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ACORDOS ENDOPROCEDIMENTAIS

Introdução

A celebração de acordos endoprocedimentais tem várias vantagens tanto para a


Administração como para os particulares, nomeadamente:

o Flexibilização do procedimento – ao permitirem a participação dos particulares


interessados enquanto detentores de uma vontade constitutiva a qual,
conjuntamente com a vontade da Administração, gera um vínculo obrigacional
que se pode consubstanciar na obrigação para a Administração, de emitir um
certo ato administrativo ou, para ambas as partes, na obrigação de adotar
determinada conduta no decurso do procedimento.
o Note-se que vai além da audiência prévia, visto que esta é mais estrita e
procedimental
o Deve ter em conta o princípio da legalidade e ao princípio da liberdade
contratual pública
o Aplicação da melhor solução ao caso concreto – ao atender-se à vontade do
administrado, encontrar-se-á mais facilmente uma solução condizente com os
interesses público e privado e, por isso, uma solução conciliadora e o mais
harmoniosa possível.
o Nunca será impugnado, porque houve uma confluência de vontades para
a sua criação
o Vai haver uma maior eficiência do procedimento ao atender-se à vontade
do administrado encontra-se uma situação condizente com os interesses
públicos
o Solução conciliadora e o mais harmónica possível
o Segundo Alexandra Leitão podemos mesmo estar a constituir uma
legitimação acrescida da decisão administrativa, ao permitir a
participação de outras entidades na tomada dessa decisão
o Diminuição da litigiosidade – a diminuição da litigiosidade é uma consequência
direta da negociação do conteúdo do ato ou da definição consensual dos termos
do procedimento.
o A ausência de previsão legal obrigaram à colocação legal, destes acordos,
nas “atuações informais” da Administração que estão diretamente
ligadas à ideia de fraca vinculatividade.
o Por isso, a consagração expressa dos acordos endoprocedimentais no
CPA, a par da obrigatoriedade de forma escrita representam uma
alteração na sua classificação doutrinal e num aumento da certeza e
confiança jurídica.
Natureza jurídica

Os acordos procedimentais, segundo o autor e Sérvulo Correia, são verdadeiros contra-


tos entre a Administração e os administrados no decorrer do procedimento administra-
tivo.

→ Não é uma posição unânime


→ Vasco Pereira da Silve defende que os acordos consubstanciam uma fase con-
sensual integrada nos próprios atos administrativos, designando-os atos admi-
nistrativos consensuais
→ Suzana Tavares da Silva defende que se enquadram na categoria dos atos da
mera administração “a posterior decisão tomada pela Administração sempre po-
deria ser emitida se não tivesse havido qualquer acordo
o É verdade que a decisão poderia ser a mesma caso não houvesse negoci-
ação, mas isso não se afigura provável, pois se assim fosse não havia a
necessidade de conformação do conteúdo daquele ato
o Assim, não nos parece que, na prática, esta hipótese ocorra com frequên-
cia tal que permita ancorar a tese da negação da natureza contratual dos
acordos endoprocedimentais

A partir do momento em que existe a conformação do conteúdo do ato administrativo


pela negociação dos seus termos entre a Administração e os interessados não pode a
mesma ser ignorada porque um ato administrativo decidido unilateralmente é muito
diferente de uma decisão que é negociada bilateralmente.

É por esta razão que Sérvulo Correia designa estes acordos como “contratos obrigacio-
nais” já que a administração se obriga a “emitir subsequentemente um certo ato admi-
nistrativo” por contraposição aos “atos decisórios”.

Estes acordos podem ter outro objeto que a não a emissão de um ato administrativo,
continuando a se poder designar por contratos obrigacionais (neste caso, em sentido
amplo, porque a Administração se obriga a executar certa prestação.

A verdade é que no plano formal, segundo Paulo Otero, a decisão continua a ser unila-
teral, uma vez que assume a forma de ato administrativo, não deixam de ser verdadeiros
atos administrativos por serem fundados em acordos prévios.

Sendo considerados como contratos obrigacionais existe um acordo prévio à emanação


do ato que define total ou parcialmente o conteúdo deste, vinculando assim a Adminis-
tração à prática do ato devido, na base do princípio pacta sunt servanda

→ Segundo Paulo Otero, esta forma contratual prévia de exercício procedimental


do poder discricionário unilateral da Administração obriga o órgão administra-
tivo a emanar uma decisão correspondente ao conteúdo do acordo
→ Este princípio não pode ser aceite em termos tão rígidos já que o objetivo é a
prossecução do interesse público

Os atos administrativos não são apenas contratos, eles têm a nota a administratividade

→ Nos casos em que a administração se obriga a emiti um certo ato, não há dúvidas
de que estamos perante contratos administrativos “por natureza” visto que está
em causa a regulação do exercício do poder público
→ Quando apenas se pretende estabelecer certos aspetos do procedimento, existe
um condicionamento do modo de exercício do poder público, uma vez que a Ad-
ministração fica obrigada a adotar certa conduta no decurso do procedimento

Segundo Sérvulo Correia, estes contratos apenas são admissíveis dentro da margem de
decisão administrativa

→ Segundo Paulo Otero, estes acordos permitem ao destinatário do ato unilateral


participar no processo de formação gradual da decisão final, colaborando na
configuração limitativa da margem de liberdade ou de discricionariedade deci-
sória

Regime jurídico aplicável

Sendo estes acordos verdadeiros contrato administrativo deve ser aplicado o regime do
Código dos Contratos Públicos

→ Não faz sentido a aplicação de regras da contratação pública, pois decorrem den-
tro do próprio procedimento administrativo, não tendo por objeto “prestações
que estão ou sejam suscetíveis de estar submetidas à concorrência do mercado”
(art.º 16/1 CCP)
→ Para além disso são contratos sobre o exercício de poderes públicos o que repre-
senta uma objeção intrínseca à sujeição dos mesmos aquelas regras
→ Desta forma o legislador no art.º 5B/2/b do CCP remete “com as necessárias al-
terações” ao regime do CPA

Sendo os acordos endoprocedimentais uma subespécie de contratos sobre o exercício


de poderes públicos, segundo Mark Kirkby

→ Alexandra Leitão, os acordos são contratos sobre o exercício de poderes públi-


cos: o CCP não contém, em rigor, nenhuma referência expressa aos contratos
procedimentais em sentido estrito, ou seja, àqueles contratos cujo objeto é a
concertação das partes quanto a aspetos procedimentais

Tudo o que não disser respeito ao regime substantivo, aplica-se o CPA

→ Decorre do art.º 5/1, art.º 5B/2 e art.º 280, 2º parte


O regime destes acordos está repartido, que consiste nas duas fases do ciclo da vida:

→ Fase de formação: acordos admissíveis pelo art 57 do procedimento


→ Fase de execução: regras substantivo que regulam a relação contratual constam
da Parte III do CCP
Temos realidades distintas:

→ O procedimento administrativo, no qual se aplica o CPA


→ Um contrato enxertado nesse procedimento, aqui se aplica o regime substantivo
do CCP
→ Segundo Vicenzo Cerrulli diz que estão sujeitos a um duplo regime: para uma
parte do seu conteúdo, o negociado, estão sujeitos à disciplina do contrato, para
a outra parte está sujeito à disciplina do procedimento

Princípio da autonomia pública contratual e os seus limites

Sendo os acordos endoprocedimentais verdadeiros contratos inseridos no


procedimento administrativo, a celebração dos mesmo só é possível porque a
Administração Pública goza de liberdade contratual.

O principio da autonomia pública contratual, estipulado no art.278º do CCP, permite-


nos perceber que esta liberdade de celebração contratual por parte da Administração
depende da verificação de três requisitos cumulativos

→ Encontrar-se a Administração a prosseguir as suas atribuições,


→ Bem como a exercer a função administrativa
→ Não existir qualquer impedimento legal ou material.

Se os acordos são resultado de uma negociação estabelecida no decurso do


procedimento administrativo, o primeiro e o segundo requisito estão automaticamente
preenchidos; analisemos o terceiro requisito – os limites:

Legal: o objeto do acordo tem de ser admissível pela lei

Da obrigatoriedade de o objeto do acordo ser legalmente admissível extrai-se o


corolário de que os pressupostos do ato administrativo que a Administração se obriga a
emitir, têm de se encontrar preenchidos quando promete praticá-lo, ou caso não esteja
preenchido, o seu posterior preenchimento tem de ser certo.

A lei que importa considerar para efeitos da verificação do cumprimento do princípio da


legalidade é a lei vigente no momento da emanação do ato. Caso a legislação aplicável
ao caso venha a sofrer alterações há duas hipóteses:

→ Se for possível continuar a praticar o ato administrativo prometido de forma


parcial, isto é, com um conteúdo ligeiramente diferente, a Administração poderá
exercer o poder de modificação unilateral e adaptar o conteúdo do acordo
endoprocedimental à nova realidade legislativa, emitindo um ato administrativo
em conformidade com essa modificação, e o cocontratante-administrativo terá,
consequentemente, direito à “reposição do equilíbrio financeiro” (art.314º/1, al.
a CCP)
o Apenas se essa alteração foi imputável ao órgão público;
→ se não for possível de todo manter-se o acordo endoprocedimental, a
Administração deve recusar-se a cumpri-lo e proceder à resolução unilateral do
mesmo
o Assim, se a lei em que fundaram os pressupostos do acordo sofreu
alterações que tornam ilegal do ato administrativo que viria a ser
praticado, a Administração não pode ser obrigada a cumprir o contrato
ficando o cocontratante-administrativo com duas opções:
▪ se este facto for imputável ao órgão administrativo, então tem o
direito a uma “justa indemnização” (art.335º/2 CCP) que
corresponde aos danos emergentes e lucros cessantes;
▪ ou se não for imputável ao órgão, a tutela do cocontratante
ocorre nos termos do regime geral da indemnização pelo
sacrifício (art.16º RRCE).

Material: o acordo tem de ser compatível com a natureza das relações a estabelecer

Quanto ao limite material há que averiguar, caso a caso, se a relação jurídico-


administrativa suporta o estabelecimento de um vínculo negocial, ou se, pelo contrário,
apenas admite o exercício estritamente autoritário e não dispositivo do poder
discricionário.

Para Mark Kirkby, a incompatibilidade desta relação jurídico-administrativa pode


ocorrer em três situações:

→ Quando estejam em causa relações em que o princípio da igualdade imponha a


consideração de critérios fortemente objetivos (ex.: avaliação de alunos);
quando a negociação for suscetível de obviar à consecução do objetivo do
procedimento (ex.: procedimentos disciplinares/sancionatórios); quando a
decisão for totalmente desfavorável para o interessado.

Acordos endoprocedimentais à luz do código

De acordo com o art.57º do Código, o acordo endoprocedimental apresenta quatro


características essenciais:

A finalidade

Os acordos endoprocedimentais podem ter duas finalidades:


→ Acordo endoprocedimental de conteúdo estritamente procedimental – acordar
termos do procedimento;
o estes acordos definem questões que se revelem controvertidas para as
partes no âmbito do procedimento sem que tenham influência direta no
conteúdo do ato administrativo final (ex.: interpretação de um conceito
indeterminado).
→ Acordo endoprocedimental de conteúdo substantivo – podem definir, parcial ou
totalmente, o conteúdo do ato administrativo que vier a pôr fim ao
procedimento em questão;
o estes acordos traduzem um “processo de autovinculação contratualizada
da decisão administrativa”, obrigando o órgão administrativo a emanar
uma decisão correspondente ao conteúdo do acordo e, por conseguinte,
determinam a abdicação da unilateralidade do exercício do poder
discricionário na configuração do ato administrativo.

A exigência da forma escrita

O requisito da forma escrita pretende conferir solenidade à figura.

A vinculatividade

Quando falamos em vinculatividade atendemos especialmente aos acordos


endoprocedimentais de conteúdo meramente procedimental, dado que correspondem
a uma concertação entre duas (ou mais) vontades; existem dois fatores que qualificam
estes acordos como verdadeiros contratos com carácter vinculativo, nomeadamente o
consenso e a bilateralidade que lhe inere.

Em qualquer dos tipos contratuais endoprocedimentais perfilados pela lei, deixa de ser
necessário o recurso aos princípios gerais de direito, mormente ao da boa-fé, para
afirmar a vinculatividade jurídica dos mesmos.

Na hipótese de tais acordos serem celebrados em momento que anda não haja absoluta
certeza do sentido da decisão final, deverão sê-lo sob reserva da manutenção dos
elementos de facto e de direito em que assentou a decisão de contratar.

Assim, as obrigações geradas pelos acordos endoprocedimentais podem recair não só


sobre a Administração como também sobre o particular.

O objeto

O objeto dos acordos endoprocedimentais de natureza substantiva consiste na


determinação, total ou parcial, do conteúdo discricionário do ato que vier a pôr fim ao
procedimento.

O objeto dos acordos endoprocedimentais de conteúdo estritamente procedimental


pode, designadamente, consistir na organização de audiências orais para o exercício do
contraditório entre os interessados que pretendam uma certa decisão e aqueles que se
lhe oponham.

→ Dizemos “designadamente” porque é um carácter meramente exemplificativo


da norma, abrindo espaço para a celebração de acordos endoprocedimentais do
mesmo tipo com objetos diversos.

Da relação entre o ato administrativo final e o acordo endoprocedimental

Existe uma relação de dependência entre o ato administrativo que põe termo ao
procedimento e o acordo endoprocedimental, por se tratar de um “ato-promessa”.

À parte dos casos analisados anteriormente, cabe analisar as situações em que a


Administração se recusa a emitir o ato prometido, seja pela alteração das circunstâncias
ou pela reponderação do interesse público. Coloca-se então a pergunta: Qual deve ser
o tratamento jurídico conferido a tais situações? Existem duas opções:

→ O particular lança mão da ação administrativa para o cumprimento do acordo,


nos termos do art.37º/1, al. a do CPTA. Neste caso, se a Administração se
encontrar em incumprimento de uma obrigação à qual se vinculou pela via de
um contrato, tem o particular o direito de exigir o cumprimento da mesma.
→ O particular recorre à ação administrativa de condenação à prática do ato
legalmente devido, nos termos do art.37º/, al. b CPTA. Neste caso existem dois
pensamentos diferentes: ou o acordo endoprocedimental não se trata de um
verdadeiro contrato, mas sim de uma mera atuação concertada entre a
Administração e o interessado, sendo o ato administrativo prometido um “ato
administrativo contratual”; ou o acordo endoprocedimental é um verdadeiro
contrato que se encontra enxertado no procedimento administrativo, razão pela
qual o ato administrativo prometido não perde essa natureza, e a decisão
negociada integra o ordenamento jurídico e externaliza os seus efeitos.

A autora Joana de Sousa Loureiro afirma que a ação administrativa de condenação


à prática de ato devido é a solução que melhor se adequa. Quer com isto dizer que
se a circunstância do contrato se extinguir pelo cumprimento da obrigação decorre
que, não sendo esta executada nos termos definidos, o contrato mantém-se em
vigor, podendo, pois, exigir-se judicialmente o seu cumprimento. Se assim é, ou seja,
se o que se visa é o cumprimento do contrato, a forma processual indicada é a ação
administrativa correspondente.

Ainda que a obrigação seja contratualmente exigível, o que deve prevalecer para
efeitos de executoriedade da mesma é, não o regime do contrato, mas o regime do
ato, porquanto este, a partir do momento em que a Administração se vincula à sua
emissão com um certo conteúdo, deve considerar-se como um “ato-promessa”.
Por fim, se o acordo endoprocedimental é, por definição, um acordo dentro do
procedimento, então naturalmente, que esse ato é devido nos termos exigidos pelo
CPA e não por decorrência de uma obrigação contratual.

Conclusões

Em conclusão, reconhece-se que estes acordos são, legalmente, mais um instrumento


que auxilia os particulares-administrados e a Administração a encontrarem a melhor
solução para cada caso: uma solução que resulte do diálogo profícuo entre as partes e
culmine num consenso.

É importante também referir que a previsão de que os acordos endoprocedimentais de


conteúdo estritamente procedimental têm carácter vinculativo é de extrema
importância para o aumento da segurança e de certeza jurídica, pondo fim às dúvidas
que por vezes se faziam sentir na doutrina sobre a vinculatividade.

Um último ponto a salientar é que o ato administrativo praticado em violação do acordo


é anulável; e a omissão do ato administrativo necessário para a eficácia do acordo é
suscetível de dar lugar a uma ação para a prática do ato devido.

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