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DESAFIOS À COISA JULGADA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

1. CONCEITO E FUNDAMENTOS DA COISA JULGADA

O artigo 502 do Código de 2015 denomina coisa julgada material “a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão
de mérito não mais sujeita a recurso”, mantendo assim o conceito tradicional de que a coisa julgada é a imutabilidade
que adquirem os efeitos de direito material da sentença não mais sujeita a qualquer recurso no processo em que foi
proferida. Por esse conceito, a coisa julgada somente atinge as sentenças ou decisões de mérito, porque são elas que
dispõem sobre o direito material das partes.

E o artigo 505 também reproduz regra tradicional, segundo a qual “nenhum juiz decidirá novamente as questões já
decididas, relativas à mesma lide”, que consubstancia o fundamento jurídico da coisa julgada, qual seja o de que, ao
prover sobre o direito material do Estado, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, exteriorizando a vontade única do
Estado a respeito da postulação que lhe foi apresentada, ressalvadas as hipóteses de relações jurídicas continuativas e as
de admissibilidade da ação rescisória.

Apesar de a doutrina tradicional procurar delimitar o alcance dessa imutabilidade por meio da análise dos chamados
limites objetivos e subjetivos da coisa julgada, há inúmeras situações previstas no ordenamento processual que merecem
ser consideradas a parte, ora porque contemplam graus variáveis de estabilidade da própria coisa julgada, ora porque,
extravasando do conceito de coisa julgada, imutabilizam decisões judiciais que não versam sobre o direito material das
partes. Antonio Cabral prefere agrupar todas essas situações em conceito mais amplo de estabilidades processuais,
observando que o Código de 2015 em mais de um dispositivo se refere a essas situações fora do âmbito estrito da coisa
julgada, como nos artigos 304, 357 e 926. A ideia de estabilidade seria suficiente para analisar todos os fenômenos de
imutabilidade das decisões judiciais, como a preclusão, o chamado efeito preclusivo da coisa julgada (art. 508) e a exceptio
male gesti processus (art. 123). Referindo-se especificamente à preclusão e à coisa julgada, assevera o Autor “que os dois
institutos não podem ser despropositadamente diferenciados porque possuem mais características em comum que
diferenças”. Esse entendimento é compartilhado por Jordi Nieva-Fenoll, para quem qualquer decisão judicial pode
revestir-se de coisa julgada, desde que o seu conteúdo se revista de estabilidade.

Já Chiovenda, criticando Hellwig, considerava equivocada a redução da coisa julgada a um fenômeno meramente
processual1. Essa visão redutora deprecia a sua milenar função política modernamente materializada na sua
caracterização como garantia do direito fundamental à segurança jurídica, e descurando toda a construção teórica, que
deve ser desenvolvida para resguardá-la, e que vai muito além da simples preservação da celeridade e da eficiência na
administração da Justiça e que deve adentrar à análise dos requisitos que devem ser exigidos para que o direito material
judicialmente reconhecido se torne imutável, sob que condições esse direito material se impõe às partes ou a terceiros
de modo indiscutível e em que medida esse direito material pode ser ignorado ou reapreciado. Não se trata simplesmente
de questão que se restringe à imutabilidade de um ato processual. No Estado de Direito fundado na supremacia da
dignidade humana e na eficácia concreta dos direitos fundamentais, a coisa julgada é instrumento essencial para a
definição do conteúdo dos direitos subjetivos de cada um e para a solução definitiva das controvérsias por órgão
independente e imparcial em consonância com essa definição. E mais do que isso: a coisa julgada é garantia de que a
atribuição pela decisão judicial do bem da vida disputado entre as partes resultou de processo em que ao vencido foram
assegurados amplamente o contraditório e o exercício do direito de defesa. Nessa perspectiva as exigências de
racionalização e de aperfeiçoamento da atuação da máquina judiciária e as regras processuais que por meio de
formalidades, prazos, preclusões e outros requisitos procuram dar eficiência e celeridade à busca daqueles objetivos com
eles não podem confundir-se, nem a eles podem equiparar-se ou sobrepor-se. Diferente poderia ser a conclusão num
sistema político que pouca ou nenhuma importância desse à tutela dos direitos individuais ou que sistematicamente a

1
CHIOVENDA, Giuseppe. La acción en el sistema de los derechos. Santiago de Chile: EDEVAL. 1992. Nota 75. P. 188-191. Não é
outra a opinião do mestre italiano nos seus Principii di diritto processuale civile (3ª ed. revista e notavelmente aumentada. Napoli: N.
Jovene. 1923. P. 145 e 910-911) nos quais leciona que o julgado produz uma novidade jurídica, que não se confunde com a preclusão,
pois enquanto esta é um fenômeno interno do próprio processo, aquela é de observância obrigatória em qualquer outro processo “perché
il bene riconosciuto dalla sentenza deve appunto valere como tale fuori del processo”. E acrescenta (p. 911-912): “Tutte le sentenze su
questioni dunque che non hanno importanza nel commercio giuridico, fuori del processo, possono bensì diventare definitive, passare
in giudicato in senso formale, ma non in senso sostanziale: esse chiuderanno il processo o uno stadio del processo, ma non vincoleranno
il giudice di processi futuri, cioè su domande nuove”.
1
submetesse aos superiores interesses do próprio Estado, sistema esse que seria visceralmente incompatível com o estágio
de desenvolvimento humano atingido pelo mundo ocidental após o término da II Guerra Mundial.

Com essa ênfase, Rogério Lauria Tucci, invocando os ensinamentos de Eliézer Rosa, Moacyr Amaral Santos e Paula Batista,
referia-se à coisa julgada substancial, como “um elemento indispensável de ordem pública, com o mesmo fundamento
que a autoridade das leis”.

Ao contrário das preclusões, de preponderante relevância endoprocessual, a coisa julgada é elemento essencial de
qualquer sistema jurídico. Como observa Tercio Sampaio Ferraz Junior, referindo-se ao sistema jurídico, o “resultado do
funcionamento do sistema é impedir a continuação de conflitos, pondo-lhes um fim”. Portanto, a coisa julgada opera na
vida em sociedade, e não apenas dentro dos processos judiciais em que se forma.

2. A FRAGILIDADE DA COISA JULGADA NO BRASIL

Conforme já observei anteriormente, a coisa julgada no direito brasileiro sempre foi, e continua sendo, muito frágil. As
razões políticas ou culturais dessa fragilidade são várias. De início, pode apontar-se a tradição romana, de julgamentos
privados, que levava o legislador a simplesmente ignorar a força do julgado nulo, considerado inexistente, que sempre
podia ser atacado por uma ação subsequente, como a infitiatio iudicati ou a restitutio in integrum. Em verdade, conforme
demonstrou Calamandrei no seu incomparável estudo sobre a Cassação Civil, foi o Direito Germânico que instituiu o
princípio da validade formal da sentença, com eficácia erga omnes e não sujeita nem mesmo a qualquer impugnação
recursal, como consequência do costume dos julgamentos em assembleias populares e, num segundo momento, em
escabinados igualmente de composição popular.

Mas o Direito reinol, nos confins mais longínquos da Península Ibérica, onde foi mínima a influência do Direito Germânico,
preservou nas Ordenações a tradição romana da sentença nula como sentença inexistente, ou sentença nenhuma, na
expressão do título 75 do Livro III do Código Filipino, que não precisava de qualquer ação para rescindi-la.

Somente em 1843, já independente o Brasil, é que foi criada formalmente em Portugal a ação rescisória, em seguida no
Brasil incorporada ao Regulamento 737 de 1850, como mais um meio de arguição de nulidades da sentença, e facultando
o desfazimento do julgado por qualquer violação de direito expresso, mesmo que a questão em que se fundamentasse a
ação tivesse sido amplamente debatida e decidida em todas as instâncias do processo de que havia resultado a sentença.

De lá para cá, a evolução foi mínima. Na verdade, a escancarada vulnerabilidade da coisa julgada pela ação rescisória, que
não tem paralelo em nenhum sistema processual moderno, subsiste até hoje com a complacência da doutrina, à exceção
da luminosa tese de Luis Eulálio de Bueno Vidigal, que procurou limitar a violação de literal disposição de lei apenas às
leis de direito material.

As únicas limitações impostas ao instituto no curso do tempo, igualmente sem uma mais detida reflexão teórica, foram
as reduções do prazo para cinco anos no Código Civil de 1916 e para dois anos nos Códigos de 1973 (art. 495) e de 2015
(art. 975), e a adoção pelo Supremo Tribunal Federal do atécnico verbete da Súmula n. 343, que jazeu como um cadáver
durante décadas e de repente ressuscitou para a matéria infraconstitucional, mas não para a matéria constitucional, com
incontáveis implicações em relação à segurança jurídica e ao hoje sustentado princípio da confiança legítima.

A impropriedade do prazo, ao mesmo tempo muito longo e muito curto, e que o legislador brasileiro insiste em ignorar,
e o pouco prestígio de que goza a coisa julgada entre nós têm levado a situações iníquas e até mesmo, de certo modo,
surpreendentes: de um lado, a suspensão da execução de sentenças transitadas em julgado através de liminares e
cautelares em ações rescisórias (CPC de 2015, art. 969), a recusa do seu cumprimento, com o oferecimento de
impugnação para rediscutir a justiça da decisão pela superveniência de decisões do STF em matéria constitucional (CPC
de 2015, arts. 525, § 12, e 535, § 5º), e a criação legal ou pretoriana de ações autônomas de impugnação; de outro lado,
a insatisfação com uma coisa julgada iníqua, que não encontra limites para corrigir sentenças injustas, contrárias à
verdade objetiva ou inconstitucionais, mas que o faz somente para alguns, e não para todos.

Na verdade, a fragilidade da coisa julgada no Brasil tem outras causas, além da justificação histórica. Ainda não nos
desprendemos do paternalismo herdado da colonização portuguesa. O juiz, como outrora o rei, é soberano, lei animada

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sobre a terra, lei acima das leis, que pode conceder ilimitadamente a qualquer súdito a graça da reparação da injustiça,
mesmo quando cometida por outros juízes.

De outro lado, a fragilidade da coisa julgada parece inevitável para corrigir erros de uma Justiça sem credibilidade, afogada
no excesso de causas, que justifica a perda da qualidade e da confiabilidade das suas decisões e propicia que se consolidem
julgamentos iníquos.

Aliás, o Estado brasileiro, contraditoriamente, tem demonstrado um grande interesse na fragilização da coisa julgada
quando esta contraria os seus interesses, não só para eternizar a rolagem da sua moratória, que a Justiça penosamente
administra, desvirtuando o papel do Judiciário de guardião dos direitos dos cidadãos, mas também porque a falência do
aparelho burocrático estatal e as deficiências da sua defesa judicial têm contribuído para a consolidação e execução de
decisões judiciais absurdas, frequentemente noticiadas, como as que teriam determinado o pagamento de indenização
pela desapropriação de imóvel já anteriormente desapropriado, ou o pagamento de correção monetária sobre débito já
anteriormente corrigido, entre outras. Paradoxalmente, para atender ao clamor de muitos, especialmente os juízes,
contra o excesso de litigiosidade, o excesso de processos e de recursos, e de grande parte da sociedade contra a
morosidade da Justiça, nas causas em que as decisões judiciais não atingem diretamente a interesses do próprio Estado,
este sustenta uma legislação que pretende impor a coisa julgada mesmo a decisões oriundas de procedimento em que o
vencido não teve ampla possibilidade de defender-se em contraditório. As opções de política legislativa admissíveis a
respeito da coisa julgada não podem afrontar as garantias fundamentais do processo justo, como também não podem
dar a decisões meramente instrumentais de alcance restrito ao processo em que foram proferidas a mesma estabilidade
das decisões que atribuem a um das partes o bem da vida para dele usufrui-lo, sem mais poder ser molestado pelo
adversário que perdeu a demanda.

O Código de 2015 traz à baila inúmeras questões que sugerem uma reflexão sobre os pilares da teoria da coisa julgada,
tanto nos seus limites objetivos, quanto nos limites subjetivos, bem assim no reexame dos seus requisitos essenciais:
decisão definitiva de mérito, não mais sujeita a recurso no processo em que foi proferida, resultante de processo em que
foram assegurados ao vencido o mais amplo exercício do direito de defesa e do contraditório.

Este ensaio não pretende exaurir a análise de todas as questões relativas à coisa julgada no Código de 2015, mas apenas
desenvolver uma breve reflexão sobre alguns pontos que nos parecem mais importantes, a partir das premissas até aqui
expostas.

3. COISA JULGADA DE DECISÕES TERMINATIVAS?

A inexistência de coisa julgada nas decisões sobre matérias exclusivamente processuais, sejam elas interlocutórias ou
terminativas, é regra tradicional acolhida sem maiores discussões nos sistemas da civil law, justamente em razão da
restrição da sua eficácia ao próprio processo em que são proferidas. Para alguns haveria, no máximo, coisa julgada formal,
que, na verdade, não é coisa julgada alguma, porque a coisa julgada, a res, nada mais é do que o mérito da causa, ou seja,
o próprio direito material disputado pelas partes.

O artigo 486 do Código de 2015 explicita essa regra, tal como o fazia o artigo 268 do Código de 1973. O diploma anterior,
sem se referir à noção de coisa julgada, dispunha, entretanto, que a decisão terminativa que extinguisse o processo sem
resolução do mérito, com fundamento em perempção, litispendência ou coisa julgada, obstaria a que o autor intentasse
novamente a mesma ação. No caso de perempção (Código de 1973, art. 268, parágrafo único; Código de 2015, art. 486,
§3º), extingue-se o direito de promover a pretensão de tutela do direito mediante o exercício do direito de ação. Extingue-
se a acionabilidade. Mas a pretensão de direito material sobrevive e pode ser veiculada em qualquer outro processo no
exercício do direito de defesa. Não há, portanto, coisa julgada sobre o direito material. No caso de litispendência é o
direito de instaurar processo que tenha por objeto a mesma pretensão de direito material que já é objeto de outro
processo pendente que se extingue enquanto subsistir o processo anterior, pela proibição de bis in idem. Não se extingue
a pretensão de direito material, que já está sendo veiculada no processo anterior, que poderá ser reiterada se o processo
anterior for extinto e que também poderá ser reiterada em novo processo se neste o juízo que reconhecer que a decisão
que extinguiu o processo anterior, estava equivocada. Como não há julgamento do mérito, e portanto não há coisa
julgada, o novo juízo não está vinculado ao julgamento da litispendência pelo juízo do processo anterior. O mesmo ocorre
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na hipótese de extinção do processo com fundamento em coisa julgada anterior. Extingue-se o novo processo, mas esta
decisão não produz coisa julgada quanto à existência de coisa julgada, porque se trata de matéria exclusivamente
processual para efeito de admissão de um novo processo. Nada impede que em processo futuro, venha o juízo a
reconhecer a inexistência da coisa julgada acolhida no julgamento anterior, que não o impedirá de dar seguimento ao
novo processo.

O Código de 2015 manteve essa mesma disciplina em relação à litispendência, nos §§ 1º e 3º do artigo 486, mas no
referido § 1º desse artigo a estendeu a outras hipóteses, determinando que “no caso de extinção em razão de
litispendência e nos casos dos incisos I, IV, VI e VII do art. 485, a propositura da nova ação depende da correção do vício
que levou à sentença sem resolução do mérito”.

Essas novas hipóteses são as de indeferimento da petição inicial, ausência de quaisquer pressupostos processuais, falta
de condições da ação, alegação de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer a sua competência.

Igualmente não há coisa julgada, porque inexiste julgamento da pretensão de direito material. Até mesmo nas hipóteses
de ausência de legitimidade ou de interesse processual, não há apreciação da pretensão de direito material, mas apenas
da sua inviabilidade in statu assertionis. Assim, não apenas na hipótese de correção do vício que determinou a extinção
do processo anterior, mas também se o autor, em novo processo, lograr convencer o juízo de que houve erro na extinção
anterior, esta decisão não vincula o julgamento posterior.

Mas o novo Código, no artigo 966, § 2º, admite ação rescisória contra esse tipo de decisão, nestes termos:
“Art. 966 (...) § 2º Nas hipóteses previstas nos incisos do caput, será rescindível a decisão transitada em julgado que, embora
não seja de mérito, impeça: I – nova propositura da demanda;

Antonio Cabral, embora reconhecendo a inexistência de coisa julgada nesses casos, tendo em vista que o artigo 502
vincula a res judicata ao julgamento de mérito, sendo a previsão de ação rescisória uma simples opção de política
legislativa, sustenta a existência de uma preclusão extraprocessual.

Concordo que não haja coisa julgada, porque não se trata de decisão de mérito, mas daí decorre que a decisão não tem
eficácia extraprocessual e, como tal, não impede que em outro juízo venha a mesma questão a ser apreciada em sentido
diverso, o que tornaria absolutamente desnecessária a ação rescisória. Ocorre que, embora versando sobre questão
exclusivamente processual, esse tipo de decisão com frequência impõe a uma das partes o que alhures denominei
prestações ou sanções de natureza processual, como os encargos da sucumbência e a multa ou indenização por litigância
de má-fé que, embora a sua origem processual, criam direitos subjetivos materiais exercitáveis ou exigíveis fora do
processo em que foram criados. Para anular ou rescindir esse tipo de decisão e, assim, suprimir tais prestações, é que o
interessado deverá manejar a ação rescisória.

Para eliminar o impedimento à repropositura da demanda, a ação rescisória prevista nesse dispositivo é apenas mais um
meio, o que não impedirá que o autor, em nova postulação junto ao juízo de primeiro grau, convença o julgador de que
a sua postulação não incorre em qualquer dos vícios enumerados no § 1º do artigo 486. Mas ainda que a rescisória fosse
o único meio, não há coisa julgada, porque não houve julgamento sobre o direito material e a decisão obstativa nada
disse sobre a vida das pessoas, mas apenas sobre o processo.

4. A IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO

Aperfeiçoando dispositivo introduzido no Código de 1973 como artigo 285-A (Lei n. 11.276/2006), o artigo 332 do Código
de 2015 permitiu que o juiz proferisse liminarmente sentença de mérito de improcedência do pedido, antes mesmo da
citação do réu, em diversos casos em que, não havendo controvérsia sobre matéria de prova, a questão de direito já
estiver definida por algum tribunal superior em sentido desfavorável ao proposto pelo demandante, bem como nas
hipóteses de imediata constatação da prescrição ou da decadência.

Confrontado esse dispositivo com o artigo 502 do Código, que define a coisa julgada material como “a autoridade que
torna imutável e indiscutível a sentença de mérito não mais sujeita a recurso”, pareceria lícito concluir que, esgotados ou

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não interpostos todos os recursos cabíveis, as decisões proferidas com fundamento no artigo 332, sendo decisões de
mérito, adquiririam a imutabilidade característica da coisa julgada material.

Entretanto, como eu já tive oportunidade de observar em dois trabalhos anteriores, além dos dois requisitos previstos no
referido artigo 502, por força das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, a formação da coisa julgada
material exige um terceiro requisito, que a decisão tenha resultado de cognição exaustiva.

A coisa julgada não é meramente uma criação do legislador. É uma garantia do direito fundamental à segurança jurídica
dos direitos reconhecidos por decisões judiciais em que às partes que a ela ficam submetidas tenham sido plenamente
assegurados o contraditório e a ampla defesa, em que as partes tenham tido plena oportunidade de discutir as
proposições fáticas e jurídicas que lhes são desfavoráveis, de demonstrar a sua insubsistência e em que o julgador tenha
sobre todo esse material exercido adequada cognição, traduzida na fundamentação analítica da sua decisão.

Não se nega que a ânsia de celeridade da sociedade moderna exige que o legislador regule procedimentos de cognição
sumária para, com menos tempo, menor custo e menos trabalho, a Justiça possa rapidamente dar vazão ao seu enorme
volume de trabalho. Mas é preciso reconhecer, por outro lado, que decisões resultantes da sumarização da cognição são
mais vulneráveis, estão mais sujeitas a erro e, assim, não podem adquirir a mesma imutabilidade daquelas que foram
proferidas após ampla discussão e exaustiva cognição.

Tutelas de urgência, ações monitórias, juizados especiais, são alguns exemplos de institutos plenamente consolidados no
processo civil moderno, de que resultam decisões irrecorríveis decorrentes de limitações cognitivas. Esse fenômeno
também se dá no julgamento liminar de improcedência. Somente existem dois modos de conciliar esses institutos com a
eficácia concreta das garantias constitucionais do processo: ou expungi-los do ordenamento jurídico, o que implicaria em
proibir a sua utilização com graves prejuízos para a administração da justiça e para a própria tutela de muitos interesses
juridicamente relevantes; ou admitir que as decisões deles resultantes não estejam sujeitas à coisa julgada, ou melhor,
que não estejam sujeitas à mesma coisa julgada das decisões resultantes de cognição exaustiva, comportando, conforme
o tipo de insuficiência cognitiva, ação anulatória ou ação revisional.

Como tenho sustentado, se interpretado como regulador de uma sentença de mérito apta a gerar coisa julgada no sentido
geralmente aceito, o artigo 332 do Código de 2015 é flagrantemente incompatível com a garantia constitucional do
contraditório, pois nem o autor nem o réu são ouvidos antes da sentença sobre o fundamento do indeferimento da
petição inicial. Se não se pode afirmar que o réu seja prejudicado por esse tipo de decisão, o autor francamente o é,
porque lhe é cerceado o direito, integrante da garantia do contraditório, de demonstrar, mediante todos os meios legais,
que tem razão, mesmo que o juiz, prima facie, assim não entenda. Refiro aqui a lição de Nicolò Trocker, comentando o
acórdão Osman (1999) da Corte Europeia de Direitos Humanos, que elucida o aspecto do contraditório a que denomina
de diritto al giudizio, consistente não apenas no direito ao provimento conclusivo final, mas a todo o iter procedimental
que enseja amplamente a cada uma das partes a mais extensa possibilidade de fazer uso de todas as oportunidades
facultadas pelo procedimento para tentar convencer o juiz da procedência das suas alegações. Esse aspecto do
contraditório está consagrado categoricamente nos artigos 9º e 10 do Código de 2015, sem qualquer ressalva quanto ao
julgamento liminar de improcedência, dispondo que “não se proferirá decisão contra uma das partes sem que esta seja
previamente ouvida” e que “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito
do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar”. Todavia, escapando da literalidade do dispositivo,
parece-me perfeitamente possível dar-lhe uma interpretação conforme à Constituição, no sentido de que a decisão nele
prevista não constitui efetiva resolução do mérito, mas decisão que prima facie proclama a inviabilidade do julgamento
do mérito em face da aparente contrariedade à ordem jurídica, tal como proclamada pelo enunciados de súmulas e
decisões de tribunais nele enumerados. Nesse sentido, trata-se de verdadeira decisão terminativa de extinção do
processo por falta de interesse de agir, de eficácia exclusivamente endoprocessual, vinculando apenas o juízo que a
proferiu no processo em que a proferiu, não impedindo que em outro processo o mesmo ou outro juiz venha a adotar
entendimento diverso.

Não pode ser outra a interpretação a ser dada ao §1º do artigo 332, que igualmente prevê o julgamento liminar de
improcedência se o juiz verificar desde logo a decadência ou a prescrição. Cabe observar, por oportuno, quanto à
prescrição, que o legislador se referiu apenas à prescrição de direitos não patrimoniais, porque, nos termos do artigo 191

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do Código Civil, a prescrição de direitos patrimoniais é renunciável, o que impede o juiz de pronunciá-la antes da citação
do réu, subtraindo a possibilidade de que este, no prazo de resposta, venha a renunciá-la.

5. A TUTELA DA URGÊNCIA E DA EVIDÊNCIA

Na disciplina da tutela da urgência e da tutela da evidência, o Código de 2015 enfatizou com propriedade a sua
provisoriedade, restringindo a sua eficácia ao processo em que foi proferida, no qual pode a qualquer tempo ser revogada
ou modificada (art. 296). A provisoriedade é inerente a essas modalidades de provimento, tendo em vista a sua
acessoriedade em relação a uma outra modalidade de tutela, cognitiva ou executiva, a que sempre está vinculada, o que
exclui a eventual possibilidade de vir a adquirir a imutabilidade da coisa julgada.

Entretanto, dois dispositivos do Código de 2015 suscitam reflexão a respeito de eventual imutabilidade da tutela de
urgência, dispositivos esses herdados do Código de 1973 que poderiam ter merecido redação mais adequada para evitar
entendimentos errôneos que a seu respeito ainda perduram. São os dispositivos constantes dos artigos 309, parágrafo
único, e 310.

O primeiro parece vedar a renovação da medida cautelar antecedente que, depois de concedida, tenha caducado por
algum dos motivos do artigo 309. O segundo prescreve que o indeferimento da medida cautelar antecedente com
fundamento em prescrição ou decadência impediria que o autor formulasse o pedido da ação principal.

Reproduzindo o disposto no parágrafo único do artigo 808 do Código de 1973, o parágrafo único do artigo 309 do Código
de 2015 somente permite a reiteração por novo fundamento de medida cautelar que tenha caducado. Sigo considerando
inconstitucional essa limitação irrazoável ao direito de acesso à Justiça. Tanto a medida indeferida, como a que tenha
anteriormente perdido eficácia por qualquer motivo, não pode deixar de ser novamente examinada e concedida se
concorrerem com atualidade no momento em que a medida é novamente requerida o fumus boni juris e o periculum in
mora. A regra aqui criticada é justificada na boa fé e na conveniência de dar certa estabilidade à relação jurídica entre as
partes antes da decisão final da causa principal. Entretanto, não pode tornar-se obstáculo à obtenção de tutela cautelar
ou antecipada a quem demonstre dela necessitar em face de um perigo atual, pouco importando se idêntico
requerimento foi anteriormente concedido e caducou.

O artigo 310, que trata da independência entre a tutela cautelar e o julgamento do pedido principal, salvo no caso de
indeferimento daquela com fundamento em decadência ou prescrição, indubitavelmente se aplica tanto à tutela
antecedente, quanto à incidente. Daniel Mitidiero, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart sustentam que há
coisa julgada material sobre a improcedência do pedido principal, tendo em vista a declaração na medida cautelar da
decadência ou da prescrição. Marinoni e Arenhart restringem a aplicação do dispositivo à tutela cautelar antecedente,
com fundamento na celeridade e economia. Igualmente indefensável me parece o dispositivo do ponto de vista
constitucional, portador de irremediável contradictio in terminis. Se em razão da urgência a cognição na tutela cautelar
se funda necessariamente em cognição sumária, parece-me óbvio que dela não possa resultar coisa julgada, ou seja,
imutabilidade que pressupõe necessariamente cognição exaustiva. O requerente formula um pedido provisório e recebe
em resposta o julgamento definitivo da improcedência de um futuro pedido definitivo que ainda não formulou. Há
violação flagrante da inércia da jurisdição, do contraditório e da ampla defesa no sentido já exposto linhas acima. Se nem
a apreciação da questão prejudicial suscitada em processo de conhecimento de procedimento comum adquirirá a
imutabilidade da coisa julgada se não tiver efetivamente existido contraditório prévio e efetivo, nos termos do artigo 503,
muito menos pode atingir tal estabilidade a apreciação de questão de direito material, que não é prejudicial, mas mera
preliminar de mérito, veiculada em procedimento essencialmente caracterizado pela sumariedade cognitiva.

6. A ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE

O Código de 2015, não adotou, como eu gostaria, a conservação da eficácia provisória da medida antecedente,
independentemente da formulação do pedido ou da ação principal, como alguns ordenamentos europeus já
estabeleceram, prevendo apenas, em dispositivo de redação precária (art. 304), a estabilização da tutela antecipada de
urgência concedida em caráter antecedente, se da decisão que a conceder não for interposto pelo requerido o recurso
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de agravo de instrumento. Não se aplica esse dispositivo à tutela de evidência, pois esta é sempre incidente, não
antecedente. Assim, nela nunca ocorrerá estabilização da tutela provisória.

O § 6º do referido artigo 304 proclama que “a decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos
respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma
das partes, nos termos do § 2º deste artigo”.

Os §§ 2ᵒ a 5ᵒ do mesmo artigo deixam claro que somente por meio dessa nova demanda poderá ser anulada, revogada
ou modificada a tutela antecipada estabilizada. Assim, nessa hipótese, de tutela antecipada antecedente estabilizada nos
termos do artigo 304, não pode o juiz de ofício revogar a qualquer tempo a tutela provisória, não se aplicando a regra
geral do artigo 296, inclusive porque, passados dois anos da ciência da decisão que extinguiu o processo, incorrerá em
decadência o direito de propor a ação revocatória (§ 5ᵒ).

O instituto, copiado de modelo italiano há muito abandonado naquele país, apresenta mais dificuldades do que a aparente
facilidade que pretendeu instaurar. Heitor Sica chega a apontar doze problemas na tentativa de equacionar a sua
implementação. Felizmente, essas dificuldades levaram ao seu abandono amplo na prática, pelos riscos que a sua
utilização pode engendrar, o que não dispensa a doutrina de tentar explicar o seu sentido, embora como mero exercício
de laboratório.

Não há coisa julgada. A decisão poderá ser revista, reformada ou anulada por ação própria no prazo de dois anos. Passados
os dois anos decai o prejudicado do direito de propor a ação de revisão, reforma ou invalidação, o que significa que o
provimento de mérito tornar-se-á imutável para não mais poder ser discutido em nenhum outro processo.

Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes parte da premissa de que a decisão que concede a tutela antecipada, como se
fundamenta apenas em fumus boni juris, não tem eficácia declaratória, o que impede que, vindo a estabilizar-se, produza
o chamado efeito preclusivo da coisa julgada (art. 508) e, em consequência, a propositura de outras demandas
incompatíveis com a decisão estabilizada.

Gouveia Filho, Peixoto e Fonseca Costa justificam a inexistência de coisa julgada, “porque o próprio procedimento não foi
construído para a produção da coisa julgada. O seu objetivo não é este, mas tão somente o de satisfação fática da parte”.
Não há coisa julgada, nem se pode admitir ação rescisória após os dois anos. Há apenas imutabilidade das eficácias
antecipadas, que impede rediscutir o dictum da decisão antecipatória, mas não impede que o direito do qual decorreu
seja rediscutido em ação própria para quaisquer outros fins.

Heloisa Leonor Buika chega a conclusão em parte semelhante e em parte contrária: a estabilização não faz coisa julgada
porque não declara a existência ou inexistência de um direito, mas mantém os mesmos efeitos, “como se tivesse ocorrido
a coisa julgada”.

Antonio Cabral sustenta que a estabilização não se confunde com a coisa julgada, porque aquela se refere apenas aos
efeitos da decisão, enquanto esta diz respeito ao seu conteúdo declaratório.

José Rogério Cruz e Tucci, tratando da questão em comentário ao artigo 502, que define a coisa julgada material, leciona
que os efeitos antecipados se estabilizam “por força do presumido conformismo das partes”. Entretanto, não produzindo
a coisa julgada material, não influem sobre a sentença a ser proferida em processo futuro entre as mesmas partes, não
comportando ação rescisória.

Não me convencem as diversas opiniões que excluem a coisa julgada da estabilização da tutela antecipada, sob o
fundamento de que essa decisão não produz efeitos declaratórios, por se fundar em simples fumus boni juris, um juízo
de mera probabilidade da existência do direito do autor. Como dizia Calamandrei, todo juízo fático (e digo eu, também
jurídico) é meramente probabilístico. A certeza do direito e dos fatos em que se fundamenta é uma ficção do ordenamento
jurídico por exigência de segurança jurídica2. As decisões provisórias sobre o pedido do autor, como as de tutela

2
CALAMANDREI, Piero. Verità e verosimiglianza nel processo civile. In Opere Giuridiche. Volume Quinto. Napoli: Morano Editore.
1972. P. 617-618: “Al momento in cui la sentenza passa in giudicato, le crisi di coscienza del giudice perdono ogni significato: la
incertezza psicologica del giudicante non lascia traccia nel giudicato, il quale crea in ogni caso la certezza giuridica. Il giudicato, una
volta staccatosi dall’alvo del processo, ha sempre la stessa resistenza giuridica, qualunque sai il grado di certezza psicologica da cui è
7
antecipada, produzem sim efeitos declaratórios, si et in quantum, de que o autor tem direito ao acolhimento do pedido.
O direito provisoriamente declarado não é a causa de pedir, mas é o direito à prestação jurisdicional invocada e deferida.
Tem essa eficácia declaratória toda decisão provisória ou definitiva que seja fruto de atividade judicial cognitiva, seja a
cognição exaustiva ou sumária quanto à profundidade. Por isso, quando se criou a figura da tutela antecipada pela Lei n.
8.952/94, dúvidas foram suscitadas quanto à possibilidade de sua utilização para o acolhimento provisório de pedidos
meramente declaratórios, dúvidas essas que logo foram dissipadas pela doutrina e pela jurisprudência. O dictum ou o
efeito da tutela antecipada é declaratório, podendo cumular esse conteúdo com o efeito constitutivo, com o efeito
condenatório ou, se quiserem, mandamental, todos eles provisórios.

Também afasto qualquer cogitação de que a coisa julgada atinja apenas o efeito declaratório da decisão judicial de mérito.
Para Liebman, a imutabilidade da res judicata atinge todos os tipos de efeitos da decisão, sejam eles declaratórios,
constitutivos ou condenatórios. O mestre qualifica de erro singular de perspectiva a identificação da declaração
jurisdicional com a autoridade da coisa julgada. A aparente divergência de Barbosa Moreira com esse entendimento era
mais ampla, pois considerava que a imutabilidade atinge a sentença como um todo e não os seus efeitos. Um
entendimento menos amplo, que restrinja a coisa julgada apenas ao efeito declaratório, levaria ao absurdo de admitir
que a modificação da relação ou situação jurídica (efeito constitutivo) pudesse ser revista, apesar da imutabilidade da
declaração do direito a essa modificação; ou que a prestação imposta ao réu (efeito condenatório) pudesse ser alterada,
apesar da imutabilidade da declaração do direito a essa prestação.

Ao dizer que a decisão que concede tutela antecipada não fará coisa julgada e que os seus efeitos de direito material
somente serão afastados por decisão na ação de revisão, reforma ou invalidação a que se referem os parágrafos
anteriores, o § 6º do artigo 304, deu a essa decisão uma imutabilidade e uma indiscutibilidade neste e em qualquer outro
processo que se assemelham à coisa julgada completa, com os mesmos limites objetivos e subjetivos, uma quase coisa
julgada, que desta difere por um elemento componente da sua essência e por uma característica daí decorrente. O
elemento componente da sua essência diz respeito ao seu defeito de origem, fruto que foi de cognição incompleta
imposta pela urgência. Falta-lhe a cognição exaustiva. A consequência que dela decorre é que, imutáveis os efeitos de
direito material do provimento antecipado pela ausência de impugnação do prejudicado no processo em que foi
proferido, tornam-se igualmente imutáveis esses efeitos em qualquer outro processo, salvo no bojo da ação própria que
tenha por objeto revisá-lo, reformá-lo ou invalidá-lo, a que se referem os §§ do artigo 304. Essa ação, mais ampla do que
a ação rescisória, desta se distingue porque, não sujeita aos fundamentos estritos do artigo 966, possibilita a alteração da
decisão por qualquer nulidade, por qualquer erro de fato ou de direito e, ainda, pela simples reapreciação dos fatos e
fundamentos que serviram de suporte à decisão impugnada. Diferencia-se, ainda, da ação rescisória por tratar-se de ação
da competência originária do juízo de primeiro grau.

Não proposta a ação de impugnação no prazo de dois anos, tal como não proposta a ação rescisória no prazo legal em
relação à coisa julgada propriamente dita, decai o prejudicado do direito de rever, reformar ou anular os efeitos do
provimento antecipado que se torna tão definitivo, como a coisa soberanamente julgada. Como recorda Cruz e Tucci,
dormientibus non sucurrit ius!

Esclareço e aqui retifico o ponto de vista manifestado no item 15.6 do volume II das minhas Instituições, no sentido de
que, decorridos os dois anos sem a propositura da ação de impugnação, “sobrevirá efetivamente a coisa julgada”, assim
como o constante do item 16.1.1 do volume III, segundo o qual, após esse prazo de dois anos, a tutela antecipada
estabilizada “poderá ser objeto de ação rescisória”.

Se a decisão for determinativa, a produzir efeitos futuros, a modificação do suporte fático consequentemente modificará
a relação jurídica entre as partes, possibilitando que em ação diversa seja revista a eficácia da decisão estabilizada (art.
505, inciso I).

Com razão, leciona Heitor Sica que, enquanto provisória, a decisão se executa provisoriamente. Entretanto, sobrevindo a
estabilização a sua execução passará a ser definitiva.

stato generato. Questa è la conseguenza che deriva dal concepire la sentenza come um atto di volontà, come un comando, che, una volta
diventato irrevocabile, si spoglia da tutte le sue premesse logiche”.
8
7. O JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DO MÉRITO

O artigo 356 do Código de 2015 instituiu o que ele próprio denominou de “julgamento antecipado parcial do mérito”,
permitindo o fracionamento da decisão do mérito da causa em mais de um momento, desde que preenchidos os
pressupostos desse artigo e do artigo 355.

Derrogou, assim, o legislador o princípio da unidade do julgamento do mérito, que era geralmente aceito pela doutrina
na vigência do Código de 1973, passando a admitir a chamada sentença parcial, na verdade uma decisão interlocutória
que, se não for modificada por meio de recurso tempestivamente interposto (art. 1.015, inc. II), não poderá ser revista ou
reexaminada no mesmo ou em outro processo, adquirindo assim a imutabilidade da coisa julgada, que a sujeitará a
execução definitiva, se condenatória, mesmo que ainda pendente sobre os demais pedidos ou demais parcelas do pedido
o processo em que foi proferida.

Mas da redação dos dispositivos do Código não se extrai com precisão o que seja o mérito da causa. Nos artigos 356 e
490, o Código vincula o mérito ao julgamento total ou parcial do pedido. Já o artigo 487 proclama que haverá resolução
de mérito quando o juiz decidir sobre a ocorrência de prescrição ou decadência, bem como se homologa o
reconhecimento do pedido, a transação e a renúncia à pretensão do autor da ação ou da reconvenção. Em vários desses
pronunciamentos o juiz decide o pedido, o que não ocorre, entretanto, com a decisão que rejeita a prescrição ou a
decadência, em que a simples rejeição não implica em procedência ou improcedência do pedido. Igualmente no artigo
503, que estende a coisa julgada à apreciação da questão prejudicial, não há necessariamente sobre esta qualquer pedido.

Também não se refere o legislador codificado a decisões sobre outras questões de direito material, outras exceções
substanciais, como pagamento, novação, compensação, cuja rejeição não implica necessariamente em julgamento do
pedido. Todas essas decisões (sobre prescrição, decadência, questão prejudicial, exceções substanciais) não são
meramente processuais, pois não incluídas no rol de decisões não de mérito do artigo 485, mas não simplesmente por
isso. São decisões de mérito porque versam sobre o direito material das partes e, no entanto, não estão contempladas
como hipóteses de julgamento antecipado parcial de mérito pelo artigo 356.

Prescrição, decadência, questão prejudicial e outras defesas indiretas de mérito poderão igualmente ser objeto de
julgamento antecipado parcial de mérito, embora não impliquem, desde logo, quando rejeitadas, a apreciação do pedido
que será objeto de posterior sentença que por outros fundamentos poderá ser acolhido ou rejeitado.

Constituem, portanto, julgamento antecipado parcial de mérito e, apesar de não concluído o processo, salvo se contra
elas interposto o recurso previsto em lei, não mais poderão se apreciadas no mesmo processo, porque são questões da
mesma lide (artigo 505), sobre as quais a jurisdição já se esgotou e que no momento em que o julgamento final do pedido
vier a adquirir a imutabilidade da coisa julgada a esta se integrarão (artigo 503) ou pelo menos não poderão mais ser
reapreciadas em qualquer outro processo como fundamento para revisão do julgamento do pedido, pelo chamado efeito
preclusivo da coisa julgada (art. 508)

8. A DECISÃO DE SANEAMENTO

O §1º do artigo 357 prescreve que, “realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar
ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se torna estável”.

Já tive oportunidade de elaborar comentário sobre esse dispositivo, que aqui sintetizo. Diferentemente do que ocorreu
na disciplina da estabilidade da tutela antecipada antecedente, em que o legislador se preocupou em declarar a
inexistência de coisa julgada, neste novo dispositivo o Código silenciou inteiramente sobre o significado da estabilidade
que, entretanto, proclama. Parece induvidoso que a decisão de saneamento é o momento próprio para a apreciação e
solução de todas as questões preliminares, bem como para a preparação da continuidade do processo de modo
organizado para que se chegue com celeridade, economia e máximo proveito à solução final da causa.

A estabilidade deve caracterizar a apreciação das matérias que foram objeto da decisão de saneamento, mas esse efeito
não é absoluto, sendo necessário flexibilizá-lo. Motivos justificáveis podem ter impedido as partes de alegar na fase
9
postulatória todas as matérias relevantes, assim como de propor todas as provas para a comprovação dos fatos alegados.
Também o juiz pode não ter observado algum aspecto relevante que transpareça posteriormente. A constatação
devidamente fundamentada de que essa estabilidade põe em risco substancialmente a validade, a eficácia ou a qualidade
da futura decisão final sobre o mérito impõe a sua flexibilização.

Essa possibilidade pode ser mais frequente em relação às decisões de organização, que são atos de gestão do processo
ditados por juízos de conveniência e oportunidade, do que em relação às decisões de saneamento, em que o juiz resolve
questões jurídicas. O saneamento deve tornar-se estável porque o processo deve sempre marchar para a frente, Mas se
houver motivo justificável, devidamente invocado como fundamento da decisão de revisão, especialmente vinculado à
busca de decisão mais justa ou de decisão que venha a suprir defeito anterior do processo que poderá vir a inviabilizar a
validade ou a eficácia da sua decisão final, deve a decisão ser revista, mesmo que não utilizado tempestivamente o recurso
contra ela cabível. É claro que há decisões irrevisíveis, como aquelas que já produziram integralmente os seus efeitos,
assim como aquelas que deferiram uma determinada prova e, sem a anuência de ambas as partes, pretendem revogar o
seu deferimento, na medida em que a revisão pode violar uma garantia fundamental, como o direito à ampla defesa. Mas
tudo isso nada tem a ver com a coisa julgada porque essa estabilidade da apreciação de questões processuais não produz
efeitos fora do processo, não impede que em outro processo entre as mesmas partes outra venha a ser a sua apreciação.

9. A RESOLUÇÃO DA QUESTÃO PREJUDICIAL

A ação declaratória incidental foi uma invenção do Código de 1973 que está em consonância com os principais sistemas
processuais europeus, cumprindo um papel muito importante na teoria da coisa julgada. No Código de 1939, a coisa
julgada não ficava restrita ao julgamento do pedido, mas se estendia também às premissas necessárias ao seu julgamento.

Desde o século XIX, há vários debates doutrinários sobre quais devem ser os limites objetivos da coisa julgada. Discute-se
se esta deve restringir-se ao julgamento do pedido ou deve alcançar também os seus fundamentos. O direito moderno,
visando a dar uma solução bem simples para a questão, ficou com a primeira hipótese e, tendo em conta o princípio da
segurança jurídica, criou a ação declaratória incidental. Como somente fará coisa julgada o que for expressamente objeto
de um pedido (CPC de 1973, arts. 468 e 469), caso as partes queiram, no curso da ação, que uma questão controvertida
que constitui pressuposto do julgamento mérito seja apreciada com força de coisa julgada, elas deverão assim requerer
de forma expressa, através de um pedido autônomo no âmbito da ação declaratória incidental. Foi, portanto, a
necessidade de clareza e segurança quanto aos limites objetivos da coisa julgada que levou o processo moderno a criar o
instituto da ação declaratória incidental.

Infelizmente, na ânsia de simplificar e agilizar o procedimento, o Código de 2015 extinguiu esse instituto. Nem o autor,
nem o réu na vigência deste último Código, têm necessidade de pedir expressamente, na reconvenção ou na réplica, a
declaração da existência ou da inexistência de direito que constitua pressuposto necessário de acolhimento ou de
desacolhimento do pedido originário. Basta que tornem tal direito controvertido e que sobre ele se trave um
“contraditório prévio e efetivo” e que sejam preenchidos os demais requisitos previstos nos §§ 1º e 2º do artigo 503, a
saber: que a questão incidente seja uma questão prejudicial; que da sua resolução dependa o julgamento do pedido
principal; que a seu respeito tenha havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia; que o juízo
tenha competência absoluta para resolver a questão incidente como principal; que no processo não existam limitações
cognitivas que impeçam a cognição exaustiva da questão prejudicial.

No meu entendimento, essa nova orientação constituiu um retrocesso. Aparentemente se simplifica a fase cognitiva, mas
desnecessariamente se transfere a incerteza sobre o que está ou não abrangido pela coisa julgada para a liquidação, o
cumprimento de sentença ou um outro momento muito posterior em outro processo, o que já analisamos em outras
oportunidades. Não cabe neste ensaio rememorar toda a dogmática do novo instituto, mas apenas acentuar que a sua
aplicação exige que a questão incidente seja uma questão prejudicial, isto é, uma questão de direito material, da qual
dependa necessariamente o julgamento do pedido e que possa constituir o pedido principal em ação autônoma. A
questão prejudicial ou foi suscitada pelo autor como componente do direito material em que se funda o pedido principal
ou foi suscitada pelo réu como exceção substancial, ou seja, como direito material que impede o acolhimento do pedido
principal. Distingue-se das demais exceções substanciais, como a novação ou a compensação, porque a própria existência
ou inexistência desse direito material pode constituir pedido principal numa ação autônoma.
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Demos dois exemplos. O primeiro, no caso de novação. O réu não pode propor autonomamente ação declaratória de
novação. Pode sim propor ação declaratória da inexistência da obrigação com fundamento na sua extinção pela novação.
A novação seria uma exceção substancial na ação de cobrança da obrigação proposta pelo credor, mas nunca constituiria
questão prejudicial. O segundo, a paternidade em relação aos alimentos. O filho pode propor autonomamente ação
declaratória da paternidade, como pode o pai propor autonomamente ação declaratória da sua inexistência. Suscitada a
questão pelo autor ou pelo réu na ação de alimentos, essa é uma questão prejudicial.

No regime do Código de 1973, a coisa julgada sobre essa questão exigia pedido expresso na inicial da ação ou na
reconvenção para que a sua apreciação na sentença pudesse adquirir a imutabilidade da coisa julgada (v. art. 5º, 325 e
470). A extensão da coisa julgada a esse fundamento do pedido ou da defesa não entrava em choque com o princípio de
que a coisa julgada se limita à apreciação do pedido, porque ato de vontade expresso do autor ou do réu provocava a sua
apreciação em caráter principal, como novo pedido cumulado ao pedido originário.

No novo Código não se exige pedido expresso, com uma única exceção, a falsidade documental, consoante o disposto nos
artigos 430 e 433. De qualquer modo, a existência ou inexistência do direito material que é objeto da questão prejudicial
e que pode ser objeto de demanda autônoma, necessariamente deve ter sido alegada como fundamento do pedido do
autor ou da defesa do réu, porque no processo civil moderno às partes incumbe trazer ao judiciário o direito material
sobre o qual este deve exercer a função jurisdicional. Não se trata, pois, de exceção ao princípio da demanda ou de
exercício ex-officio da jurisdição. Ao estender a coisa julgada à apreciação dessa questão, o Código de 2015 dispensou o
pedido expresso de uma das partes, mas não dispensou que a questão tenha sido suscitada por uma das partes. Por isso,
diferentemente do que ocorre com as demais questões de direito material que possam constituir ou que tenham
constituído fundamento do pedido ou da defesa, a apreciação da questão prejudicial, desde que observados todos os
pressupostos do artigo 503, não vai ficar sujeita apenas ao chamado efeito preclusivo da coisa julgada (art. 508), mas à
coisa julgada propriamente dita, não podendo, após a preclusão ou esgotamento de todos os recursos, ser novamente
apreciada no mesmo ou em outro processo.

Assim, se a questão prejudicial tiver sido apreciada com todos os pressupostos do artigo 503 no julgamento antecipado
parcial do mérito (art. 356), preclusos ou esgotados todos os recursos, o seu julgamento adquirirá desde logo a plena
autoridade da coisa julgada, mesmo que ainda não tenha sido definitivamente julgado o pedido principal e
independentemente de vir este a ser acolhido ou rejeitado.

Questão relevante é a de saber a quem incumbe reconhecer que a apreciação da questão prejudicial teve o caráter de
julgamento definitivo: se ao próprio juiz da causa quando sentencia ou quando decide a questão prejudicial; ou se a
qualquer outro juiz ao qual a questão da sua reapreciação vier a ser submetida, no mesmo processo, na liquidação ou
cumprimento de sentença ou em qualquer outro processo. Em relação à arguição de falsidade, o artigo 433 prescreve
que a sua apreciação como questão principal “constará da parte dispositiva da sentença”. É uma maneira simbólica de
indicar que a questão está sendo decidida em caráter principal, com aptidão a gerar coisa julgada e que, portanto, ela foi
apreciada com todos os pressupostos do artigo 503. Entretanto, se o dispositivo é uma parte específica do conteúdo da
sentença, nada exige que esse conteúdo esteja restrito a um determinado parágrafo assim formalmente denominado. E
mesmo que o juiz tenha formalmente adotado a denominação de dispositivo em qualquer período da sua decisão, nem
tudo o que ele ali aprecia integra substancialmente dispositivo.

A definição de dispositivo constante do artigo 489, inciso III, é tautológica: dispositivo é o elemento essencial da sentença
“em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem”. O problema está em saber se a apreciação
da questão prejudicial se revestiu dos requisitos para adotar a qualidade de questão principal. Como observa Humberto
Theodoro Júnior não mais subsiste o mito de que somente o dispositivo da sentença faz coisa julgada: “Toda resolução
de questão principal feita pela decisão de mérito assume força de lei (art. 503), entre as partes, tornando-se no devido
tempo imutável e indiscutível (art. 502), e por consequência, impedirá que qualquer juiz volte a rejulgá-la (art. 505), entre
os mesmos litigantes (art. 506)”.

Em verdade, esse não é um problema novo. A respeito de qualquer sentença pode surgir essa dúvida, se determinada
questão foi apreciada como questão principal ou como fundamento do pedido ou da defesa. Se o próprio julgador tiver
se debruçado expressamente sobre a questão, reconhecendo que a apreciação da questão tem caráter principal e
examinando de que modo considerou preenchidos todos os pressupostos do artigo 503, este pronunciamento, em

11
princípio, como tal deverá prevalecer, porque em nenhum outro momento, este ou qualquer outro julgador estará em
condições mais propícias a avaliar o preenchimento dos referidos pressupostos. Mas não se pode excluir, desde logo que,
na omissão do juiz no momento do julgamento da questão prejudicial ou apesar do seu pronunciamento formal sobre a
definitividade da sua apreciação, venha a matéria a ser reapreciada em outra fase do mesmo processo ou em outro
processo e que então o desfecho venha a ser diverso.

Uma outra questão relevante é a de saber se o autor na réplica ou o réu na contestação, tal como na ação declaratória
incidental do Código anterior, podem pedir que a questão prejudicial seja decidida em caráter principal. Fredie Didier Jr.
admite essa hipótese, apontando-a como mais uma exceção à desnecessidade de ação declaratória incidental. Parece-me
evidente que tudo o que o juiz pode decidir de ofício ele pode decidir a requerimento da parte. Mas o requerimento
expresso da parte não é necessário, basta a alegação da questão, como já afirmamos, e, portanto, não tem o réu interesse
em propor reconvenção declaratória como ação autônoma, como sugere o Autor. A relevância da questão tem outro
sentido, qual seja, a de saber se a propositura do pedido declaratório pelo autor ou pelo réu de apreciação principaliter
da questão prejudicial vai dispensar a autoridade de coisa julgada do seu julgamento dos pressupostos do artigo 503, §§
1º e 2º, em especial, a verificação concreta de contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia do réu,
assim como se houver limitações cognitivas ou probatórias. Parece-me que nesses casos não se aplicam os parágrafos do
artigo 503, que tratam, apenas das hipóteses em que a questão prejudicial não foi suscitada como questão principal, mas
apenas como questão incidente, integrante dos fundamentos do pedido ou da defesa. Se o autor cumulou na inicial dois
pedidos, sendo um prejudicial ao outro, como, por exemplo, a declaração de paternidade e a condenação em alimentos,
na verdade ocorre uma cumulação de duas ações, que deverá observar as exigências do artigo 327. Se o réu ofereceu
reconvenção declaratória da inexistência de paternidade em ação de alimentos, vai sujeitar-se aos pressupostos da
reconvenção (conexão, unidade de procedimento e identidade de competência absoluta).

Merece menção a respeito da coisa julgada da questão prejudicial a sua inaplicação nos casos de revelia e de limitações
probatórias e cognitivas (art. 503, § 1º, inc. II, e § 2º). Emerge claramente dessas disposições a associação da ideia de
contraditório efetivo à de cognição exaustiva, na linha que temos sustentado, de que a plena coisa julgada não é
compatível com limitações cognitivas, devendo o ordenamento jurídico graduar a estabilidade das decisões judiciais e a
sua vulnerabilidade a ações autônomas de impugnação de acordo com a maior ou menor profundidade da cognição de
que resultaram. Esse entendimento já manifestamos acima, bem como em trabalhos anteriores aqui mencionados. Por
outro lado, no citado inciso do § 1º, pela primeira vez o legislador reconhece que na decisão resultante de revelia a
cognição não é exaustiva, ou seja, não é a ideal e que, portanto, a autoridade da decisão não pode ser a mesma da decisão
que resultou de processo em que o réu amplamente se defendeu. Entretanto, essa distinção o legislador não faz nos
dispositivos em que trata especificamente da revelia (arts. 344 e 345).

Quanto às limitações probatórias, tivemos oportunidade de analisá-las largamente e de tentar sistematizá-las em


trabalhos anteriores ao Código de 2015 em argumentos sintetizados na 3ª edição do volume II das nossas já citadas
Instituições, que, lamentavelmente, de nada serviram para abrir os olhos do legislador para o anacronismo da sua
disciplina no nosso direito positivo.

Quanto à revelia, a solução nada ideal é muito simples: de um modo geral ela não afeta a coisa julgada, salvo a da questão
prejudicial. Quanto às limitações cognitivas e probatórias, à falta de disciplina legal adequada, inclusive quanto às
respectivas consequências, a ressalva do § 2⁰ obriga a avaliá-las à luz da noção de contraditório efetivo. Reporto-me ao
que afirmei alhures:
“Parece-me que para evitar que no futuro possa surgir qualquer dúvida sobre a extensão da coisa julgada à questão prejudicial
se avalie com muito rigor o preenchimento do pressuposto do “contraditório prévio e efetivo”, que significa que deve uma das
partes ter categoricamente afirmado a existência do direito que constitui pressuposto necessário do julgamento do pedido e
que deve a outra ter também categoricamente negado a existência desse direito, bem como que, sobre a existência desse
direito e sobre os fatos que gerariam a sua existência ou a sua inexistência, tenham tido as partes a mais ampla e efetiva
possibilidade de formular alegações, propor e produzir provas e que toda essa ampla matéria cognitiva tenha sido
exaustivamente apreciada pelo juiz na sentença . A inércia ou omissão de uma das partes, que não impugne a existência desse
direito ou a verdade dos fatos de que ele resulta, não é suficiente para caracterizar o contraditório efetivo”.

12
10. EXTENSÃO DA COISA JULGADA A TERCEIROS

Diversamente do que dispunha o Código de 1973 no artigo 472, o Código de 2015 no artigo 506, embora repetindo que a
sentença faz coisa julgada às partes e que não prejudica a terceiros, não mais afirma que a sentença não beneficia a
terceiros. Esse artigo se completa com o preceito constante do artigo 274 do Código Civil, com a redação do artigo 1.068
do Código de Processo Civil de 2015, segundo o qual o “julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os
demais, mas o julgamento favorável aproveita-lhes, sem prejuízo de exceção pessoal que o devedor tenha direito de
invocar em relação a qualquer deles”.

Dispositivos tão singelos parecem à primeira vista não exigir maior esforço para desvendar o seu alcance. Entretanto,
quanto ao tema neles versado, relativo aos chamados limites subjetivos da coisa julgada, abundante doutrina tenta
equacionar todas as situações por ele abrangidas, muitas vezes pressionada pela preocupação, supostamente fundada na
boa-fé, de que qualquer um que tenha tido a possibilidade de fazer valer os seus argumentos no processo de que resultou
a sentença, não deve ter mais a possibilidade de questionar o que ficou decidido. Parece-me indispensável descobrir os
fundamentos garantísticos desse dispositivo e a partir daí simplificar a sua compreensão e o seu alcance. De um lado, ele
protege o sujeito que tenha interesse numa determinada relação jurídica de que não sofrerá qualquer prejuízo da decisão
judicial sobre essa relação jurídica, se não tiver sido parte no processo de que resultou a decisão e, portanto, se não tiver
tido a possibilidade ampla de defender previamente o seu interesse sob contraditório.

De outro lado, os dispositivos determinam o seguinte: aquele que, em processo judicial no qual desfrutou da mais ampla
defesa sob contraditório, tiver sofrido decisão desfavorável à existência do seu direito material ao bem disputado, terá
de arcar com as consequências dessa decisão não apenas em relação ao seu adversário na demanda, mas também em
relação a qualquer outro co-titular do direito reconhecido na sentença, que dele poderá exigir o seu cumprimento, salvo
se em face desse terceiro puder opor alguma defesa pessoal. Em torno desses dois postulados normativos é que devem
ser analisadas as diversas posições de outros sujeitos, que não os que foram partes, em relação aos efeitos de direito
material da sentença e à autoridade de coisa julgada, ou seja, à impossibilidade de rediscuti-los no mesmo ou em outro
processo. Esses dois enunciados normativos decorrem necessariamente dos direitos e garantias fundamentais inscritos
na Constituição Federal (segurança jurídica, contraditório, ampla defesa, entre outros), que condicionam a elaboração, a
interpretação e a aplicação da própria lei.

Não me parece necessário procurar um outro conceito de parte, estritamente processual, diferente do conceito clássico
de sujeito titular da relação jurídica de direito material que formula o pedido ou em face do qual o pedido é formulado.
O substituto processual faz as vezes da parte, exercendo no processo quase todos os direitos e assumindo quase todos os
ônus e deveres de parte. Atuando como tal no processo, mas, não sendo parte na relação jurídica de direito material, não
está sujeito aos efeitos de direito material da sentença, nem à sua imutabilidade. Como já observei acima, não é possível
reduzir a coisa julgada e os seus limites a um simples fenômeno endoprocessual. Ela afeta o direito material dos sujeitos
que se apresentam como titulares de um determinado direito subjetivo e que têm ampla possibilidade de demonstrar a
procedência das suas alegações, favorece o seu exercício àqueles que o tenham judicialmente reconhecido e o dificulta
ou impede em relação àqueles que tenham sido derrotados. O substituto processual não veicula normalmente pretensão
de direito material dele próprio, mas de outrem. Os efeitos de direito material da sentença dizem respeito ao substituído,
não a ele. Se, entretanto, ele for titular ou co-titular do direito material que defende, então estará vinculado ao resultado
do seu julgamento como parte3. A mesma regra se aplica a qualquer terceiro que assuma a posição subjetiva de parte,

3
A coisa julgada na substituição processual merece um estudo a parte porque é usual a doutrina afirmar que o substituto sempre a ela
está sujeito e, por outro lado, nem sempre ao substituído foi efetivamente assegurada a ampla defesa em contraditório. Os inúmeros
casos particulares, como os citados por Eduardo Talamini (Comentário ao artigo 506 do Código de 2015, in TUCCI, José Rogério Cruz
e. Et alii. Código de Processo Civil Anotado. Rio de Janeiro: GZ Editora. 2016. P. 725) devem ser analisados a partir das premissas
definidas acima: 1) quanto ao substituto: não se vincula à coisa julgada, porque não é seu o direito material estabilizado, salvo se for
co-titular do direito material veiculado; 2) quanto ao substituído: 2.1) se vencedor, beneficia-se da coisa julgada secundum eventum
litis; 2.2) se vencido: 2.2.1) sujeita-se à coisa julgada se atuou como parte ou assistente litisconsorcial (que parte é), tendo ampla
oportunidade de defesa sob contraditório (art. 123); 2.2.2) não se sujeita à coisa julgada se não concorrerem os pressupostos do item
2.2.1. Na assistência simples, o assistente não se vincula à coisa julgada, pois não é parte. Embora a sentença possa produzir efeitos
reflexos sobre a sua situação jurídica, não é ele titular da relação jurídica de direito material sobre a qual versou a decisão. (V. o que
escrevi sobre a chamada exceptio male gesti processos na assistência simples e na litisconsorcial no 1º volume das minhas Instituições
(P. 480). Em contrário, BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 4ª ed. São Paulo: Saraiva.2018. p. 472.
13
com ampla oportunidade de defesa sob contraditório, como o litisdenunciado e o chamado ao processo. Quanto ao
requerido no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, a coisa julgada o vincula se tiver ampla
oportunidade de defesa sob contraditório4.

Não é suficiente que o substituído, o co-titular do direito ou obrigação ou o terceiro de qualquer modo interessado tenha
tido a possibilidade de participar do processo. É indispensável que tenha efetivamente participado e nele exercido com
plenitude o seu direito de defesa.

Mas os efeitos de direito material da sentença também beneficiam os terceiros que, sendo co-titulares do direito material
judicialmente reconhecido, não formularam o pedido nem contra si tiveram este pedido judicialmente formulado. Estes
recebem da coisa julgada a mesma eficácia que a parte vencedora, salvo se em relação a eles o vencido puder alegar
alguma defesa pessoal5. Como leciona Marinoni, a coisa julgada tem significado muito além das partes. É técnica
processual de tutela da segurança jurídica. A sanção que dela deve resultar para o vencido “é a proibição de relitigação
do decidido, seja com a antiga parte seja com qualquer outra pessoa”. “Quem é vencido num processo é declarado sem
direito; não é simplesmente declarado um perdedor diante do vencedor”.

No mesmo sentido, Fredie Didier Jr. obtempera que o artigo 274 do Código Civil não regula a extensão da coisa julgada
favorável ao credor aos demais co-devedores, salvo se estes forem co-réus ou se forem chamados ao processo, o que
protege o contraditório e a boa-fé. Também é omisso sobre a improcedência em relação aos demais devedores que não
figuraram como partes no processo, mas estes podem opor-lhe a coisa julgada, exceto se se baseou em fundamento
exclusivo do demandado, o que não pode ocorrer nas obrigações indivisíveis.

Entretanto, parece-me que o referido artigo do Código Civil não confere título executivo judicial aos credores solidários
que não figuraram no polo ativo da ação de cobrança contra o devedor comum. Apesar do valor do crédito e o seu
fundamento estarem definitivamente acertados na sentença com a autoridade da coisa julgada, a solidariedade do credor
não constante do título e a inexistência de defesa pessoal do devedor contra ele, são elementos do direito à formação do
título executivo judicial em favor do novo credor, que não foram objeto de cognição no processo e na sentença de que
resultou a condenação. Não há certeza do crédito em favor do credor solidário ausente do processo de que resultou a
condenação.

4
Em contrário, TALAMINI, Eduardo. Comentário ao artigo 506 do Código de 2015. In TUCCI, José Rogério Cruz e. Et alii. Código
de Processo Civil Anotado. Rio de Janeiro: GZ Editora. 2016. P. 725. A respeito, observei no 2º volume das minhas Instituições (ob.
cit. P. 505): “Sem dúvida, a garantia do contraditório deve ser respeitada com a maior amplitude possível. A sua observância não se
satisfaz com a simples participação do requerido no procedimento que antecede a decisão de desconsideração da personalidade jurídica
e nos atos subsequentes do processo. Se ocorreu um abuso da personalidade jurídica tão intenso que a desconsideração reconhece que
o réu originário e o requerido são a mesma pessoa, com dois nomes ou duas fachadas diferentes, torna-se perfeitamente razoável que
ao requerido sejam impostas a coisa julgada e a preclusão de todas as decisões a que o réu originário tenha de submeter-se. Mas se são
pessoas diversas, embora haja motivos legalmente previstos para estender a uma delas a responsabilidade por dívidas da outra, àquela
não pode ser subtraído o exercício do direito de defesa a respeito de todas as questões decididas no mesmo ou em outro processo, não
se podendo falar de preclusão, muito menos de coisa julgada”. Em verdade, a coisa julgada na substituição processual merece um estudo
a parte porque é usual a doutrina afirmar que o substituto sempre a ela está sujeito e, por outro lado, nem sempre ao substituído foi
efetivamente assegurada a ampla defesa em contraditório. Os inúmeros casos particulares, como os citados por Eduardo Talamini (ob.
e loc. cits.) devem ser analisados a partir das premissas definidas acima: 1) quanto ao substituto: não se vincula à coisa julgada, porque
não é seu o direito material estabilizado, salvo se for co-titular do direito material veiculado; 2) quanto ao substituído: 2.1) se vencedor,
beneficia-se da coisa julgada secundum eventum litis; 2.2) se vencido: 2.2.1) sujeita-se à coisa julgada se atuou como parte ou assistente
litisconsorcial (que parte é), tendo ampla oportunidade de defesa sob contraditório (art. 123); 2.2.2) não se sujeita à coisa julgada se não
concorrerem os pressupostos do item 2.2.1.
5
Esta extensão favorável da coisa julgada a terceiros não é a eficácia natural da sentença, a que se referia Liebman (LIEBMAN, Enrico
Tullio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2006. P. 79-162.).
Esta é o simples reconhecimento que todos os cidadãos devem à sentença como ato de vontade do Estado de que o direito entre as partes
é o que a sentença reconheceu. Daí Liebman extrai consequências em relação a certas espécies de terceiros que, como já sustentei
(Instituições. Vol. II cit. P. 337-340), não são compatíveis com os postulados normativos acima declinados, porque obrigam-nos a
sofrer prejuízos à sua esfera jurídica sem que tenham sido partes com ampla possibilidade de defesa sob contraditório. Observo que
nesse aspecto Cruz e Tucci segue fiel à lição de Liebman (TUCCI, José Rogério Cruz e. Comentários ao Código de Processo Civil.
Artigos 485 ao 538. Volume VIII. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2016. P. 220).
14
Embora polêmica em alguns ordenamentos, é diferente a situação do sucessor da parte. Se a sucessão foi anterior ao
processo, na verdade ele poderá anular a decisão pela via da rescisória, pela ilegitimidade ad causam do seu antecessor.
Se a sucessão ocorreu durante o processo, nele poderá intervir, nos termos do artigo 109. Sucedendo no curso do
processo ou após ele, receberá do antecessor os mesmos direitos e obrigações que para este decorram da sentença.

Se a decisão em parte é favorável ao terceiro e em parte desfavorável, somente à primeira estará ele vinculado. Mas pode
ocorrer que não esteja claro se a decisão inter alios é benéfica ou prejudicial ao terceiro. Elias Pierre Eid entende, a meu
ver corretamente, que nesse caso prevaleça a posição que o próprio terceiro assumir.

Embora os limites subjetivos da coisa julgada na tutela coletiva sejam objeto de legislação especial (Lei n. 4.717/65, art.
18; Lei n. 7.347/85, art. 16; Código do Consumidor, arts. 103 e 104), os enunciados normativos aqui adotados, por
imposição constitucional, aplicam-se igualmente a essas causas.

11. EFEITO PRECLUSIVO DA COISA JULGADA

Em redação semelhante à do artigo 474 do Código de 1973, o artigo 508 do Código de 2015 regula o que a doutrina tem
denominado de efeito preclusivo da coisa julgada, segundo o qual, transitada em julgado a sentença ou decisão de mérito,
reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas que a parte poderia opor ao acolhimento ou à rejeição
do pedido.

A denominação doutrinária do instituto como efeito preclusivo pode não ser a melhor, porque não se trata
propriamente de obstáculo endoprocessual, embora o conceito endoprocessual de preclusão também seja uma
construção doutrinária, mas acho ocioso perder tempo com controvérsia puramente terminológica. O sentido da
denominação é claro: impedimento a que em outro processo, o que foi decidido sobre o pedido – procedência ou
improcedência – possa ser ilidido pela alegação de fundamento que foi ou poderia ter sido invocado no processo em que
foi proferida a sentença.

Citando Carmine Punzi e Proto Pisani, Giovanni Bonato destaca que o efeito preclusivo da coisa julgada corresponde ao
princípio do deduzido e do dedutível, que é uma consequência da própria coisa julgada “ou mesmo a essência da coisa
julgada material”, não porque sobre o dedutível tenha havido julgamento implícito, nem coisa julgada propriamente sobre
essas questões, que podem servir de fundamento a pedidos diversos, mas porque como meios aptos a impedir a eficácia
do que foi decidido se tornaram irrelevantes.

A lei é clara no sentido de que o impedimento se aplica tanto ao autor, quanto ao réu. Quanto ao primeiro,
entretanto, como já sustentei, a regra não pode ser interpretada como um alargamento da causa de pedir sem a explícita
manifestação de vontade do autor, salvo nos direitos autodeterminados (propriedade, direitos reais de gozo e outros
direitos absolutos), que são aqueles direitos que somente podem existir uma vez entre os mesmos sujeitos,
independentemente da variação do respectivo fato genético.

Esta é uma construção doutrinária com larga aceitação, como ressaltei em estudos anteriores, mas que hoje vem sendo
posta em cheque especialmente nas relações de família, não só pelo desenvolvimento científico, que veio a permitir a
descoberta da paternidade pelo exame de DNA com elevado grau de probabilidade de acerto do seu resultado, mas
também pela evolução dos costumes e consequente alargamento por muitos defendido da própria noção de família, quiçá
não mais vinculada ao casamento ou à união estável entre duas pessoas do mesmo sexo, à possibilidade de ter mais de
um pai ou mais de uma mãe, e outras inovações que não se sabe até onde vão chegar, de que aqui faço um simples
registro para reflexão futura. Ressalvados os direitos considerados absolutos, se é que ainda existem alguns, em que,
mesmo com outro fundamento jurídico, não pode ser renovado o mesmo pedido, o que fica acobertado pelo efeito
preclusivo da coisa julgada é a possibilidade de o autor, cujo pedido foi julgado improcedente, invocar em outra demanda

15
outros fatos simples comprobatórios dos fatos constitutivos do seu direito para tentar evitar a coisa julgada, pois, nesse
caso, idênticos os fatos constitutivos e o direito deles decorrente, a causa de pedir é a mesma6.

Para tanto, é preciso distinguir os fatos jurídicos, como elemento da causa de pedir, dos fatos simples. Jurídicos são os
fatos jurígenos, aqueles dos quais decorre o direito alegado pelo autor (ex facto oritur jus). Simples são os fatos que
servem para comprovar os fatos jurídicos, mas dos quais, por si só, não resulta o direito alegado. Assim, na ação de
indenização por acidente de tráfego, a vítima alega que foi atropelada pelo réu que dirigia o seu veículo em excesso de
velocidade, conforme confessou à autoridade policial. O atropelamento culposo é o fato jurídico que gerou o dano, que
constitui fundamento do pedido de indenização. A declaração do réu perante a autoridade policial é um fato simples, que
serve para provar o fato jurídico. Se após o trânsito em julgado da sentença, o autor obtiver prova robusta de que é falso
o documento que contém a confissão do réu perante a autoridade policial, o artigo 508 o impede de pretender, em
demanda autônoma ou na impugnação ao cumprimento de sentença, evitar a execução da condenação.

Também ficam seguramente preclusas para o autor as suas defesas indiretas às defesas indiretas do réu que, pelo
princípio da eventualidade, deveriam obrigatoriamente ter sido objeto de alegação na réplica (art. 350). Assim, salvo nos
direitos absolutos, não se pode extrair do efeito preclusivo da coisa julgada a perda da faculdade do autor de formular o
mesmo pedido com causa diversa, mas para isso será necessário que venha a invocar em outro processo outro direito ou
outros fatos constitutivos do direito em que se fundamenta o seu pedido.

E para o réu, o efeito preclusivo da coisa julgada significa que, se ele tiver omitido alguma defesa que pudesse ilidir o
pedido do autor, não poderá subtrair-se à imutabilidade da coisa julgada. Por isso, o artigo 525, §1º, inciso VII, do Código
de 2015 somente permite na impugnação ao cumprimento da sentença que o réu alegue causas modificativas ou
extintivas da obrigação, “como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes
à sentença”.

Bruno Carrilho Lopes sustenta que se a exceção substancial foi ou poderia ter sido apresentada como meio de defesa,
não poderá ser alegada na impugnação ao cumprimento de sentença, mas pode ser objeto de ação autônoma, desde que
não interfira na eficácia da sentença anterior. É o que ocorre com a exceção de pagamento, que Liebman discute
amplamente e que certa doutrina do direito comum reputava uma exceção privilegiada, que poderia ser alegada até
mesmo contra a coisa julgada, mas que o autor italiano, como Lopes, considera com acerto estar acobertada pelo efeito
preclusivo do artigo 508.

Também é preciso examinar a possibilidade de o réu obter sentença posterior ao trânsito em julgado da decisão que lhe
foi desfavorável, acolhendo pedido incompatível com o que foi anteriormente decidido, no todo ou em parte. Parece-me
acertada a opinião de Lopes, no sentido de que o artigo 508 veda esse tipo de demanda. A pretensão incompatível deveria
ter sido alegada como defesa no processo de que resultou a decisão desfavorável. Por incompatível deve entender-se
qualquer pretensão que impeça a plena eficácia material da sentença transitada em julgado, assim como que reduza ou
restrinja essa eficácia. Assim, por exemplo, vencido em ação reivindicatória de imóvel, o réu não pode obter sentença
favorável em ação declaratória de usufruto sobre o mesmo imóvel. Nesse sentido, dispõem os §§1º e 2º do artigo 538
sobre a existência de benfeitorias indenizáveis e sobre o direito de retenção.

Quanto à compensação, o já referido §1º, inciso VII, do artigo 525, estabelece que na impugnação ao cumprimento de
sentença somente pode ser alegada a relativa a crédito posterior à sentença. Quanto a crédito anterior à sentença há
controvérsia entre os civilistas, gerada pela redação do artigo 368 do Código Civil, que daria a entender que o simples fato
de duas pessoas serem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra produziria a extinção das duas obrigações, “até
onde se compensarem”. Doutrina tradicional lecionava que a compensação seria apreciável de ofício e que, não
reconhecida na sentença, estaria sujeita à regra do artigo 508. Entretanto, como informa Lopes, doutrina mais moderna
(Judith Martins Costa, Tepedino, Schreiber), seguindo Pontes de Miranda, sustenta, a meu ver com acerto, que a
compensação precisa ser alegada. Se não o for, não ficará sujeita à eficácia preclusiva da coisa julgada. Ação posterior
poderá cobrar crédito que poderia compensar-se.

6
Giovanni Bonato, no estudo acima citado (p. 361), observa que o artigo 98, § 4º, da Lei n. 12.529/2011, revogado pelo artigo 1.072,
inciso IV, do Código de 2015, previa que “nas ações que versavam sobre as decisões do Conselho Administrativo de Defesa
Econômica”, ficava incluída qualquer outra causa de pedir na eficácia preclusiva.
16
Também concordo com Lopes na afirmação de que, se a demanda foi julgada improcedente por fundamento autônomo,
apesar de alegada a compensação, pode ser proposta a cobrança do crédito não compensado em nova demanda. Todavia,
se a compensação foi o fundamento da improcedência, somente poderá haver ação de cobrança do crédito do réu no
que exceder o valor do crédito do autor.

12. COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

A Medida Provisória n. 2.180/2001 introduziu no artigo 741 do Código de 1973 um novo fundamento de inexigibilidade
do título executivo judicial, consistente na superveniência à sentença de decisão do Supremo Tribunal Federal em sentido
contrário em matéria constitucional. A Lei n. 11.232/2005 ratificou essa inovação, dando nova redação ao mesmo artigo
741 e introduzindo no mesmo Código um novo artigo 475-L

Tratando dos fundamentos da impugnação ao cumprimento de sentença, os artigos 525 e 535 do Código de 2015
aperfeiçoaram essa chamada inexigibilidade por superveniente decisão do STF sobre matéria constitucional para abranger
expressamente as decisões do Pretório Excelso em controle concentrado e difuso, permitir que a decisão do STF seja
modulada temporalmente e exigindo que esta seja anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda. Se for posterior,
exigirá ação rescisória com prazo contado a partir da decisão do STF (arts. 525, §§ 12 a 15, e 535, §§ 5º a 8º).

O legislador insiste em tratar a questão impropriamente como uma inexigibilidade de uma obrigação, esquecendo-se que,
se a sentença for meramente declaratória ou constitutiva, não haverá condenação, nem cumprimento de sentença, muito
menos impugnação. Por outro lado, a exigibilidade, na clássica lição de Carnelutti, exprime a inexistência de impedimento
à eficácia atual do crédito constante de um título executivo. Mas esse impedimento, se verificado, não revoga, não anula
e nem torna ilícitos os demais efeitos de direito material decorrentes do título executivo.

Por outro lado, se a exigibilidade não é atributo das sentenças meramente declaratórias ou constitutivas, ainda que se
pudesse admitir a perda daquilo que nunca se teve, parece acertado afirmar que a ineficácia superveniente não produzirá
nenhuma consequência sobre a certeza do direito material acobertada pela coisa definitivamente julgada. Em
consequência, os dispositivos em comento não se aplicam aos efeitos declaratórios e constitutivos da decisão exequenda.

Sobre as disposições da legislação anterior acima referida pronunciei-me em dois estudos, aos quais me reporto,
manifestando-me pela flagrante inconstitucionalidade de mais essa fragilização da coisa julgada, incompatível com os
direitos fundamentais à segurança jurídica e à tutela jurisdicional efetiva, que teve o intuito manifesto de mais uma vez
favorecer a Fazenda Pública, que, depois de ter ficado vencida milhares de vezes em pleitos em face dos cidadãos, até
mesmo por decisões do próprio Supremo Tribunal Federal ou por este chanceladas, obtém um revirement no
entendimento do Pretório Excelso e, assim, consegue derrubar como um castelo de cartas todos os julgados
desfavoráveis, premiando desse modo todas as suas manobras procrastinatórias para retardar o seu cumprimento.

Recordo que, no segundo daqueles dois estudos, observei – o que reitero em relação aos dispositivos mencionados do
Código de 2015 - que, justamente para assegurar o princípio maior da segurança jurídica, a aplicação dos referidos
dispositivos legais deveria restringir-se àquelas sentenças proferidas após a manifestação do Supremo Tribunal Federal,
uma vez que, quando proferidas anteriormente, não poderiam ser tachadas de ilegais e tampouco acusadas de contrariar
a posição da Corte Suprema. O Código de 2015, nesse aspecto, fez questão de prever expressamente que a inexigibilidade
alcança até as sentenças transitadas em julgado posteriormente, o que significa que atinge qualquer sentença, mesmo
aquelas proferidas em processos em curso e mesmo aquelas de processos em curso ainda sujeitas a impugnação por
quaisquer recursos, até mesmo para o próprio Supremo Tribunal Federal, quando sobrevém a decisão contrária do STF.
Não só a segurança jurídica, mas o devido processo legal e outras garantias constitucionais, como as do contraditório, da
ampla defesa e do juiz natural são atropeladas com o único paliativo da exigência de ação rescisória, no caso de decisão
do STF posterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda.

Insuperável foi a lição de Luiz Guilherme Marinoni, em síntese lapidar que continua atual: “eliminar a coisa julgada diante
de uma nova interpretação constitucional não só retira o mínimo que o cidadão pode esperar do Poder Judiciário – que é
a estabilização da sua vida após o encerramento do processo que definiu o litígio – como também parece ser uma tese
fundada na ideia de impor um controle sobre as situações pretéritas”.

17
Refazendo o raciocínio sobre o instituto em comento, com a configuração que lhe deu o Código de 2015, parece-me
necessário analisar se as decisões do STF em matéria constitucional, tenham elas sido proferidas em controle concentrado
ou difuso, constituem ou não uma nova coisa julgada a incidir sobre todos os processos pendentes ou findos e, em relação
a estes últimos, sobrepondo-se à própria coisa julgada deles resultante.

O julgamento do STF em ação de controle concentrado de constitucionalidade tem caráter normativo e vinculante para
todos os demais órgãos do Poder Judiciário (Constituição, art. 102, § 2º; CPC, art. 927, inc. I), do que resulta que: a) obriga
a sua observância nas decisões futuras; b) não vincula o próprio STF no julgamento futuro ou pretérito de qualquer caso
concreto, ressalvada apenas a declaração de inconstitucionalidade que, suprimindo a lei do ordenamento jurídico, não
pode ser revertida em futuros julgamentos, porque a Corte Constitucional não pode repor no ordenamento jurídico a lei
dele já eliminada.

Todavia, esse tipo de decisão do STF não gera coisa julgada em relação a qualquer caso concreto, porque: a) não julga
pedido de apropriação de qualquer bem da vida em favor de algum sujeito de direito e não o atribui a qualquer das partes;
b) não subsume os fatos alegados pelas partes no litígio nas normas jurídicas pertinentes; c) não confere às partes em
litígios concretos e ao respectivo juiz a possibilidade de examinar e discutir se no caso concreto a matéria constitucional
deveria ser decidida de modo diverso. Dos mesmos vícios em relação aos casos concretos padece a decisão do STF que
aprecie a matéria constitucional no chamado controle difuso, que julgou causa diversa, com outros elementos
individualizadores, com outras circunstâncias fáticas e jurídicas. Cada sentença regula a relação jurídica correspondente
ao seu objeto litigioso.

Vale aqui a crítica severa que em recente obra Luca Passanante faz à pretendida atribuição da força normativa à
jurisprudência e aos precedentes de tribunais superiores, de nítida inspiração autoritária, que se verifica especialmente
em países de frágil ou nenhuma tradição democrática, como o Brasil, a Federação Russa, a Bulgária e Cuba: a atividade
interpretativa das cortes de vértice se apresenta inteiramente livre dos vínculos que derivam, de um lado, dos fatos e
circunstâncias peculiares que caracterizam os diversos casos concretos na sua identidade histórica e, de outro lado, dos
efeitos que a interpretação de determinada norma deve sobre eles produzir. A decisão do STF em matéria constitucional,
seja em controle concentrado ou difuso, nada diz sobre cada um dos casos concretos em que surgiu ou possa surgir a
referida questão constitucional. Não há, pois, coisa julgada.

Não há, portanto, no caso da sentença exequenda transitada em julgado, uma coisa julgada anterior que caracterize um
vício da decisão capaz de retirar-lhe eficácia, ou uma coisa julgada posterior, apta a desfazer a anterior, formada em
processo quanto a um bem da vida específico, mas sim dois atos de vontade do Estado com as suas respectivas eficácias
delimitadas pelos respectivos objetos litigiosos.

O controle da constitucionalidade das leis serve aos direitos fundamentais. A organização dos poderes, o federalismo, o
sistema partidário e eleitoral, a organização econômica, o sistema tributário, todos servem à realização dos valores
humanitários almejados pela Constituição.

Por isso, as decisões da nossa Corte Suprema sobre a constitucionalidade das leis e atos normativos e, em geral, sobre
questões constitucionais, não podem gerar violações a direitos fundamentais, o que representaria o total desvirtuamento
da função primordial do próprio tribunal, que é a de assegurar a supremacia da Constituição.

É necessário assinalar o erro de se pretender dar força normativa às decisões do Supremo Tribunal Federal em controle
difuso, esquecendo-se de que somente o Senado Federal pode retirar a lei, nesse caso, do ordenamento jurídico. Por
outro lado, se a decisão do STF tiver se dado em controle concentrado, o §2º do artigo 102 da Constituição determina,
expressamente, que essa decisão terá “eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do
Poder Judiciário”. Nem é preciso dizer que em controle difuso, cada caso é um caso.

Apesar das críticas aqui feitas, que a meu ver demonstram ser irremediável a inconstitucionalidade dos dispositivos ora
comentados, mas ciente de que o reconhecimento desse gravíssimo vício pelo próprio Supremo Tribunal Federal nos
próximos anos será bastante improvável, cumpre reconhecer que o legislador do Código tentou dar à figura uma
roupagem um pouco melhor, exigindo ação rescisória se a decisão do STF for posterior à formação da coisa julgada. Isto
significa, a meu ver, que a inexigibilidade da obrigação somente poderá ser reconhecida na impugnação ao cumprimento
de sentença, após o trânsito em julgado da decisão na ação rescisória. Caberá ao juiz da execução suspender pelo prazo
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máximo de um ano o processamento da impugnação ao cumprimento de sentença se pendente a referida rescisória (art.
313, inc. V, letra a, e § 4º). Decorrido esse prazo sem julgamento definitivo da rescisória, deverá rejeitar a alegação de
inexigibilidade e prosseguir na execução, sujeita esta a eventual repetição de indébito, se houver superveniente
acolhimento da rescisória. Observe-se, entretanto, na disciplina do assunto mais uma fragilização da coisa julgada,
decorrente da contagem do prazo da rescisória a partir do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal
Federal, e não do trânsito em julgado da decisão rescindenda.

Parece-me, por fim, que não caberá repetição do indébito, se o título judicial já estiver cumprido antes da decisão do STF,
como consequência da preservação pela simples inexigibilidade da eficácia declaratória da sentença.

13. A JURISPRUDÊNCIA E OS PRECEDENTES

No item 2.2.7 do 1º volume das minhas Instituições, tracei um panorama da evolução do papel da jurisprudência como
fonte de direito no Brasil, em que ressaltei que, apesar da tradição lusitana dos assentos, nosso País, a partir de 1977,
repudiou a sua força normativa, por violação do princípio constitucional da separação de poderes.

Entretanto, o próprio Código de 1973, incorporando o exemplo do próprio Supremo Tribunal Federal na edição de súmulas
de jurisprudência, estimulou os tribunais a promoverem a uniformização dos seus julgamentos, a proclamação de súmulas
e a adoção de precedentes a influenciarem julgamentos futuros.

Nessa mesma época, emenda constitucional criou a representação de inconstitucionalidade, aperfeiçoada pela
Constituição de 1988 como ação direta de inconstitucionalidade, instituindo o chamado controle concentrado de
constitucionalidade de leis e atos normativos do Poder Público e, assim, dando forma normativa a decisões da nossa Corte
Suprema.

Mais tarde, outras emendas constitucionais ampliaram essa força normativa a outras decisões do STF e criaram súmulas
vinculantes, editadas pelo mesmo Tribunal. Paralelamente, reformas foram introduzidas no Código de 1973 para acelerar
e simplificar o julgamento de recursos pela aplicação da jurisprudência, de precedentes ou súmulas dos tribunais, para
acudir à morosidade e à crise de eficiência do Poder Judiciário e à preocupação com o aumento incontrolável de processos
e de recursos. O mecanismo de recursos-modelo ou repetitivos foi adotado para desafogar o Supremo Tribunal Federal e
o Superior Tribunal de Justiça.

O Código de 2015 dedicou um capítulo à jurisprudência (arts. 926 a 928), determinando que todos os tribunais a
uniformizem, mantendo-a estável, íntegra e coerente e recomendando que elaborem súmulas correspondentes à sua
jurisprudência dominante, atentas às circunstâncias fáticas dos casos que as motivaram (art. 926).

O artigo 927 determina que os juízes e os tribunais observem a jurisprudência dos tribunais superiores, os precedentes
do plenário do STF e da Corte Especial do STJ e a orientação do plenário do tribunal a que estiverem vinculados. Tenho
sustentado que o dispositivo impõe a observância, não a obediência aos julgados dos tribunais superiores, o que significa
que a jurisprudência deve ser levada em conta, deve ser considerada pelos juízes na fundamentação de suas decisões,
mas não que tenha de ser cegamente obedecida, o que violaria a independência dos juízes e tribunais.

No mesmo sentido de fortalecimento da jurisprudência, o Código de 2015 manteve e ampliou os institutos da assunção
de competência (art. 947), de julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos (arts. 1.036 a 1.041) e criou o
novo incidente de resolução de demandas repetitivas (arts. 976 a 987).

A observância da jurisprudência, dos precedentes, das decisões-modelo, das decisões judiciais normativas e das súmulas
vinculantes, pode ser contrariada por decisões judiciais. Antes do trânsito em julgado, os recursos legalmente previstos
podem resolver esses conflitos. Mas a partir do trânsito em julgado, prevalecerá a coisa julgada, que somente poderá ser
desconstituída por meio da ação rescisória, por um dos fundamentos do artigo 966, especialmente o do seu inciso V. A
própria Constituição e o Código de Processo Civil instituem a reclamação, como meio idôneo à preservação do respeito a
súmula vinculante, a decisões normativas do STF e a decisões-modelo, como as proferidas em incidente de resolução de
demandas repetitivas ou incidente de assunção de competência (Constituição, art. 103-A, § 3º; CPC, art. 988). Entretanto,
o Supremo Tribunal Federal estabeleceu, quanto à reclamação constitucional, que não cabe reclamação se já houver

19
transitado em julgado a decisão judicial que desrespeitou decisão do STF (Súmula 734). Dispositivo semelhante foi incluído
no Código de 2015 (art. 988, § 5º, inc. I). Parece-me correto o entendimento de Fonseca Costa de que o reclamante pode
ao mesmo tempo recorrer e reclamar, mas que o trânsito em julgado da decisão recursal no curso da reclamação não a
prejudica, o que provocará uma revisão do julgado no limite necessário à preservação da autoridade do precedente, da
decisão-modelo, da decisão no incidente de assunção de competência, da decisão judicial normativa ou da súmula
vinculante. À decisão da reclamação, que compete ao tribunal que emitiu o provimento cuja autoridade se pretende
garantir (art. 988, § 1º), caberá ajustar o seu enunciado às circunstâncias fáticas e jurídicas do caso concreto (CPC, art.
489, §§ 1º e 2º), revisando-o, conforme o caso e desde que juridicamente possível.

Quanto aos recursos especial e extraordinário repetitivos, reporto-me à análise que fiz no 3º volume das minhas
Instituições, na qual apontei o déficit garantístico que recai sobre as partes nos processos ou recursos suspensos ou
atingidos pela decisão-modelo, que não tenham sido selecionados como representativos da controvérsia, em face da
dificuldade de participação eficaz no processo e julgamento do incidente e, portanto, da grave limitação ao exercício do
seu direito de defesa perante o tribunal superior. Essa limitação também é evidente no incidente de resolução de
demandas repetitivas, criado pelos artigos 976 a 987 pelo Código de 2015, sendo ainda mais acentuada em relação às
partes nos recursos e processos posteriores em que tenham sido instaurados quaisquer desses incidentes.

Discorrendo sobre o procedimento alemão do Musterverfahren, fonte notória de inspiração para os nossos recursos
repetitivos e para o incidente de resolução de demandas repetitivas, Aluisio Mendes leciona:
“Embora tenha adotado o efeito vinculante para todos os sujeitos processuais, conferiu-se tratamento parcialmente
diferenciado entre os que foram parte no procedimento-padrão, ou seja, autor e réu do processo piloto (Musterkläger e
Musterbeklagten), e os interessados dos processos suspensos (Beigeladenen).
Em relação ao autor e réu do procedimento-padrão propriamente dito, não houve qualquer previsão restritiva quanto à
vinculação, razão pela qual a doutrina vem apontando que o tratamento conferido foi o da coisa julgada.
Quanto aos Beigeladenen (que tiveram os seus processos individuais suspensos por força da instauração do incidente de
procedimento-modelo), a lei alemã previu expressamente em que hipóteses se poderá afastar o efeito vinculativo nos
processos individuais em face de demandado comum. Trata-se de uma atuação viciada do autor do procedimento-modelo, se
os intervenientes, na situação e no tempo em que intervieram, foram impedidos de se pronunciar ou utilizar dos meios
processuais de ataque e defesa cabíveis ou, por desconhecimento, tenham deixado de se valer também destes meios, que não
foram usados pela parte principal por dolo ou falta grave”7.

Embora defendendo o Autor, com fundamento no artigo 985, a aplicação da tese jurídica a todos os recursos ou processos
atuais e futuros, reconhece ele que essa aplicação “envolve operação cognitiva com certa complexidade e deve ser
sempre devidamente fundamentada”. Se o tribunal que julgou a questão não se pronunciou sobre algum fundamento
invocado pela parte no caso concreto, “o magistrado poderá se afastar da tese fixada...na hipótese, o efeito será
meramente persuasivo”.

Vou mais longe. A meu ver, tanto nos recursos especial e extraordinário repetitivos, quanto no incidente de resolução de
demandas repetitivas, a decisão-modelo é sempre persuasiva em relação às partes em recursos não considerados
representativos da controvérsia8 e processos diversos daquele em que foi suscitado o incidente, pelas limitações ao
exercício da sua defesa na apreciação dessa questão.

No caso dos recursos repetitivos referidos, caberá ao tribunal de origem aplicar ou não a decisão-modelo aos casos
concretos, nos termos do artigo 1.041, sujeita sua deliberação à revisão do STF ou do STJ, conforme o caso. No caso do
IRDR, além da possibilidade de revisão da tese pelo próprio tribunal (art. 986), da sua eventual má aplicação em qualquer
caso concreto por juízo ou órgão do próprio tribunal que a fixou, independentemente de eventual recurso, caberá
reclamação, nos termos do artigo 985, §1º, à qual se aplica o que dissemos linhas atrás sobre a reclamação do artigo 988,
§5º. Não há, pois, coisa julgada ou insuperável vinculação. À decisão-modelo estarão vinculadas com coisa julgada, se
nela tiver havido julgamento de pedido ou de questão prejudicial com plena observância do artigo 503, apenas as partes

7
O Autor fala em coisa julgada quando quer dizer vinculação, porque aquela somente ocorrerá se a decisão-modelo tiver julgado o
próprio pedido de algum dos processos em causa.
8
O âmbito estreito deste estudo não permite examinar se todos os interessados nos processos ou recursos escolhidos como
representativos da controvérsia têm efetiva e amplamente assegurados o contraditório e a ampla defesa ou se a coletivização do
julgamento também os prejudica, exigindo que a eles se aplique a ressalva do caráter meramente persuasivo da decisão-modelo.
20
nos recursos e processos em que os incidentes foram suscitados e que no seu processamento e julgamento tenham tido
ampla possibilidade de exercício do seu direito de defesa.

14. A HOMOLOGAÇÃO DE ATOS DE DISPOSIÇÃO

O inciso VIII do artigo 485 do Código de 1973 estabelecia como hipóteses de rescisão da sentença a existência de
fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença. O dispositivo, que não tem
correspondência no Código de 2015, suscitava inúmeras dificuldades na sua interpretação pela impropriedade da
referência a confissão e a desistência, que não seriam objeto de sentenças com a autoridade da coisa julgada, quando as
palavras corretas seriam reconhecimento e renúncia, bem como pela função meramente delibativa do juiz na
homologação da transação, cujo conteúdo, definido pelas próprias partes, não poderia ser apto a desfrutar da mesma
imutabilidade da sentença judicial.

Mais técnico, o Código de 2015 inclui nos julgamentos de mérito a homologação do reconhecimento do pedido, da
transação e da renúncia ao direito no artigo 487, inciso III, não mais prevê essas hipóteses como fundamento de rescisória
e no § 4º do artigo 966 estabeleceu que os atos de disposição de direitos, como os aqui referidos, “estão sujeitos à
anulação, nos termos da lei”, ou seja, podem ser objeto de ação anulatória, nos mesmos casos e sob as mesmas condições
em que os atos ou negócios jurídicos podem ser anulados.

José Aurélio de Araújo, em tese de doutorado por mim orientada na Universidade do Estado Rio de Janeiro, informa que
expressiva doutrina veiculada na vigência do Código de 1973 (Barbosa Moreira, Talamini) associava a rescisão da sentença
à existência de coisa julgada. Assim, ao incluir os atos de disposição no preceito que regulava a ação rescisória, o referido
diploma estaria se curvando a uma antiga tradição de que quando as partes chegam à autocomposição e a submetem à
homologação judicial, querem que o litígio fique sepultado como se tivesse sido resolvido pelo próprio juiz (confessus pro
judicato habetur), tornando-se imutável o que as partes resolveram com a mesma autoridade da coisa julgada. Coerente
com esse fundamento, o legislador conferiu (e ainda confere) o status de título executivo judicial à sentença ou decisão
homologatória de autocomposição judicial ou extrajudicial (CPC de 1973, art. 475-N, inc. III; CPC de 2015, art. 515, incs. II
e III) e, como consequência, parece somente permitir que o conteúdo da obrigação ajustada pelas partes possa ser
impugnada no cumprimento de sentença por causa a esta superveniente (CPC de 1973, art. 475-L, inc. VI; CPC de 2015,
art. 525, inc. VII).

Entretanto, a jurisprudência, na vigência do Código de 1973, atentou para o exagero de dar-se a mesma especial
estabilidade da coisa julgada ao direito material definido pelo juiz e ao direito material definido pelos próprios
interessados. Pretensões de direito material imprescritíveis ou com prazos de prescrição dilatados, vícios na manifestação
de vontade das partes cuja demonstração exigiria ampla dilação probatória e outras circunstâncias, levaram ao
entendimento de que somente os defeitos do próprio ato judicial de homologação comportariam ação rescisória,
enquanto os do ato de vontade das partes, que correspondem ao próprio conteúdo do seu direito material, comportariam
ação anulatória, como os atos jurídicos em geral.

Nessa época cheguei a apoiar essa solução e a entender que o desaparecimento do inciso específico no artigo 966 do
Código de 2015 estaria plenamente justificado porque eventuais vícios da própria homologação seriam rescindíveis com
fundamento nos demais incisos do referido artigo. Hoje tenho uma visão diversa da questão, que tem um fundamento
mais profundo. Parece-me incoerente admitir que atenta contra a coisa julgada material o vício processual da sentença
homologatória e não atenta para essa mesma coisa julgada material o vício do ato de disposição das partes ao qual a
homologação pretende dar eficácia. A rescisão da homologação implica em rescisão do acordo? Anulado o acordo, resta
alguma eficácia à homologação ou ela também desaparece, apesar de não ter sido atacada por ação rescisória?

Vimos acima que um dos requisitos da coisa julgada é a cognição exaustiva, que não existe na homologação dos atos de
disposição. Por mais intensa que seja a irrevogabilidade ou a irretratabilidade da manifestação de vontade das partes, a
homologação judicial continua a incidir sobre um meio autocompositivo, em que o juiz nada diz sobre o direito material
das partes. Estamos diante do que Carnelutti e boa parte da doutrina classificavam de um equivalente jurisdicional, que
não pode ficar infenso ao controle jurisdicional. A função publicística da atuação da vontade da lei ao caso concreto não
emanou de órgão independente e imparcial. Quem atuou a vontade da lei ao caso concreto foram as próprias partes.
21
Deve abandonar-se o anacronismo de admitir que as partes, sem a cognição efetiva do juiz sobre todos os aspectos fáticos
e jurídicos da causa, possam buscar uma estabilização da relação jurídica de direito material igual à da sentença transitada
em julgado. Tanto mais grave é admitir essa rigidez diante das tão comuns situações de desigualdade econômica e social
e de abusos nas relações contratuais características da sociedade de massa. Não há, pois, coisa julgada, nem quanto ao
conteúdo do acordo, nem da sentença homologatória, verdadeiro provimento de jurisdição voluntária. A anulação do
acordo ou da sua homologação deverá ser buscada pela ação prevista no § 5º do artigo 966. A extensão da anulação, a
toda ou parte da transação, para incluir ou não o ato judicial de homologação, por vícios daquela ou desta, será decidida
nos limites do pedido e conforme o grau de interdependência que houver entre uma e outra. Assim, por exemplo, haverá
casos em que a validade ou eficácia do acordo, por força de lei ou pela própria vontade das partes, estará subordinada à
homologação. Nessas hipóteses, bastará apontar vícios da própria homologação para anulação desta e da própria
transação. Se a homologação judicial não for requisito intrínseco de validade ou eficácia da transação, sempre a ação
anulatória dependerá de vício do próprio ato das partes, cujo reconhecimento prejudicará a própria homologação que,
embora sendo sentença de mérito, não dependerá de ação rescisória. O fato de o legislador ainda estabelecer que a
homologação da autocomposição gera título executivo judicial constitui um resquício do anacronismo acima apontado
de pretender dar à autocomposição a mesma eficácia da decisão judicial, o que coloca o devedor numa iníqua situação
de desvantagem, incompatível com o contraditório, a ampla defesa e a paridade de armas, impedindo-o de alegar em
juízo os vícios do crédito que lhe é exigido antes de qualquer ato coativo. Por isso, a plena eficácia dessas garantias não
pode ser limitada pelo disposto no inciso VII do artigo 525. Pode o interessado propor a ação anulatória prevista no § 4º
do artigo 966, como pode alegar os vícios do acordo ou da sua homologação na impugnação ao cumprimento de sentença.

15. AS CONVENÇÕES PROCESSUAIS E A COISA JULGADA

No entusiasmo do que denominam de princípio do autorregramento da vontade, que encontraria suporte nas novas
disposições do Código de 2015 sobre as convenções processuais, Fredie Didier J., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria
de Oliveira noticiam debate com Eduardo José da Fonseca Costa sobre cinco possíveis negócios jurídicos em torno da
coisa julgada, que impende considerar.

Examino brevemente o tema à luz das premissas que expus em estudo anterior, no qual estabeleci como limite ao
autorregramento das partes a ordem pública processual, procurei mostrar que em muitas convenções o controle judicial
é o de simples legalidade e tentei estabelecer certas condições para a sua revogabilidade. Por outro lado, se estamos
falando de coisa julgada, o nosso foco são as convenções ou negócios sobre o direito material ao bem da vida que foi
reconhecido na sentença e não convenções sobre questões processuais.

Examinemos os negócios cogitados pelos mencionados Autores:


a) negócio jurídico para rever, rescindir ou invalidar a decisão transitada em julgado: esse negócio não é permitido, pois as
partes não podem desfazer, negocialmente, um ato estatal; não podem desfazer consensualmente uma declaração judicial.
b) negócio jurídico sobre os efeitos da decisão: trata-se de negócio permitido; é possível renúncia ao crédito reconhecido
judicialmente, as partes podem transigir a respeito desse mesmo direito; nada impede que pessoas divorciadas voltem a casar-
se entre si.
Concordo com Tiago Pinto Coelho Leone, no sentido de que, ressalvada a indisponibilidade do direito material, as partes
têm plena autonomia para revogar ou modificar os efeitos de direito material da sentença transitada em julgado, inclusive
com eficácia retroativa, assim como para declarar a invalidade desses efeitos à luz do direito material. O que lhes é vedado
é a anulação ou rescisão da sentença, ato privativo do Estado que somente por ele próprio pode ser decretada, pelos
meios legalmente previstos.

A retroação dos efeitos da revogação ou anulação encontrarão limite em efeitos reflexos da sentença sobre situações
jurídicas de terceiros, com fundamento em direitos adquiridos ou atos jurídicos perfeitos decorrentes da própria
sentença, como os honorários da sucumbência, ou não.
“c) negócio jurídico sobre exceptio rei iudicatae: trata-se de pacto para que a parte não alegue a objeção de coisa julgada. A
parte renuncia ao direito de opor a coisa julgada, em eventual demanda que lhe seja dirigida.”

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Tiago Leone discorda sob o fundamento de que esse pacto violaria a segurança jurídica, assim como os princípios da boa-
fé, da lealdade e da cooperação e, além de tudo, a ordem pública. Concordo com a conclusão de Leone, especialmente
quanto à violação da ordem pública processual. No meu estudo por último referido, assim defini a ordem pública
processual, como limite à autonomia da vontade das partes:
Seguindo doutrina tradicionalmente difundida entre nós, tenho apontado como inerentes à função jurisdicional do Estado os
poderes de decisão, de coerção e de documentação e, como auxiliares dos dois primeiros, os poderes de conciliação e de
impulso processual. Esses poderes se exercem na prática dos mais diversos tipos de atos processuais, como as decisões
judiciais, os atos de movimentação, os atos de coação, os atos instrutórios, a imposição de sanções e a atividade cautelar. As
regras que diretamente asseguram a independência e a imparcialidade dos juízes, como as que disciplinam a arguição de
impedimentos ou motivos de suspeição, são predominantemente inderrogáveis pela vontade das partes. Também são
inderrogáveis e insuscetíveis de convencionalidade as regras de competência absoluta originária ou recursal, as que autorizam
o juiz a coibir o processo simulado ou fraudulento, os atos atentatórios à dignidade da justiça ou que munem o juiz de poderes
de tornar efetivo o cumprimento de suas decisões ou de impor sanções pelo seu descumprimento. Também são alheias à
disposição pelas partes as regras que asseguram a eficácia de garantias fundamentais do processo indisponíveis pelas partes,
como as que asseguram a publicidade das decisões judiciais, a fundamentação das decisões, a duração razoável do processo,
a concorrência das condições da ação a racionalização e o regular funcionamento da administração da justiça em, igualdade
de condições em relação a todas as causas e a todos os interessados, o direito de postular e se defender, a que eu tenho
denominado, não por simpatia, mas pela falta de outro nome melhor, de ordem pública processual.

O princípio da unidade da jurisdição impõe ao Estado o dever legal de prestar jurisdição uma única vez. Esse é um princípio
de ordem pública. A própria lei abre exceções a esse princípio pela instituição dos recursos que, por força do mesmo
princípio, são de enumeração taxativa. Os cidadãos que já receberam a prestação jurisdicional não podem, pela omissão
na alegação da existência de coisa julgada, exigir que o Estado preste novamente a jurisdição, função que o Estado tem
de exercer em relação a todos os cidadãos que dela necessitem e não, pelo capricho de uns ou de outros, voltar a exercê-
la, a não ser nos estritos limites facultados pela lei.

Chiovenda recapitulava há um século atrás o caráter de ordem pública da exceção de coisa julgada em lição de extrema
atualidade. Informava ele que se discutia muito se a exceção de coisa julgada era uma exceção em sentido próprio ou se
o juiz deveria relevar de ofício o precedente julgado (coisa julgada relativa ou absoluta?). Escreveu o mestre:
“Nel diritto comune essa è considerata come uma eccezione vera e propria e la dottrina francese accolse questo concetto, che
domina tutora anche in Italia. In Germania le nuovi correnti d’idee dominanti nella considerazione del processo, e in particolare
il concetto che il giudice entra come soggetto ativo nel rapporto processuale e non può essere obbligato a prestare la decisione
più d’una volta, fecero invece accogliere nella dottrina il concetto oposto. Mentre nel Codice civile germanico fu soppresso il
paragrafo che nel progetto rimetteva questa eccezione all’iniziativa della parte, e la natura della eccezione rimase così oggetto
di disputa; nel Regolamento processuale austriaco fu detto expressamente che il giudice può elevarla d’ufficio.
Anche in Italia il concetto che la cosa giudicata abbia carattere assoluto ha omai varii sostenitori. Le parti possono rinunciare
agli effetti del giudicato, non pretendere anche se concordi, una nuova decisione sopra un rapporto già deciso.”

Embora a matéria seja relevável de ofício (art. 485, § 3º), o réu que deixar de alegá-la, poderá responder por perdas e
danos como litigante de má-fé (art. 80, inc. III). Se sobrevier nova sentença como consequência da omissão das partes,
poderá ser rescindida com fundamento no artigo 966, inciso III.
“d) negócio sobre o direito à rescisão: as partes renunciam ao direito à rescisão da decisão, à semelhança do que podem fazer
com o direito ao recurso. Trata-se de negócio lícito, sendo o direito disponível. Rigorosamente, esse negócio não é processual:
abre-se mão do direito potestativo material à rescisão da decisão. Trata-se de negócio permitido.”

Leone sugere que a questão seja regida pelo Direito Civil e invoca o artigo 109 do Código Civil que dispõe, quando ao
prazo para a ação rescisória, que é nula a renúncia à decadência fixada em lei.

Embora a doutrina dominante desde a vigência do Código de 1973 indique que o prazo para a propositura da ação
rescisória é de decadência, não de prescrição, o legislador de 1973 no artigo 495, como o de 2015 no artigo 975, não
tomou expressamente posição a esse respeito. Pessoalmente, não tenho simpatia pela aplicação das regras sobre a
decadência do Direito Civil a um direito de origem estritamente processual. Basta lembrar que a decadência não se
interrompe nem comporta exceções de acordo com o tipo de direito material, o que ocorre com a prescrição, que cede
em face de certas relações jurídicas, como as de direito de família. Assim, por exemplo, a rescisória da sentença de

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improcedência da investigação de paternidade no Brasil caduca em dois anos. O advento do exame de DNA comprovou a
impropriedade dessa limitação. Na Alemanha, a Lei de Família isenta essa ação de qualquer prazo, como já tive
oportunidade de mencionar em outras ocasiões.

Afasto, pois, a aplicação do artigo 109 do Código Civil. A meu ver, há quatro limites à renúncia prévia à rescindibilidade
da sentença transitada em julgado. O primeiro já aduzido acima é a indisponibilidade do direito material. Embora
concorde que a indisponibilidade do direito material não implica necessariamente em indisponibilidade do direito
processual, parece-me que a rescisão de efeitos de direito material, que é o que representa o acolhimento da rescisória,
não pode ser objeto de ato de disposição se o direito material for indisponível.

Do segundo limite tratei no já mencionado estudo sobre a contratualização, a respeito do controle de legalidade das
convenções processuais, que devem respeitar o equilíbrio entre as partes e a paridade de armas, para que uma delas, em
razão de atos de disposição seus ou de seu adversário, não se beneficie de sua particular posição de vantagem em relação
à outra quanto ao direito de acesso aos meios de ação e de defesa9.

Parece-me que a renúncia à instância rescisória caracteriza uma renúncia à jurisdição, que deve ter um terceiro limite,
que exige plena consciência do renunciante ao conteúdo do direito material do qual abre mão. Essa plena consciência
somente se evidencia se a renúncia ocorre em momento em que a sentença rescindenda já foi proferida e que já se tornou
conhecido o motivo que a tornaria rescindível, permitindo que a parte avalie e pondere em concreto todas as vantagens
e desvantagens de renúncia. É absolutamente inválida qualquer convenção que implique em renúncia genérica a qualquer
ação rescisória, estabelecida previamente em contrato extraprocessual, sem que o litígio esteja posto em juízo, sem que
a sentença tenha sido proferida e sem que se prove que o renunciante tinha conhecimento anterior da existência concreta
do motivo de uma possível rescisão.

Por fim, cabe sempre lembrar, como quarto limite, que os atos de disposição das partes são pessoais e não podem
prejudicar interesses de terceiros. Embora o terceiro não esteja sujeito à coisa julgada, pode ter interesse em rescindir a
sentença inter alios pelos efeitos reflexos que dela decorrem para ele, conforme aduzi acima.
“e) negócio jurídico para afastar a coisa julgada. É possível, com base no art. 190, que as partes afastem a coisa julgada. As
partes resolvem que determinada questão pode ser novamente decidida, ignorando a coisa julgada anterior. Nesse caso, o
acordo impede que o juiz conheça de ofício a existência da coisa julgada anterior.”

Valem aqui os mesmos argumentos que inviabilizam o acordo sobre a exceção de coisa julgada. Trata-se de matéria de
ordem pública decorrente do princípio da unidade da jurisdição que não pode ser objeto de ato de disposição das partes.

16. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os treze temas aqui sucintamente examinados são uma pequena amostra da relevância de revisitar a teoria geral da coisa
julgada para tentar resolver com alguma segurança os inúmeros desafios apresentados pelo Código de Processo Civil de
2015.

Meu intuito foi o de problematizar algumas dessas questões sob uma diretriz que me parece insuperável e à qual doutrina
e jurisprudência não podem dar as costas, por mais que se pretenda adotar mecanismos de aceleração das decisões
judiciais e reduzir o volume de processos e de recursos que sobrecarregam juízos e tribunais: a da supremacia dos direitos
e garantias fundamentais inscritos na Constituição.

O aprofundamento da sua análise talvez pudesse conduzir a conclusões diversas. Pareceu-me útil, todavia, trazer à baila
o exame de cada uma delas na perspectiva aqui adotada, que entendo como a única capaz de recuperar na sociedade
complexa do nosso tempo a credibilidade numa Justiça pelos juízes, sem a qual ficamos entregues à selva do mercado,
em que não há eficácia concreta dos direitos de todos nem Estado de Direito.

9
Pascal Ancel observa que as cláusulas que limitam o exercício da jurisdição devem ser vistas com desconfiança, porque muitas vezes
elas são impostas por uma parte em situação de força em relação a outra, que não tem a oportunidade de recusá-las e que muitas vezes
até mesmo as desconhece (L’encadrement de la juridiction par le contrat. In ANCEL, Pascal. RIVIER, Marie-Claire (sous la direction
de). Le conventionnel et le juridictionnel dans le règlement des différends, Paris: Economica, 2001. P. 8).
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