Você está na página 1de 29

CRUZ, Nathália da Costa.

A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na


Amazônia............................................................................................................................................... 9

1 A POÉTICA DE PAULO NUNES

“Poeta não tem biografia; tem poesia.”


(Manoel de Barros)

O recorte histórico e epistemológico na pesquisa em Educação reflete a pluralidade e


complexidade temática dos seus objetos e indicam uma variedade de referenciais teórico-
metodológicos, dada à natureza transdisciplinar do fenômeno educativo. Nessa perspectiva,
para se estabelecer conexões históricas entre a Literatura e a Educação, faz-se necessário
traçar um itinerário no qual se conjuguem a obra literária e a vida – o traçado de uma
biografia.

A decisão de escrever uma biografia implica a crença e na capacidade de se chegar


até a individualidade, até a personalidade do personagem que constitui o tema da
biografia, porque se pode dispor dos meios documentais e instrumentos
metodológicos para tanto. Uma verdadeira biografia histórica não pode ser senão a
tentativa de descrever uma figura individual, sem logicamente separá-la da
sociedade, de sua cultura, de seu contexto; pois não há oposição entre indivíduo e
sociedade, e sim uma permanente interação entre eles. É preciso então tentar
demonstrar que se tem essa possibilidade (LE GOFF, 2007, p. 241).

Dentro de um poeta há mais que a vida, há a poesia, como bem adverte Manoel de
Barros na epígrafe desta seção. Difícil é penetrar a essência o âmago da questão, na
intimidade de uma vida em que transborda a poesia. Portanto, o que aqui se pretende de fato é
uma espécie de amostra biográfica, uma apresentação panorâmica, um sobrevoo rasante da/na
poética de Paulo Nunes, posto que:

Assim como os melhores retratos não são os que têm mais tinta ou os que nos
mostram todos os poros de um rosto, também as melhores biografias não serão as
que encerram um maior número de documentos e citações, mas as que, no conjunto,
nos proporcionam uma nítida e sincera impressão do autor sobre a vida e a
personalidade de um ser humano, inclusive assumindo-se como portador de
processos intelectuais e sensoriais (BOAS, 2008, p.173).

A escrita biográfica transporta um amplo conjunto de valores que constituem o


biografado: as impressões pessoais; a formação; a história de vida; os compromissos com a
sociedade que o formou e consigo mesmo. Quando se reconstitui a vida de uma
personalidade, é comum narrar os fatos de acordo com uma cronologia e trajeto mais ou
menos organizados. Nesta recomendação, apresentar-se-á a poética de Paulo Nunes numa
progressão temporal sucessiva e linear. As obras foram agrupas conforme a temática.
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 10

Escrever a vida de Paulo Nunes é contar/ cantar não somente a história do autor, mas
também um pouco a história dos livros. Todo texto está sujeito à interpretação e toda
interpretação começa a partir da primeira leitura – a do autor. Aqui a teoria da recepção se
mostra plena. Uma obra literária é, pois, um documento que nos possibilita conhecer quem a
criou, seu étimo espiritual, a sua visão de mundo. As várias leituras sucessivas nos entregam,
pouco a pouco, os segredos da persona/ DO EU criadora e criativa.

1.1 PAULO NUNES: BREVES TRAÇOS BIOGRÁFICOS

Figura 1 que tal substituir esta foto por uma mais atual? – Paulo Nunes1.

Paulo Jorge Martins Nunes, ou simplesmente Paulo Nunes, vive pendurado, feito
uma aranha aprendiz, no fio da palavra; ora é professor, ora poeta. É canceriano e nasceu em
Belém do Pará, na Amazônia, terra onde quase tudo – cheiros, cores, sons, temas (inclusive
contrastes) – é exagerado. Entrelaçou-se a Josse, uma libriana descendente de Sherazade. Seu
primeiro livro foi sua avó, Dona Judith, uma cabocla marajoara que contava lendas e histórias
dos povos da floresta2.
Paulo Nunes é Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, onde escreveu a tese “Útero de Areia, um estudo do
romance Belém Do Grão-Pará, de Dalcídio Jurandir”. É Mestre em Letras – Teoria Literária,
pela Universidade Federal do Pará – UFPA –, com a dissertação intitulada “Aquonarrativa
1
Fonte: <http://www.culturapara.com.br/Literatura/paulonunes/index.htm >.
2
Texto de contracapa do livro Baú de bem-querer (2006), com adaptações.
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 11

dalcidiana: uma leitura do tecido narrativo de Chove nos Campos de Cachoeira”. Trabalha
como professor nas áreas multidisciplinares de Comunicação, Cultura e Linguagem Literária.
Professor da graduação em Letras e Ciências Sociais e do Mestrado em Comunicação,
Linguagens e Cultura da Universidade da Amazônia. Como professor-pequisador atuou/atua
nos projetos “AFROAMALUS: palavras e imagens, estudos de autores lusófonos: africanos,
portugueses e brasilamazônicos” e “Literatura e Negritude”, ambos como coordenador de
pesquisa.
Paulo Nunes participou ativamente do grupo lítero-musical “Mãos Dadas” 3. O grupo
criado em 1981, no “Colégio Estadual Deodoro de Mendonça”, de uma “conversa-desafio”
entre Josse Fares e Ciro Pimenta, professores de Língua Portuguesa daquele estabelecimento
de público ensino. A ideia era a de divulgar a literatura para os alunos, em trabalhos
extraclasses, em complemento ao conteúdo ministrado em sala. Entretanto, somente Josse
levou a cabo o projeto.
Na época, a imprensa divulgou farto material nos jornais de Belém. Dos trabalhos
mais significativos montados pelo grupo estão: “O social em Chico Buarque e Drummond”,
“Falando de amor” e “Mostra de músicos e escritores paraenses”. O grupo lítero-musical
“Mãos Dadas” acabou por tornar-se um dos agentes determinantes, na esfera do ensino
escolar, da difusão da cultura paraense em Belém, e por ele passaram vários militantes
culturais que hoje atuam Pará afora: Elaine Oliveira, Linda Ribeiro, Beto e Josebel Fares,
Inácio Obadia, Jaciléa Papaléo, Salomão Habib, Mário Morais, Márcia Morais, Sandra Nunes,
Luís Fagury Videira e muitos outros. O grupo durou cerca de dez anos, de 1981 a 1991.
O grupo fora convidado pelo professor Paes Loureiro, secretário de Educação e
Cultura do município de Belém no período, para integrar a programação, como grupo fixo da
“Serenata do Carmo”, depois o mesmo ocorreu no “Projeto Praça Aberta”, agora na
SECULT/PA, declamando poemas associados às músicas, sempre priorizando, mas não
somente, autores, escritores e compositores do Pará. Foram vários trabalhos feitos em escolas
estaduais e municipais, praças e centros culturais, como a feira do Ver-O-Peso, em bares e
outros locais os mais incomuns, mas sempre com estreia no “Colégio Estadual Deodoro de
Mendonça”. O grupo se empenhava em desbravar e abrir espaço para a literatura e a música
que consideravam de qualidade.
Quando ainda cursara o segundo grau, Paulo Nunes participou ativamente dos
festivais de poesia e música dos colégios estaduais “Augusto Meira”, “Sousa Franco” e
3
O nome “Mãos Dadas” tomou como inspiração o poema homônimo de Carlos Drummond de Andrade. Tal
qual o poema de insatisfação de Drummond, o grupo convidava à revolução pela arte, em especial à literária.
Ressalta-se que em 1981, em época de redemocratização, o poema tornou-se um hino à contemporaneidade.
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 12

“Deodoro de Mendonça”. No “Festival de Integração do CEAM”, sua poesia foi premiada


pela primeira vez, com os acordes de “Canção”; a experiência como letrista se deu na parceria
bissexta com Beto Fares, que propiciou a participação em festival da Canção do Colégio Rego
Barros. Na Universidade Federal do Pará, onde se graduou em Letras, fez parte do movimento
literário “Saco Cheio” e do grupo político “Macunaíma”, onde ajudou a fundar o Centro
Acadêmico de Letras e o espaço-teatro aberto “A BreXa”.
Participou do projeto o “Escritor na Cidade”, promovido pela Biblioteca Nacional do
Rio de Janeiro, em convênio com a Biblioteca Pública Arthur Vianna, através do qual
percorreu diversos municípios do Pará (Marabá, Conceição do Araguaia, Vigia, Abaetetuba,
Tucuruí), e do “XII Concurso de Contos da Região Norte – Contistas da Amazônia – Belém –
Pará”, promovido pela Universidade Federal do Pará (2005), no qual foi premiado com o
conto “Um Dedo Bailarino e Azul”. Em fevereiro de 2006, foi eleito o colunista da semana do
Café Literário do Jornal do Brasil, com o conto “Feira”. Em maio do mesmo ano, a crônica
“Santa Teresa nos embala no bonde”, foi divulgada em um sítio literário a nível nacional.
Participou, como poeta-homenageado, do “Projeto Janelas Literárias”, da UFPA (2008).
Paulo Nunes e Benedicto Monteiro foram os escritores homenageados no “I
Simpósio de Literatura Paraense − Pescadores de Palavras: poesia e prosa na rede do Norte”
(2011) promovido pelo Instituto de Letras e Comunicação da UFPA.
Em 2012, Paulo Nunes teve sua obra em exposição no projeto “Sendas – pontos e
fugas da linguagem”. No mesmo ano, participou do “Projeto Seiva”, promovido pela
Fundação Curro Velho, cuja edição versou sobre “Literatura, conversações sobre arte e
ofício”. O projeto traz a público, saberes da cultura contemporânea, relacionados às múltiplas
linguagens artísticas, estabelecendo um espaço de diálogo com artífices, artistas, educadores,
instrutores e pesquisadores reconhecidos nas respectivas áreas de atuação.
LIVRARIA FADAS E DUENDES
Sempre engajado, Paulo Nunes, mais que um escritor, é um divulgador da poesia, da
leitura literária. O poeta vê a vida entre safra de sonhos, nos limites do real e do fictício até
que “a miopia os separe”. O escritor é também um cidadão preocupado com o meio ambiente
e, por isso, montou a mostra de poemas-objetos “Geringonças” (1996), em que propõe a
utilização de materiais reciclados para discutir a problemática do despejo irregular e
desenfreado de resíduos em Belém. “Geringonças” ficou exposta na galeria da Casa da
Linguagem/Fundação Curro Velho. Mais recentemente, o escritor divide-se em atividades
acadêmicas, de onde se pode destacar o fato de integrar o corpo editorial tanto da revista Asas
da Palavra, da graduação em Letras da Unama (atividade que completa neste 2013 vinte anos
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 13

ininterruptos de publicação) quanto da coleção multidisciplinar “Linguagens”, concebida e


organizada pela professora Célia Jacob, envolvendo várias modalidades de linguagens
estéticas e comunicacionais. Em 2012 foi o organizador de Porongas, Cestos e Palavras:
vozes de ensinar e aprender, escrito por Josse Fares. O mesmo aconteceu com Poemas
Impetuosos, de Dalcídio Jurandir (Paka-Tatu com apoio da Casa de Cultura Dalcídio
Jurandir), fruto de projeto de pesquisa anteriormente citado e desenvolvido na Unama; em
2013 Nunes organizou a terceira edição de Serões da Mãe Preta, de Juvenal Tavares, que teve
a chancela de Vicente Salles.
Atualmente Paulo Nunes termina coletânea de microcontos sobre as lendas da
Amazônia, sem data marcada para lançamento.
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 14

1.1.1 Poéticos

Figura 2 – Portada Em Citrial: uma história que parece duas.

Paulo Nunes estreou nas Letras teve seu primeiro livro publicado em 1986, com Em
Citrial: uma história que parece duas. A obra foi editada, após ser vencedora do e um
concurso literário oncorreu ao “Prêmio Literatura Infantil da Prefeitura de Belém”, promovido
pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura – SEMEC. Em Citrial: uma história que
parece duas trabalha com várias possibilidades de leitura: “Há leitura da ilustração, de texto e
ilustração, só de texto”, segundo resenha a escritora e professora paraense Maria Lúcia
Medeiros no prefácio da obra. Trata, na verdade, do resultado de uma experiência instigante,
uma espécie de desafio criativo, fez com que o livro fosse escrito ao estilo renga 4: letras de
Paulo Nunes e ilustrações de Branco Medeiros.
Em prosa poética, o texto narra o amor interdito entre Beija-Flor e Dália. Uma
historieta de amor, entre jardins e poesia, cheia de erotismo. A flor na capa do livro representa
Dália, a personagem feminino. É o símbolo do amor. O cálice da flor é o receptáculo prestes a
ser fecundado, polinizado (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2009, p. 437-439).

4
Renga significa “em ligações”. É uma forma de composição poética japonesa que floresceu entre os séculos
XIV e XV e consiste na composição feita por colaboração, praticado por não menos de duas pessoas, em que
cada uma compõe uma parte até que se forme um todo encadeado.
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 15

Figura 3 – Orelha do livro Em Citrial: uma história que parece duas, em que aparece Beija-Flor.

A personagem masculino, Beija-flor, par de Dália, bem lembra as representações de


Eros – o cupido. O beija-flor é aquele que poliniza a flor, que a fecunda. As personagens se
buscam em cada página das ilustrações de Branco Medeiros, demonstram que a imagem
também constrói uma narrativa – um mesmo enredo, contado de forma diferenciada, ora em
linguagem verbal, ora não verbal, que parece dois.
O livro de poemas infanto-juvenil Banho de Chuva, lançado pela primeira vez em
1990, chega ao ano de 2010 a sua quinta edição com uma tiragem de mais de 21 mil
exemplares vendidos. Um dado extraordinário em se tratando de uma Literatura produzida na
região amazônica, tantas vezes relegada às coxias do cenário literário nacional.
Banho de Chuva (1990; 1996; 2010 VER ANO DAS OUTRAS EDIÇÕES E
INSERIR NAS REFERÊNCIAS) compõe a trilogia de Paulo Nunes sobre a cidade de Belém,
tem prosseguimento com O mosquito qu’engoliu o boi (2002) e Baú de Bem-querer (2007).
As quatro primeiras edições foram ilustradas por Tadeu Lobato e a quinta edição, revista e
ampliada com quatro novos poemas, tem ilustrações fartamente coloridas de Emanuel Franco.
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 16

Figura 4 – Portada da 3ª edição de Figura 5 – Portada da 4ª edição de


Banho de Chuva. Banho de Chuva.

Na capa das primeiras edições, Tadeu Lobato trabalha com o traço infantil e
representa em pastéis5, na parte superior, o desenho de um jogo de amarelinha ou “macaca” e,
na parte inferior, um pequeno grupo de crianças de mãos dadas, como que formando uma
ciranda, típica brincadeira infantil, anunciando a temática do livro – a infância. Em Belém é
comum encontrar crianças e até mesmo jovens e adultos tomando banho e brincando na
chuva. À tarde de chuva em Belém é o momento propício ao lúdico, às águas encharcando a
imaginação.

5
Pastéis é uma técnica de ilustração que se faz com um pigmento encontrado em forma de lápis ou bastões.
Quanto ao tipo, os pastéis podem ser secos ou oleosos, mas ambos precisam ser fixados com verniz
(HADDAD, 2008, p. 59-60). Possivelmente, os pastéis utilizados por Tadeu Lobato são do tipo seco, já que
criam uma transição suave de cores e tons, conferindo certa leveza às imagens.
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 17

Figura 6 – Portada da 5ª edição de Banho de Chuva.

Na capa de Emanuel Franco, o cenário cinza-azulado é atravessado pela água da


chuva, alude e evoca a paisagem de Belém numa tarde chuvosa. Nela se pode ver, em
primeiro plano, os personagens temas dos poemas: o cascalheiro, a velhinha vendedora de
cheiro, o engraxate, o carvoeiro, a sereia, entre outros. Em segundo plano, aparece o mercado
de ferro do Ver-o-Peso, ponto comercial, histórico e cultural da cidade de Belém, os barcos
que aportam todos os dias no cais, em referência ao principal meio de transporte da região.
Belém não para, faça chuva ou faça sol. No interior do livro, as páginas todas são “molhadas”
pelos chuviscos.
Banho de Chuva é o livro mais conhecido do escritor, uma vez que recebeu o selo
“Salas de Leitura/ Bibliotecas Escolares”6 do Ministério da Educação. Paulo Nunes participou
do Projeto “O Escritor na Cidade” 7, da Fundação Biblioteca Nacional, que o fez percorrer
algumas cidades do interior do Pará, como Marabá, Abaetetuba, Vigia e Bragança, na década
6
O Programa “Selo Salas de Leitura/ Bibliotecas Escolares” foi uma das primeiras ações nacionais voltadas
para a biblioteca escolar e para o incentivo à leitura e à formação de leitores, no início na década de 1980. O
programa inclui a seleção das obras, a compra e a distribuição dos livros para compor os acervos de bibliotecas
e de escolas públicas de ensino fundamental em todo o país.
7
O Projeto “O Escritor na Cidade”, da Fundação Biblioteca Nacional, com apoio das bibliotecas públicas
estaduais e prefeituras, desenvolve um projeto que leva os escritores para os municípios do interior, com a
intenção de difundir a literatura e a leitura. Além do Pará, participaram do projeto, Espírito Santo, Rio Grande
do Norte, Paraná e Rio de Janeiro. No Pará, Paulo Nunes foi o primeiro escritor a viajar pelo projeto.
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 18

de 1990, divulgando a obra. Banho de Chuva foi leitura obrigatória dos vestibulares da
Universidade do Estado do Pará e da Universidade da Amazônia entre os anos de 1990 e
1996. Já foi objeto de estudos de monografias de cursos de graduação e pós-graduação no
Pará e em Minas Gerais, que buscam investigar os aspectos de sua Literatura voltada para o
público infanto-juvenil.
Conforme o apontamento do poeta mineiro Bartolomeu Campos de Queirós na
apresentação da obra:

Mais do que de chuva, o livro é banhar-se em poesia. Versos claros pela rigorosa
sonoridade perseguida em suas construções. Há o cotidiano reinventado, como
convém à poesia, sem afastar-se da fidelidade à proposição, mas ampliando em
humanidade cada personagem ou fado. Abrindo portas para um novo olhar, Banho
de Chuva trouxe-me, ainda, saudades de Belém. Li algumas vezes os poemas, sinto
necessidade de reler, não apenas para familiarizar-me com os temas. É que em cada
leitura encontro um novo ritmo, me deparo com outros sentidos. Bonita a
programação visual e as ilustrações do Tadeu Lobato. Ilustrar é mesmo mais que
“decorar”. É sensibilizar-se com o assunto e tratá-lo em outra vertente. É escrever
outra história em um mesmo objeto. Daí acreditar que a ilustração é um contra-
ponto, um diálogo entre dois poetas. Também a CEJUP está de parabéns pelo
investimento, de tão bom gosto e necessário.

Banho de Chuva é um registro poético das reminiscências culturais da cidade de


Belém. Água, tempo e memória formam a tríade onde se fundamenta toda a vertente criativa
da obra. Os poemas surgem como arco-íris após a chuva. São retratos coloridos, pintados
pelas cores da infância. Que criança nunca ficou a espiar a vida passar pela janela durante um
dia de chuva? E mais, que criança nunca ficou a imaginar mundos pelos vidros embaçados
pelo vapor d’água? (CRUZ, 2011).
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 19

Figura 7 – Portada O mosquito qu’engoliu o boi.

O mosquito qu’engoliu o boi (2002), surgiu de uma brincadeira com um dos poemas:

Jornaleiro

O jornaleiro pinta o sete


na quina
das esquinas da vida.
Ele anuncia mil manchetes
com sua voz de Sherazade:
– Olha lá olha lá
Caiu gelo no Pará!
– vamos ver, vamos ver
sal insosso pra comer!
O jornaleiro – voz de vento –
anuncia a aurora da cidade
tricotando a notícia
como se fosse novidade a conversa que ele fia.
O moleque jornaleiro
borda linotipos nos caminhos
fervilhando grandes furos
e enfeitando novidades a vida:
– olha lá, vamos ler
cobra comeu jacaré!
– Venha ver...
– O que foi?
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 20

– O mosquito qu’engoliu o boi!


O pregão do molecote
alumia a rua todinha.
Eita anúncio barato
pra conquistar freguesia:
– Folhêê, Provííín...
Já de rouca e usada voz
ele desmonta,
página a página,
o letreiro aquele jornal.
Jornaleiro
que anuncia a quatro cantos
as manchetes do jornal:
– Diáário, Provííncia, Liberaal!

O título por si só propicia uma imediata empatia entre o livro e o leitorO fundo
amarelo da capa traz o desenho que parece ser a cabeça de um boi engolindo um mosquito.
Ora se tem a impressão de que o traço em preto é a o caminho de um mosquito que engole o
boi. . É mesmo uma brincadeira.
Em O mosquito qu’engoliu o boi, Paulo Nunes revolve os armazéns da memória e
retoma como temática os tipos8 populares que ainda resistem ao processo de urbanização e
modernização da cidade de Belém. O poeta reconstitui cenas de sua infância e eterniza em
seus versos rostos e personagens que povoaram a Belém de outrora, ainda pacata e
provinciana, hoje quase todos em processo de apagamento. Cada página pode ser vista como
uma esquina da cidade. O livro, projeto gráfico e ilustrações de Emmanuel Nassar, foi um dos
cento e cinquenta livros latino-americanos selecionados para o “Salão do Livro da Juventude
de Saint-Dennis” (1998) na França.
As lembranças, entendidas por Staiger (1977) como recordações, quando participam
do processo de fabricação literária, acabam por engendrar uma grande teia figurativa. Nos
textos presentes nos livros que compõem a trilogia para Belém pode se observar uma unidade
conceitual, na recorrência de imagens e motivos. A esta característica dá-se o nome de
intratextualidade, quando o escritor é capaz de criar elos de aproximação entre um texto e
outro de livros diferentes de sua autoria (PAULINO et al, 1995). Um texto remete ao outro e

8
Para Alfredo Bosi (1991, p. 28, grifos do autor) os tipos são “[...] a reprodução seletiva do que parece mais
característico de uma pessoa ou coisa” e esta é uma operação que revela aspectos típicos da vida social. O
artista seleciona os perfis relevantes do mundo real/ objetivo, ou seja, os “originais” antes de (trans)figurá-los.
Exemplo inconteste do princípio mimético da Arte Literária, da “representação” preconizada pela teoria
aristotélica.
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 21

continua a encenação das personagens. Esse caráter autorreferencial será uma marca
recorrente na literatura de Paulo Nunes.

Figura 8 – Portada Baú de Bem-Querer.

Com ilustrações de Cláudio Martins, Paulo lança Baú de Bem-Querer (2006), livro
indicado ao “Prêmio Jabuti de Melhor Ilustração” (2007). São histórias fartamente ilustradas,
que valorizam a sensibilidade e a inteligência. São poemas essencialmente líricos que contam
as recordações guardadas no baú de bem-querer das memórias da infância.
Baú de Bem-Querer guarda as relíquias coloridas da infância. São personagens e
histórias vividas ou ouvidas e recontadas pelo eu lírico. As lembranças da escola, das
brincadeiras, do avô sapateiro, da mãe costureira, dos mitos que embalam os sonhos, tudo isto
se transforma no relicário das memórias. Com muita poesia e lirismo, o autor convida:
“Meninas e meninos de todas as idades abram − por favor − este baú (as dobradiças estão
desenferrujadas?), que tentei fazer feito um carpinteiro! Que ele seja de vocês também!”.
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 22

Figura 9 – Portada Ou: poemas não são linguagens.

Ou: poemas não são linguagens (2007) é um livro comemorativo dos 20 anos de
literatura de Paulo Nunes. Apresenta composições mais duras, ásperas, frutos de um
amadurecimento intelectual do escritor. Quase todos os poemas apresentam uma epígrafe ou
dedicatória que ora revelam as referências literárias do escritor, ora são dedicados aos seus
amigos e professores. São flagrantes as influências literárias que permeiam o texto: Max
Martins, Graciliano ramos, Dalcídio Jurandir, Guimarães Rosa, Ruy Barata, Eneida de
Moraes. Como o título anuncia, os poemas da antologia são metalinguísticos, metapoéticos,
metacriativos. A capa é produção do próprio escritor. Se vista de longe parece um revólver,
apontando para o leitor e inquirindo-o “Ou poemas não são linguagens?”. Se vista com
minúcia, se vê um zíper entreaberto. O livro à espera de leitura. Linguagens a desvendar.
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 25

Figura 10 – Portada Vaginário. Figura 11 – Portada Arco Mutante dos Huacos.

Paulo Nunes inova com edição independente e lança Vaginário (1993), antologia de
poemas eróticos, ilustrado por Tadeu Lobato. Na mesma linha, desta vez em contornos
fálicos, publica Peniário (199?). Em Arco Mutante dos Huacos (1997), faz uma espécie de
fusão entre os dois livros eróticos − Vaginário e Peniário − já que um, de certa forma,
completa o outro.
Na capa de Vaginário, Tadeu Lobato representa em traços primitivos o órgão sexual
feminino, um triângulo invertido, como uma taça. Simbolismo da fecundidade da mulher, o
órgão é uma taça prestes a receber o leite fecundador. Em Arco Mutante dos Huacos, a capa
de Paulo Nunes, é uma bricolagem de um Da Vinci. “O homem vitruviano” tem sua
intimidade encoberta por uma borboleta.
O interessante da literatura erótica é a engenhosidade do poeta em transformar o que
ao primeiro olhar pode parecer vulgar, em algo sublime, lascivo e, acima de tudo, lúdico. A
ludicidade do erótico evoca inda mais o prazer de se ler, a fruição de que tanto falava Roland
Barthes (1987).
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 26

Figura 12 – Portada Água de Moringa.

Durante a programação da “VII Feira Pan-Amazônica do Livro” com capas do artista


plástico paraense Emmanuel Nassar, Paulo lança Água de Moringa (2003), integrando um dos
quatro volumes da “Coleção Pará Didática”. A coleção da Editora Amazônia chega ao
mercado editorial com a proposta de servir de base para projetos didáticos que incluam a
Literatura paraense de maneira mais presente nos currículos de escolas públicas e privadas da
Amazônia.
Segundo resenha Maria Lúcia Medeiros, o Água de Moringa “apresenta-se como
prosa fluente onde a região, a cidade, os costumes e personagens constituem, em legítima
propriedade, das melhores expressões literárias dos temas e das coisas amazônicas”.
Trata-se novamente de uma Literatura de reminiscências, recriando fatos e cenas da
infância, tema recorrente na obra do escritor. Nesse percurso de volta ao passado, Paulo
Nunes recria o mito do boto no município de Marabá − Pará, rememora fatos durante uma
Sexta-Feira Santa e casos pitorescos ocorridos em Belém, tais como o de uma pessoa
desequilibrada que entra na “Livraria Fadas e Duendes”, casa comercial que ficava localizada
na Rua 14 de abril.
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 27

A moringa ou bilha representada na capa é um vaso poroso de cerâmica, refrigerador


natural de água, presente em muitas casas ribeirinhas, especialmente naquelas onde a
eletricidade ainda não chegou, é um repositório de água indispensável. O uso da moringa é
mais uma reminiscência. Quem fala muito ou tem uma “prosa fluente”, dizem os mais
antigos, é porque bebeu água do chocalho da moringa.

Figura 13 – Portada Fios de Meada.

Fios de Meada (2005), obra bilíngue9, o livro é escrito em português e em francês, e


reconta, através da ótica dos autores, lendas e contos das várias regiões e países que a floresta
amazônica abrange. Expressão do imaginário, o livro mostra como o homem amazônida
constrói os alicerces de sua cultura baseado nas crendices, nos dizeres populares e nas lendas
repassadas entre as gerações pela tradição da oralidade. Sobre Fios de Meada, o autor declara:

Este trabalho encerra um modo particular de contar os casos que eu escutava, antes
de dormir, nas redes da infância. A voz de minha velha avó, dona Judith, cabocla do
Marajó, nos industriava nas teias do “verdevagomundo”, para usar uma expressão
do romancista Benedicto Monteiro [...] Não procurei descobrir a pólvora – isso seria
burrice da minha parte, pois não?, fiz apenas puxar mais um fio nesse imenso novelo
de palavras que é tecido pelo imaginário do Norte do País.

Os peixes mergulham encadeados, navegam pelos igarapés e rios e levam, de um


lugar a outro, os ensinamentos dos povos que encontram pelo percurso das águas. As águas da
Amazônia, em maior volume são verdejantes, sejam coloridas pela vegetação subaquática ou
9
O livro é bilíngue, pois foi escrito por autores da Guiana Francesa (pais francófono, localizado próximo ao
equador, entre o Suriname e o Brasil) e do Brasil (país lusófono), e, mesmo, para abranger um maior número
de leitores desta Pan-Amazônia plurilíngue. O idioma da leitura dependerá da direção em que se abre o livro.
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 28

pelo reflexo do verde das matas e florestas que margeiam os rios. Como os peixes, as histórias
da coletânea se encadeiam de tal modo que parecem formar uma grande meada. Na ponta de
cada fio, um poeta, um contador de histórias do seu lugar. Nas volutas desta meada, os mitos
recontados diluem fronteiras linguísticas e culturais.

Figura 14 – Portada Fonemas de Alinhavo.

Fonemas de Alinhavo (2001), foi concebido em parceria com o poeta baiano


radicado no Pará Gutemberg Guerra. O livro reúne textos apresentados no circuito literário
“Não quero prosa”, que aconteceu no “Café Art Rock Galeria”, coordenado por Ney Paiva,
André Queiroz e Nilson Oliveira. Os poemas, como sugere o título da coletânea, apresentam
uma sonoridade latente, com forte apelo auditivo, de modo a enredar o leitor no “alinhavo”
poético entretecido pelos autores.
A capa é uma reprodução de Almada Negreiros, artista plástico e escritor português,
colaborador dos movimentos Futurista e Modernista em Portugal, inclusive é um dos
fundadores da Revista Orpheu. A tela representa um homem sentado tocando um violão ou o
que os portugueses chamam guitarra, como que a espera dos acordes, das letras para uma
canção. Os escritores-compositores Nunes e Guerra, na parceria alinhavada com fios poéticos,
fios sonoros, atribuem vida, cores e fones, à imagem inerte, cinza e muda do violeiro.
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 29

Figura 15 – Portada Portugal, nosso avozinho: poemas e crônicas de viagem10.

Paulo Nunes é um incessante proseador quando o assunto é Belém, tamanha sua


paixão pela cidade, mesmo quando fala sobre outros lugares, como acontece em Portugal,
nosso avozinho: poemas e crônicas de viagem, escrito em parceria com Josse Fares. Lançado
no ano de 2000, em comemoração aos quinhentos anos de descobrimento, ou melhor, de
“invenção” – como advertem os autores – do Brasil pelos portugueses, o livro, estabelece uma
interseção, um elo fraterno entre Brasil e Portugal.
Como num diário de viagem, o livro conta, ora em verso, ora em prosa, tudo o que os
que viajantes-aprendizes Paulo e Josse, vislumbraram nas terras de Pessoa e Camões. Faz uma
espécie de comparação com o que há aqui no Pará e o que há em Portugal. No poema
“Óbidos”, descreve poeticamente uma cidade, deixando nas entrelinhas da dubiedade do
nome, se uma cidade em Portugal ou no Pará.
As fotografias da capa aparecem como numa memória enevoada, nelas se podem ver
aspectos da cultura portuguesa, como os fortes, os casarios, janelas, azulejos, fragmentos de
escritos de autores portugueses. Mostras de nossa herança portuguesa. Somos filhos e netos de

10
É possível estabelecer um intertexto do título do livro com o poema “Portugal, meu avozinho”, de Manuel
Bandeira, publicado em Mafuá do Malungo (1948). A vertente temática do poema de Bandeira se desdobra em
todo o livro.
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 30

lusitanos e guardamos, em nossos genes, em nossa cultura, traços dos homens e de uma
história que vieram das terras de lá, de além do Bojador.

1.1.2 Ensaios

Figura 16 – Portada Pedras de Encantaria.

Pedras de Encantaria (2001), em parceria com Josse Fares, congrega as dissertações


O Entorno da Serpente: um discurso do imaginário tecido em verbos e imagens, de Josse
Fares e Aquonarrativa: uma leitura de Chove nos campos de Cachoeira de Dalcídio Jurandir,
de Paulo Nunes. Este último apresenta um delicado estudo sobre as águas e todas as suas
vertentes temáticas que compõem a literatura da região amazônica, ao que irá chamar de
“aquonarrativa”. Nunes entende que a prosa amazônica flui numa mesma liquidez das águas
que caracterizam a região, assim, no interior da narrativa, abundam significantes relativos às
águas.
O título do livro pode ser lido em duplo sentido. Remete às pedras de encantaria
utilizadas para a pavimentação as ruas da Belém de antigamente. As encantarias foram
importadas da Europa e trazidas para Belém durante a Bela Época na intenção de embelezar,
urbanizar e modernizar a capital, moldando-a semelhante às grandes cidades europeias. Na
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 31

Cidade Velha, um dos primeiro bairros de Belém, em algumas áreas preservadas pelo
patrimônio histórico ainda é possível observar esse tipo de pavimento. As pedras de
encantaria também podem fazer referência à morada dos “encantados” ou das entidades
caboclas, seres que se metamorfoseiam em elementos da natureza.

Figura 17 – Portada Transmares: vozes em diálogos.

Em 2007, novamente em parceria com Josse Fares, traz à tona: Transmares: vozes
em diálogo (ensaios sobre Literatura portuguesa, Literatura africana de expressão
portuguesa e outras interfaces). Como o subtítulo indica, são ensaios que propõem uma
transposição de fronteiras e aproximação solidária entre diferentes escritores africanos,
brasileiros e portugueses, com o intuito de interligar países e culturas cujo patrimônio comum
é a Língua Portuguesa. Desvelam a necessidade de inserir e integrar a Literatura de Expressão
Amazônica no mapa maior da Literatura Brasileira e da Literatura Lusófona, bem como trazer
as vozes de poetas contemporâneos de África e Portugal para o solo da Amazônia. Na capa, a
barcarola feita com papel de jornal noticia o tratado do livro e flameja uma pequena bandeira
do Pará – sinaliza o lugar de origem dos marinheiros – a transpor mares linguísticos e
literários, para “além do Bojador”.
1.1.3 Didáticos
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 32

Paulo Nunes, em coautoria com Josebel Fares, Josse Fares e Rey Vinas, lança Texto
e Pretexto: experiência de educação contextualizada a partir da Literatura feita por autores
paraenses (1988). O livro, elaborado à luz da teoria freireana, compôs o projeto pioneiro de
regionalização dos currículos das escolas municipais de Belém. O projeto “Texto e Pretexto”
iniciou na década de 1980, mais precisamente em 1985, sob a coordenação de Lindomar
Teodora da Silva e Josebel Akel Fares, a partir da reivindicação dos professores da rede
municipal que reclamavam não haver, na grade curricular, nada que pudesse representar um
(re)conhecimento da cultura amazônica e paraense. De modo a atender à reivindicação e ao
interesse dos professores, foram implementadas na SEMEC três disciplinas: Estudos de
Questões Regionais (EQR), História do Pará e Literatura Paraense.
Para tanto, a SEMEC assinou convênio com a Universidade Federal do Pará, então a
única universidade a ter curso de Letras em Belém, para pensar num processo de implantar na
rede municipal a disciplina literária. Assim, os professores José Guilherme Castro,
representando a UFPA, Josse Fares, representando a SEMEC, juntamente com Paulo Nunes e
Josebel Fares, organizaram quatro módulos de capacitação de professores, processo que durou
cerca de dois anos. Ao final desta etapa, a proposta era a de que deveria haver um material
didático, livro ou coisa similar, os professores, então, resolveram escrever o que viria a ser
posteriormente, o “Texto e Pretexto”.
Os exemplares do Texto e Pretexto: experiência de educação contextualizada a
partir da Literatura feita por autores paraenses editados pela SEMEC serviram de incentivo
à leitura, em articulação com o estudo da disciplina que tinha apenas duas horas semanais. Foi
um projeto extenso de difusão do literário. O projeto estava sustentado em três pilares
teóricos, a saber: na leitura crítica do mundo segundo propõe Paulo Freire; na busca do prazer,
a literariedade do texto; e, no conhecimento da cultura paraense, amazônica, intercambiada
com a brasileira, a partir da literatura.
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 33

Figura 18 – Portadas dos volumes de Texto e Pretexto editados pela SEMEC.

Na primeira versão, em quatro volumes, traz estudos de textos dos autores paraenses
João de Jesus Paes Loureiro, Ápio Campos, Lindanor Celina, Bruno de Menezes, Eneida de
Moraes, Dalcídio Jurandir e Ruy Barata. A edição da SEMEC traz capa e ilustrações de Jota.
A imagem da capa é a mesma, muda-se a cor sinalizando a série a que correspondente cada
volume. Um desenho aparentemente despretensioso, livre, ao passo da proposta do livro.

São Paulo, agosto de 1988.


CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 34

Figura 19 – Portada Texto e Pretexto: Figura 20 – Portada Texto e Pretexto:


experiência de educação contextualizada a partir experiência de educação contextualizada a partir
da Literatura feita por autores amazônicos da Literatura feita por autores amazônicos
(volume 1). (volume 2).

Na segunda versão, editada pela CEJUP, foram incluídos Haroldo Maranhão,


Antônio Juraci Siqueira, Heliana Barriga, paraenses; Thiago de Melo e Márcio Souza,
amazonenses; e, Hélio Melo, acreano. Com a ampliação do rol de escritores apresentados,
além dos paraenses, houve uma mudança no título do livro que passou a ser Texto e Pretexto:
experiência de educação contextualizada a partir da Literatura feita por autores amazônicos,
com denominação mais abrangente. Os dois volumes da edição trazem capas com poemas-
colagem do poeta paraense Max Martins.
As duas edições do livro chegaram a uma tiragem de mais de 25 mil exemplares
distribuídos entre as escolas do município de Belém e muita fotocópia tirada, hoje com ambas
as edições esgotadas. Em 1991, a experiência de educação contextualizada contida no livro foi
apresentada no “8º Congresso de Leitura no Brasil”, realizada em São Paulo, e obteve boa
receptividade.
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 35

Figura 21 – Portada Do Texto ao Texto: leitura, gramática e criação.

Ainda no viés didático, desta vez em parceria com os professores José Ildone, Josse
Fares, Josebel Akel Fares, Maria Lúcia Medeiros, Nilza Melo e Silva e Leila Sodré, lança pela
Secretaria de Educação do Pará, Do Texto ao Texto: leitura, gramática e criação (1994). Este
didático, direcionado aos alunos da rede pública estadual de ensino, originou-se do projeto “O
Livro Didático para a Amazônia”. A partir de textos de autores amazônicos, o livro busca, a
partir da literatura, ensinar gramática, produção textual e incentivar a leitura de textos que
falem de nossa cultura e de nossos escritores tão pouco mencionados em sala de aula.

* * *
A escrita de Paulo Nunes passeia por diversas modalidades, do conto ao poema, do
infanto-juvenil ao erótico, do literário ao didático e assim por diante. Prova de sua destreza ao
lidar com a palavra, “essa alardia, essa prava, essa lavra/ pavulagem”11.

11
Fragmento do poema “IX – Silente” (NUNES, 2007, p. 19).
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 36

Percebe-se, no bojo da escritura de Paulo Nunes, uma preocupação em manter vivas


as raízes culturais amazônicas.
A obra de Paulo Nunes revela um artista múltiplo e um cidadão militante e um pela
causa literária e pela educação . os versos, valoriza a concisão vocabular e o comedimento,
talvez por influência das leituras de Manuel Bandeira e Max Martins.
A obra de Paulo Nunes revela sim sua filosofia de vida?
Antes de lançar olhar sobre o fazer artístico do autor, é válido ressaltar as
contribuições dele para o ensino de Literatura.
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 37

1.1 FORTUNA CRÍTICA DA POÉTICA DE PAULO NUNES

Elenca os estudos sobre a poética de Paulo Nunes. O levantamento se circunscreve a


um recorte temporal de vinte anos, de 1992 a 2012.

AIRES, Romário dos Anjos. Poesia Amazônica: recepção da poética de Paulo Nunes.
Trabalho de Conclusão de Curso, Licenciatura em Letras – Língua Portuguesa. Belém:
UEPA, 2012. Orientador(a): Prof. Ms. José Denis de Oliveira Bezerra.
Estudo elaborado a partir das teorias Estética da Recepção e das reflexões sobre a
produção literária amazônica. Compreende as maneiras de se encarar uma literatura elaborada
dentro de uma vivência definida, para isto, considera as formas como essa vivência pode ser
percebida pelos leitores, quando configurada em matéria poética. Aplica tais teorias à análise
dos poemas “Tapajós”, “Ver-o-P”, “Joio do Trigo” e “Jangada”, do livro Ou poemas: não são
linguagens (2007).

BASTOS, Renilda Rodrigues. O resgate do lúdico no Banho de Chuva. Monografia de


Especialização em Literatura Infanto-Juvenil. Belo Horizonte: PUC/MG, 1992. Orientador(a):
Profª. Drª. Maria Antonieta Antunes Cunha.
O texto busca compreender o caráter lúdico voltado para a infância em Banho de
Chuva (1990). Analisa a intertextualidade, a musicalidade, os cenários e as personagens dos
poemas como um convite à brincadeira, ao sonho e ao aprendizado de reminiscências
culturais.

BRASIL, Franciane Pinto Dantas. Estudo da Literatura Infantil de Paulo Nunes. Trabalho
de Conclusão de Curso – Licenciatura Plena em Letras – habilitação em Português-Espanhol.
Belém: UNAMA, 1999. Orientador(a): Profª. Ms. Nelly Cecília Paiva Barreto da Rocha.

CRUZ, Nathália da Costa. Água, tempo e memória: o imagético e o simbólico em Banho de


Chuva de Paulo Nunes. Monografia de Pós-graduação lato sensu em Língua Portuguesa e
Análise Literária. Belém: UNAMA, 2011. Orientador(a): Profª. Ms. Elaine Ferreira de
Oliveira.
O estudo faz uma análise temática, à luz da teoria da imaginação, do livro de poemas
Banho de Chuva (2010). Gaston Bachelard estabelece as linhas mestras desse tipo de análise
literária que estuda a imaginação simbólica como fio condutor da criação poética. Apresenta
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 38

uma leitura simbólica e imagética do modo como o elemento água e todas as suas derivantes
temáticas bem como o tempo e a memória aparecem no texto de Banho de Chuva (2010).

GOMES, Aline Lúcia Araújo & AMADOR, Vanessa Araújo. O poder imagético de Paulo
Nunes: uma análise da literariedade em “O Bobinho da Lata” e “Ki-Su”. Trabalho de
Conclusão de Curso – Licenciatura Plena em Letras – habilitação em Língua Portuguesa –
Faculdade de Letras. Belém: UFPA, 2008. Orientador(a): Prof. Dr. José Guilherme
Fernandes.
Analisa os poemas “Bobinho da Lata” e “Ki-Su”, do livro de poemas O mosquito
qu’engoliu o boi (2002). Os poemas, pelo poder imagético que apresentam, suscitam
experiências associativas e análogas, além de propiciarem uma leitura múltipla e
diversificada. Discute a essência do fenômeno literário – a literariedade – a partir da obra de
Paulo Nunes.

LAMEGO, Maria Edilene Silva das Neves. O despertar para a Literatura Infanto-Juvenil
através de Paulo Nunes. Trabalho de Conclusão de Curso – Licenciatura Plena em Letras –
habilitação em Português. Belém: UNAMA, 2006. Orientador(a): Profª. Ms. Nelly Cecília
Paiva Barreto da Rocha.

NASCIMENTO, Jamylle Nazaré dos Reis. Vaginário: uma leitura do erótico na poética de
Paulo Nunes. Trabalho de Conclusão de Curso – Licenciatura Plena em Letras – habilitação
em Língua Portuguesa e Literatura. Belém: UNAMA, 2006. Orientador(a): Profª. Drª. Josebel
Akel Fares.

SAVARY, Olga. Paulo Nunes. In: SAVARY, Olga (Seleção e notas/ Org.) Poesia do Grão-
Pará: antologia poética. Rio de Janeiro: Graphia Editorial, 2001. (p. 319-322)

Antologia que reúne os escritores mais significativos da poesia paraense. Figuram


nomes de poetas nascidos no Pará ou que escreveram páginas de beleza sobre o Estado, como
Mário de Andrade e Raul Bopp. Cada autor presente na antologia possui uma entrada com
verbetes, contendo os dados biográficos e bibliográficos; e, dados de obras, em que são
impressos os poemas.
CRUZ, Nathália da Costa. A mitopoética em Paulo Nunes: ensaio sobre Literatura e Educação na
Amazônia............................................................................................................................................... 39

Como se trata de autor em plena atividade, torna-se, o leitor já desconfiou disso,


difícil se fazer uma biobibliografia exata. No entanto, o que aqui está registrado serve de
roteiro para o leitor ter uma referência sobre a produção de Paulo Nunes.

Você também pode gostar