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1 INTRODUÇÃO
Entretanto, faz-se imprescindível salientar, tal instituto não fora recepcionado a contento
dos demais juristas alemães, a exemplo de Oskar Von Bülow, o qual era opositor à
possibilidade das partes ditarem as regras do processo, vez que se se tratava, o direito
processual civil, de normas cogentes, de Direito Público, e nas palavras de Cabral,
(2016) “é uma relação pública por englobar Estado-Juiz”, sem qualquer prerrogativa de
alterabilidade dos atos processuais por vontade das partes, ademais tal tese se emanou
até a Europa, atingindo especificamente a Itália, obtendo ênfase pelo jurista italiano
Salvatore Satta. ]
Realizado todo este enredo, quanto de sua origem até em comparação aos demais
ordenamentos jurídicos, é cabal incluir o instituto ao posicionamento pátrio, e assim,
atente-se que, na verdade não há uma inovação extrema, pois que, na verdade, o aludido
instituto já era previsto no Código de Processo Civil revogado, o CPC/73, a exemplo da
cláusula de eleição de foro, que era e ainda é pactuada pelas partes dentro de uma
relação contratual.
Nesta seara, o Código de Processo Civil de 2015 inovou completamente seu texto legal
com base em alguns institutos a frente do CPC/73, pois que atualmente se pode acordar
dentro do processo cláusulas de maneira atípica, ao passo que na vigência do revogado
código, tão somente era permitido pactuar aquilo que fosse taxativamente previsto em
lei (WAMBIER; TALAMINI, 2016).
O acordo processual, também chamado de negócio jurídico processual por parcela dos
doutrinadores, visa à autonomia das partes em celebrarem as cláusulas processuais,
contudo é sabido que em certas circunstâncias, as partes do negócio processual podem
tornar tais cláusulas mais complexas, trazendo consigo a problemática do direito, em
não conseguir o órgão legislativo determinar os limites dos direitos processuais que
possam, legalmente, ser suscetíveis de inclusão na convenção do acordo processual, no
que diz respeito à atipicidade (ARAÚJO, 2017).
A melhor doutrina assevera que o acordo processual, na modalidade atípica, pode ser
celebrado com base nas situações jurídicas existentes no mundo processual, isto é,
aquilo que se versar sobre ônus, faculdades, deveres e direitos, é passível de se acordar
(DIDIER JR., 2016).
Assim sendo, segundo Hatoum, (2016, p. 50) “o art. 190 do CPC/2015 confere às partes
a faculdade de modificar e regular o procedimento, adequando-o ao caso concreto [...].”
2 DESENVOLVIMENTO
Mas o que seria a impenhorabilidade do bem de família senão um direito. Por ser um
direito as partes podem, a luz do art. 190, convencionarem sobre certa característica,
assim preceitua o Enunciado n. 257 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “O
art. 190 autoriza que as partes tanto estipulem mudanças no procedimento quanto
convencionarem sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais.”
Ora, poderes nada mais são do que os direitos pertinentes a situação jurídica que as
partes se encontram inclusas, bem como litigando. Assim sendo, da análise da
característica da impenhorabilidade do bem de família, vislumbra-se ser tal instituto um
direito, e por ser o direito uma situação jurídica, é suscetível de acordo, quanto desta
característica, no âmbito processual.
[...] Não impede que seja realizada uma sistematização perante o ordenamento
processual brasileiro na busca dos negócios típicos, que nem sempre são explicitados
pela lei processual, mas cuja natureza convencional não pode ser negada, com base na
leitura do art. 190 do CPC. (ARAÚJO, 2016, p. 758).
Por fim, para que haja o exercício da liberdade negocial e que convalide o negócio
jurídico processual, imprescindível se faz atender a dois pressupostos, quais sejam, o
pressuposto objetivo, relacionado à natureza de autocomposição do direito a ser
convencionado e o pressuposto subjetivo, pertinente à capacidade das partes em
convencionarem as cláusulas processuais e, uma vez contemplados ambos os requisitos,
a lei processual deverá permitir a convenção, tornando-a eficaz, tendo em vista aquilo
que dispõe o art. 190 CPC (WAMBIER; TALAMINI, 2016, p. 515).
2.1 AUTOCOMPOSIÇÃO
O art. 190 do CPC/15 em seu caput é claro quanto ao direito discutido nas cláusulas
processuais tendentes a admitir a autocomposição, conforme transcrito abaixo,
Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às
partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às
especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e
deveres processuais, antes ou durante o processo (BRASIL, 2016, p. 268 – grifo nosso).
Como se sabe, as partes possuem autonomia sobre o processo, bem como nas demais
situações jurídicas, embora possuírem a citada autonomia, parcela da doutrina confronta
a prerrogativa da existência de vontade dentro do processo, ainda mais quando se fala
em impenhorabilidade do bem de família, por se tratar de norma cogente, como dito no
início, sob o argumento de que as partes devem seguir o que está previsto em lei, sem
poder contraditar ou estipular o contrário.
Todavia, esse não parece ser o melhor entendimento, tendo em vista necessitar analisar
o direito que está a ser incluso nas cláusulas processuais e, ademais, cabe ao órgão
julgador a confiabilidade de conferir as cláusulas, devendo interpretá-las,
primordialmente, com ênfase na vontade das partes.
Neste sentido, quanto da autonomia da vontade, há uma certa divergência no que tange
a sua admissibilidade, e por isso,
Sustenta-se que até o presente momento não há previsão expressa acerca da restrição do
bem de família em ser objeto do negócio jurídico processual, entretanto há
entendimento jurisprudencial neste sentido, que o nega dar-lhe a constrição, todavia,
resta observar que a referida decisão fora elaborada antes mesmo da vigência do Código
de Processo Civil de 2015, constatando-se a falta do art. 190, que admite a possibilidade
de negócios jurídicos processuais atípicos, por vez, interpreta-se no sentido de se tornar
válido o ato da desconstituição da impenhorabilidade do bem de família, fazendo-se
imprescindível formar um novo entendimento, com o propósito de atuar o
posicionamento jurisprudencial em consonância as regras previstas em lei.
Ressalte-se que permanecendo dúvida quanto a matéria a ser discutida nas cláusulas
processuais, sua interpretação deve ser favorável as partes, pois que são as mais frágeis
dentro do processo, admitindo-se o negócio processual, com base no instituto do in
dubio pro libertate.
Por ora, a tese alegada pelo STJ é pacífica, porém a possibilidade de dar à constrição o
bem de família, certamente há de ganhar força, mediante a aplicação do art. 190 do
CPC/15, fazendo-se imprescindível que o aplicador do direito, isto é, o juiz, identifique
e compreenda que a vontade das partes no processo é de grande relevância, devendo
colocar de lado o motivo dos órgãos julgadores atuarem em prol das partes e julgarem
com base na inexistência de qualquer ato lesivo em decorrência do direito alegado e
fundamentado, fossilizados na percepção de protetores das partes processuais,
presumindo-se certa vulnerabilidade destas em referência ao direito propriamente dito e
pleiteado.
Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal decidiu de maneira diversa, ensejando uma
exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família, uma vez que fiador de
contrato de locação está sujeito a penhora de seu bem de família, assim segue a decisão,
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1)
CONSTITUCIONAL. PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA DO
FIADOR DE CONTRATO DE LOCAÇÃO. POSSIBILIDADE. 2) ALEGADA
CONTRARIEDADE AO ART. 5º, INC. LV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL
SE NEGA PROVIMENTO.
(STF - AI: 798668 RJ, Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento:
13/04/2011, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-083 DIVULG 04-05-2011
PUBLIC 05-05-2011 EMENT VOL-02515-02 PP-00263 – grifo nosso)
Seguindo o raciocínio, em caráter de exceção, a própria Lei 8.009/90, em seu art. 3º,
inciso V, exclui da impenhorabilidade o bem que outrora fora dado a hipoteca como
forma de garantia, isto é, quem der o bem de família a hipoteca não fara gozo do direito
de impenhorabilidade, presumindo-se ter aberto mão da garantia estendida pela lei em
específico.
A fim de dar entendimento ao instituto, hipoteca nada mais é do que uma forma de
garantia real de bem imóvel, podendo ser motivada pelo proprietário do bem. Ora, não
seria a hipoteca uma forma de acordo entre as partes, onde o devedor da relação
negocial concede o seu imóvel a penhora, com o intuito de satisfazer a dívida contraída?
Por ser uma forma de acordo, resta provado a similitude a ser aplicada ao negócio
jurídico processual atípico em comparação ao instituto da hipoteca. Cumpre ressaltar
que nas falas de Pereira (2013, p. 314) “hipoteca é direito real de garantia de natureza
civil, incidente em coisa imóvel do devedor ou de terceiro, sem transmissão da posse ao
credor.”
Assim sendo, pode o próprio devedor entregar seu bem de família a hipoteca, a fim de
dar garantia a dívida existente, tornando suscetível de penhora. Diante de tal situação,
assemelha-se a hipoteca ao instituto do negócio jurídico processual quanto da
possibilidade de dar o bem de família a constrição, fato é que o referido instituto –
hipoteca – pode-se originar através de ato convencional entre as partes, do mesmo modo
em que as partes podem discutir as cláusulas processuais.
Ainda, Pereira (2013, p. 323) continua a asseverar acerca do instituto que “constitui-se a
hipoteca por força de contrato (hipoteca convencional) [...].” Isto é, as partes mediante o
acordo de vontade podem estipular a existência da hipoteca, por meio de contrato,
assegurando-lhes o princípio da autonomia da vontade na relação jurídica.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atualmente é ironia admitir que todos os direitos são passíveis de serem objetos do
negócio jurídico processual, ainda mais aqueles que se referem à dignidade da pessoa
humana, vez que não se pode ir contra aquilo ditado como direito fundamental,
imputando o papel da doutrina e da jurisprudência delimitar o que se poderá acordar.
Por essa razão, o fato de dar à constrição o bem de família pela vontade da parte em
razão de estar diante de norma cogente, não é meio suficiente de impugnar a sua
concessão e, assim, diante da análise das citações acima mencionadas e consonantes a
súmula 549 do STJ: “É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de
contrato de locação”, a qual amplia a interpretação ao caso sob estudo, é perfeitamente
possível o inverso da teoria; isto é, sabe-se que o pacto de impenhorabilidade é admitido
pela autocomposição e, nada mais justo seria outorgar a validade ao interesse processual
da parte em ceder o seu único bem, sendo este o de família, em garantia da dívida que
veio a constituir, desde que regularmente acordado e aceitável pela parte cedente o fato
de dar-lhe o bem de família a penhora, ensejando a satisfação do interesse processual de
ambas as partes que convencionaram o processo, pois que sem elas este não aconteceria.
4 REFERÊNCIAS
ARAÚJO. Fabio Caldas de. Curso de processo civil. Tomo I. Parte geral. São Paulo:
Malheiros, 2016.
DIDIER JR. Fredie. Curso de direito processual civil. Introdução ao direito civil, parte
geral e processo de conhecimento. vol. 1. 18. ed. Salvador: JusPodivm, 2016;
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Direitos reais. Vol. IV.
21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
STRECK, L.L. et al. Comentários ao código de processo civil. De acordo com a lei nº
13.256/2016. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.