cada uma delas. Trata-se de uma
Nação Mina Jeje Nagô, Nação Jeje Savalu, Nação Ketu e Pajelança), que
tentativa de propiciar uma visão panorâmica da diversidade que caracte-
assentiram em se reunir em oficinas 1 para registrar e reafirmar os espaços
riza os afrorreligiosos na região metropolitana de Belém e de suas estraté-
sagrados, onde praticam seus rituais e sequências cerimoniais. Foram assi-
gias atuais de mobilização conjunta, que configuram sua tradicionalidade.
nalados na base cartográfica a distribuição dos espaços sagrados de cada
“nação” pelas superfícies municipais de Belém, Ananindeua e Marituba e as Além das entrevistas, este processo de discussão, como já foi dito, inten-
respectivas cores que lhes correspondem. Fora dos limites das citadas bases, sificou-se em oficinas de mapas, cujos participantes foram indicados pelas
num amplo painel, foram arroladas todas as associações que apoiaram o próprias redes organizativas, definindo coletivamente o que deveria ou não
trabalho de pesquisa. Tais entidades e redes organizativas afrorreligiosas, ser incluído nas bases cartográficas. Foram mencionados com destaque,
que apoiaram as atividades, correspondem a vinte e cinco 2, evidenciando a nas discussões, os locais de tensão social e de bloqueio à realização das
ampla representatividade dos resultados. Algumas delas já haviam partici- cerimônias rituais. Deste modo, o que foi considerado relevante pelos que
pado anteriormente, em abril de 2006, de iniciativas do Projeto Nova Carto- participaram das oficinas abrangeu também situações de conflito social
grafia Social da Amazônia (PNCSA). Participaram da elaboração do fascículo e constrangimentos sofridos pelos afrorreligiosos. Criminalização de
nº3, da série “Movimentos Sociais e conflitos nas Cidades da Amazônia”, lideranças, impedimento de acesso aos locais de culto e do exercício das
intitulado “Afrorreligiosos na Cidade de Belém” e realizado pelo Instituto práticas religiosas, constrangimentos pelo uso de indumentária ritual,
Nacional da Tradição e Cultura Afro-brasileira – INTECAB. estigmatização dos afrorreligiosos produzida por intolerância religiosa e
atos de violência praticados contra eles passaram a ser assinalados nos
Concomitante ao apoio das diferentes entidades, o trabalho de pesquisa
croquis elaborados nas oficinas.
compreendeu a realização de longas entrevistas com as autoridades reli-
Assim, a cartografia social dos afrorreligiosos em Belém assegura uma
modalidade de percepção que não está presa ao passado ou a uma idéia
1 Foram realizadas pelo menos 14 oficinas de mapas no decorrer do trabalho de pesquisa, entre reducionista de tradição como “origem”, mas que se projeta num futuro
abril de 2010 e outubro de 2011. Em 7 de janeiro de 2011, foi realizada, também, uma oficina
de planejamento da apresentação dos resultados. Em dezembro 2011, foi feita, no auditório do articulado com a própria capacidade de repensar o presente.
IPHAN em Belém, a pré apresentação do mapa que foi construído ao longo deste mesmo projeto.
2 Entidades e redes organizativas afrorreligiosas: AAROO, ABUKE, ACAFUM/KONZENZALA,
ACAOÃ, ACIYOMI, ACSARAN, AFABEM, AFACAB, AFAIA, AMORODE, ARCA, ARCAXA, Alfredo Wagner Berno de Almeida
ARFUOJI, ASSODEM, FEUCABEP, FORUMPUAR, IBAMCA, ICBN, INSTITUTO NANGETU, antropólogo, professor visitante da Universidade do Estado do Amazonas
INTECAB, GARRA, OYA NIROLE, REDE de SAÚDE NOS TERREIROS, UNIMAZ, URCABEP. e pesquisador CNPq

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Cynthia Carvalho Martins 

É encontro…
O projeto Cartografia Social dos Afrorreligiosos em Belém do Pará resultou
na publicação de um mapa e um livro sobre as nações Angola, Jeje Savalu,
Ketu, Mina Jeje Nagô, Umbanda e Pajelança. O trabalho, desenvolvido a
partir de encontros/oficinas entre afrorreligiosos e pesquisadores, propi-
ciou a recriação de tradições no presente, reforçando a dimensão coletiva
de lutas pelo reconhecimento de diferenças e afirmação da legitimidade
religiosa dos povos de terreiro.

Os encontros / oficinas se constituíram em espaços de exercícios de visibili-


dade da memória e contribuíram para a produção de uma relativização de
noções usuais como a de “resgate cultural,” comum em estudos etnológicos
produzidos no Brasil no século passado, onde, os critérios para definição
das etnias eram externos, e, considerados como passíveis de serem catalo-
gados por estudiosos da questão do negro. Nesses estudos etnológicos eram
desconsideradas as formas de classificação daqueles que vivenciam as situa-
ções sociais. Tal procedimento resultou na produção de estigmas e descon-
trole no uso feito por agentes externos às práticas dos povos de terreiro.

No caso da pesquisa Cartografia Social dos Afrorreligiosos em Belém do Pará,


os agentes sociais são protagonistas do processo e elegem os próprios critérios
de definição dos elementos que compõem sua religião e sua autodefinição.
A estrutura e ordem de exposição do livro, com depoimentos e relatos de
histórias de vida, textos escritos por afrorreligiosos, reprodução de símbolos e
letras de músicas reflete uma nova maneira de produção de conhecimento –
um conhecimento vivo, sem possibilidades de enquadramento externo, seja
na noção de resgate, ou mesmo em critérios eleitos por pesquisadores.

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Nos encontros / oficinas, os afrorreligiosos elaboraram discursos sobre entre os seus integrantes que intensifica relações sociais e constrói sistemas
rituais, preconceitos que sofrem, as intolerâncias religiosas e, ao proferi-los, de parentesco e, ainda, regras próprias de convívio centradas em seniori-
produziram conhecimentos com significado científico específico, pois atua- dades. Essas religiões fogem a um formalismo institucional que distancia
lizados nas práticas. Eles fixam no mapa suas casas, seus locais de coleta de o exercício da afetividade; ao contrário, são relações pessoais que se mani-
ervas e os espaços sagrados. A objetivação de suas práticas no mapa possibilita festam e possibilitam a reprodução de modos de vida próprios em contextos
uma "visibilidade territorializada", citando Táta Kinamboji, com limites e repressivos e carregados de preconceitos.
fronteiras próprios e sem a fixidez daqueles impostos pela razão oficial. A
Os registros históricos são insuficientes para dar conta da complexidade
riqueza dos depoimentos está nas reinterpretações que os afrorreligiosos
que envolve a consolidação e perpetuação dessa religiosidade no Brasil.
fazem das situações sociais que lhes dizem respeito, fundamentadas em
Os relatos dos afrorreligiosos, transcritos no livro, são referências que, ou
um repasse de vivências geracionais.
complementam, ou contradizem as informações sistematizadas por docu-
As nações Angola, Jeje Savalu, Ketu, Mina Jeje Nagô, Umbanda e Pajelança mentos históricos. O que coloca a historiografia oficial pode ser revisto
estabelecem suas próprias fronteiras sociais, marcadas por limites diferen- ou sofrer acréscimos, face às falas proferidas e transcritas nesse livro. Nos
ciados dos predominantes na “nação Brasil”. Suas redes sociais articulam depoimentos, os afrorreligiosos da nação Angola admitem os múltiplos
pertencimentos que não obedecem a limites geográficos. Por exemplo, há deslocamentos para Belém e, inclusive, relatam que tribos bantus, com
afrorreligiosos da nação Ketu do Pará, iniciados na Bahia. Ou lideranças dialetos distintos, eram transportados em um mesmo barco com sudaneses
religiosas, símbolos em Belém, como mãe Noche Navakoly (Mãe Doca), e que, nesse processo, prevalecia a língua que se impunha como domi-
nascida em Codó, Maranhão. São nações com limites definidos e compre- nante. Tais deslocamentos, por serem variados, são impossíveis de terem
ensíveis pelos seus próprios integrantes, que conectam localidades situ- sido catalogados pela historiografia. Por exemplo, a informação segundo
adas em pontos distintos e estabelecem redes de relações sociais próprias. a qual Pe. Antonio Vieira 1, em sua ação missionária no Maranhão, entre
Nessas situações, a afirmação da religiosidade é centrada no respeito a 1653 e 1661, propôs a substituição dos escravos índios pelos escravos que
modos de vida coletivos. seriam importados de Angola, que entraram em Belém, é insuficiente para
dar conta da complexidade desses deslocamentos. Temos, nesse caso, uma
Cada nação demarca seus limites de classificação entre "os de dentro e os
relativização do discurso considerado científico como única fonte válida e
de fora" a partir de sinais diacríticos eleitos como distintivos, que pode ser
seu alargamento, produzido a partir de uma modalidade diferente de saber:
um tipo de instrumento utilizado nos rituais, o significado das cores, dife-
aquele produzido pelo agente da ação.
renças entre os que nascem e os que se tornam representantes religiosos ou
uso de adornos, dentre outros. Entretanto, apesar dessa multiplicidade, há Recentemente, nos anos 80, essas nações passam a se formalizar juridica-
algo em comum entre elas: a impossibilidade de aprisionamento das repre- mente, através da criação de associações, promoção de encontros, passe-
sentações por mecanismos institucionais.
1 Para informações sobre entrada de angolanos em Belém, consultar: SARAIVA, Antônio José.
As situações sociais implicam em uma exatidão de pertencimento impos-
História e Utopia – estudos sobre Vieira. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e
sível de ser dissolvida por qualquer mecanismo de poder – a exemplo dos Língua Portuguesa, 1992. Nesse livro, o autor considera que a proposta de importação de escravos
que nascem pajés. A forma de exercício religioso implica uma proximidade de Angola, Vieira definiu, inclusive, a quantidade e a finalidade – seriam 200 escravos, dos dois
sexos, com a finalidade de sua propagação (SARAIVA: 1992, p. 15).

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atas e denúncias às violações que têm sofrido, o que as insere em modali- práticas religiosas que se arrastam por tantos anos, dão força de subversão
dades de lutas reconhecidas de maneira universal. Entretanto, a opção em às religiões afro-brasileiras. Elas atualizam seus ancestrais face a uma razão
recorrer a formas usuais e mais reconhecidas da política institucional não histórica excludente.
lhes tira a dimensão da revolução simbólica que tem operado no cotidiano,
E, no caso da relação com os “elementos da natureza”, ou com o “meio
desde seu nascimento. Tais práticas religiosas sempre ampliaram o que é
ambiente”, os afrorreligiosos inserem sua vida social nesses elementos, são
considerado como legítimo na ordem arbitrária construída nos modos de
dimensões indissociáveis, amalgamadas. Não se trata, portanto, apenas de
classificação do mundo.
uma percepção de meio ambiente que possa gerar uma preservação e, sim,
Os textos do livro Cartografia Social dos Afrorreligiosos em Belém do Pará de uma impossibilidade em reproduzir a vida e seus sentidos descolados
mostram que a dimensão política sempre esteve presente na religiosidade do que se chama natureza. Esse saber é expresso nas ervas que curam, nos
afro-brasileira, ou seja, a própria existência / resistência dessas práticas reli- banhos que renovam a energia; nos animais que se tornam parentes, no
giosas já traziam e trazem em si a mobilização. Considerando que os negros caso da pajelança, enfim, no Aşé – força e energia da natureza.
foram arrancados de sua terra África e que mantiveram seus rituais, apesar
E, para reforçar o dito: Aşé.
das estratégias de desmobilização, inclusive com a mistura de etnias dife-
rentes, essa religião já é política por si, pelo seu conteúdo, sua reprodução
e sua recriação. E, principalmente, por estar sendo afirmada no presente.
A dimensão da micropolítica, fora dos padrões usuais da política está nas
suas manifestações religiosas e nos rituais diversificados, impossíveis de
serem enquadrados em modelos, em esquemas, em teorias generalizantes
que aprisionam as múltiplas possibilidades dessas manifestações. São
nações com fronteiras próprias inseridas em um país que, durante longos
anos se manteve, e até hoje se mantém, refém de referências descoladas de
sua própria composição étnica.

As religiões afro-brasileiras contradizem a superada hierarquia ciência


– religião ou religião – magia, ou, mesmo, religião – política. São reli-
giões políticas. Como nos coloca Bourdieu, "não há revolução simbólica
que não suponha uma revolução política". Complementa dizendo que "em
momentos de crise, a tradição das gerações mortas pesa de maneira muito
forte no cérebro dos viventes" 2 . Portanto, a violência do desenraizamento, a
perpetuação dessa violência posta em prática na escravidão, a repressão às
Cynthia Carvalho Martins
Doutora em Antropologia (UFF), professora na UEMA, pesquisadora do Projeto Nova Cartografia
2
BOURDIEU, Pierre. La eficacia simbólica – religión y política. 1º Ed. Buenos Aires: Biblos, 2009. Social da Amazônia e, conjuntamente com Camila do Valle (UFRRJ), criou o grupo de pesquisa do
Tradução da autora do prefácio. CNPq Literatura e Antropologia: cartografias e outros procedimentos narrativos.

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Homenagem aos nossos ancestrais
Astianax Gomes Barreto (Prego)

Mãe Doca Pai Airton Soeiro


Maria Aguiar Mãe Antonia de Santa Bárbara
Nene Aguiar Tat'etu Walter de Incose (Jaciluango)
Raimunda Cosma (Mãe Dewi) Ekedi Nitinha
Mãe Nara Pai João Guapindaia
Mãe Marina Ekedi Iza
Mãe Nair Maria Carneiro
Mãe Nazaré Andrade (Mam'etu Azaue Nan) Danda Quecimbe (Inez Paixão)
Mãe Pazica de Sores Pai Expedito da Cunha
Mãe Raimundinha da Cocada Tat'etu Edilson
Mãe Dora de Ubirajara Abatazeiro Raimundão
Raimundo Siva Maria de Manezinho
Pai Caduca Pai Joãozinho de Mariana
Haroldo Ferreira (Baba Gideuir) Mãe Saba
Pai Hyder
Pai Sabar

Homenagem a todos ogãs, tátas, cambonos,


abatazeiros e ekedis, kotas, cambonas.

Homenagem às mulheres e aos homens de


comunidades tradicionais de terreiro:
os muzenzas, iaos, abians e filhos de santos.

17
PAJELANÇA
“O Maracá é o instrumento que abre a cura. É o instrumento que abre a
Pajelança, que vai buscar o pajé na força da sua encantaria. Sem o maracá
não há Pajelança.”
Pai Luiz Tayandô – depoimento gravado em dezembro 2010

As matrizes da pajelança: uma religião de revelação


Festa da Ancestralidade –
Louvores às cacurucaias “A Pajelança é uma religião de revelação. Encontra-se nela o Pajé visto como
africanas
autodidata, que desde pequeno recebe revelações, missões e o mestre o prepara.
Imagem do Cacique Rompe–Mata
Temos quatro matrizes na Pajelança, uma marajoara (Caruana), a matriz dos
mestres (geralmente do Baixo Amazonas e que estão longe das águas-mar,
matriz muito rica de manifestações), a terceira dos catimbozeiros, uma nova
modalidade que mescla a Pajelança do Nordeste e a Pajelança amazônica, que
ocorreu na época da Borracha, mais ou menos em 1900 e a quarta, o Baião de
Cura de raiz do Maranhão. A Pajelança é uma matriz masculino-patriarcal.
No princípio da criação, mulher e homem estavam juntos, a mulher fez opção
pela fertilização, pela possibilidade de parir, no que lhe foi concedido, com a
consciência de que isso seria dolorido, e ao homem foi dado o poder de dar
a vida àqueles que já não se encontravam mais aqui, de se manifestar com as
divindades encantadas da Amazônia e de entrar em contato com as entidades
superiores. Para o Pajé é preciso conhecer a doença para chegar ao remédio,
sentindo seus sintomas, se necessário for.”
Pai Luiz Tayandô – depoimento gravado em 29 junho 2010

Mastro cerimonial de São Sebastião


Festividade em Honra ao Cacique O Pajé não é feito, já se nasce Pajé
José Tupinambá na Tocaia de
Camiama N. Sra. da Conceição, “Então, eu era molequinho e aí a minha tia que era Pajé, tia Guiomar. Ia cedo
de Pai Luiz Tayandô
lá com a minha vó e dizia: 'olha, comadre, hoje vai ter um carué'; o carué era a
Pajelança. Quando chegava cedo, a mamãe dava o jantar da gente – 'vum borá,
vum borá, todo mundo comer que hoje vai ter um carué na casa da comadre',
e a gente ia pra lá. Então, não deixava nós participar; criança não participava
Aluá – bebida sagrada amazônica – casa de Pai Tayandô desse tipo de coisa, eles trabalhavam na sala; no quarto, eles enchiam de rede,

18 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Pajelança 19


no quarto, na cozinha, todo mundo levava os molequinhos, todo mundo ia guias, e que eu só ia viver com ela até o tempo que os guia quisesse”. Então, eu
dormir, botavam a gente pra dormir, e só começavam a Pajelança lá pras dez, comecei a trabalhar muito novo, eu aprendi que com uns sete anos de idade eu
onze horas da noite, quando tudo ficava silêncio. Então, quando eles sabiam já trabalhava, porque quando eu entendi por mim, eu já trabalhava.”
que estava todo mundo já sossegado dormindo, aquilo tava silêncio, era que Pai Farenan – trecho do depoimento gravado na oficina de produção
começava a cantar a Pajelança, e ia até cinco horas da manhã, eles cantando da Cartografia Social em 31 maio 2010

Pajé. A gente não podia ver, mas a gente ficava acordado no quarto escutando
começar, quando começava a Pajelança lá pra sala, nós aprendia tudo, tudo
que cantavam pra lá, nós tinha na cabeça. No outro dia, nós ia pra roça de “Eu vim de lá do município de Salvaterra, da ilha do Marajó, e muito novo
manhã e a mamãe dizia – 'borá, vão cuidar na roça, um vai fazer isso, outro ainda, eu acho que com uns 12 anos de idade, eu vim pra cá pra Belém traba-
vai fazer aquilo'. Aí pronto, nós ia fazer o Pajé lá na roça, no outro dia, o Pajé lhando na cura, na Pajelança. Lá, eu já era preparado na cura pelo mestre
comia lá na roça. E uma vez, nós teve uma Pajelança lá na casa da tia Guiomar, Ajirú, um “experiente” que existia lá no interior aonde eu passei mal e a
foi a primeira vez que eu me incorporei, eu era moleque e nós ia pra roça, nós minha família me levou pra ele. A minha família toda se tratava com ele nesta
tinha um negócio de botar o caniço lá no igarapé; porque as nossas roças, tudo época, minha mãe, minha avó. Ele trabalhava, ele curava com o mestre Gavião
eram na várzea, tinha uns igarapé grande e a gente fazia os caniço, e botava Real e aonde este encantado chamou a minha família e disse que daquele dia
jogado o caniço lá e deixava fincado na beira do igarapé e de vez em quando em diante eu tinha que seguir a Pajelança ou os encantados iam dar fim de
a gente olhava pra vê se num tinha peixe, então, eu tinha esse negócio, e a mim. A minha família não queria, a minha família achou que era melhor ele
mamãe dizia: 'olha, vocês acabam de ter brincadeira em igarapé, porque meio ‘prender’ e tudo, e ele disse ‘olha, pra prender esse dom já passou da época,
dia não é hora de tarem tomando banho no igarapé, nem seis hora da tarde, porque ele já tem mais de 7 anos e agora a gente não tem mais condições de
que é a hora das mãe do igarapé passar'. Nesse dia nós tava, teve uma Paje- prender, o jeito que tem é cuidar dele’. E eu fui tomar meus remédios, meus
lança e nós tava danado cantando o Pajé lá na roça... Pajé, Pajé, Pajé. Tinha banhos de iniciação lá na casa dele, de Pajé, de Pajelança. Nesse tempo, lá no
uma cobrinha verde que a minha tia pegava, cobrinha verde, ah... e a cobrinha município, não existia tambor, ninguém batia tambor, não existia nem palma,
verde penava na nossa mão no outro dia. E neste negócio dessa brincadeira lá era só pajé mesmo, a noite toda, aonde vinha os bichos cobrinha verde, mestre
na roça de Pajé, Pajé, Pajé... o Pajé me pegou de verdade; quando eu dei conta tamanduá, seu jacaré-açu, seu camarão da beira, mestre Puraquê, eram esses
de mim, a minha mãe já tava lá na roça. Eu tava no meio de uma touceira de os encantados. Não baixava Mariana, nem Jarina, nem Herondina, não existia
uma tucumanzeira, uns filhos de tucumã novo que tinham no roçado, tava só nada disso pra lá; a maioria dos encantados trazia os nomes dos bichos, eram
espinho e a minha mãe foi tirar o Pajé; por que ela era servente da cura, aí fez os bichos do fundo, seu gavião real que comandava tudo lá, era o mestre da
o Pajé subir, depois que o Pajé subiu, ela me deu uma surra pra mim num tá casa. E eu fui começar lá a me iniciar os trabalhos preparativos pra Pajelança,
brincando com Pajé lá pela roça. Desde daí começou meus problemas, eu já ia comecei por necessidade, a minha própria vó, por obrigação, começou a me
pra roça, aí eu via as coisa, aí eu não podia tá sozinho na roça, e eu vinha de lá botar pra benzer as pessoas em casa, pra começar a atender as pessoas, até eu
da roça com aquele paneiro mas eu via que vinha gente, vinha gente dos cami- ter a liberação do mestre Gavião Real pra abrir uma Pajelança pra ele; porque,
nhos da roça estreito. Eu sentia que vinha gente de um lado e do outro, aí eu naquele tempo, o primeiro trabalho a gente fazia pro pai de santo da gente e
apressava o passo, quando não, eu largava o paneiro de mandioca no meio do mãe de santo, que, naquele tempo, não tinham nem pai de santo, nem mãe de
caminho e vinha me embora correndo. Os cabocos já começaram a me pegar santo, eram os mestres, os guias mesmo, e a gente ia balançar o maracá pra
na roça, já não podia mais tá indo no igarapé sozinho tirar as mandiocas ver se o pajé da gente vinha entregar o balaio porque ainda tinha que receber o
moles. Aí, minha mãe me colocou em tratamento, pra vê o que era. Tinha um balaio na abertura do trabalho, na abertura do trabalho da Pajelança, alguém
senhor que era muito bom lá, que era o mestre Ajirú, aí ela foi, me levou pra vinha deixar o balaio na porta da casa pra gente receber, pra poder começar
ele e ele disse “que este filho que ela tinha não era dela, era, na verdade, dos aquele sentido da Pajelança. Eu comecei a trabalhar desde novo e a minha avó

20 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Pajelança 21


era muito dedicada aos pajés, aos guias, era servente. Quando chegou um dia, até a nossa residência, a qual eu nasci: aí comecei a conhecer e comecei a
o meu encantado, que era o mestre Pena de Arara Amarela, veio um dia de gostar. Hoje, por exemplo, eu toco Pena e Maracá. Eu não pratico a Pena e
manhã e conversou com a minha avó e disse que daquele dia em diante ia me Maracá assim pra tratamento das pessoas porque eu não tenho tempo, eu sou
tirar de casa, e ia me levar pra um lugar, mas que eu nunca ia ser marginal, funcionário público e não tenho esse tempo, mas a gente pratica ainda aquela
ia dar rumo na minha vida, da minha Pajelança. Eu entreguei a minha vida origem da Pena e Maracá dos encantados do fundo que começou em Icoa-
desde novo, desde 11 anos, desde 12 anos, mas eu queria ir mais além, não raci, que na época era Pinheiros, que é da família dos Cobras, que era tio da
queria parar, passar a minha vida toda sentado ali naquele banquinho balan- minha mãe, tio Arcelino Cobra. A minha mãe era filha da Maria Cobra, mãe
çando maracá, como ficou meus antepassados, meus parentes se acabaram ali, dela mesmo carnal, e ela começou a trabalhar no banquinho dela com suas
no meio do mato, balançando maracá, ajudando os outros. Então, eu achava penas, seu maracá e um tauari, e o tio Arcelino era que trabalhava, que ele
que eu tinha, naquela época, jogado a minha vida ou acabado com a minha era filho de um mestre Puraquê, um encantado que vinha nele, um encantado
vida porque eu tava batendo de frente com a minha família e daquela maneira do fundo e que, lá na casa, eu ainda cheguei a conhecer ainda, só que agora
que eu saísse ali da minha casa, não teria volta, eu não ia ter mais parente, não lembro o nome, ainda mais que o espaço mudou todo lá em Icoaraci, né,
não ia ter mais quem me acolhesse, me desse mão, porque eu tava fazendo o e agora não lembro. Ele era Pajé, eles eram conhecidos como os Experientes,
meu próprio destino e o mestre foi embora. Eu arrumei as minhas coisas e então as pessoas diziam: a gente vai pra casa do Experiente, aquela pessoa,
vim embora pra cidade, pra cá pra Belém. De família sentia, mas aí eu já tinha procurar se tinha um chá, o que fosse preciso, chegavam a tirar feitiço até
mais amor pela Pajelança do que pela própria família, sabe? Eu queria seguir, com cuité de água morna, as pessoas tomavam tantos cuités, isso era a Paje-
mas aí era um problema, eu já trabalhava na faixa de 11, 12 anos. Pra mim lança nossa, e depois o pai sabe, vem todas aquelas origens onde chegou o
trabalhar, naquele tempo, a gente não tinha nada, a gente trabalhava com o nosso tambor que hoje em dia a gente toca. (...) E a minha mãe com 7 anos
cordão de São Francisco e com as cintas de Tracuá, porque aquelas cintas de começou a trabalhar e ela foi preparada na mesa da Jurema, onde ela dizia que
Tracuá, a gente fazia das folhas do, daquele que gente faz banho: Cruatá de passou tantos dias. Naquela época, eles ficavam deitados naquele local, onde
fogo, a gente pegava o cruatá de fogo, batia bem pra ele soltar aquelas fibras, o tio Arcelino preparou ela pra ser Experiente. Casou, primeiro casamento
para tecer as cintas de Tracuá; eram preparadas assim: deixava ela de molho teve uma filha que ainda é viva, ficou viúva e casou com meu pai e eu fiquei
amarrada num pé de pau dentro do igarapé pra passar uns 7 dias lá pra poder com essa herança. E quando eu me entendi com 15 anos, a casa da minha mãe
buscar e trazer o mestre, o chefe, preparar, dar as defumadas pra poder nos começou a ser freqüentada por outras pessoas. Bem perto da nossa casa tinha
entregar aquelas cintas preparadas. Então, era aquilo que a gente tinha: o um Experiente que o pai falou agora aqui, o pai Diquinho, era bem colado
cordão de São Francisco, as cintas de Tracuá, que era de apeiá, e uma bermuda assim da nossa casa. A minha mãe fez a obrigação com a então mãe Zenaide, a
branca e uma camisa branca, era a roupa do trabalho.” mãe Zenaide que se dizia filha de Zé Negreiro. Então, essas coisas, eu tenho e
Pai Farenam – trecho do depoimento gravado em 12 janeiro 2011 estou tentando resgatar. Até porque a minha mãe falava pouco, assim, mesmo
sendo minha mãe, não me passava nada, tudo era assim: não tem permissão,
não tem permissão, fica pra lá menino. Então, sempre foi assim. Então, com 15
Eram conhecidos como experientes
anos, eu incorporei com um encantado chamado D'ouro da Mata, sem saber
“Eu acho que eu vou contribuir pra esta obra contando como a minha mãe origem e eu incorporei. Ele vem esse encantado ainda, e a minha mãe começou
Maurícia, mais conhecida por mãe Santa, teve ali na cidade velha. Eu gostaria o terreiro a ser freqüentado por outras pessoas, dentre elas, hoje, essa pessoa
de colocar mais precisamente pra esse lado da Pajelança, esse lado dos mestres, que tem terreiro no Jurunas, que é o pai Pedro de Ubirajara. Começou, veio
o lado da encantaria, dos encantados de boto, do peixe, daquelas coisas todi- de outras casas e se encostou lá, aí começaram a tocar o tambor, onde o pai
nhas que isso era a origem da minha mãe. A minha mãe depois começou a Diquinho ia com o Pena Verde, dançava, e depois vinha pra casa. Chegou
tocar tambor por uma outra influência que chegou lá e levaram o tambor em Belém o Josimar de Come Língua e frequentava nossa casa e, com isso,

22 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Pajelança 23


eu penso assim, eles começaram a trazer novas experiências, novas situações todas aquelas velharadas antigas que ainda tinha lá, dona Francisca, dona Ilda
que eu acho que o Josimar ainda está vivo, do Maranhão, e começaram a do Caboquinho; foi então que o caboco me juntou do lado de fora da janela,
implantar na casa e eu jovem, né, comecei a observar aquilo, foi quando o eu era novo, era bem magrinho, e me jogou para dentro do terreiro e ela tava
pai Pedro saiu pra colocar uma casa dele no Jurunas. Ele até me chamou, eu com a dona Mariana. Só dançava gente velha na casa dela, não podia gente
já não dançava, mas incorporava. Então, ele disse assim: acabou a casa da nova naquele tempo, só as velhas mesmo, e muito pouco homem. Aí, a dona
Santa porque não tem mais ninguém, é como o senhor disse, lá também não Mariana mandou levar o caboco lá pra trás e conversou pá pá pá, o caboco
sabia cantar, ela era pajé mesmo, Jarina vinha nela, mas, ela era pajé. Então, foi embora. A D. Constancia não me conhecia ainda, então, eu comecei a
eu disse: eu acho que não vai acabar e eu comecei a piar a casa da minha mãe, frequentar a casa dela, tomar os banhos. Logo no outro dia, fui procurar por
né, com 15 anos. Hoje, eu estou com 57 anos. Aí, vim incorporar com Coli ela, contei a minha história pra ela, que aqui eu não tinha ninguém, não tinha
Maneiro, danço, também, com um encantado chamado João do Leme.” ido em casa de ninguém, tinha vindo do interior, trabalhava com cura, com
Ismael Tavares – dirigente do Terreiro Estrela Guia, entrevista para o Livro, em 12 janeiro 2011 pajé e tudo, que eu era filho nesse tempo, carregava seu Zé Raimundo e a dona
Jana Gunça, e aí ela conversou comigo: ‘olhe, meu filho, aqui em casa você não
pode ficar porque eu tenho uma filha de santo que ela é muito antiga da minha
Pajelança na cidade
casa, que era a dona Célia, e ela é de Zé Raimundo, e aqui na minha casa é
“E saí e não voltei, vim embora para o Bairro da Cremação porque eu tinha respeitado o médium e é respeitado o encantado dele, só existe um de cada
uns primos que moravam aí na Cremação. Até ali no Beco da Goiabeira, antes uma cabeça.’ Eu disse: ‘mas D. Constancia, eu queria ficar aqui que é perto de
de chegar no terreiro da Socorro, a Socorro batia ainda Mina, e lá a gente casa, que é tambor, tá organizado.’ Ela disse: ‘olha, eu vou pensar no seu caso.
morava. Era um becozinho, me deram um quartinho lá: ‘olha, primo, aqui, só Venha segunda-feira que o seu Sete tá aqui.’ Seu Sete atendia toda segunda-
pode ficar aqui para fazer seus negócios.’ Eles gostavam, a mãe deles gostava da -feira. Eu fui lá com seu Sete na segunda-feira, ele me disse: ‘olha, eu vou
Pajelança, era de lá do interior, do tempo deles. Então, eu só cuidava daquele resolver o seu problema, o senhor é pajé?’ ‘Sou pajé.’ ‘Tá, quarta-feira o senhor
pajé, era uma vez por mês. Não cantava toda semana, não tinha todo dia, não vai cantar uma Pajelança para D. Constancia; quarta-feira, a D. Constancia
tinha toda hora, era data certa: sempre a última sexta feira de todo mês que vai se sentar, faça uma garrafa de café.’ Então, a gente fazia chá, fazia café,
eu balançava o maracá, tinha que ver a lua. O lugar que vim morar em Belém fazia o vinho misturado com um pouco de água mais fraco que é o vevéu com
tinha o tambor da Socorro e tinha o tambor da finada Constancia. Mas, manjericão dentro pro pajé e ia paricá. E, na quarta-feira, eu preparei e abri a
naquele tempo, eu não me sentia na obrigação de ir olhar nenhum tambor que cura, tava a D. Francisca que recebeu seu Ricardinho, D. Ilda do Caboquinho,
eu não tinha permissão dos meus pajés, estava longe da pessoa que tinha me tava a D. Célia do Zé Raimundo, ela mandou chamar para irem olhar porque
preparado, o mestre Ajirú. Então, eu disse: ‘eu não posso ir porque o que pode eu era novo para cantar o pajé, e se sentou na cadeira. Eu sempre trabalhei na
acontecer comigo lá?’ Uma vez por mês, a gente fazia aquela linha de cura e Pajelança, bate-costa, cantei a Pajelança, aí caboco vai, caboco vem, caboco
aí foi chegando gente, foi dando gente, foi dando gente, a ponto deu passar vai, caboco vem, e eu sempre recebi, sempre trabalhei com seu João De Una na
a fazer as curas duas vezes por mês pra atender o pessoal. O povo gostava cura, sempre veio na cura. Terminou a cura, ela disse: ‘olha, eu vou lhe dizer
muito da Pajelança. Era uma coisa diferente daqui da cidade. O pessoal não uma coisa, o senhor já tem o seu caboco que vai ficar brincante no tambor
via quase isso do jeito que a gente trabalhava. Não tinha luz elétrica, era só à aqui em casa, o seu caboco que vai ser puxado pra cima lá do fundo é o seu
luz de velas, porta fechada, da feita que entrava, só saía no final. Então, uma João De Una, tá bom.”
vez, eu fui olhar, já depois de uns dois anos aqui em Belém, eu fui olhar um Pai Farenan – trecho do depoimento gravado em 12 janeiro 2011
tambor na casa da mãe Constancia. O tambor tava pegando fogo e, na frente,
tinha um chagãozinho do lado que a gente entrava pelo lado; eu entrei por
este chagão e fiquei na janela apreciando o tambor. O tambor estava bonito:

24 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Pajelança 25


Os símbolos e elementos da pajelança Depois, ela ia ser dissolvida, ia ser coada pra se transformar numa bebida.
“Em casa de Pajé, há sempre uma Jurema pronta, tauari, tabaco e maracá e, Então, essa daqui é a bebida da Jurema, dos Pajés. Ela é feita da própria casca
com esses elementos, inicia-se o trabalho”. da Jurema Paricá. É um pau da mata que se chama Jurema Paricá. É feito do
Pai Farenan – em 31 maio 2010 paricazeiro. A gente tira a casca da Jurema Paricá, bota em infusão por tempo
indeterminado, quanto mais tempo em infusão, melhor ela fica para o Pajé
Maracá: o Maracá é o instrumento que abre tomar. Nela, acrescenta-se champanhe, vinho tinto, erva doce, cravinho da
a cura, que abre a Pajelança, é o instrumento india e o vinho branco. É uma bebida que é feita para os guias da Pajelança
que vai buscar o pajé na força da sua encan- tomarem.
taria, por meio das doutrinas, dos cânticos,
Cinta de Tracuá: cada Pajé tem a sua própria cinta. Toda cinta pertence a
das rezas. É um elemento principal dentro
um guia. Ela significa uma defesa para o corpo do trabalhador, quando a
da Pajelança, sem ele, não há Pajelança.
gente está trabalhando na Pajelança. Quando se está curando uma pessoa,
Tauari: o Tauari é um fumo que é preparado
ao mesmo tempo, está recebendo daquela pessoa que fez o mal para aquele
nas aldeias, no caso, na mata. Foi o método
ser humano, então, a Cinta de Tracuá é preparada para a defesa da nossa
que os Pajés, que os curadores tiveram para
matéria, do nosso corpo, quando em transe; pois o corpo tá aberto ali pra
fazer o próprio cigarro, para que os mestres
receber qualquer coisa.
pudessem fumar dentro da Pajelança. Este
cigarro é composto da própria palha do A essência: a essência também é extraída da mata. Essa daqui é uma essência de
Tauarizeiro. Esta palha é uma árvore grande Priprioca pura. Pra quê? Ela é feita para nós prepararmos os banhos das ervas
que se chama a árvore do Tauari, dela é cheirosas. O banho serve para o banho de descarrego ao final do trabalho da
tirada a primeira casca, que é a casca grossa, cura. Seve para limpar o corpo.
por fora, e por dentro a casca grossa tem
esta palha que se chama a folha do Tauari:
Culto Amazônico dos Tupimambás O rito e o segredo
a gente corta, põe pra secar, depois põem a
Festa do Cacique José Tupinambá
cachaça nele para soltar, para sair folha por Os trabalhos não podem ser cobrados, devem ser feitos de graça. Existem
folha e assim poder montar o cigarro; o fumo é feito de alecrim, alfazema, que coisas que são muito secretas na Pajelança. Não se abre os segredos, mas um
é para perfumar. pajé conhece o outro, mesmo que não conversem sobre o assunto. No inte-
rior, antigamente, as curas só eram iniciadas a partir das 11 horas da noite,
Tabaco: é o fumo grosso. Isso também é muito usado dentro da Pajelança da
quando todos já estavam dormindo, pois tudo era extremamente secreto. A
cura, porque com Tabaco a gente cura, faz banho de descarrego.
pajelança tem uma ciência para abrir, para chegar no meio e para ter o seu
Cachimbo: os Preto Velho e a linha dos Preto Velho que tem dentro da Paje- encerramento. As crianças eram preservadas, deveriam ir cedo dormir, antes
lança. Tem que ter o cachimbo para fumar o tabaco. que iniciassem a cura, pois inclusive elas poderiam ser encantadas pelos pajés.
Pai Farenan – depoimento gravado em 29 junho 2010
Bebida da Jurema: essa bebida da Jurema há muitos anos era a bebida que os
índios tinham, como também a Tiborna. A Tiborna é uma outra bebida indí-
gena feita da mandioca, da própria mandioca crua que a gente faz farinha; os
índios botavam pra cozer aquela mandioca o dia inteiro, 24 (vinte e quatro)
horas ela cozia em panela de barro com lenha para que ela tivesse preparada.

26 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Pajelança 27


Casas matrizes com prática da pajelança na região metropolitana de Belém Festividades

Casa Matriz Caruana Casa Matriz Mestre Casa Matriz Casa Matriz Cura MÊS Datas PRINCIPAIS FESTAS E RITUAIS CASAS ONDE SÃO REALIZADAS
(Marajó) (Baixo Amazonas) Catimbozeiros Batida ou Baião FESTAS E RITUAIS
(mesclagem entre de Cura
Caruanas e Mestres) (Maranhão) Janeiro 20 Festa de São Sebastião Mãe Ana Santana Barbosa
Pai Luiz Tayandô Pai Ivanildo Mãe D. Graça Pai Bassu Pai Farenan
Pai Farenan Pai Luciano Pai Cuíca Pai Muza Pai Ismael
João de Oxalá Pai Arimatéia Mãe Helena Pai Ari do Mariano Mãe Jegeca
Mãe Eliana ( in memoriam) Mãe Carmita Pai Francisco 20 Dª Jarina Pai Francisco Alves da Silva
Mãe Eli (Ananindeua/Uriboca) Mãe Zilma 31 Dª Herondina Mãe Conceição do Paruára
(só pajelança) Mãe Maria José Mãe Esmeralda – Caboclo Manezinho Mãe Carmita
Pai Ismael Mãe Maria Mãe Conceição Fevereiro 08 Cura de João da Mata Mãe Irene Martins Silva
Pai Pedrinho Mãe Miqelina Mãe Jacira 11 Festa de São Lázaro Mãe Inês Ramasceno Soares
Mãe Naza Pai Cesar
Pai Pedrinho
Pai Eldy (Tawandacy) Mãe Inês
15 Festa da Pomba Gira Pai Júnior
Mãe Irene
Mãe Maria Março 11 Cabocla Herondina Mãe Helena Fátima de Souza
do Antonio Légua 19 São José Mãe Maria Crispiniana Ferreira
Mãe Ana (Surrupira) Mãe Jegeca
19 Dom José Mãe Raimunda
fonte : entrevista com Pai Luiz Tayandô e Pai Farenan realizada em 29 junho 2010
19 Cabocla Jarina Mãe Zilma
Abril 20 Dª Mariana Mãe Conceição do Paruára
23 São Jorge Mãe Jacira
Ogum Mãe Jegeca
Maio 09 Caboclo Codozinho Mãe Zilma
11 Festa da Cabocla Rosa Lina Pai Júlio Cesar Conceição de Oliveira
13 Tambor da Mata Pai Ismael
Preto Velho Mãe Jegeca
31 Dª Jarina Mãe Conceição do Paruára
– Sentinela Mãe Carmita
Junho 13 Cura do seu Tango do Pará Mãe Miguelina Santos Dias
Santo Antônio Mãe Jegeca
23 Festa do seu Zé Pelintra Pai Eldy Santos da Costa
24 São João Mãe Maria (Raimunda Gomes Oliveira)
Pai Pombo
Dª Chica Baiana Mãe Maria (Raimunda Gomes Oliveira)
27 a 30 Xangô Pai Pedrinho
30 Tereza Légua Mãe Maria José

28 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Pajelança 29


MÊS Datas PRINCIPAIS FESTAS E RITUAIS CASAS ONDE SÃO REALIZADAS Tocaia de Caruanas Nossa Senhora da Conceição
FESTAS E RITUAIS Pai Luís Tayandô
Julho 12 Cabocla Mariana Pai Júnior
23 Seu Nego Gerson Pai Francisco Alves da Silva O culto dos Caruanas nas terras do Grão Pará
26 Festa de Nossa Senhora Mãe Ana Santana Barbosa
Santana
Mãe Raimunda
O Culto dos Caruanas nas terras do Grão Pará tem sua origem nas práticas
Agosto 14 Caboclo Manezinho Mãe Zilma
religiosas indígenas sincretizadas com a fé popular católica romana.
15 Seu Paruára Mãe Conceição do Paruára
É muito importante para aqueles que não conhecem a pajelança, principal-
19 Cabocla Constança Mãe Zilma
mente a maioria, aqui da nossa cidade, que ela já foi um culto que até o início
20 Exúm Pai Ismael
dos anos de 1900 era tão procurada como a nascente medicina moderna.
23 São Benedito das 7 flores Pai Farenan
Quero dizer que falar sobre a religião dos caruanas é para mim muito
prazeroso, porém quero afirmar que aqui onde estou não é o meu mundo;
24 Tranca Rua Pai Pombo
falta aqui a alma, a natureza e simplicidade do povo; as coisas aqui têm que
26 Caboclo Joãozinho Mãe Helena Fátima de Souza
ser medidas e conferidas. Peço aos que me escutam que desprezem as teorias
- Pomba Gira Mãe Carmita
complicadas que querem dar um entendimento racional para tudo e para
31 São Raimundo Mãe Raimunda
todos, deixem fluir seus sentimentos e suas consciências ancestrais. Escutem
Setembro 17 Cabocla Mariana Mãe Maria Benedita
com ouvidos da simplicidade; porque as verdades podem ser escutadas pelos
27 São Cosme e Damião Mãe Maria José
estudiosos, mas nem sempre são sentidas. Vamos fazer uma viagem no tempo,
Mãe Jacira
ao tempo onde tudo estava sendo criado, e o mundo dos invisíveis estava
Pai Júnior
misturado com o nosso. Gostaria que um dia as religiões fossem estudadas
28 Xangô Mãe Maria José
nos seus locais sagrados, onde haveria uma influência maior dos guardiães e
– São Cosme e Damião Mãe Carmita
as palavras seriam complementadas pelas forças da sabedoria dos guardiães e
Outubro 19 Caboclo Arranca Toco Pai Pedrinho
divindades das florestas; lá, o contato com o mundo invisível é pleno. Eu peço
28 Pena verde Mãe Helena Fátima de Souza
aos meus ancestrais que me auxilie, nesta hora, para que minhas palavras não
Rosa Légua Mãe Helena Fátima de Souza
estejam desassociadas do dever do pajé, que é conservar a natureza, a vida e
– Maria Légua Mãe Carmita
ajudar a evolução da humanidade.
Novembro 07 Seu Zé Raimundo Pai Francisco Alves da Silva
O ritual da pajelança que vou descrever aqui tem sua origem indígena,
Dezembro 04 Santa Barbara Pai Ismael
porém está longe de ser uma amostra autêntica, pois praticamos a chamada
07 a 08 Yemanjá Mãe Jacira
pajelança cabocla ou pajelança urbana, diferente das práticas da pajelança
08 N. S. da Conceição (Dª Mariana) Pai Farenan
indígena ou de aldeias.
08 Festa das Águas Pai Tayandô
Deus é um só, mas as religiões são diversas. Para Deus, não existem anal-
13 Festa Boto Juvenal Pai Tayandô
fabetos nem acadêmicos, nem pobres nem ricos. Muitos pesquisadores vão
13 Marinheiro Fernando Mãe Maria José
buscar suas sabedorias nos humildes membros das comunidades tradicionais
18 Marinheiro Fernando Mãe Esmeralda
amazônicas. Temos observado durante a jornada humana, que todas as vezes
Nossa senhora da Conceição Mãe Jegeca
que o mundo – dito civilizado – tem contato com as comunidades tradicio-
25 Joana Gunça Mãe Zilma
nais, tentam exercer uma hegemonia e destruir ou comercializar estas comu-
– Dª Mariana Mãe Carmita
nidades; assim aconteceu na África e assim tem acontecido no Brasil.

30 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Pajelança 31


O mundo místico do Marajó utilizar as pesquisas da minha querida amiga Dra. Anaiza Virgulino, que fez
um resumo histórico desses 400 anos de pajelança cabocla.
A origem da minha linha de cura, do fundo ou pena e maracá, é na ilha do
Marajó, especificamente na aldeia dos Aruás ou Aruanãs, hoje município de Século XVII: fase de encontro e confronto com os europeus. Em 1616, fundação
Chaves. As pesquisas dizem que 1.500 anos antes de Cristo já havia presença de Belém e, em 1640, a instalação da aldeia de Santo Antonio dos Aruanãs.
humana no arquipélago; e que a civilização marajoara se deu entre 400 e Esse período foi o período que os índios tiveram contato com os europeus e, em
1400 depois de Cristo. seguida, o confronto, porque começaram a lidar com uma sociedade mercan-
A maior ilha fluvial do mundo possui duas regiões: os campos ou pastos, tilista e imperialista, com costumes completamente diferentes dos deles.
com certas semelhanças com as savanas africanas, e umas matas densas identifi- Século XVIII: foi a fase do reconhecimento e do retorno. Em 1755, o rei de
cadas como floresta amazônica, e, na divisa dessas duas, encontram-se as terras Portugal proíbe o termo “caboclo”, reprimindo as diferenças, porque antiga-
baixas ou alagadas. Os Caruanas afirmam que nas regiões de mata fechada mente chamava-se para os índios e seus descendentes de “caboclos”, então, o rei
habitam as entidades guardiões da terra, os antigos habitantes chamados de de Portugal mandou suprimir isso daí, era proibido chamar de caboclo, então
curupiras, cupiaras, anhangás, juruparis etc. Já nas regiões de campos ou de todo mundo era, naquela época, paraense. Em 1755, com a expulsão dos reli-
savanas moram os povos peregrinos, os que vieram de longe para cumprirem giosos da ilha grande de Joanes, Marajó, sem o acompanhamento dos religiosos,
uma missão. Nas terras baixas ou alagadas é a região dos encantes, da formação eles voltaram às suas antigas práticas, já mescladas com o catolicismo popular.
da vida; daqueles que sabem viver nos dois mundos: terra e água, são chefes de
Século XIX: foi a fase dos estudos intelectuais, da reafirmação das diferenças
extensas famílias; teriam participação da criação de tudo.
e recuperação da identidade cultural. Antonio Ladislau Baena descreve a
Aldeia de Santo Antonio dos Aruãs cultura indígena paraoara dando a ela uma ênfase muito grande. Hoje em
dia, quando queremos estudar a pajelança cabocla e ver a identidade cultural
Foi por volta de junho de 1640 que os religiosos capuchos chegarm na aldeia urbana, ela já é paraoara, quer dizer, já inflenciada com o contato do branco.
dos Aruãs ou Aruanãs, sendo bem acolhidos, tratando de construir no local
Século XX: foi a fase da reconstituição do sonho da identidade cultural cabocla,
uma capela dedicada ao glorioso Santo Antonio, que depois recebeu o nome
o pajé não é índio nem caboclo, é índio e caboclo ao mesmo tempo.
de Santo Antonio dos Aruanãs. Os sacerdotes com afinco de impor o cris-
tianismo usaram de todas as metodologias da época, como teatro, canto e
A pajelança que pratico
até comparação entre a religião dos índios e a cristã. O deus da criação dos
Aruanãs teve os seus vários títulos unidos e transformados em um só nome: Iniciei minha vida de Pajé em 13 de dezembro de 1960, no sítio do meu tio
Tupã, Anhanguera, Jurupari, Cupiara, Curupira, antes divindades guardiãs localizado no Uriboca, distrito de Marituba, onde, pela primeira vez, o Mestre
da floresta, passaram a personalizar o demônio, coisa desconhecida da reli- Juvenal, um boto encantado, se encostou em mim – a palavra certa é encos-
giosidade dos índios. Em 1757, o então primeiro-ministro português Marquês tado, que significa incorporado. Ao se manifestar, já foi exercendo as práticas
de Pombal expulsa os religiosos das aldeias, o que faz eles tentarem retornar de cura em familiares e vizinhos. Hoje, já se passaram 51 anos de prática da
à sua religiosidade primitiva, porém, as dificuldades foram grandes: o povo pajelança ou terapia dos caruanas, experiências acumuladas tanto no trato
já estava bastante misturado e acostumado com a religiosidade cristã, e a das chamadas doenças físicas como das doenças espirituais. Nesses 51 anos,
única salvação foi o sincretismo, ou o que chamamos de pajelança cabocla, tive o cuidado de resguardar os rituais longe das outras práticas religiosas que
que é o que praticamos hoje. Então, essas influências foram tão grandes que mantenho em minha casa-de-santo, como umbanda, mina, candomblé nagô.
os cânticos ficaram afeiçoados ao canto gregoriano; como, por exemplo: Um dia, perguntei para Mestre Juvenal o porquê de ter sido acometido de
“abre-te, portão do fundo...”, quer dizer, sempre dessa forma, muito parecida tantas enfermidades, de ter sido sempre um menino doente; e ele respondeu:
como os padres cantavam naquela época. Só para fim de informação, vou “só quem traz a marca das doenças no corpo é que sabe avaliar o sofrimento

32 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Pajelança 33


das pessoas e buscar as fórmulas e receitas no mundo dos caruanas.” Gente, está se preparando o ambiente místico igual ao da criação do mundo. O som
isso é uma filosofia de pajelança; não é uma regra para toda a sociedade. simboliza a chuva daquela época, a chuva da fertilidade.
Tauari: é o cigarro místico que auxilia o pajé na sua viagem mística até o
Os mestres Caruanas mundo invisível. Só que eu queria mostrar para vocês o seguinte: o tauari
Bem, agora vou falar que é hora de aprofundarmos sobre os mestres caruanas, nós fumamos assim, nós trabalhamos ao contrário, assoprando essa fumaça,
tentarmos entender seus métodos mágicos de cura do corpo e da alma. que serve para identificar o local onde está o malefício, onde está o feitiço no
O sacerdote praticante da pajelança é chamado pajé, cargo exclusivo dos corpo do paciente. Então, quando o pajé sopra, ele fuma primeiro aqui, depois
homens; geralmente, as mulheres que exercem esse dom são chamadas de quando ele sopra, naquele local onde o doente está com dor, é para identificar
benzedeiras, parteiras ou experientes, jamais pajé ou pajoa. Os mestres caru- que forma de trabalho ou cura será feita.
anas são encantados, ligados espiritualmente a um clã ou família e a um Cuia: representa o útero fértil materno da natureza, nele se prepara remédios,
animal ancestral do ar, da terra, da água ou do fogo. Eles vivem no fundo se dá bebidas para o mestre caruana, se coloca o malefício ou remédio; a cuia
ou encante, lugar diferente do nosso mundo físico, onde não existe tempo sem pintura se chama pitinga e é mais usada para colocar os malefícios; já a
e espaço, onde todos vivem à mercê de seus poderes. Os mestres caruanas cuia pintada é para uso mais consagrado.
quando encostados – incorporados – perdem parte de seus poderes, devido a
Cinta: é uma faixa, que é usada bem em cima do umbigo, que é um local de
seu pressionamento na matéria do pajé. Os caruanas são avessos aos grandes
muito segredo do pajé, então ele se cinta, exatamente para que possa ter segu-
públicos, rigorosos, autênticos, mas sabem guardar com carinho e gratidão a
rança em seu trabalho.
boa amizade. Não aceita ser inquirido, e quando se propõe a falar sobre um
assunto, não gostam de ser interrompidos. Para os mestres caruanas, o pajé Sementes: servem para fazer os colares.
será sempre um menino, que pouco sabe, que sempre tem que estar atento às Preparado: na linguagem dos mestres caruanas é “aperparado”, que é uma
obrigações para não perder suas forças. Os mestres caruanas escolhem seus série de ervas com perfume e que contém toda a ciência daquele mestre; geral-
discípulos, árvores ou aparelho muitas das vezes no período da geração do mente essa fórmula ele jamais dá para ninguém, porque nela contém todo
feto, estes terão maior possibilidade de alcançar os maiores graus de sucesso, o seu segredo. O dia que alguém souber poderá, facilmente, derrotá-lo ou
outros são escolhidos na puberdade, ou já na idade madura, estes são consi- enfraquecê-lo.
derados apenas trabalhadores, jamais pajés. Depois da escolha, os mestres se Montaria: banco ou ave é o banco místico do pajé, que lhe transporta para o
responsabilizam em educar e a prepará-lo; ensinam os mistérios da natureza mundo místico e também carrega o mestre caruana em sua visita ao recinto.
e que sempre terão de estar alertas para as forças do mal. Na prática de paje-
lança, os métodos terapêuticos são imensos e nunca ninguém poderá saber
tudo, por isso sempre terão a necessidade de ir à mãe natureza para reciclarem Terminando essa exposição, quero falar sobre a terapia das folhas. No imenso
suas energias, forças e conhecimentos. universo de folhas, raízes e sementes; quero fazer um alerta. As ervas têm
personalidade, alma e uma ciência que só os pajés sabem receitar e acordar
A prática da pajelança sua força curativa. Há um tempo, a mídia descobriu a SACACA e se habituou
a usá-la para inibir o apetite e, consequentemente, emagrecer. As pessoas
Os materiais utilizados pela pajelança sempre são consagrados em rituais passaram a tomar o chá da folha sagrada sem o menor conhecimento de
junto à natureza. sua dosagem. Resultado: começou a aparecer câncer de fígado e dores
Maracá: instrumento de invocação dos caruanas, o seu som (evoca) faz lembrar violentas no abdômen. Agora, nem por isso ela foi desprezada pelos pajés,
a soada da chuva, que era a maior característica climática nos tempos da que sabem seus segredos e a usam como os nossos antepassados.
formação da pajelança. Então, quando batemos o maracá (som do maracá), Pai Luís Tayandô

34 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Pajelança 35


NAÇÃO UMBANDA
Belém, cidade protegida por tupinambá e tupiaçu
“Segundo as mães mais antigas da Umbanda Tradicional de Belém, Tupi-
nambá e Tupiaçu, líderes guerreiros, lutaram na guerra dos cabanos e sucum-
biram. Passando pelo portal de encantaria, até hoje ficam às portas da cidade
de Belém, frente às margens da maior encantaria fluvial do mundo que é
a Baia do Guajará, protegendo a nossa cidade. Então, tudo que entra para
nós aqui tem que ter a permissão desses dois “cabocos”, que é Tupinambá e
Tupiaçu. Tupinambá e Tupiaçu são dois irmãos da Tribo de Jurema, da família
de Alencar, encantados às margens da Baía do Guajará.”
Oferenda às 7 linhas da Umbanda – em destaque Yemanjá, Kátia Hadad – Oficina de Umbanda, maio 2010
Seara de Umbanda de Ogum Beira-Mar

Umbanda no Pará: um breve histórico


Kátia Andrade de Hadad 1
Mãe Vanda, Festa Cosme e Damião
Saudação
“Salve Deus!
Salve o Rosário de Maria sobre a terra!
Salve quem tem fé!
Salve quem não tem fé!
Quem pode mais que Deus? (3 x)
Festividade de honra a José Tupinambá –
Nação Jurema, 21 janeiro – Todos: Ninguém
Seara de Umbanda Ogum Beira Mar Salve a fé, a esperança e a caridade!”
Hino
“Bandeira branca de Oxalá, força do além,
Mãe Vanda saudando a Nação Umbanda Mãe caridosa, que ao mundo deseja o bem,
no dia Estadual da Umbanda e dos Cultos
Afro-brasileiros
Vai sempre em frente.
Oh! Minha Umbanda querida,
traz a doçura da vida, para aqueles que não têm.”
Com estas palavras rituais e de ordem, de preces como a de Cáritas, Ismael

Terreiro de Umbanda Ogum Rompe-Mata


com sua dirigente Mãe Vanda de Ogum 1 Afrorreligiosa e pesquisadora de campo do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia.

36 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Umbanda 37


e São Francisco de Assis; além do hino em humano e à natureza, respeitando todas as suas manifestações em decorrência
homenagem à Umbanda2, acima, zeladores e de suas complexas raízes, compreendendo a diversidade, valorizando as dife-
zeladoras davam por aberto suas sessões ou renças, o que permite uma ampla liberdade em suas crenças e diversas formas
giras, nas Tendas ou Searas de Umbanda em válidas de culto.
Belém do Pará, entre as décadas de 20 a 60. Seus praticantes têm o compromisso de servir como instrumento de
Segundo a Federação Espírita e Umban- harmonia e paz através de suas Entidades superiores, com equilíbrio espi-
dista e dos Cultos Afro Brasileiros do Estado ritual representados pela simplicidade e humildade. São trinta milhões de
do Pará – FEUCABEP, fundada em agosto de adeptos, de acordo com estimativa apresentada pelo professor René Ribeiro,
1964, de acordo com registros datados de 1920, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no 2º Festival Mundial de
no Pará, já se praticavam a Jurema branca, a Artes Negras, em Lagos, na Nigéria, no ano de 2003, baseadas em dados do
Pajelança e Pena e Maracá. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em Belém, a especificidade primordial das Dentre suas características, não podemos deixar de citar que não existe
práticas de Umbanda se dá pela estreita ligação a imolação de animais, e, sim, o vasto manuseio de ervas de efeito ritual ou
Fundador da FEUCABEP, com o sincretismo religioso católico-cristão e fitoterápico.
Manoel Colaço Veras pela manifestação dos Caboclos Encantados. As ervas têm grande importância e usos diversos em forma de amancis,
Kátia Hadad, 2010
foto
Segundo Chaterlain (1889), Umbanda banhos, infusões, chás, imantações e espanações, como energia vital de grande
significa “curador” ou “magia que cura”. Para poder. As ervas mais utilizadas pelos umbandistas tradicionais do Pará, são:
Blavatsky (1831-1891), Umbanda estaria na raiz da língua Sânscrita, onde Alecrim: chás, banhos e espanação3
“UM” significa uma sílaba mística, emblema da divindade, ou seja, a Trindade Arruda: amuleto, pós e chás
na Unidade (Deus), e “BANDA”, que vem de ‘Bandha’, também de origem sâns- Alfazema: banhos e defumação
crita, significa laço, ligadura, sujeição à vida nesta terra. Alfavaca: chás, espanação e gargarejos
Esta religião de fé, luz, esperança, caridade e de humildade em relação ao
Cipó-caatinga: chá, xarope e banho
amor ao seu próximo, tem em suas diversas vertentes a existência do espírito
Espada de São Jorge: espanação
sobrepondo-se ao corpo físico de seus médiuns, em caminho de evolução espi-
Folha da colônia: defumação e banhos
ritual, buscando sempre o aperfeiçoamento na prática da caridade e benevo-
Manjericão: banhos e chás
lência, e ainda, na Lei cármica de Causa e Efeito, crendo sempre na presença de
um Deus único, criador onipresente, origem das suas sete linhas vibratórias. Guiné: banhos e compressas
No entanto, em nosso estado, essa mesma Umbanda se entrelaça a ritos da Pau d'angola: banhos
terra, de matrizes indígenas, já existentes antes da sua chegada, e mais poste- Folha de louro: defumação, banhos e chás
riormente aos novos segmentos de matriz africana que se instalaram aqui. Pau d'água ou (Peregum): espanação Ervas para os fundamentos da Umbanda
Com seus vários conceitos é, sem dúvida, uma nação que é seguida em cada Vindicá Pajé: atrativo Kátia Hadad, 2010
foto

Templo ou Seara de forma variada e diferenciada. Assim, podemos afirmar Vindicá: levante, atrativo
que existem várias formas de se praticar a Umbanda. Croatá: espanação
Sua missão essencial é pregar a existência pacífica e o respeito ao ser Cipó d'alho: espanação
2
Este hino em homenagem à Umbanda era cantado nas tendas e Searas do Pará, nas décadas de 20 a 60.
Somente após os anos 60 foi introduzido no Estado do Pará o atual Hino da Umbanda, que hoje é canta-
do em todo o território nacional. 3 Espanação – mesmo que sacudimento ou limpeza de corpo

38 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Umbanda 39


O cumprimento ritual da Umbanda é “Saravá!”, que significa: As várias práticas do culto umbandista
Sa = força,
Ra = movimento Umbanda tradicional
Vá = natureza
“Iniciada em 1908 pelo Médium Zélio Fernandino de Moraes pelo Caboclo
Ou seja, “Força que movimenta a natureza”, ou Salve! ou Viva!, ou “Salve a sua das Sete Encruzilhadas e pelo Preto Velho Pai Joaquim de Angola, precur-
força”, ou ainda, corruptela da palavra portuguesa “salvar”, que os escravos sores da Umbanda Tradicional. As linhas mais significativas são a tríade:
tinham dificuldade em pronunciar e diziam: “Salavá”. linha yorimá (pretos velhos), linha dos caboclos e yori (crianças). O Caboco
das Sete Encruzilhadas fez o anúncio que, para essa nova religião não haveria
Os termos mais utilizados na Umbanda são: caminhos fechados para a prática do bem.”
Amanci: líquido obtido da maceração das ervas Babá de Umbanda e Tatetu de Inkice Charley Silva – depoimento feito em 1 abril 2011
Chefes de linha: entidades principais subordinadas aos Orixás
“Eu me chamo Esperança, tenho 73 anos, comecei a minha mediunidade com
Correntes: passes magnéticos em conjunto 18 anos. A primeira vez foi com 7 anos, mas aí foi apagado porque na época
Falanges: grupos de Entidades que trabalham as ordens dos chefes de linha ninguém aceitava a Umbanda. Com 18 anos, eu comecei a me sentir mal. Às
Gira: nome popular das sessões de Umbanda vezes, eu estava dormindo, quando eu me acordava, já tava incorporada, a gente
Obsessores: espíritos que provocam malefícios às pessoas não consegue se controlar. No dia de São Miguel Arcanjo, dia 29 de setembro,
Aruanda: o céu dos umbandistas eu já tinha 22 anos, saí para pagar uma conta pro meu pai, quando eu cheguei
Congá: altar de volta, em casa, me deu aquele passamento. Meu vizinho me disse que não era
Maracá: instrumento de ritual normal, ele me levou lá pro Terreiro da Mãe Dorinha, de Pai Miguel. Eu fui pra
Passe espiritual: prática por meio da impostação das mãos que objetiva ener- lá, passei pela Mãe Dorinha, lá me desenvolvi. Quer dizer, eu não tinha feitura,
gizar positivamente a pessoa era amanci que a gente levava. O ritual nosso é tomar a benção por respeito.
Tenda ou Seara: espaço físico onde são desenvolvidas as práticas de Umbanda. Porque eu acho assim, que a Umbanda, a gente tem que ter respeito na nossa
Tauari: charuto utilizado na abertura do ritual para energizar o ambiente
Casa, no nosso Santo. Eu fiquei na Mãe Dorinha esse tempo, foi o tempo que
ela faleceu. Quando ela faleceu, nós ficamos sem ninguém. Mãe Antonia, que
Espada: um pedaço de tecido que serve para identificar as entidades ou Guias
era Mãe Pequena de lá do Terreiro, eu já fiquei com ela. Depois ela teve que ir
Cinta: uma faixa feita de crochê que serve de segurança para os médiuns
pra Santa Bárbara! O meu Santo grande é Oxóssi, o meu ‘caboco’ mesmo, de
Rosário: um fio tecido de sementes, ou cordão de aço
frente, é Seu Rompe Mato, a minha ‘caboca’ é Dona Mariana. Agora a ‘caboca’
Touca de crochê: utilizado pelas mulheres que me acompanha mais assim direta é Dona Joana Gunça e Seu Mineiro. Seu
Boné branco: utilizado pelos homens Rompe Mato veio um dia e disse: ‘que eu me aquietasse na minha Casa’. Na
Em suma, a Umbanda é, sem dúvida, uma religião de pessoas livres, com época, ainda tinha o meu marido. Mandei ele fazer um altarzinho lá na minha
fundamentos próprios na prática do amor, uma religião milenar e brasileira, casa. Eu fiquei dando minha passagem toda as quartas feiras e assim eu tô até
em seus inúmeros conceitos históricos que culminam na sua origem. hoje. Quando chega dia de São João, eu dou mingau pra todo mundo lá no meu
bairro. Quando chega dia 18 de junho, eu faço uma homenagem pra São João
Referências bibliográficas
Menino. Dia 8 de fevereiro, dia de São João da Mata, que é justamente o dia que a
CHATERLAIN, H. Contos populares de Angola, 1889.
Dona Joana participou da minha croa. Às 6 horas, rezo meu terço, faço chamada
BLAVATSKY, Helena Petrovna. Esoterismo teosófico, 1831-1891. pra minha ‘caboca’. Os meus guias fazem a caridade. A gente recebe as coisas
Origem da Umbanda: pt.wikipedia.org/wiki/Origem_da_Umbanda, acesso em 28/03/2011. conforme Deus oferece. Então, na minha casa é assim, é tudo simples, aí eu estou

40 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Umbanda 41


até hoje aqui com a minha missão, eu não tenho vergonha, eu posso chegar num Comecei com a idade de 12 anos, minha mãe, trabalhando na Feira do Açaí,
Terreiro e chegar pro meu “caboco”, quando eu vou da minha casa, eu já vou saiu e me deixou sozinha tomando conta da casa. Quando foi por volta de 2
preparada, eu vou e me entrego pro meu guia. A Umbanda é muito bonita, a horas da tarde, a entidade me apanhou, sozinha. A vizinha viu, ela estava me
Mina também, o Ketu, o Jeje, o Nagô, a Angola, tudo é bonito, mas conforme tu olhando, a entidade era um erê chamado Luizinho, já fazendo cura. Então, o
saber respeitar, porque você sabendo respeitar, você tem tudo, não lhe falta nada. meu pai, que já era simpatizante, amava muito, a minha mãe nem tanto. Mas o
Então, é isso, eu tô aqui, graças a Deus, com os meus guias, respeitando eles, meu pai já pegava orações e ia trazendo e as entidades foram se manifestando.
porque eu respeito. Então, a gente tem que ter respeito, porque os guias da gente Fiquei no terreiro de Pai Pedrinho do Guamá até os meus 15 anos. Aos 16 anos,
é como é pai e mãe, nós temos que respeitar, porque se a gente não respeitar, a quando eu me formei, fui me embora para o Rio de Janeiro a trabalho. Eu era
gente não consegue nada, fica todo o tempo doente, fica sem comer, fica sem uma médium somente, e lá no Terreiro dele começou a vim Dona Jurema,
nada! Então, a Umbanda, ou a Mina, seja qual é a que for, pra mim, é respeito.” Seu João da Mata, tudo trabalhando na linha da cura. Chegando no Rio de
Mãe Esperança – Oficina de Cartografia Social em 2 junho 2010 Janeiro, continuei tentando levar minha missão, mas como vocês sabem, no
Rio de Janeiro os bairros são muito distantes do
“Eu sou Chico Sena Umbandista, tenho uns banhos de amancis, recolhi, fiz
trabalho. Eu me casei, fiquei tomando conta dos
uma camarinha. Na minha saída, eu saí unicamente com a espada de São Jorge
meus filhos, larguei um pouco de lado. Voltando
na mão, a guia e um ponto riscado. Foi feito a apresentação, o caboclo dançou,
pra Belém, depois já de uns 20 e poucos anos,
o caboclo disse o nome dele. (...) Ajeitei um altar, fiquei só trabalhando dentro
casada, vim transferida, procurei me cuidar
da minha casa, como é até hoje, não tenho terreiro grande, até por falta de
novamente. Seu Zé Raimundo baixou numa tarde
estrutura. Através de pessoas na minha casa, eu conheci um Pai de Santo do
e conversou com a minha mãe, que tinha chegado
candomblé chamado João Brito, mora lá em Ananindeua, quando eu pisei na
o momento, que eu tinha que levar a missão em
Casa, foi, num trabalho terça-feira, com o caboclo Paroá. Ele: ‘bom, a partir
frente, a Umbanda, que eu ia morrer na Umbanda!
de hoje, tá aqui na minha casa me ajudando e vais ser o hombono, ou seja, o
– ‘o seu trabalho dentro da Umbanda é ajudar o
primeiro filho da Casa. Tu és filho de Oxóssi, jogou lá os búzios, deu Oxóssi!’
próximo’. (...) Fui pra minha Casa, mandei fazer
Eu trabalho dia de sábado, tô plenamente satisfeito, convicto, gosto dos meus
um altarzinho, comecei a trabalhar, os guias me
caboclos, tenho respeito, e respeito todo mundo.”
orientaram a dar passe, fazer vidência, como eu
Pai Chico – Oficina de Cartografia Social em 2 junho 2010 Bata de ritual da Umbanda
tenho vidência na minha vida. Hoje eu estou com Tenda Miry, 2010 Kátia Hadad
foto

o meu Terreiro na Cidade Velha, com o que faço,


Umbanda popular
adoro a minha religião. Gosto dessa Umbanda humilde, simples, de chegar o
Mais sincrética, permite que todas as vertentes da religiosidade afro-brasileira ‘caboco’, fazer a vidência, rezar, conversar, então eu gosto muito de conversar
tenha sua aceitação. Permite a prática simultânea de diversas crenças e ritos reli- com o ‘caboco’, pra trabalhar com cura, trabalhar com o Preto Velho. E depois
giosos, sem seguir a ortodoxia da Umbanda Tradicional ou da Umbanda Iniciática de está pronta mais ou menos a Casa, seu Pena chamou minha mãe e pediu
Coordenação da Nação Umbanda que já tava preparada para abrir a mesa espírita, pelo conhecimento espírita
que eu tenho, da doutrina kardecista. Foi assim que nós começamos a fazer a
“Sou Umbanda, e também tem na minha Casa a Lei do Allan Kardec. Trabalho mesa espírita com 4 pessoas e hoje nós temos 9 pessoas na mesa espírita. Então,
com mesa espírita todas as segunda-feira. A doutrina espírita, pra mim, é muito nós temos que ter o amor, a compreensão, o conhecimento espiritual, não só a
importante para ter o conhecimento espiritual, o amor ao próximo, principal- parte material. Então, é isso que a Umbanda me ensinou, eu levo mesmo com
mente. Nós trabalhamos com a parte da cura espiritual, obsessão e, também, fé, caridade, humildade, esperança, e sem esquecer jamais da fé.”
trabalhamos com a parte de Umbanda, dos nossos ‘cabocos’ de Pena e Maracá. Nazaré Inês, Mãe Inês – Oficina de Cartografia Social em 2 junho 2010

42 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Umbanda 43


Umbanda Omolokô ou Iniciática eu me iniciei. Aos 11 anos de idade, eu estava passeando em Mosqueiro, no
círio de Nossa Senhora do Ó, meus pais católicos fervorosos, eu era semi-inter-
“De acordo com essa concepção, a Umbanda teria sua origem na África, região
nado no Colégio do Carmo. Naquela época, eu tive aquela vontade de tocar no
atualmente pertencente à República Popular de Angola. O Omolokô surge
andor, na berlinda. Magrinho escorreguei da mão da minha mãe e toquei, foi
dentro das tribos Lunda-Kiocos, pertecente à raça negra de origem Bantu. Esse
a última coisa que eu lembro, isso era às 11h15 da manhã. Voltei às 17 horas
culto floreceu no Brasil, principalmente nos estados do Rio de Janeiro, Minas
à minha sã consciência, numa casa já cheia de gente. (...) Bom, um dos meus
Gerais e Espírito Santo, sendo, no Brasil, reorganizado pelo Tatá de Inquice
guias, eu não sei, não me lembro qual, deixou o endereço de Pai Diquinho. Eu
Tancredo Pinto, chamado pela revista inglesa de “Papa Negro do Brasil”.
entrei na Casa dele e de lá não sai nunca mais, a não ser com o falecimento
A esta reorganização deu-se o nome de Omolokô ou Umbanda Omolokô, para
dele. Na Casa dele, ele era coroado na Umbanda, mas já no meio da missão
diferenciar da Umbanda Carioca. Esta é uma expressão religiosa praticada em
dele, ele começou a Umbanda Omolokô, inclusive, dentro de Mosqueiro, ele
nossa casa também de Umbanda de fundamento Africano.”
foi o primeiro Pai de Santo. Na Casa dele não se batia tambor, era só na palma.
Tayandô – In: apostila “Seminários as sete linhas da Umbanda”, p.1, 1994
Me apareceu um trabalhador, conhecido por Zé Raimundo, e esse caboco foi
“A minha trajetória de vida na religião Umbanda começou quando eu tinha que levou o tambor pra minha Casa. O que foi que eu pude pensar de tudo
16 anos, lá em Santo Antonio do Tauá. A minha primeira manifestação não isso: se isso está acontecendo, é porque nós temos essas contas, nós temos essa
foi no terreiro, foi na sala de aula. Estava estudando, comecei a sentir uma raiz, nós somos médiuns, e, aqui, a Baía do Guajará é banhada por todas essas
aproximação e eu não sabia o que era. Então, eu me debrucei sobre a carteira, energias vivas. A Umbanda, quando iniciou, foi exatamente com esse intuito
e comecei a me sentir mal, sem saber o que era. Foi daí que as entidades come- de agregar a todas as origens. Conservo todos os rituais da minha Casa! E a
çaram a se manifestar em mim, e me levaram para casa de um senhor que era gente chama de ‘Esteira de Jurema’, conservo todos como aprendi, e passo para
Pajé. Ele falou que eu era ‘médium de incorporação’ e que eu tinha que procurar os meus filhos como aprendi.”
me desenvolver. Já tava no tempo de eu começar a trabalhar. Eu conheci uma Pai Marcelo – oficina de Cartografia Social em 2 junho 2010

pessoa que morava aqui em Belém, o nome dele é Raimundo Wilson – o Pai “Boa tarde a todos! Meu nome João da Silva conhecido como Pai Pingo. Sou
Louro, nesse tempo, morava lá na Terra Firme. Comecei a freqüentar o terreiro de Umbanda, fui feito na Casa de Pai Marcelo.A minha trajetória também é
de 15 em 15 dias, para fazer meu desenvolvimento mediúnico. Fazia vários muito grande, já fui louco do Juliano Moreira. Não queria seguir a missão,
‘banhos de cabeça’, que, na época, se chamava amanci. A princípio, ele não fez mas, graças a Deus, que sou de uma família evangélica, abracei a minha reli-
uma iniciação em mim, nem coroação. Eu fiquei durante muito tempo com gião, a Umbanda, com muito amor. E hoje é o que eu pratico na minha Casa
ele e comecei a incorporar, a receber as minhas entidades. A primeira caboca é a Umbanda. Sou filho de Oxumaré com Oxum e Ogum, minha Casa é de
que desceu em mim foi a caboca Erundina. Depois, eu comecei a receber o caboca Erundina e Rompe Mato. Às quartas, são as sessões e, nas segundas,
caboco Manezinho, caboca Ita, depois veio Dona Mariana, Seu Rompe Mato é dia de mesa branca.”
também. Em 2004 eu tive a necessidade de fazer uma iniciação, fui para Casa João da Silva – oficina de Cartografia Social em 2 junho 2010
do Pai Tayandô, já estava trabalhando na minha Casa, desde 90, já atendia, era
um altar que eu tinha. Passei por todos os fundamentos e ele me preparou na Umbanda Esotérica
Umbanda. A Umbanda da Casa do Pai Tayandô, ele costuma dizer que é uma
Umbanda Omolokô, uma Umbanda de fundamento.” Umbanda mística, ligada à linha oriental e indiana, que tem como guias
Vanda Lúcia dos Santos Soares, Mãe Vanda – Oficina de Cartografia Social em 2 junho 2010 ou mentores espirituais Zarthur Indiano e Urubatan do Dia, nesta mesma
prática de umbanda é comum usarem a Cromoterapia (uso de cores, para
“Eu sou umbandista, sou da Casa de Raimundo Muniz Sobrinho – Diquinho cura de doenças diversas no plano físico e espiritual), a Cristaloterapia
da Pena Verde, que era situada à travessa de Breves com Cesário Alvim, onde (manuseio com cristais em pontos vitais do corpo em risco de desequilí-

44 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Umbanda 45


brio), o Reike, de origem japonesa (cura através da impostação das mãos) e Maior festa da Umbanda na região norte
Apometria (terapia alternativa, que trata das doenças que acometem a alma,
cura obsessão, está ligada ao resgate cármico de cada pessoa em relação a Festival de Iemanjá
vidas passadas). Todas estas práticas associadas à mantras, manifestações O primeiro festival foi realizado em 1971, na Praia do Cruzeiro, no Distrito de
espirituais por seus ministrantes, preces e orações próprias para cada um dos Icoaraci, organizado por seus fundadores Maria Mesquita do Espírito Santo
problemas apresentados, formam a cabala mística da Umbanda Esotérica. – Mãe Marina, Celina Soares da Costa – Mãe Celina, Lucimar Valdez – Mãe
Coordenação da Nação Umbanda
Lucimar, Maria de Nazaré Andrade – Mãe Nazaré, Marinete Pires – Mãe Mari-
“Eu me chamo Ana. Eu tenho um templo, um templo de Umbanda Caboca nete, Edith Justa – Mãe Justa, Mãe Zenaide, Mãe Odiza, Pai Antonio Carlos,
Mariana. Nós trabalhamos com Umbanda Branca. Nós temos um trabalho lá Sebastião Machado – Pai Sabá, José
terças e sextas feiras, mas nós trabalhamos com apometria, com reike. Apome- Arimatéia – Pai Arimatéia, Albanise
tria, que é o passe através da impostação das mãos, acompanhado com cristais, – Mãe Alba e Mãe Dica, os radialistas
é um trabalho de cura e desobsessão. E Reike é um trabalho de cura através da Paulo Ronaldo e Iracema Oliveira.
impostação das mãos. Isso aí nós trabalhamos, é um trabalho de cura”. Na década de oitenta, o festival
Ana, Mãe Mariana – oficina Cartografia Social em 2 junho 2010 passou a ser realizado na Praia Grande
do Outeiro, organizado pela Asso-
ciação dos Amigos de Iemanjá. Hoje,
Sete linhas vibratórias ou primordiais da umbanda o festival reúne cerca de setenta mil
pessoas na noite do dia 7 de dezembro. Mãe Lucimar, Mãe Marina, Mãe Nazaré,
O rosário que era usado na década de 20 é cons-
Coordenação da Nação Umbanda o radialista Amauri Silveira no primeiro festival
tituído pela cruz de pau de Angola, as contas são de Iemanjá realizado na Praia do Outeiro,
das lágrimas de nossa senhora e cada cor repre- “A Umbanda é uma árvore cheia de 7 dezembro 1986 acervo Kátia Hadad
senta as sete linhas vibratórias da Umbanda. galhos e raízes fortes de onde eu tirei
1ª Linha de Santo ou de Oxalá: dirigente – os melhores frutos da minha vida”.
Jesus Cristo. Foco: branco ou prateado; Maria Mesquita do Espírito Santo, Mãe Marina – In: jornal Província do Pará, dezembro 1979
2ª Linha de Iemanjá: dirigente – Virgem Maria.
Foco – azul Altares da Umbanda
3ª Linha do Oriente: dirigente – São João
Batista. Foco – cor de rosa
Rosário usado na década de 1920 4ª Linha de Oxóssi: dirigente – São Sebastião.
(Pai Alvaro Bizarro), 2010
foto Kátia Hadad
Foco – verde esmeralda ou turmalina
5ª Linha de Xangô: dirigente – São Jerônimo.
Foco – vermelho escarlate
6ª Linha de Ogum: dirigente – São Jorge.
Foco – vermelho escarlate Altar da Tenda Miry Santo Expedito. Altar do Terreiro de Umbanda Altar da capela da FEUCABEP,
Altar com estrutura construída na Tapinaré das Matas 2010 foto Kátia Hadad
7ª Linha Africana ou de São Cipriano: década de 60, é em formato de (Casa do Pai Sabá), 2010
dirigente – São Cipriano. Foco – lilás. pentagrama, 2010 foto Kátia Hadad foto Kátia Hadad

Coordenação da Nação Umbanda

46 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Umbanda 47


Hino nacional da Umbanda Homenagem in memoriam

Escrito em 1960 por José Manuel Alves em homenagem ao Caboco das Sete
Encruzilhadas, em 1961 foi cantado no 2º Congresso de Umbanda na cidade
do Rio de Janeiro, e oficializado na 1ª Convenção de Umbanda, realizado pela
Confederação Nacional Deliberativa de Umbanda (CONDU) em março de 1976.
Refletiu a luz divina
Com todo o seu esplendor
Vem do reino de Oxalá
A onde há paz e amor
Luz que refletiu na terra
Luz que refletiu no mar Mãe Maria Aguiar, precursora Pai Miguel Silva, 1965 Maria das Dores Barbosa
conhecida como Maria Pajé,
Luz que veio de aruanda da Umbanda no Estado do Pará, acervo Anaíza Vergulino
Seara de Umbanda Bom Jesus dos
1965 acervo Anaíza Vergulino
Para o mundo iluminar Navegantes , década de 1950
acervo Kátia Hadad
A Umbanda é paz e amor
É um mundo cheio de luz
É força em nossa vida
Que à grandeza nos conduz
Avante filhos de fé
Como a nossa lei não há
Levamos ao mundo inteiro
A bandeira de Oxalá

No Pará, na década de setenta, foi acrescentado o refrão abaixo, pelo Caboco


Júlia Moraes Gaia Pacheco,
João da Mata manifestado no saudoso Pai Airton Soeiro, por ocasião do conhecida como Nenen Gaia,
Tambor das Flores no Salão de Ritual Manoel Colaço Veras da FEUCABEP. Seara de Umbanda Olhar de
Jesus. Praticava a Umbanda
Sebastião Machado (Pai Sabá), Mãe Nair Dias, matriarca Esotérica. Antiga presidente
A bandeira de Oxalá falecido em março de 2011, foi centenária da Umbanda “Seara da FEUCABEP, 1984
um dos fundadores do festival de Umbanda Fé, esperança e acervo Kátia Hadad
Brilhou, brilhou de Yemanjá, junho 2010 Caridade”, junho 2010
A bandeira de Oxalá acervo Kátia Hadad foto Kátia Hadad

Lá no céu já clareou
Clareou na Umbanda
Clareou no mar
Clareou no terreiro
Salve o Pai Oxalá!

48 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Umbanda 49


Umbandista mais antiga ainda viva Preces e orações da Umbanda
Pai Nosso Espiritualista
“Pai Nosso, que estais no Infinito das alturas,
dos mundos, dos sóis e dos céus;
Santificado seja vosso nome, aqui na Terra
e em todo Universo; Venha a nós o vosso
Reino de Amor e Sabedoria; Seja feita a vossa vontade,
assim na Terra como no Absoluto do Eterno
e do Imutável; o pão nosso de cada dia,
dai-nos hoje e sempre, tanto para o
Espírito, como para o sustento do corpo;
Perdoai as nossas culpas, paixões e
maldades, assim como devemos perdoar e amar
a todos os nossos devedores em ofensas e crimes,
Mãe Raimunda Nonata Hage.
Tenda de Umbanda Caboco José
segundo vossas Leis de Amor Universal;
Tupinambá, junho 2010 E não nos deixeis cair em tentação do erro
foto Kátia Hadad
e do pecado – tanto da mente como do corpo;
quer exterior quer interior;
Quando começamos as pesquisas de campo do PNCSA, Pai Sebastião Machado E, livrai-nos de todo mal, tanto tangível
e Mãe Nair Dias ainda encontravam-se entre nós. Mãe Nair Dias faleceu em como intangível. Assim Seja!
16 de setembro de 2011 aos 107 anos de idade e Pai Sebastião Machado em 19 Livrai-nos Senhor, nós vo-lo pedimos na
de março de 2011 aos 76 anos de idade. mais profunda e secreta súplica, a nós,
que somos vossos servos humildes, de todos
os males e assaltos negativos, passados,
presentes e futuros, tanto da alma como
Pontos riscados do corpo; dai-nos pela vossa Suprema
Bondade, a paz e a saúde e sede-nos propício,
a fim de que possamos elevar-nos até a vossa presença,
iluminados e redimidos, pelo nosso passado
e pelo nosso presente, pela intercessão da
Bem Aventurada e piedosa Mãe Maria Santíssima,
de Jesus Vosso Filho e nosso Senhor, Mártire,
imolado em todos os tempos pela glória de vossa
causa divina e eterna.
Amém.”

50 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Umbanda 51


Pai Nosso de Monsenhor Horta Credo Umbandista
Pai nosso que estais no céu “Creio em Deus-Pai, Todo Poderoso, Onipresente,
Na luz do céu infinito Criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis.
Pai de todos os aflitos Creio em Jesus Cristo – Nosso Senhor, –
Neste mundo de escarcéus. Filho Primogênito de Deus, Luz da Luz,
Santificado, Senhor, Senhor Eleito do Senhor Supremo, e
Seja Teu nome sublime Verdadeiro Deus; gerado, mas não feito para o pecado
Que em todo o Universo exprime ou fins ilícitos, agora em consubstancial
Concórdia, ternura e amor; perfeição espiritual no seio do Pai e supremo
Venha ao nosso coração criador de todas as coisas, o qual, por amor
O teu reino de bondade, de nós e para nossa Salvação, desceu entre nós
De paz e caridade, e encarnou-se por Decreto Divino,
Na estrada da redenção; em Maria Santíssima e tornou-se Homem!
Cumpra-se Teu mandamento Foi, também, pelos homens, crucificado,
Que não vacila e nem erra, sob o poder de Pôncio Pilatos; padeceu injúrias
No céu como em toda terra, e foi sepultado; ressuscitou, no terceiro dia,
De lutas e sofrimentos; segundo as antigas escrituras originais.
Perdoa-nos, Senhor, Subiu ao Céu, está assentado à Direita do Pai,
Os débitos tenebrosos, de onde há de vir, um dia, julgar os vivos e os
De passados escabrosos, chamados “Mortos”, e o seu reino não terá fim.
De sofrimentos e de dor; Creio na Igreja Universal de Cristo, una, santa,
Auxilia-nos, Senhor, cordial, evangélica, pura, humilde, apostólica e
Nos sentimentos cristãos, modelo de fé, semeando Amor e Caridade com
A amar nossos irmãos exemplos decididos de renúncia, altruísmo e
Que vivem distantes do bem, abnegação, acima de sectarismo belicoso e de
Com a proteção de Jesus; todos os conflitos religiosos do mundo!
Livra nossa alma do erro, Creio no Batismo Espiritual, como caminho
Deste mundo de desterro que desperta o arrependimento e como a
E distante da Tua luz; ajuda para a penitência dos erros e culpas,
Que a nossa ideal igreja, para alcançar, por fim, a remissão dos
Seja o altar da caridade, pecados do Espírito sobre o corpo.
Onde se faça a Espero a ressurreição espiritual dos chamados
Vontade de vosso amor. “Mortos” em outras vidas de aperfeiçoamento
Que assim seja! e a imortalidade da vida, através dos
renascimentos sucessivos, nos séculos futuros.
Amém.”

52 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Umbanda 53


Oração do Anjo da Guarda teu santo evangelho, possamos trilhar e vencer
Santo anjo do Senhor, as escabrosidades do caminho e chegar nas moradas do teu reino.
Meu zeloso protetor, Bendita estrela farol dos justos e pecadores.
Se a ti me confiou Abre o teu seio divino e recebe a nossa súplica
a Providência Divina pelo nosso Brasil, pela humanidade inteira.
Me rege, me guarda,
Me governa e me ilumina Prece de Cáritas
Deus, nosso pai, que sois todo poder e bondade, dai a força àquele que passa
Prece de Ismael
pela provação, dai a luz àquele que procura a verdade; ponde no coração do
Glória a deus nas alturas, homem a compaixão e a caridade.
paz na terra a toda humanidade.
Jesus, bom e amado mestre, sustenta Deus dai ao viajor a estrela guia, ao aflito a consolação, ao doente o repouso.
os teus humildes irmãos pecadores Pai dai ao culpado, o arrependimento; ao espírito, à verdade; à criança, o
nas lutas deste mundo. guia; ao órfão, o pai.

Anjo bendito do senhor, abre sobre nós Senhor, que Vossa bondade se estenda sobre tudo o que criastes.
as tuas brancas asas e abriga-nos do mal. Piedade, Senhor, para aqueles que vos não conhecem; esperança para aqueles
Levanta os nossos espíritos a majestade do que sofrem. Que vossa bondade permita aos Espíritos consoladores derra-
teu reino. Infunde em todos nós a luz do teu marem por toda parte a paz, a esperança e a fé.
imenso amor. Jesus, pela tua sagrada Deus: um raio, uma faísca do vosso amor, pode abrasar a Terra; deixai-
paixão, pelos teus martírios na cruz; -nos beber nas fontes dessa bondade fecunda e infinita, e todas as lágrimas
dá a estes que se acham secarão, todas as dores se acalmarão.
Ligados ao pesado fardo da matéria, Um só coração, um só pensamento, subirá até Vós, como um grito de reco-
orientacão perfeita no caminho da virtude, nhecimento e de amor. Como Moisés sobre a montanha, nós Vos esperamos
caminho único pelo qual podemos te encontrar. com os braços abertos, ó Poder, ó Bondade, ó Beleza, ó Perfeição, e queremos
Jesus paz a eles, misericórdia aos nossos de alguma sorte, merecer a Vossa Misericórdia.
inimigos, recebe no teu seio bendito a prece
dos últimos dos teus servos. Deus, dai-nos a força de ajudar o progresso a fim de subirmos até Vós;
dai-nos a caridade pura; dai-nos a fé e a razão; dai-nos a simplicidade que
Amiga estrela farol das imortais falanges, fará das nossas almas o espelho onde se deve refletir Vossa Santíssima
lava-nos de todas as culpas, atrai-nos Imagem.
para junto de teu seio santuário bendito
de todos os amores. Se o mundo com seus erros, nota: Cáritas era um espírito que se comunicava através de uma das maiores médium
paixões e ódios alastra nossos caminhos com mme. W. Krell (uma das maiores psicógrafas do espiritismo)
A prece de Cáritas foi psicografada em 25 de dezembro de 1873.
as trevas do pecado, rebrilha mais com a tua
misericórdia, para que seguros e apoiados no refêrencia: Allan Kardec e o espiritismo.

54 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Umbanda 55


Oração de São Francisco de Assis IV
Eu abro a minha gira, com deus e N.Sra....
Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz.
Eu abro a minha gira, samborê, pemba de angola...
Onde houver ódio, que eu leve o amor;
Eu abro a minha gira com Jesus, Maria e José...
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão;
Maria e José, foi quem mandou, quem mandou foi S. José.
Onde houver discórdia, que eu leve a união;
Onde houver dúvidas, que eu leve a fé;
Onde houver erro, que eu leve a verdade; Pontos cantados
Onde houver desespero, que eu leve a esperança; I
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria; Sou Ogum, em terra estranha estou,
Onde houver trevas, que eu leve a luz. Sou mensageiro do amor.
Mestre, fazei com que eu procure mais Beira mar, sou ordenaça de minha mãe Yemanjá....
consolar do que ser consolado;
II
compreender do que ser compreendido; amar que ser amado.
Beira mar, beira maré, Ogum beira mar, das ondas do mar sagrado. Sua
Pois é dando que se recebe, é perdoando que se é perdoado,
estrela brilha no raiar do dia, Ogum beira mar é filho da Virgem Maria.
e é morrendo que se nasce para a vida eterna!
nota: Ogum (S. Jorge) patrono da umbanda com Yemanjá (yara, sereia, janaina)
no sincretismo religioso, associa-se à São Jorge e à Virgem Maria.
Pontos cantados (abertura)
III
I
Eu tenho 7 espadas pra me defender...
Jesus é o primeiro santo do altar (bis)
Tenho Ogum em minha companhia...
Oh! Dai-me forças, senhor meu pai,
Ogum é meu pai, Ogum é meu guia
Oh! Dai-me forças para trabalhar!
Ogum é S. Jorge, filho de Deus e da Virgem Maria....
II
Estrela do céu, que guiou nosso pai, nota: nos pontos cantados de Ogum, fala-se muito em Humaitá, referindo-se à Guerra
do Paraguai, as batalhas do Humaitá, onde os negros lutaram, invocando as forças do orixá
Guiai os caminhos dos filhos que vai, Ogum, para defendê-los.
Glória a Jesus, nosso pai redentor,
Que na santa cruz, seu sangue derramou....
Estrela do céu, que nos guia em paz, Yemanjá
Povo de umbanda, que povo será? I
Glória a Jesus, nosso pai redentor, Mãe d'água rainha das ondas, sereia do mar....
que na santa cruz seu sangue derramou... Mãe d'água, seu canto é bonito, quando vem do mar,
III É tão bonito o canto de Yemanjá...
Quem vem? Quem vem, lá de tão longe? Que faz até o pescador chorar,
– São os anjinhos que vem trabalhar... Quem ouvir o canto de Yemanjá,
Oh! Dai-me forças pelo amor de deus meu pai... Vai com ela pro fundo do mar...
Oh! Dai-me forças aos trabalhos meus...

56 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Umbanda 57


II Xangô – sincretismo S. Jerônimo, S. João Batista
Sereia, sereia, não naufraga o meu navio...
Estrela tão linda, que brilha no firmamento..
Um castelo de sereia, um castelo de Yemanjá.
Xangô na pedra sentado, vai escrevendo e vai lendo,
Sereia, sereia, o castelo de sereia, fica no fundo do mar...
aos seus filhos ensina, com muito amor e bondade,
III que a vida não vale nada, se não se faz caridade...
Navio negreiro nas ondas do mar...(bis) Caô, cabecile, caô.
Correntes quebradas na areia arrastar...
II
Vamos saravá, nossa mãe Yemanjá...
Meu pai S. João Batista, ele é Xangô..
É dono do meu destino até o fim...
Oxóssi – sincretismo S. Sebastião Se um dia me faltar a fé no meu senhor...
I Derrube suas pedreiras sobre mim...
Caça, caça, caça, meu caçador...
Toma cuidado com a cobra cascavel, a noite está tão escura, Yansã – sincretismo Santa Bárbara, Joana D'arc
Só brilha a lua lá no céu....
I
II Ela baiou lá na Aruanda...
Caçador da beira do caminho... Yansã é nossa mãe, gira deixa gira girar(bis)
Não me mate esta coral na estrada... Deixa gira girar, saravá yansã,
Ela abandonou sua choupana, caçador... salvei xangô lá nas pedreiras caô,
Foi no romper da madrugada, caçador... deixa gira girar..
Brilhou no céu uma estrela..
Foi no romper da aurora.. II

Já clareou, já clareou esta choupana onde Oxóssi mora, caçador... Brilhou um clarão no céu, ai meu deus, o que será?
III És zartur, chefe indiano que vem nos ajudar,
Mestre bom da Jurema, ele é mestre... Mestre Tupinambá, ele é mestre, quem que vem com suas falanges para todo o mal levar..
tem fé em Jesus Cristo, ele é mestre, tomba mas não cai... Salve, salve, salve Deus (bis)
IV
Salve o povo do oriente, marroquino,
Estava passeando nas matas, ouvi uma voz lhe chamar, Tupi, Tupi, Tupiaçú, beduíno e muçulmano,
índio guerreiro da maloca de babá... saravá gimbaruê, saravá gimbaruê (bis)
V Salve zartur, chefe indiano abre os portões da encantaria,
Jurema, ô juremé, juremá, (bis) salve cabocla de pena filha de Tupinambá, salve urubatan do dia, saravá estrela guia...
tem a pele bronzeada, os olhos cor de luar, rainha da pontaria, nunca se viu
nota: refere-se também à linha astral ou do oriente.
ela errar, passa correndo nas folhas, nunca se ouviu seu pisar, é uma cabocla
de pena... Jurema...
nota: refere-se à linha de caboclos da Jurema

58 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Umbanda 59


Oxum – sincretismo – N. Sra. da Conceição Lista dos templos, searas, tendas e terreiros pesquisados

Eu vi mamãe Oxum na cachoeira, sentada na beira do rio... 1. Seara de Jurema Virgem da Conceição
Colhendo lírio, lírio ê Bairro do Marco, Belém
Colhendo lírio, lírio á, colhendo lírio, pra enfeitar nosso congá (bis) 2. Seara de Umbanda Caboclo Jurandir
...Papai me mande um balão com todas as crianças que tem lá no céu, Bairro da Pedreira, Belém
tem doce sinhá, tem doce sinhá, tem doce lá no jardim (bis) 3. Seara de Umbanda da Cabocla Mariana
Bairro da Sacramenta
nota: refere-se à linha de Ibeji
4. Seara de Umbanda de Herondina e Rompe Mato
Bairro da Pedreira, Belém
Omulú – sincretismo – S. Lázaro, S. Roque, S. Braz 5. Seara de Umbanda de Oxóssi
Bairro do Coqueiro, Ananindeua
I
Meu pai Oxalá, meu rei venha me valer o velho Omulú, Atotô, Obaluaiê... 6. Seara de Umbanda de Pena Verde
Bairro do Telégrafo, Belém
II
7. Seara de Umbanda Fé, Esperança e Caridade
Quem vê um velho no caminho toma a benção, Deus te abençoe, Bairro da Pedreira, Belém
Deus te abençoe, Atotô, Obaluaiê... (Obaluaiô) 8. Seara de Umbanda Mamãe Oxum
...Estrela lá no céu brilhou, clareou os caminhos da umbanda... Bairro da Cidade Velha, Belém
Aqui na terra filho de fé é feliz, preto velho é quem diz, como é linda 9. Seara de Umbanda Mãe Yemanjá
a nossa umbanda. Bairro do Curió Utinga, Belém
10. Seara de Umbanda Ogum Beira-mar
nota: refere-se à linha das almas (pretos velhos)
Bairro da Guanabana, Ananindeua
11. Seara Vovó Maria Conga
Despedida de caboclo Bairro São João, Marituba
I 12. Seara de Umbanda Ogum Beira-Mar
Caboclo, pega a tua flecha, pega teu bodoque, o galo já cantou... Bairro de São Brás, Belém
O galo já cantou na aruanda, Oxalá te chama, para tua banda... 13. Templo Afrorreligioso Ilê de Obá
Bairro Parque Verde, Belém

Hino de encerramento 14. Templo de Caboclo Sete Flechas


Bairro, da Pedreira, Belém
Somos companheiros, amigos irmãos, que sempre vivemos 15. Templo de Jurema de Verequete
pensando no bem, a nossa alegria é de bons cristãos, não ofende a Jesus Bairro do Coqueiro, Belém
e nem fere a ninguém. 16. Templo de Umbanda Cabocla Mariana
A nossa alegria (repete) é o bem do evangelho (repete) vibrai e contagia Bairro da Pedreira, Belém.
(repete) da criança ao velho (repete)mesmo entre perigos (repete) daremos 17. Templo de Urubatã de Jesus e Cabocla Ita
Bairro do Telegrafo, Belém.
as mãos (repete) como bons amigos (repete) como bons irmãos (repete)
Sempre ombro a ombro, sempre lado a lado, não trepidaremos ao nosso 18. Templo dos Orixás Trincheira do Caboclo Tabajara
Bairro Parque Verde, Belém.
inimigo que quer do caminho do bem nos tirar, pois temos Jesus, nosso
19. Templo Religioso de M. N. Príncipe Antônio Simbamba
melhor amigo, que sempre estará a nos acompanhar... Bairro da Castanheira, Belém

60 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Umbanda 61


20. Tenda de Umbanda Baiano Grande Festividades
Bairro do Parque Verde, Belém
MÊS PRINCIPAIS FESTAS E RITUAIS CASAS ONDE SÃO REALIZADAS
21. Tenda de Umbanda Cabocla Erondina
Bairro Benguí, Belém Janeiro
22. Tenda de Umbanda Cosme e Damião. 20 São Sebastião e Oxóssi Seara de Umbanda Mamãe Oxum
Bairro do Marco, Belém Festividade de Cacique Tupinambá Pai Tayandô
23. Tenda de Umbanda José Tupinambá 01 Festa de Oxóssi Adélia Pereira
Bairro da Condor, Belém 19 Festa do Caboclo Casa do Pai Alberto Lima
24. Tenda de Umbanda Toya Jarina Rompe Mato
Bairro do Parque Verde, Belém 20 Festa de Oxóssi Casa da Mãe Graça do Espírito Santo
25. Tenda João da Mata. Raimundo Wilson da Costa
Bairro Pedreira, Belém
Festa dos Cabocos Pai Álvaro Pizarro
26. Tenda Miry Santo Expedito Fevereiro
Bairro da Cidade Velha
02 Cabocla Mariana Casa do Pai João da Silva
27. Terreiro Cultos de Umbanda Caboclo Zé Raimundo.
08 João da Mata Seara de Umbanda Mamãe Oxum
Bairro do Bengui, Belém
02 Homenagem a Iemanjá (Praia) Seara de Umbanda Mamãe Oxum
28. Terreiro de Jurema e José Tupinambá
Bairro da Sacramenta, Belém 11 São lazaro Obaluae Seara de Umbanda Mamãe Oxum

29. Terreiro de pai Oxalá Cabocla Jarina 08 Caboco João da Mata Casa da Mãe AdalgizaMedeiros Monteiro
Bairro do Val de Cans, Belém Casa da Mãe Graça do Espírito Santo
30. Terreiro de Umbanda do Caboclo Flecheiro Casa do Pai José Raimundo Ferreira
Bairro do Tapanã, Belém 12 Caboca Jurema Casa da Mãe Áurea Ribeiro
31. Terreiro de Umbanda Floresta de Oxóssi Todo 2º sáb Festa da Cabocla Herondina Casa da Mãe Vanda
Bairro da Terra Firme, Belém Março
32. Terreiro de Umbanda Luz do Amanalá de Cabocla Mariana 11 Festa da Cabocla Herondina Casa da Mãe Fátima
Bairro Águas Lindas, Ananindeua
19 Festa do Zé Pelintra Pai Tayandô
33. Terreiro de Umbanda Ogum Rompe Mata Festa da Cabocla Jarina Casa da mãe Regina Nascimento
Bairro Bengui, Belém
São José Seara de Umbanda Mamãe Oxum
34. Terreiro de Umbanda Repouso de Maria Conga.
Abril
Bairro da Pedreira, Belém
21 Festa de Padilha Casa do Pai Álvaro Pizarro
35. Terreiro de Umbanda Tapinaré das Matas
Bairro da Marambaia, Belém 23 Festa de Ogum Casa do Pai José Lima Gaia
São Jorge Casa do Pai Nazildo Oliveira Henriques
36. Terreiro Deus Esteja Contigo
Bairro Levilândia, Ananindeua. Cabocla Erondina Casa da Mãe Graça do Espírito Santo
Festa do Caboco Pena verde Adélia Pereira
37. Terreiro do Caboclo Pena Verde
Bairro do Benguí, Belém Seara de Umbanda Mamãe oxum
Casa da Mãe Arminda Almeida
38. Terreiro Floresta de Ogum Rompe Mato
Bairro Parque Verde, Belém 23 Rompe Mato Vanda Soares
39. Terreiro Mina Nagô Cosme e Damião Ogum Rompe Mato José Ferreira
Bairro Parque Verde, Belém Caminhada de Ogum Pai Tayandô

62 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Umbanda 63


MÊS PRINCIPAIS FESTAS E RITUAIS CASAS ONDE SÃO REALIZADAS MÊS PRINCIPAIS FESTAS E RITUAIS CASAS ONDE SÃO REALIZADAS
Maio Setembro
12 Caboca Mariana Creuza Melo Ferreira 07 Festividade do Cacique Pai Tayandô
Rompe Mato
13 Cabocla Mariana Casa da Mãe Jacirema Costa
Festa do Caboclo Preto Velho Casa do Pai Mábio da Silva 13 Cabocla Jurema Ester de Souza Freire

Seara de Umbanda Mamãe Oxum 17 Mariana Maria Benedita da Costa


Festa da Ancestralidade Pai Tayandô 27 Cosme e Damião Casa da Mãe Regina Nascimento
21 Festa das Flores Adélia Pereira Adélia Pereira

29 Cabocla Mariana Casa da Mãe Mariana Vanda Soares


Casa da Mãe Célia da Costa
19 Cabocla Jarina Seara de Umbanda Mamãe Oxum
30 Obrigação de Xangô Casa do Pai Rilkim
Junho
Novembro
08 Caboclo Tabajara Adélia Pereira
19 Caboclo Rompe Mato Alberto Carlos S. Lima
12 Cabocla Jarina Casa do Pai Alberto Lima
22 Cabocla Maria Légua Casa da Mãe Mariana
13 Obrigação de Exu Casa do Pai Rilkin
Dezembro
24 São João Batista Graça do Espírito Santo
Cabocla Mariana Seara de Umbanda Mamãe Oxum 03 D. Mariana Casa do Pai Jorge Lobo
Julho 04 Festa de Yansã e cabocla Jarina Casa da Mãe Adélia Pereira
26 Senhora Santana Nanã Casa da Mãe Raimunda Hage Festa de Yansã e Santa Bárbara Mãe Vanda Soares
30 Caboclo Zé Raimundo Seara de Umbanda Mamãe Oxum Maria Bárbara Soueiro Pai Nazildo Oliveira Henriques

Agosto 07 Festival de Yemanjá Associação Amigos de Yemanjá

07 Cabocla Juliana Casa do Pai João da Silva 08 Oxum Casa da Mãe Graça do Espírito Santo
Caboclo João da Mata Pai Álvaro Pizarro
19 Caboclo Flexeiro Ana Maria de Oliveira
Corre Beirada e Yemanjá Casa da Mãe Adalgiza Medeiros Monteiro
23 Exus Guardiões Casa da Mãe Mariana
Festa Cabocla Mineira Pai Raimundo Wilson da Costa
Exu Casa do Pai João da Silva
Seara de Umbanda Mamãe Oxum
Verequete Casa da Mãe Áurea Ribeiro
12 Zé Raimundo Casa do Pai Sebastião Machado
24 Toque do Zé Pilintra Casa do Pai Cléberson Gomes
Festa da Cabocla Mariana Maria das Graças Monteiro Pimentel
Exu Casa da Mãe do Espírito Santo
22 Fernando Marinheiro José Raimundo Ferreira
Seu Zé Malandro e Seara de Umbanda /Mamãe Oxum
7 encruzilhadas Casa do Pai Jorge Lobo
Festa de Exu Adélia Pereira
Casa da Mãe Graça do Espírito Santo

26 Caboclo Zé Raimundo José Raimundo Ferreira


28 Festa do Pena e Rompe Mato Casa da Mãe Fátima

64 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Umbanda 65


NAÇÃO Mina Jeje Nagô
A chegada da Mina no Pará

Em busca das raízes

“Cheguei agora, cheguei e vim beirando o mar...”


Trecho da Doutrina de chegada de encantado

Babá Tayandô manifestado Mãe Margarida Mota Pai Orlando Bassu na entrega
como grão vizir de Turquia (Oberem Tanizou) do seu cargo sacerdotal –
Terreiro Deus é Quem Guia “Na pesquisa folclórica de Mário de Andrade, Pai Satiro, o seu informante,
Ludugan Ramos de Alexandria
que tinha uma ligação muito grande, como nós todos temos com as grandes
lideranças religiosas afirma que aprendeu o culto africano com os seus pais.
Indicando-nos que havia um culto africano no Estado do Pará mesmo antes do
Pai Satiro. Então, o professor Aldrin diz que não encontrou nenhum registro
de Terreiros Matrizes onde ele procurou. Mas ele encontra dentro de um docu-
mento a palavra ‘budu’ que pode ser considerada ‘Vudú’, então ele também
afirma que os primeiros negros minas vieram para o Pará. E esses negros
fundaram a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos que
ainda existe. Nela estão os livros que podem ser pesquisados, mas ele não encon-
trou nenhuma referência. Em Cachoeira, na Bahia, eles faziam culto religioso
à Nossa Senhora da Morte, e também o culto afro. Então eu acredito que nós
estamos no caminho certo de que deve existir registro em algum lugar sobre a
religiosidade africana. Então há possibilidade de que mesmo que não tenha sido
Festa das Raças – Pai Alfredo, Pai Bassú, Pai Orlando Bassu e Pai Tayandô no lançamento do registrado em documento nenhum, a memória nos dá certeza que a religião era
Pai Rindelonde, Pai Tayandô e Mãe Lulú documentário "A Descoberta da Amazônia pelos praticada desde finais de 1700. Eu tenho muito orgulho de ter minha origem no
Turcos Encantados" do cineasta Luiz Arnaldo Campos
Maranhão, mas acredito sinceramente na antiguidade da Mina do Pará.”
Pai Tayandô e a equipe do cineasta Luiz Arnaldo Pai Tayandô – Entrevista para o livro em 12 janeiro 2011
na filmagem do documentário "A Descoberta da
Amazônia pelos Turcos Encantados"
“Dentro do santo, sou mais conhecido como Kitalami, filho da terra e do céu,
sou filho iniciado por João Ramos, conhecido dentro da Mina como João de
Guapindaia, que foi filho de Manoel Colaço, que dentro do Maranhão teve uma
trajetória muito grande (...). Meu avô chegou aqui no Pará, entre 1954 e 1955, e
daí ele começa a expandir, trazendo muitos da família da Turquia, da família
dos Mouros (...) No teor disso, ele conhece meu pai, João Ramos, que tinha,

66 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Mina Jeje Nagô 67
como patrono, o caboclo Guapindaia, filho da Turquia. Meu pai era conhecido, Doutrina 1: “Dom Carlos é um bom mestre que aprendeu sem ninguém ensinar,
dentro do Tambor de Mina, como João de Guapindaia. Na década de 1960 surge passou três dias e três noites na beira do Jurema. Amigo, me dê um cigarro
a Federação Espírita e Umbandista e dos Cultos Afro Brasileiros do estado do que Dom Carlos é um bom fumador...”
Pará, com sede em Belém, fundada por Manoel Colaça. (...) Em meados de 1990,
Doutrina 2: “Maria Leonor, Maria Leonor, chama Verequete na guma aê, na
eu inicio com meu pai, sendo que em 1994, ele me deixa. Ele foi para as águas
guma aê, aê, aê...”
do ketu, isso a gente não pode esquecer na trajetória de meu Pai, mas ele foi
para águas do ketu, fez santo dentro da Bahia com Mãe Dewí, mas não deixou Doutrina 3: “Verequete da coluna, ele é rei do mar. Verequete dariodá...”
de praticar a Mina. Ele tinha um caboclo rodante, que era o passeador dele, o Doutrina 4: “Rei Dom João, ele é o rei maior, ele é o rei de academia, ele é o rei
seu beija-flor, que era um turco também, tendo seu Guapindaia como patrono, maior...”
e a Dona Mariana como senhora dele. Minha trajetória começa daí. Eu também
Doutrina 5: “Palácio de Dom João tem setecentas janelas, cada janela é um
tenho como patrono Seu Guapindaia, que é caboclo, e como madrinha, que é
cruzeiro, cada cruzeiro é uma vela...”
a senhora da minha croa, é a Dona Mariana. Meu encantado, passeador, que
Orlando Bassú – Oficina de Cartografia, em 28 maio 2010
brinca em cima de mim, chama-se Zé de Légua, cujo apelido é ‘Maneta’. (...).
Hoje, a gente é cabeça maior deste encantado dentro do Pará, e eu, com 47
Maranhão, terra dos Voduns. Pará, terra dos encantados
anos de idade, tenho algumas crianças iniciadas (...) porque, dentro do ritual,
eu cultuo da seguinte forma: não deixo minha trajetória, não deixo minha raiz, “Esse livro, como parte da cartográfica, vai esclarecer algumas coisas, não
até porque minha raiz é de descendência familiar, da minha mãe, minha avó. vai ensinar, vai esclarecer algumas coisas e vai ser super interessante. E nós
Minha mãe foi filha de santo de Joãozinho de Mariana, que foi filho de santo temos uma coisa aqui em Belém, em São Luís também: ‘Vodunsu não critica
de Euclides, que recebia Dona Mariana e era filho de Dom Manoel. (...). Minha Vodunsu’. Eu não vejo essa disputa entre os mineiros paraenses e mineiros
mãe carnal, que ainda tá viva, recebe Pequenino Príncipe da Espanha. Minha maranhenses (...) Tambor de Mina realmente é uma diversidade desde a
avó, filha de santo da finada Mãe Guardina, que é filha de Seu Guapindaia, e do África até aqui no Brasil. Na casa do meu pai de santo, Pai Euclides, ele canta
caboclo Seu Légua, aqui no bairro do Guamá. Então, tenho uma descendência Axanti, mas canta Ibadã, porque nós também somos Ibadã. Então, eu não vou
familiar toda dentro da raiz. Eu vou dizer que sou de raiz, como muitos são de dizer que sou Axanti puro. Eu sei cantar, rezar Axanti, sei falar alguma coisa
raíz. (...) E eu tenho orgulho de dizer que nasci nessa nação, nela vou morrer. do Bonsu. Mas também sei muita coisa do Ibadã, que cultua Orixá.
E até hoje meu Vodum – sou de Toy Van Dereji – nunca me cobrou para eu ir Pai Alfredo – Oficina de Cartografia, em 28 maio 2010
para outras águas, sempre me dando Aşé, minha senhora, que é Finajóia, nunca
me disse que é para eu deixar este Aşé, tampouco este encantado que brinca em Feitoria
cima de mim. Este ano, dia 13 de maio, ele vai fazer 32 anos que brinca em cima
“Sou Nagô, sou Nagô, baiei com Dom João Senhor...”
de mim. Eu vou fazer 48, ele, 32 que nunca deixou de mostrar para que veio aqui
Trecho da Doutrina de Mina Nagô
no Pará, e por que me escolheu para eu carregá-lo até o dia de hoje.”
Pai Antonio Ferreira – entrevista para o livro em 12 janeiro 2011
Da Mina antiga aos tempos de hoje
A prática da Mina antiga “Meu nome é Luíza, eu sou conhecida como Mãe Lulu, tomo conta de uma
casa centenária de 119 anos, e minha nação é a Mina antiga, que dizem que não
Meu nome é Orlando Bassú Filho, porque meu pai, que era o Orlando Bassú
existe, mas existe a Mina antiga! Aquela Mina que não tinha aquele negócio
da Volta da Tripa, hoje chamado de Santa Maria de Belém, era curador ou
de feitura de santo, era um banhozinho com ervas mesmo do quintal, fazia
curandeiro, nascido aqui no Mojú (...) E o papai dizia assim:
aquele amancizinho e você ficava ali naquele pedaço, eram as feituras de

68 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Mina Jeje Nagô 69
antigamente. Hoje, se você não tiver um galinheiro e chiqueiro pra prender soltaram, aí eu corri pra casa dele, aí fiquei lá, dois, três dias, eu sei que eu
os bodes, as cabras, os bichos, você não faz santo. Eu digo, porque eu passei fui embora pro Rio.”
por essa também. Eu tenho duas nações (Mina e Ketu). Eu tenho a Mina, que Mãe Lulu – Oficina de Cartografia, em 28 maio 2010
foi herança, e eu tinha muito medo, não gostava. Não gostava, não, eu tinha
medo, eu não queria incorporação, eu não queria essas coisas, eu queria olhar A escolha
pra cantar, bater palma, era assim que eu queria viver dentro do santo, mas
“Mãe Yolanda era filha de santo do pai Zezinho, eu fui feito por ela, fui feito
o santo não queria isso, o santo queria outra coisa. Nós éramos duas irmãs,
na Mina Nagô, e o nome da minha santa é Omidimilá, fui raspado, a gente
na verdade, éramos três, a mais nova faleceu, ficamos duas. E a minha irmã
vai continuar ainda a tradição da casa. Não fui eu que assumi a casa, porque
mais velha era do santo desde criança. Ela pegava o Cosme e Damião. No
eu fui o primeiro filho dela a ser raspado e eu não quis assumir a casa porque
tempo de Cosme e Damião, ela pegava o Damião, ela vivia com os joelhos
eu penso no santo pra ajudar nas tarefas da casa, mas a minha missão não
feridos, porque ela caía muito. Então, ela não andava, vivia assim dentro de
era seguir, ser colocado na frente. Aí, assumiu uma irmã de santo minha, e a
casa, não podia fazer nada porque ela tava doente do joelho. Mas, quando
nossa tendência, o nosso objetivo, é continuar nós mesmos, com as mesmas
a velha dos fundos veio do quintal, a velha Idalia, que era uma senhora que
raízes, havendo algumas mudanças. Mudanças trazem coisas positivas pra
veio da Bahia, ela fazia São Cosme e Damião, dava bombom, batia palma. A
gente. A casa fica no Guamá, é uma casa cinquentenária, é o Terreiro de Mina
minha irmã passava o dia inteiro pra lá (...) E eu não, eu queria ficar ajudando
Nagô de Nossa Senhora da Batalha.”
a mamãe a fazer as coisas, tomar conta, era assim que eu queria. Mas o santo
Pai Georgene – Oficina de Cartografia, em 28 maio 2010
me escolheu, porque perdi também a minha irmã. Eu tenho duas nações, eu
tenho a Mina e o Candomblé. Eu tenho meu terreiro de Mina, porque é a casa
A chamada
de minha mãe e continua o terreiro, eu não ia fazer um salão de Candomblé
depois de eu ter um terreiro, agora as minhas coisinhas são separadas, meu “Falo por mim, pela minha faixa etária, pelo tempo de feita, de iniciação de
Candomblé, a minha regra, o meu sabaji é a minha Mina, e aqui, essa sala, santo, isso é muito importante pra nós porque dificilmente as pessoas estão
as coisas do meu santo, o meu salão aonde eu pratico a nossa religião(...). sendo iniciadas agora, como eu, porque as raízes de agora, os fundamentos de
Minha mãe que fez o meu santo junto com Conrada, mãe Inês, mãe Doca, agora, ficarão registrados para as nossas próximas gerações, um privilégio que
a outra, mãe Luizinha, aquelas mocotonas (detentoras de saberes), elas que muitos de nós não temos mais. Por quê? Os meus ancestrais foram e levaram
foram, fizeram meu santo. Naquela época, não havia imolações de animais com eles muitas riquezas que poderíamos agora fazer proveito e, infelizmente,
e se iniciava as feitorias com os amancis, elas que fizeram meu santo, pra não podemos mais. Eu estou aqui representando também o Terreiro de Mina
mim poder ir pro Rio, se não a minha mãe não deixava, aí eu tive que aceitar, Nagô Nossa Senhora da Batalha, mas também me considero remanescente do
aceitei porque eu queria ir embora com os meus filhos, eu não podia deixar Terreiro de Mina (...) de Dom João e Rainha Iemanjá, um terreiro muito antigo,
o meu marido ir embora pro Rio de Janeiro, e eu ficar com quatro filhos na que era o Terreiro da Cocada, e eu era filha da casa. Minha Mãe, Dona Raimun-
costa da minha mãe. Ele já tinha comprado lá um cantinho. E eu digo: eu vou dinha, minha mãe de santo, era a minha mãe, que também participou dos
me embora. A mamãe: não, você só vai se fizer o santo. Que é fazer o santo, fundamentos de casas antigas, como da minha madrinha Mãe Lulu, que já vem
mamãe? Eu não quero fazer o santo, mamãe, eu quero ir embora. Tinha o como remanescente de Mãe Inês, e de outras, que também são figuras da nossa
meu marido. Aí, eu fui abrindo o olho aqui e, aí, olhei pra cá, não, tinha cultura. Eu espero agora poder também aprender e aproveitar, como disseram
meu rosto, não posso, não. Eu disse: mas, meu Deus, o que é que eu tô muitas meninas: aprender, porque nessa vida a gente não escolhe pegar santo, o
fazendo aqui? Minha Nossa Senhora? (Ela tava do lado) Hein? Aí eu medi a orixá que escolhe a gente. Então, uma vez que eu me senti escolhida e acolhida
porta, aquela entrada do salão pra sala do meio. Aí, eu medi a porta aqui e nesse meio, a gente vai fazer o possível pra perdurar até onde podemos levar.”
eu saía dos fundos e começavam a cantar, me levaram pro caqueado, aí me Gleice – Oficina de Cartografia, em 28 maio 2010

70 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Mina Jeje Nagô 71
Mina e Candomblé Algumas distinções entre Mina do Pará e Mina do Maranhão
“Meu nome é Alberto Martins, meu Orunko é Togwlabyi, minha casa Matriz é
casa Axanti, no Maranhão, meu Pai é Pai Euclides, e eu estou lá desde 1973, ano “A Mina que vocês cantam eu trouxe do Maranhão...”
que eu fui pra São Luís. E meu primeiro tambor que dancei foi em 20 de janeiro Trecho da Doutrina de Mãe Maria do Piloto
de 1973. Fui filiado na casa de 23 de abril, e iniciei lá minhas obrigações: Amansi
de Ori. Em 1980, eu recolhi no tambor de Mina, para fazer uma obrigação com O tambor Abatá
um bicho de quatro pernas. E em 1986, por causa da entrada de Candomblé na
“No Maranhão o tambor é deitado e se chama Abatá. Aqui no Pará, o que
casa de Fanti-Axanti, o meu orixá Ogum começou a virar no Candomblé. Meu
impera é o tambor da mata, que é em pé. Tem outra diferença entre os instru-
pai disse que tinha que de novo recolher pra raspar no Candomblé. E assim foi
mentos: Embarabô é o nome de um Exu. Quando você começa um tambor você
feito. Antes de ir pra São Luís, eu já trabalhava em Belém sozinho, nunca fui
tem que saudar o Exu, e existe um Embarabô, que eu vou colocar aqui bem
pra casa de ninguém, não tinha nem pai, nem mãe, meu pai sempre foi Ogum e
resumido: um Embarabô são pares cantados. Para você chegar a tocar para
Iemanjá. Então, eu inaugurei uma Seara na Pedreira, que é onde está meu santo
Encataria, ou quando você vai abrir um tambor, por exemplo, o Embarabô
até hoje: na Visconde, 1597, casa 86, onde eu dei o nome de Gruta Cáritas. E hoje,
da minha Casa é de um jeito, o Embarabô da Casa do Bassú é de outro jeito.
segundo os fundamentos que eu passei, meu pai deu o nome de Ilê Aşé Omonifé
Tudo é plantado, e os segredos da Mina são cantados: ‘Embarabô é Mojubá
de Ogum, quer dizer: casa do filho do amor de Ogum (...) Já recebi meu Deka,
Alaro-uê...’, quer dizer que você está saudando o Exu, são trezes pares, e esses
já sou Bábàlorişá, já recebi várias comendas. (...) Então, a minha vida espiritual,
trezes pares você não vai cantar em uma noite, às vezes canta em 7, canta 15
de afrorreligioso, tive essa experiência de Mina e fui iniciado no Candomblé. Eu
noites para se cantar todo o Embarabô para chegar até o final e ir dobrando
nunca vou abandonar o Tambor de Mina, até porque eu fiz um contrato com o
pra caboclo. Então aqui no Pará não se toca mais como antigamente, 3, 5, 7, 9,
meu pai, porque tinha aquela história de candomblé, do caboclo ficar preso, e foi
15 noites, por que sempre são pares. Toca-se uma noite, se canta três, quatro
um dos contratos que eu fiz. E, olha, eu não quero perder meus dias no Tambor
pares do Embarabô de Exu, mais tardar tem Oxóssi ou Xangô, virando para
de Mina. Ele me disse: Não, você não vai perder nada. E até contou meu tempo
Verequete. Tá no Embarabô também prá virar para Encantados. Quando é
de Mina. E eu estou até hoje na casa de Fanti-Axanti (...). Segundo pai Euclides,
senhor de toalha, se toca duas noites ou três, o senhor de toalha vem em terra
quando eu fui pra São Luís,. eu não tinha casa ainda, ele me deu um quartinho lá
e no outro dia termina o Embarabô quando se toca prá Encantados. Então é
nos fundo do terreiro. Naquela época, nas Casa de Fanti não tinha nem luz, nem
isso, prá você tocar um tambor hoje prá vir um Vudum, para tirar um santo,
água encanada (...) Então, eu sou Tambor de Mina e danço Candomblé.”
se tem que abrir com Embarabô.”
Pai Alberto Martins – Oficina de Cartografia, em 28 maio 2010
Pai Antonio Ferreira – entrevista para o livro, em 12 janeiro 2011

“Por exemplo, você diz Candomblé Ketu, Candomblé Jeje, Candomblé Nagô,
Candomblé Angola que significa a religião de raiz africana. Então a palavra
Candomblé é um pré-nome. Todas essas pessoas vieram de Minas. No caso
aqui do Norte, esse sufixo Mina ele entra pra identificar que todas essas
tribos vieram do Forte São Jorge de Del Mina, Mina Nagô, Mina Cavalo, Mina
Galinha e outras.”
Pai Tayandô – Oficina de Cartografia, em 28 maio 2010

72 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Mina Jeje Nagô 73
com a toalha da costa ou Alá, e com o rosto da sandália, tecidos mais foscos,
com pouco brilho. As cabeças são descobertas e cabelos são presos em forma
de cóqui. A Mina do Pará se distingue pelas saias mais curtas, bastante
anágua, tecidos mais brilhantes, blusas com menos volumes e em forma de
batas, além do pouco uso de richelieau tanto na bata quanto nas toalhas de
costas. E cabeça é coberta com turbante. Quanto à dança, na raiz do Pará,
esta se dá em círculo ou em roda, enquanto na raiz do Maranhão, a dança é
feita de frente para o tambor. O ritual no Pará é aberto com uma sineta (sino
Gan
pequeno), ao passo que na raiz maranhense não se faz uso desse instrumento.”
Pai Luis Tayandô – entrevista para o Livro, em 12 de janeiro 2011

Mães fundadoras

“Meu nome é Alfredo Benevides, o


meu cór de vodum é Dansutojyi, eu
sou de uma raiz de matriz africana
do Maranhão, eu sou da casa Fanti
Ashanti, sou filho do pai Euclides e
Gan gan lá eu iniciei há 21 anos atrás. Estou
na casa há 31, quando eu fui pra São
Luís e antes eu comecei a incor-
porar aqui em Belém, na casa do Cabaça ou xequerê,
21 abril 2011
Pai Carlos. O Pai Carlos é da casa
do Pai Bassu, e não deu muito certo
Abatá lá porque ainda tava muito jovem e não tinha assim um bom contato legal com
ele, então surgiu a viagem, e eu fui prá São Luís, e lá em São Luís, eu conheci a
casa de Margarida Mota. E quando cheguei lá, elas me disseram que não conhe-
ciam nada de mim, e que eu fosse procurar o Pai Euclides. Eu fui procurar o
Instrumento, ritmo, vestuário e dança
Pai Euclides, em 79, e lá começou uma amizade, uma coisa muito boa. Eu fui
“A Mina do Pará se caracteriza pelo uso do chamado tambor da mata ou conhecer a casa, a casa me acolheu, eu ainda era muito jovem em 79, isso foi
tambor em pé, do xeque-xeque e do triângulo. Já a raiz maranhense faz uso muito legal na época, porque eu não conhecia nada daquilo, não sabia o que
do tambor deitado, o abatá, da cabaça ou xequerê e do gan. Os ritmos mais era o Tambor de Mina, o que significava. Eu fui aprendendo aos poucos o que
cadenciados, lentos e melodiosos e com tons mais baixos estão mais presentes é Tambor de Mina, Tambor de Mina que é uma junção de várias tribos afri-
nas raízes maranhenses. Enquanto no Pará são mais acelerados, com cânticos canas que chegou em São Luís, e foi apelidado por Tambor de Mina que tem
e em tom mais alto. Os vestuários femininos na raiz maranhense são mais o povo Ashanti, Cabinda, Caxeu, Felup, Ibadã, Tapa nupê, Misangá, Abioton.
compridos, fazendo pouco uso de anáguas, as blusas são usadas por dentro Então, todos esses se reuniram, esses povos e construíram, na verdade, aqui no
da saia, com mangas bufantes, em renda ou bordado richelieau, combinando Brasil, em São Luís, o Tambor de Mina, esse Tambor de Mina que deu origem

74 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Mina Jeje Nagô 75
ao culto do vodum, ao culto do Nkisi no cabinda, ao culto do orixá no Nagô doutrinas. Até me surgiu na cabeça agora uma, que ela trouxe de lá, a mãe
Abioton da casa de Nagô e todos esses se reuniram. Então, eu fui aprender isso Doca, uma delas se canta assim:
que foi muito importante pra mim na época e é até hoje. Cada dia eu aprendo
“Onhanha, agafié, doselemanha, gafié, ié, ié,
mais. E aqui em Belém, o que eu posso falar é que, em 1901, a Mãe Doca, a
guaranhanha, gafié, ié, ié, doselemanha, gafié, ié, ié...”
Dona Rosa Viveiro botou um terreiro de Tambor de Mina de tradição mara-
(O grande homem que corre na mata e que cobre a casa).
nhense digamos assim, de tradição de Manoel Téu-santo, e ele era africano.
Mas a gente percebe que ela passou pouco tempo em São Luís porque ela era do
Codó (MA). Então, essa tradição de Mina do Embarabô, que são 36 doutrinas Então, se cantava muito dialeto e os próprios Fidalgos, Gentios da época,
pra cantar, cada uma tendo um par para o vodum. Mãe Doca passou pouco também seguiam essa regra, não fumavam, não bebiam no barracão, consul-
tempo na casa desse senhor, porque o costume dela, realmente, era o Terekô tavam as pessoas, uma questão assim muito particular, a questão do culto, não
do Codó, o batuque, aquele Terekô, o batuque em louvação a Verequete, a São questão particular da pessoa, não tinha essa consulta. Já com a chegada do seu
Benedito, e tanto é que ficou a tradição desse toque corrido aqui em Belém. Eu Chico Légua em 50, teve essa abertura, o seu Légua, que é um Ashanti Vodum
sempre digo que o Tambor de Mina, ele tem duas grandes etapas, essa parte Cabinda, como o Von-deregim também, que é Vodum, e tem essa abertura,
da Mãe Doca, depois vem Dona Luísa Lobão, Maria Sapeca, Mãe Fortunata, Maria Babaçuera que é Iansã, Bosso Meméia, então são voduns mais agrega-
foram mulheres descendentes de africanos em São Luís que vieram pra cá e dores, Olodô, Abê, Bosu Kó, Dossu, Madon Modé, Vó misã, Yámesã, Deinha,
implantaram o Tambor de Mina. Na década de 50, chegou aqui o seu Fran- Bo Arauna, Averequete, Verequete, Afrequete e Bossu Jara, são os mais popu-
cisco Almeida, o Chico Légua, seu Chico Légua chegou aqui e trouxe com ele lares, digamos assim, que vai, conversa com você, fala e anda e resolve tudo.
um Nagô chamado Caxeu e Cabinda. Depois, quem veio foi o mestre Agri- Então, o pessoal tem que começar a pegar essa outra imagem e o Tambor de
pino. Era um senhor já de idade, mas que era curador e que botou algumas Mina foi confundido, realmente, a gente nota que foi confundido com essa
pessoas pra dançar tambor, mas não era Tambor de Mina. Essas duas etapas questão do batuque, o batuque que começa a se cantar prá Santa Bárbara e
do Tambor de Mina, que quando o seu Francisco Almeida chegou aqui em não prá Maria Bárbara. Santa Bárbara é da igreja católica, Maria Bárbara é um
Belém, o seu Chico Légua, o Seu Légua veio com ele, o seu Légua é um vodum, apelido de Iansã no Cabinda por ela ser essa agregadora, que na época pelo
o seu Légua agia e age até hoje como se fosse um caboclo, conversa, bate papo, o que se sabe, uma senhora por nome de dona Esmenguarda, ela com Maria
acha graça, agrega as pessoas, é muito assim participante da família, muito Bárbara, que era de Iansã, ela fazia parto, em cima dela que era Maria Bárbara,
participante do terreiro, resolve tudo e isso deu uma origem, os encantados da e cantava coisas mais em português do que em dialeto. E nos anos 60, 70 pra
época, que eram mais tradicionais os Fidalgos, os Gentis que freqüentavam a ca, as pessoas começaram a adquirir esse hábito que não existia na época. E
casa da mãe Doca, a casa de Pedro, Satiro, Luísa Bulhões (Mãe Lu), Dijanira o Tambor de Mina, a meu ver, é o culto à família, é a nossa, é a tua, é de todo
Souza, os turcos, os bandeirantes, eles eram mais fechados. A Mina era mais mundo, o Tambor de Mina é a família, se você cultuar e limpar a sua casa, os
fechada porque se cantava muito em dialeto. Já com a chegada de Chico Légua, seus parentes, a sua mãe, o seu pai respeitar, dá o que comer e também ajudar
na década de 50, o tambor expandiu porque ele começava sempre o Emba- as pessoas. Essa é a formação do Tambor de Mina, que eu aprendi dentro do
rabô dia 04 de dezembro, mas nos outros meses, nas outras festas que tinham, culto, porque se você não cuidar da sua casa, mesmo ela sendo do seu pai, a
ele não cantava Embarabô, ele já abria com Maria Babaçuera, ou abria com sua casa vai ficar suja, se você não cuidar do seu pai, da sua mãe. O aprendi-
Xangô, Verequete e já entrava na mata. Isso deu uma liberdade muito grande zado é esse. Por isso que todas essas nações o Cabinda, Caxeu, Ashanti, Felup,
pros caboclos, e esses caboclos até hoje em dia têm essa liberdade no Tambor Ibadã, Abioton, se agregaram. Porque um ajudava o outro, e por isso que o
de Mina, e começou a existir essa questão do batuque se confundindo com Tambor de Mina nunca é cantado, é impossível cantar em uma noite e, hoje
o Tambor de Mina, porque você vê bem, no tradicional de 1901 até a década em dia, as pessoas cantam o Tambor de Mina em uma noite, porque real-
de 50 era uma coisa mais fechada, se cantava muito pra vodum, tem várias mente as coisas mudaram, as questões são outras, as dificuldades, a questão

76 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Mina Jeje Nagô 77
sócio-econômica, isso mudou muito. Outra questão, também do Tambor de Odum, uma palavra de origem Jeje, Odum, o caminho. Verequete, que é um
Mina, que se falava muito é que: ah, a fulana, antigamente, lavou a cabeça Vodum do Tambor de Mina, tradicional das Casas das Minas, mas que foi
não era feito, mas na época, dentro dessa nação do Caxeu e do Cabinda, o seu conhecer, foi morar, foi viver com os nagôs e essa segunda doutrina dessa
Chico Légua, ele fazia isso, ele sabia qual era a folha da água, a folha do fogo e mesma reza que fala da vida e da morte odum, o caminho, o mesmo caminho
a folha do céu e a folha da terra com esses quatro elementos. Porque você sabe para o Orum ou pro Intoto, ele fala isso, que o caminho é esse, basta você
que tem plantas que nascem em qualquer lugar. É como o animal, se você sabe saber como fazer as coisas, que vai ter um bom caminho e a segunda Odum.
que a cabra, o galo é do chão, o pato da água, a picota do fogo e o pombo do E o que eu tenho de falar do Tambor de Mina, eu acho que é isso, eu acho que
ar, então, ele sabia quais eram os quatro elementos dessa folha que poderiam a gente tem que cada vez mais, não é mostrar nem fazer aprender, eu acho
fazer esses voduns dessa nação Cabinda. Como ele conhecia bastante isso e que, cada vez mais, a gente tem que conversar, a gente tem que cada vez mais
como tem pessoas daqui da época que iam fazer o primeiro batismo, que era conduzir essa questão do Tambor de Mina dessa origem tradicionalista que
na água, depois na mata, e o terceiro dentro de casa, que já era pra saída, só existe realmente em Belém, que sempre em Belém teve cultos de origem afri-
que, a saída da época era um toque normal, um toque comum que teria só cana sim, ou ameríndio como queiram botar ameríndio, afro-amazônica, mas
água no pote, um café, no máximo, um jantar. aqui existe, e foi trazido pra cá por descendentes de africanos, netos, filhos,
Da época de 50 até no máximo 60, 64, mais ou menos, na época do seu talvez, essa origem do Tambor de Mina que sempre se falou Bantu, sempre
Francisco Légua, do Chico Légua que chamavam do seu Francisco Almeida, se falou Yorubá pelas doutrinas, pelo que acontecia, é como eu sempre disse.
na época da mãe Doca deveria ter como teve feitura, preparação. Mas já na E existiu, realmente, em Belém, duas grandes etapas do Tambor de Mina
questão Nagô, já com imolação a animais como o seu Wilson Pratiqueira. comprovado, a de 1901, por mãe Doca e depois Josina, que não sabe muito da
Onde ele morava na época, era só um caminho, era na Avenida Marquês de origem dela, mas que também tem uma participação, e, passando por tudo
Herval. O seu Wilson Pratiqueira foi feito por Rei de Cutelo, um apelido de isso, passando por Manoel Colaço, antes 1901 a 1950, Manoel Colaço, a Dona
Ogum dentro do Nagô, e pelo que se sabe, o seu Wilson Pratiqueira cultuava Severa, a Dona Romana, Dona Fortunata, Pedro Satiro foram pessoas que
realmente aquela tradição do culto Mina, o culto Nagô, falava em dialeto e vieram logo.Depois Maria Sapeca, Luísa Lobão (Mão Lu), pessoas que vieram,
tudo o que se fala hoje até que se viu na internet como: Otá, Orixá, como Luísa Lobão que depois foi morar em Manaus, que daí começou essa questão
Oxó, todas essas palavras já se usava. Até porque a gente sabe que o próprio do Tambor de Mina em Manaus. Então, são essas pessoas que eram muito
Cabinda, que também pegou essa questão do Nagô, se canta assim pra uma de origem, Mãe Lu, era uma pessoa paraense mas que viveu muito tempo no
abertura de uma doutrina que fala da vida e da morte, ou melhor, uma reza Maranhão, e pelo que se sabe, pelos estudos, pelo que eu estou estudando
pra abrir. O morro de Madon Modé de Nhá Alice, que era um terreiro no e estou vendo, pelo que ela cantava e ela falava que veio da Casa de Nagô, e
Maranhão, cujo assentamento era o Peji, era como se fosse um túnel. E qual pode ter participado de alguma época, de alguma coisa lá, porque o que ela
é a segunda doutrina? Que, naquela época sempre se falou em dialeto, as cantava, o que falava: era Calinlu e Calimbéu, entidades de origem Nagô, que
pessoas é que não querem afirmar. Eu acho interessante isso quando o Pai é Exu na Mina. E é falado também por pessoas da casa dela que, até hoje,
Tayandô bota essa questão sempre do africanismo, também essa questão, estão vivas, como uma senhora chamada Lalá, que está com 85 anos. Mas
assim, sempre bate essa tecla, essa espada do Tambor de Mina, porque sempre o que me chamou atenção foram essas palavras porque ela não estuda, não
teve o candomblé, tem o Tambor de Mina como nação. A segunda doutrina lê, quer dizer, tem problema na vista, nunca foi no Maranhão e falar umas
desse: vai ter primeira doutrina? palavras que só realmente o povo de lá sabe, conhece, então é porque essa
Mãe Lu, Dona Luisa, ela participou de alguma coisa. O terreiro dela era de
“Odum doiza, Odum doiza, Verequete,
canto com a Mauriti, com a rua Nova, e ela realmente, era o Tambor da sexta
Afrequete, Odum doiza, Verequete,
porque do Chaco pra cá – não tinha Curuzu na época –, era o tambor da
Verequete, Odum doiza, Odum doiza”
sexta. Então, ela foi uma pessoa que participou muito, foi muito ativa. Então,

78 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Mina Jeje Nagô 79
muita gente que saiu da casa da Mãe Doca, depois foi prá casa da Mãe Lu, e Mina, esse bombardeio, digamos assim, mas a gente sabe distinguir o que é
não foi prá outra casa, como a Mãe Dorothi Ubirajara, a Dona Severa, a Dona Cambinda, o Caxeu, Ashanti, Felup, Ibadã, e o Tambor de Mina é isso.
Cecília, muitas pessoas antigas. A própria mãe Nenê de Zé Raimundo foram Na verdade, quando começou a questão do Tambor de Mina, quem trouxe
todas prá casa da Mãe Lu. E, logo depois, na década de 50, com essa chegada pra cá foi a Mãe Doca, que era oriunda de um lugar chamado Santo Antônio
do seu Francisco Almeida, seu Chico Légua foi quem realmente teve outra que era no Codó (MA), e lá era o atabaque, não era abatá, era o Terekô. Então, o
evolução, foi mostrado para o povo paraense um outro Tambor de Mina, esse que ficou na mente, na memória dela, foi aquele toque do Terekô. Logo depois
Tambor de Mina assim, mais da mata, já com outros nomes, os Nkisis, porque que ela saiu com 30 e poucos anos, que foi pra São Luís, e lá se enturmou lá
o Cambinda vem do Kicongo, então é Nkisi, já deixou um pouco de lá da no Outeiro da Cruz com algumas pessoas, é que ela foi se definindo mais no
questão do Orixá.Aí começou a se cantar Boli (cobrir) Ganga (Exu). Boli cobre santo. Ela fez na casa Turquia, e logo depois ela saiu de São Luís e veio pra
a casa por algum motivo, porque se sabe que esses surrupira, digamos assim, Belém. Então, o que ela pegou, o ritmo do toque foi esse toque do batuque,
como eram chamados na época, eram, na verdade, esses Ganga dessa nação esse batuque chamado Terekô da mata, o tambor da mata, e ficou a dela aqui
chamada Cambinda, que o seu Chico Légua trouxe pra cá e foram muitas como Babaçuê, batuque por causa de Maria Bárbara também. Maria Bárbara,
doutrinas que foram abertas, digamos, mais em português: ‘Que lindo botão que foi uma grande agregadora, que quando chegava Iansã chamava o povo
de rosa que existe naquele altar, Maria Babaçuera padroeira do lugar’. Eles prá vir dançar, chamava os próprios encantados, tinha essa agregação tanto
cantavam mais em português para os Orixás do que o dito Nagô, mas a gente vodum quanto caboclo. Então, esse batuque não é uma Umbanda, o batuque
nota que Belém foi agraciado com duas grandes etapas: a etapa Nagô e a etapa foi da interpretação de uma pessoa que veio de um local, foi feita numa nação,
Bantu, pelo seu Chico Légua. Então, realmente, Belém foi agraciado nessas mas a criação dela foi de outro, porque, no caso, esse batuque é mais oriundo
duas etapas. Aí, já veio daí outras entidades, com esses Fidalgos, com esses do Codó, que é o Terekô do que o próprio Tambor de Mina, diferença, dife-
voduns, como a Dona Herondina, como esse Rompe Mato, como esses cabo- rencia porque no Tambor de Mina nós temos o valsado como se chama, o
clos do Codó, Manezinho, o próprio Zé Raimundo, que é de uma outra origem corrido dobrado e já no Terekô é mais o corrido como do batuque. Aqui,
mas também se agregou, e esses caboclos mais populares, mais assim agrega- não se canta no batuque tradicional daqui de Belém, não se canta nenhuma
dores, mais corpo a corpo, digamos assim. Até então se viam os Fidalgos, os doutrina assim dobrada, mais é o corrido, todas elas, a maioria tudo é corrido,
Gentis na guma: Rainha Rosa, Rainha Madalena, Rainha Deluz, Dom João, pode até ser que a doutrina seja dobrada, mas o tradicional é o corrido.
Dom Pedro, que diziam: como é que está a senhora? Assim, conversando só o No Tambor de Mina, geralmente são dois tambores, o gan e as cabaças. No
necessário, já esses, diziam: oi, meu filho, como é que tá? Entre, você quer um caso são de 7 a 9 cabaças, todas elas têm um nome em africano, o gan, que é
gole, você quer um chá, você quer um mingau? E isso foi chamando uma outra feito de alumínio, e é tocado com vara de galho de goiabeira, uma homenagem
turma, digamos assim, pro Tambor de Mina, e o Tambor de Mina tá hoje, não que, no caso é consagrada a Ogum.
tá nem mais nem menos, no meu ponto de vista, ele está o Tambor de Mina. Os abatazeiros, ou os huntós, é só eles dois e que podem tocar o abatá,
Claro, nós queremos que a coisa entre em um outro patamar. Digamos, alguns outras pessoas não podem tocar. Ficou uma tradição no Tambor de Mina
sacerdotes do Tambor de Mina, eles não querem ensinar nem mostrar o que assim, nós não temos essa questão assim do Ogã, quem faz tudo no Tambor
é certo e o que é errado, o que talvez a gente queira, na verdade, é mostrar de Mina é o pai de santo, o vodunsu maior da casa ou a vodunsa maior da
tudo isso, essas grandes origens, essas grandes pessoas que vieram pra cá e casa, é o que corta, faz a obrigação, é o que administra, faz tudo, e algumas
construíram o Tambor de Mina, que quando o Candomblé chegou, já existia. vezes, claro, se tiver o abatazeiro, você pede uma ajuda, mas na direção, ou a
E também em 53-54 é que começou a Umbanda aqui em Belém, através da primeira etapa quem sempre faz é, no caso, o dono da casa.
Dona Maria Aguiar, na 1º de dezembro, mas também ela também parti- Na verdade, o Tambor de Mina, ele é matriarcal, não pode, não poderia
cipou da Casa de Mundica Tainha, a Raimunda Moura, que também era de digamos assim dançar homem, os homens eram a segunda voz, o segundo
origem Cambinda. Então foi muita agregação, tudo isso dentro do Tambor de escalão, geralmente era pra tocar tambor, isso era uma tradição do Jeje Fon.

80 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Mina Jeje Nagô 81
Na casa de Nagô dançava sim homem no Templo da Cigana, da Josina e da O futuro dos afros são os jovens, e se essa criançada hoje não for bem
Josefa, mas por algum motivo por alguma razão particular da casa, foi afas- preparada, e bem doutrinada, o que será a gente no futuro das nossas casas?
tada essa abertura pros homens entrarem. Eu acho que foi concordado por Então é o afro, é tradicionalismo, são costumes, é o dialeto que precisa ser
algumas pessoas na época, se o vodun que agregou e até tinha brigas com preparado, estudado enfim, com isso com certeza se os negros com a sabe-
outras etnias, se agregaram entre si, porque os Cambinda não gostavam, não doria deixaram até hoje essa resistência, nós somos os verdadeiros heróis, nós
se davam muito com o povo Ibadã, tinha uma rivalidade na época, e por ai resistimos no tempo e somos uns bravos guerreiros, e com certeza nós não
vai. Então não poderia ter homem, mas ficou estabelecido uma coisa, que em vamos parar por aí. Nós vamos elevar cada vez mais o culto afrorreligioso.
uma casa de Tambor de Mina se vai dançar 14 ou 12 ou 10 mulheres vai ter A Mina é uma doutrina, é uma religião que aceita todo mundo como é
que ter no máximo 3 ou 4 homens, não pode ultrapassar pra sempre ter o (...) A gente morre aprendendo, então é louvável o Bassu dizer: ué, se eu não
balanceamento, isso ficou certo, por exemplo, lá em casa também tem homem souber eu vou perguntar pro meu filho por que tem que perguntar, porque
dançando. Mas eu moro aqui em Belém e se eu chegar lá e já tiver 4 homens cada um carrega o seu conhecimento, e somando todos esses conhecimentos
prontos pra dançar eu vou pro banco tocar cabaça, se meu encantado meu do povo que está aqui a gente vai longe; agora, se a gente se dividir, a gente não
vodum botar a toalha vai cantar, mas do banco. Já é uma tradição, uma lei, chega em lugar nenhum.”
tem que ter sempre, mas a questão feminina, pode até dançar, mas não ultra- Pai Brasil de Lissá – entrevista realizada em 12 janeiro 2011
passar a questão de mulher.
No Tambor de Mina, a questão econômica, e a mão de obra influenciava
Mais visibilidade à afrorreligiosidade e à Mina
na participação feminina no terreiro, pois os homens se dedicavam às suas
tarefas de trabalho durante o dia, e contribuíam economicamente com os “O Tambor de Mina estava até por volta dos anos 2000 muito limitado ao
terreiros. E as mulheres se dedicavam aos trabalhos domésticos mesmo espaço institucional da FEUCABEP. Foi então que o prefeito Edmilson nos
fora de casa, e às atividades religiosas durante a noite. Mas no Tambor de chamou para uma reunião no Palácio Antônio Lemos, em 2001. Isso foi depois
Mina os homens também vão pra cozinha, cozinhar, e aqui em Belém houve de uma audiência pública na Câmara Municipal a pedido do CEDENPA, neste
mais abertura para os homens, houve mais participação. As mulheres aqui mesmo ano, para debater o tema dos afrodescendentes. Nesta audiência,
no Norte foram muito massacradas em termos de trabalho, muitas eram houve vários pronunciamentos de lideranças afrorreligiosas sobre assuntos
donas de casa, não tinham muito apoio. Então eu vejo realmente aqui em pertinentes à nossa religião. Então, o vereador Ildo Terra agendou uma audi-
Belém mais homem do que mulher, mas algumas casas abriram mão pra ência com o prefeito, reunindo algumas lideranças representativas das várias
isso porque os homens realmente trouxeram aquela questão econômica, a nações, àquela altura, os atuantes no INTECAB – PARÁ.
questão de ajuda para o terreiro.” Daí vieram três conquistas: a Festa das Raças; a aglutinação de outras lide-
Alfredo Benevides – entrevista para o Livro, em 12 janeiro de 2011 ranças afrorreligiosas, que culminou com a formação do setorial de afror-
religioso, que depois foi se organizando para a realização do I Congresso
de Afrorreligiosos de Belém dentro do Congresso da Cidade, em 2001.
Afrorreligiosidade: tradicionalismo, preservação
Neste primeiro Congresso foram eleitos conselheiros afrorreligiosos para o
e transmissão de conhecimento
Conselho da Cidade de Belém.
“Os cristãos pegam os seus filhos e levam pros estudos da Bíblia, pros corais, Nessa luta, fomos alcançando outras conquistas, como o projeto ‘Rede
e os antigos viam a gente do santo como pessoas sem grande sorte que não Nacional de Religião Afro-brasileiro e Saúde’, inclusão em programas assis-
poderíamos evoluir materialmente na vida, só que hoje a visão está diferente, tenciais como o ‘Fome Zero’, a instituição do Dia Municipal e Estadual dos
eu tô aqui participando com o meu filho de 12 anos que já é um Axógum, já é Cultos Afro-brasileiros; a legalização das casas de cultos como associações
um tocador de tambor, então essa visão é que é preciso pro futuro. juridicamente constituídas, e a discussão que não se esgotou, que foi com

82 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Mina Jeje Nagô 83
a isenção de IPTU e reconhecimento das nossas casas como entidade sem este povo foi herói e firme na sua fé. Não ousaram em sincretizar, adaptar,
fins lucrativos. dinamizar, rever posições, até unir-se com antigos inimigos. Assim foi em
Conseguimos, também, ter assento em Conselhos Municipais, como o todos os recantos do mundo onde eles chegaram. No Maranhão, não poderia
Conselho Municipal de Direitos Humanos; Conselho Municipal de Negras ser diferente. Lá, africanos das mais diversas etnias se reuniram para pres-
e Negros, e no Conselho Municipal de Saúde, assim como nos Conselho tarem o culto à sua ancestralidade e com isso formaram o que chamamos hoje
Estaduais. Estamos presentes no Conselho Estadual de Direitos Difusos, no Tambor de Mina.
Conselho Estadual de Direitos Humanos, no Conselho Estadual de Cultura, A imponência e organização dos Fons (Casas das Minas) e Nagôs Abioton
no Conselho Estadual de Saúde e no Conselho Estadual de Promoção da Igual- (Casa de Nagô) serviram de modelos a estas comunidades, porém não
dade Racial. Nos conselhos nacionais, temos assento no Conselho Nacional de apagaram suas identidades e particularidades ritualísticas. Itapa ou Nupê,
Segurança Alimentar e Nutrição, e no Conselho Nacional de Povos e Comu- Abeokuta, Iabadam, Fulupas, Felupes, Fantis, Axantis, Cambinda, Cacheu,
nidades Tradicionais. Pôpo, Savalu, Aladam e tantos outros que foram esquecidos; todos eles contri-
A partir de 2005, começamos a participar do Projeto Nova Cartografia buíram para a formação do Tambor de Mina.
Social da Amazônia. Somos iguais a qualquer outro segmento afro-brasileiro. Sofremos as
Pai Luis Tayandô – depoimento em 5 abril 2011 mesmas necessidades de adaptações e interações. Por tudo isso, exigimos
respeito para nossos sacerdotes e iniciados. Não somos maior e nem menor;
somos também afrorreligiosos. O Tambor de Mina foi o primeiro a contribuir
no africanismo nesta cidade. De acordo com a memória do povo de santo, o
Contribuições enviadas por lideranças afrorreligiosas
primeiro ritual de origem afro foi realizado por Mãe Doca em 19 de março
de 1900, ela, iniciada na casa de Manoel Teo Santo da nação Nupê. A preca-
A Tradição de Dinamismo no Culto Mina
riedade de como chegou este culto aqui também influenciou seu sincretismo
por Pai Tayandô
e adaptações. Hoje o que vemos em Belém é o Batuque, a mina do Pará ou
Babaueira, ou o que costumo chamar Mina de Encantados, com forte influ-
“Van Dereji é um moço bonito, tem a pana verde, coroa dourada...”
ência da Umbanda, Kardecismo, Pajelança e outros.
Trecho da Doutrina de Van Dereji
Todavia, existem redutos, aonde sacerdotes iniciados em casas comprome-
tidas com os fundamentos transmitidos em Vandenkos e Quartos Segredos se
As religiões afros sofreram e sofrem, como todas as religiões, influências que tornaram guardiões destas tradições, e muitas das vezes servem de referência
alteram, inovam, e até se tornaram importantes para suas sobrevivências. A do culto em Belém
Mãe África sempre foi uma enorme cabaça aonde os povos nativos e estran- Como é do conhecimento da grande maioria dos que aqui estão presentes,
geiros se interagiam e apuravam suas formas de melhor cultuar as divindades fui iniciado há 21 anos atrás pelo Sr. Orlando Machado da Silva, Baba Urubi-
e ancestrais. tawa, porém mais conhecido como Orlando Bassú. E hoje venho lhe prestar
Quando os africanos chegaram no Brasil, não vieram como emigrantes, uma devida e merecida homenagem, esclarecendo suas raízes e principal-
turistas ou em missão cultural religiosa, para divulgar sua cultura e fé em mente sua luta e dinamismo em prol de sua comunidade religiosa. O que
solo brasileiro. Eles foram seqüestrados de suas famílias, suas terras, suas relato são informações colhidas durante estes 21 anos de convivência e apren-
tradições. Não tiveram oportunidade de trazer seus instrumentos, símbolos, dizado no Abassa Afro-brasileiro Lego Xapanã, além de buscas e conversas de
assentamentos etc. Ao chegarem aqui, além de estrangeiros, eram escravos, e boca ouvidos com grandes sacerdotes: com Euclides Vicência Bastos, Delfina,
hoje só sabemos uma pequena parte destes sofrimentos a que foram subme- Zizi de Manezinho, Lozina de Légua, Tomas Mundica Tainha, Denis da Casa
tidos. Praticar uma religião contrária à oficial era, no mínimo, heroísmo. E das Minas e a saudosa mãe Dudu da Casa de Nagô.

84 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Mina Jeje Nagô 85
Por volta de 1855, chega no Brasil, proveniente de Kumansi, Costa do cinado pelo Ministério da Cultura e Secult. Assim, dou por encerrada minha
Ouro, uma negra africana chamada Massinokou Alapong, e batizada aqui palestra e com o devido respeito a todos, peço meu Kolofé Baba Urubitawá.
com o nome de Brasília Sofia. Esta e outras abnegadas sacerdotisas fundaram Pai Luís Tayandô – pronunciamento no II Congresso Municipal Afro-brasileiro
no processo de Congresso da Cidade, em 2002
o Terreiro do Egito (Ilê Nyame), casa que reuniu várias vertentes da religio-
sidade africana e maranhense. Ao Kufá, sucedeu-lhe a Sra. Maria Pia (Iraé
Akou Vonunko). Esta senhora foi a principal responsável pela expansão do Reflexões e pensamento sobre a religião afro
tambor de mina no Maranhão, de sua sabedoria foram iniciados Euclides por Pai Alberto dy Ogum – Togulabyi
(Talabyan), Jorge Itaci (Kadan Manja),
Zacarias (Nankoussilé), Denira (Nana- Há 45 anos praticando a religião afro, isto é, desde o ano de 1966, até a presente
bêbe), Celestina (Ossiakesã Benã), data. A fé em nossos Orişás, Voduns, Nkisi e outros espíritos, ou energias
além da senhora Margarida Mota vindas de práticas em trabalho mediúnicos, onde começamos nossas práticas,
(Oberem Tanizou). Dona Margarida tem nos mantido firmes e decididos a continuar nessa religião cheia de precon-
foi a escolhida do Vodun Lego Xapanã ceitos e intolerâncias. Nossa participação em encontros, seminários, palestras
pra iniciar Orlando Bassú, e que e outros movimentos levam-nos a refletir e meditar também a respeito de
dentro dos documentos e registrados nossos comportamentos na convivência com todos e todos irmãos e irmãs da
no Tribunal de Ogun (Federação religião afro. A fé, a resistência tem nos mantido de pé. Todavia, quando refle-
Marahense) como pertencente a nação timos a respeito das diversidades, intolerâncias entre nós mesmos, da Ética e
Minas Nehros, ou conforme Dona do respeito, principalmente entre os Sacerdotes e Sacerdotisas e outras lide-
Margarida, Tribos de negros Yorubas ranças das Comunidades de Terreiros, leva-nos a acreditar que ainda temos
de Abadan. Bassú é iniciado em 1970 que evoluir muito mais, para que a união entre nós cresça e prospere. A reli-
II Congresso Municipal dos Afrorreligiosos e, em 1979, recebe liberação, cargo e gião afro já chegou ao Brasil com muitas diversidades de Nações e segmentos
autorização para estabelecer em Belém ritualísticos. Isso fez com que os Rituais se misturassem e com que as práticas,
uma nova comunidade desta tradição tanto do Tambor de Mina e dos rituais do Candomblé, em suas diversas
afro-maranhense. nações, se misturassem em suas práticas, dialetos, etc. Hoje, verificamos nas
Em 1980, viaja ao Rio de Janeiro, e em visita ao seu padrinho de confir- práticas de diversos Ilês, que quase na sua total maioria existem diversidades
mação sacerdotal (Deka), deu obrigação no Nagô Vodun, tradição de e misturas de Nações e segmentos. Todavia, quem somos nós para dizer o que
Recife levada ao Rio pelo Bábàlorişá José Ribeiro, conhecido como “Rei do está certo ou errado? Verificamos que com a evolução dos tempos, a tendência
Camdoblé do Brasil”. Ao chegar do Rio, Bassú implantou em sua casa o novo é as religiões em geral se multiplicarem e se transformarem em rituais diver-
ritual mantendo sua ligação com o rito mina nagô do Maranhão. Meu Pai foi sificados. Já se observa isso tanto na religião católica, evangélica e na afro.
o primeiro a impor e expor sua religiosidade publicamente, andando pelas Essa nossa reflexão e pensamento levam-nos a uma conclusão de que preci-
ruas de Belém com filhos de santo em trajes afro-brasileiros. Também foi samos fazer com que exista entre nós mais respeito, Ética e Tolerância. Temos
pioneiro no uso do vocabulário afro no cotidiano de sua comunidade. Sua que parar de contestarmos nossos irmãos e irmãs e dizer que o nosso está
casa serviu recentemente para pesquisa do músico etnólogo Mario Brasil, certo e o do irmão está errado. Quem somos nós para dizermos que o nosso
que além de estudar a dinâmica ritualística, se deteve no resgate sonoro ritual e prática é o correto e de nossos irmãos é errado? Que nossa nação é a
africano que, para leigos, é visto como inovação, e que de fato é resgate de correta e a de nossos irmãos está errada? Nossa religião é repassada por nossos
africanidade. Deste trabalho conjunto com nossa porta voz no mundo acadê- Sacerdotes e Sacerdotisas, oralmente, temos que acreditar e ter fé e confiança
mico, a antropóloga Dra. Anaiza Virgulino, nasceu o CD de cânticos patro- e mantermos nossa resistência. Fazer e praticar aquilo que aprendemos com

86 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Mina Jeje Nagô 87
nossos pais e mães e não ficarmos copiando o que não temos conhecimento. Festividades
Temos que ter fé e acreditar na energia que sentimos. Vamos parar de dizer
que o nosso é o certo e o dos outros é errado, cada um pratica como aprendeu. MÊS PRINCIPAIS FESTAS E RITUAIS CASAS ONDE SÃO REALIZADAS
FESTAS E RITUAIS
Temos que aprender a nos respeitarmos e nos ajudar mutuamente. Fé – ances-
Janeiro
tralidade – resistência e respeito, tem que ser o nosso lema. Vamos pedir a
01 Levantamento do Pau da Paciência Casa do Pai Tayandô
deus Olodumare, Olorum, Oduduwá, Ifá, Nyakompom, Lissa, Orisas lufam (Bandeira de D. Manoel)
e guian, a todos os Orişás, Voduns, Nkisi, Encantados, Katiços e todas as 01 Oxalá/Abertura Casa do Pai Haroldo Félix Júnior
energias positivas, que nos dêem forças para continuarmos nossas lutas, pelo 06 Toy Lissa Mawu Kwe
avanço e crença de nossa Religião, que será também a de nossos filhos. 06 Santo Reis Casa do Pai João Alves Dos Reis
Peço Okolofè à todos os mais velhos e mais novos. 06 Obrigação para os Reis: Casa do Pai Tayandô
Um grande Aşé à todos homenagem ao Baiano Grande
19, 20 e 21 Rei Sebastião Casa do Pai Bené
20 Festa de Oxóssi Casa do Pai Gilmar de Oxóssi
Uma homenagem in memoriam (itá)
20 Oxóssi Casa da Mãe Raimunda Reis Velois
20 Oxóssi Casa do Pai Elivaldo Santos
Pai Manoel Colaça: filho de Mãe Anastácia Santos, neto de Manoel Teosanto,
20 Obrigações de Oxóssi Casa da Mãe Maria da Graça
um dos fundadores em Belém da FEUCABEP, sendo o primeiro presidente
20 São Sebastião Casa do Pai Bassu
nascido no Maranhão.
20 Toré em homenagem ao Casa do Pai Tayandô
Grande Cacique Tupinambá
Mãe Anastácia Santos: filha de Manoel Teosanto, fundadora do Terreiro da
Fevereiro
Turquia no Maranhão no final do século XIX; nascida no Maranhão.
02 Nascimento de Pai Luís Tayandô Casa do Pai Tayandô
Mãe Doca (Rosa Viveiros): filha de Manoel Teosanto, irmã de Anastácia, (Odu)
símbolo da resistência afrorreligiosa no Pará, dá nome à “Comenda Mãe 02 Obrigação da Casa Casa da Mãe Lucimar do Carmo
Doca” instituída em 2010, pela Assembléia Legislativa do Estado do Pará, 04 Obrigações de Santa Bárbara Casa da Mãe Maria da Graça
nascido no Maranhão. 08 João da Mata Casa do Pai Fernando Antônio Rodrigues
08 João da Mata Casa da Mãe Maria Eliana Lima
Aurino Conceição Pimentel (Pai Crioulo): nação Nagô Tap Nopê, filho de santo
11 São Lázaro Casa do Pai Bassu
da Mãe Doca. 23 Juliana Casa do Pai Haroldo Félix Júnior
Pai Francelino de Xapanã: filho de Jorge Itaci (Kadan Manjá), nascido no Pará, Março
liderança nacional afrorreligiosa, coordenador do INTECAB – SP, sendo seu 08 Baianinho Casa do Pai Mário
fundador e coordenador até sua morte em 2008. 19 Homenagem ao Caboclo Zé Pilintra Casa do Pai Tayandô
19 Dom José Casa da Mãe Lulú
19 Zé Pretinho Casa da Mãe Maria da Conceição Lima
21 Caboclo Mineiro Casa da Mãe Lulú
23 Ogum Casa da Mãe Miguelina dos Santos
27 Cabocla Herondina Casa da Mãe Lulú

88 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Mina Jeje Nagô 89
MÊS PRINCIPAIS FESTAS E RITUAIS CASAS ONDE SÃO REALIZADAS MÊS PRINCIPAIS FESTAS E RITUAIS CASAS ONDE SÃO REALIZADAS
FESTAS E RITUAIS FESTAS E RITUAIS
Abril Junho [cont.]
Tambor de Mina Casa do Pai Alberto Paulo Martins 23 D. João Casa do Pai Mosaniel Reis Costa
Candomblé Jêje-Nagô Casa do Pai Alberto Paulo Martins 23 Oferenda das Folhas Casa do Pai Tayandô
03 Festa da Cabocla Maria do Cai-Cai Casa da Mãe Eli 24 D. João Casa da Mãe Elvira Bastos
e Seu Cabuçu
19 Cortejo com Ogum Casa do Pai Tayandô 24 D. João Casa do Pai Alaídes Henrique

23 Ogum Casa do Pai Bassu 24 D. João Casa da Mãe Maria da Conceição Chaves

23 São Jorge Casa do Pai Bené 24 Festa de Xangô Casa da Mãe Maria Antônia

23 Festa de Ogum Casa da Mãe Maria da Conceição Lima 26 D. João Casa da Mãe Maria da Conceição Chaves

23 Festa de Ogum Casa do Pai Gilmar de Oxóssi 29 Bosso Légua Casa da Mãe Guiomar Fernandes Cavalcante

23 Festa de Ogum Casa do Pai Nazildo Oliveira Henrique Julho


17 Pena Verde Casa do Pai Carlinho
23 Festa de Ogum Casa da Mãe Elvira Bastos
26 Obrigação do Nhame Casa do Pai Alfredo Benevides
23 Festa de Ogum Casa do Pai Haroldo FélIx Júnior
26 Yemonjá Mãe Maria da Conceição Chaves
23 Obrigação de Ogum Casa do Pai Fernando Rodrigues
26 Festa De Vo Missã Casa Do Pai Tayandô
23 Obrigação de Ogum Casa da Mãe Maria da Graça
Agosto
Maio
2º sábado Aniversário da Cabôca Herondina Casa do Pai Bassu
13 Festa da Ancestralidade Casa do Pai Tayandô
13 Santa Helena Casa da Mãe Eliana Maria Lima
13 Preto Velho Casa da Mãe Elvira Bastos
14 Xangô Casa da Mãe Odaísa Ribeiro
13 Preto Velho Casa da Mãe Eliana Maria Lima 15 Festa de Yemonjá Casa do Pai Tayandô
13 Preto Velho Casa do Pai Marcos Marcos Botelho de 16 São Roque – Mesa dos Cachorros Casa do Pai Tayandô
Carvalho
13 Preta Mina Casa Maria da Conceição Chaves 23 Herondina Casa da Mãe Graça Figueiredo

19 Festa de D. Mariana Casa do Pai João Alves dos Reis 23 São Benedito Casa da Mãe Lulú

22 e 23 Festa da Cabocla Mariana Casa da Mãe Maria Antônia 23 Exuns Guardiões Casa da Mãe Mariana

22 Fundação da Associação Casa do Pai TayAndô 23 Verequete Casa do Pai Alaíde Henrique

26 Festa da D. Jarina Casa da Mãe Betinha 23 Verequete Casa da Mãe Raimunda Reis Velois

31 Festa de Yemanjá Pai Bené 28 Pai Benedito Casa do Pai Elivaldo Santos

31 Flores Para Yemonjá Casa da Mãe Lulú 30 Tambor de Zé Raimundo Casa do Pai Tayandô
31 Festa de Zé Raimundo Casa da Mãe Esmerina
Junho
Setembro
01 à 15 Homenagem ao Légua Boji e Casa do Pai Tayandô
Família Nobre da Mata do Codó 07 Toré Para Rompe-Mata Casa do Pai Tayandô
07 Zé Raimundo Casa do Pai Marcos Botelho 25 Hilda Gunça Casa do Pai Carlinho
08 Zé Raimundo Casa do Pai Brasil 27 Festa de Cosme e Damião Casa da Mãe Betinha
12 Ifá Casa do Pai Mário 27 Cosme e Damião Casa da Mãe Graça Figueiredo

90 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Mina Jeje Nagô 91
MÊS PRINCIPAIS FESTAS E RITUAIS CASAS ONDE SÃO REALIZADAS MÊS PRINCIPAIS FESTAS E RITUAIS CASAS ONDE SÃO REALIZADAS
FESTAS E RITUAIS FESTAS E RITUAIS
Setembro [cont.] Dezembro [cont.]
27 Cosme e Damião Casa do Pai Haroldo Féliz Júnior 04 Yansã Casa da Mãe Elvira Bastos
27 Cosme e Damião Casa da Mãe Mariana 04 Festa de Bárbara Casa do Pai Tayandô
27 Cosme e Damião Casa da Mãe Miguelina dos Santos 04 Sta. Bárbara Casa do Pai Bené
29 São Miguel Casa do Pai João Alves dos Reis 04 Maria Bárbara Soueiro Casa do Pai Nazildo Henrique
30 Xangô Casa da Mãe Lulú 04 Festa das Águas/ Festa das Iabás Casa do Pai Gilmar de Oxóssi
Outubro 08 Nossa Sra. da Conceição Casa do Pai Tayandô
08 Toí Badé Casa do Pai Brasil 08 Festa de Nossa Sra. da Conceição Casa da Mãe Betinha
09 Chica Baiana Casa do Pai Marcos Botelho de Carvalho 08 Yemonjá Casa da Mãe Miguelina Pereira dos Santos
10 Obrigação da Casa Casa do Pai Lucimar Araújo 08 Ogum Casa da Mãe Raimunda Velois
12 Cosme e Damião Casa da Mãe Eliana Maria Lima 08 Yemonjá Casa do Pai Mosaniel
24 Festa da D. Juliana Casa da Mãe Eli 08 Obrigação de Yemonjá Casa do Pai Fernando Rodrigues
Dia De Festa de Yansã e Festa da Dona Casa da MãE Elicéia 08 Oxum Casa da Mãe Maria da Conceição Lima
Recírio Joana Gunsa
13 As Iabás Casa do Pai João Alves dos Reis
Novembro
13 Mãe Yemonjá Casaa da Mãe Maria
Mês de Linha Cura Casa do Pai Alberto Martins
Novembro 14 Obrigação de Vodum Casa do Pai Alfredo Benevides
01 À 21 Festividade ao Rei da Bandeira Casa do Pai Tayandô 23 Festa de Bárbara Casa da Mãe Maria Antônia
11 Jarina Casa do Pai Elivaldo Santos Última Festa de encerramento do ano Casa do Pai Tayandô
semana de
15 Caboco 7 da Lira Casa do Pai Fernando Rodrigues
dezembro
16 Obaloaê Casa do Pai Bassu
21 Manoelzinho Casa do Pai Carlinho
22 Cabocla Maria Légua Casa da Mãe Mariana
27 Oxalá Casa do João Alves dos Reis
29 Jaguarema Casa do Pai Mosaniel Costa
Dezembro
Mês de Candomblé Jêje-Nagô Casa do Alberto Martins
dezembro
Mês de Herondina Casa do Pai Mário
dezembro
Segundo Obrigação de Yemonjá Casa da Mãe Lulú
sábado de
dezembro
01 Festa dos Yabás Casa do Pai Tayandô
04 Santa Bárbara Casa do Pai Haroldo Félix Júnior
04 Mariana Casa da Mãe Graça Figueiredo

92 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Mina Jeje Nagô 93
NAÇÃO ANGOLA
“...Etu, ku ubeka uetu, ki tu kima
Etu, maji ni kisangela tutena i ma ioso. N'Zambi a tu bane n'gusu um kukaiela!...”

Zumbarandá Primeira Oficina da Nação Angola do Pará, Táta Kinamboji úa “...Nós, sozinhos, não somos nada. Mas, com a união, podemos todas as coisas.
Cartografia Social dos Afrorreligiosos NZambi – Nação Angola –
N'Zambi nos dê forças para seguir!...”
de Belém do Pará – CNBB Mansu Nangetu
Os trechos aqui reproduzidos são provenientes de entrevistas
que ocorreram entre maio 2010 e outubro 2011
Sacerdotes (Mam'etus e Tat'etus)
abençoando Muzenza Sitalu Mbanda
úa Nzambi, que estava incorporada
com nkisiamê kaiongo. Mam'etu Nangetu: A proposta do projeto é a visibilidade para as comuni-
Filha do Mansu Nangetu. dades tradicionais. Então, a gente vem desde maio nesse projeto, mapeando,
Segunda Oficina dos Angoleiros
do Pará no Mansu Nangetu –
buscando visibilizar nossa cultura tradicional. Principalmente, nós, Ango-
Mutakalambo Mansubando Kenkue leiros. A gente é tão pouco e a gente já teve perdas: perdemos o seu Edilson,
um Angoleiro. Lamentavelmente, a gente teve uma perda de um Tat'etu e eu
acho que quanto mais a gente se agrupar, nós da tradição Angola, é melhor!
Por exemplo: O Ketu [no Brasil e em Belém] é mais novo do que nós, Ango-
leiros, e ele é muito mais fácil de se cultuar porque quase tudo sobre essa
nação se encontra em livro, e nós temos muitas perdas: é difícil dicionário,
difícil você ainda encontrar um Angoleiro tradicional, porque as pessoas
migram pra outras nações.
Tat'etu Mário Delembá: Eu acho que a maioria de palavras, inclusive do próprio
português, tipo ‘pitanga’, é palavra Banto, agregadas, também, ao ameríndio.
Registro da iniciação de Manoel da Jóia E muito da nossa cultura migrou e deixou de ser de matriz Angoleira, passou
para umbandistas, mineiros, cantigas, toadas, rezas nossas e hoje são cantadas
em rituais de umbanda, rituais de mina, entendeu? Aquilo que deveria ser
N'Dandalunda de
Tat'etu Amaze Luanda – restrito ao povo Angoleiro, que faz parte de uma cultura própria do Ango-
Manoel da Jóia leiro, e nós não temos mais esse domínio sobre as nossas raízes. Infelizmente,
Tat'etu Angorensi a realidade é essa, poderia ser ao contrário, se nós começarmos a agregar
Besevi – Astianax de verdade, a juntar, buscar, catar folha por folha. Posteriormente, a gente
Gomes Barreto –
Precursor do Angola
consegue montar uma coisa muito bonita acerca da história do Angola.
no Estado do Pará Kizombaria Hongolo (Festa de Oxumaré) – 50 anos
Táta Kinamboji / Arthur Leandro – Mansu Nangetu: Ora, um dia desses, eu tava
de iniciação de Tat'etu Angorense Besevi – Astianax –
no Mansu Nangetu – Mansubando Kenkue Neta ouvindo o “axé gospel”, né ? Então, nada, nada, a indústria cultural se apro-

94 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Angola 95


priou da palavra “axé” e transformou a palavra “axé” naquilo que eles querem: misturam a língua portuguesa com o Bantu, que não é banto entre aspas,
o “axé music”, o “axé gospel”, o “axé não sei o quê”... Então, eu acho que a né, porque nós temos mais de 600 dialetos, que no Brasil ficaram aproxi-
gente não tem, nós não temos muito domínio sobre a cultura, não! Eu acho madamente 246 dialetos. É muito difícil para nós, Angoleiros, dominar essa
que nós temos que preservar as nossas tradições – nisso eu concordo em linguagem do Angola, que realmente anda, junto com o Português, porque
número, gênero e grau –, mas nós não temos controle sobre o que os outros era colônia lá, Angola, que era colônia de Portugal. Então, os desconhecedores
vão fazer com aquilo que a gente faz. (…) eu acho que adentrar na mídia ou do assunto dizem: ah, por que vocês cantam Angola e misturam Português?
estar nessa indústria cultural é complicado. Se, por um lado, está relacionado E por que não cantar em Português, na língua Portuguesa? Porque também
a essa visibilidade que queremos, por outro, tem uma desterritorialização que lá naquela parte do Angola era colônia de Portugal, se falava português,
a acompanha, porque esse “axé” que é do “axé music”, ou o “axé gospel” não então muito mais que louvável nós cantarmos misturado, por a mistura é por
é o “Axé” da cultura yorubana, e se fosse a palavra “Nguzo”, não seria o nosso conta disso? Rui Barbosa – o homem que tocou fogo no nosso patrimônio
“Nguzo”, seria apenas a palavra, mas uma palavra totalmente desterritoriali- cultural do Angola, e se se perdeu todo esse conhecimento, essa cultura que
zada daquilo que é o nosso culto religioso. Então, com sinceridade, primeiro envolvia o grande patrimônio histórico nosso, o que que restou? No encontro
não dá pra gente controlar o uso das palavras e de bens simbólicos, pois assim que eu fui em Brasília, em 2006, era o Seminário Nacional e Sul-americano
como fizeram com a palavra “axé”, já fizeram, por exemplo, com “NDanda- de Culturas Populares, então, lá, os Angoleiros, nós nos juntamos e a gente
lunda ma io mbanda okè”. Quem sai pulando atrás do trio elétrico, gritando fez um levantamento da língua Bantu no Brasil. E, hoje em dia, na internet,
“dandalundamaiumbanda coquei” é a mesma coisa de nós estarmos em roda se procurar, tem muita coisa boa que realmente estão resgatando e passando
aqui dentro de um terreiro? Essa desterritorialização me incomoda, a mim pra nós essas coisas.
particularmente incomoda. Eu acho ótimo quando existe a visibilidade, mas
Arthur Leandro /Táta Kinamboji: Nós sofremos intolerância como todo mundo
quando ela está de acordo com as nossas tradições, e não uma visibilidade
que tá sentado nesta roda... Nós sofremos intolerância, nós sofremos racismo
desterritorializada daquilo que a gente pratica.
institucional. Recentemente, em julho, nós fomos levar uma oferenda na
Mam'etu Nangetu: O meu pensamento é assim, por exemplo, quando eu falo Baía do Guajará, ali no projeto Ver-o-rio, no bairro do Umarizal, e a “Guarda
em manter a tradição, eu vim da umbanda, pajelança, mina, eu tive uma Municipal de Belém” tentou nos impedir, queriam nos impedir de realizar
trajetória todinha, minha família toda teve essa trajetória; mas quando nossos presentes às águas, né?! E tá rolando ainda um processo na Corre-
eu me propus a iniciar no Angola, eu não faço mina, eu não misturo as gedoria da Guarda Municipal, que não vai dar em nada... Porque, para a
nações. Estou falando da minha casa, o Mansu. Lógico que se chegar justiça brasileira, nunca é preconceito contra nós! A Constituição nos dá o
um Babá ou Yiá de Ketu, que o Orixá dele venha dar seu axé, em nossa direito de culto, o direito de consciência religiosa, mas o Estado nos reprime,
casa , é meu dever de Mam'etu virar as Ngomas – atabaques – para Ketu. reprime as nossas práticas religiosas, e quando a gente reclama, alegam igno-
Mas eu não inicio Ketu em nossa casa... Só sai da minha casa Angoleiros! rância, e o motivo é que eles não sabiam como acontece o culto afrorreli-
....Então, por exemplo, as Pambu Njila's e Mavambos da casa, faço tudo para gioso. Nós, aqui no Mansu Nangetu, desenvolvemos vários projetos sociais
que eles aprendam o nosso dialeto, cânticos, rituais e, principalmente, nossa e culturais, nós temos trabalhado aqui pelo viés da cultura, da assistência
tradição. Trouxemos toda uma tradição de indumentária e de comidas dos social e da formação para a participação política. Minha mãe Nangetu é do
Jinkisis. Somos uma das nações mais completas: temos a Bandeira de Kitembu Comitê Interreligioso do estado do Pará, que se formou a partir de um seto-
(Nosso Rei de Angola, que também é referência de nossa nação), Reunião de rial de discussão interrreligiosa para uma campanha, acho que do desarma-
Caboclo, Gira de Njilas e Mavambus,” Rum” – que é a chamada dos Jinkisis... mento. Então, ela pode contar a história melhor do que eu. Mas a minha mãe
faz parte de um Conselho interreligioso e que é um Conselho inclusive de
Mam'etu Muagilê / Beth de Bamburucema: Sou Elizabeth Pantoja Mam'etu
combate a esse fundamentalismo religioso na política.
Muagilê da nação Angola. Falando sobre a linguagem, nossos cânticos, que

96 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Angola 97


Mam'etu Muagilê/ Beth de Bamburucema: Eu acho que nós, Angoleiros, aqui no Táta Kinamboji/ Arthur Leandro: São várias tribos Bantu com línguas e dialetos
Pará, nós estamos bem, porque nós estamos mantendo a tradição, e manter a diferentes, e quando chegaram aqui foram colocados dentro do mesmo barco
tradição é uma coisa que me orgulha profundamente, e que dá orgulho a qual- – junto com negros Nagôs, Jejes e até com negros árabes. Então, dependendo
quer Tat'etu ou Mam'etu de consciência e que sabe que aquilo que a gente faz, de onde tinha a maioria de um ou a maioria de outro é que a língua e a tradição
tudo o que a gente faz, tem um segredo – um fundamento –, e tudo tem um se impunha, pelo menos é essa interpretação que eu faço, porque não tenho
tempo. Então, eu acho que nós estamos mantendo, ainda, nós, os angoleiros, estudos sobre isso, mas é assim que eu entendo a formação das Nações e o
estamos mantendo essa tradição que é o cumprimento do tempo de um cargo, desdobramento dessas em diversas raízes.
sabe que o Tempo é uma coisa que no Angola funciona, dizem que o Angola
Mam'etu Nangetu: Teve uma vez, aquelas nossas festas na época do Edmilson
é parado, que é um pouco mais devagar, talvez por causa da maneira que nós
Rodrigues prefeito, em que eu estava com os indígenas numa rodada dançando
nos comportamos dentro da nação, nós mantemos a Muzenza... Por exemplo:
com eles, e aí um deles me disse: Katu! E essa palavra tem no meu Ingoroci,
as nossas danças, são danças de matrizes da nossa nação, a gente tem compor-
então eu disse o que é Katu pra vocês? Ele disse: uma saudação! Eu disse: pra
tamento de manter aquela tradição, de cabeça baixa. Por exemplo, aqui nós
mim também. E quando eu uso Katu, estou saudando, e a palavra pode ser
mantemos o comportamento todo da nação, então, muitas vezes, tem pessoas
ameríndia, aqui a África se mistura com Indígenas.
que não querem vir pra nossa nação pra não cumprir com o Tempo de 7 anos
para receber do cargo. Mam'etu Nangetu: Eu sou filha de dois baianos e meus pais moram em Salvador.
Aí, quando a gente está aqui, a gente não tem aquele acompanhamento dos
Kate/Muzenza Sitalu Mbanda – Mansu Nangetu: Eu sou Kate Wasques – Muzenza
nossos pais, e com isso se perde muito da tradição. Uma casa de culto Angola
Sitalu Mbanda, eu participei do mapeamento junto com a Mam'etu
é isso aqui: tem os Ngobas e tem os Ngunzos, né?! Tem os nossos “Ngunzos
Nangetu, do Mansu Mansu Mbandu Ken kue Neta. Bem, minha visão
–Ngunzos” – são os nossos fundamentos, nossa segurança é isso! E nas outras
dentro da nação Angola, em Belém... Aonde me deixou triste por alguns
casas de nação, isso não tem, não tem N'toto e nem Cumeeira, que são o nosso
fatores, não só da falta de tradicionalismo, mas... a falta da busca do conhe-
Ngunzo. A nossa força está na natureza, entendeu?! Quando eu era Muzenza,
cimento. Não temos muito em conhecer as folhas, nem todos conhecem
e mesmo depois de me tornar Mam'etu, para aprender eu juntava dinheiro e ia
ou praticam o Bantu, as cantigas do Angola (que não são fáceis), as rezas.
de ônibus passar de 3 a 4 meses do ano no terreiro do meu Tat'etu. Lá chegava
Saí junto com a minha mãe e fomos em algumas casas. E onde chegávamos,
e passava quase as 24 horas do dia do lado dele – eu tinha pressa em aprender
víamos que tinha uma visão a mais... e muitos se identificavam como cató-
porque eu sabia que não poderia ficar o ano inteiro, então eu tinha que apro-
licos. A maioria das casas Angola cultuava Mina. Acho que isso foi uma falta
veitar o tempo que eu estava lá . Depois disso, quando eu abri o meu Mansu,
realmente da busca da nossa tradição, da busca do conhecimento por parte
juntava dinheiro e trazia o meu pai para passar um tempo aqui em Belém
dessas pessoas. Em algumas casas de Angola, aonde chegávamos, nos depará-
junto comigo. Aí, a casa ficava ”cheia”... E tem mais, eu trouxe o Pai Carli-
vamos com um grande sincretismo, imagens em geral! E aquilo não é nosso,
nhos de Gongombira para ensinar os Tátas do Mansu a tocar como se toca
não é muito do candomblé. Eu mesma sempre procuro o conhecimento com a
no Mansu de meu Tat'etu, e quando Carlinhos teve que voltar, o Banjo que
minha matriarca (Mam'etu Nangetu), dentro da minha comunidade, vou em
também ensinou os toques aos meus filhos. Mas a gente sempre precisa estar
busca em outros meios, vou pra internet, leio livros e revistas. Tá, eu sei que
do lado dos mais velhos e mais experientes, senão, não aprenderemos, nada.
consultar livros e internet não é igual ao conhecimento que te passam dentro
da nossa casa, tenho que aprender o que tem em minha tradição, é o que a Táta Kinamboji / Arthur Leandro: Também tem outra questão importante de
minha mama irá me passar, quero ser Mam'etu, serei um dia Mam'etu, sobre orfandade: é que alguns dos Tat'etus do Angola, dos que iniciaram as pessoas
a Ndanji (raiz)de minha mãe. que estão aqui entre nós, passam a cultuar o Ketu, alguns tocam as duas
nações. Isso é um problema pra nós que queremos conservar o Angola. Eu

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acho que se nós estamos falando da coisa na preservação da tradição, nós não quando mais benevolente, ela deixa calçar uma sandália, mas na minha
podemos esquecer disso, dos Tat'etus e Mam'etus que viram de nação, cultuam época era descalça mesmo, e sem olhar na cara dos mais velhos! Eu ficava
Ketu. E acham que cultuaram a nação errada. Essas coisas todas existem e todo o tempo abaixada, sentada. Hoje, no auge de minha ministração.
esses discursos afetam a auto estima dos que resistem em preservar o Angola. Eu vou falar um pouco da tradição da minha avó – e isso se perdeu muito –, a
minha avó – Mam'etu Sinhá Samba Dia Mungu (Edite Apolinária Santana) –
Mam'etuMuagilê / Beth de Bamburucema: Sobre as imagens da Mina, sobre o que
e os antigos lá de Salvador. Por exemplo: assim, é como se eu saísse da minha
a gente toca, e sobre as pessoas que tocam Mina dentro da casa de Angola.
casa e fosse pra casa do Katendê, ou para a casa da Mãe Beth ou do Delembá
Por que o povo do Pará, que está acostumado muito com os cabocos como
ou do Pai Arimatéia (Tatetu Kalengunzo). Chegava lá, tinha uma obrigação,
a Mariana, como a dona Jarina, os cabocos, as cabocas “da terra”, e se eles
eu ia ajudar. Se ele dissesse: mãe ,que cor nós vamos botar nesse Nkisse? Tem
chegam na nossa casa e não veem os cabocos que eles conhecem, a gente já
muita casa que usa em Mutakalombô, o verde-folha, e em boa parte delas é
perde clientes e perde também filho de santo. Eu tenho filho de santo que não
por causa da minha avó, que fazia essas visitas e terminava por trocar expe-
iniciou no santo por curiosidade, mas por necessidade, mas que quer conti-
riências nesses encontros, assim, também pra iniciação. Mas isso acontecia
nuar a cultuar a Mina, continuar fazendo a Mina, por que? Porque ela sobre-
com discrição, ninguém “volvava no abantu” (falar ao povo ou público – que
vive daquilo, alguns sobrevivem do que os cabocos da casa conseguem com
alguém chegava lá para ajudar a iniciar umas Munzenzas, porque isso ficava
seus clientes, é sobrevivência, é manutenção financeira da pessoa que vive
no campo do segredo, era “buxê-buxê” (boca-calada), e isso era uma postura
daquilo. Então, nesses casos, o filho vai levando a situação até que um dia diz
ética, ninguém saía de uma iniciação espalhando pela cidade coisas como:
não, “não, eu não vou pagar as minhas obrigações e vou continuar o que eu
“Olha, eu fui ajudar porque o Tat'etu ou Mam'etu não sabia de nada”!
já tinha”. Eu tenho filho de santo na casa que são iniciados na nação Angola
mas que continuam hoje cultuando Mina, recebendo os cabocos. A minha Pai Mário: Sim, nós temos, por obrigação, de propagar aos quatro ventos do
filha que mais viaja é a que mais trabalha com caboco, e ela diz que é da terra mundo os conhecimentos do Angola, agora sempre conservando aquilo que
né?! diz que é daqui! Então a gente tem essas perdas tremendas dentro da é de ekotitó de dentro, ou seja, aqueles que são segredos de roncó, aquilo
casa de santo devido a gente não aceitar a Mina e a Umbanda dentro da nossa que só existe lá dentro, o que você vai passar quando a pessoa estiver lá –
casa, e a gente sai perdendo muitas vezes com tudo isso. porque ela já passou por lá, agora só se sabe religiosidade, principalmente o
Angola, quando se aprende em primeiro passo que isso (respira) é Angola.
Mãe Nangetu: Deixa eu falar uma coisa, entra ndumbe no terreiro e vai
Você respirou religião, você tomou sopro da vida, quando você aprende que
passando o tempo, prepara pra iniciar, fazer as “obrigações” de 1,3,5 e de 7
isso (bate palmas) é religião, é Angola, e que suas atitudes elas são moldadas
anos. Com 7 anos ou mais, dependendo do aprendizado do muzenza, que
segundo aquilo que você aprende na religião, nós temos, graças a NZambi
nos é entregue o Kijingu, ao novo Tat'etu ou Mam'etu, se dá o direito de eu
Apungu, temos terra, água, ar. A natureza é mãe: ela dá comida, ela te prepara
fazer um Zamburá – Egbó, de iniciar uma pessoa, de ensinar sua tradição
um dia, uma noite, te dá descanso, te ensina tanta coisa e, na realidade, nós
aos seus novos filhos. E a nossa diferença, nós de tradição de matriz africana,
não sabemos sequer agradecer a Zambi pelo que temos.
é que a gente é preparado para esses Kituminu – Fundamentos do Angola.
Geralmente, o caboco quando vem aqui na minha casa é só pra ”vadiar” Muzenza Sitalu Mbanda – Kate Wasques: Estava falando antes do intervalo justa-
– vadiar é brincar – porque se eu estou preparada, nós somos preparados mente isso: hoje é muito fácil você abrir a internet e ver o mundo de nações.. .
pra fazer qualquer ato. Nós somos Ministros de Matriz Africana, quando Tinha à venda, até, uma apostila de “Como fazer seu santo”. Então, vejo, hoje,
passamos por todo Kituminu, e essa é a minha leitura. Nós somos sacer- como iniciada, que a oralidade vem da hierarquia, dos meus mais velhos. Eu
dotes, a gente passa por todos os preceitos, quando eu iniciei, eu passei 1 tinha um pânico de galinha, medo das aves... hoje eu brinco com os animais,
ano dormindo no chão – é pelo tempo que nossos pais determinam-, plantas, e sei que o meu invisível é vivo!
sem atravessar o mar, andando toda de branco e descalça, os nossos pais,

100 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Angola 101
Táta Kinamboji/ Arthur Leandro: Eu, inclusive, quando eu decidi vir hoje aqui todos. Também é muito bom estar conhecendo outras pessoas angoleiras,
e participar desta conversa, é porque eu desconheço a grande maioria das porque, como eu falei, é pouquinha a Angola aqui em Belém e eu não tenho
casas mais novas de Angola de Belém, então vir também era uma forma de conhecimento com muitos angoleiros, agora que eu estou tendo esse contato
ter contato com as novas lideranças de comunidades de terreiro de Angola. com vocês aqui, né!? E eu espero conhecer outros, porque devem haver mais
alguns por aí, né!? Eu era da casa do Edilson, o que faleceu há quase 1 mês
José de Arimatéia/ Tat'a Kalengunzu: Quando estavam falando da falta do
atrás, o Painho que era de Lembá também – e era da Mina na casa dele –,
conhecimento, da busca de conhecimento, estava falando aqui também que a
entrei na casa dele em 1989 e aí, em 95, eu recolhi com pai Edson, que tinha
questão financeira implica muito neste fator, devido aos pais de santo da gente
recolhido e iniciado ele, e aí, com 6 anos que eu estava lá, eu recolhi também.
morarem a maioria na Bahia, né?! O meu pai mora na Bahia. Então, quando
Foi aí que eu entrei no Angola – iniciei em 95 e há 5 anos atrás eu recebi o meu
eu preciso dele, ele nunca está aqui e ,se eu quiser algo dele, tenho que ter
Kijingo, né!? Já com 10 anos de iniciado, recebi Kijingu , e eu estou hoje com
dinheiro, tenho que estar respaldado financeiramente para ele poder chegar
15 anos de feitura na Angola, e não troco também a minha nação por nada,
até aqui. Então, isso ai é meio complicado pra gente, é difícil. Agora, a questão
adoro a Angola e agora mais ainda, e eu garanto a vocês que vou ter mais
do mapeamento, de eu ter conseguido chegar até aqui na casa da Mam'etu
força ainda pra buscar mais conhecimentos, sabe? Porque eu estou vendo que
Nangetu. Eu já vinha sempre aqui nas festas, todos os anos eu vinha aqui
o pessoal aqui está muito mais inteirado que eu, eu estou aqui meio de lado,
no candomblé que ela faz. Vinha mas ficava só até ali a porta e não entrava
analisando primeiro para eu não cometer nenhuma gafe, não falar nenhuma
nem pra tomar um refrigerante, ou uma cerveja, ali dentro. Primeiro, quando
bobagem, mas o importante é que eu estou aqui.
acabava o candomblé, era dali mesmo que eu já ia embora com o meu pessoal.
Houve um tempo que, então, houve uns problemas na minha casa e eu acabei Mam'etu Muagilê/ Beth de Bamburucema: É o tamanho da importância que a
fechando a minha salinha lá onde eu trabalhava, né? Lá no Curió da estrada do cartografia veio fazer nas nossas vidas espirituais, resgatar uma casa fechada
Ceasa. E aí, um dia, eu também fiquei surpreso ,sabe?! Porque a mãe Nangetu como a do Táta Arimatéia, né pai!? Muito importante e eu acho que esse é
é uma sacerdotisa muito conhecida, e para mim foi uma surpresa ter ela na um dos fortalecimentos que a nossa religião precisa ter para nos fortalecer
porta da minha casa num dia de sexta feira... Eu estava desnorteado naquele como afrorreligiosos, que nós somos tão apedrejados, tão... Como é que se
dia, eu inclusive estava todo de preto, eu estava de boné preto, bermuda preta, diz quando se passa por tantos desafios? Mas a cartografia veio por cima dar
e a Mam'etu chegou lá em casa com a Kate(Muzenza Sitalu Mbanda- filha essa força para energia boa pra nós, né? O apoio de resgate e buscar esses
de santo de Mam'etu Nangetu)... mais uma outra moça, não foi? Chegaram Tat'as, Mam'etus, monas – que são os noviços que estão ali e ainda não rece-
elas três lá em casa debaixo de um sol quente, e eu fiquei com dó da Mam'etu beram cargo, né!? E buscar esse pessoal que está no anonimato. A gente diz
naquele sol – chega ela estava vermelha, a bochecha chega estava, sabe?! E aí, que nós somos poucos, mas se for catando, a gente conta o pouco que tem
naquele momento, a minha casa estava fechada, tinha um monte de material hoje aqui e outros poucos ali, no final somos bastante até. Falta buscar, real-
de madeira na frente, e eu fiquei com vergonha até de abrir a casa pra ela mente, porque eu não lhe conhecia como Tat'etu, estou lhe conhecendo hoje
entrar e ficamos lá fora conversando e eu inventei todas as maneiras de não com muito prazer, e eu fico muito feliz com tantos Angoleiros e que aqui a
abrir a porta, né?! Pra ela não ver a bagunça que estava lá dentro por causa gente pode ver mais um Angoleiro compondo com a gente, fazendo parte do
de uns problemas que houve lá, problemas da minha família, e a minha casa nosso grupo e podendo fazer parte da nossa religião.
tinha fechado. Após essa visita dela, o pouquinho de conversa que a gente teve
Arimatéia: Dos filhos do meu pai, são 10 em Belém, só que são tudo desligado,
lá, eu tive um pouco de força e reabri, e eu falei pra ti, não foi Kate? Eu disse:
também devido todos serem da mesma casa, daí é devido como eu lhe falei,
olha, Kate, eu abri as minhas portas de novo e o pessoal está lá em casa e eu
porque nosso pai mora longe e não deixou nenhum com casa aberta, nem
estou trabalhando de novo. E essa reabertura foi a partir do mapeamento.
obrigação eles tem.
Eu comecei a vir pra cá, e estou aqui agora, e é muito bom estar com vocês

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Mam'etu Muagilê / Beth de Bamburucema: Quando a gente faz a obrigação pra o Nkisse que tava fazendo isso comigo. Então, na casa do meu pai, a pessoa
iniciar também é pra começar a nascer mais Angoleiros, né?! Quanto à sua chegava na casa dele e não ia logo pro roncó, primeiro a gente ficava em
pergunta que você fez ainda agora, tá na hora de começar a falar, por exemplo, observação, lá na casa do santo. Ele gostaria que ficasse 1 ano em observação,
como foi que a gente chegou na religião. Eu passei pela Umbanda, dancei um era tempo de adaptação, só que quando eu entrei, eu já entrei ‘lesa’, né?! Mas
pouco Mina, mas não tive pai de santo em nenhuma das duas, eu era um eu fiquei em observação uns 8 meses ainda por lá, tentando sobreviver sem
pouco rebelde e rejeitava caboco, eu não gostava e não queria isso pra mim. me envolver na religião, porque eu não queria isso pra mim e o que eu ainda
De tanto eu não querer, eles me perturbavam, me derrubavam e me deixavam aceitava era botar uma saia e, de vez em quando, dançar um tambor, e eu
estressada, nervosa, e eu não podia passar 3 meses sem ir no terreiro dar achava que só aquilo tava bom pra mim, porque eu dançava um toque, dava
passagem pro caboco que aí eu ficava brigona e queria bater nos filhos, ficava uma passagem, botava pra cantar e estava ótimo pra mim. Eu saía tranqüila
agressiva com o marido, de maneira que é uma energia, a gente tem que botar e amando todos e todas, né?! Então, quando a coisa começou a afetar o meu
pra fora, né!? Não adianta você rejeitar uma entidade porque você não tem cérebro – esse negócio de me perder, perder a consciência –, o negócio já tava
força para lutar com a natureza, com a natureza não tem quem possa. Então, muito sério, foi quando um pai de santo chamou – e não foi uma casa que me
pra chegar na religião, passei por muitos problemas, até de saúde mesmo. convidou, foi o meu orixá Nkisse, aliás que me convidou a ser iniciada, foi ele
Fiquei também parece doida e andava porre na rua, e isso porque eu não que me convocou, foi ele que me convidou, que me chamou pra casa de santo
queria chegar e fazer parte de um terreiro, fazer parte de uma casa de santo, –, eu fui, passei esses 8 meses dentro da casa, no convívio com a comunidade
eu não queria isso pra mim. Cheguei até a perguntar “hei, e quem foi, quem e fui iniciada em 1989. A partir da iniciação, eu adquiri, graças a Deus, a paz.
é Deus? quem mandou tu me dar isso pra mim, e tu nem chegou a me Porque antes eu passei também pela igreja evangélica, porque eu não queria
perguntar se eu queria?” Então eu era rebelde mesmo (e ainda sou um pouco, isso pra mim, foi na Assembléia de Deus, mas nem na igreja Evangélica eu
continuo ainda um pouquinho rebelde), mas o santo, o Nkisi, ele fez com que acredito que tenham esses poderes, porque eles não conseguiram me afastar
eu baixasse muito a minha cabeça, porque eu fui muito assim, eu fui assim da entidade, nem me encaminhar para o batismo dentro da igreja, de conti-
muito castigada na doença, meu marido está aí e serve de testemunha, eu fui nuação dentro da igreja Evangélica, não adiantou. Ali não era o meu lugar
pra médico de louco, andava tropeçando na rua (tinha gente que achava que mesmo. Foi aí que eu fui pra casa do pai de santo, pra casa do Walter Torodê
eu estava amanhecida, bebida), andava catando pedra na rua porque eu não no Rundembo Axé de Jaciluango, ali na Pedreira, e lá eu fui iniciada. Eu
queria “dar passagem”, eu não queria incorporar. Eu fui muito maltratada estava em crise no meu casamento e, quando o pai de santo falou que eu ia
nesse ponto, eu fui pra psicólogo, eu fui pra psiquiatra, tomei remédio de passar três meses sem fazer sexo, sem beber, sem fumar – eu nunca fumei,
psiquiatra e não adiantava, me davam remédio pra eu dormir e eu não mas beber e freqüentar alguns lugares, eu fazia –, meu marido disse “eu vou
dormia, vivia com o pé gelado, mão gelada, o tempo todo com mãos e pés deixar tu cumprir os três meses e vou te deixar, o que é que tu queres, tu vai
gelados: era meio dia, era duas da tarde. Mas aquilo foi se agravando mais fazer teu santo ou manter teu casamento?” Eu disse que faria o meu santo, eu
porque eu já comecei a ir perdendo a consciência, eu me perdia dentro da quero o santo até porque eu já tava em crise mesmo, então, pra que que eu
casa e eu não sabia aonde era a porta da saída, uma vez eu fiquei com vergonha queria marido? Então, eu preferi o santo, e fui pra casa do santo mesmo
da pessoa que eu levei na minha casa que eu tinha pra alugar, porque eu procurando me iniciar, porque eujá não agüentava mais. Quando foi uma
entrei na casa umas cinco horas, cinco e meia, fui mostrando a casa lá pra bela sexta feira da paixão – tem gente que diz que santo não vem em sexta
alugar e depois o pessoal saiu da casa e eu não conseguia sair e ninguém feira da paixão, pra mim veio e eu bolei numa sexta feira da paixão na casa
sabia o porquê, era porque eu estava perdida dentro da casa e eu não sabia do meu pai – minhas pernas bambeavam, então eu já tinha passado por
sair porque eu não encontrava a porta da casa. Foi quando eu cheguei num todas essas coisas dos médicos, psicólogo, tudo, né? Eu bolei na sexta feira da
pai de santo e ele jogou búzios pra mim e disse que era santo, que era orixá, paixão. Aí, quando foi sábado de aleluia, eu recolhi já, e não teve jeito porque
que era Nkisse, hoje, a palavra eu conheço melhor, é Nkisse, ele disse que era eu já tava domada mesmo, já tava me perdendo, aí eu fui e me recolhi na cara

104 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Angola 105
e na coragem. Eu disse pro meu marido que eu ia ser iniciada e recolhi muito lá atrás”, um tempo eu pensei assim “mãe, lhe juro, tem um tempo aí
mesmo, eu nem queria saber se eu tinha marido, se ia continuar casamento atrás que eu pensei: poxa, o que eu tava fazendo de não aceitar minha identi-
nem nada. O que meu Táta me falou foi: “entregue ele pro seu santo porque dade? Eu brigava tanto contra eles e apanhei muito, apanhei muito deles por
se for pra você continuar seu casamento, manter seu casamento, o Nkisse vai não aceitá-los e eu deveria ter aceitado isso antes só porque não há um grande
deixar, ele vai dar continuidade nesse casamento, se ele não te servir como segredo pra nós se manter dentro do culto, né, a gente vai cumprir regras,
esposo, o santo mesmo vai lhe enviar pra outro caminho,enviar ele pra outro você cumpre aquelas regras e já está todo mundo satisfeito, né, obrigado”.
caminho, é isso e acabou”. Aí, meu marido está até hoje comigo, dentro da
Mãe Nangetu: A gente faz uma procissão para Kitembo há uns 3 anos. Este ano
religião, eu adquiri a minha saúde que eu não tinha, adquiri minha paz espi-
será no dia 22 de janeiro de 2010, até pra visibilizar a nossa nação Angola.
ritual em primeiro lugar, adquiri a paz com a minha família, meu marido
Anteriormente, a gente sempre fazia o corte das Njila e Mavambos nesse dia,
que tava em crise está até hoje comigo ‘entre tapas e beijos’, mas como todo
elas veem, e quando foi de uns anos pra cá, Ela (Pambu njila – Negrita) disse:
casal tem suas briguinhas, tamos juntos e graças a Deus. Mas também assim
“Para sairmos para a rua com a bandeira do Tempo a fazer uma procissão e
mesmo, depois de iniciada, tanto que recebi meu cargo depois de 10 anos de
todo mundo vestido de branco”. Acho que a intenção dos Mavambos e das
iniciada com a responsabilidade de ser Mam'etu, eu também não queria isso
Njilas é essa visibilidade pra nação. Pois temos direito de caminhar, esse
pra mim, eu queria não, fui levada a iniciar o santo, levar a cuidar das obri-
direito nos é dado pela Constituição de Igualdade Racial. Então, assim seria
gações deixar ele lá na casa do meu pai de santo e viver a minha vida, mas o
muito bom vocês fotografarem. Sei que tem em outra casa. (…) se identifica
santo tinha uma proposta pra mim. Aí, quando recebi meu cargo, eu pedi
um angoleiro pelas contas, pela diferença do dialeto, da linguagem e que
uma casa pro meu santo, porque eu não gosto de dançar aqui e dançar acolá
os Ketu, povo do Ketu não utiliza desse linguajar porque eles não tem esse
, a minha coisa é na minha casa! Por exemplo: dançar, eu já dancei aqui com
dialeto, esse linguajar é próprio da gente – eles utilizam também a língua
a Mam'etu, mas em algumas casas é que eu vou botar as minhas roupas que
deles(…) Olha, eu vou te dizer assim, ‘bandagira’ e eu estou te pedindo
eu faço pro meu Nkisse. Então, eu disse: eu vou fazer uma proposta, vou dar
licença entendeu? Ngunzo-Ngunzo é o mesmo que Axé, é prosperidade.
a minha cabeça, minha orelha mas eu quero ter o meu espaço pra não estar
Mas assim, deixa eu falar um pouco o que o projeto representou pra nós.
na casa de ninguém, dançando com a sacolinha do lado, dançando aqui e
“Sempre pensei que ia surgir um trabalho que visibilizasse os Angoleiros,
acolá, eu quero um espaço nem que seja do tamanho da roda da minha saia
pra mim, eu queria muito saber a situação do meu povo. Eu sempre falei
do meu nkisse, mas eu quero ter o meu espaço, pra não estar na casa de
aqui: eu quero saber como nós estamos aqui no Estado, então, eu gostaria
ninguém. Então, eu morava num espaço 5x6 de altos e baixos de madeira,
muito de pedir pro projeto que quem sabe em futuros editais que ajudasse
que realmente não dava pra eu fazer essas coisas, mas eu tinha um cantinho
nosso povo, porque muito como eu vejo o Arimatéia precisa de ajuda. Ajuda,
pro meu caboco, uma cortina ali e fazia algumas coisas lá, eu disse é..., eu vou
não só o Arimatéia, mas o Tat'etu Manoel da Jóia precisa de uma reforma na
fazer um contrato com vocês: eu quero calçar, quero vestir, quero um venti-
casa, outros Angoleiros que são iniciados mas que não tem como fazer a casa,
lador porque eu passo um calor tremendo, eu disse eu quero ter as minhas
não tem como pagar uma obrigação, precisam de oportunidade. A história
coisas na minha casa, tá entendendo, porque santo não é riqueza, mas acho
da mãe Beth, mãe Beth estava contando a história da sua iniciação, então
que a gente assim, tendo objetivo, a gente consegue evoluir, né!? Então, eu
se passa por uma iniciação, depois se inicia e tem que pagar as obrigações,
botei isso na minha cabeça que eu tinha que ter a minha casa, o meu espaço
tem que comprar bode, galo, picota, pombo, tudo isso, quando eu fui ver o
e ter tudo aquilo que achava que devia ter dentro das possibilidades que o
meu povo, eu vi quanto o IPHAN, quanto o Ministério da Cultura, quanto
Nkisse me desse, até porque eu já trabalhava, eu trabalho dentro da minha
o Governodo Estado tem pra nos dar, porque quando a Ana Julia assumiu,
religião, dentro da nação, então, graças a Deus, graças a Zambi, e a Lembá,
a Ana mandou uma secretária do Edílson Moura fazer uma proposta pra
ao Nkisse, eu estou dentro da minha casa. Até teve um tempo que eu pensei
gente. Chamei muita gente aqui no terreiro e que ela ia dar madeira, Minis-
“poxa, eu não sabia que era tão bom, senão eu tinha baixado a minha cabeça

106 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Angola 107
tério da Cultura não sei se o Táta se lembra ia dar madeira...Caramba! eu fiquei não me deixar sozinho em igarapé, em mata, em beira de praia, em beira de
emocionada: ia fazer porta, mesa, cadeira, tudo porta pra fazer barracão e tem rio ou mesmo nos campos, mesmo no Marajó havia toda uma preocupação,
madeira, o IBAMA está cheio de madeira jogada no mato, cadê essas madeiras porque a qualquer momento uma encantaria poderia me levar. Isso, principal-
apreendidas? Então, nosso povo precisa disso, precisa de projetos, precisa de mente, nas chamadas “horas grandes”, então, toda a minha vida foi ligada a
ajuda, tá entendendo? Então, vejo por exemplo que o projeto PNCSA, que essa religiosidade afro-amazônica. Eu vim parar nos braços de Nangetu muito
com vocês, há essa acessibilidade porque vocês poderiam investir na Univer- por acaso, na realidade, eu tava na faculdade e o Cláudio Rego, que na época
sidade e no projeto de vocês, nos alunos de vocês, mas vocês pensaram nas era um Táta suspenso aqui, ele é o Táta Kitarami, tava trazendo uns colegas
comunidades tradicionais e fizeram este projeto conosco. Então, eu agradeço, pra jogar búzios com Mam'etu, aí eu vi aquela movimentação e perguntei
parabenizo, os saúdo, eu desejo que vocês cresçam, eu desejo que todos os o que é que vocês estão aprontando, e eles não queriam me responder e eu
nossos jinkisis abençoem cada um do projeto e que todos nós aproveitemos insistia “o que é, o que é, vumbora vumbora vumbora, me conta, me conta,
essa oportunidade de visibilidade da nação. Que a gente possa não ter mais me conta?” Até que eu me inxiri tanto naquela ‘coreografia’ que eu ‘entrei
só aquele pouquinho, mas que a gente possa fazer o livro, copiar, levar pro no corpo do baile’. Aí me trouxeram junto com eles, e como eu vinha sem
aeroporto, pra casas de turismo pra onde for pra ver que nós existimos. O marcar hora, eu fui o último a ser atendido. Então, minha mãe atendeu ‘deen-
turista conhecer na época do círio, distribuir papel não só da nação Angola, fileirada’ uma série de colegas nossos, e como eu era o último, aquele negócio
mas de todas as outras, que isso gera turismo, gera dinheiro,os turistas vem foi me cansando, cansando de esperar os outros, e num momento, eu acho
nas casas jogar búzios, isso gera comida pra dentro do terreiro, comida pra que eu me senti em casa e eu me deitei numa casa que eu nunca tinha visto,
dar pro povo, tudo isso. eu simplesmente me aconcheguei num cantinho do chão do salão e dormi,
“bolei” e fiquei até hoje. Eu não sei dizer o que foi que me fez ficar, eu não
Mam'etu Muagilê/ Beth de Bamburucema: E nas nossas casas, mãe, nós nunca
vim por nenhum problema a ser resolvido, tanto que quando ela abriu o jogo
tamos só na mesa, sempre tem uma pessoa a mais nas nossas casas, pra fazer
pra mim e disse: “o que é que você quer saber?” Eu respondi: “não sei, o que a
o gudiá, né? O ajeum que é a comida.
senhora tiver pra me dizer, me conte”, e aí isso foi uma conversa tão boa que
Táta Kinamboji/ Arthur Leandro: Eu cheguei de surpresa no almoço aqui hoje. eu acho que ela me atendeu na hora que estava escurecendo, já era umas 5:30,
não sei exatamente que horas eram, mas era pra lá de 5:30, aí nós entramos
Mam'etu Muagilê/ Beth de Bamburucema: Pois é, mas tinha comida suficiente,
no quartinho de jogo, e eu sonolento e de cara inchada de sono, porque já
né? Sempre tem, então, sempre a gente tem um prato a mais de alimento de
tinha dormido a tarde inteira aqui, aí ela foi falando e o papo lá dentro foi
comida nas nossas casas.
tão bom que eu acho que a gente saiu já era umas 10 horas da noite, foi um
Táta Kinamboji/ Arthur Leandro: É o seguinte, bom eu sou de uma família cató- negócio assim hiperdemorado, enfim, eu não sei o que é que me trouxe, eu não
lica, mas altamente miscigenada. Então, quando nasceu a primeira geração de sei o que é que me mantém aqui, mas é essa conversa afetuosa que de certa
netos, a minha avó levava a gente numa vidente que era uma senhora ligada ao forma me mantém na religião e de certa forma é isso que eu tento reproduzir
Tambor de Mina, e ela fazia as previsões de cada um dos rebentos da família. e retransmitir enquanto conhecimento e convivência apreendidos dentro do
Eu fui levado recém-nascido até ela e quando ela me viu, ela disse: “este é terreiro.
encantado, e as encantarias vão querer levá-lo aos 7 aos 14 e aos 21 anos”. Bom,
Mãe Nangetu: Deixa eu fazer uma reflexão. Por exemplo, eu tenho só dois filhos
em resumo, de sete em sete anos eu sofri acidentes graves, nos quais eu corri
– carnais –, mas minha Nkisiamê – Mam'etu Zumbarandá – pariu vários!
sérios riscos de morte (aos 21, eu levei um tiro no nariz) e o que a vidente falou
Então, eu vejo em cada pessoa um filho, uma filha, um irmão, um compa-
também foi “se ele passar dos 21, larga no mundo que tá criado”. Da mesma
nheiro, um amigo. Então, quando uma pessoa bate na nossa porta, a gente
forma, digamos assim que a mim foi dado, desde criança, desde que nasci, a
sempre tem uma palavra, por mais que o mundo, muitas vezes o mundo tá
identidade do encantado, havia toda uma preocupação de enquanto criança

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desabando em cima de mim, mas eu vou buscar, eu vejo que há dentro de Pai Mário: [...] Kitembo nos diferencia, nos faz ser Angoleiros, mas, também,
mim a força dos meus jinkiisis, de minha Nkisiamê, que me dá essa vontade nos une a todas as outras matrizes africanas. Porque as casas Ketu, assim
de conversar, de dialogar, quantos não vêm? Eu vou contar uma história pra como Jeje, tem Rei Kitembo hasteado, para aqueles que trabalham com cabo-
vocês: uma vez, um rapaz chegou aqui muito cedo e eu não gosto de atender clos. Mas não é só isso que nos diferencia das demais nações.
cedo porque eu tenho meus animais, que eu sou responsável por eles, mas era
Mam'etu Muagilê / Beth de Bamburucema: Você conhece um Angoleiro no
uma situação muito difícil. Eu disse: tu espera que eu vou te atender. Conversei
meio de tantas pessoas do santo é pelas nossas cores, pelas nossas estampa-
muito com ele porque ele queria se matar, estava desesperado da vida, era
rias, é colorido. O verde, por exemplo, que representa Kabila na nossa nação
da religião, da paz, e aí eu disse: meu filho, vamos tomar café. E sentamos e
– que nas outras é Oxóssi –, o verde é nosso, na outra nação já é azul. (...)
começamos a conversar e eu disse: me conta o que é que está se passando, e ele
Então, de acordo assim com os vários Nkisses, por exemplo, a minha Nkisse
começou a conversar, conversou, e depois eu disse: vumbora ali pro quintal,
Bamburucema ela é o vermelho leitoso, mas o leitoso ele identifica muito. Por
limpar o quintal comigo – vão ouvindo a história –, depois vamos limpar
exemplo, o azul marinho, ele pertence a Nkosi, que na outra nação é Ogum,
os animais. Então, eu limpando o quintal e ele conversando comigo, e aí ele
que também é azul. Então, assim, você olha pro Angoleiro, você vai identificar
veio atrás de um banho, mas quando ele saiu daqui, ele já estava tão bem pelo
com o tempo, vocês vão aprender as nossas cores, vocês vão nos identificar
acolhimento, pelo carinho, pela amizade que eu dediquei a ele, pela atenção,
onde tiver povo do santo. Ela (Muzenza Sitalu Mbanda) aqui é de Kaiongo ou
principalmente, que antes dele sair pediu: mãe, o meu banho? E eu disse: olha,
de Bamburucema ou de Mavanju – é de Iansã!
tu vai embora pra tua casa, ou tu vai fazer o que tu tinha que fazer, e depois
volta à tarde porque agora faltou água. E aí, quando ele voltou, ele disse: olhe, Mãe Nangetu: Voltando para questões de cidadania. Desde 2000, nós estamos
mãe, eu só voltei porque eu dei a minha palavra, mas eu estou muito bem, buscando esse direito de poder entrar no hospital paramentado para dar todo
muito obrigado pelas suas palavras. Então, a minha conclusão é que muitas aquele acompanhamento espiritual aos doentes das nossas religiões; entrar
vezes nós somos psicólogos, muitas vezes a gente tem palavras que a gente num presídio... eu, como membro do Comitê Interreligioso. Para dar uma
não dá pra filho da gente, filho carnal, porque muitas vezes ele não pede ,não palavra de conforto a eles.
vem até a gente pedir uma palavra de conforto, uma palavra de experiência
Táta Kinamboji/ Arthur Leandro: Mãe, a senhora me dá um parêntese? Essa
de vida porque eu tenho muita experiência de vida, que cada pessoa que passa
história que ela está contando aí é que vai gerar toda aquela situação daquela
pra consulta e fala, o que vem dialogar e pedir alguma coisa pra gente. É uma
história do Ratinho, porque naquela reunião de 2000 lá na casa do Tayandô,
história, é difícil repetir, então cada pessoa tem uma história e a gente, por
quando a prefeitura veio nos procurar, a primeira coisa que eu falei foi essa
exemplo: eu não tenho Universidade, mas sei falar com qualquer um daqui, a
história, na época do ocorrido, idos de 1993-94, eu era novinho no santo – um
gente tem confiança naquela pessoa pra que aquela pessoa vá por um caminho,
“recém Runjebe”. Aí, nós íamos fazer um ritual no cemitério. Ela pede que eu
vá buscar o caminho, vá buscar o trabalho, vá buscar o equilíbrio. Então, eu
vá de madrugada e converse com o porteiro. A orientação era “ele vai pedir
vejo uma casa de candomblé, nunca você chega numa casa de candomblé... se
uma quantia, pague!” E e eu disse que a Constituição (de 1988) me garantia o
ele tiver um prato de comida, ele divide com você, se tiver um lençol, a gente
direito de culto e de colocar minhas oferendas de dia e sem subornar ninguém.
corta no meio e dá; se tiver uma esteira, a gente divide. Nunca ninguém sai
Aí, eu convenci todo mundo de irmos 2 horas da tarde fazer o ritual. E quando
dizendo de um terreiro, seja o mais pobrezinho de terreiro, qualquer que seja
nós fomos fazer, o porteiro nos barrou a entrada e nós ficamos na porta do
de Umbanda, deMina, de Pajelança, de candomblé, seja a nação que for, mas
cemitério de Santa Izabel. Pronto, né!? Constrangimento geral! E nisso vai
todas são casas de acolhimento. E nossas folhas, muitas valem mais que uma
entrando o enterro de um crente e com ele os comentários preconceituosos
grama de penicilina, um grande antiinflamatório, uma macerada de uman-
sobre nós estarmos ali. Aí, comecei a ‘rodar a ala das baianas’ para cima dos
saba num banho, acalma a alma, acalma o espírito, acalma tudo.
funcionários do cemitério, porque rodar a baiana é uma baiana só, a gente

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roda a ala inteira... Foi um fuzuê até eu falar com o administrador do cemi- candomblé, ou de macumba, de Umbanda, seja qual for o segmento, elas têm
tério e ele permitir entrarmos e realizarmos o ritual, mas ele permitiu a nossa os locais pra fazer as suas oferendas, e quando se leva um bode numa encru-
entrada desde que sob a vigilância de um funcionário. Naquela reunião em zilhada, tu deixa aquele bode, não acho certo a pessoa que carrega o lixo vir
2000, na casa do Tayandô – eu estava sentado no chão e tinha acabado de pegar aquele bode, que foi imolado na encruzilhada e que deixaram os restos
chegar de Macapá –, eu ainda tava com cheiro de avião e eu fui do aeroporto por lá. Depois de podre é ruim pra tirar dali, e se tem o local e que a gente
direto pra lá, e eu disse para os gestores municipais: olhem, no cemitério acon- cultua a terra, por que não dar para a terra e enterrar os restos? Eu dou pra
teceu este fato... E a reclamação lá na casa do Tayandô gera o ato administra- terra! Então, quando se vai para a mata, a gente tem que usar os caminhos, tem
tivo do prefeito Edmilson proibindo o constrangimento de qualquer religião cada folha belíssima. Coloca a folha no lugar do alguidar e traga o alguidar de
em rituais fúnebres nos cemitérios municipais. E esse ato administrativo que volta, que se a gente deixar o alguidar, ele vai encher de água e vem a dengue
gera aquela história do Ratinho que vocês já sabem, teve um Tambor de Agra- e outras doenças também, né!?
decimento durante a Festa das Raças no Palácio Antônio Lemos. Esse ritual foi
Mãe Nangetu: Quando a gente vai colher folha, a gente tem nosso impedimento,
filmado pelo vereador Paulo Queiroz e as imagens foram veiculadas em rede
as pessoas impedem a gente de tirar as folhas.
nacional no programa do Ratinho (SBT) dizendo que o prefeito de Belém abriu
os cemitérios para os macumbeiros violarem túmulos. Agora, volta pra ela. Táta Kinamboji / Arthur Leandro: Há um conflito nisso daí.

Mãe Nangetu: Eu acho que nós avançamos nesses conflitos, porque, por Mam'etu Nangetu: esse é um grande conflito, porque a gente quase já foi preso
exemplo, quando nós fomos advertidos que não poderíamos arriar uma várias vezes.
obrigação agora lá no Ver-o-rio, que quando se passou por depoimento lá na
Ouvidoria da Guarda, o homem lá da Guarda que era o diretor, perguntou:
por que vocês não pedem licença, por que vocês não deixam de fazer isso?
E o Táta Kasuleká respondeu assim: o senhor faz essa mesma pergunta pra
quem tá fazendo pregação evangélica ou para quem vem em uma procissão?
Quem está fazendo uma procissão também suja a rua – o Círio de Nazaré,
por exemplo, quer exemplo maior de sujeira que o Círio? Os promesseiros
prometem água pras pessoas, mas não juntam as garrafas e os copos de plás-
tico. E isso suja a cidade, e a prefeitura vem logo atrás limpando. Então, eu
pago meus impostos todos direitinho, eu pago luz caríssima, eu pago o meu
IPTU caríssimo, eu pago água, telefone, sou cidadão como qualquer um,
então, o que que tá faltando? A gente tem que trabalhar no Estatuto da Igual-
dade pra ter mais avanços e mais direitos, porque o Estatuto tá aí, basta a
gente exercitar ele. Mas existe impedimento de você arriar um bode em uma
encruzilhada, e eu também sou contra esses tipos de rituais, eu sou contra
você ir fazer um ebó num cemitério e depois deixar sujo, eu sou contra você
sujar encruzilhada, sou contra de deixar um oberó – um oberó é um alguidar
de barro – com uma obrigação numa mata e deixar o oberó por lá, até por uma
questão ambiental, por uma questão de saúde. Porque, vou dar um exemplo
pra vocês: nós, quando falamos a palavra Ngunzo-Ngunzo, as casas todas de

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OFICINA NAÇÃO ANGOLA Duque. Quando meu marido chegou da caminhada dele para comprar uma
Os pesquisadores se apresentam primeiro. Depois, os afrorreligiosos da nação casa, eu disse: tu vai lá com essa senhora e pega o endereço que essa casa está à
Angola se apresentam contando suas histórias de vida e considerações. venda. Hoje, quando meus vizinhos, por intolerância, pedem para que eu saia
da minha casa, digo que não saio, pois foi meu caboclo que me deu!

INTOLERÂNCIA, MUDANÇA E RESISTÊNCIA


Oneide Monteiro Rodrigues: Mam'etu Nangetu
Já fui apedrejada, já me denunciaram ao meio ambiente... Hoje, já “não
Sou militante do Movimento Afrorreligioso; prego mais couro na parede”. Faço tudo para não incomodar meus vizi-
Estou nessa caminhada desde 1996; nhos, terminou a obrigação, tiro da parede. Antigamente, colocava o galo na
Estamos sempre buscando dias melhores para todos nós. Bandeira do nosso Rei Kitembu (Rei da Nação Angola). Hoje, não fazemos
mais assim. Então, eu adequei meu ritual pra poder ficar na Pirajá, pra não
DISTINÇÃO E RESISTÊNCIA
incomodar meus vizinhos, para que o [instituição municipal responsável pelo]
Quando me propus a mapear... meio ambiente não entre nos terreiros. Adequei minha casa. Procuramos nos
Foi na intenção de visibilizar a minha nação, saber a nossa realidade em adequar com nossa comunidade, trabalhamos em nossa instituição em prol
nosso estado. Visitei as casas, Mansus, N'Zo, Ylê's.. Onde fui muito bem da nossa comunidade, para que o povo reconheça nossa religião e nos respeite
recebida pelos meus irmãos angoleiros. E devido à orfandade de nossos como afrorreligiosos!
Tat'etus ou Mam'etus e a falta de políticas públicas e grandes Editais dos Quem não gosta da religião, acha que as pessoas só vão para fazer maldade
grandes órgãos de desenvolvimentos culturais. Assim, podendo ajudar e não vê que nossas casas são casas de acolhimento, casa onde as pessoas vêm
grandes casas como a do Tat'etu Amazeluangu (Pai Manoel da Jóia)... um desequilibradas... Às vezes, um banho de água da torneira que tu dê numa
dos primeiros angoleiros da nossa nação no estado. E com essa ajuda gover- pessoa – e já aconteceu comigo – e faz efeito.
namental e povoando com nossos filhos, para não perecermos no estado Eu sou resistente, militante do movimento social, do movimento afrorre-
Muita gente diz que nós temos orixá, nós não temos orixá, nossa nação tem ligioso. Quando me propus sair a campo pra conversar, porque eu vou visitar
Jinkisis (no singular nkisis). Mas o mansu vem de um segmento da minha vocês, eu vou conversar e dar estímulo, porque a gente tá muito acanhado e
casa tradicional de Salvador, o Mansu Nangetu foi fundado em 1988 e, de lá nós enfrentamos tantas barreiras.
pra cá, a gente começou a caminhar, iniciando fazendo as Kizombas (festas)
e, quando eu cheguei na Pirajá, era um bairro paupérrimo. Aí, com muito ORGANIZAÇÃO POLÍTICA
custo, meu marido trabalhou a vida toda para conseguir esse dinheiro há uns Nós fomos pro Rio de Janeiro: eu e Mãe Beth de Bamburucema, Táta Kinam-
quarenta anos atrás. Meu marido, quando saiu da aeronáutica, andou Belém boji (Arthur Leandro), Kota Mazakalanje (Elizandra Rodrigues) e Alabê Banjo
toda para comprar este terreno... (Ivonildo dos Santos) e fundamos a Confederação dos Angoleiros, justamente
De noite, o meu caboclo, seu Rompe Mato, veio e disse: “Olha! vai bater para fortalecer...Ainda não fundei aqui em Belém... Eu vou chamar todos
um homem na sua porta, e ele vai dizer onde está a casa...!” Meu pai mora na para nos fortalecer. Toda essa minha militância é porque tenho fé no meu
Duque com a Pirajá e não sabia que esta casa estava a venda. Quando foi de Nkisi (Mam'etu Zumbaranda). E eles me dão resistência para lutar por dias
manhã, bateu um homem na minha porta e disse: é aqui que estão vendendo melhores para todos nós.
uma casa. E eu disse não, mas pode ser ali (ainda indiquei!). E quando o
homem foi até a certa casa, não tinha ninguém! Quando o homem saiu, a
senhora chegou do mercado, e eu perguntei: a senhora é responsável por uma
casa? Ela disse: sou. Perguntei: onde fica? Ela respondeu: fica na Pirajá com a

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Elizabeth Pantoja – Mam'etu Muagilê melhorar muito mais minha situação. E a gente acredita nisso. Por mais que
esteja faltando dinheiro, a gente acredita mesmo, porque o santo não deixa a
A INICIAÇÃO gente passar por nenhuma dificuldade, fome, esse tipo de coisa, né?
Eu também sou do movimento social, sou militante e estou na luta com
É essa nossa luta. Assim como ela passou por todas essas dificuldades, todos
vocês nesta cartilha. E eu tenho certeza que a primeira deu fruto. Essa vai
nós passamos também. Eu também. Pra mim conseguir vir para nação, eu
dar bons frutos também. Eu venho de uma casa de tradição também. Foi
passei por muitas dificuldades, problemas de saúde, perda de consciência,
uma das primeiras casas matrizes de Belém do Pará, que é do Tat'etu Torodê,
para eu poder ingressar na religião. Temos resistência dentro de casa até com
Walter do Ogum da Pedreira. A nossa família de santo é misturada: Bate
o marido da gente.
Folha com Tumba Junsara. Meu princípio religioso veio dessa casa, então,
Mas quando eu fui iniciar, entrei em conflito com meu marido e as
pela mesclagem que tem mais, eu me identifico mais com Tumba Junsara. A
próprias entidades estavam me chamando para este lado espiritual. Meu
minha raiz é Salvador. Obrigado.
marido perguntou com quem eu queria ficar: com meu casamento ou com
santo? Eu disse que queria ficar com o santo, porque eu acho que o Nkisi,
nossos orixás, nossas entidades, eles nos dão energia para tudo que a gente
Edson Santana – Táta Tauadirá
acreditar neles. Então, acreditei que para eu iniciar minhas obrigações com
o meu Nkisi, eu ia conseguir tudo que meu santo achava que era bom para
mim. Quando eu falei para o meu pai, que era meu guia espiritual, tudo que A INICIAÇÃO
acontecia comigo, eu chegava com ele e conversava. Expus a minha situação Se a gente for falar desde o início sobre mim, vamos começar bem antes com a
com ele, e ele falou: entrega teu marido para o teu santo, ele vai te destinar e minha vó, que incorporava com a Dona Jarina e era o dia do aniversário dela
dizer o que é bom pra mim. Se não for mau pra ti, ele vai continuar na tua também. Então, ela fazia dois aniversários num dia só.
vida. Aí, cheguei no quarto com o nkisi, quando fui fazer minha iniciação, Eu era pequeno, morava lá e não me achava tão interessado. Daí, isso ainda
aí falei que se caso fosse levar uma vida digna e tranqüila, em paz de união, na década de setenta, num terreno na parte de trás, fizeram uma casa com
que ele deixasse eu continuar com ele. Se fosse pra gente continuar numa vida sala, quarto e cozinha. E ele era filho do seu Cornélio da Mina, que tinha um
de atrito, que ela fizesse a separação, que nada de mal acontecesse mais, que terreiro na vileta, ele pegava o seu Tupiassu, que era o chefe de cabeça dele,
deixasse um pro lado e outro pro outro e, graças a Deus, ele fez a minha obri- vários caboclos, a Dona Ita, que ele não gostava, ele detestava, porque ela era
gação. Meu marido dormia – eu não tenho vergonha de dizer –, eu dormia na cabocla mulher, e tinha essa coisa do machismo do homem. Depois, ele fundou
descida, na porta, parece um cachorrinho vigiando a gente, tomando conta, um terreiro pequeno do lado, na casa da minha madrinha. O candomblé foi
participando daquele momento. ganhando mais adeptos e a coisa começou a florescer mais e eu fui aceitando.
Quando eu caí no poço, ele esteve comigo e a gente se ama cada vez mais, Eu era um playboy, filho de pai de mãe que trabalhava, e que me sustentava.
e se compreende e estamos sempre na luta. Todos os encontros que eu vou, ele Quando foi um dia, eu comecei a trabalhar, arrumei uma profissão aqui, outra
está sempre comigo. Tenho Mam'etu Nangetu, que teve uma resistência junto lá, depois, eu comecei a ficar doido, porque a gente faz o trabalho o dia inteiro,
comigo na construção (...), que é minha casa. Foi uma luta muito grande. Meu faz o teu trabalho e faz obrigação, e aí a gente enlouquece. E aí, chegou um
nkisi que me ajudou. Foi pouquinho dinheiro do meu marido e pouquinho tempo que eu disse: não quero mais e acabou. Não quero mais essa vida de tá
meu, pouco do nosso bolso. O resto foi o nkisi que nos deu. Eu pedi pra ela trabalhando e fazendo obrigação. Mas aconteceu um fato que, na época, veio
me colocar num lugar onde eu pudesse pelo menos rodar minha saia, mas modificar tudo isso. Foi com a morte dele, quando ele morreu em 90: e agora,
que fosse meu, onde estivesse do meu lado, junto de mim na minha casa. como vai ser, como vai ficar esse negócio? Aí, eu decidi fazer por ele isso, no
Ela me deu. Pra que eu era antes, eu estou bem dentro do santo. E o nkisi vai caso, o seu Walter fazia tudo pelo santo.

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Passamos um período muito crítico depois da morte dele. Resolvi conti- estou muito feliz de participar do projeto, de dar este depoimento. Eu acho
nuar a casa e, aí, muitas das coisas começaram a se definir. Uma das coisas foi que as publicações que são resultado desta pesquisa serão importantíssimas
a minha profissão. Hoje em dia, sou professor de música num conservatório. na legitimidade do referendo da nossa tradição religiosa e de nossas casas
Aí, eu pensei: se eu tivesse feito isso há muito tempo, eu não tinha passado tradicionais. Dessa forma, deixaremos lapidado os nossos nomes, nossa iden-
por isso. tidade religiosa e nossa resistência na história.
Quando a minha mãe morreu, em 2003, eu disse que ia continuar também,
pois, se de um eu continuei, por que de outro eu não vou continuar também?
Hoje, eu tô muito feliz e acho que se eu não tive tido esta opção, eu não estaria João Santos Rocha – Tat'etu LenguaZazi
como estou hoje em dia.
A INICIAÇÃO

Fui iniciado na casa do meu pai Walter Torodê, a minha obrigação com minha
Mãe Katia Hadad – Mam'etu Kaianileji
vó Branca de Colondina... Recebi meu Kijingu, com o Bábàlorişá Agarônile.
Eu só tenho a dizer para vocês que a minha trajetória na minha religião
A INICIAÇÃO começou porque eu nasci médium, não passei por sofrimento, não apanhei
A religião sempre foi pra mim um ponto de equilíbrio. Meu nome é Kátia de caboclo, não fui para rua pedir esmola, eu não fui pedir nada. Aí, eu disse:
Andrade de Hadad, eu venho de uma casa que tem descendência em Efon. A meu Deus, se tu queres que eu siga essa religião... Então, eu não sei o que é
minha avó é de Mavambo, só que ela foi iniciada dentro de uma casa matriz sofrimento de verdade...
Efon no Rio de Janeiro – Axé do Pantanal.Apesar de que a cultura, a tradição,
é bantu, é Angola! Raiz Tumbajunsara. E a gente vem mantendo essa tradição
em casa já, desde 1985. Mam'etu Delamazi
A minha mãe biológica que era Kamuxi Mona Xikola, da casa da minha Iniciei na casa de Ogum. Fui iniciada pela mãe do meu pai Edson. Passei
avó – iniciada com o Nkisi Kavungo –, e eu sou a primeira neta da casa. Fui muitas coisas também. Agora, é lucro o que eu tenho: venci. Tem muita luta
iniciada para Nkisi Mikaia/ Nkosi e recebi meu cargo com três anos, me que a gente vive no Angola. Espero que tenhamos felicidade em continuar.
tornando Mama Ndenge da Konzenzala. Hoje sou Kutala da Casa de Kavungo
e estou à frente da Casa depois do falecimento de minha mãe, em 2008.
Minha mãe foi de Umbanda e foi de Mina, da Mina do Pará! Quando eu Adriane Leite Pantoja – Muzenza Indemburê
herdei a casa, herdei todas essas tradições e tento mantê-las dentro do meu
conhecimento. Não misturo as práticas. Na realidade, a Umbanda e a Mina
A INICIAÇÃO
que mantenho na minha casa é só para louvar, já que essas tradições existem
e fazem parte da minha história familiar. Minha mãe é uma das fundadoras Sou Indemburê, filha de Iansã, minha mãe é Bamburecema. Entrei pra reli-
da maior festa da Umbanda daqui desse estado que é o Festival de Iemanjá. gião porque acompanhei minha mãe Beth, vocês conhecem, né? Eu sempre
Infelizmente, a nossa nação, ela não é uma nação que tem muita gente iniciada, fui apaixonada devido a minha mãe entrar para religião. A gente sempre
mas se a gente não tem tantos iniciados assim, é porque a gente é privilegiado, acompanhou tudo, quando ela ia dançar o candomblé. Eu sempre tive
porque a gente vem de uma nação que é pioneira, que é a primeira! Tudo adoração, amor mesmo, mas minha mãe nunca quis me levar para a religião.
começa com a gente! Começa com os nossos ancestros. Porque a nossa nação Então, devido a minha mãe querer a religião só pra ela e nunca colocar a
é uma nação única e cheia de fundamentos fortíssimos, poderosíssimos, e eu gente dentro da religião, eu acabei passando por muito sofrimento. Eu disse:
poxa, mais é tão lindo aquelas saias rodando. Aí, eu passei a acompanhar

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as festas, mas eu não sentia nada, eu queria que me desse um friozinho pra gente perdia totalmente a noção. Eu não sentia nada, eu dizia pra mamãe: eu
mim cair ali, mas eu não sentia nada. Eu queria ingressar naquela religião, não vou fingir. Minha mãe dizia: presta atenção! Mas eu não sentia nada. Eu
mas eu não sentia nada. Aí eu ficava me perguntando, será que eu não tenho dizia: o dia que eu sentir a minha Nkisi, aí sim. Então, depois de oito meses,
santo? Eu não entendia direito porque quando a minha mãe pegou santo, quem me deu minha religião foi minha Nkisi. Assim como outras religiões
eu tinha dez anos, e a minha mãe dizia que não queria a gente dentro da curam, a minha também cura. E eu agradeço primeiramente a Deus e ao meu
religião. Então, os anos foram passando e ele não se lembra, mas eu lembro santo, porque hoje eu tenho tudo o que eu quero. Obrigada.
como se fosse hoje. Se lembra, meu pai? O senhor leu a minha mão e disse
assim: olhe, tem um corte aqui, você tome cuidado porque a linha da tua vida
tá cortada. Quando você chegar aos trinta anos, tu podes morrer. E eu era Ângelo Barbosa Imbiriba / Táta Kafunlumizo
muito moleca e fiquei com aquilo na cabeça. Mãe, a senhora lembra do que
o meu pai Edson (Pai Edson Kutala) disse? Minha mãe: tire isso da cabeça, A INICIAÇÃO
e eu: não, ele disse. E eu doida pra entrar com o santo. Aconteceu do tempo
Sou angola dentro da raiz Bate folha. Com três dias de nascido, fui suspenso
se passar, eu completei vinte e oito anos e fui pra uma festa. Eu disse: mãe,
por meu pai Ângelo e apontado pra lua. Fui suspenso ao cargo de Kivonda
joga búzios pra mim, eu quero saber qual é o meu Nkisi, porque não acontece
e fui convivendo. E cheguei a viajar com ele pro Rio de Janeiro, onde era o
nada comigo, nenhum santo? A minha mãe disse: olha, minha filha, tem
barracão de santo no Rio de Janeiro da minha vó, que também já faleceu.
uma linha muito feia na sua mão. Eu disse: e aí que eu vou morrer. E minha
Passado os anos, eu fui ter minha primeira cobrança de santo. Com quatorze
mãe ficou agoniada e procurou alguns pais de santo, e procurou o pai Banjo,
anos de idade, eu comecei a ter problemas de saúde, tinha uma doença a cada
pai Edson e disse joga um búzio pra Adriane, e ele disse que eu tava com uma
mês. Mas meu pai disse que lá faria meu santo com dezoito anos. Minha mãe
leve presença do meu Nkisi. E que eu podia perder a vida, mas minha mãe
carnal não aceitava, tinha um certo preconceito. Meu pai sempre perguntou:
me levou lá com o meu pai Banjo. E e eu disse o que tava se passando, eu tava
é isso que você quer mesmo? Você não pode fazer um santo e depois dizer eu
invisível, ninguém me quer, ninguém me olha, eu sempre fui uma mulher
não quero mais. Quem tá fora não entra e quem tá dentro não sai. É uma coisa
que chamava atenção, mas ninguém me olhava e eu comecei a sentir uma
muito séria, é muito complicado. Então, com dezessete anos, já tinha deci-
dores na minha perna e a mamãe correu comigo pro médico. Lá, deu que
dido e, com dezoito anos, eu recolhi. Eu tinha terminado meu ensino médio.
eu tava com problema de apêndice e lá quase eu perco a vida. E eu já estava
Recolhi, peguei meu santo e tô aqui até hoje. Tem três anos. Em 2009, meu pai
com vinte e oito, quase trinta, e aí pensei: vou morrer. Eu me lembro de tudo
morreu e, hoje, estou viajando. Continuo aqui na nação Angola. É isso, essa é
da minha vida e aí, então, veio o pai Edson na minha cabeça, e eu pensei:
a minha história.
será que quem me chama é um santo? E aí eu me restabeleci lá em casa e fui
perdendo a visão. Fiquei cega. Então, meu pai Banjo jogou búzios pra mim
e viu que a minha Lebara (Pambu Njila – Mavambu ou Exu) tava fechando
José Francisco
todos os meus caminhos: pra homem, pra emprego e pra tudo porque a
minha mãe não queria me levar pra religião. Então, foi assim que eu entrei
pra religião, minha Lebara me cegou, antes de fazer o meu santo. Foi feito A INICIAÇÃO: DA MINA À ANGOLA

primeiro a minha Padilha, pra poder eu recolher pra fazer o santo. Quando Minha dijina é Kombelajo. Tenho vinte e dois anos de mina e muitos anos de
eu entrei, que eu pensei que ia passar sete dias, eu sai com um mês e quatro mina sofridos. Minha família é católica e eu sempre gostei. Mediunidade a
dias. Porque eu entrei pra fazer uma coisa e eu saí raspada, careca e tudo. gente tem, quem tem não vai buscar: não compra, a gente tem. Nunca fui de
Eu não sabia o que era incorporação. Sofri muito porque eu não entendia. cair no colégio, esse negócio todo, mas eu queria, eu fui pro lado da feitiçaria,
Eu não achava que a incorporação pegava a gente de uma tal forma que a eu via, tinha visão, eu via entidades.

120 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Angola 121
Eu caí em Cãs eu tinha uns quatorze anos, na hora do almoço. Comecei casa de mina. Não encontrei uma casa agradável. Aí, teve uma festa na casa
a me sentir mal. Minha mãe e minha cabeça cresceu e eu cai num buraco. da mãe Lulu, no dia 21 de março, e encontrei a Mam'etu Muagilê. Aí, eu reco-
Aí acordei quatro horas depois todo ferido. Bati o nariz. Eu tinha incorpo- nheci e disse: a senhora não é lá da casa do pai Walter? Ela disse: é. Aí, ela
rado o Zé Raimundo. Aí, minha irmã namorava um abatazeiro de Mina. Aí, disse: vai ter a festa da pomba-gira. Aí, eu fui. Chegando lá, ela disse: meu
ela disse: mano, eu vou te levar lá. Eu disse não, não quero esse negócio de filho, cadê seu pessoal? Essa aqui é sua casa, e eu disse não, eu nem conheço
macumba. Até que um dia, eu tive que ir. Ela mandava em mim e eu ia escon- direito aqui. Na molecagem, eu disse tá, tá que eu fico. Depois, eu fui em
dido da minha mãe. Então, o pai de santo de lá disse: olha, tu vai ter que uma outra festa e achei aquela casa tão legal e o ritual era tão bonito. Voltei,
seguir, senão, tu vai cair na rua, vai ficar doido, o carro vai te bater, e eu conversei com a mãe de santo e ela me explicou tudo, como era o candomblé.
fiquei agoniado. Aquilo tomava conta de mim, né? Aí, quis ficar. Mas não era E eu disse: isso não é para mim não. Depois que eu conversei com ela, a minha
aquilo que eu queria, ser manejado, queria ter uma folha minha. Aí, ela disse: vida, de novo, começou a dar tudo errado de novo, tudo pra trás. E aí, cheguei
Francisco, eu não posso ficar contigo aqui, que o que tu tem, eu não posso com a mãe Beth e disse: o que está acontecendo? E ela jogou búzios e disse
manejar. Aí, fiquei fora vários anos e voltei a pedido de uma amiga minha. que tinha feitura e me deu uma lista de quase um bilhão de dólares. E eu o
Só que lá era Omolocô, que é candomblé, minicandomblé. Só que lá, a gente que ia fazer com tanto dinheiro, eu estava lascado. Mas se o orixá quer... Foi
trabalhava muito, e só trabalhava com povo de rua, só vinha povo de rua na uma surpresa para mim quando ela jogou e disse que eu era visagem. Mas eu
minha cabeça. vou dar um jeito. Aí, o que aconteceu, até onde eu trabalhava, veio minhas
Eu me casei, me afastei da minha família e fazia trabalhos lá em casa. O férias, eu consegui muitas coisas com os meus amigos, deitei e dei tudo para
povo vinha de longe, vinha do Maranhão fazer trabalho comigo. Mas eu me o Nkisi. Hoje, o que eu tinha perdido naquela época, hoje tenho cinco vezes
sentia um merdinha, porque eu não tinha equipamento. Aí, passou e a minha mais. Então, é isso. Hoje, sou um Angoleiro e tenho orgulho dessa nação. A
mãe de santo e disse: eu quero que tu fique aqui tomando conta da casa do minha vida tá começando no santo de Angola e vai até quando ele quiser.
Exu. Eu disse: por que eu? Ela disse: porque eu sei como tu é. Aí, ela morreu e
lá tudo quem bancava era eu. Aí, tive uma briga com uma irmã de santo e tive Palavras de Mam'etu Nangetu
que sair da casa. Eu saí e minha vida virou um inferninho, tudo desandou, eu Pembelê à Nação Angola!
disse que não voltava mais, não baixava mais minha cabeça, não voltava mais. Pembelê a todas as nações...
Houve uma festa, aí ela disse que queria que eu ficasse com o terreiro dela,
eu disse que não, que eu não sabia nem o que tinha enterrado lá. Com três dias, Somente juntos podemos construir um mundo melhor, o mundo sem discri-
ela teve problema de saúde e a entidade dela, cabocla Mariana, disse que tinha minação e sem ódio. Agradecemos ao Projeto Nova Cartografia Social da
que fechar a casa porque quem ela tinha escolhido não queria. Passou-se um Amazônia, em especial à Professora Camila do Valle, e aos demais do projeto
ano depois dessa doença dela, teve outro festejo, depois foi Jorge Malandro. Aí, pela valorização das religiões de Matriz Africana do Estado do Pará.
a cabocla Mariana disse: olha, eu vou levar a minha filha e você vai ficar aqui.
Eu disse: fique a senhora que eu não quero casa de ninguém. Então, passou Que Mam'etu Zumbarandá nos abençoe sempre!
uns dias, aí ela foi embora (a irmã de santo) e teve um ritual. E a cabocla Mam'etu ria Nkisi Nangetu úa N'Zambi
Mariana deixou escrito que queria que eu ficasse com tudo que tinha lá. E foi
um pai de santo e falou comigo lá. Eu disse que não queria e ele disse que ia
fechar o terreiro. Aí, ele começou a quebrar a casa de Exu. Aí, o pai de santo
incorporou uma entidade e disse: você não sabe o que você perdeu, eu disse:
eu? Eu não perdi nada. Então, eu perdi tudo, tudo, só não perdi o emprego,
mas o resto eu perdi. Aí, continuei freqüentando o candomblé e procurei uma

122 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Angola 123
NAÇÃO Ketu
Breve histórico do candomblé Ketu no Pará

O candomblé é uma religião de matriz africana, que chega ao Brasil com os


negros trazidos dos diferentes lugares do continente africano, voltada para o
culto à natureza através dos orişás como divindades responsáveis pelo destino
Pai Walmir, Mãe Beata de Iyemanjá, Ekedi Sinha, dos homens na terra e guardiões do planeta.
Iyá Té Casa Branca. Rio de Janeiro No princípio chamado de calundu e seus praticantes calunduzeiros, é hoje
uma reorganização no Brasil da família do negro africano em seu país de
origem, tendo toda uma hierarquia familiar sacerdotal. É uma religião totê-
Mãe Nalva representante
mica, deixando de ser uma religião praticada apenas por negros, abrindo-se a
dos povos tradicionais toda a sociedade sem distinção de cor, raça ou sexualidade, baseada na hierar-
de terreiro no CONSEA quia e na senioridade. Uma religião iniciatica que não busca a salvação, mas
– Conselho Nacional de
Segurança Alimentar sim uma integração com a natureza.
As religiões de matriz africana, que passam a ser chamadas no Brasil de
religiões afro-brasileiras, recebem diferentes nomes como, Tambor de Mina
no Maranhão, Xangô em Recife, Macumba no Rio de Janeiro, Catimbó e Toré
Pai Walmir, Áureo Jobi. Pai Armando de Besen
Buenos Aires
no Nordeste, etc.
Em Salvador, o candomblé divide-se basicamente em três grupos chamados
de nações: Ketu, Jeje e Angola, que diferem entre si pela sua ritualística, mas
que conservam o culto à ancestralidade e a natureza.
No Pará, segundo documentos da Federação Espírita Umbandista e dos
Cultos Afro-brasileiros do Estado do Pará (FEUCABEP), o candomblé tem
início a partir de 1968, com o retorno a Belém do paraense Astianax Gomes
Barreiro, mais conhecido como “Prego”. O mesmo inicia-se em Salvador
em 14 dezembro 1952, na Nação Ketu, com o Babalorişa Angoleiro Manoel
Rufino de Souza, filho de Miguelassa, e retorna a Belém 10 anos depois onde,
a partir de 1968, fica definitivamente.
Mais tarde, outras pessoas, como Mãe Zuila, pai Haroldo Ferreira, pai Becy
e pai Hyder Nazareno também se iniciam, no candomblé, com sacerdotes
Ação afirmativa dos Mãe Iyá Nare recebendo o diploma
afrorreligiosos pela passagem de homenagem especial da baianos, o que dá início a um fluxo, tanto de paraenses que vão a Salvador
do dia 18 de março. Mãe Iyá Assembleia Legislativa do Pará para se iniciar na religião, como para dar continuidade ao seu sacerdócio e
Iyá Nare em seu Ilê Nare e a Sra. Celia Maracajá. pelos seus relevantes serviços
Memorial dos Povos Indígenas prestados do povo-de-santo.
de baianos que vem a Belém para dar obrigações em seus filhos e que aqui
20 junho 2005 passam a iniciar novos adeptos.

124 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Ketu 125
Na década de oitenta, o candomblé tem um grande impulso dentro de Homenagem ao precursor do candomblé no Pará – Astianax Gomes Barreiro
Belém, quando os próprios sacerdotes paraenses iniciam um grande número
de adeptos, a sua maioria vindos da umbanda ou praticantes da mina paraense.
Outro grande impulso para o crescimento do candomblé em Belém foi
dado a partir do final da década de 90, quando, com o apoio do prefeito, os
afrorreligiosos realizam o I e II encontros denominados de Festa das raças,
ambos realizados dentro do centenário prédio do palácio Antonio Lemos,
onde o prefeito abre as portas da prefeitura e recebe a comunidade afrorreli-
giosa, fato este inédito em Belém, e que deu mais visibilidade às religiões de
matriz africana aqui estabelecidas.
Ogàá Valter Vieira – entrevista em 8 abril 2011

O candomblé

Religião de caráter iniciático e hierárquico, a autoridade suprema e incons-


testável do culto reside na figura do Babalorişá ou Iyalorişá, pessoa que passa
pelos ritos de iniciação para poder presidir e dar continuidade ao aşé. Esse
processo dura, no mínimo, 7 anos, passando pela fase de abiã (pessoa não
iniciada), noviço (Yao, pessoa que já passou pelo ritual de iniciação), até
chegar ao título de Babalorişá, é preciso ter vivencia e aprendizado no aşé,
procedimento que se desenrola durante os 7 anos de noviço, não se pode ser
um sacerdote completo sem ter se passado pelos 7 anos de Yao.
Babá Armando de Besen

126 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Ketu 127
Senioridade Associações afrorreligiosas, sua organização e sua contribuição
no combate ao preconceito e a discriminação religiosa no Pará
A senioridade é o que estrutura a visão de mundo das religiões africanas. O
princípio da senioridade está presente na organização social das comunidades
Com o objetivo de se fortalecer politicamente, as casas de aşé vem se tornando
afrorreligiosas; assegura a preservação da tradição, da identidade, da legitimi-
associações. Associações essas que, num primeiro momento, tinham o obje-
dade, da originalidade e da autenticidade; portanto, são muito importantes no
tivo de conseguir isenção da taxa do IPTU, já que a lei isenta os templos reli-
desempenho dos papéis na organização do Candomblé.
giosos do pagamento deste imposto e haja vista que os templos afrorreligiosos
Para o adepto do Candomblé, o mais velho é sinônimo de saber e de
não tem recebido este benefício da lei até o momento, inclusive o atual prefeito,
respeito. Pode-se ver claramente em um ato público quando um membro
já no final do seu segundo mandato, não deu a devida atenção à reivindicação
religioso se manifesta, reverencia os mais velhos pedindo-lhes a bênção, para
dos afrorreligiosos, fazendo, inclusive, descaso do assunto quando nem ao
somente no final reverenciar os mais novos. O Bàbálorişá ou Iyalorişá é a
menos os recebeu em audiência para ouvir suas reivindicações.
maior autoridade no Candomblé. Além dos cargos de Bàbá Egbé, Ogã, Ekéji,
Com o objetivo de conseguir a isenção do IPTU, os templos afrorreligiosos
Bàbá ou Iyákèkèrè, Iyabaşé e outros cargos hierárquicos.
se transformaram em associações, com ata de fundação, estatuto e CNPJ,
Nos templos de Candomblé da Nação Ketu, fazemos a reapresentação não
mas até o momento não conseguiram a isenção do referido imposto. Porém
só da família extensa, com filhos, netos, tios, avós e agregados como em um
agora, os templos transformados em associações, e com o cadastro de pessoa
reino yorubano, como se o Bàbálorisá ou Iyalorisá fossem rei ou rainha com
jurídica, se fortaleceram politicamente e têm participado de projetos sociais
seus súditos, mostrando a hierarquia através dos rituais que reproduzem um
tanto de ONGs como do governo federal, como o programa Fome Zero, que
sistema de crença que provê uma identidade, uma interpretação do mundo,
vem doando cestas de alimentos para os afrorreligiosos através do Instituto
uma verdade, fazendo da casa de culto um espaço de integração e solida-
Nacional da Tradição e Cultura Afro-brasileira, INTECAB/ PA, órgão respon-
riedade; pois é na senioridade que as histórias se entrelaçam: a escravista
sável por fazer a distribuição dessas cestas às comunidades de terreiros que,
brasileira e a mítica africana. É na senioridade que os religiosos buscam sua
por sua vez, redistribuem as mesmas aos afrorreligiosos e à comunidade em
autoridade de “mais velhos”.
seu entorno, o que tem propiciado uma melhor relação entre a comunidade
Bàbálorişá ou Iyalorişá – sacerdote ou sacerdotisa que detêm os saberes ancestrais. afro e a população local, onde estão inseridos, desmistificando para a socie-
Bàbá Egbé – Iniciado para herdar o trono sacerdotal (herdeiro do templo). dade a imagem histórica pejorativa dos afrorreligiosos como agentes do mal.
Ogã – título honorífico dado a homens (escolhidos pelas divindades) iniciados As associações, hoje, têm um alcance não muito grande, porém, muito
previamente para fazer os sacrifícios aos Deuses, tocar os atabaques para o além do esperado, o que vem melhorando o relacionamento com a comuni-
chamamento dos mesmos à terra, ajudar, proteger e prestar serviço à comuni- dade ao seu entorno, combatendo o preconceito e a discriminação religiosa
dade religiosa. através de trabalhos sociais: oficinas, mini cursos, eventos culturais, exibição
Ekedi – título honorífico dado a mulheres que, da mesma maneira escolhidas de filmes, grupos de danças, peças teatrais etc. Muitos com o apoio de insti-
e iniciadas, dão assistência direta aos sacerdotes (as) e às divindades quando tuições renomadas como Fundação Palmares, SEPPIR, MinC e outras com
manifestadas. recursos próprios.
Iyá base – título honorífico dado a mulheres escolhidas pelas divindades e Transformar os espaços dos templos em associações é uma estratégia que já
iniciadas para cuidar do preparo das oferendas e de toda a parte gastronômica vem dando certo também em outros estados, como o estado do Amapá, onde
do templo. os afrorreligiosos resolvem sair do anonimato e mostrar pra sociedade que
Bàbá ou Iyakèkèrè – Cargos dados aos já iniciados para direcionar toda a comuni- são pessoas comuns e não bruxos ou coisas do outro mundo, como pregam
dade religiosa no ritual e nos outros afazeres do templo na ausência do sacerdote (a). algumas instituições religiosas que agem de forma preconceituosa, jogando a
Pai Walmir Fernandes – em 8 abril 2011 população de encontro às religiões de matriz africana.

128 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Ketu 129
Podemos citar algumas dessas associações criadas em Belém: Aaroo Entre mosaicos e preconceitos
(Pai Walmir), Amorode (Pai Gilmar), Aciyomi (Mãe Nalva), Afaia (Pai
Catende), Afabem (Pai Bessenodo), Afacab (Mãe Rita), Acaoã (Pai Tayandô), É fato histórico que, no Brasil, o pluralismo religioso consolida-se e busca inten-
Arca (Iyá Nare), Arfuoji (Mãe Jocolosy), Assodem, Arcaxa (Pai Bassu), Acsaran samente formas de valorizar a diversidade cultural e, com isto, assiste-se
(Pai Jodson), Ibamca (Mãe Beth), Acafum/ Konzenzala (Mãe Kátia), Insti- atentamente à emergência de movimentos sociais em defesa das escolhas reli-
tuto Nangetu (Nangetu) Associação Cultural Abuke (Mãe Matilde), Iloyany giosas em seus mais variados campos.
(Oya Nirole). Todavia, apesar deste pluralismo acentuado, constata-se, há séculos, que
Ogá Valter Vieira – em junho 2011 as religiões de matrizes africanas no Brasil são vistas de formas estigmati-
zadas e negadas como campo religioso. Fomentar o debate para buscar as
soluções que sustentam as reproduções de ações preconceituosas deve ser o
Relação das casas da Nação Ketu ponto central das políticas de combate ao racismo e ao preconceito com este
com seus respectivos sacerdotes ou sacerdotisas campo religioso.
Comumente, consideramos que a educação poderia ser a instituição que de
NOME DO TERREIRO NOME DO PAI OU DA MÃE ENDEREÇO
forma democrática desmistificaria os estigmas reproduzidos para as religiões
1 Ilê Aşé ágaro nile Pai Walmir Fernandes Av. Lameira Bitencourt 2120,
Bengui de matrizes africanas. O que se constata, no campo educacional, posturas
2 Ilê Aşé Omi Ofá Karê Pai Edson Katende Conj. Maguari conservadoras e reacionárias, as quais contribuem para amalgamar precon-
3 Ile Aşé Iyá Omi Olokun Elizia Palheta dos Santos R. Hasegawa, Guanabara ceitos e discriminação. Como resultados, possuímos um quadro social marca-
(Iyá Nare) damente preconceituoso e discriminatório com os que professam sua crença
4 Ilê Aşé Ode Becy Guilherme Pacheco Vila Esperança, Ananindeua. nas religiões de matriz africana.
5 Ilê Aşé Baba Otogian Edmilson P. Pinho R. do Ranário, Tapanã A religião se expressa como a crença na existência de uma força superior
6 Ilê Aşé Afefeorun Nija Maria do Socorro Coelho Trav. Hasegawa 264, Guanabara considerada como criadora do Universo. A religião também é operada como
7 Ilê Aşé Iyá Ogunté Rita de Cássia Santos Conj. Júlia Sefer, Águas Lindas um elemento cultural, construída por homens e mulheres que, historica-
mente, povoaram a sociedade humana, como afirma ALVES (1999).
8 Ilê Aşé Yemoja Asaba Sônia dos Santos Carvalho R. Pernambuco, Águas Lindas
Trata-se de uma experiência universal da humanidade, através da qual se
9 Ilê Aşé Oşun Omi Aiyé Francisco Mario Alves Águas Lindas tenta compreender os mistérios que envolvem o homem e o seu relaciona-
10 Ilê Aşé Omi Taruncy Eliana Lima Silva Psg. José Bonifácio, mento com o Criador. Essa crença, sendo manifestada de diversas formas,
Entroncamento
torna duvidoso o significado etimológico da palavra “religião”. Alguns acham
11 Ilê Aşé Ode Okeran Maria de Lourdes M. Barbosa Rua Yolanda Barbosa, que ela deriva de reler, isto é, a atenta e cuidadosa observância dos rituais;
Distrito Industrial
outros acham que vem de reeleger, ou seja, opção básica de vida diante de sua
12 Ilê Aşé Idan Talessu Maria José Megui Conj. Maguari
meta última; outros ainda acham que procede de religar, ou seja, a vinculação
13 Ilê Aşé Obá Opo Aganju Orlandina Paixão Conj. Médici, Marambaia
do homem com sua origem e destino.
14 Ilê Aşé Ode Rayin Maria do Socorro Almeida R. São Miguel, Cremação
As religiões afro-brasileiras, conforme sinaliza Prandi (2003), compõem
15 Ilê Aşé Odé Olu Eranile Paulo Roberto Aben Hatar R. das Hortências
um diversificado conjunto de credos, alguns de caráter local, que podem ser
16 Ilê Aşé Besenodo Antonio Marcos Albuquerque Psg. Profeta Isaías Pratinha I
encontradas em todo o Brasil e outros já revestidos de caráter universal. Este
17 Ilê Aşé Jinandê Adelson Assunção Trav. Timbó, Pedreira
campo religioso possui legitimidade como qualquer outro, apesar das estatís-
18 Ilê Aşé Iyaba Omi Mãe Nalva (Iyá Nalva) R. da Olaria 34, Terra Firme
ticas oficiais informarem que há um grupo reduzido de adeptos. Contraria-
mente a este cenário, o que se assiste é um número significativo de praticantes.

130 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Ketu 131
Se operássemos os dados estatísticos, este grupo de matriz religiosa africana Retomar a historicidade da África com o Brasil, estes movimentos permi-
passaria a ocupar um papel significativo no censo demográfico brasileiro. tiram compreender e entender historicamente que os negros, que foram trazidos
Conforme informa Santos (2002), os dados censitários sobre a população como escravos para o Brasil, trouxeram consigo suas culturas originais e, junto
religiosa no país não são reais, quando se necessita precisar os afrorreligiosos. a elas, todo um corpo de crenças e rituais religiosos. Agarraram-se, especial-
O Brasil é um grande mosaico religioso e o Pará não é diferente. Contudo, mente, a suas tradições religiosas, como único meio de conservar sua iden-
as religiões de matriz africana e os povos afrorreligiosos têm sido, ao longo tidade ameaçada pela opressão do poder dominante. Mas essas formas de
dos séculos, vítimas de preconceitos atrozes e perversos. religiosidade entraram em contato com outras manifestações da cultura do
Esta religião caracteriza-se como um elemento cultural, possui uma país: a religião católica, vivida especialmente em suas formas mais populares
capacidade de inclusão social significativa. Não se justificam as formas de como a devoção aos santos, e em certas regiões do país, o espiritismo de Allan
exclusão que vivenciam os adeptos da mesma. As ações inclusivas da reli- Kardec. Surgiram, assim, a Umbanda e o Candomblé, as duas mais impor-
gião afro-brasileira apresentam-se desde o campo ancestral, no tocante à tantes expressões das religiões afro-brasileiras.
herança dos negros escravizados no Brasil e seus descendentes, e os segui- A ausência da história africana nos currículos das escolas e dos cursos
dores da religião, que no momento contemporâneo, já não são mais neces- universitários, em certa medida, possibilita uma percepção à crítica da cultura
sariamente nem escravos nem negros, mas brasileiros de todas as origens africana na sociedade brasileira. Considerando, também, que um dos aspectos
raciais que partilham desse universo religioso e reafirmam sua crença em que contribuem para a negação ou silenciamento a respeito da religião afri-
sua religião. Conforme podemos perceber, as pessoas que praticam as reli- cana encontre explicação no modelo de educação pensado para o país, no qual
giões de matriz africana assumem sua identidade religiosa sem o disfarce o próprio brasileiro não compreende a sua própria historicidade.
de católico ou espírita. Temos a compreensão que, devido ao preconceito histórico, existente  sobre
A cidade de Belém apresenta em seu contexto cultural elementos de uma a religião de matriz africana, os terreiros ocupam espaços territoriais escon-
religiosidade de matriz africana que vem resistindo a movimentos intensos de didos, existindo pouca visibilidade dos mesmos. Os locais de cultos afros ficam
intolerâncias por parte de várias religiões denominadas cristãs. O exemplo de marginalizados. Isto, em parte, vem contribuindo para que os praticantes
manifestações de intolerâncias está presente em alguns campos das religiões das religiões afro-brasileiras as vivenciem dentro de certa “clandestinidade”,
cristãs, quando atribuem ao candomblé “religião do demônio”. O quadro é devido ao preconceito ainda existente em relação a essas manifestações reli-
crítico, exige-se um tratamento do poder público sério e comprometido com giosas. Para este novo milênio, os praticantes da religião afro-brasileira devem
os direitos humanos: torna-se necessário defender não só a liberdade religiosa, lutar para vivenciarem suas experiências religiosas de forma explícita, aberta.
mas o respeito à herança histórica e cultural de um povo. Vivemos em uma sociedade em que a prática religiosa é garantida pela Cons-
Não serão poucas as constatações se fizermos uma análise das interações tituição Federal. Defendemos como religiosos que “o estudo da religião hoje
sociais e formas de agir de determinados grupos sociais e religiosos, bem parece importante não só em si mesmo, como também para pensar o mundo
como os enfoques negativos sobre as religiões de matriz africana, valendo- contemporâneo nas suas relações com o projeto secular” (VELHO, 1998, p. 290).
-se de expedientes de cunho discriminatório, que se utiliza de atos e pala- É imperioso retomar os debates com as universidades, com os movimentos
vras pejorativas ao se referirem às práticas religiosas afro-brasileiras, como sociais, sindicais, os partidos, com as escolas, enfim, neste novo milênio,
“encosto”, “demônios”, “espíritos imundos”, “pai de encosto”, “mãe de a religião de matriz africana e seus sacerdotes devem apresentar de forma
encosto”, “bruxaria”, “feitiçaria”, “macumba” e outros preconceitos relativos intensa suas crenças e reivindiques por liberdade democrática em seus locais
às religiões de matriz africana. de trabalho. Por isso, queremos ser vistos pelo poder público como sujeitos
É tempo, urge o momento de recolocar, denunciar aos órgãos públicos ativos de uma sociedade. Com dignidade e respeito, a abordagem da religio-
brasileiros, é tempo de reparação à religião brasileira de matriz africana, e a sidade de matriz africana possibilita a compreensão de nossas raízes, nossa
lesão que vem sofrendo em vários séculos. história, bem como nossas diversas formas de experiências com o sagrado.

132 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Ketu 133
Neste sentido, as religiões de matrizes africanas no Brasil fazem parte do Pai Walmir (Agaro Níle)
panteão cultural trazido pela diáspora negra, constituindo um de nossos elos
de ligação com a mãe África. Não serão poucas as constatações se fizermos Da iniciação ao sacerdócio
uma análise das nossas interações sociais e formas de agir, veremos o quanto “Sou paraense, nascido em 09/02/1955. Sacer-
somos circundados e ou orientados pela mística e crença na força e energia dote Pleno (OYE) da Religião Tradicional Afri-
da natureza, aspecto  estritamente relacionado ao Aşé, à energia dos Orixás.  cana, Bábàlorişá da nação Ketu. O líder espi-
O sacerdote deste novo milênio deve olhar a escola como um espaço ritual do Templo da Religião Africana “Ile Aşé
para desconstrução de preconceitos, visando à reeducação das relações Agaro Níle, fundado em 26/07/1978, situado
étnico-raciais. Estar vigilante ao Plano Nacional de Direitos Humanos, na Rua Lameira Bittencourt 2120 – Benguí em
o qual estabelece o combate à intolerância religiosa dentre suas metas. Belém (PA). Iniciado em 10/08/1977, filho de
“Prevenir e combater a intolerância religiosa, inclusive no que diz respeito a Cícero Fernandes de Araújo (Ayra Fa Beron),
religiões minoritárias e a cultos afro-brasileiros”. Bábàlorişá da Nação Jeje Savalu em Salvador
Não se pretende proceder à apologia a este campo religioso, há uma preo- (BA), já falecido, e neto de Maria Rocha Pires
cupação em sinalizar a diversidade religiosa, a qual deve ser mais que respei- (Ominiké), e bisneto de mãe Tança de Nana
tada, levando-se em consideração os aspectos culturais e sociais que cada da corcunda de Yayá.
religião apresenta. Garantir o espaço necessário de professar, suas crenças e Realizei minhas ‘obrigações’ de 14 e 21
acervo pessoal pai walmir

a manifestação de seus ritos para que aqueles que o quiserem, o façam e anos com Joselita Pereira dos Santos (Omeran), Iyalorixá da Nação Ketu,
sintam-se confortáveis e, aí sim, respeitados nesta escolha. também de Salvador (BA). Tenho uma extensa descendência religiosa, pois
Pai Walmir Fernandes – maio 2011 já iniciei 54 ‘barcos’, tendo 153 filhos iniciados, além de 48 filhos aos quais
presidi as ‘obrigações’.
referências bibliográficas Sou o precursor e primeiro Coordenador Estadual do INTECAB/ PA. Presi-
dente da ‘Ipamo Egbe Èdé Yorubá Ni Basìì’ (Sociedade de Preservação da
ALVES, Rubem. O que é religião? São Paulo: Edições Loyola, 1999.
Língua Yorubá no Brasil/Pará), sendo o único professor da Língua Yorubá do
CAVALLEIRO, Eliane. Educação anti-racista: compromisso indispensável para um mundo
melhor. In: Eliane Cavalleiro (org.). Racismo e anti-racismo na educação: repensando a Norte, tendo ministrado diversos cursos no Pará e em outros estados do Brasil.”
escola. São Paulo: Summus, 2001. Pai Walmir Fernandes – depoimento
PINTO Magalhães (orgs.). Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Conti-
nuada, Alfabetização e Diversidade, 2006. “Dentro da nossa tradição, a gente não conflita um com outro em relação ao
PRANDI, Reginaldo. As religiões afro-brasileiras e seus seguidores. Civitas, Revista de Ciências ritual, fazer uma oferenda, ou não poder andar com nossas indumentárias.
Sociais, vol. 3, nº 1, pp. 15-34, Porto Alegre, PUC-RS, 2003. Esse esclarecimento dá uma imagem diferenciada na cabeça do promotor
. Os candomblés de São Paulo: a velha magia na metrópole nova. São Paulo, público, porque é ele quem às vezes tolhe essas questões e cria esses conflitos,
Hucitec e Edusp, 1991. Porque é a sociedade que nos vê marginais, diferentes e que não nos respeita
SILVA, Gilberto Ferreira da. Expressões de religiosidade de matriz africana no ensino médio: um nessa diferença. O esclarecimento sobre a religião daria uma melhor visibili-
estudo em escolas públicas no contexto de Porto Alegre (RS). In: Dimensões da inclusão no
dade, na cabeça deles, talvez eles abrissem um precedente, ou uma lacuna que
ensino médio de trabalho, religiosidade e educação quilombola. Maria Lúcia de Santana
Braga, Edileuza Penha de Souza, Ana Flávia Magalhães Pinto (orgs.). Brasília: Ministério
seja pra que nós entrássemos e pudéssemos fazer livremente nossos cultos,
da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2006. porque se nós tivéssemos o apoio dessa sociedade civil, do poder municipal,
SILVA, Vagner Gonçalves da. Candomblé e Umbanda: caminhos da devoção brasileira. São Paulo: estadual, federal enfim, se nos dessem uma maior abertura, seria muito bom
Selo Negro, 2005. sobre locais de realizar oferendas. Local nós temos de monte aqui para os

134 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Ketu 135
nossos rituais, principalmente na Amazônia para se saudar, pra se reveren- Alcântara (Omilewasi). Edivânia Câmara (Iyá Tunde), Sônia Carvalho (Iyá
ciar nossas divindades yorubanas, mas, infelizmente, somos tolhidos desses Tunan), Lourdes Barbosa (Okeran), Luciano Canosa (Obá Itá), Rita de Cássia
direitos por desconhecimento e total ignorância cultural.” Azevedo (Iyá Ejité), Paulo Roberto Abenatar (Eranile), Marco Antônio Albu-
Pai Walmir Fernandes – entrevista em dezembro 2010 realizada no Ile Aşe Iyá Omi Olokun, Mãe Iyá querque (Besenodo), Maria Gracíola Corrêa (Omijare), Edmilson Pinho
Nare (Otogian), Américo Porto (Aganjulobá), José Ronaldo (Eranomi), Raimundo
Vargas (Obanilá), Orlando Cajueiro (Alaji), Carlos Ferreira (Okanogun), José
Religiosidade afro-amazônica de Ribamar Almeida (Tolunjá), Hilda Júlia Cardoso (Idatoolú), Altino Teixeira
“Com relação ao termo ‘afro-amazônico’, que hoje é discutido em nossa (Ofanodé), Socorro Perlin (Funfunoyá), Adelson Assunção (Jinande), Fran-
região, eu penso que o candomblé, sendo oriundo de África, mas que a Bahia cisco Mário de Souza (Omi Aye).
foi quem nos trouxe, porém existe uma mesclagem do povo Amazônida por
conta dos caboclos aqui existentes. Todo caboclo – não importa se ele é na Alguns dos sacerdotes e sacerdotisas oriundos (as) de outras raízes de Aşé
Bahia, no Ceará, ou em qualquer estado brasileiro, não importa, porque com obrigações presididas pelo Bábàlorişá Walmir Fernandes
não existe caboclo em África, o caboclo é genuinamente brasileiro, Aqui Elizia Palheta dos Santos (Iyá Nare), Consolação Cabral (Oyá Jokolosi), Rose-
na Amazônia – quando eu digo ‘Amazônia’, eu digo Amazônia Legal, então nildo (Omineran), Luiza Ninfa (Omisaleji), Socorro Coutinho (Odé Hayin),
os caboclos daqui são diferentes dos lá da Bahia, bem diferentes, mesmo eu Marcos Ribeiro (Olufonin), Nilsya Gonzaga (Oyá Wangesi), Ginalva Barbosa
que pratico Ketu tenho aquele cuidado, mas quando chega no caboclo... é (Ewadesi), Ozanélia Santos (Sindoyá) João Hiley(Lenguazaze).
diferente, pois eu cultuo um índio, tá! De onde ele vem? da Amazônia. Aí Oficina realizada em 7 janeiro 2011
uma outra pessoa que está lá em casa fica virado com um caboclo daqui da
Amazônia, Sete Flechas, o Tango do Pará, não sei o que, tem tantos! A gente
não bota aquele caboclo pra fora, ele vai dançar até o fim, então, tem essa Mãe Iya Nare
essência amazônica, nós não podemos fugir disso. Outra, quando a gente vai
arriar as oferendas para as divindades, para os orişás, a gente usa as coisas Elízia Palheta dos Santos, paraense,
da Amazônia, porque nós não temos o inhame que lá o nordestino tem, o Iyalorişá do Ile Aşé Omi Olokun, conhe-
nosso é diferente, é aquele cará tirado da terra. O que compra aqui é o de cida como Iya Nare, com casa aberta em
supermercado, mas o que vende lá no nordeste não é o de nossa raiz. Eu já fiz Belém/PA, há 33 anos, localizada à Rua
ebó (oferendas) e tudo mais, já arriei comida pra Ogun com esse cará tirando Hasegawa no Bairro da Guanabara, com
daqui da Amazônia, isso não existe lá, então, a gente tem que entender que aproximadamente 30 filhos iniciados.
o nosso candomblé, ele está misturado com as coisas da Amazônia, então Filha de Raimunda Cosma dos Santos
por isso eu penso que essa fala ‘afro-amazônico’ não vai de forma nenhuma (Ogun Dewi), descendente do Terreiro 3
acrescentar ou diminuir a tradição.” Unidos de Oba Tundewi, em Salvador/
Pai Walmir Fernandes – entrevista em dezembro 2010 realizada no Ile Ase Iyá Omi Olokun, Mãe Iyá BA. “Nós aqui cultuamos Iyemojá, que
Nare é meu orişá. Nós temos um calendário
deixado por minha Iyalorişá, ela deixou
Alguns dos sacerdotes e sacerdotisas iniciados (as) pelo arquivo pessoal Iya Nare esse calendário na minha Casa: no dia 2
Bábàlorişá Walmir Fernandes de fevereiro nós cultuamos Iyemojá, no
Elder Fábio Andrade (Olojú Ire), Raimunda Vieira (Katulembá), Domingas dia 13 de junho nós cultuamos Ogun,
no dia 16 de agosto nós cultuamos

136 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Ketu 137
Omolu. E no último sábado de outubro tem o Ipeté de Oşun. Depoimento de Mãe Iya Nare

“É... hoje a gente ainda luta,


como eu te disse, que hoje já
mudou bastante, mas a gente
luta muito, muito contra a
discriminação, porque na
maioria das ruas, dos bairros,
existem muitos evangélicos.
Eu graças a Deus, aqui, talvez
pelos anos que eu moro aqui,
eu não tenha passado por
muitas dificuldades com
relação a isso, mas há muitas
pessoas que tem, inclusive eu
arquivo pessoal mãe nalva
tenho filhos de Santo que já
passaram por isso, de terem suas Casas invadidas, de virem jogar sal na sua
porta e muitas coisas assim que existe. Eu, aqui, graças a Deus, não tenho essa
dificuldade, porque muita gente aqui, todo mundo é meu amigo, eu já moro
aqui há muitos anos e não tenho tanta dificuldade, mas a minha filha, ali na
Casa dela, passou por essa dificuldade. Um dia, ela estava tocando na Casa dela
e, na rua de trás, moram uns evangélicos e eles deram parte, e a Polícia veio
aí e tal..., por sorte, havia um advogado que estava assistindo o candomblé e
intercedeu. O candomblé não parou porque ele comprovou que nós temos a
Lei que nos ampara, aí ele falou com a Polícia e tal e não aconteceu nada. Mas,
muitas Casas, por causa dessa discriminação, passam por esse problema; existe
uma discriminação, muito grande, nós ainda lutamos contra isso. Então, isso
era importante para que pudesse amenizar, eu não sei de que maneira, mas que
pudesse haver uma Lei, uma forma qualquer de que se eu não incomodo a eles,
os mesmos não tem o direito de incomodar a mim por causa da minha religião,
eu acho que cada um deveria usar o seu espaço, pelo menos nós temos uma
constituição que nos ampara. Nós começamos nossos candomblés às 8 horas da
noite, terminamos no máximo 1 hora da manhã, porque você sabe, toda Casa
de candomblé tem vizinho, eu tenho vizinho aqui, tenho vizinho ali, então,
pra não incomodar, quando dá 1 hora a gente termina o candomblé, faz uma
recepçãozinha aí atrás e tal pra gente poder incomodar o mínimo o vizinho e
tal, mas eles não nos respeitam, como é que chama, megafone né? Eles botam aí

138 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Ketu 139
na porta deles e aquilo de 8 horas da manhã às 10 da noite aquilo fica gritando, “Aê patativa, meu pássaro companheiro (bis)
insultando, é porque as Casas do Diabo, as Casas disso, e não sei o quê, por que Eu ando de porto em porto, eu ando o Brasil inteiro
sempre tentando menosprezar a gente, quando nós não fazemos isso. Nunca Mas na terra de caboclo, cabloco fala
numa Casa de candomblé você vai ver comentário sobre evangélico, primeiro primeiro”
porque as nossas festas, as nossas reuniões são de alegria, você chega na Casa de “Brasileiro, brasileiro, eu também sou
candomblé tem alegria, tem os atabaques tocando, as pessoas cantando, então, brasileiro
todo mundo aí está numa paz, não se lembra de falar da religião alheia, daquilo Todo caboclo é brasileiro”
e daquilo outro. Eu acho que isso deveria ser assim Sou feliz na minha Religião. Além das atividades sacerdotais, há cerca
Iyá Nare – oficina da Nação Ketu, 7 janeiro 2011 de dez anos fundamos a ACIYOMI, Asso-
ciação Afrorreligiosa e Cultural Ilê Yaba
Omi que funciona no espaço do Terreiro,
Mãe Nalva de Oşun no bairro da Terra Firme, Belém, local
onde desenvolvemos os projetos refe-
Eşu fire bo awa ó rentes a Segurança Alimentar. Faço parte
Eşu faça nossas vidas plena do CONSEA, Conselho Nacional de Segu-
de coisas boas arquivo pessoal pai fabio
rança Alimentar, representando a Rede
Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde, como comunidade tradicional
“O candomblé sobrevive até hoje, porque não quer convencer as pessoas sobre uma verdade
de terreiro.
absoluta. Ao contrário da maioria das religiões” Pierre Verger
As nossas ações consistem na entrega de cestas de alimentos tanto às
comunidades tradicionais de terreiro como à comunidade do entorno da
Reafirmo minha identidade como afrorreligiosa porque ministro os conceitos
Aciyomi, projeto desenvolvido em parceria com o Ministério de Desenvolvi-
e os preceitos da religião de matriz africana da nação Ketu, preservando
mento Social e Combate a Fome – MDS, e a Secretaria Especial de Promoção
a tradição de minha família, que é do Terreiro Três Unidos, do bairro de
para a Igualdade Racial – SEPPIR. Além disso promovemos oficinas, pales-
Paripe, Salvador, Bahia. É daí que advém a minha raiz, sendo filha de Ya
tras, cursos de formação de geração de renda voltada para a comunidade.
Nare, neta de Ogum Dewi e bisneta de Oba Tundewi.
Essas ações desenvolvidas pelo terreiro visa também combater a intolerância
Fui escolhida pelos orişás para dar continuidade ao Aşé de minha mãe
religiosa. Outro marco importante em nossas atividades: supervisora do
carnal, Maria de Nazaré (Sobani) que tinha como orişá Yemonjá. Fui iniciada,
mapeamento socioeconômico dos terreiros na região metropolitana que vem
passei por todo o processo como manda a tradição da religião de matriz afri-
fornecer elementos para implementação de políticas públicas para o PCTT –
cana, fechando o ciclo e assumindo o Ilê de minha mãe carnal com os Abians
Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro de Belém, dando visibilidade a
que hoje são iniciados por mim. Desde então venho mantendo os preceitos
essas comunidades, e combatendo toda forma de discriminação e intolerância.
da tradição Ketu.
Por justiça, as comunidades tradicionais de terreiro são reconhecidas
Eu observo assim; o Candomblé chega ao Brasil juntamente com os negros,
como patrimônio imaterial.
pode até ser diversa a forma de cultuá-lo, porque o Brasil é imenso, sendo
E, para finalizar, um canto para Oşun.
portanto impossível sermos uma única totalidade. Por exemplo, o Ketu cultua
os orişás, mas existem muitas casas que também cultuam o caboclo, que é
"Íyá Dò Sìn Máa Gbè Ìyá Wa Oró" (bis)
legado da cultura brasileira, fazendo parte de nossa riqueza cultural.
Certa vez ouvi no Maranhão a seguinte doutrina cantada por caboclo: A mãe do rio a quem cultuamos nos protegerá,

140 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Ketu 141
Mãe que nos guiará nas tradições e costumes Pai Fábio e sua luta
Depoimento de Mãe Nalva de Oşun
"Eu sou Elder Fábio Câmara de
Andrade (Olojú Ire), Bábàlorişá Nação
Ketu, iniciado para o Orişá Ogun em
26/12/1980, pelo Bábàlorişá Walmir
da Luz Fernandes e sou Hounbono
(primeiro filho) do Ile Aşé Agaro Níle,
com obrigações em dia, inclusive a de
21 anos. Possuo alguns filhos iniciados:
Cíntia Carlena (Feloyá), Terezinha
Nunes Santos (Iyá Ireti), Milton Arge-
arquivo pessoal mãe socorro
miro (Bàbá Alade), Cristiane Santana
arquivo pessoal valter vieira
(Odé Feran), Sandra Repolho (Odomi),
Carlos Augusto (Obá Oloye). Tenho
outros filhos de outras casas de Aşé que presido obrigações. Hoje, sou o atual
Coordenador do Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-brasileira
INTECAB/PA, onde tenho tentado desenvolver um trabalho de conscienti-
zação e combate ao preconceito religioso, através de ações de incentivo à
resistência da fé aos adeptos das religiões de matriz africana, e a toda a socie-
dade. Posso citar, entre outros eventos, dois de maiores destaques em nossa
atual coordenação: a Festa das Raças e a Caminhada contra a Intolerância
Religiosa, que já aconteceram dois anos consecutivos.
Com a interação e participação das comunidades afrorreligiosas na atual
gestão, sinto-me bem à vontade de dizer que conseguimos aglutinar e sensi-
bilizar maior número de associados. Hoje, juntos, oferecemos uma atenção
especial à distribuição das cestas de alimentos, doadas pelo programa Fome
Zero do governo federal, que procura atender pessoas das comunidades de
terreiro. Então, tenho tentado manter um diálogo aberto na relação com as
mesmas, diminuindo, assim, a intolerância religiosa."

142 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Ketu 143
Mãe Socorro (Oyá Nijatemy) Ogã Valter Vieira (Idayemi)

Mãe Socorro responde à seguinte “Nasci na cidade de Macapá, filho de pais católicos, tive meu primeiro encontro
pergunta da pesquisadora Ray Negrão, com as religiões afro-brasileiras aos 11 anos, por acompanhar minha mãe,
com relação à Nação Ketu. Sra. Raimunda Vieira que, por motivos de saúde, começou a freqüentar uma
"Eu perguntaria pra Sra. como se casa de umbanda. Tive meu primeiro contato com a Mina paraense em 1982,
diferencia uma pessoa chegando, nós, e, em junho de 1985, minha mãe passou a dar suas obrigações no candomblé
por exemplo, que estamos chegando de (angola), e, no mês seguinte, com a inauguração do seu terreiro em Macapá
fora, saber que é uma Casa de Ketu, né? (Abasá Ngunzo ni Cafunje), fui suspenso ogàá, confirmado em dezembro 2002
daquela Nação Ketu, que é a Nação... pelo Bàbálorişá Walmir Fernandes. Venho, desde então, além de exercer minha
que diferencia... alguém que está função como religioso (Axogun), me empenhando na busca pelo conhecimento
chegando, a Sra. teriacomo fazer essa histórico e antropológico da religião. Hoje, sou formado em História e pós
Pai Walmir e Mãe Nalva – encontro de
Afrorreligiosos com o prefeito de Belém,
diferença, assim, através dos símbolos, graduando em saberes africanos e afro-amazônicos pela UFPA, participante de
iniciando o ciclo da Festa das Raças no existe um símbolo marcante que dife- movimentos sociais e religiosos para divulgação e esclarecimento da cultura
Palácio Antonio Lemos rencia e distingue, assim, aqui é uma africana como forma de combater o preconceito às religiões afro-brasileiras.
Casa de Ketu?" Hoje, em Belém, existem duas correntes dentro do candomblé, uma que
“Eu me chamo Maria do Socorro prefere manter-se ligada ao sincretismo religioso católico e outra que busca
dos Santos, sou Oyá Nijatemy, Nação o rompimento com esse sincretismo. Nós, que buscamos esse rompimento,
Ketu, iniciada por Raimunda Cosma não queremos uma reconstrução da África no Brasil, apenas acreditamos que
dos Santos, a Mãe Dewi, referente à o sincretismo religioso foi muito útil, principalmente no período da escra-
pergunta que vocês fizeram sobre a vidão como forma de resistência, mas que hoje com a liberdade de culto que
diferença né? Na entrada de qualquer nos é dada pela constituição brasileira, não existe mais a necessidade de nos
pessoa, muitas vezes, as pessoas que são da Nação Angola, elas gostam mantermos atrelados à religião católica, até porque nossa religião também
muito do colorido, da coisa colorida, a gente nota muito isso nos angoleiros, possui todos os sacramentos necessários para sua prática ritualística, sem
entendeu? Eles gostam muito de cores, e nós do Ketu, cultuamos muito precisarmos ter que recorrer a outras religiões para complementá-la.
branco, né? Aquela coisa do branco ou a cor referente ao orixá. Agora, na Candomblé, celeiro da tradição africana no Brasil.”
Casa em si, em festa, você nota na entrada, porque o Angola ele usa as mãos
para tocar os atabaques, e no Ketu, nós usamos os aguidavis (varetas), você
vê, entra, você nota logo que se estão tocando de aguidavis é Ketu, certo?
Obrigada, gente.”
Oficina de Nação Ketu – Casa da Iyá Nare, 7 janeiro 2011

144 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Ketu 145
Nação JEJE SAVALU
Gaiaku Jokolosy
Doné Nalva Bertriny

O povo Jeje é formado pelos Povos Fons, chamados de Jeje pelos Povos Iorubas;
a tradição Jeje é fundamentada na dinastia de Nana Burukú ou Bukú, que é
considerada como a divindade mais antiga. Ela foi muito cultuada na África
em regiões como: Dakar, Zumê, Abomey, Dumê, Cheti, Bode, Lubão, Banté,
Aziri Tobossi preparada para o Run Gaiaku Jokolosy preparada para Gaiaku Jokolosy Djabalá e muitas outras.
iniciar mais um de seus eventos
em seu funderê Para os Fons e Ewes, a palavra “Nanâ ou Naná” é empregada para se chamar
de mãe as mulheres idosas e respeitáveis, ou seja, a palavra “Nanâ” significa
“Senhora Respeitável”. Nanâ é associada à terra, à água, à lama.Os pântanos
são o seu domínio por ser a mais antiga das divindades, representa a memória
ancestral. Mãe de Loko ou Iroko, Agué, Omolú ou Sakpatá e Oxumaré ou
Bessen na dinastia Fon. Nana está ligada ao mistério da vida e da morte.
Este mistério é presente nos Jejes que propagam no Brasil a tradição Fon,
principalmente na Nação Jeje Savalu, que foi mantida entre familiares, fazendo
que muitos conhecimentos sobre a nação ficassem somente registrados nas
entrelinhas da história.
Pesquisadores relatam que os primeiros negros Jeje chegados ao Brasil,
Jokolosy e Keuami
entraram por São Luís do Maranhão, seguindo para Salvador e, posterior-
mente, para Cachoeira de São Félix. Onde foi fundada a roça Kwe Ceja Undê,
1º Seminário de Mulheres de Aşé em São Luís do Maranhão:
chamada de roça do baixo, por escravos como Manoel Ventura, Tixerem, Zé
Gaiaku Jokolosy, Iacorixá Nalva do Oxum e Mãe Evelina de São Luís do Brecho e Ludovina Pessoa, esposa de Manoel.
A Nação Jeje Savalu manteve a sua tradição com Mãe Satu africana (Axé
Doné do templo KPOIGIN), Mãe Tança, Mãe Jerônima, Sifônio, Mãe Pureza, Mãe Mariazinha,
religioso Funderê
Ni Oyá Jokolosy Pai Hamilton (Aira dean) que foi iniciado por Mãe Mariazinha, Ilda Tolú (in
memoriam), que recebeu sua transmissão de segredo com Mãe Tança e Pai
Carlos Bota, que herdou a casa de Mãe Pureza.
Em virtude da dificuldade da transmissão de saberes, como já foi anterior-
mente mencionado, parte do conhecimento sobre os fundamentos religiosos se
Gaiaku Jokolosy dançando toque dispersaram junto com seus filhos e filhas de santo. Alguns mudaram de nação
“sato” em macapá no funderê de
sua filha Gjaredê e outros resolveram investigar sobre a formação e consolidação da Nação Jeje.

146 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Jeje Savalu 147
Estas pessoas conseguiram reestruturar maiores representantes os religiosos Gaiaku Jokolosy, Gaiaku Matilde, Gaiaku
o conhecimento dos fundamentos e fazer Nadir, Gaiaku Nirolê, Pai Altino, Tolajesú, Gaiaku Obalokejí, Gaiaku Mebe-
crescer a cultura deixada pelos escravos. niderê, Gaiaku Jidoayé, Gaiaku Kaladja, Hombono Tolu Befá, Hombono Ode
Atualmente, existem muitas casas e Iboarú, Hombono Obatujialê, Hombono Oba Kinisô, Hombono Ilereguian,
pessoas que são sabedoras do culto dos Hombono Jiassú, Gaiaku Nilokesy, Mãe Creusa, Hombono Obetolainan,
Voduns, que aprenderam com muito sacri- Gaiaku Obanifé, Hombono Idanlesy, Hombono Ejami, Hombono Deleyfan,
fício. Mas, desse modo, ajudaram a levantar Hombono Jimolê, Larundelê, Farujenan, Oya Guereji, Homono Omim Luan-
a bandeira da nação, impedindo, assim, a desy, Gaiaku Orominjé, Mãe Valda, Mãe Elizabeth, Hombono Omim Ladê.
extinção da Nação Jeje Savalu. Aşé.
Nas últimas décadas, houve um grande
avanço na área da pesquisa sobre a religio-
sidade afrodescendente. Há a necessidade Afirmação na afrorreligiosidade
de catalogar as nações que formam a reli- Oficina de Cartografia Social em 27 maio 2010
gião afro-brasileira, e, assim, os mais velhos
Onitá preparada para Orun estarão contribuindo para que tudo o que foi Eu, Gaiaku Jokolosy, tenho 34 anos de Vixê Vodunsi, gratulada na fé. São anos
(uma dança) vivido pelos Povos Jejes não seja esquecido. de dedicação e luta, unificando e interagindo com as comunidades, levando
Dentre os conhecimentos deixados pelas mensagens de paz, lutando para que a religião de matriz africana seja reco-
nações Jeje temos: o Vodun é representação da própria natureza e existem 35 nhecida, ocupando um lugar que é nosso. As nações de Candomblé apresentam
grupos formados de etnias diferentes como: Ewe, Fons, Gwa, Holli, Mina práticas ritualísticas das culturas das comunidades tradicionais de terreiros e de
Ada, Nagô, Tchamba, Pizo, goun, Philaphila, Ashanti, Mahi, Taneka, Dindi, interações com o público. A religião teve muito que lutar para chegar até os dias
Penlh, Tago, Jeje, que reverenciam os Voduns. Além disso, são agrupados em de hoje, um dos fatores que mais teve sobrevivência foi a hierarquia das casas,
família como os Savalunos, Dambira, Danvice e Heviosso que se subdivi- isto sempre foi inquestionável, em busca do reconhecimento.
diram em linhagem.
Eu me chamo de batismo Altinho Teixeira, o meu nome de Santo como Ofá
No Pará, a Nação Jeje foi trazida pelo Pai Carlos de Oliveira Botas, que
Nodé. Então, eu sou iniciado. Primeiro, eu vou falar um pouquinho da parte
realmente assumiu a nação em Belém, há 23 anos. Tendo, atualmente, como
da iniciação. Eu sou iniciado na casa do Pai Walmir da Luz Fernandes, no
Bengüí. Iniciei com ele com o fundamento Jeje, o qual tinha sido trazido do Pai
Cícero, que é de Salvador, Caminho de Areia, que, por sua vez, deu obrigação
na Corcunda de Iaiá, que era uma Casa de Nanã. É aberta por uma princesa
africana e a nação lá era Jeje! O meu fundamento todo foi interno, pelo menos
é o que eu considero. No salão se canta Ijexá, Angola, Ketu, Jeje (...). Então,
a essência que a gente pegou a base realmente é a Corcunda de Iaiá, que foi
quem trouxe tudinho. Bom, para explicar como eu permaneci no Jeje: depois
da minha obrigação de ano, a minha Casa foi aberta e, daí em diante, eu passei
a dar obrigação com o Pai Carlinhos, que é o Carlos Alberto de Oliveira Bota,
de Salvador, que é filho e herdeiro de uma Casa de Jeje, também originária
da Corcunda de Iaiá, que era a Mãe Pureza. Mãe Pureza deu obrigação na
Mãe Matilde e Mãe Nadir

148 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Jeje Savalu 149
Corcunda de Iaiá, pegou o Jeje e ela, na passagem dela, deixou de herança a Eu me chamo Tolajesú, filho de Gaiaku Jokolosy, fui iniciado dia 27 de julho de
casa pro Pai Carlinhos, e o Pai Carlinhos também herdou toda aquela gama 1991, tenho casa aberta. Quero dar minhas obrigações se Deus quiser, confio
de conhecimentos e o qual vem passando pra mim. Bom, a minha Casa, eu em meu Pai Ogum que, daqui pra frente, serei um vitorioso.
considero que ela tenha sido aberta em vinte e dois de junho de oitenta e cinco.
Meu nome é Nandunji, ai eu fui feita em 1991, na casa da Mãe Jokolosy. É isso!
A afrorreligiosidade, como vocês sabem, tem as três facções básicas que é a
Umbanda, a Mina e o Candomblé. Então, eu ainda abri na Umbanda, eu era
da Umbanda, dia vinte e dois de junho de oitenta e cinco. Depois de sete anos, A organização da Nação Jeje
eu já fiz santo no Candomblé, e já tomei a diretriz, fiz a iniciação no Walmir, Gaiaku Jokolosy – entrevista realizada em 6 novembro 2010
depois dei a obrigação com o Pai Carlinhos; tô levando ela até agora. Hoje em
dia, eu já tenho alguns filhos que eu já abri a Casa no fundamento Jeje, como Eles sempre passaram isso, não tenho vergonha de falar, que o Jeje tropeçou
é a peculiaridade que me foi passada, porque todo mundo sabe que o conheci- um pouco, devido a algumas pessoas que partiram para o Orun e outras
mento é passado de pai pra filho. saíram para outras nações. Os que ficaram, lutaram, sofreram na carne, na
pele e foram resgatando as raízes, com muito sacrifício. Nós tivemos, no Rio
Eu me chamo Gaiaku Nyrolé. Praticamente é uma sequência de vida dentro da de Janeiro, uma Gaiaku Jurema Ya Têmi. Essa Gaiaku trabalhou trinta anos,
espiritualidade. Fui iniciada em 10 de maio de 1992, em Ketu, por Pai Banjo, ela já é falecida. Ela trouxe conhecimentos e fundamentos com muita resis-
depois dei continuidade nas obrigações na Casa de Pai Omynerã, no Jeje. De lá, tência e respeito. Foram adaptadas muitas coisas na Nação Jeje, assim como
na obrigação de ano, eu escolhi um Bábàlorişá pra dar minha obrigação. E o qual em outras nações. Mas a gente não foge das essências, das origens, isso é
eu escolhi foi Pai Pequeno, que é o Ominerã, e eu prossegui as obrigações por importante. E como falei no início, o que é que eu digo para vocês é assim,
um período de 3 anos e depois eu prossegui minha vida, já dando obrigação com que a gente tem que seguir na hierarquia, tem que cada vez mais preservar
a pessoa que eu estou hoje, que é a Mãe Elisa, Ya Narê, na Nação Jeje também e buscar conhecimento, se aprimorar cada vez mais. Passando uns para os
trazida de Salvador pelo Pai Carlinhos. As minhas águas são as mesmas dele. outros, de pais para filhos, mas sabendo a quem passar. A gente não pode
Já paguei minha obrigação de 7 e 14. Eu tenho várias casas assentadas também, chegar a qualquer casa e passar nossos fundamentos, isso não faz parte das
vários filhos na minha casa, continuo no meu terreiro no Icuí Guajará, tentando nossas práticas.
prosseguir a religião, a nação de onde eu preservo a minha Casa, nas minhas
águas, não querendo mudar absolutamente nada, sempre buscando mais alguma
coisa para o meu conhecimento da minha Casa, dos meus filhos. Os símbolos da Nação
Gaiaku Jokolosy – entrevista realizada em 6 novembro 2010
Eu comecei em 1976, né, na Umbanda. Sou Gaiaku Nilokesy, filha de Gaiaku
Jokolosy, eu me iniciei na casa da Mãe Oyá em 1991, vou fazer 20 anos de
Santo, desde a minha iniciação eu estou até hoje na casa da minha Mãe. O patriarca da nação é Bessen, também
chamado como Rei do Jeje, que é representado
Eu me chamo Gaiaku Mebenideré, filha de Gaiaku Jokolosy, tenho começado em pela Dan (cobra), pelo vento e pelo arco-íris.
1992, e tenho 5 filhos de santos já feitos. Continuo na casa da minha Mãe, tenho
a minha missão de Mina, sou mineira também, e continuo na casa da Mãe de Símbolos de Onitá: eruexin (rabo de vaca
Santo. De Mina, tenho uns 37 anos. E tenho quase 19 de Santo. E continuo com para espantar os akututus).
Draká: usado por todos
a minha missão: compro a minha Mina, bato. Mas também quando tem pra Elemento: tempestade. os voduns da nação.
tirar filho de Santo no Candomblé, tenho tirado, agora tenho cinco pra tirar. Eu Ilustração de Aldryn Augusto
Região: África, cidade Irá.
tenho muitos filhos de Mina também, mas continuo na minha missão. Silva Cabral

150 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Jeje Savalu 151
A iniciação na Nação Jeje Savalu A organização da casa Jeje
Essa passagem se dá iniciando: iniciação e confirmação. São confirmados A confirmação
Pejigãs, ekedis, runtós, Cargos e voduncis. A ekedi é porta-voz de vódum. Bem, como eu já havia dito, meu nome é Alan, sou pejigã da casa, sou iniciado
Uma coisa que eu sempre digo, que tudo é sério; quando se assenta uma casa, há pouco mais de um ano, sou confirmado por Gaiaku Jokolosy há pouco mais
um entoto e quando se senta uma cumeeira. de um ano. Ogã e ekedi correspondem às pessoas que não recebem em seus
Gaiaku Jokolosy – entrevista realizada em 6 novembro 2010 corpos, não passam pela experiência do transe mediúnico, a gente não diz
iniciado, a gente fala confirmar. São pessoas que já nascem exercendo uma
Os elementos que são muito peculiares à nossa função propriamente dita, um cargo. Quem tem a experiência do transe medi-
nação, o vodum é um deles. Tanto a Nação Jeje, único, que são no caso os voduncis, eles são iniciados, esperam um tempo
como a Nação Angola, são nações que cultuam energético pra poder receber seu cargo e exercer a função dentro da casa.
os ancestrais, assim como o Ketu também; os Tudo isto é determinado pelo Agumagá (jogo de búzios), pelo qual o vodun
orixás, no Ketu, eles foram conhecidos e foram fala através da Gaiaku (...). Quando eu me confirmei, que disseram assim: “Ah!
difundidos a partir da ascensão de uma determi- Você vai ser ogã, aí todo mundo batia nas minhas costas, e disseram assim –
nada família e dinastia na África de uma deter- égua parabéns!”
minada região. Então, por exemplo, o próprio Alan Fonseca – pejigã do Funderê Gaiaku Jokolosy, entrevista realizada em 6 novembro 2010
nome orixá, ele já é o dono do orí, aquele que
rege o orí, (a cabeça). Já o vodum quer dizer espí- A dedicação dos cargos pelo vodun
rito, mas não qualquer espírito, é aquele espírito
Ser ogã depende de inúmeras responsabilidades, que não é algo tão simples, não é
ancestral que foi passado de geração a geração,
Contas de vodunsi:
só chegar e charlar como eu achava que todo mundo fazia, ser ogã tem inúmeras
de família pra família, e que andava junto com
mossorocada, amba, responsabilidades. Como a gente está lidando com energia para as nossas divin-
alabastro, runjébi, brajá, terra cada tribo Jeje. Outro elemento também, por
dades, a gente não pode fazer de qualquer jeito, tem que fazer com todo amor,
cóta, laguidba, etc. exemplo, ao tocar os atabaques, a gente utiliza
com todo carinho, com toda dedicação e é esse caminho que estou seguindo.
necessariamente as varetas (aguidavi), prepa-
Alan Fonseca – pejigã do Funderê Gaiaku Jokolosy, entrevista realizada em 6 novembro 2010
radas para tocar a pele, o atabaque. O próprio
nome dos atabaques “rum”, “rumpi” e “lé” vêm dos povos Jeje, que hoje, aqui, A iniciação
a gente chama de nação, mas os povos Jeje são das mais diferentes regiões
geográficas. Cada nação tem uma reza particular, já as nossas rezas falam Sou iniciada há dezenove anos na Nação Jeje. Recebi o meu cargo de doné com
mais do tempo, do espaço, da natureza, da influência que essas energias têm três anos de iniciada. Desde que iniciei, através do ifá já sabia que iria assumir
no nosso planeta e na nossa vida. uma grande responsabilidade. Entre outros, fui escolhida por Onitá (vodun
Alan Fonseca – pejigã do Funderê Gaiaku Jokolosy, entrevista realizada em 6 novembro 2010 do funderê), para este cargo, desde então venho cumprido com meu compro-
misso com muito carinho e amor aos voduns.
Nalva Bertriny – Doné do funderê Gaiaku Jokolosy, entrevista realizada em 6 novembro 2010

As tarefas da casa
Cada casa tem sua tarefa, uma diferente da outra, eu posso falar da minha. É
o meu dia a dia: às sextas-feiras, a gente considera a Lissá, o vodun fun fun, a

152 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Jeje Savalu 153
gente não joga o Agumagá, não se faz ebó, não se faz algumas coisas, não atende.
No sábado, começam as atividades. Eu, pelo menos, trabalho aqui atendendo as
pessoas, geralmente, até na hora do almoço eu atendo, eu canso de largar meu
prato pra atender certas pessoas. Aqui chega pessoa com dor de cabeça, crianças
pra benzer, são clientes pra jogar, eu jogo carta, eu dou passe, esse passe eu
comecei desde pequena quando fui preparada na linha de cura. Eu tive minha
preparação na pena e maracá, nosso dia a dia é muito corrido, porque eu acabo
envolvendo as pessoas que moram aqui. Porque é tanta coisa, é defumação, é
atender, é a limpeza da casa, é dar água, é dar café, e também tem as minhas Saia com a tabaquinha feita a mão
coisas. Que ainda costuro, porque quem faz as roupas dos vóduns sou eu. Nossa e bainha de ponto Paris

roupa de candomblé é diferente da roupa de mina e da roupa de umbanda. Os


axós são feitos com tabaquinha de velha, que é uma costura feita a mão.
Gaiaku Jokolosy – entrevista realizada em 6 novembro 2010
Bata, camisu, saia e cintureta

Somos conhecidos pela indumentária

Quem conhece, identifica, você é conhecido pelo que você usa. Se você está
usando uma acrochomé, ecans (contra eguns), mocans, que é feito de uma
fibra de ráfia extraída do ígo ogóró, a palha da costa, elemento de grande
significado, desta fibra também é confeccionada a roupa do vodun Omolú,
ela é tecida fazendo as cordas e pondo os caorís, que são os búzios na ponta
da saia. Quando você está de ecans, eles já sabem que está de preceito de um
ebó, ou no preceito de um período de que iniciou e confirmou por um ano.
Os vodunsis, quando iniciam, usam a aliança que é o quêle, por três meses,
depois deste período, o (a) sacerdote tira, mas a sua umbigueira e o seu contra
eguns, que são os ecãs, permanecem nele por um ano. Temos um rungebe, que
é um fio de conta, do vodum Lokô, que se recebe quando é transmitido o ideká
(transmissão de segredo). Bata e camisu de richelieu Batas
Gaiaku Jokolosy – entrevista realizada em 6 novembro 2010
vodum pede que complete 7 anos, e outras não, pois quem decide é o vódum
O tempo de aprender da pessoa pelo ifá que a Gaiaku joga, através da transmissão que são os tempos
responsáveis, tem aquelas pessoas que não recebem Ideká, são aquelas pessoas
Os conhecimentos são coisas que vão passando, não é que não possa dizer de que nasceram prá fazer parte da hierarquia da casa, do kwê, que são os cargos.
imediato, é porque quando inicia, o vodunsi no Jeje como vocês conhecem São pessoas como eu, que sou doné, sou mãe pequena, e não recebi ideká
como iaô em outra nação, quando inicia ele não sabe tudo. É como numa para iniciar outras pessoas, eu faço parte do quadro da hierarquia da casa, sou
faculdade, a pessoa vai passando por diversos níveis para poder chegar no a segunda pessoa da casa, depois da Gaiaku, depois dela, eu sou a segunda
grau superior de aprendizado. E quando você chega a receber ideká (trans- pessoa responsável pela casa.
missão de segredo) é porque você já esta apto. Porque tem pessoas que o Nalva Bertriny – Doné do Funderê Gaiaku Jokolosy, entrevista realizada em 6 novembro 2010

154 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Jeje Savalu 155
A luta contra o preconceito filhos, os seus voduns, com muito amor, você, sinceramente, você cai fora,
porque a situação é muito difícil.
Quando eu entrei no Candomblé, eu tinha passado no vestibular na UFPA.
Oyá Nirolê – Oficina de Cartografia Social em 27 maio 2010
Eu ia pra universidade com a cabeça raspada, com um pano enrolado, com
a roupa branca. Tudo como tem que ser (...) com cabuolô (guinzo) no pé,
Formas de organização na luta contra a intolerância religiosa
nossa! Era um preconceito terrível. Eu era de exatas, do curso de Engenharia
Elétrica. Eu não podia ficar sentada em alto, porque fazia parte do preceito, Paralelo a outras lutas, surgiu a campanha: “Quem é de axé diz que é”. O
somente na hora que iria começar a aula e todo mundo ficava me olhando, objetivo é diminuir o nível de intolerância religiosa conosco que somos afror-
mas eu não ligava pra isso, porque eu sabia que eu tava fazendo aquilo pela religiosos. A partir dessa luta, nós nos mobilizamos para que a gente pudesse
minha espiritualidade, e eu já tinha um pensamento muito mais avançado. obter a regularização da situação dos nossos terreiros, regularizar no sentido
Então, o preconceito era muito grande. Eu falei prá ela (mãe Jokolosy) que das casas de santos serem reconhecidas pela sociedade como templos reli-
quantas vezes eu peguei ônibus e vinha em pé, porque não podia sentar, e são giosos, isto porque a gente percebeu que na maioria dos casos tem associação
coisas que a gente tem que cumprir. Quando tinha evangélico, falavam coisas funcionando dentro do espaço do terreiro, mas a associação não é o terreiro,
absurdas e eu tinha que ficar calada, porque a gente não pode ficar discutindo, o terreiro é um templo religioso e tem que ser visto pela sociedade como tal.
porque é uma coisa que também a gente não pode, ficar brigando, gritando. Alan Fonseca – pejigã do Funderê Gaiaku Jokolosy – entrevista realizada em 6 novembro 2010
Hoje em dia, assim, tem muitas pessoas que a gente vê que já mudou, avançou
um pouco mais. Foi há dezenove anos. Então é uma luta assim terrível. Com A importância das casas de santo
três anos depois que eu recebi o meu cargo, raspei novamente, tive que usar
Ela vai se transformar numa entidade de caráter religioso, e qual a ideia? A
branco, ir com um pano enrolado na cabeça, mas aí o pessoal já estava se acos-
idéia é que, por exemplo, os benefícios do trabalho deste mapeamento tire a
tumando muito mais, quer dizer já foi menor o preconceito, porque os meus
gente de uma situação de anonimato. E diz assim pra sociedade: esses caras
colegas de aula chegavam e eles me olhavam dos pés à cabeça: “olha a Nalva
existem. E esses caras não são quaisquer caras, são caras importantes, porque
macumbeira”. Porque eles pensam dessa maneira que é macumbeira, eles não
eles, durante toda a história desse território brasileiro, viveram sustentando
conhecem. Mas eu não ligava porque a gente já tem um conhecimento. Hoje
vossas casas de santo que acolheram os negros que, logo depois do período de
em dia a gente vê que as pessoas circulam assim de uma maneira diferente.
libertação, que não sabiam o que fazer com a liberdade deles, foram prá onde?
Já houve amadurecimento porque alguém já passou por aquele espaço lá e já
Quem foi que acolheu? Foram os voduns, foram as Gaiakus, foram as casas.
mostrou diferente. Então é a comunicação. E é isso que eu digo, se houver
Quer dizer, deve-se muito historicamente às religiões de matriz africana, bem
comunicação, nós acabamos quebrando vários tabus. Ainda existem pessoas
como pros negros. Deve-se muito e deve-se até hoje, porque se sabe que boa
com dúvidas e criticam, não sabem o que é. Depois da minha convivência
parte da população, a maior parte da população é preta e é pobre. Até hoje o
na universidade, tinha amigos que falavam: “Nalva, eu quero fazer o santo
povo negro vem sustentando esse país nas costas. Então, tá mais do que na
contigo,” já era diferente. Aí, quer dizer, foi mudando. É essa a questão do
hora de sairmos dessa situação de marginalidade. Quando falo de marginali-
preconceito, é a gente lutar pelo espaço que é o que a gente tá tentando fazer.
dade, não entendam no termo pejorativo, mas entendam à margem da socie-
Nalva Bertriny – Doné do Funderê Gaiaku Jokolosy, reunião de trabalho de campo em 26 junho 2010
dade mesmo, e essa é uma oportunidade pra gente começar a ser reconhecido
como deveria. Nossos terreiros virariam templos religiosos, e aí a gente vai ter
E a dificuldade de muitas coisas que a gente enfrenta em Belém: (...) há
todo um aparato jurídico para deixar de ser vitimizado.
pessoas assim completamente diferentes e a gente tem que enfrentar todo
Alan Fonseca – pejigã do Funderê Gaiaku Jokolosy – entrevista realizada em 6 novembro 2010
tipo de discriminação dentro da nossa casa, da nossa vida, e se você não tiver
muita força, muita vontade de sobreviver, de manter a sua obrigação, os seus

156 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Jeje Savalu 157
Milangan Milangan (rezas) e Han (cantigas) da Nação Jeje Sakpatá
Logo que foi criado o mundo por Mawu-Lissá, eles deram para cada um de
Han seus filhos riquezas, domínios e responsabilidades.
Saudando o patriarca da Nação Jeje, que é Bessen Sakpatá ganhou a cidade de Savalu, e dela cuidaria para que os humanos
que ali morassem o tivessem como Deus ou Rei. O próprio era irmão de Sogbô
* Arrundê ê pokó * Savaluquema diê, savaluquema diê e os dois não se gostavam. Para que não houvesse discussão entre eles, Sakpatá
Arrundê pocijé Êêê savaluquema diê (bis) resolveu ir morar com seu povo, e para a terra levou todas as riquezas que
Azauani pocijé possuía. Ele se preocupou com tudo, mas não levou a água. Resolveu deixá-la
Arrundê ê pokó (bis) * Jeje Savalu criolalarundê no meio das riquezas de seu irmão Sogbô.
Criolalarundê, criolalarundê Com o tempo, a água da chuva não caía mais um pingo, e logo os mora-
* Arrumbobô inguelêsy (bis) Jeje dores de Savalu foram até o palácio de Sakpatá, e ele disse para que eles não se
A unjelé pokan a unjelé pokan preocupassem que a chuva já estava prestes a fazer rios, mares e lagos trans-
Han saudando a Nação Jeje bordarem, só que as palavras de Sakpatá não foram cumpridas e três anos se
passaram sem chuva.
Nesse mesmo período, dois Bokonons, muito conhecidos em todas as
Contos de Voduns
cidades por serem grandes adivinhos e grandes consultores de Fá, haviam
Gaiaku Jokolosy
acabado de chegar na cidade de Savalu. Esses homens pediram pra falar com o
Segredo do şangô rei da cidade e os seus súditos, então, levaram os dois bokonons até o palácio.
Ao chegarem, logo se apresentaram a Sakpatá, que logo percebeu que eles
Onitá (Iansã) vivia casada com şango (Keviosso). Eles sentavam todas as falavam uma língua diferente, mas que ele conhecia: a língua falada no céu.
noites para olhar a lua, ele lhe pediu que contasse as estrelas que havia no céu Então, logo perguntou:
no momento. Keviosso falou a Onitá que, no dia seguinte, lhe mandaria até “— O que está acontecendo? Pois no meu reino já não chove há três anos.”
legbara (Esú) para buscar a sua encomenda, toda semana ele mesmo que ia E eles responderam que eles não sabiam, mas se Sakpatá quisesse, eles
buscar, pois não confiava em ninguém. Ela contou as estrelas e foram deitar. consultariam Fá. Sakpatá, então, pediu para que eles consultassem. Fá disse
Ao amanhecer, ela saiu para buscar a encomenda, chegando lá, Legbara que tudo o que acontecia era por causa de dois irmãos que desejavam possuir
lhe entregou um embrulho, no caminho ela abriu o pacote, era um pó, ela as mesmas coisas, e que Sakpatá deveria fazer uma oferenda para acalmar
soprou e saíram labaredas de fogo. Com medo de voltar para casa, pois sabia seu irmão. Sakpatá, na mesma hora, mandou providenciar tudo que Fá pediu
que Keviosso ficaria furioso e a mataria em saber que ela desobedeceu e através dos caoris, e foi feito a oferenda e mandaram um pássaro entregar as
descobriu um de seus segredos. Então, ficou escondida em um campo, sem oferendas aos altos do céu. Logo Sogbô lançou um raio em direção ao pássaro,
saber o que fazer. Já era bem tarde, às 18hs, quando vinha passando Sakpata que se esquivou e o clarão do raio fez com que Sogbô reparasse nas habilidades
(Omolú) com suas ovelhas e a viu escondida e lhe chamou para que entrasse do pássaro. Era o pássaro que Sakpatá criara desde filhote e, então, deixou o
no meio delas para se esconder. Foi assim que conseguiu fugir de Keviosso e pássaro se aproximar. Ele, rápido, deixou a oferenda e foi embora com recado
ficou com um de seus segredos. que Sogbô havia aceitado a oferenda e que pedia perdão ao seu irmão por ter
Desde então, Onitá passou a carregar o tabuleiro de Sakpata na cabeça, sido tão ambicioso. Sakpatá não foi tão esperto como pensava, pois esquecera
pois ela devia sua vida a ele. Nas casas de Candomblé que são regidas por do mais importante: a água. E, neste mesmo dia, a chuva fez que rios, mares
Onitá, geralmente as segundas-feiras se realizam Tabuleiro, em homenagem e lagos transbordassem de tanta água e os dois irmãos fizeram as pazes. Uma
a Sakpatá. grande festa foi feita em Savalu para celebrar o acontecido.

158 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Jeje Savalu 159
Terreiros da Nação Jeje pesquisados 20 Ilé Aşé Ako Bessen Idanlesy (Jeje)
Belém, Bairro Tenoné, Distrito de Icoaraci
1 Associação Cultural Afro Aşé Babá Abuque (Jeje)
21 Ilê Aşé Gun Nidá (Jeje)
Belém, Bairro Batista Campos
Ananindeua, Bairro Centro
2 Casa de M. e Cabocla Mariana e Zé Raimundo (Mina-Jeje)
22 Ilê Aşé Ode Sewê (Jeje)
Ananindeua, Bairro Bom Futuro
Ananindeua, Bairro Icui Guajará
3 Fundaré Aşé Ny Fàdákà Vodun Togun Tolú Befá (Jeje)
23 Ilê Aşé Omim Apará (Jeje)
Belém, Bairro Campina, Distrito de Icoaraci
Ananindeua, Bairro PAAR
4 Fundere Aşé Ny Wúrà Vòdum Aziri Tolá Popólokun (Jeje)
24 Ilê Aşé Sango Baru (Jeje)
Belém, Distrito de Icoaraci
Belém, Distrito de Icoaraci
5 Fundarê Naye Omilade (Jeje)
25 Ilê Aşé de Oxum (Mina-Jeje)
Belém, Bairro Telégrafo
Ananindeua, Bairro Coqueiro.
6 Fundere Ny Gun Tolajesú (Jeje)
26 Ilê Aşé Oya Nyrole Igbalé (Jeje)
Belém, Bairro Canudos
Ananindeua, Bairro Icuí Guajará.
7 Fundere Ny Gaiaku Jokolosy (Jeje)
27 Ile Ya Omim Orô (Jeje)
Belém, Bairro São Brás.
Belém, Bairro Água Boa, Distrito de Outeiro
8 Fundere Ny Saponan Jimole (Jeje)
28 Kwe Ceja Hundo Bessen Larundelê (Jeje)
Ananindeua, Bairro Icuí Guajará
Belém, Bairro Tenoné, Distrito de Icoaraci
9 Fundere Ny Vodun Ajunssun Jiassu (Jeje)
29 Rundô Guereji (Jeje)
Belém, Bairro Tapanã II
Ananindeua, Cidade Nova 6
10 Fundere Ny Vodun Azirikaia Omin Luandesy (Jeje)
30 Rundô Gun Nitá (Jeje)
Belém, Bairro Tenoné
Ananindeua, Bairro Icuí Guajará
11 Fundere Ny Vodun Jagum Jidoaie (Jeje)
31 Vodum Kwe Savalu Ezin Oşun Oro Ejami (Jeje)
Belém, Bairro Ponta Grossa, Distrito de Icoaraci
Belém, Bairro Marco
12 Funderé Unitá Nilokecy (Jeje)
Belém, Bairro Coqueiro.
13 Fundere Vodu Mawulissá (Jeje)
Belém, Bairro Marco
14 Fundere Vodun Gun Farujenan (Jeje)
Belém, Distrito de Icoaraci
15 Fundere Vodun o Azerikaia Delayfan (Jeje)
Belém, Bairro Telégrafo
16 Fundere Vodun Otolú Iboarô (Jeje)
Belém, Bairro Agulha, Distrito de Icoaraci
17 Fundere Vodun ò Vanua Ya Mebeniderê (Jeje)
Belém, Bairro Canudos
18 Fundere Voduo Airá Intilé (Jeje)
Belém, Bairro Parque Verde
19 Fundere Voduo Izo Beriomam (Jeje)
Belém, Bairro Ponta Grossa, Distrito de Icoaraci

160 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Jeje Savalu 161
Festas e rituais da Nação Jeje Savalu Junho 27 Festa de Dona Mariana Ilê Aşé de Osum
24 Festa do Zé Pretinho Hundô Guereji
Mês Data FESTA E/OU RITUAL CASA ONDE SE REALIZA
- Homenagem a Toya Jarina Fundere Aşé NY Wurá Vodun Aziri Tolá
Janeiro 20 Toque de Rei Sebastião Ilê Aşé Gun Nidá Popolokun
Candomblé do Vodun Gun Fundere Aşé NY Fadaká Vodun Tolú Befá 10 Festa de mãe Maria Ilê Aşé Sangô Barú
2ª Festa da Cabocla Araguaina Fundere Ny Vodun Azirikaia Omin 13 Procissão de Santo Antônio Kwe Cejá Hundó Bessen Larundelê
semana Luandesy 13 Festa do Caboclo Fundere Ny Saponan Jimolê
13 Festa da Cabocla Mariana Ilê Yá Omim Oró
27 Festa de Dona Márcia Joana Fundere Vodun ô Azerikaia Deleyfan
19 Festa de Bessen Kwe Cejá Hundó Bessen Larundelê
02 Festa da Cabocla Mariana Fundere Vodun Gun Farujenã
Julho 12 Festa de Candomblé de senhor Ilê Aşé Gun Nidá
20 Festa de Odé Fundere Vodun Otolú IBoarô Ogum
Fevereiro 17 Festa de São Lázaro Fundere Ny Vodun Jagum Jidoayê Sem Festa de Seu Marinheiro Associação Cultural Afro Aşé Babá
data Abuque
08 Festa de João das Matas Fundere Gun Tolajessú definida
– Festa do Caboclo Coral Ilê Aşé Akó Bessen Idanlesy 24 Aniversário do Caboclo Vodun Kwe Savalu Ezin Osum Oro Ejami
José Raimundo
Março 22 Toque de Mina Nagô – Ilê Aşé Gun Nidá 30 Festa de Xangô Fundere Voduo Izo Berioman
aniversário de Tóia Jarina - Festa do Erê Fundere Vodu Mawulissá
30 Pilão de şangô Ilê Aşé Sangô Barú Agosto 16 Festa de Ajunssun Fundere Ny Vodun Ajunssun Jiassu
23 Festa de D. Erondina Fundere Vodun ô Vanua Yá Mebenidere 23 Festa de Exu Fundere Vodun ô Azerikaia Deleyfan
16 Festa de Osum Fundere Voduo Izo Berioman Festa de Padilha Fundere Vodun Otolú IBoarô
– Cabocla Tereza Légua Ilê Ase Akó Bessen Idanlesy Festa de Bessen Ilê Ase Akó Bessen Idanlesy
24 Festa da Cabocla Mariana Hundô Guereji
Abril 23 Toque de São Jorge Ilê Aşé Gun Nidá Festa de Aziri Fundere Aşé NY Wurá Vodun Aziri Tolá
Festa da Cabocla Tereza Légua Fundere Vodun Gun Farujenã Popolokun
Festa de Ogun Fundere Vodun ô Vanua Yá Mebenidere 27 Festa do Santo Omolú Fundere Ny Vodun Jagum Jidoaye
24 Aniversário de Bessen Vodun Kwe Savalu Ezin Osum Oro Ejami
30 Festa da Cabocla Mariana Fundere Nayê Omilade
Maio último Festa do Vodun Gun Fundere NY Oya Jokolosy 09 Olubajé Fundere Ny Saponan Jimolê
sábado
3º Festa do Vodun Xangô Fundere Voduo Airá Intile
19 Festa da Cabocla Mariana Ilê Aşé Omin Apará
sábado
30 Festa do Vodun Oyá Hundô Guereji último Festa de Ogum Fundere Vodun Gun Farujenã
Obrigação do Vodun Aziri Fundere Aşé NY Fadaká Vodun Tolú Befá
sábado
Setembro terceiro Festa de Oxalá Fundere Vodu Mawulissá
11 Ritual Jeje Savalu Vodun Kwe Savalu Ezin Osum Oro Ejami sábado
(dia de Osun)
10 Festa de Oşun Fundere Ny Saponan Jimolê 13 Festa do Caboclo Zé Pilintra Fundere Nayê Omilade
17 Festa de Oşun Ilê Yá Omim Oró
16 Pilão de şangô Fundere Voduo Airá Intilé
Festa da Cabocla Joana Gunça Ilê Ase Akó Bessen Idanlesiy
2º Festa de Oyá Ilê Aşé Oyá Nirolê Igbalé Festa do Caboclo Zé Pilintra Rundô Gun Nitá
domingo 20 Festa de Ubirajara Fundere Vodun ô Azerikaia Deleyfan
21 Festa de Mariana Fundere Vodun Otolú IBoarô
23 Festa da Cabocla Maria Légua Hundô Guereji
12 Festa da Cabocla Iracema Rundô Gun Nitá 27 Festa de Cosme e Damião Ilê Aşé Gun Nidá
28 Festa do Vodun Gun Rundô Gun Nitá Festa de Cosme e Damião Associação Cultural Afro Aşé Babá
Abuque
Festa de Cosme e Damião Fundere Vodun Otolú Iboarô

162 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Jeje Savalu 163
Outubro segundo Festa do Vodun Osun Fundere Ny Vodun Azirikaia Omin Participantes da entrevista coletiva realizada em 6 novembro 2010
sábado Luandecy
Gaiaku Jokolosy, Nalva Bertriny (Doné da Casa Funderê Gaiaku Jokolosy),
Festa de Osum Ilê Aşé Sangô Barú
03 Festa de Osum Ilê Aşé Omin Apará Mãe Gaiaku Matilde, Hombono Tolajesú, Hilda, Alan Fonseca (Pejigã da Casa
05 Festa de Cabocla Jarna Ilê Yá Omim Oró Funderê Gaiaku Jokolosy).
08 Festa de Nossa Senhora Ilê Aşé de Osum
da Conceição
12 Festa de aniversário da Cabocla Casa de Mina e Cabocla Mariana e Zé
Mariana Raimundo
25 Festa de Maria Rosa Fundere Vodun Otolú Iboarô
29 Festa da Cabocla Juliana Fundere Vodun ô Vanua Yá Mebenidere

30 Festa do Caboclo Fundere Voduo Izo Berioman


Festa do Caboclo Surrupira Ilê Aşé Akó Bessen Idanlesiy
Novembro 04 Aniversário de Oyá Vodun Kwe Savalu Ezin Osum Oro Ejami

Festa do Junto Otolu Fundere Ny Vodun Azirikaia Omin


Luandecy
17 Festa do Vodun Osun Rundô Gun Nitá
19 Festa de D. Mariana Fundere Ny Gun Tolajessú
23 Festa de D. Mariana Ilê Aşé Oyá Nirolê Igbalé
30 Festa do Erê Fundere Ny Vodun Jagum Jidoaye
Dezembro primeiro Festa do Vodun Onitá Fundere Ny Gaiaku Jokolosy (Acarajé)
sábado
terceiro Festa do Vodun Osun Fundere Voduo Airá Intilé
sábado
Festa da Jussara Ilê Aşé Omin Apará Participantes da oficina de cartografia social realizada em 27 maio 2010
13 Presentes nas águas para Aziris Fundere Aşé NY Fadaká Vodun Tolú Befá
Festa de Otolú Fundere Aşé NY Wurá Vodun Aziri Tolá
Berenice Gomes (Gaiaku Mebenidere), Linda de Fátima Ferreira Gonçalves
Popolokun (Funderê Oya Nanduji), José Maria O. Silva (Funderé Tolajésu), Altino A. A.
Festa do Azirikaiá Fundere Vodun ô Azerikaia Deleyfan Teixeira (Ilê Ase Ode Sewe), Mauro Morais (Fundere Voduo Izo Berionan),
Festa do Caboclo Zé Raimundo Fundere Vodun Otolú Iboarô Hombono Tolú Befá (Fundere Ase NY Fodalca Vodum), Rosa lidia Tavares
Festa de Oyá Ilê Aşé Akó Bessen Idanlesy
Sutelo (Ilê Aşé Oya Nyrolê Igbale), Otília S. S. Couceiro (Fundere Unita
20 Festa do Acarajé Fundere Vodun Gun Farujenã
Nylokesy), Iracilene Inês Cadete Moraes (Fundere Unita Nylokecy), Bene-
29 Festa de Iemanjá Fundere Vodun ô Vanua Yá Mebenidere
dito Santana S. Filho (Vodum Kewé savalu Ezim Osuoro Ejami), Márcia C.
N. Teixeira (Fundere Ny Gaiaku Jokolosy, Iyá Efum), Nalva Bertriny da S.
Alves (Fundere Ny Gaiaku Jokolosy, Doné), Maria da Consolação (Fundere ni

164 Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará Nação Jeje Savalu 165
Posfácio

Este livro foi construído a partir de entrevistas


e oficinas ocorridas entre abril de 2010 e fins de 2011 com o objetivo de
produzir um mapa e um livro, geo-referenciando informações que revelam
a coletividade e o dinamismo das identidades das nações afrorreligiosas e
da Pajelança em Belém do Pará. Os afetos, conflitos, modos de convivência
e formas de ocupação e reprodução, no território, dessas identidades cole-
tivas centradas na religiosidade também fizeram parte do mapa realizado
ao longo do tempo de realização deste projeto. Aliás, podemos dizer que
o mapa, entendido como um mapa narrativo, tem aqui, neste livro, espaço
para expandir seus elementos de narratividade. Tanto este livro como o
mapa, que foram resultados do projeto Cartografia Social dos Afrorreli-
giosos de Belém do Pará, são documentos que escolhem, portanto, o critério
da narratividade e, portanto, do dinamismo da ação para revelar a cons-
trução de sua identidade cultural. Esta identidade cultural, entendida como
patrimônio cultural imaterial, ultrapassa as fronteiras dos municípios
diretamente envolvidos na pesquisa, já que as narrativas remetem a outros
espaços geográficos e a outros tempos: formas não redutoras de pensar os
pertencimentos e os processos de institucionalidade. É necessário sublinhar
que este projeto, ao ter sido executado no âmbito do Programa Nacional
de Patrimônio Imaterial do IPHAN, com a participação de pesquisadores
das mais variadas formações acadêmicas e vinculados a diferentes univer-
sidades, demonstra a importância e a complexidade da identidade cultural
dos grupos aqui participantes. É mister acrescentar que a categoria “pesqui-
sadores” neste projeto contemplou tanto formações acadêmicas quanto
afrorreligiosos com suas formações, saberes e conhecimentos tradicionais.

Camila do Valle
professora adjunta da UFRRJ (Departamento de Letras, Leafro/PNCSA)

167
Mam'etu Nangetu, Babá Luiz Tayandô,
fotografias, Pai Rilke e Hungã, sacerdote do Haiti,
presença na mídia no Encontro Internacional de Cultura
dos Povos na Martinica
e documentos
Encontro de lideranças afro-brasileiras
com o Prefeito Municipal de Belém,
Edmilson Rodrigues

I Encontro Nacional de Fortalecimento das Ações de Saúde


na População Afrorreligiosa, 13 a 16 dezembro 2010, Belém

Mam'etu Nangetu e Baba Tayandô com


Encontro Estadual – As Religiões de Sérgio Mamberti, quando secretário, durante a
Matrizes Africanas no Enfrentamento Conferência Nacional de Cultura em Brasília
das DST/HIV/Aids, Belém

Documentário "A Descoberta da Amazônia pelos Caminhada com Ogum – atividade que reúne
Turcos Encantados" de Luiz Arnaldo Campos comunidades afrorreligiosa de três municípios

168 169
I Festa das Raças. Mesa de Abertura do
O prefeito Edmilson I Congresso Municipal
Rodrigues abre as de Afrorreligiosidade
portas do Palácio do
governo municipal para
o povo-de-santo

II Seminário Nacional de Políticas


Públicas para as Culturas Populares

III Conferência Estadual de Segurança Campanha do Desarmamento,


Alimentar e Nutricional – Mãe Nangetu, Comitê do Diálogo Interreligioso,
Mãe Nalva, Pai Antônio, Mãe Beth, Praça Batista Campos
Pai Marcelo, e Mãe Adenilza

Pai Tayandô e o professor Pierre


Lawoetey no IV Encontro Nacional
Pai Walmir de Luz Fernandes, da Rede de Religiões Afro-brasileira
Pai Francelino e o professor e Saúde, 28 a 30 de abril de 2005,
Pierre Lawoetey Belém do Pará

170 171
I Encontro Nacional de Fortalecimento das
Caminhada dos afrorreligiosos pelo aniversário de Belém Ações de Saúde na população afrorreligiosa,
13 a 16 dezembro 2010, Belém

Prêmio de Direitos Humanos IV Seminário Nacional de Religiões Lançamento do Projeto Federal de Mapeamento socioeconômico
OAB. Mãe Nalva (agraciada) Afro-brasileiras e Saúde – Belém das comunidades tradicionais de terreiro
e Dra. Cristina (OAB)
II Congresso Municipal de afrorreligiosidade.
Saudação às divindades afro-brasileiras

Conferência Estadual de Políticas Públicas para Mulheres

IV Seminário Nacional da
Rede de Religiões Afro-brasileiras
e Saúde – Lideranças nacionais,
28-30 abril 2005, Belém

3º Seminário Nacional do Programa de


Aquisição de alimentos da agricultura familiar

172 173
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176 177
178 179
180 181
182 183
184
188 189
pesquisadores do projeto participantes das oficinas do projeto
bolsistas e voluntários

Alberto Paulo Martins Adriana Pontes Tenente


Andressa Lorena Cardoso de Lima (UFPA) Adriany L. Pantoja
Armando Duval Soares de Brito Neto (ACIYOMI) Adson T. Marques
Arthur Leandro/Táta Kinamboji Alan Fonseca
Beth de Bamburucema/ Mam'etu Muagilê Aldryn Augusto S. Cabral
Bruna Rafaela C. Vieira (UFPA ) Alfredo Aurélio Benevides Neto (INTECAB)
Camila do Valle (PNCSA/UFRRJ) Altino A. A. Teixeira
Camila Lira Aragão (UFPA) Aluízio de Lissa
Flávia Gomes do Lago (UFPA) Ana Rosa Costa Lira
Giselle de Lourdes Bangoim Corrêa (PARU/UFPA) Antônio Carlos da Costa Jamos
Jordana da Veiga Siqueira Souza (UFPA) Antônio Ferreira
Jurandir Santos de Novaes (PNCSA/PARU-UFPA) Arthur Leandro/Táta Kinamboji
Kate Wayne Wasques e Silva Santos Benedito Santana S. Filho
(Instituto Nangetu) Berenice Gomes
Kátia Andrade Hadad (INTECAB/Konzeneala) Beth de Bamburucema/ Mam'etu Muagilê
Larissa de A. Carvalho (UNAMA) Carlos Mota
Luciana Aires Rosa (UFPA) Citomy
Luiz Augusto Loureiro Cunha/Pai Tayandô Cristiane Costa
(ACAOÃ-UNIMAZ) Defi/Pai Guilherme
Marcus Vinicius da Costa Lima (IAGUA/PNCSA) Dilson Mendes (ARFUOJY)
Maria da Consolação Silva Cabral/Mãe Jokolosy Ecivaldo Cardoso
(ARFUOJY)
Eduardo M. Braga
Nalva Bertriny da Silva Alves (ARFUOJY)
Elder Fábio Câmara de Andrade (INTECAB)
Neusa Pressler (UNAMA)
Elisabeth Leite Pantoja (INTECAB/IBAMCA)
Oneide Monteiro Rodrigues/ Mam'etu Nangetu
Elisangela Silva
(Instituto Nangetu)
Elízia Palheta dos Santos (ARCAX)
Rafael H. Saldanha (UFPA)
Esmael Tavares
Raimunda Negrão da Silva Campos (SEDUC/PNCSA)
Eveline Monte do Nascimento (UFPA)
Rosa Elisabeth Acevedo Marín
(PNCSA/ UNAMAZ/ NAEA/UFPA) Felipe Martins
Rosângela R. Cunha (UFPA) Francisco Alves da Silva
Solange Maria Gayoso da Costa (PNCSA/IAGUA) Gilmar Maurício Silva da Conceição/ D'Oshossi
Tatiane M. Amaral Costa (UFPA) Gercina Silva
Thamirys Di Paula Cassiano de Matos (UFPA) Glaucy Chaves
Uelton Jorge Gonçalves Amador/Pai Farenan Hùngbónò Tolú Befá
Valter dos Santos Vieira Inaldo Monteiro Lobato
Vanda Lúcia dos Santos Soares/ Mãe Vanda Iracilene Inês Cadete Moraes
Virginia Lunalva Miranda de Sousa Almeida/ Irene Martins Silva
Mãe Nalva (ACIYOMI) Isabelle
Walmir da Luz Fernandes (AAROO) João da Silva L. F.

190 191
José Maria Oliveira Silva/Pai Pingo Nelson de Ogunte
José de Arimatéia Obatungialê
José Francisco Olga Alves dos Santos (Instituto Nangetu)
José Maria Lobato Pantoja Olivarina Barros Guimarães
Katia Jurema F. Sousa Orlando M. da Silva/Pai Bassú
Leila Gomes Barbosa Otilia S. S. Couceiro
Linda de Fátima F. Gonçalves Paulo George Ribeiro
Luiza da Costa Oliveira Raimundo Silva
Marcelo Machado Regina Auxiliadora Nascimento Martins
Márcia Cristiane do N. Teixeira (ARFUOJY) Rômulo Wilson
Maria da Paz de M. Alves Rosalidia Tavares Sutel
Maria do Socorro Santos Rubens José dos Santos
Maria José M. Pereira/Mãe Zazá Suely Lourinho (ARFUOJY)
Mariana Pantoja Valter dos Santos Vieira
Mário J. S. Rodrigues/Delembá Weverson Dias Silva (ACAOÃ/UNIMAZ)
Mauro Augusto da Rocha Morais
Moisés L. Reis colaboradores

Nadir Reis/Gaiaku Gilberto F. Lima Garcia Jr. (IAGUA)


Nazaré Inês Rodrigues do Nascimento Rodrigo Macedo Lopes (PNCSA/IAGUA)
Neire do Socorro F. Fonseca Welson Cardoso (IAGUA)

CIP – Brasil, catalogação na fonte


Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

C316
Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará – religiões afro-
brasileiras e ameríndias da Amazônia: afirmando identidades na diversidade./
Organização Camila do Valle et al. Rio de Janeiro, Brasília:
Casa 8, IPHAN, 2012.
192 p. 15x21cm, ilus.
acompanhado de mapa

ISBN 978-85-99274-21-7

1. Antropologia 2. Patrimônio cultural 3. Interpretação do patrimônio natural


e cultural 4. Comunicação e cultura 5. Tradição oral – Amazônia 6. Amazônia
– usos e costumes 7. Cultos afro-brasileiro – Amazônia 8. Índios do Brasil –
Amazônia – religião e mitologia 9. Cultura – Amazônia I. Valle, Camila do II.
CASA 8 Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Brasil).
21. 2512-3211 12-6513 CDD 363.69
21. 98872-0247 CDU 351.853

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