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CURRÍCULO:

TEORIA E PRÁTICA

SAMANTHA APARECIDA VIEIRA

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2017
Conselho editorial  roberto paes e luciana varga

Autor do original  samantha aparecida vieira

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  luciana varga, paula r. de a. machado e aline karina


rabello

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  thiago amaral

Revisão linguística  danny reis

Revisão de conteúdo  mariana calife nobrega

Imagem de capa  an nguyen | shutterstock.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

V657c Vieira, Samantha Aparecida Moura Martins


Curriculo: teoria e prática. / Samantha Aparecida Vieira.
Rio de Janeiro: SESES, 2017.
136 p.: il.

ISBN 978-85-5548-454-4

1.Organização curricular. 2. Planejamento.


3. Teorias curriculares. I.SESES. II. Estácio.
CDD 515

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

Prefácio 5

1. Currículo: contexto, teoria e prática 9


Introdução 10
Mas afinal, o que é currículo? 13
Diferentes orientações e organizações curriculares 19
Teorias tradicionais, críticas e pós-críticas 24

2. As teorias do currículo 27
Introdução 28
Teoria curricular 29
Teorias tradicionais 30
Teorias críticas 33
Teorias pós-críticas 35
Algumas considerações 40
Últimas palavras 42

3. As políticas públicas curriculares brasileiras 47


Introdução 48
Constituição Federal de 1988 (CF/88) 51

Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBEN 9.394/96) 53


Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (RCNEIs) 57
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental 59
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio 60
Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024) 62
Últimas palavras 67
4. Os professores e o currículo escolar 73
Introdução 74
Saberes docentes 76

Iniciamos esta sessão com a seguinte questão: 76


Professor instrutor 80
LDBEN/96, formação docente e currículo escolar 84
Últimas palavras 89

5. Currículo escolar e recursos didáticos 93


Introdução 94
Recursos didáticos 94
Espaço 95
Tempo 97
Computador 98
Internet 100
Redes sociais 101

Livro didático 102


Avaliações 103

Jogos 104
Histórias, livros, jornais e revistas 106
Televisão, filmes, séries e novelas 107
Celular 109
Últimas palavras 110
Prefácio

Prezados(as) alunos(as),

A publicação dos capítulos que compõem este livro constitui oportunidade de


divulgar conhecimentos, discussões e questões atuais que permeiam o campo do
currículo. Apontamos aspectos relativos a teorias, tanto pelo viés da prática, como a
partir de problemáticas ressaltadas em pesquisas recentes sobre o currículo escolar.
Com o propósito de despertar o interesse nessa área, bem como provocar deba-
tes e aguçar a construção de novos saberes ou conhecimentos, levantamos inúmeras
questões ao longo dos textos, tais como: (1) O que é currículo? (2) Quais são as
teorias que embasam o currículo? (3) Como o currículo se organiza? (3) Quais são
os elementos do currículo? (4) Quais aspectos influenciam o currículo? (5) O que
são orientações curriculares? (6) Quais são os sujeitos que estão envolvidos na mate-
rialização do currículo? (7) Quais são as políticas curriculares brasileiras? (8) Quais
são os recursos didáticos que ajudam na materialização do currículo?
Questões dessa ordem, de importante consideração dentro do campo cur-
ricular, ainda não foram discutidas com densidade, o que justifica empreender
esforços de pesquisa e de reflexão para fazê-lo. Também é relevante conhecer os
efeitos ou as consequências de algumas concepções e organizações curriculares na
vida dos sujeitos formadores e em formação.
As reflexões realizadas neste estudo estão direcionadas aos sujeitos formado-
res, focando principalmente intervenções na organização do currículo e do plane-
jamento escolar. Dessa forma, acreditamos que os itens discutidos aqui, podem
contribuir com as discussões sobre o projeto político-pedagógico das escolas e com
as atividades propostas pelos professores no dia a dia.
Esperamos que a reflexão travada nessas páginas contribua para a atuação de
muitos profissionais engajados no fazer pedagógico ou a área da educação.

Bons estudos!

5
1
Currículo: contexto,
teoria e prática
Currículo: contexto, teoria e prática

Introdução

O estudo do currículo, dentro do campo da educação, é abrangente e comple-


xo. Abrangente porque seus desdobramentos são tanto teóricos quanto práticos e
estão constantemente em disputa. Na perspectiva teórica, desde a visão tradicional
(mais antiga em termos de história do currículo) até as correntes de discussões
atuais, o currículo está relacionado às teorias da didática (ensino/ aprendizagem),
da filosofia do conhecimento, da sociologia do conhecimento, do multiculturalis-
mo, dentre outras. Por isso, Silva (2011) afirma que todas as teorias pedagógicas,
em alguma medida, possuem elementos curriculares.
É ainda um campo de estudos abrangente e complexo porque na prática, ob-
servamos como todas essas teorias lutam para:
(1) Criar uma hierarquia entre os conhecimentos;
(2) Confrontar-se na produção de conceitos pedagógicos;
(3) Transformar a realidade por meio do conhecimento;
(4) Moldar a escola;
(5) Definir a personalidade dos sujeitos.
Contudo, antes de aderir ou aceitar qualquer uma dessas teorias, devemos
levantar questionamentos que nos levem a entender o que essa disputa oculta,
tais como:
• Há inúmeros conhecimentos?
• Existem conhecimentos mais importantes que outros?
• Quais são os conhecimentos mais relevantes?
• Há conhecimentos poderosos?
• Qual tipo de conhecimento a escola propaga e quais ela deveria propagar?
• Que concepções de educação, política e econômica estão por trás dos conhe-
cimentos defendidos pelas diferentes teorias curriculares?
Tais questões são relevantes, pois cada teoria possui um foco e um entendi-
mento sobre educação, pedagogia, filosofia e sociologia do conhecimento, políti-
ca, economia e, portanto, sobre o currículo e seus conteúdos.
Por essas e outras questões, é fundamental que o pedagogo compreenda os
sentidos de cada teoria curricular e o que cada uma delas propagou durante a

capítulo 1 •8
trajetória de discussões sobre o currículo, desde a sua gênese até a sua formação
como campo de estudos.
Outrossim, quando se trata de discutir o currículo, este por sua vez nos faz
pensar no elemento conhecimento, por relacionar-se, historicamente, ao que é for-
malizado nos sistemas de ensino, via orientações acadêmicas e governamentais ou
Referências Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (RCNEI) e Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN)* – documentos publicados pelo governo federal bra-
sileiro. Neste bojo, costumamos associar o currículo, bem como o processo ensino/
aprendizagem, aos conteúdos transmitidos nas disciplinas que compõem as grades
curriculares. Contudo, veremos que pensar o “currículo” é ir além dessas questões.
Na verdade, essa perspectiva de organização dos conteúdos é considerada atualmen-
te tradicional, arcaica e vinculada a um tipo de teoria pedagógica traduzida por
Paulo Freire como educação bancária. Nas palavras desse teórico:

Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e “depósitos”


que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente,
memorizam e repetem. Eis a concepção “bancária” da educação, em que a
única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receber os
depósitos, guardá-los e arquivá-los. Margem para serem colecionadores
ou fichadores das coisas que arquivam (Freire, p. 33, 1987).

Freire (idem) ainda explica que:

Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se


julgam sábios aos que se julgam nada saber. Doação que se funda
numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão
– a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de
alienação da ignorância, segunda a qual esta se encontra sempre no
outro (idem).

Assim, quando ultrapassamos essa ideia de currículo, bem como a de gra-


de curricular – um termo que traduz uma perspectiva de “engessamento” do

* Políticas de currículo no Brasil. Acesso aos PCN em: <https://goo.gl/2xWd6B>. Acesso em 17 de out. 2016.

capítulo 1 •9
aprendizado como conteúdo a ser transmitido por um emissor (professor) e rece-
bido pelo receptor (aluno) –, observamos que há muito mais nas discussões sobre
o currículo que envolve não somente teorias críticas, mas também pós-críticas.
O caráter polissêmico das teorias curriculares não deve, entretanto, servir de
pretexto para o imobilismo das instituições responsáveis pela reflexão e constru-
ção de políticas curriculares (universidades, administrações públicas, sindicatos,
escolas, entre outros). Ele deve ser o eixo para a definição de políticas públicas,
orientação e discussão do processo ensino-aprendizagem, assim como para a refle-
xão sobre currículo, sociedade e formação.
De acordo com Nóvoa (2014):

Historicamente, os sistemas de ensino se organizaram a partir “de cima”


e adotaram estruturas burocráticas, corporativas e disciplinares, que
impediram as práticas locais, familiares e tradicionais de promover a
educação. A escola substituiu esses processos “informais”, assumindo
o monopólio do ensino. Os docentes se tornaram os responsáveis
públicos pela formação das crianças. Sabemos hoje que esse modelo
escolar – espaços físicos fechados, estruturas curriculares rígidas,
formas arcaicas de organização do trabalho – está irremediavelmente
condenado. A escola deverá se definir como um espaço público,
democrático [...] Por uma curiosa ironia do destino, seu futuro passa
pela sua capacidade de recuperar práticas antigas (familiares, sociais,
comunitárias), enunciando-as no contexto de modalidades novas de
cultura e de educação (p. 226).

Essa concepção de escola defendida por Nóvoa (2014) obriga todos os en-
volvidos no processo ensino/ aprendizagem (direta e indiretamente) a refletir e
redefinir o sentido social das teorias e das práticas curriculares. Isto demanda uma
intervenção técnica, política e cultural, ou seja, um conjunto de saberes, compe-
tências, habilidades e atitudes. É a partir desse pressuposto que Sacristán (2000)
argumenta que o campo do currículo não é somente um corpo de conhecimentos, mas
uma dispersa e ao mesmo tempo encadeada organização social (p. 3).
O currículo engloba, portanto, um conjunto de ações de diferentes sujei-
tos, com habilidades diversas, proporcionais à responsabilidade e a atividade
de cada um. Planejar, refletir e organizar o currículo supõe uma divisão de
competências e atitudes.

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Nas aulas a seguir, você encontrará uma discussão sobre currículo que abordará as
seguintes questões: visões de currículo; tipos de currículo; manifestações de currículo;
teorias do currículo; teorias da organização do currículo; exemplos de construção e re-
flexão do processo de aprendizagem por meio do currículo; a relação do currículo com
o conhecimento e o aprendizado; entre outros. Esperamos que você encontre aqui um
caminho para a construção de um processo ensino/ aprendizagem crítico e reflexivo e
um estopim para pensar sua prática educacional e escolar cotidiana.

OBJETIVOS
Objetivos desse capítulo
1. Distinguir as diferentes concepções do currículo, conceituando-as e caracterizando-as
por meio da trajetória histórica desse campo de estudo no contexto brasileiro;
2. Avaliar as características do currículo e sua articulação com a prática escolar.

Mas afinal, o que é currículo?

É comum associarmos o nascimento da didática aos gregos ou a Comênio, na


Didactica Magna.

Mas o que exatamente se entende por


currículo? Quando, como e por que nasce sua
discussão? A partir de que momento é dado seu
reconhecimento como um campo a ser estudado e
problematizado na Educação?

São diversos os elementos que fizeram surgir o campo de estudos do currículo.


Entre eles:

(...) a formação de um corpo de especialistas sobre currículo, a


formação de disciplinas e departamentos universitários sobre currículo,
a institucionalização de setores especializados sobre currículo
na burocracia educacional do estado e o surgimento de revistas
acadêmicas especializadas sobre currículo (SILVA, 2011, p. 21).

capítulo 1 • 11
O termo curriculum nasce ligado a questões de organização e método. Dentro
dos estudos educacionais, especialmente a partir da literatura educacional ame-
ricana, o currículo se torna um campo específico de estudo. Neste sentido, para
Ranghetti e Gesser (2011) foi em 1949, com a publicação do livro Princípios bá-
sicos de currículo e ensino, de Ralph Tyler, que se iniciou a teorização envolvendo
o currículo escolar.
Atualmente, inclusive, o livro de Tyler ainda é considerado um clássico das
teorias tradicionais, influenciando até os dias de hoje a construção de inúmeros
currículos. Ainda de acordo com Ranghetti e Gesser (2011) o modelo de currículo
de Tyler é conhecido como aquele organizado por objetivos, estruturado por Tyler
de acordo com a figura 1.

Figura 1: Modelo de currículo de Ralph Tyler. Fonte: Tyler (1974).

capítulo 1 • 12
De acordo com Santos e Moreira (1995), Tyler descreve metodicamente cada
um dos itens destacados na figura. Ele traça orientações de (...) como selecionar os
objetivos, como selecionar as estratégias de aprendizagem, como organizar essas expe-
riências e como avaliar sua eficácia (p. 48). Ou seja, é nitidamente um planejamen-
to puramente técnico e mecânico, que não prevê imprevisto e a interação entre
os sujeitos.
Como dito anteriormente, ao longo do tempo, diferentes significados foram
sendo discutidos e atribuídos à reflexão sobre currículo – tomado como objeto de
análise por variadas teorias e práticas.
Tomando a definição de Tomaz Tadeu da Silva sobre currículo como “questão
de saber, poder e identidade” (2011, p. 148), consideramos que existem disputas
de sentidos teóricos nesse campo, que afetam diretamente o contexto da prática
(Ball e Mainardes, 2011).
De acordo com Silva (2011), a definição de currículo depende da teoria que a
reflete. Por isso, mesmo que diferentes teorias busquem responder a uma mesma
pergunta, as respostas encontradas variam conforme as concepções sociais, edu-
cacionais, políticas e econômicas que as sustentam. Afinal, as correntes de pen-
samento sobre o currículo trazem em si diferentes projetos de ser humano e de
sociedade – que por sua vez estão em disputa pela hegemonia de seus pressupos-
tos. Assim, o termo currículo tem sido conceituado de diversas formas. Vejamos
algumas delas.

Apple (1994) afirma que o currículo nunca é um conjunto neutro de conhecimento


[...] Ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da
visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. É produto de tensões,
conflitos e concessões culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam
um povo (p. 59).

Já Silva (2011) argumenta que [...] o currículo é lugar, espaço, território. O currículo é
relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia,
nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto,
discurso documento (p. 150).

Moreira e Silva (1994), por sua vez, afirmam que currículo é [...] um termo de produção
e de política cultural, no qual os materiais existentes funcionam como matéria-prima de
criação, recriação e, sobretudo, de contestação e transgressão (p. 28).

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Para Veiga-Neto (2009), o currículo é um artefato escolar que, além de tratar do que e
do como ensinar e aprender – isto é, além de tratar de conteúdos e de modos de ensinar
e aprender –, funciona como um dispositivo que nos ensina determinadas maneiras de
perceber, significar e usar o espaço. Além disso, o currículo nos ensina a articularmos o
espaço com o tempo. Pode-se dizer, então, que o currículo é também uma máquina de
espacialização e de temporalização (p. 32).

Goodson (2013) entende o currículo como uma construção histórica e social, que se
tornou ao longo dos anos um elemento fundamental para os estudos que envolvem
a escolarização. Nesses termos o autor afirma que [...] o conceito de currículo como
sequência estruturada ou “disciplina” provém em grande parte da ascendência política do
Calvinismo (p. 43), ou seja, para ele é nesse período histórico que se estabelece “uma
relação homóloga entre currículo e disciplina” (Goodson, 2013).

Porém, indicando que o currículo vai muito além da ideia de disciplinas, questiona o
currículo institucionalizado e prescritivo, assumindo-o como “conflito social” (p. 107).

Nesse sentido, Goodson (2013, p. 22) faz uma importante distinção entre o currículo
escrito e aquele vivenciado em sala de aula, sendo o primeiro insuficiente para entender
como o é posto em prática.

Por fim, para Sacristán (2013), o currículo é algo evidente e que está aí, não importa
como o denominamos. É aquilo que um aluno estuda. Por outro lado, quando começamos
a desvelar suas origens, suas implicações e os agentes envolvidos, os aspectos que o
currículo condiciona e aqueles por ele condicionados, damo-nos conta de que nesse
conceito se cruzam muitas dimensões que envolvem dilemas e situações perante os
quais somos obrigados a nos posicionar (p. 16).

Sacristán (2013) também apresenta algumas dimensões que de acordo com ele
tem a capacidade de regular a construção do currículo. A seguir apresentamos no
quadro 1 com tais dimensões. Vejamos:

capítulo 1 • 14
1. Dimensões ou aspectos estruturais do currí- Elementos e aspectos estrutura-
culo: a ordem pela qual ele é estabelecido dos ou afetados

- Divisões do tempo:
Tempo de aprender, tempo
Anos ou cursos da escolaridade sequenciados;
Horário semanal repetido ciclicamente; livre etc.;
Horário diário, em parte repetido ciclicamente; Tempo de ensinar;
Concepções do tempo.
Conhecimentos e
- Delimitação e organização dos conteúdos: saberes valorizados;
Acessibilidade e fontes de onde a informação Atividades possíveis de
pode ser obtida;
Demarcação do que se pode e se deve aprender; ensinar ou transmissoras
Organização em disciplinas e outras formas de em geral;
classificação dos conteúdos;

A ordem da sequência de conteúdos;


Permeabilidade das fronteiras entre os territó-
rios demarcados;
Itinerários de progressão nos conteúdos e
no tempo;
Opções epistêmicas sobre o conhecimento; Atividades possíveis e prováveis
Sistemas e mecanismos de avaliação de aprendizagem e
das aprendizagens. seus resultados;
Comportamentos tolerados
e estimulados;
2. Outros elementos e agentes: Linha e ritmo de progresso;
O espaço escolar; Identidade e especialização
Classificação dos alunos; dos professores;
Clima social, regras de comportamento; Orientação do desenvolvimento
O método como ordem das ações; das pessoas.
Relações verticais ou horizontais;
Sistemas de avaliação e controle não
curriculares;
Ideologias, filosofias e outras abordagens dos
processos de ensinar.

Quadro 1: dimensões que, segundo Sacristán (2013), regulam o currículo. Fonte: Sacristán (2013).

Como podemos observar, diferentes autores pensam o currículo de forma di-


versa. Evidentemente, existem alguns traços semelhantes, porém não podemos
afirmar que exista um consenso sobre o conceito currículo.

capítulo 1 • 15
Ainda sobre o conceito de currículo, não podemos deixar de mencionar que,
com a evolução das pesquisas e estudos desse campo, o termo passou a ser carac-
terizado e entendido de diversas formas, tais como seguem:

Currículo prescrito ou oficial – planejado pelas instâncias governamentais como


parâmetro curricular para as diversas Secretarias de Educação;

Currículo na ação – praticado, vivenciado e explícito nos ambientes escolares;

Currículo oculto – são as práticas implícitas, que não estão expostas claramente. O
currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem
fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita, para aprendizagens
sociais relevantes (Silva, 2011, p. 78);

Currículo vazio ou nulo – [...] se constitui nos conhecimentos ausentes [...] Também
chamado de “campos dos silêncios” ou de “omissões”, seu significado é fundamental
para entender o currículo como espaço de afirmação ou negação de elementos das
diferentes culturas (Ranghetti e Gesser, 2011, p. 21).

Quadro 2: tipos de currículo.

Neste momento, é importante mencionar que, para Sacristán (2000): [...] a


prescrição de mínimos e diretrizes curriculares para um sistema educativo ou para um
nível do mesmo supõe um projeto de cultura comum para os membros de uma deter-
minada comunidade, à medida que afeta a escolaridade obrigatória pela qual passam
todos os cidadãos (p. 111). Isto nos leva a fazer a seguinte pergunta: será que um
projeto de curricular comum não cria hierarquia de conhecimento ou de cultura?

CURIOSIDADE
Desde 2014 o ministério da educação brasileiro vem discutindo a base nacional
comum curricular.
Você já ouviu falar sobre essa base?
Será que essa BNCC é um currículo prescrito?

capítulo 1 • 16
Para a professora Márcia Ângela Aguiar, conselheira do MEC, a discussão da
Base Nacional Comum Curricular se dá num campo de disputas, o que promove a
sua complexidade. Segundo ela, a BNCC [...] não tem somente uma dimensão, uma
visão sobre o currículo. Porque dependendo de como eu concebo a sociedade, a forma-
ção humana, a questão do direito, a própria aprendizagem, o conhecimento, a cultura:
tudo isso é objeto de visões e interpretações (Aguiar, apud Brasil-MEC, 2016).

Nesse ínterim, questionamos: será que o


currículo prescrito de fato é praticado no dia a
dia da escola?

De acordo com Sacristán (2000), [...] o significado da prática e do currículo na


ação pode ser analisado a partir das atividades que preenchem o tempo no qual trans-
corre a vida escolar, ou que se projetam nesse tempo, e em como se relacionam umas
tarefas com outras (p. 207). Portanto, são todas as atividades pelas quais os sujeitos
em formação escolar são submetidos.
Ademais, é importante ressaltar que [...] a estrutura da prática obedece a múlti-
plos determinantes, tem sua justificativa em parâmetros institucionais, organizativos,
tradições metodológicas, possibilidades reais dos professores, dos meios e condições físicas
existentes (Ibidem, p. 201). Isto significa que na prática também estão implícitos
valores, comportamentos e ideologias e não apenas conteúdos previamente plane-
jados ou prescritos.

Diferentes orientações e organizações curriculares

De acordo com Rosa (2016), [...] o termo organização curricular refere-se ao modo
como elementos específicos são estruturados e incorporados no espaço escolar para o atendi-
mento de alunos de diferentes idades e contextos, que podem ser modificados a qualquer
tempo, desde que exista interesse (p. 50). Assim, quando tratamos do histórico da
organização curricular brasileira, evidenciamos vários movimentos no campo.
Amparada teoricamente em Sacristán (2000), Rosa (2016) destacou quatro orien-
tações curriculares que servem como parâmetro para analisar os diferentes modelos de
organizações curriculares no contexto brasileiro, denominadas pela autora como:

capítulo 1 • 17
Currículo com base no conteúdo – prevê a organização dos saberes especializados,
divididos em disciplinas, as quais devem ser transmitidas aos alunos (Rosa, 2016, p.43);

Currículo com base na experiência do aluno – origina-se nos [...] movimentos de


renovação da escola, se firma mais na educação pré-escolar e primária e se nutre de
preocupações psicológicas, humanistas e sociais (Sacristán, 2000, p. 41);

Currículo com base no legado tecnológico e eficientista – prevê uma gestão autoritária,
controladora e racional e uma prática estritamente técnica, evitando a discussão do valor
e do significado dos conteúdos (Rosa, 2016, p. 44);;

Currículo com ênfase na interação entre teoria e prática – [...] é um esquema globalizador
dos problemas relacionados com o currículo, que, num contexto democrático, deve
desembocar em propostas de maior autonomia para o sistema em relação à administração
e ao professor para modelar sua própria prática (Sacristán, 2000, p. 47).;

Quadro 3: tipos de orientação curricular.

Tais orientações deram origem a diferentes organizações curriculares. A pri-


meira delas, o currículo com base nos conteúdos, pode ser evidenciada [...] em
práticas realizadas por jesuítas no início da colonização brasileira. Fundamentada
numa filosofia religiosa, enciclopedista e academicista (Rosa, 2016, p. 43).
Nessa organização, portanto, valorizam-se os elementos apontados na Figura 2:

Figura 2: elementos da orientação “currículo com base nos conteúdos”.

capítulo 1 • 18
Como podemos observar, os elementos que compõem essa organização não
são dinâmicos. Na verdade, são lineares, disciplinares, baseados em conhecimen-
tos estanques, estruturados em tempos e espaços predefinidos.
Já a orientação “currículo com base na experiência do aluno” pode ser exempli-
ficada pelas experiências do Centro Educacional Carneiro Ribeiro (CECR), tam-
bém conhecido como Escola Parque, planejado e construído na década de 1950
por Anísio Teixeira na Bahia, bem como pelos Centros Integrados de Educação
Pública (CIEPs), construídos no estado do Rio de Janeiro e planejados por Darcy
Ribeiro na década de 1980.

Figura 3: elementos da orientação “currículo com base na experiência do aluno”.

Nesta orientação, a organização se estrutura a partir de elementos mais di-


nâmicos, que valorizam a interação entre os sujeitos formadores e em formação.

1
Ver SENAC em: <http://www.senac.br/> (acesso em 17 de out. 2016)
2
Ver SESC em: <http://www.sesc.com.br/> (acesso em 17 de out. 2016)
3
Ver SESI em: <http://www.portaldaindustria.com.br/sesi/> (acesso em 17 de out. 2016)
4
Ver SENAI em: <http://www.cursosenairio.com.br/modalidades,0,0,0,0.html> (acesso em 17 de out. 2016)]

capítulo 1 • 19
As atividades são organizadas de acordo com a experiência e desejo do aluno, e o
professor é um facilitador do processo ensino/ aprendizagem.
De acordo com Rosa (2016), a orientação “currículo com base no legado
tecnológico e eficientista” [...] pode ser comparada à tendência técnica de currículo
fomentada, principalmente, durante a era Vargas ocorrida entre os anos de 1930 e
1945. Escolas como o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC)1 , o
Serviço Social do Comércio (SESC)2, o Serviço Social da Indústria (SESI)3 e o Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI)4 são exemplos de escolas que se organi-
zaram de acordo com essa perspectiva (p. 44).

Figura 4: elementos da orientação “currículo com base no legado tecnológico e eficientista”.

A figura 4 ilustra elementos de uma organização mais técnica, com foco na


preparação, na produção e em resultados. O currículo também se estrutura em
conhecimentos lineares. O professor, neste caso, é o detentor do saber e deverá
transmiti-lo, mensurando-o e controlando-o.
Por fim, ainda de acordo com Rosa (2016), a orientação “currículo com ên-
fase na interação entre teoria e prática” [...] pode ser comparada à teoria pós-crítica
do currículo, que vem particularmente sendo fomentada atualmente. Programas que
tentam, de certa forma, atender a demandas do contexto social se encaixam nessa
perspectiva (p. 45).

capítulo 1 • 20
Figura 5: elementos da orientação “currículo com ênfase na interação entre teoria e prática”.

Como podemos observar, os elementos desta orientação estruturam uma or-


ganização mais dialógica, na qual o contexto político, social e econômico é valo-
rizado, bem como as diferenças entre os sujeitos. Neste caso, não existe hierarquia
de conhecimentos.
Todas essas orientações são baseadas em correntes teóricas que estão em dis-
puta no contexto brasileiro.

CURIOSIDADE
1. No Brasil, o campo curricular até a década de 1980 [...] foi marcado pela transferência
instrumental de teorizações americanas. Essa transferência centrava-se na assimilação de
modelos para a elaboração curricular, em sua maioria de viés funcionalista, e era viabilizada
por acordos bilaterais entre governos brasileiros e norte-americanos dentro do programa de
ajuda à América Latina (Lopes; Macedo, 2002, P. 13).
2. Apenas na década de 1980, com o início da democratização do Brasil e o enfraqueci-
mento da Guerra Fria, a hegemonia do referencial funcionalista norte-americano foi abalada.
Nesse momento, ganharam força no pensamento curricular brasileiro vertentes marxistas. En-
quanto dois grupos nacionais – Pedagogia Histórico-Crítica e Pedagogia do Oprimido – dis-
putavam a hegemonia nos discursos educacionais e na capacidade de intervenção política,
a influência da produção da língua inglesa se diversificava, incluindo autores ligados à nova
sociologia da educação inglesa e à tradução de textos de Michel Apple e Henry Giroux. Essa

capítulo 1 • 21
influência não mais se fazia por processos oficiais de transferência, mas sim subsidiados pelos
trabalhos de pesquisadores brasileiros [...] (Lopes; Macedo, 2002, P. 13).

Teorias tradicionais, críticas e pós-críticas

A necessidade de distinguir as concepções, os conceitos, as vertentes políti-


co-filosóficas de currículo, entre outros, levou alguns autores brasileiros, como
Tomaz Tadeu da Silva (2011), Alice Casimiro Lopes e Elisabeth Macedo (2002),
a estruturar correntes teóricas que pudessem de alguma maneira organizar as dis-
cussões complexas do campo curricular.
De acordo com Tomaz Tadeu da Silva (2011), em seu livro Documentos de
Identidade, existem três correntes teóricas importantes que ajudam a compreender
a evolução das discussões no campo curricular, cujas denominações são:
(1) teorias tradicionais, (2) teorias críticas e (3) teorias pós-críticas.

Segundo o referido autor, a teoria tradicional se perpetuou por longos anos no


contexto brasileiro. Contudo, foi a partir da década de 1960, com o fortalecimen-
to das teorias críticas, que o modelo tradicional de currículo, supostamente neutro
e utilitário, começou a ser criticado.

As teorias críticas do currículo efetuam uma completa inversão nos


fundamentos das teorias tradicionais. [...] Os modelos tradicionais
restringiam-se à atividade técnica de como fazer o currículo. As teorias
críticas sobre o currículo, em contraste, começam por colocar em questão
precisamente os pressupostos dos arranjos sociais e educacionais.
As teorias críticas desconfiam do status quo, responsabilizando pelas
desigualdades e injustiças sociais (Silva, 2011, p. 29)..

Com o passar dos anos, mais precisamente desde a segunda metade dos anos
1990, o campo tem sido espaço de embates entre teóricos filiados às teorias crí-
ticas e pós-críticas, que vêm travando uma disputa pela hegemonia na produção
do conhecimento.
Ao apresentar as “teorias pós-críticas”, Silva (2011) menciona algumas das
principais contribuições teóricas que correntes do pensamento, como o multi-
culturalismo e o pós-estruturalismo, trouxeram para o campo do currículo. Para

capítulo 1 • 22
marcar as novas bases epistemológicas, em foco nas teorias pós-críticas, des-
taca como fundamentais, por exemplo, os movimentos feministas, de raça,
etnia e de sexualidade. Destaca, desta forma, a relação entre as desigualdades
educacionais e os significados atribuídos histórica e socialmente à sexualidade,
gênero, raça e etnia.
Assim, terminamos este capítulo argumentando que, para entender as dife-
rentes concepções conferidas ao currículo, bem como a sua organização, é impres-
cindível desvelar as teorias e as orientações que as fundamentam, tendo em vista
que elas nos ajudam a compreender as relações sociais, políticas e econômicas que
modelam a formação dos sujeitos.

COMENTÁRIO
Pesquise publicações, sites, vídeos e artigos relacionados ao conteúdo da aula, buscando
pontos de convergência e divergência destes com as ideias veiculadas nos textos básicos,
através de uma leitura crítica e reflexiva.
Sugerimos as seguintes leituras complementares:
• A entrevista intitulada Currículo: conhecimento e cultura, concedida por Antonio
Flávio Barbosa Moreira à TV Brasil, disponível em: <http://tvbrasil.org.br/saltoparaofutu-
ro/entrevista.asp?cod_Entrevista=28>. Acesso em 17 de out. 2016;
• O texto Indagações sobre o currículo: currículo, conhecimento e cultura, de
Antonio Flávio Barbosa Moreira e outros (2007).

Uma dica importante: faça anotações pessoais enquanto lê, destacando os aspectos
mais relevantes, fazendo perguntas, selecionando as citações mais significativas. Esses re-
gistros são importantes fontes de consulta para a participação nos fóruns, como síntese do
que você aprendeu.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APPLE, Michel W. A política do conhecimento oficial: faz sentido a ideia de um currículo
nacional? In: MOREIRA, Antônio Flávio; SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org.). Currículo, cultura e
sociedade. Campinas: Papirus, 1994.

capítulo 1 • 23
BALL, Stephen; MAINARDES, Jefferson (Org.). Políticas educacionais: questões e di-
lemas. São Paulo: Cortez, 2011.
BRASIL, MEC. Assessoria de Comunicação Social. Discussão sobre currículo é an-
terior à proposta da Base. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/ultimas-noticias/
211-218175739/34521-discussao-sobre-curriculo-e-anterior-a-proposta-da-base>.
Acesso em 17 de out. 2016.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
GOODSON, Ivor. Currículo: Teoria e história. Petrópolis: Vozes, 2013.
LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elisabeth. O pensamento curricular no Brasil. In: LO-
PES, Alice Casimiro; MACEDO, Elisabeth (org.). Currículo: debates contemporâneos. São
Paulo: Cortez, 2002.
MOREIRA, Antônio Flávio; SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Currículo, cultura e socieda-
de. Campinas: Papirus, 1994.
SANTOS, L. L. C. P; MOREIRA, Antônio Flávio. Currículo: Questões de Seleção e de
Organização do Conhecimento. In: TOZZI, Devanil et al. Currículo, Conhecimento e Socie-
dade. São Paulo: Fundação para o desenvolvimento da educação, 1995.
NÓVOA, Antônio. Os professores e o novo espaço público da educação. In: TARDIF,
Maurice; LESSARD, Claude. O ofício do professor: história, perspectivas e desafios inter-
nacionais. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2014.
RANGHETTI, Diva Spezia; GESSER, Verônica. Currículo escolar: das concepções his-
tórico-epistemológicas a sua materialização na prática dos contextos escolares. Curitiba, PR:
CRV, 2011.
Rosa, Alessandra Victor do Nascimento; Souza, Maria Inês G. F. Marcondes de. Pesqui-
sando a relação Educação integral e(m) tempo integral e Currículo no Brasil
- período 2000-2012: O que revelam as pesquisas de mestrado e doutorado? Rio de Ja-
neiro, 2016. 251 p. Tese de Doutorado. Departamento de Educação, Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro.
SACRISTÁN, José Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto Ale-
gre: Artmed, 2000.
______ (Org.). Saberes e incertezas sobre o currículo. Porto Alegre: Penso, 2013.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do
currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
TYLER, Ralph. Princípios Básicos de Currículo e Ensino. Porto Alegre: Globo, 1974.
VEIGA-NETO, Alfredo. Currículo e espaço. In: BRASIL. Currículo: conhecimento e cultu-
ra. Salto para o futuro, Ano XIX – Nº 1 – Abril 2009, p. 32-34.

capítulo 1 • 24
2
As teorias do
currículo
As teorias do currículo

Introdução

Com o movimento atual de discussão sobre o currículo, mais precisamente


sobre o currículo ideal para diferentes áreas e pessoas, a melhor organização curri-
cular, as diferentes orientações curriculares, bem como o significativo aumento de
pensadores e pesquisadores estudando propostas, projetos e programas, algumas
teorias curriculares ganharam centralidade.
Historicamente, em meio a essa “efervescência” de discussões e na medida
em que foram debatidas por inúmeros autores, inclusive virando referência fun-
damental nos cursos de licenciatura, três teorias curriculares já podem ser consi-
deradas clássicas. Tais teorias foram denominadas pelo professor brasileiro Tomaz
Tadeu da Silva como:

1. Tradicionais;
2. Críticas;
3. Pós-críticas.

Considerando essa perspectiva histórica, este capítulo vem, primeiramente,


propor uma reflexão a respeito das teorias de currículo apresentadas por Silva
(2011) em seu livro Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do cur-
rículo, que se tornou um livro base para os alunos de Pedagogias, bem como para
os pesquisadores da área do currículo. Na sequência apresentamos alguns pon-
tos importantes relacionados à diversidade de teorias/ temáticas que estão sendo
discutidas no campo curricular. Para finalizar, apontamos reflexões em forma de
atividades, para ajudar a entender as teorias apresentadas neste capítulo.
A discussão referente às teorias de currículo, é imprescindível, pois precisa-
mos entender os fundamentos políticos, filosóficos e sociológicos que embasam
o planejamento, a organização e a implantação dos currículos, principalmente no
contexto brasileiro, que é o espaço/lugar em que atuamos como cidadãos.
A fim de iniciar nossas reflexões, levantamos algumas questões para que pos-
samos organizar didaticamente o tópico seguinte, a saber:

capítulo 2 • 26
PERGUNTA
• O que é teoria curricular?
• Quais são as teorias do currículo?

Assim, aqui tentaremos responder as questões apresentadas.

OBJETIVOS
• Descrever as teorias do currículo;
• Reconhecer a existência de teorias curriculares no contexto brasileiro;
• Distinguir as teorias curriculares;
• Identificar os aspectos fundamentais das teorias curriculares.

Teoria curricular

Iniciamos este subcapítulo nos perguntando: o que é teoria curricular? De


acordo com Silva (2011):

“[...] uma teoria define-se pelos conceitos que utiliza para conceber a
“realidade”. Os conceitos de uma teoria dirigem nossa atenção para
certas coisas que sem eles não “veríamos” (p. 17)..

Então, para buscar entendê-las, relacioná-las e compará-las, é importante re-


fletir sobre os elementos e conceitos que as amparam. Por isso, Silva (2011) ela-
borou um resumo dos conceitos que três grandes teorias curriculares enfatizam, as
quais ele denominou como:

capítulo 2 • 27
Assim, questionamos:

PERGUNTA
• Quando e por que cada uma dessas teorias surgiu?
• Quais são os conceitos e elementos de cada uma delas?

ATENÇÃO
Outros autores organizaram e segmentaram as teorias curriculares de uma forma dife-
rente da apresentada por silva (2011).

Vejamos, a seguir, as características de cada uma das teorias apresentadas por


Silva (2011).

Teorias tradicionais

As teorias tradicionais começaram a emergir


com a publicação em 1918 do livro The curri-
culum, de Bobbit. Este livro estabeleceu o cur-
rículo como um campo de estudos. Entretanto,
tal campo só ganhou notoriedade com a publi-
cação do livro Princípios básicos de currículo e
ensino, escrito por Ralph Tyler em 1974 (Silva,
2011).

Fonte da imagem: https://www.papermasters.com/curriculum-bobbitt.html

Em termos estritos, Silva (2011) nos diz que:

[...] o paradigma estabelecido por Tyler iria dominar o campo do currícu-


lo nos Estados Unidos, com influência em diversos países, incluindo o
Brasil, pelas próximas quatro décadas (Silva, 2011, p. 24).

capítulo 2 • 28
A orientação de Bobbit e Tyler para a organização do currículo era meramente
técnica, valorizava a definição de objetivos, a transmissão pelos professores dos
conteúdos definidos nos objetivos, a memorização passiva desses conteúdos por
parte dos alunos, a aprendizagem mecânica e a avaliação classificatória.
Silva (2011) explica que:

[...] as teorias tradicionais pretendem ser apenas isso: “teorias” neutras,


científicas, desinteressadas (p. 16), ou seja, uma teoria passiva, que
não exige a construção do conhecimento e muito menos a crítica aos
conteúdos abordados. Desta maneira, os modelos curriculares tradicio-
nais [...] não estavam preocupados em fazer qualquer tipo de questio-
namento mais radical aos arranjos educacionais existentes, às formas
dominantes de conhecimento ou, de forma mais geral, à forma social
dominante (Macedo, 2013, p. 37).

Dentro do esforço de destacar os elementos dos modelos curriculares tradicio-


nais, apresentamos a seguir um esquema que consegue relacionar cada um deles:

capítulo 2 • 29
Cada elemento do esquema anterior pode relacionar-se esquematicamente a
um adjetivo, a saber:

ENSINO E APRENDIZAGEM Conservadores

AVALIAÇÃO E METODOLOGIA Precisas

DIDÁTICA Mecânica

ORGANIZAÇÃO E PLANEJAMENTO Técnicos

EFICIÊNCIA Técnica

OBJETIVOS Comportamentais

Esses elementos encontram consolidação com a afirmação de Pacheco (1996)


para a abordagem tradicional curricular. Nas palavras do autor:

[...] o currículo representa a elaboração de um plano estruturado de


aprendizagem dos alunos, tendo em vista o seu aperfeiçoamento atra-
vés dos objetivos formulados em termos comportamentais e segundo
as duas regras principais da tecnologia educativa: previsão e precisão
de resultados (p. 138).

Portanto, o currículo na perspectiva da teoria crítica resume-se a uma questão


técnica, de elaboração e organização, em que [...] os objetivos são comportamentais e
indicam produtos ou processos de aprendizagens organizados de forma que possam ser
medidos ou observados (Ranghetti e Gesser, 2011, p. 30). Deste modo, Sacristán
(2000) explica que a organização curricular deve ser planejada [...] como um con-
junto de objetivos de aprendizagem selecionados que devem dar lugar à criação de
experiências apropriadas que tenham efeitos cumulativos avaliáveis (p. 46).
Visto isso e para entrar no tópico seguinte, levantamos a seguinte questão:

PERGUNTA
• Quando as teorias tradicionais começaram a ser questionadas?
• E ainda, por que elas passaram a ser questionadas?

capítulo 2 • 30
Teorias críticas

Contestando as teorias tradicionais, em meados da década de 1970, nos


Estados Unidos, emergiram as teorias críticas. De acordo com Silva (2011):

As teorias críticas do currículo efetuam uma completa inversão nos fun-


damentos das teorias tradicionais. Como vimos, os modelos tradicionais,
como o de Tyler por exemplo, não estavam absolutamente preocupados
em fazer qualquer tipo de questionamento mais radical relativamente aos
arranjos educacionais existentes, às formas dominantes de conhecimento
ou, de modo mais geral, à forma social dominante. Ao tomar o status quo
como referência desejável, as teorias tradicionais se concentravam, pois,
nas formas de organização e elaboração do currículo. Os modelos tradicio-
nais de currículo restringiam-se à atividade técnica de como fazer o currícu-
lo. As teorias críticas sobre o currículo, em contraste, começam a colocar
em questão precisamente os pressupostos dos presentes arranjos sociais
e educacionais. As teorias críticas desconfiam dos status quo, responsabi-
lizando-o pelas desigualdades e injustiças sociais. As teorias tradicionais
eram todas de aceitação, ajuste e adaptação. As teorias críticas são teorias
de desconfiança, questionamento e transformação radical (p. 29).

Devido a essas características descritas por Silva (2011), os elementos que


podemos destacar das teorias críticas são os seguintes:

capítulo 2 • 31
Portanto, [...] para as teorias críticas o importante não é desenvolver técnicas de como
fazer o currículo, mas desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o
currículo faz (Idem) e o que ele pode vir a fazer.

De acordo com Macedo (2013):

Ao desconfiar do status quo, as teorias críticas vão direcionar seus olha-


res críticos sobre as iniquidades sociais e as injustiças que excluem
através dos atos de currículo. Chamamos atos de currículo todas as
atividades que se organizam e se envolvem visando uma determina-
da formação, operacionalizadas via seleção, organização, formulação,
implementação, institucionalização e avaliação de saberes, atividades,
valores, competências, mediados pelo processo ensinar/ aprender ou
sua projeção (p. 38).

Assim, nesta perspectiva teórica se valoriza a interpretação dos contextos his-


tórico, social, cultural, econômico e político.
De todo modo, como explica Ranghetti e Gesser (2011), o conhecimento dis-
ciplinar nesta teoria curricular [...] não seria desconsiderado. Os conteúdos seriam estu-
dados, visando preparar melhor os estudantes para o cotidiano de nossa sociedade (p. 32).

CURIOSIDADE
Você sabia que de acordo com Silva (2011) a teoria crítica possui marcos fundamentais
que a legitimaram? Veja a seguir.
• 1970 - Publicação do livro Pedagogia do oprimido, de Paulo Freire;
• 1970 - Publicação do livro A ideologia e os aparelhos ideológicos do Estado, de
Louis Althusser;
• 1970 - Publicação do livro A reprodução, de Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron;
• 1971 - Publicação do livro L’Ecole capitaliste en France, de Baudelot e Establet;
• 1971 - Publicação do livro Class, codes and control (vol. 1), de Basil Bernstein;
• 1971 - Publicação do livro Knowledge and control: new directions for the sociology
of education, de Michael Young;
• 1976 - Publicação do livro Schooling in capitalist America, de Samuel Bowles e
Herbert Gintis;
• 1976 - Publicação do livro Toward a poor curriculum, de William Pinar e Ma-
deleine Grumet;

capítulo 2 • 32
• 1979 - Publicação do livro Ideologia e currículo, de Michael Apple.

Na década de 1990, novas perspectivas teóricas emergiram no campo de dis-


cussão do currículo. Alguns teóricos as denominaram como teorias pós-críticas de
currículo, que se constituíram a partir do pensamento pós-moderno. Vejamos os
detalhes no item seguinte.

Teorias pós-críticas

As teorias pós-críticas trouxeram para o campo do currículo a discussão sobre o


multiculturalismo, um movimento que discute a questão da diferença entre os sujeitos.

Fonte da imagem: Shutterstock

Segundo Silva (2011):

O multiculturalismo, tal como a cultura contemporânea, é fundamen-


talmente ambíguo. Por um lado, o multiculturalismo é um movimento
legítimo de reinvindicação dos grupos culturais dominados no interior
daqueles países para terem suas formas culturais reconhecidas e repre-
sentadas na cultura nacional. O multiculturalismo pode ser visto, entre-
tanto, também como uma solução para os “problemas” que a presença
dos grupos raciais e éticos coloca, no interior daqueles países, para a
cultura nacional dominante. De uma forma ou de outra, o multicultura-
lismo não pode ser separado das relações de poder que, antes de mais
nada, obrigaram essas diferentes culturas raciais, étnicas e nacionais a
viverem no mesmo espaço (p. 85).

capítulo 2 • 33
Ou seja, podemos perceber que as teorias pós-críticas se apresentaram na dis-
cussão curricular com um viés de denúncia. Apontaram, desta forma, para ques-
tões como identidade, discurso, alteridade, diferenças, subjetividade, significação,
saber/ poder, representação cultural, gênero, raça, etnia e sexualidade; tal como
destaca o esquema a seguir:

Todos esses termos são representativos e originários dessa perspectiva teórica. De uma
forma resumida, podemos inferir que cada elemento destacado na figura anterior possui
uma bandeira de luta engajada ao movimento multiculturalista.

capítulo 2 • 34
No quadro a seguir, apresentamos alguns apontamentos dessas lutas:
TÓPICO-QUESTÃO ALGUMAS “BANDEIRAS” DE LUTA
Nenhuma cultura ou identidade é supe-
Identidade e alteridade
rior a outra.

Todos são diferentes - ninguém é melhor


Diferença e subjetividade
que ninguém.

O discurso é que promove a realidade so-


Significação e discurso
cial e as relações de poder.

São as relações de poder que determi-


Saber/ poder
nam a negatividade das diferenças.

Representação Como o outro é representado?

As diferentes culturas devem ser


Cultura
valorizadas.

Discussão feminista - há uma profun-


Gênero da desigualdade separando homens e
mulheres.

Discutem as causas institucionais, históri-


Raça
cas e discursivas do racismo.

Discutem as causas institucionais, históri-


Etnia
cas e discursivas da etnia.

Sexualidade Liberdade de opção sexual.

Fonte: Silva, 2011.

capítulo 2 • 35
Para Ranghetti e Gesser (2011), as proposições teóricas pós-críticas [...] sugerem a
desconstrução de conceitos e práticas que vêm sendo materializadas pelo currículo tra-
dicional, visando à reconstrução ou à ressignificação dos textos, contextos e discursos
vivenciados pelos sujeitos (p. 34). Dito de outra forma, tais teorias questionam concei-
tos concebidos como verdades. Elas desconfiam desses discursos, dessas certezas,
do absoluto.

Outrossim, não podemos deixar de mencionar que o movimento multicultura-


lista também cultiva duas perspectivas: a visão pós-estruturalista e a “materialista”.

De acordo com Macedo (2013):

O que caracteriza de forma marcante as análises pós-estruturalistas é


a ideia de que o significado é socialmente construído e vive de forma
ineliminável a incerteza e a opacidade. O significado, portanto, não é
preexistente, mas culturalmente edificado, bem como se dinamiza nas
relações de poder ao qual está implicado ou implica. Afirma-se assim
que o significado é socialmente definido (p. 65).

Ou seja, se pudéssemos esquematizar as análises pós-estruturalistas o faríamos


da seguinte forma:

capítulo 2 • 36
COMENTÁRIO
A engrenagem destacada na imagem representa a volatilidade dos significados para os
pensadores pós-estruturalistas, bem como expõe uma ideia de mudança constante, na qual
está atrelado o envolvimento de grupos que detêm o poder na sociedade, seja na esfera
política, econômica ou sociocultural.

Silva (2011) complementa a inferência de Macedo (2013) argumentando que:

Para a concepção pós-estruturalista, a diferença é essencialmente um


processo linguístico e discursivo. A diferença não pode ser concebida
fora dos processos linguísticos de significação. A diferença não é uma
característica natural: ela é discursivamente produzida. Além disso, a
diferença é sempre uma relação (...). Na medida em que é uma relação
social, o processo de significação que produz a “diferença” se dá em
conexão com relações de poder (p. 87).

Não podemos deixar de mencionar que, para a visão pós-estruturalista, [...] no


que concerne às práticas curriculares, o que será questionado é a sua relação com a ver-
dade (Macedo, 2013, p. 65). Outrossim, questões do seguinte tipo são levantadas
pelos pensadores dessa perspectiva:

PERGUNTA
• Como foi construída tal verdade?
• Qual é o seu contexto?
• Quem a afirmou?
• Baseado em qual experiência?
• Quais são os pressupostos teóricos, políticos e filosóficos que a embasam?

capítulo 2 • 37
Já no que concerne à visão materialista, Silva (2011) afirma que:

Uma perspectiva mais “materialista”, em geral inspirada no marxismo,


enfatiza, em troca, os processos institucionais, econômicos, estruturais
que estariam na base da produção dos processos de discriminação e
desigualdade baseados na diferença cultural. Assim, por exemplo, a
análise do racismo não pode ficar limitada a processos exclusivamen-
te discursivos, mas deve examinar também (ou talvez principalmente)
as estruturas institucionais e econômicas que estão em sua base. O
racismo não pode ser eliminado simplesmente através do combate a
expressões linguísticas racistas, mas deve incluir também o combate à
discriminação racial no emprego, na educação, na saúde (p. 87).

Visto isso, finalizamos este tópico enfatizando que as teorias curriculares apre-
sentadas anteriormente são tidas como clássicas, já que as discussões teóricas no
campo do currículo avançaram significativamente nos últimos anos. Então, visan-
do iniciar algumas considerações finais deste capítulo, questionamos:

PERGUNTA
Existem outras teorias curriculares além da tradicional, crítica e pós-crítica? Será que as
teorias pós-críticas incluem outras teorias “pós”?

Algumas considerações

Como o campo curricular é muito complexo e mantém, atualmente, certa


“efervescência” teórica, recorrentemente novas reflexões surgem para complemen-
tar as teorias do campo. Nesse bojo, em meio às discussões pós-modernas, Macedo
(2013) menciona outra teoria curricular, conhecida e caracterizada como pós-co-
lonial, que surgiu [...] para questionar a dinâmica de poder e as formas de conheci-
mento que colocaram o sujeito imperial europeu na posição atual de privilégio (p. 66).
De acordo com o referido autor:

capítulo 2 • 38
[...] a teoria pós-colonial lança seu olhar para o currículo, reivindicando a
inclusão das formas culturais que refletem a experiência de segmentos
cujas identidades culturais e sociais são marginalizadas pela identidade
ocidental hegemônica. Para o pós-colonialismo, há um “cânon ociden-
tal” que transversaliza os currículos e que acabam por legitimar a histó-
ria dominante dos europeus (Macedo, 2013, p. 68).

No âmbito curricular, para Silva (2011) a teoria pós-colonial é uma das teorias
pós-críticas, mas [...] diferentemente das outras análises “pós”, entretanto, a ênfase da
teorização pós-colonial está nas relações de poder entre nações (p. 127).
Silva (2011) explica também que:

Uma perspectiva pós-colonial questionaria as experiências superficial-


mente multiculturais estimuladas nas chamadas “datas comemorati-
vas”: o dia do índio, da mulher, do negro. Uma perspectiva pós-colonial
exige um currículo multicultural que não separe questões de conheci-
mento, cultura e estética de questões de poder, política e interpretação.
Ela reivindica, fundamentalmente, um currículo descolonizado (p. 130).

A teoria pós-colonial, portanto, critica o fato da


valorização das culturas dos colonizadores. Os
pensadores dessa vertente teórica defendem
que a cultura de âmbito local seja valorizada,
principalmente no que concerne à organização
curricular.

Fonte da imagem: Shutterstock

capítulo 2 • 39
ATENÇÃO
Dentro da perspectiva pós-critica também temos os chamados estudos culturais. Em
muitas das análises feitas nos estudos culturais, busca-se fundamentalmente caracterizar o ob-
jeto sob análise como um artefato cultural, isto é, como o resultado de um processo de constru-
ção social (Silva, 2011, p. 134). O currículo, portanto, seria um desses artefatos culturais.
Silva (Idem) explica que [...] a partir dos estudos culturais, podemos ver o conhecimento
e o currículo como campos culturais, como campos sujeitos à disputa e à interpretação, nos
quais os diferentes grupos tentam estabelecer sua hegemonia (p. 135).

Últimas palavras

De maneira geral, ao final deste capítulo, notamos que o campo curricular


tem à sua frente dois mundos: um formal ou técnico e outro questionador.

FORMAL OU TÉCNICO QUESTIONADOR


Levanta conceitos, fatos, valores e ver-
Na qual muitas escolas ainda se baseiam
dades absolutizadas, que emanam das
para planejar e organizar o seu processo
relações de poder estabelecidas na
ensino/ aprendizagem.
sociedade.

Reforça atitudes conformistas e con-


servadoras no âmbito da educação, que
As questões levantadas por esse polo
somente se reverterá à custa de muito
não estão alicerçadas em atitudes
debate e sentimento de transforma-
conformistas.
ção individual, estrutural, institucional e
conjuntural.

Nesse bojo, sobre as diferentes perspectivas atuais de análise do currículo,


Veiga-Neto (2010) argumenta:

capítulo 2 • 40
Dentre todas as transformações por que passou o currículo desde a
sua invenção no final do século XVI, estamos hoje vivendo as maiores
e mais radicais mudanças nos quatro elementos constitutivos desse
artefato escolar: o planejamento dos objetivos, a seleção dos conteú-
dos, a colocação de tais conteúdos em ação na escola e a avaliação.
Tais elementos encontram-se, de poucas décadas, sob sucessivas sa-
raivadas de novas análises e de novas propostas. Algumas de cunho
acentuadamente tecnicista, outras de caráter humanista e outras mais
de cunho claramente político e crítico, o fato é que têm sido numerosas
as alternativas que, no campo do currículo, se apresentam aos educa-
dores e aos planejadores e gestores das políticas educacionais (p. 35).

COMENTÁRIO
É nesse sentido que consideramos muito importantes as pesquisas e a reflexão sobre a
prática e os processos, pois são eles que permitem resultados e críticas a respeito dos pro-
blemas encontrados no cotidiano escolar. Se os resultados puderem oferecer subsídios que
visem à igualdade social, à inclusão e à transformação social da realidade, certamente eles
favorecerão o desenvolvimento pessoal e coletivo da humanidade.

Enfim, alguns pontos abordados neste capítulo servem como referência para
a organização do currículo escolar. Apresentamos um número variado de ques-
tões que apontam as diferentes características das teorias curriculares, desde uma
organização mais técnica até uma perspectiva mais crítica ou questionadora de
organizar o currículo. Procuramos oferecer uma reflexão a partir das contribui-
ções de Tomaz Tadeu da Silva e de outros autores que tecem discussões no campo
curricular. Desta forma, o conjunto de informações aqui apresentado contempla
aspectos teóricos básicos e necessários para aqueles que pretendem se especializar
na área da educação e, especificamente, para os que pretendem discutir ou traba-
lhar com questões curriculares.

capítulo 2 • 41
LEITURA
Para que você possa aprofundar os seus conhecimentos, sugerimos as seguintes leitu-
ras complementares:
• Cuidado: escola, desigualdade, domesticação e algumas saídas, escrito por HARPER, B. et al.
• O raciocínio em tempos modernos, escrito por Walkerdine e publicado na revista
Educação e Realidade em 1995.
• Negros e currículo, escrito por Lima, I. et al. e publicado pelo Núcleo de Estudos Ne-
gros em 1997.
• Filme A onda, lançado em 2008 e dirigido por Dennis Gansel, que relata a experiência
real de um professor alemão.

Não se esqueça de fazer anotações pessoais enquanto lê, destacando os aspectos mais
relevantes, fazendo perguntas, selecionando as citações mais significativas. Esses re-
gistros são importantes fontes de consulta para a participação nos fóruns, como síntese
do que você aprendeu.

RESUMO
Neste capítulo, aprendemos:
• As teorias são definidas pelos conceitos construídos a partir e para conceber a socie-
dade;
• Toda teoria tem em seu âmbito valores, técnicas e pressupostos;
• Existem três grandes teorias curriculares, de acordo com Silva (2011) – tradicionais,
críticas e pós-criticas;
• Atualmente, existem outras teorias pós, além das consideradas clássicas, sen-
do discutidas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 21. ed. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

capítulo 2 • 42
HARPER, B. et al. Cuidado: escola, desigualdade, domesticação e algumas saídas. 25.
ed. São Paulo: Brasiliense, 1980.
MACEDO, Roberto Sidnei. Currículo, campo, conceito e pesquisa. Petrópolis, RJ: Vo-
zes, 2013.
PACHECO, José Augusto. Currículo: teoria e práxis. Portugal: Porto Editora, 1996.
RANGHETTI, Diva Spezia; GESSER, Verônica. Currículo escolar: das concepções histó-
rico-epistemológicas a sua materialização na prática dos contextos escolares. Curitiba: CRV,
2011.
SACRISTÁN, José Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto Ale-
gre: Artmed, 2000.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do
currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
TYLER, Ralph. Princípios básicos de currículo e ensino. Porto Alegre: Globo, 1974.
VEIGA-NETO, Alfredo. Crise da modernidade e inovações curriculares: da disciplina
para o controle, Anais XIV ENDIPE, 2010.

capítulo 2 • 43
capítulo 2 • 44
3
As políticas
públicas
curriculares
brasileiras
As políticas públicas curriculares brasileiras

Introdução

Pensar nas questões que envolvem problemas curriculares foi e continua a ser
uma preocupação para pesquisadores, professores, gestores públicos e estudantes.
Problematizar o currículo põe em xeque conhecimentos, culturas, ética, verdades,
valores, tempos e contextos.
No Brasil, foi mais precisamente na década de 1990 que as discussões no
campo do currículo começaram a emergir mais significativamente. É a partir desta
década que o currículo como campo especializado, na educação, passa a despertar o
interesse de vários segmentos tanto das políticas públicas em educação, como de seus
pesquisadores e educadores (Ranghetti; Gesser, 2011, p. 26).
Segundo Bonamino e Martínez (2002):

Durante os anos 1980, o retorno à democracia política levantou


expectativas de desenvolvimento de processos correlatos no conjunto
das instituições da sociedade. No plano educacional, e apesar dos
limites impostos ao retorno à institucionalidade democrática pela
persistência do autoritarismo, a abertura política levou vários prefeitos
e governadores de oposição ao governo militar e seus secretários de
educação a procurarem impelir modificações no sistema educativo,
que incluíam reformas estruturais e curriculares focalizadas na
ampliação e melhoria da escola pública (p. 370).

Segundo essas mesmas autoras:

Essa perspectiva democrática ecoou, inicialmente, nas propostas


educacionais apresentadas durante a elaboração da nova Constituição
Federal (CF) e, posteriormente, no processo de elaboração da nova
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e nas iniciativas
de reorganização do espaço político-institucional responsável pela
educação (idem).

1
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/

capítulo 3 • 46
Foi em meio a essa conjuntura social e política que os Referenciais
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e os Parâmetros Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental e para o Ensino Médio1 foram organi-
zados e publicados.
Em contraposição ao velho e clássico modelo de organização curricular (a grade
de disciplinas considerada arcaica e conservadora), o governo federal brasileiro, em
meados da década de 1990, apresentou as orientações curriculares nacionais, em
forma de Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e para o Ensino Médio.

A ideia era tornar o currículo escolar mais democrático, multicultural, dando vez e
voz aos diferentes sujeitos. Neste caso, naquele período, a inclusão era uma das
principais premissas para o processo educacional.

Tomando por base a explicação anterior de Bonamino e Martinez (2002),


observamos que a publicação dos RCNEIs e dos PCNs, assim como da CF de
1988 2 e da LDBEN de 1996 3, proporcionou uma reforma educacional no con-
texto brasileiro.
Sobre reformas, Ranghetti e Gesser (2011) explicam que:

As reformas curriculares têm se tornado veículos históricos dos


processos de reforma na história da educação brasileira. Esse
fenômeno vem se repetindo sistematicamente de acordo com cada
momento do desenvolvimento econômico, estrutural e político (p. 27).

Nesse bojo, mais recentemente e após alguns anos de publicado os documen-


tos referidos anteriormente, o governo federal publicou dois Planos Nacionais
de Educação. O primeiro deles foi estabelecido no período de 2001 a 2011, e o
segundo de 2014 a 2024.
Diante dessas reformas e publicações, neste capítulo, procuraremos tratar
de alguns documentos oficiais de âmbito federal, que abordam especificidades
curriculares, considerando como pano de fundo o campo de investigações em
políticas de currículo no Brasil. Incialmente, nossa análise se debruçará sobre a
Constituição Federal de 1988 e sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
2
Disponível em: https://goo.gl/zaRrL
3
Disponível em: https://goo.gl/CfhWgW

capítulo 3 • 47
Nacional de 1996, a fim de investigar o que tais documentos apresentam sobre
currículo. Num segundo momento, apresentaremos as principais características
dos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e dos Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e para o Ensino Médio. Em
seguida, faremos uma análise do Plano Nacional da Educação 2014-2024, que
está em vigor atualmente. Por fim, apresentaremos as nossas considerações sobre a
temática abordada neste capítulo.
Optamos por tais documentos oficiais por entendermos que eles são os mais
importantes em nível nacional, principalmente no que tange à construção de po-
líticas educacionais públicas. De todo modo, vale mencionar que, num contexto
em que inúmeros dispositivos estão sendo planejados e implantados, não devemos
nos enganar pensando que os dispositivos legais serão implantados tal como está
descrito e caracterizado em suas alíneas e parágrafos.
Na verdade, devemos considerar que:

[...] o currículo que se realiza por meio de uma prática pedagógica é


o resultado de uma série de influências convergentes e sucessivas,
coerentes ou contraditórias, adquirindo, dessa forma, a característica
de ser um objeto preparado num processo complexo, que se
transforma e constrói no mesmo. Por isso, exige ser analisado não
como um objeto estático, mas como a expressão de um equilíbrio
entre múltiplos compromissos. E mais uma vez esta condição é crucial
tanto para compreender a prática escolar, vigente como para tratar de
mudá-la (Sacristán, 2000, p. 102).

Em outras palavras, o que é planejado e organizado em dispositivos legais é


somente uma das dimensões do currículo dentre muitas — quando pensamos
em sua materialização no cotidiano escolar —, tais como tempo, espaço, sujeitos
formadores, contexto social, econômico e político, avaliação, entre outros.
Assim, como consideramos os dispositivos legais importantes para entender-
mos a construção de políticas curriculares públicas e com o intuito de começar-
mos a reflexão, questionamos:

O que a Constituição Federal de 1988 determina


para o currículo nacional da educação básica?

capítulo 3 • 48
Constituição Federal de 1988 (CF/88)

A Constituição Federal, conhecida também como Carta Magna, é a lei suprema do


Brasil, à qual todas as outras se submetem. A atual publicada em 1988, após a ditadura
militar, estabelece direitos e deveres aos cidadãos brasileiros. Em seu art. 205, expõe que:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será


promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Este artigo chama a atenção para dois aspectos que a educação e (concreta-
mente) o currículo devem ter como norte na formação do sujeito: a preparação
para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho.
Ainda como norte para a construção do currículo escolar, encontramos no
art. 206 o inciso III que destaca como um dos princípios educacionais quer seja:

O pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência


de instituições públicas e privadas de ensino.

Ou seja, a educação e o currículo escolar devem valorizar as diferentes corren-


tes e concepções pedagógicas, não hierarquizando saberes, valores e pedagogias.
A carta, em seu art. 210, destaca também que:

Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de


maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores
culturais e artísticos, nacionais e regionais.
§ 1o O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina
dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

§ 2o O ensino fundamental regular será ministrado em língua


portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a
utilização de suas línguas maternas e processos próprios de
aprendizagem.

Como podemos observar, esse artigo é estritamente significativo em termos de


direcionar o planejamento e a organização curricular. Isto porque ele determina que

capítulo 3 • 49
devem ser publicados documentos com conteúdos mínimos para o ensino funda-
mental, que favoreçam a formação básica de todos os brasileiros. Evidentemente,
existem atualmente muitas correntes teóricas curriculares que problematizam essa
questão, ainda que o documento destaque que esses conteúdos devam respeitar as
diferenças culturais e artísticas do povo brasileiro.
Outro ponto questionável no art. 210 é a questão referente ao ensino religio-
so. O primeiro parágrafo deixa claro que o ensino religioso é uma modalidade de
matrícula facultativa, mas não podemos deixar de observar que esta mesma Carta
Magna estabelece que a educação tem caráter laico.
Também não podemos deixar de mencionar o respeito pregado na Carta
Magna à língua portuguesa e às demais línguas, bem como aos processos de apren-
dizagem próprios de cada região. A nosso ver, esse parágrafo passa a ideia de que o
currículo deve ser contextualizado, planejado e organizado de forma democrática.

Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de


duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de
educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos,
metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção
e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e
modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das
diferentes esferas federativas que conduzam a:

IV– Formação para o trabalho;

V– Promoção humanística, científica e tecnológica do País.

Caminhando na análise da CF/88, encontramos o art. 214 que expressa:


Como podemos notar, esse artigo reforça o artigo 205, destacado anterior-
mente, e ainda incentiva a construção de um currículo voltado para uma forma-
ção humanística, científica e tecnológica. Em suma, e de certa forma, a CF/88
assegura que outros documentos oficiais sejam criados para que se construam uma
política pública de currículo.
Visto isso, questionamos:

Quais são os aspectos curriculares apresentados na


Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394/96?

capítulo 3 • 50
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBEN 9.394/96)

Com base nos princípios estabelecidos na CF/88, a LDBEN/96 é o documento oficial


que determina como o sistema educacional deverá ser organizado. Nela encontramos
também as orientações de como o currículo deverá ser estruturado.

A LDBEN/96 destaca princípios e dentre eles encontramos os seguintes no art. 2º:

III - Pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;

XII - Consideração com a diversidade étnico-racial. (Incluído pela Lei


nº 12.796, de 2013).

Como podemos observar, o inciso III do art. 2º reforça o art. 206 da CF/88
e o inciso XII o complementa, trazendo uma orientação mais especifica sobre a
questão multicultural.
Ainda seguindo as determinações da CF/88, o art. 26 da LDBEN/96 reforça
o já estabelecido naquele documento e apresenta outros detalhes:

Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do


ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada,
em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por
uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais
da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos. (Redação
dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
§ 1º Os currículos a que se refere o caput devem abranger,
obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da
matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e
da realidade social e política, especialmente do Brasil.

§ 2o O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais,


constituirá componente curricular obrigatório nos diversos níveis da
educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural
dos alunos. (Redação dada pela Lei nº 12.287, de 2010)

capítulo 3 • 51
§ 3o A educação física, integrada à proposta pedagógica da
escola, é componente curricular obrigatório da educação básica,
sendo sua prática facultativa ao aluno. (Redação dada pela Lei nº
10.793, de 1º.12.2003)

§ 4º O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições


das diferentes culturas e etnias para a formação do povo
brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e europeia.

§ 5º Na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente,


a partir da quinta série, o ensino de pelo menos uma língua
estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade
escolar, dentro das possibilidades da instituição.

§ 6o As artes visuais, a dança, a música e o teatro são as


linguagens que constituirão o componente curricular de que trata o §
2o deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 13.278, de 2016)

§ 7o Os currículos do ensino fundamental e médio devem incluir os


princípios da proteção e defesa civil e a educação ambiental
de forma integrada aos conteúdos obrigatórios. (Incluído pela Lei nº
12.608, de 2012)

§ 8º A exibição de filmes de produção nacional constituirá


componente curricular complementar integrado à proposta pedagógica
da escola, sendo a sua exibição obrigatória por, no mínimo, duas horas
mensais. (Incluído pela Lei nº 13.006, de 2014)

§ 9o Conteúdos relativos aos direitos humanos e à


prevenção de todas as formas de violência contra a criança e
o adolescente serão incluídos, como temas transversais, nos currículos
escolares de que trata o caput deste artigo, tendo como diretriz a
Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do
Adolescente), observada a produção e distribuição de material didático
adequado. (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014) (Grifos nossos).

capítulo 3 • 52
Nesse artigo é possível perceber que foram in-
cluídos nos últimos anos parágrafos que abor-
dam a questão da cultura. Nele está exposto
que os currículos devem levar em consideração
aspectos da diversidade e das diferenças, o que
é relevante em se tratando de Brasil — um país
grande/ diferente territorial e culturalmente.
Também notamos a inserção de parágrafos que
expõem elementos mais sociais e interativos,
tais como: música, dança, teatro, meio ambien-
te, direitos humanos, prevenção contra a violên-
cia, entre outros.

O art. 26-A também aborda a questão multicultural. Ele menciona que:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino


médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e
cultura afro-brasileira e indígena. (Redação dada pela Lei nº 11.645,
de 2008)

§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá


diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação
da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como
o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e
dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e
o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as
suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes
à história do Brasil. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos


povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo
escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história
brasileiras. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

O artigo expõe claramente a perspectiva pós-crítica de currículo, determi-


nando no planejamento e na organização do currículo a inserção de elementos
étnicos, da cultura e da história dos afro-brasileiros e dos povos indígenas.
Caminhando na análise da LDBEN/96, verificamos a definição de algumas
diretrizes no art. 27, a saber:

capítulo 3 • 53
Art. 27. Os conteúdos curriculares da educação básica observarão,
ainda, as seguintes diretrizes:

I - A difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos


direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à
ordem democrática;

II - Consideração das condições de escolaridade dos alunos em


cada estabelecimento;

III - Orientação para o trabalho;

IV - Promoção do desporto educacional e apoio às práticas


desportivas não formais.

Os incisos desse artigo reforçam que o currículo deve levar em consideração o


contexto social em que cada escola está inserida, assim como a orientação para o
trabalho e a valorização das práticas esportivas.
Nesse ínterim, a LDBEN/88 também determina que se valorizem as peculiari-
dades no sistema de ensino e no currículo das áreas rurais, como exposto no art. 28:

Art. 28. Na oferta de educação básica para a população rural,


os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à
sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região,
especialmente:

I - Conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais


necessidades e interesses dos alunos da zona rural.

Além disso, o documento ainda fomenta no art. 78 a colaboração entre as


agências federais no atendimento aos índios:

capítulo 3 • 54
Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das
agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios,
desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta
de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas, com
os seguintes objetivos:

I - Proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação


de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades
étnicas; a valorização de suas línguas e ciências;

II - Garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às


informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade
nacional e demais sociedades indígenas e não índias.

Como se vê, o artigo 78 prevê que os currículos contemplem a história, a


memória e os saberes das comunidades indígenas, sem deixar de proporcionar a
elas o acesso a informações e conhecimentos construídos pela sociedade em geral.

Por fim, vale sinalizar que esse conjunto de orientações legais traz consigo particu-
laridades que exigem financiamentos, foco, habilidade, desempenho e motivação, que
merecem destaque. Assim, a seguir, apresentamos e analisamos os demais documentos
legais e normativas oficiais que vêm motivando e favorecendo reorganizações dos cur-
rículos e de suas práticas.

Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (RCNEIs)

Os RCNEIs foram publicados pelo governo federal no ano de 1998 e apresen-


tados em três volumes, segmentados conforme o seguinte esquema:

VOLUME 1 Introdução

VOLUME 2 Formação pessoal e social

VOLUME 3 Conhecimento de mundo

capítulo 3 • 55
Esses referenciais têm como objetivo orientar a organização da educação in-
fantil, primeira etapa da educação básica.
Como na educação infantil, ainda persiste a defesa de que o processo ensino/
aprendizagem não deve ser organizado de forma disciplinar, o número de volumes
estruturados é inferior aos PCNs, organizados para orientar o ensino fundamental
e o médio.
De acordo com Ranghetti e Gesser (2011) o volume que trata da Introdução
dos RCNEIs:

[...] apresenta considerações gerais sobre a educação infantil, sobre


a composição dos referenciais, os objetivos gerais e aspectos
organizacionais das instituições e dos projetos educativos desse nível
de ensino (p. 64).

O volume 2 contempla as concepções de maturação infantil, da construção da


identidade e da autonomia das crianças de três a cinco anos. Além disso, aborda
a construção do processo ensino/ aprendizagem nessa fase da vida, destacando
objetivos e orientações para os professores.
Já o volume 3 apresenta seis áreas de conhecimento, a saber:

capítulo 3 • 56
Observe que alguns conhecimentos podem ser considerados de origem clássi-
ca, porém nos volumes constam orientações destacando que eles devem ser plane-
jados e trabalhados de acordo com a idade dos alunos da educação infantil.
No terceiro volume, também há destaque para objetivos e orientações para
professores.
Visto isso, perguntamos:

E os PCNs para o ensino fundamental, como


são organizados?

Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental

Os PCNs para o ensino fundamental foram publicados no ano de 1997 e


apresentados em dez volumes, organizados conforme o esquema que segue:

VOLUME 1 Introdução

VOLUME 2 Língua Portuguesa

VOLUME 3 Matemática

VOLUME 4 Ciências Naturais

VOLUME 5 História e Geografia

VOLUME 6 Arte

VOLUME 7 Educação Física

VOLUME 8 Apresentação dos temas transversais e ética

VOLUME 9 Meio Ambiente e Saúde

VOLUME 10 Pluralidade Cultural e Orientação sexual

capítulo 3 • 57
Ranghetti e Gesser (2011) explicam que:

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) mantêm a divisão


por campos disciplinares, mas também incluem no currículo formal
conteúdos outrora relegados, a exemplo dos valores e de temáticas
como ética, solidariedade, respeito às diferenças, etc. Os referidos
conteúdos, então denominados “temas transversais”, constituíram
a política curricular representando o conjunto de esforços dos
pesquisadores que referendam o currículo escolar como um campo
histórico de disputa ideológica (p. 27).

Acrescentam ainda que:

[...] da mesma forma como os Referenciais da Educação Infantil, estes


parâmetros para o Ensino fundamental também expressam se constituir
como uma proposta orientadora e de base comum, visando apoiar os
sistemas educacionais na elaboração e operacionalização de currículos
de acordo com suas diversidades culturais e com as metas dos
professores e equipes pedagógicas de cada unidade educativa (p. 65).

Além disso, cada um dos volumes (sem exceção) possui orientações com rela-
ção aos conteúdos, procedimentos didáticos, critérios para a realização da avalia-
ção, entre outros.

Feita essa análise, avaliaremos como foram organizados os Parâmetros Curriculares


Nacionais para o Ensino Médio.

Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

Os PCNs para o ensino médio foram publicados no ano de 1997 e apresenta-


dos em quatro volumes, organizados conforme este esquema:

capítulo 3 • 58
VOLUME 1 Bases Legais

VOLUME 2 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

VOLUME 3 Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias

VOLUME 4 Ciências Humanas e suas Tecnologias

Podemos perceber que, diferentemente dos PCNs para o ensino fundamental,


os PCNs para o ensino médio não foram organizados em campos disciplinares. Na
verdade, foram divididos em áreas de conhecimento, nas quais cada volume inclui:

[...] também orientações teóricas sobre o processo de ensino e


aprendizagem com base em competências a serem construídas nesta
modalidade de ensino, ou seja, no Ensino Médio (Ranghetti; Gesser,
2011, p. 65).

Também observamos que os PCNs para o ensino médio têm uma ênfase tec-
nológica, o que nos leva a inferir que tal característica esteja diretamente rela-
cionada ao desenvolvimento tecnológico e de informação pela qual a sociedade
brasileira está passando.
Enfim, além dos referenciais e parâmetros curriculares nacionais, o Ministério
da Educação vem nos últimos anos apresentando outros documentos norteadores
para a construção de políticas públicas educacionais, em todos os níveis da edu-
cação (creche, educação básica e ensino superior), o que acaba por influenciar o
planejamento e a implantação dos currículos.
Assim, questionamos:

Existe atualmente algum documento oficial


norteador que influencie diretamente na
construção dos currículos escolares?
Ou, ainda, existe uma lei que “obrigue” uma
revisão dos currículos escolares?

capítulo 3 • 59
Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024)

Em 2014 foi aprovado pelo governo federal brasileiro o Plano Nacional de


Educação, que terá vigência por dez anos — de 2014 a 2024.
Em seu art. 2º, o PNE aponta algumas diretrizes. Entre elas, destacamos
três que consideramos mais significativas para o planejamento e organização
curricular, a saber:

V - Formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos


valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade;

VII - Promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do País;

X - Promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à


diversidade e à sustentabilidade socioambiental.

O atual PNE (2014-2024) demorou três anos para ser publicado. A vigência
do seu antecessor acabou em 2011, mas as questões sociais, políticas e educa-
cionais eram tão complexas no período que o atual PNE ficou um bom tempo
sendo discutido.
Além de artigos, parágrafos e incisos, o documento apresenta metas a serem
atingidas. Tais metas exigem uma revisão/ mudança nas estruturas curriculares dos
sistemas educacionais brasileiros.

Ao todo são vinte metas a serem cumpridas no prazo de dez anos. Tais metas deter-
minam, entre outros aspectos, como deverão ser organizados os currículos dos entes
federados e ainda têm estratégias de como alcançá-las.

Para uma melhor visualização, destacamos as metas na íntegra:

Universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-es-


cola para as crianças de quatro a cinco anos de idade
META 1 e ampliar a oferta de educação infantil em creches de
forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até
três anos até o final da vigência deste PNE.

capítulo 3 • 60
Universalizar o ensino fundamental de nove anos para
toda a população de seis a 14 anos e garantir que pelo
META 2 menos 95% dos alunos concluam essa etapa na idade
recomendada, até o último ano de vigência deste PNE.

Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda


a população de 15 a 17 anos e elevar, até o final do pe-
META 3 ríodo de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas
no ensino médio para 85%.

Universalizar, para a população de quatro a dezessete


anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvi-
mento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à
educação básica e ao atendimento educacional especia-
META 4 lizado, preferencialmente na rede regular de ensino, com
a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de
recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços
especializados, públicos ou conveniados.

Essas quatro primeiras metas discorrem sobre a universalização do atendimen-


to escolar em diferentes níveis ou modalidades. São metas que estão embasadas
numa concepção democrática de educação.
Evidentemente, essas metas são necessárias, já que todos os indivíduos têm
direito a frequentar a escola. Contudo, não podemos deixar de mencionar que
essa universalização precisa ser acompanhada de valorização dos professores, em
termos salariais e de formação, bem como de espaços escolares com infraestruturas
adequadas a essa oferta.

E as demais metas, sobre o que versam?

Alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do


META 5 3o ano do ensino fundamental.

Como podemos observar, a meta 5 demanda que os educadores assumam uma


liderança e redimensionem o currículo, a fim de atingir o objetivo de alfabetizar
todas as crianças. E a meta 6, o que propõe?

capítulo 3 • 61
Oferecer educação em tempo integral em, no mínimo,
META 6 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo me-
nos, 25% dos (as) alunos (as) da educação básica.

Acreditamos que a meta 6 seja mais audaciosa que a 5, já que demanda um


série de elementos. Claramente é uma meta que exige uma mudança nas propostas
pedagógicas e nos currículos das escolas, mas também demanda reorganização do
financiamento educacional, reestruturação dos espaços físicos das escolas, reflexão
sobre a formação dos sujeitos formadores, entre outros.

Visto isso, questionamos: do que trata a meta 7


do PNE?

Fomentar a qualidade da educação básica em todas as


etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e
META 7 da aprendizagem de modo a atingir as médias nacionais
para o IDEB.

A meta 7 fomenta uma educação de qualidade, mas impõe as médias do IDEB


como parâmetro para medir a melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem. Isto
significa que os critérios de avaliação desse índice determinarão o planejamento e a
construção dos currículos para todas as etapas e modalidade da educação nacional.

E as metas 8 a 14, o que mencionam?

Elevar a escolaridade média da população de 18 para


29 anos, de modo a alcançar, no mínimo, 12 anos de
estudo no último ano de vigência deste Plano, para as
META 8 populações do campo, da região de menor escolaridade
no País e dos 25% mais pobres, e igualar a escolaridade
média entre negros e não negros declarados à Funda-
ção Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

Elevar a taxa de alfabetização da população com 15


anos ou mais para 93,5% até 2015 e, até o final da vi-
META 9 gência deste PNE, erradicar o analfabetismo absoluto e
reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional.

capítulo 3 • 62
Oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de educação
META 10 de jovens e adultos, nos ensinos fundamental e médio,
na forma integrada à educação profissional.

Triplicar as matrículas da educação profissional técnica


META 11 de nível médio, assegurando a qualidade da oferta e pelo
menos 50% da expansão no segmento público.

Elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior


para 50% e a taxa líquida para 33% da população de
META 12 18 a 24 anos, assegurada a qualidade da oferta e ex-
pansão para, pelo menos, 40% das novas matrículas no
segmento público.

Elevar a qualidade da educação superior e ampliar a pro-


porção de mestres e doutores do corpo docente em efe-
META 13 tivo exercício no conjunto do sistema de educação supe-
rior para 75%, sendo, do total, no mínimo, 35% doutores.

Elevar gradualmente o número de matrículas na pós-


META 14 -graduação stricto sensu, de modo a atingir a titulação
anual de 60 mil mestres e 25 mil doutores.

As metas destacadas no quadro anterior fomentam a elevação da escolaridade,


de matrículas e da taxa de alfabetização entre os jovens e adolescentes, o que exige
a criação de estratégias curriculares em cada unidade de ensino.
Veja, a seguir, o que propõem as metas 15 a 18:

Garantir, em regime de colaboração entre a União, os


Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo de
um ano de vigência deste PNE, política nacional de for-
mação dos profissionais da educação de que tratam os
META 15 incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei no 9.394, de 20
de dezembro de 1996, assegurando que todos os pro-
fessores e as professoras da educação básica tenham
formação específica de nível superior, obtida em curso
de licenciatura na área de conhecimento em que atuam.

Formar, em nível de pós-graduação, 50% dos professo-


res da educação básica, até o último ano de vigência
deste PNE, e garantir a todos (as) os (as) profissionais
META 16 da educação básica formação continuada em sua área
de atuação, considerando as necessidades, demandas e
contextualizações dos sistemas de ensino.

capítulo 3 • 63
Valorizar os (as) profissionais do magistério das redes
públicas de educação básica de forma a equiparar seu
META 17 rendimento médio ao dos (as) demais profissionais com
escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vi-
gência deste PNE.

Assegurar, no prazo de dois anos, a existência de planos


de Carreira para os (as) profissionais da educação bási-
ca e superior pública de todos os sistemas de ensino e,
META 18 para o plano de Carreira dos (as) profissionais da educa-
ção básica pública, tomar como referência o piso salarial
nacional profissional, definido em lei federal, nos termos
do inciso VIII do art. 206 da Constituição Federal.

Como podemos observar, as metas anteriores destacam a questão da valorização


e da formação docente. Evidentemente, num primeiro momento nos perguntamos:

Qual a relação dessa questão com as reflexões


sobre a construção e implantação de currículos?

Procurando respostas para esse questionamento, logo surgem várias conexões


para entender a relação em pauta. Entretanto acreditamos que a mais significativa
seja a que se refere ao fato da formação e experiência do professor determinar
como o currículo é praticado.
Por fim, veja abaixo do que tratam as metas 19 e 20.

Assegurar condições, no prazo de dois anos, para a efe-


tivação da gestão democrática da educação, associada
a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consul-
META 19 ta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas
públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União
para tanto.

Ampliar o investimento público em educação pública de


forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% do Produto
META 20 Interno Bruto - PIB do País no 5o ano de vigência desta
Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% do PIB ao final
do decênio.

capítulo 3 • 64
As metas 19 e 20 tratam da questão do financiamento, que pode ser consi-
derado um elemento caro a educação, já que sem recursos financeiros a educação
pública fica inviável.

ATENÇÃO
Devemos entender que benefícios como alimentação, uniforme e material escolar, cons-
trução e manutenção de espaços escolares, folha de pagamento do pessoal ligado à edu-
cação, entre outros, precisam ser garantidos por meio de um orçamento. Sem dinheiro nada
disso é possível.
Além disso, o planejamento, a organização e a dinâmica do currículo escolar dependem
do financiamento destinado à educação. Detalhes como programas de formação continuada
para professores, organização do tempo regular ou integral para os alunos, material escolar,
entre outros, exigem uma reorganização curricular. Portanto, o financiamento está direta-
mente atrelado ao currículo planejado e oferecido nas escolas.

Últimas palavras

Finalizamos este capítulo afirmando que:

O que há na legislação deve ser cumprido!


Todos os cidadãos sabem que, para que a sociedade seja organizada, todos de-
vem cumprir as leis. Porém o cotidiano levanta a seguinte dúvida: o que é propos-
to nos documentos oficiais é cumprido na prática? Esta é uma questão complexa
e sem resposta imediata.

No caso dos documentos que tratam diretamente da educação, podemos indicar que
alguns deles limitam as políticas públicas e a organização dos currículos, mas alguns
deveres são cumpridos.

Conforme exposto ao longo deste capítulo, as orientações da CF/88, da


LDBENs, do RCNEI, dos PCNs e do PNE vêm contribuindo para um planeja-
mento curricular mais reflexivo, dinâmico, flexivo, adaptado ao contexto social,

capítulo 3 • 65
político e econômico da escola. Logo, todas essas características, de alguma forma,
possibilitam uma maior autonomia da prática curricular, bem como estimulam a
criação de estratégias que busquem atender a diversidade dos sujeitos.
Cabe à escola e sua comunidade ponderar e organizar sua prática curricular,
de tal forma que a inclusão dos diferentes sujeitos seja a prioridade. Até porque,
segundo Oliveira (2007):

[...] o currículo é definido formalmente, proposto por experts a partir


do estudo de modelos idealizados da atividade pedagógica e dos
processos de aprendizagem dos que a ela serão submetidos, bem
como da escolha daquele que melhor se adequar aos objetivos,
também idealizados, da escolarização e avaliados segundo sua
adequação ao modelo proposto. Contrariamente a esse tipo de
entendimento que congela e negligencia toda a riqueza dos processos
reais da vida social e, portanto, escolar, seria necessário desenvolver
novos modos de compreensão, revertendo-se a tendência dominante
de entendimento de currículo (p. 93).

É fato que definir o currículo é algo um tanto perigoso, devido a sua abran-
gência e complexidade. No entanto, levando em consideração que a ação curri-
cular/pedagógica conduz o indivíduo a uma socialização e também possibilita a
criticidade e a transformação das desigualdades, então, é extremamente necessário
um planejamento curricular vinculado às situações específicas e historicamente
determinadas pela realidade global e local.
Foi com o objetivo de valorizar as diferenças e a diversidade que foram elabo-
rados os RCNEIs e os PCNs. Minetto (2008) explica que:

[...] os PCNs têm como característica principal a interdisciplinaridade,


um trabalho conjunto entre as áreas do conhecimento. A
implementação de temas transversais vem enriquecer o currículo,
aprofundando e contextualizando os conteúdos (p. 26).

Contudo, nem todos os sujeitos entendem os PCNs da mesma forma. Para


Santos (2002):

capítulo 3 • 66
[...] os Parâmetros, elaborados centralmente, confrontam-se
com inovações singulares, gerando conflitos com as práticas em
desenvolvimento nas escolas. De um lado, os professores, mesmo
quando aderem às suas propostas, buscam interpretá-las e adaptá-
las, de acordo com o contexto institucional de onde trabalham, o
que faz com que assumam características bem diversificadas. Por
outro lado, para muitos docentes, as inovações trazem insegurança e
inquietação porque se propõem a romper com práticas já instaladas.
Em decorrência desse fato, os professores podem reagir e resistir
às propostas dos Parâmetros, cristalizando práticas tradicionais e
revitalizando-as em uma atitude defensiva contra a mudança (p. 354).

Considerando essa complexidade, é possível entender o quão difícil é atender


aos dispositivos legais. Nesses termos, [...] devemos ressaltar que a busca constante
de conhecimento e a formação continuada tornarão o professor mais crítico e assim
mais capacitado a tomar decisões e posicionar-se diante as mudanças da atualidade
(Minetto, 2008, p. 29). É por isso que [...] conhecer a legislação dará mais capacida-
de de ação ao professor, além de esclarecer que existem muitas interfaces que permeiam
as ideias inclusivas (idem).

RESUMO
Neste capítulo, você aprendeu que:
• Existem vários elementos que orientam a organização dos currículos;
• Os documentos oficiais (leis, decretos, portarias, parâmetros, diretrizes, entre outros)
são fundamentais para o planejamento e implantação dos currículos;
• Tais documentos oficiais são as bases legais para a construção de políticas públi-
cas curriculares;
• Existem vários documentos oficiais importantes que orientam a construção de currículo,
a saber: Constituição Federal/1988; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei
9.394/96); Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil; Parâmetros Cur-
riculares Nacionais para o Ensino Fundamental e para o Ensino Médio; Plano Nacional da
Educação 2014-2024;
• Elementos como tempo regular, avaliação, formação de professores, financiamento,
entre outros, influenciam no planejamento, organização e dinamização do currículo escolar.

capítulo 3 • 67
LEITURA
Para uma melhor compreensão dos tópicos discutidos neste capítulo, sugerimos as se-
guintes leituras:
• Artigo: Estado, política educacional e direito à educação no Brasil: o proble-
ma maior é o de estudar, escrito por Gilda Cardoso de Araújo e publicado na Revista Educar
em Revista em 2011;
• Livro: Política educacional, organizado por Eneida Oto Shiroma, Maria Célia M. de Mo-
raes, Olinda Evangelista e publicado pela editora DP&A em 2002.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, Gilda Cardoso de. Estado, política educacional e direito à educação no Brasil:
O problema maior é o de estudar. Educar em Revista, n. 39, p. 279-292, jan./abr. 2011.
BONAMINO, Alicia; MARTINEZ, Silva Alícia. Diretrizes e parâmetros curriculares nacio-
nais para o ensino fundamental: a participação das instâncias políticas do estado. Educação
e Sociedade, Campinas, vol. 23, n. 80, setembro/2002, p. 368-385.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 5 out. 1988.
_________. Lei 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996: Dispõe sobre as diretrizes e
bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 dez. 1996.
_________. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educa-
ção – PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 jun. 2014.
MINETTO, Maria de Fátima. Currículo na educação inclusiva: entendendo esse desa-
fio. 2. ed. rev. atual. ampl. Curitiba: Ibpex, 2008.
OLIVEIRA, Inês Barbosa de. Reflexões acerca da organização curricular e das práticas
pedagógicas na EJA. Educar, Curitiba, n. 29, 2007, p. 83-100.
RANGHETTI, Diva Spezia; GESSER, Verônica. Currículo escolar: das concepções his-
tórico-epistemológicas a sua materialização na prática dos contextos escolares. Curitiba, PR:
CRV, 2011.
SACRISTÁN, José Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto Ale-
gre: Artmed, 2000.
SHIROMA, Eneida Oto; MORAES, Maria Célia M. de; EVANGELISTA, Olinda. Política
educacional. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

capítulo 3 • 68
SANTOS, Lucíola Licínio de Castro Paixão. Políticas públicas para o ensino fundamental:
parâmetros curriculares nacionais e sistema nacional de avaliação (SAEB). Educação &
Sociedade, Campinas, vol. 23, n. 80, p. 346-367, Setembro/2002.

capítulo 3 • 69
capítulo 3 • 70
4
Os professores e o
currículo escolar
Os professores e o currículo escolar

Introdução

Iniciamos este capítulo traçando as seguintes questões:

•  Para que precisamos de professores numa sociedade em que existe facilidade no


acesso a informação ou ao conhecimento?
•  Os professores sabem tudo?
•  Como os professores devem ou podem tratar/ passar o conhecimento?
•  Qual deve ser a formação do professor?
•  Para que precisamos formar professores?

Essas e outras perguntas poderiam ser levantadas para exemplificar a impor-


tância da relação professor, formação docente e currículo.
No processo de construção do currículo e mediação/ interação dos saberes,
os sujeitos são os elementos essenciais, dotados de ação própria, inteligência
e vontade.
Para Nóvoa (2009), a categoria dos professores reaparece como elemento ini-
gualável no início do século XXI:

[...] não só na promoção das aprendizagens, mas também na constru-


ção de processos de inclusão que respondam aos desafios da diversi-
dade e no desenvolvimento de métodos apropriados de utilização das
novas tecnologias (p. 13).

Diante disso, podemos considerar que até os motivos que levaram o sujeito a
seguir a carreira docente influencia na sua ação pedagógica e na materialização do
currículo. Até porque tais motivos podem ser variados, como podemos perceber
na figura a seguir:

capítulo 4 • 72
Figura 1 - motivos que influenciam na escolha da profissão docente.

Entendemos que os motivos que levam o sujeito a seguir a carreira docente são
indícios do perfil profissional e dos modos de ser na contemporaneidade, tendo
em vista que os sujeitos estão cada vez mais interessados na sua realização pessoal,
social e profissional. Sem falar que a história do sujeito costuma ter uma influência
significativa na prática docente.
Tardif (2014) explica que:

[...] a atividade profissional comporta antecedentes afetivos decorrentes


da história de vida do professor, de sua carreira e de sua personalidade.
Ela comporta também consequências não intencionais decorrentes dos
efeitos imprescindíveis de sua ação. A consciência profissional está, por
assim dizer, delimitada pelos fundamentos motivacionais ou afetivos da
ação e pelas consequências não motivadas que dela resultam (p. 214).

Nesse sentido, no planejamento ou organização das suas atividades, os docen-


tes consideram suas vivências/ experiências históricas, leituras de mundo e da pala-
vra (Freire, 1987), bem como os documentos curriculares oficiais que o amparam.
Assim sendo, neste capítulo faremos algumas considerações sobre as particu-
laridades dos professores no planejamento, organização e execução do currículo,
apresentando algumas questões sobre o perfil docente, a formação profissional e a
prática curricular.

capítulo 4 • 73
Saberes docentes

Iniciamos esta sessão com a seguinte questão:

Será que o docente tem mais de um saber?

Respondendo a esse questionamento, afirmamos que não só os professores


têm vários saberes, mas todos os indivíduos os têm.

Todos os indivíduos quando nascem são inseridos num mundo repleto de novidades,
com objetos para conhecer, experiências para vivenciar, linguagens para aprender,
símbolos para desvendar, emoções para sentir e outros sujeitos com quem interagir.
É exatamente por isso que os bebês podem ser considerados verdadeiros cientistas.
Normalmente eles ficam atentos a tudo que acontece ao seu redor, mexem em tudo,

escutam qualquer barulho e interagem com qualquer objeto ou sujeito sem discrimina-
ção ou preconceito (no sentido de conhecer o significado, a função ou o caráter do que
lhes chama atenção).

Quando um bebê ganha um brinquedo novo ou um objeto qualquer que


desconhece, geralmente fica observando atentamente todos os seus detalhes por
muitos minutos. Às vezes testa tal objeto batendo nele ou chocalhando ou, ainda,
jogando-o longe. Essas atitudes demonstram que ele está construindo conheci-
mento sobre o material concreto. Depois dessa construção, ele descarta o objeto.

Mas o que isso tem a ver com o(s)


saber(es) docente?

Acreditamos que tudo o que o docente vivenciou, desde o seu nascimento,


compõe seu(s) saber(es). A casa onde cresceu, a família que o criou, as escolas que
frequentou, os professores que teve, os amigos que fez, as viagens que vivenciou, as
leituras a que se dedicou, os filmes/ séries a que assistiu, enfim, as experiências que
compartilhou formam a sua história. Isto significa que essa história de vida será fun-
damental para se compreender o saber e a construção pessoal da profissão docente.

capítulo 4 • 74
Para Tardif (2014):

[...] pode-se definir o saber docente como um saber plural, formado pela
amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação
profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais (p. 36).

Em função disto, podemos afirmar que a história de vida do docente influen-


cia na sua prática pedagógica.
Os docentes, portanto, articulam diversos saberes no seu fazer pedagógico,
conforme podemos observar no quadro a seguir:

MODOS DE INTEGRAÇÃO NO
SABERES DOS PROFESSORES FONTES SOCIAIS DE AQUISIÇÃO
TRABALHO DOCENTE

SABERES PESSOAIS DOS Família, ambiente de vida, Pela história de vida e pela
PROFESSORES educação no sentido lato etc. socialização primária.

Escola primária e secundária,


SABERES PROVENIENTES DA estudos pós-secundários
Pela formação e pela sociali-
FORMAÇÃO ESCOLAR ANTERIOR não especializados etc.
zação pré-profissionais.

Pela formação e pela so-


SABERES PROVENIENTES DA Estabelecimentos de forma-
cialização profissionais nas
FORMAÇÃO PROFISSIONAL PARA ção de professores, estágios,
instituições de formação de
O MAGISTÉRIO cursos de reciclagem etc.
professores.

Utilização das “ferramentas”


SABERES PROVENIENTES DOS dos professores: programas,
Pela utilização das “ferra-
PROGRAMAS E LIVROS DIDÁTICOS livros didáticos, cadernos de
mentas” de trabalho, sua
USADOS NO TRABALHO exercícios, fichas etc.
adaptação às tarefas.

SABERES PROVENIENTES DE A prática do ofício na escola


SUA PRÓPRIA EXPERIÊNCIA NA e na sala de aula, a experiên-
Pela prática do trabalho e
PROFISSÃO, NA SALA DE AULA E cia dos pares etc.
pala socialização profissional.
NA ESCOLA
Quadro 1 - saberes docentes. Fonte: Tardif (2014)

Esse conjunto de saberes revela as nuances da prática pedagógica do docente,


suas concepções sociais, culturais, educacionais e experienciais. Ele direciona as
críticas, as interpretações de fatos/ dados, as escolhas metodológicas e a organiza-
ção de atividades e conhecimentos.

capítulo 4 • 75
É preciso entender, portanto, que os professores são agentes do próprio conhe-
cimento. Desta forma, faz-se necessário:

[...] que se pare de considerar os professores, por um lado, como


técnicos que aplicam conhecimentos produzidos por outros (por
exemplo: os pesquisadores universitários, os peritos em currículo,
os funcionários do Ministério da Educação etc.), e, por outro lado,
como agentes sociais cuja atividade é determinada exclusivamen-
te por forças ou mecanismos sociológicos (por exemplo: a luta de
classes, a transmissão da cultura dominante, a reprodução dos há-
bitos e dos campos sociais, as estruturas sociais de dominação
etc.) (Tardif, 2014, p. 229).

Nesse sentido é que se devem considerar os saberes dos professores um pro-


cesso permanente de reflexão e discussão junto aos problemas da escola, na busca
de alternativas viáveis à efetivação de sua intencionalidade. Até porque, de acordo
com Marques (2013):

A docência concretiza-se na condução pedagógica das aprendizagens


sistemáticas, em que se correlacionem os temas previstos no plano de
ensino com as respectivas tramas conceituais com que são tratados
na sequência exigida pela dinâmica curricular (p. 151).

É justamente nesses termos que podemos afirmar que todas as vivências, os


saberes, a formação e as ideologias dos docentes influenciam na materialização do
currículo. Afinal, sua decisão sobre como agir é um ponto fundamental entre a
teoria pedagógica e a prática escolar.

Assim, podemos considerar que o currículo que se realiza por meio de uma prática peda-
gógica é o resultado de uma série de influências convergentes e sucessivas, coerentes
ou contraditórias, adquirindo, dessa forma, a características de ser um objeto preparado
num processo complexo, que se transforma e constrói no mesmo. Por isso, exige ser
analisado não como um objeto estático, mas como a expressão de um equilíbrio entre
múltiplos compromissos. E mais uma vez esta condição é crucial tanto para compreender
a prática escolar vigente como para tratar de mudá-la (Sacristán, 2000, p. 102).

capítulo 4 • 76
Visto isto, com o intuito de sermos mais diretos, questionamos:

Quais saberes são necessários aos professores


para exercerem o seu trabalho?

De acordo com Pimenta (1997), os saberes da docência são construídos a


partir dos saberes da experiência, dos conhecimentos e dos saberes pedagógicos.

Portanto, o desafio que se apresenta para que o professor seja o gestor


do currículo está em desenvolver uma teoria da prática de sala de aula
que dê conta do momento histórico em que se está vivendo. Faz-se
necessário direcionar a prática escolar para uma análise crítica da so-
ciedade, enfocando os aspectos sociais, políticos e econômicos, sua
caminhada histórica e analisar a que tipo de homem e de sociedade
estes aspectos se fundamentam (Ranghetti; Gesser, 2011, p. 110).

Nesse sentido, levando em consideração o pressuposto de que existem saberes


implicados na formação do educador e que constituem a formação de uma prática
profissional, é crucial entender o que o professor filtra da sua experiência para dis-
ponibilizar aos seus alunos. Por isso que, assim como Saviani (1996), acreditamos
que tais saberes devem ser objeto de análises pormenorizadas.

Perfil docente

A função do professor vem sofrendo inúmeras “pressões”, no intuito de gerar


uma transformação, tanto no âmbito da profissão e do espaço escolar quanto da
sociedade. A globalização da economia, a evolução da(s) ciência(s), o desenvolvi-
mento tecnológico, o surgimento de movimentos sociais/ culturais, entre outros,
fomentam a reflexão sobre a formação, profissionalização e ação docente.
Neste bojo, atualmente percebemos o aparecimento de vários perfis docentes,
conforme demonstra a figura a seguir.

capítulo 4 • 77
Figura 2 - tipos de professores.

Ora, de modo essencial, essas denominações expressam a evolução da discus-


são sobre a formação docente e, indiretamente, sobre o que a organização cur-
ricular dos cursos de formação de professores vem privilegiando em termos de
conhecimentos e saberes.
Nestes termos, a fim de entendermos como cada tipo de professor tende a
organizar o seu currículo e seu planejamento, apresentaremos a seguir uma carac-
terização sucinta de cada um deles.

Professor instrutor

O professor considerado instrutor tem as seguintes características:

Estrutura o processo de ensino em fases metodicamente delimitadas, ou seja, para uma


começar, a outra precisa terminar.

Mantém a relação dos sujeitos formadores com aqueles em formação de forma


hierarquizada.

Considera-se como o detentor do saber, que instrumentaliza os alunos, e estes são


seres passivos, sem história ou cultura, que absorvem as instruções. No processo en-
sino-aprendizagem não existem trocas de saberes. Neste bojo, o saber do professor é
mais importante e soberano.

capítulo 4 • 78
Professor construtor

Por outro lado, o professor qualificado como construtor é aquele que adapta a pe-
dagogia e o currículo de acordo com o contexto em que ele e os alunos estão inseridos.

O currículo é moldado/ construído de acordo com as circunstâncias sociais e culturais.


A relação dos sujeitos é horizontal e os saberes não são hierarquizados.

Professor gestor/ coordenador

Por sua vez, o professor gestor e/ou coordenador é aquele desviado da sala de
aula para assumir alguma função na parte organizacional ou administrativa da escola.

ATENÇÃO
Na maioria dos municípios brasileiros não existe concurso para essa(s) função(es). Ge-
ralmente, são realizados pleitos ou indicações por parte da comunidade escolar ou pela pró-
pria secretaria de educação para assumir tal cargo.

Professor provedor

No que tange ao professor provedor, destacamos que é aquele que:

[...] oferece as informações e dados e é detentor das respostas procura-


das pelos alunos (Unglaub, 2012, p. 64)..

Professor treinador

Já o professor treinador é aquele que:

[...] impõe as metas, prazos, procedimentos etc., e os alunos devem


seguir à risca (idem).

capítulo 4 • 79
Professor facilitador

O professor facilitador é aquele que organiza e disponibiliza materiais de


consulta para que os alunos possam pesquisar suas respostas.

Professor mediador

Já o mediador é aquele que induz os alunos a assumir responsabilidades, bem


como a construir seu conhecimento. Seu objetivo principal é orientar na busca de
alternativas e ferramentas de “trabalho”.

Professor assessor

Finalmente, o professor assessor é aquele que:

[...] deixa que os alunos fixem suas próprias metas e planejem sua
aprendizagem (ibidem, p. 65).

Para concluir esta sessão, não podemos deixar de mencionar que, além de
tipos diferentes de professores, ainda existem ideologias que amparam as práticas
curriculares, tais como as vertentes liberais e religiosas.
Objetivando exemplificar como as ideologias geram perfis docentes diferentes,
destacamos nas figuras a seguir as características dos professores que se aliam às
correntes liberais e religiosas; vejamos:

Figura 3: professores liberais.

capítulo 4 • 80
Como podemos observar, o professor com um perfil liberal tem os aspectos “igualdade”
e “liberdade” como valores sociais, entende a escola como um local de atuação profis-
sional e o conhecimento como uma ferramenta que possibilita o sujeito a ser mais.

Figura 4: professores religiosos.

O perfil religioso demonstra que a intenção da formação está relacionada à preparação


dos sujeitos para meios ou atividades específicas. Além disso, a síntese filosófica dessa
formação apresenta-se a partir de uma abordagem de neutralidade científica, ancorada
na fé e numa autoridade divina.

Tais perfis e características não só exemplificam como confirmam a posição


estratégica do professor na materialização do currículo escolar. Afinal:

[...] é no seio da sala de aula que o conhecimento curricular, alvo das


propostas, vai se desenvolver de forma mais direta e sistemática e são
os professores, mestres do ofício de ensinar, os sujeitos sociais mais
importantes no conhecimento deste processo (Cruz, 2007, p. 194).

Neste bojo, afirmamos que os esquemas anteriores, além de apresentar diferenças im-
portantes sobre as ideologias educacionais, também demonstram que o perfil profissio-
nal se atrela a determinados valores e concepções de homem, sociedade e educação.
Obviamente existem outras ideologias que “formatam” os profissionais da educação,
mas escolhemos as perspectivas destacadas anteriormente por considerarmos as ca-
racterísticas claramente antagônicas, portanto, ricas em termos de análise.

capítulo 4 • 81
O intuito de apresentá-las foi demonstrar que, apesar de existirem vários ti-
pos de professores, as ideologias acabam mediando a ação docente, bem como
o currículo que é materializado. Isso porque todas as escolhas [...] dependem das
experiências dos professores, de seus conhecimentos, convicções e crenças, de seu compro-
misso com o que fazem, de suas representações a respeito dos alunos e, evidentemente,
dos próprios alunos (p. 132).

LDBEN/96, formação docente e currículo escolar

O parâmetro legal que estrutura diretamente a formação do docente é a Lei de


Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9.394/96. Nela constam as defini-
ções de tempo, regularidade, previsibilidade, conhecimentos obrigatórios, ritmo e
sentido da formação.

Trata-se de um ordenamento que apresenta um sistema dado, fechado e consumado.


Neste sentindo, podemos afirmar que é nele que encontramos os conhecimentos valoriza-
dos no currículo da formação docente, o que indiretamente influencia o currículo escolar.

Assim, tomando a escola como uma das instituições do sistema de ensino e a


LDBEN/96 como base legal e organizacional, questionamos:

O que está em jogo, quando se diz que a


formação do docente influencia na materialização
do currículo escolar?

Em primeiro lugar, vale lembrar que a publicação de um ordenamento legal,


bem como sua construção, é considerada apenas a primeira parte de uma trama
maior, ou seja, um contexto aliado a outros na materialização da formação e do
currículo escolar (Mainardes; Marcondes, 2009). Isto significa que os documentos
normativos não determinam as práticas dos docentes, entretanto suscitam aspectos
que reproduzem determinadas ideologias. Sobre isso, Sacristán (2000) afirma que:

capítulo 4 • 82
[...] um político ou administrador que acredita poder mudar a prática
modificando o currículo que ele prescreve desde as disposições legis-
lativas ou regulações administrativas esquece, por exemplo, que não
são suas disposições as que incidem diretamente na prática (p. 103).

Por outro lado, não devemos deixar de analisar o que prescrevem tais disposi-
tivos, já que eles fazem parte de um conjunto de elementos que “formatam” a ação
docente. Assim, ter consciência da ideologia presente na materialização do currículo
pela ação docente é ponto fundamental para poder desenvolver uma prática educativa
numa dimensão crítica, participativa e democrática. Isso faz sentido a partir do mo-
mento que assimilarmos, de fato, que independente da qualidade do projeto curricular
apresentado, em última instância, quem define o que efetivamente será ensinado é o
professor (Ranghetti; Gesser, 2011, p. 107).
É neste cenário de contradições que se situa a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – Lei 9.394/96, que determina no Parágrafo único do Art. 61 que:

[...] a formação dos profissionais da educação, de modo a atender às


especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos obje-
tivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica, terá
como fundamentos:
I – A presença de sólida formação básica, que propicie o conhe-
cimento dos fundamentos científicos e sociais de suas competên-
cias de trabalho;
II – A associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisio-
nados e capacitação em serviço;
III – O aproveitamento da formação e experiências anteriores, em insti-
tuições de ensino e em outras atividades.

Refletindo a partir do Art. 61, podemos inferir que a formação prevista na


LDBEN/96 é aquela que tenta aliar conhecimentos teóricos e práticos, o que signi-
fica que a formação dos professores não pode ser mera ou exclusivamente técnica.

capítulo 4 • 83
Neste sentido, é relevante considerar o postulado que afirma que a prática docente [...]
não é somente um lugar de aplicação de saberes provenientes da teoria, mas também um
espaço de produção de saberes específicos oriundos da mesma prática [...].
Essa perspectiva equivale a fazer do professor – tal qual ao professor universitário ou o
pesquisador da educação – um sujeito do conhecimento, um ator que desenvolve sem-
pre teorias, conhecimentos e saberes de sua própria ação (Tardifi, 2014, p. 234)

Devido a isso, Nóvoa (2009) considera fundamental garantir [...] articulação da


formação inicial, indução e formação em serviço numa perspectiva de aprendizagem ao
longo da vida; atenção aos primeiros anos de exercício profissional e à inserção dos jovens
professores nas escolas; valorização do professor reflexivo e de uma formação de professores
baseada na investigação; importância das culturas colaborativas, do trabalho em equipe,
do acompanhamento, da supervisão e da avaliação dos professores; etc. (p. 14).
Ainda no Art. 61 da referida lei, chama-nos atenção que os conhecimentos
científicos e sociais são postos como imprescindíveis para a atuação profissional do
docente. Sobre isso, Shulman (2005) argumenta:

Professores e professoras têm uma responsabilidade especial em rela-


ção ao conhecimento dos conteúdos da matéria que ensinam, por ser
a principal fonte de compreensão da matéria para os alunos. A forma
como é comunicada esta compreensão transmite aos estudantes o que
é essencial e o que é periférico numa matéria. [...] Esta responsabilidade
põe, de modo especial, exigências tanto de uma profunda compreen-
são das estruturas da matéria por parte do professor, quanto no que se
refere às atitudes e ao entusiasmo do professor em relação ao que se
está ensinando e aprendendo. Assim, estes diversos aspectos do co-
nhecimento dos conteúdos tornam-se uma característica fundamental
do conhecimento base do ensino (p. 12)..

É por isso que, assim como Nóvoa (1992), insistimos que a formação docente
deva exigir [...] um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos
e os projetos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também uma
identidade profissional (p. 13).

capítulo 4 • 84
A LDBEN de 1996 também traz em seu corpo o Art. 62, que destaca:

Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-


-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena,
em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como
formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e
nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível
médio na modalidade normal.

Como podemos notar, o Art. 62 trata da formação acadêmica do docente. O


que podemos extrair daí é que [...] se tornar professor implica desenvolver capaci-
dades e habilidades específicas ligadas à profissão, como saber ensinar, planejar e usar
material didático, ter manejo de classe etc. (Libâneo, 2013, p. 87).

ATENÇÃO
Além disso, podemos afirmar que [...] o trabalho do professor é um trabalho prático, en-
tendido em dois sentidos: (a) o de ser uma ação ética orientada para objetivos (envolvendo,
portanto, reflexão); e (b) o de ser uma atividade instrumental adequada a situações (idem).

Assim, podemos inferir que o trabalho docente, bem como o processo ensino/
aprendizagem, vai além de instrumentalizar. Na verdade, exige pensar/ refletir so-
bre conceitos, experiências ou contextos. Evidentemente, sabemos que:

[...] a “reflexão” é inevitavelmente um ato político que ou contribui ou


atrapalha a construção de uma sociedade mais humana, justa e decen-
te. Todas as ações de ensino têm uma variedade de consequências,
as quais incluem: 1) consequências pessoais – os efeitos do ensino
sobre o desenvolvimento social e emocional dos estudantes e de suas
relações sociais; 2) consequências acadêmicas – os efeitos do ensino
sobre o desenvolvimento intelectual dos alunos; e 3) consequências
políticas – os efeitos acumulativos da experiência escolar sobre as mu-
danças de vida dos estudantes (Zeichner, 2008, p.545).

capítulo 4 • 85
No entanto, o contexto educacional configura-se como um espaço fundamen-
talmente político (Freire, 1993), o que demanda um processo reflexivo extrema-
mente importante para a configuração curricular, tendo em vista que atualmente:

O professor, enquanto ator social, imbuído de significativo papel no


processo educacional contemporâneo, também vem sendo produzido
pelos efeitos do conjunto de discursos dessa época. Se a escola tem
de abarcar funções que em outros tempos não eram suas, o professor
encontra-se cercado por uma série de compromissos, antes não atribuí-
dos a ele (Freitas; Traversini, 2015, p. 187).

O alerta dos autores supracitados nos convida, então, a refletir sobre a escola
que almejamos e sobre a formação docente e organização curricular necessária
para atender aos alunos. Da mesma forma, a ação do professor assume um novo
status, que precisa ser constantemente repensado. Afinal:

A centralidade colocada nos professores traduziu-se na valorização


do seu pensar, do seu sentir, de suas crenças e seus valores como
aspectos importantes para se compreender o seu fazer, não apenas
de sala de aula, pois os professores não se limitam a executar currícu-
los, senão que também os elaboram, definem-nos e os reinterpretam
(Pimenta, 2002, p. 36).

Deste modo, devemos desconsiderar a visão do professor como um sujeito


passivo, mero reprodutor de conhecimentos, e passar a considerá-lo como um
sujeito autônomo e aberto a interações diversas.

CURIOSIDADE
As Diretrizes para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BRASIL,
2000, p. 05) determinam que dentre as exigências que se colocam para o papel docente
destacam-se:
• Orientar e mediar o ensino para a aprendizagem dos alunos;
• Responsabilizar-se pelo sucesso da aprendizagem dos alunos.

capítulo 4 • 86
Últimas palavras

O objetivo deste capítulo foi mostrar de que modo a formação/ educação do


docente influencia na materialização do currículo escolar. Partimos da ideia de
que o professor [...] é sujeito de seu próprio trabalho e ator de sua pedagogia, pois é
ele quem a modela, quem lhe dá corpo e sentido no contato com os alunos (negociando,
improvisando, adaptando) (Tardif, 2014, p. 149).
Existem pesquisadores, educadores e governantes que desconsideram os di-
ferentes perfis e as ideologias que embasam as práticas docentes. Entretanto, tais
características direcionam a organização do currículo, o planejamento das ativida-
des, as atitudes e as afinidades nos contextos escolares.
Ao dedicar-se à tarefa do planejamento, por exemplo, o professor mobili-
za diferentes ações, que de acordo com Sacristán (1998), fomentam as seguin-
tes operações:

a) Pensar ou refletir sobre a prática antes de realizá-la;


b) Considerar que elementos intervêm na configuração da experiência
que os/as alunos(as) terão, de acordo com a peculiaridade do conteú-
do curricular envolvido;
c) Ter em mente as alternativas disponíveis: lançar mão de experiências
prévias, casos, modelos metodológicos, exemplos realizados por ou-
tros;
d) Prever, na medida do possível, o curso da ação que se deve tomar;
e) Antecipar as consequências possíveis da opção escolhida no contex-
to concreto em que se atua;
f) Ordenar os passos a serem dados, sabendo que haverá mais de uma
possibilidade;
g) Delimitar o contexto, considerando as limitações com que contará ou
tenha de superar, analisando as circunstâncias reais em que se atuará:
tempo, espaço, organização de professores(as), alunos(as), materiais,
meio social etc.;
h) Determinar ou prover os recursos necessários (p. 205).

capítulo 4 • 87
Isto significa que nenhum conhecimento, planejamento, organização, atitude ou ativida-
de são neutros (SILVA, 2011) e que diferentes concepções de ser humano e de socie-
dade estruturam diferentes formulações curriculares.
Afinal, [...] o saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos professores é o
saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a sua experiência
de vida e com sua história profissional, com as suas relações com os alunos em sala de
aula e com os outros atores escolares na escola etc. (Tardif, 2014, p. 11).

Sendo assim, a formação de professores contribui para uma melhor com-


preensão sobre o contexto escolar e sobre o currículo praticado, evidenciando que
os conhecimentos escolhidos para compor os currículos escolares têm efeitos que
vão além da aquisição de conteúdos (Silva, 2011).

RESUMO
Neste capítulo, você aprendeu que:
• As vivências experienciadas pelo docente ao longo dos seus anos de vida, bem como sua
formação, ideologia e valores influenciam na ação docente e na materialização do currículo;
• Existem diferentes saberes docentes: pessoais; da formação escolar; da formação pro-
fissional; de programas e livros; da prática docente;
• O perfil do professor varia. Atualmente existem vários perfis, como: instrutor; construtor;
gestor ou coordenador; provedor; treinador; facilitador; mediador; assessor; entre outros.

LEITURA
Para uma melhor compreensão dos tópicos discutidos neste capítulo, sugerimos as se-
guintes leituras:
• Livro Saberes docentes e formação profissional, de Maurice Tardif, publicado pela Edi-
tora Vozes em 2014;
• Artigo Formação de professores e inclusão: como se reformam os reformadores,
de Rodrigues e Rodrigues, publicado na revista Educar em Revista, em 2011.

capítulo 4 • 88
MULTIMÍDIA
Sugerimos, ainda, os filmes:
• Clube do imperador, lançado em 2002 e dirigido por Michael Hoffman, trata de uma
historia que se passa numa escola americana;
• Sociedade dos poetas mortos, lançado em 1989 e dirigido por Peter Weir, relata a his-
tória de um professor de poesia numa escola conservadora;
• A onda, lançado em 2008 e dirigido por Dennis Gansel, relata a experiência de um
professor alemão;
• Escritores da liberdade, lançado em 2007 e dirigido por Richard La Gravenese, aborda
alguns desafios da educação;
• Mentes perigosas, lançado em 1995 e dirigido por John Smith, aborda a questão do
planejamento e da didática escolar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996: Dispõe sobre as diretrizes e bases
da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília: 26 dez. 1996.
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FREITAS, Juliana Veiga de; TRAVERSINI, Clarice Salete. O professor da educação in-
tegral: um sujeito em processo de invenção. In: BITTENCOURT, Jane; THIESEN, Juares da
Silva; MOHR, Adriana. Projetos formativos em educação integral: investigações plurais.
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MAINARDES, Jeferson; MARCONDES, Maria Inês. Entrevista com Stephen J. Ball: um
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pinas, vol. 30, n. 106, p. 303-318, jan./abr. 2009.

capítulo 4 • 89
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escola: uma construção possível. 29. ed. Campinas: Papirus, 2013.
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DIN, Evandro (Org.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São
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RANGHETTI, Diva Spezia; GESSER, Verônica. Currículo escolar: das concepções histórico-
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SACRISTÁN, José Gimeno; GÓMEZ A. I. Pérez. Compreender e transformar o ensino.
Porto Alegre: Artmed, 1998.
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ZEICHNER, Kenneth M. Uma análise crítica sobre a “reflexão” como conceito estrutu-
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554, maio/ago. 2008.

capítulo 4 • 90
5
Currículo escolar e
recursos didáticos
Currículo escolar e recursos didáticos

Introdução

Quando refletimos sobre o currículo escolar, várias questões passam pelo nos-
so pensamento, como por exemplo:

Quais são os componentes curriculares importantes?


Como organizar uma grade de horários escolares?
Quais são os conhecimentos importantes?
Em quais espaços devem ser desenvolvidas determinadas atividades?

Raramente pensamos na importância dos recursos didáticos para a organi-


zação e desenvolvimento do currículo, bem como para a construção do conhe-
cimento. Os recursos didáticos constituem um dos debates importantes sobre o
currículo, já que põem em “jogo” as habilidades dos sujeitos, visões de mundo e
de educação, ideologias educacionais e perspectivas pedagógicas diferenciadas e
diversificadas.
Evidentemente os recursos são uma parte do processo ensino/ aprendizagem,
e não o todo. Afinal, o currículo visto sob uma ótica interativa/ relacional é mui-
to mais que uma dimensão instrumental/ técnica, pois diz respeito sobretudo a
questões como conhecimento, gestão de pessoas e saberes, relação entre sujeitos,
habilidade profissional, motivação pessoal, entre outros.
Neste último capítulo, iremos destacar os diferentes recursos didáticos, procu-
rando identificar e analisar as tendências educacionais que os utilizam.

Recursos didáticos

Iniciamos esta seção com a seguinte questão:

O que podemos considerar como recurso didático?

capítulo 5 • 92
A tabela a seguir apresenta alguns recursos didáticos usados atualmente nas
escolas brasileiras; vejamos:

RECURSOS DIDÁTICOS
Espaço Tempo Computador Internet

Livro didático Redes sociais Avaliações Jogos

Histórias Jornais Revistas Televisão

Filmes e séries Novelas Livros Celular

A tabela apresenta dezesseis recursos didáticos diferentes, que podem ser usa-
dos na implantação de diversas atividades planejadas pelos professores. Como cada
um deles tem sua especificidade, refletiremos a seguir sobre eles separadamente.

Espaço

Quando apontamos o “espaço” como recurso, estamos enfatizando que ele


pode ser organizado de variadas maneiras e com objetivos e objetos diversificados.
Neste sentido, corroboramos com Frago (1998), quando afirma que a educação
possui uma dimensão espacial; o espaço, junto com o tempo, constitui um elemento
básico, constitutivo, da atividade educativa (p. 61). Isto significa que a organização
espacial de um ambiente persegue fins/ finalidades.

A organização do espaço pode possi-


bilitar ao educando inúmeros desafios
cognitivos, sociais, motores e emocionais.
Para isso, é necessário que o organizador
reflita sobre as características dos sujei-
tos que irão frequentá-lo, tais como: faixa
etária, necessidades físicas e biológicas,
interesses, entre outros.

Imagem: Shutterstock

capítulo 5 • 93
ATENÇÃO
Se o espaço não for estimulante e adequado estruturalmente, os alunos demonstrarão
de diferentes maneiras a sua insatisfação.
Assim, consideramos que a tarefa de organizar um espaço educativo, ou mesmo a própria
escola/ sala de aula, não é fácil. Até porque [...] o espaço-escola é, além disso, um mediador
cultural em relação à gênese e formação dos primeiros esquemas cognitivos e motores, ou
seja, um elemento significativo do currículo, uma fonte de experiência e aprendizagem (Esco-
lano, 1998, p. 26).

Neste bojo, cabe lembrar que todos os objetos, móveis, símbolos, acessórios etc.
influenciam e provocam a construção de relações e associações nos educandos
envolvidos no processo ensino/ aprendizagem.

Mello (2007) explica que um espaço intencionalmente organizado é capaz de


promover significativas experiências. De acordo com esse autor:

O espaço [...] rico de materiais diversificados que a criança aprende a


usar na relação com o adulto, que seja organizado e de livre acesso à
criança, que permite sua experimentação livre e autônoma – além de
provocar o exercício do pensamento e o conhecimento do mundo físico
– possibilita a formação da identidade e da autoestima positiva, provoca
a convivência com as outras crianças, ensina a criança a buscar ajuda
do educador quando necessário, provoca a convivência com os adultos
da escola de forma mais participativa, menos controlada e menos
dirigida imediatamente pelo outro adulto (p. 21).

Entretanto, não adianta um espaço intencionalmente organizado se não houver


atividades planejadas e uma equipe escolar preparada para atuar nesse ambiente.
Por fim, sobre esse recurso didático, acreditamos ainda que, para uma apren-
dizagem significativa, os espaços educativos ou escolares devem ser organizados
visando à utilização e ao aprimoramento de diferentes linguagens, de modo a
ser visto como um lugar que estimule a imaginação, a reflexão, a expressão, a
criatividade e a investigação. Deste modo, refletir sobre o espaço dos alunos

capítulo 5 • 94
revela a preocupação com o conteúdo e a diversidade metodológica do processo
ensino/ aprendizagem.

Tempo

Outro recurso didático apontado na tabela foi o tempo.

O tempo é um dos elementos constitutivos da organização do trabalho


pedagógico. O calendário escolar ordena o tempo: determina o início
e o fim do ano, prevendo os dias letivos, as férias, os períodos esco-
lares em que o ano se divide, os feriados cívicos e religiosos, as datas
reservadas à avaliação, os períodos para reuniões técnicas, cursos etc.
(Veiga, 2013, p. 29).

Num primeiro momento, é importante mencionar que o tempo sempre foi


uma categoria subjetiva. Isto porque cada sujeito [...] tem o seu próprio tempo,
influenciado pela fantasia, pela memória, pela imaginação, e também pelos contatos
sociais (Garcia, 1999, p. 114). No entanto, a utilização de mecanismos que per-
mitissem “medir” o tempo surgiu da necessidade social do ser humano. Como
consequência, a escola passou a utilizar esses instrumentos para organizar suas
atividades e educar os sujeitos. Neste sentido, [...] a incorporação do relógio aos
espaços escolares tem, pois, além de um significado cultural, uma clara função pedagó-
gica que se acrescenta às intenções educadoras das estruturas espaciais das instituições
(Escolano, 1998, p. 45).
Cada tempo determina os processos, as intencionalidades, a organização e os
sentidos da atividade.

EXEMPLO
Por exemplo: [...] o horário escolar, que fixa o número de horas por semana e que varia em
razão das disciplinas constantes na grade curricular, estipula também o número de aulas por
professor (Veiga, 2013, p. 29).

capítulo 5 • 95
Pensando nisto, inferimos que a forma como o tempo escolar é organiza-
do pode contribuir, tornando-se um ampliador ou inibidor do processo ensino/
aprendizagem.
Enguita (1989) chama a atenção para a seguinte questão:

A sucessão de períodos muito breves – sempre de menos de uma


hora – dedicados a matérias muito diferentes entre si, sem necessidade
de sequência lógica entre elas, sem atender à melhor ou à pior
adequação de seu conteúdo a períodos mais longos ou mais curtos e
sem prestar nenhuma atenção à cadência do interesse e do trabalho
dos estudantes; em suma, a organização habitual do horário escolar
ensina ao estudante que o importante não é a qualidade precisa de
seu trabalho, a que o dedica, mas sua duração. A escola é o primeiro
cenário em que a criança e o jovem presenciam, aceitam e sofrem a
redução de seu trabalho a trabalho abstrato (p.180).

Portanto, a organização do tempo escolar condiciona a socialização, a forma-


ção e a construção de saberes dos sujeitos envolvidos no processo ensino/ aprendi-
zagem. Sendo assim, o tempo é um recurso didático que não pode ser menospre-
zado na organização dos currículos.

Computador

Um terceiro recurso didático apresentado na tabela é o computador.

Nas últimas décadas, a inserção do com-


putador no cotidiano social provocou di-
versas mudanças nas relações pessoais
e de trabalho. Seguindo essa “onda”, a
educação começou a sofrer influencia
desse recurso. Neste bojo, diversas in-
dagações começaram a ser levantadas
quanto à importância do uso do compu-
tador para auxiliar o aluno na construção
do conhecimento.

Figura 1 - fonte: Shutterstock

capítulo 5 • 96
Tajra (2000) ressalta que:

A [...] utilização da tecnologia computacional na área educacional é


indiscutível e necessária, seja no sentido pedagógico, seja no sentido
social. Não cabe mais à escola preparar o aluno apenas nas habilidades
linguísticas e lógico-matemáticas, apresentar o conhecimento dividido
em partes, fazer do professor o grande detentor de todo o conhecimento
e valorizar apenas a memorização. Hoje, com o novo conceito de
inteligência, em que podemos desenvolver as pessoas em suas
diversas habilidades, o computador aparece num momento bastante
oportuno, inclusive para facilitar o desenvolvimento dessas habilidades
– lógico-matemática, linguística, interpessoal, intrapessoal, espacial,
musical, corpo-cinestésica, naturista e pictórica (p. 42).

De todo modo, entendemos que o computador deve ser introduzido de forma


planejada no cotidiano escolar. Afinal, ele possibilita várias ações, tais como:

Criar planilhas e
Pesquisas Redigir textos Desenhar
gráficos

Arquivar textos e Gerenciar


Fazer contas Acessar a internet
imagens imagens

Para Valente (1999):

[...] o computador pode enriquecer ambientes de aprendizagem onde


o aluno, interagindo com os objetos desse ambiente, tem chance de
construir o seu conhecimento. Nesse caso, o conhecimento não é
passado para o aluno. O aluno não é mais instruído, ensinado, mas é
o construtor do seu próprio conhecimento. Esse é o paradigma cons-
trucionista onde a ênfase está na aprendizagem ao invés de estar no
ensino; na construção do conhecimento e não na instrução (p. 24-25)

Assim sendo, os computadores comportam recursos diferenciados, cuja na-


tureza pode ser interativa ou não. Na verdade, o fato é que tal interação depende
dos sujeitos em ação.

capítulo 5 • 97
No caso do professor, podemos inferir que ele nem sempre consegue acom-
panhar o avanço tecnológico, o que evidencia certa dificuldade em mudar/ trans-
formar as práticas pedagógicas. Diante disso, Almeida (2000, p. 109) afirma que:

[...] mesmo o professor preparado para utilizar o computador


para a construção do conhecimento é obrigado a questionar-se
constantemente, pois com frequência se vê diante de um equipamento
cujos recursos não conseguem dominar em sua totalidade.

Para a utilização desse recurso, será necessário que os sujeitos (principalmente


os professores) mudem suas atitudes e reflitam sobre o planejamento das atividades.
Evidentemente os professores deverão estar preparados para a integração da ferramenta
ao projeto político-pedagógico da escola. Isto [...] exige maior empenho do professor, algo
que não é adquirido em treinamentos técnicos ou em cursos em que os conceitos educacio-
nais e o domínio do computador são trabalhados separadamente, esperando-se que os par-
ticipantes façam a integração entre ambos. É preciso um processo de formação continuada
do professor, que se realiza na articulação entre a exploração da tecnologia computacional,
a ação pedagógica com o uso do computador e as teorias educacionais. O professor deve ter
a oportunidade de discutir como se aprende e como se ensina. Deve também ter a chance
de poder compreender a própria prática e de transformá-la (ALMEIDA, 1998, p. 63).

Nestes termos, assim como Pretto, Riccio e Pereira (2009), entendemos que [...] o grande
desafio para o professor é romper com uma concepção de comunicação centrada na emissão
e deixar fluir a participação e a manipulação na mensagem (p.13). Entendemos que a utilização
do computador pode ajudar a superar as marcas de um currículo e de práticas pedagógicas
tradicionais, pautados por finalidades sem referência de tempos, sujeitos e espaços.

Internet

O uso da internet pode facilitar o desenvolvimento de inúmeras atividades,


das quais podemos destacar as seguintes:

Leitura de texto
Pesquisa sobre Comunicação e
Acesso a notícias em diferentes
diversos temas interação social
linguagens

capítulo 5 • 98
Programas
Jogos educativos Filmes e séries Desenhos
educativos

O planejamento educativo com esse recurso didático tem como objetivo a bus-
ca de um processo ensino/ aprendizagem mais dinâmico, criativo e motivacional.

A internet é uma tecnologia que facilita a motivação dos alunos pela


novidade e pelas possibilidades inesgotáveis de pesquisa que oferece.
Essa motivação aumenta se o professor proporcionar um clima de
confiança, abertura, cordialidade com os alunos. Mais que a tecnologia,
o que facilita o processo de ensino/ aprendizagem é a capacidade
de comunicação autêntica do professor ao estabelecer relações de
confiança com seus alunos por meio do equilíbrio, competência e
simpatia com que atua. O aluno desenvolve a aprendizagem cooperativa,
a pesquisa em grupo, a troca de resultados (Moran, 1998, p. 95).

Portanto, no conjunto, a internet facilita a produção e a mobilização de sabe-


res/ conhecimentos.

Redes sociais

Cada vez mais cedo os alunos estão criando perfis em redes sociais. Muitas
vezes são os próprios pais que os criam. Isto pressupõe que esse recurso já faz parte
do cotidiano de diversos brasileiros.
Diante desse contexto, podemos afirmar que, mais do que se comunicar, tais
redes podem ser um valioso recurso didático.

[...] os impactos deste processo [o uso da web e seus recursos, como


as redes sociais] na capacidade de aprendizagem social dos sujeitos
têm levado ao reconhecimento de que a sociedade em rede está
modificando a maioria das nossas capacidades cognitivas. Raciocínio,
memória, capacidade de representação mental e percepção estão
sendo constantemente alteradas pelo contato com os bancos de dados,
modelização digital, simulações interativas etc. (Brennand, 2006, p.202).

capítulo 5 • 99
A partir disso, questionamos:

De que forma as redes sociais podem contribuir


para o planejamento, as práticas pedagógicas e o
currículo escolar?
Acreditamos que as redes sociais se tornam recursos didáticos quando,
por exemplo:

Informações, músicas, poesias, pesquisa, conteúdos, entre outros são disponibilizados


pelos alunos nessas redes.

Fóruns de discussão são construídos.

Eventos são divulgados e promovidos.

Há troca de experiências e materiais.

Evidentemente, o uso das redes sociais como recurso didático pode trazer pro-
blemas e prejuízos para o trabalho pedagógico. Então, é necessário que os sujeitos
formadores se preparem constantemente para a interação com as tecnologias de
informação e comunicação.

Livro didático

O livro didático é um dos recursos didá-


ticos mais tradicionais que existem no
Brasil. Regulamentado pela Lei de Di-
retrizes e Bases da Educação Nacional
9.394/1996 em seu artigo 4º, inciso VII,
no qual consta que é [...] dever do Estado
com a educação escolar pública será efe-
tivado mediante garantia de atendimento
do educando no Ensino Fundamental,
por meio de programas suplementares de
material didático [...] (BRASIL, 1996, p. 3),
este recurso serve como um apoio peda-
gógico e curricular ao professor.

Imagem: Shutterstock

capítulo 5 • 100
Contudo, com relação à utilização desse material pelo professor:

Há o papel ideal e o papel real. O papel ideal seria que o livro didático
fosse apenas um apoio, mas não o roteiro do trabalho dele. Na verdade
isso dificilmente se concretiza, não por culpa do professor, mas [...]
por culpa das condições de trabalho que o professor tem hoje. Um
professor hoje neste país, para ele minimamente sobreviver, tem que
dar aulas o dia inteiro, de manhã, de tarde e, frequentemente, até a
noite. Então, é uma pessoa que não tem tempo de preparar aula, que
não tem tempo de se atualizar. A consequência é que ele se apoia
muito no livro didático. Idealmente, o livro didático devia ser apenas um
suporte, um apoio, mas na verdade ele realmente acaba sendo a diretriz
básica do professor no seu ensino (Soares, 2002, p. 2).

O problema, portanto, não é o recurso em si, mas a maneira como ele é uti-
lizado. Sendo assim, é necessário que o professor tenha apoio e estrutura para
planejar as atividades e organizar o currículo.

Avaliações

As avaliações podem ser consideradas um recurso didático, já que orientam e me-


diam o trabalho do professor. Elas podem ser realizadas de diferentes formas, tais como:

capítulo 5 • 101
Todos os instrumentos avaliativos destacados na figura anterior podem aju-
dar a renovar a prática pedagógica, desde que os professores os usem para fazer
um diagnóstico da realidade social e cognitiva dos alunos, assim como os uti-
lizem como estratégia de organização curricular e classificação de conteúdos.
Evidentemente deve-se ter cuidado ao planejar as avaliações, pois estas podem ser
instrumentos de equívocos e exclusões.

A avaliação do ponto de vista crítico não pode ser instrumento de


exclusão dos alunos provenientes das classes trabalhadoras. Portanto,
deve ser democrática, deve favorecer o desenvolvimento da capacidade
do aluno de apropriar-se de conhecimentos científicos, sociais e
tecnológicos produzidos historicamente e deve ser resultante de um
processo coletivo de avaliação diagnóstica (Veiga, 2013, p. 32).

Atentar à organização das avaliações para que elas sejam fundamentalmente


democráticas é imprescindível.

Jogos

Existem inúmeros jogos com a capacida-


de de despertar a criatividade, a imagina-
ção, a memória, bem como de desenvol-
ver a concentração e o raciocínio. Além
disso, alguns deles instigam o interesse
dos sujeitos, estabelecem desafios e pro-
porcionam um processo ensino/ apren-
dizagem mais prazeroso. Isto porque, de
acordo com Macedo (2000), [...] todo jogo
tem uma situação-problema (objetivo)
que poderá ser solucionada ou não pelo
sujeito (resultado do jogo), devendo este
obedecer a um sistema de regras que de-
terminam os limites de sua ação (p. 25).

Imagem: Shutterstock

capítulo 5 • 102
Friedman (1996) acrescenta que:

[...] o jogo oferece uma importante contribuição para o desenvolvimento


cognitivo, dando acesso a mais informações e tornando mais rico o
conteúdo do pensamento infantil, paralelamente o jogo consolida
habilidades já dominadas pelas crianças e a prática dos mesmos em
novas situações (p. 64).

Sendo assim, os jogos são elementos essenciais para a materialização e organi-


zação do currículo, já que possuem um grande valor para o desenvolvimento ple-
no do educando. Para embasar tal afirmação, Kishimoto (1998) menciona que são
inúmeras as conquistas possíveis de serem alcançadas pelas crianças através do mundo
do jogo, entre elas a possibilidade de autoconhecimento, do conhecimento do outro e do
mundo que o cerca (p. 78).
Pensando nas fases de desenvolvimento cognitivo dos sujeitos, Jean Piaget
(1999) classificou os jogos em três categorias, a saber:

Jogos de exercício
Jogos simbólicos Jogos de regras
sensório-motor

No que tange aos jogos de exercício sensório-motor, o autor afirmou que


são aqueles em que as crianças utilizam efetivamente o corpo para brincar, como
por exemplo, o pique alto, no qual a criança usa o sentido da audição e do tato. Os
jogos simbólicos são aqueles de ficção, imaginação e imitação.
Já os jogos de regras, segundo Piaget (1999), são aqueles regulados por regras
transmitidas de geração a geração ou definidas a partir de acordos provisórios.
Essa categorização de Piaget (1999) nos permite afirmar que, por meio do ato de
jogar, o educando aprende a refletir, agir, respeitar o outro, compreender regras e
identificar seus limites.

CURIOSIDADE
Entre os jogos mais comuns no Brasil, estão:
• De cartas;
• De tabuleiro;
• De bola;

capítulo 5 • 103
• Torneios;
• Adivinhações;
• Eletrônicos;
• Digitais;
• Online.

Histórias, livros, jornais e revistas

As histórias, sejam elas inventadas ou lidas, estimulam a imaginação, a cons-


trução de conhecimentos históricos e a criatividade do ser humano. Entre as carac-
terísticas que facilitam a utilização desses recursos, podemos destacar os seguintes:

Numerosos livros de histórias, dos jornais e das revistas apresentam uma linguagem
clara, simples e direta.

Apresentam notícias sobre os contextos vivenciados pelos sujeitos envolvidos no


processo ensino/aprendizagem.

São de fácil acesso e muitos ainda têm baixo custo.

Essas características facilitam o planejamento de atividades com tais recursos,


assim como a mediação do processo ensino/ aprendizagem.

De acordo com Martins e Luca (2008):

[...] os impressos que por aqui circulam em duzentos anos não só tes-
temunham, registram e veiculam nossa história, mas são parte da for-
mação intrínseca do país. Em outras palavras: a história do Brasil e a
história da imprensa caminham juntas, se autoexplicam, alimentam-se
reciprocamente, integrando-se num imenso painel (p. 8).

Portanto, é necessário que os sujeitos formadores planejem da melhor forma a


utilização desses recursos. Visto isso, questionamos:

Que tipo de atividade o professor poderia planejar

capítulo 5 • 104
utilizando os impressos?
Os impressos possibilitam inúmeras atividades, tais como:

Apresentação oral de
Teatralização de histórias Construção de notícias
notícias

Entrevistas com sujeitos Relato de experiências ou


Organização de um jornal
da comunidade escolar histórias

Análise de sessões do Elaboração de Leitura, interpretação e


jornal ou revista propaganda construção de charges

Reescrita de uma notícia


Reciclagem
ou história

Enfim, numa sociedade dita informacional, utilizar as diferentes possibilida-


des no processo de construção do conhecimento que os meios de comunicação
oferecem, sejam eles histórias, livros, jornais, revistas etc., é importante para que
os sujeitos envolvidos possam construir relações entre imagens, textos e contex-
tos sociopolíticos.

Televisão, filmes, séries e novelas

A popularização da televisão, assim como suas atrações (filmes, séries, novelas,


entre outros) afetou consideravelmente a sociedade e, nesse bojo, o espaço escolar.
Isto porque tais meios de comunicação promoveram uma transformação no dia a
dia das pessoas e, por sua vez, demandaram um currículo escolar e práticas peda-
gógicas diferentes.

Utilizar programas de TV, filmes, séries e novelas nas escolas pressupõe trabalhar com
diferentes linguagens e discursos, inclusive com a leitura e a escrita.

capítulo 5 • 105
Entre as linguagens que podem ser trabalhadas com tais recursos, pode-
mos destacar:

Imagem Som Gestos Símbolos

Música Poesia Pintura

Em todo caso, não basta [...] introduzir na escola o vídeo, televisão, computador
ou mesmo todos os recursos para se fazer uma nova educação. É necessário repensá-la
em outros termos porque é evidente que a educação numa sociedade das mass media,
da comunicação generalizada, não pode prescindir da presença desses novos recursos.
Porém, essa presença, por si só, não garante essa nova escola, essa nova educação (...)
(Pretto, 1996, p. 122).
Pretto (1996) assinala ainda a necessidade do cuidado com esse uso, já que
muitos programas televisivos, filmes, séries, entre outros, não possuem cunho edu-
cativo. Sendo assim, é necessário que sua utilização esteja atrelada a um planeja-
mento, ao currículo e ao projeto político-pedagógico. Outrossim, a preparação
prévia dos sujeitos formadores também é fundamental.

CURIOSIDADE
O Ministério da Educação tem um canal chamado TV Escola, destinado a professores,
educadores, alunos e a todos os sujeitos interessados em educação. A TV Escola é distribuí-
da por operadoras de TV por assinatura e pela internet.
Para conhecer a TV Escola, acesse: <http://tvescola.mec.gov.br/tve/sobre>.

Vale ressaltar ainda que a utilização de programas televisivos, filmes, séries,


novelas, entre outros, pode se dar de variadas formas, tais como:

"Conhecer" um objeto ou
Introduzir um tema Exemplificar uma reflexão
realidade

Construir um debate Estimular a imaginação Propor uma análise

capítulo 5 • 106
CURIOSIDADE
O Ministério da Educação e a TV Cultura disponibilizam para download vários filmes
educativos de curta duração, que abrangem diversos componentes curriculares do ensino
fundamental e médio.
Para ter acesso a esses materiais, acesse o site: <www.dominiopublico.gov.br>

Finalmente, vale ressaltar que a possibilidade de os programas televisivos, filmes,


séries e novelas contribuírem para o processo ensino/ aprendizagem depende de
vários aspectos, tais como: a forma como o conteúdo é abordado, o interesse dos su-
jeitos envolvidos, as condições físicas/ materiais/ estruturais do recurso, entre outros.

Celular

O uso do celular na escola e na sala de aula ainda é um tabu no Brasil. Contudo,


esse recurso pode ser usado de várias formas criativas nesse ambiente, tão-somente,
por meio das ferramentas disponíveis no próprio aparelho.
As atividades podem ser planejadas a partir da utilização das seguintes ferra-
mentas do celular:

Calculadora Câmera Alarme

Calendário Jogos Mapas

Gravador de voz Filmadora Internet

Não há como negar que o celular já faz parte do dia a dia dos cidadãos. Então,
faz-se necessário que a escola discuta e reveja a sua utilização. Afinal, em boa parte
das instituições escolares, o aparelho é vetado ou tem seu uso restrito.

Evidentemente a utilização do celular nas escolas representa um desafio para os


professores. Entretanto, esse aparelho não somente abre uma porta para o mundo
social e para a cultura popular como pode ser uma rica possibilidade de incentivar o
desenvolvimento dos sujeitos.

capítulo 5 • 107
Últimas palavras

Todos os recursos mencionados anteriormente servem de apoio às ativida-


des previstas no currículo escolar. Como vimos, as possibilidades de utilização
são inúmeras.

ATENÇÃO
De todo modo, é importante destacar que, apesar de serem variados os artefatos, é ne-
cessário que durante o planejamento os sujeitos formadores reflitam sobre a idade e o nível
cognitivo dos sujeitos em formação, a fim de melhor utilizá-los, até porque o propósito da es-
cola deveria ser o de desenvolver as inteligências e ajudar as pessoas a atingirem objetivos de
ocupação e passatempo adequados ao seu espectro particular de inteligências. As pessoas
que são ajudadas a fazer isso [...] se sentem mais engajadas e competentes, e portanto mais
inclinadas a servir a sociedade de uma maneira construtiva (Gardner, 2000, p.16).

Nesse ínterim, com tantos recursos didáticos, cabe aos sujeitos formadores o
papel de saber utilizá-los, favorecendo o interesse dos alunos, bem como o proces-
so ensino/aprendizagem de forma dinâmica. Afinal, a “revolução digital” rompeu
as fronteiras que antes separavam as três formas tradicionais de comunicação: o som, a
escrita e a imagem. Permitiu o surgimento e o avanço da internet, que representa um
quarto modelo de se comunicar, uma nova maneira de se expressar, de se informar, de
se distrair (CAMARGO, 2008, p. 270).

Diante disso, é importante mencionar que os recursos didáticos devem ser mediadores do
processo ensino/ aprendizagem. No entanto, é fundamental que eles sejam planejados
a fim de possibilitar uma atitude reflexiva, crítica e provocativa, propiciando um processo
educacional multidimensional (Candau, 1984), tanto para o sujeito formador quanto
para o sujeito em formação.
Por fim, vale ainda destacar que tais recursos não devem ser menosprezados. Pelo
contrário: devem ser considerados e estudados, já que são ferramentas capazes de
motivar ou desmotivar o processo de construção do conhecimento dos alunos.

capítulo 5 • 108
RESUMO
Neste capítulo, você aprendeu que:
• Existem inúmeros recursos didáticos que influenciam e materializam as práti-
cas curriculares.

LEITURA
Para uma melhor compreensão dos tópicos discutidos neste capítulo, sugerimos as se-
guintes leituras:
• Texto de José Junio Lopes, intitulado A introdução da informática no ambiente escolar,
disponível em: http://www.clubedoprofessor.com.br/artigos/artigojunio.pdf;
• Tese de doutorado de Aguilera, publicada em 2006, intitulada O jornal e o ensino de
língua portuguesa: leitura de mundo nas malhas da linguagem;
• Dissertação de mestrado de Anhussi, publicada em 2009, intitulada O uso do jornal
em sala de aula: sua relevância e concepções de professores;
• Livro escrito por Faria, em 2003, intitulado Como usar o jornal na sala de aula.

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ANOTAÇÕES

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