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O presente trabalho objetiva analisar a exclusão da figura dos

embargos infringentes como tipo recursal no âmbito do


processo civil pátrio, então constante no art. 496, inciso III da
Lei nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil
de 1973). Tal inovação resultou da edição da Lei nº 13.105 de
16 de março de 2015 (Novo Código de Processo Civil ).
Paralelamente a tal cenário, verifica-se a natureza da técnica de
suspensão de julgamento de acórdãos não unânimes
constante no art. 942 do Novo CPC. Isto porque, a introdução
da referida técnica de julgamento na seara processual cível
por meio do novo compêndio mostra-se um tanto
contraditória à persecução dos princípios da celeridade e
economia incidentes sobre os atos processuais. Sobretudo
quando se verifica que a busca por maior eficiência no
julgamento das demandas judiciais motivou a já citada
exclusão dos embargos infringentes do rol recursal então
existente. Objetiva-se realizar a pesquisa bibliográfica[1],
através de uma análise comparativa.
Neste sentido, realiza-se uma análise sintética do conceito dos
recursos, bem como dos princípios que regem tais elementos
na seara processual cível, a exemplo do duplo grau de
jurisdição, da proibição da reformatio in pejus, da
singularidade ou unirrecorribilidade, dentre outros.
A seguir, discute-se a figura dos embargos infringentes, então
listado no rol recursal do Código de Processo Civil de 1973 .
Para tanto, analisa-se o conceito dos embargos infringentes,
bem como seu cabimento, o prazo e demais entendimentos
jurisprudenciais e doutrinárias sobre sua natureza.
Posteriormente, verifica-se os motivos que determinaram a
exclusão dos embargos infringentes da lista taxativa de
recursos cabíveis no sistema processual cível, bem como sua
“sobrevida” sob a égide do Novo Código de Processo Civil , com
a ressalva de seu advento sob nova forma. Para tanto, traça-se
uma análise comparativa dos efeitos trazidos pelos embargos
infringentes previstos no CPC de 1973, bem como das
consequências da chamada “técnica de suspensão de
julgamento de acórdãos não unânimes” prevista no art. 942
do Novo CPC. Por fim, propõe-se a observância da influência
política no âmbito das decisões que regem a construção das
normativas legais no cenário pátrio.
I. Sistema Recursal
I.1 Conceito de Recurso

Conforme sabido, os recursos processuais mostram-se como a


possibilidade de reformar\anular as decisões judiciais, que por
sua vez, podem gerar diversos tipos de obrigações para as
partes no processo e, eventualmente a terceiros.

Embora a finalidade seja a mesma, ou seja, modificar ou anular


o teor da decisão judicial, mister se faz diferenciar os recursos
dos sucedâneos recursais. Para Daniel Amorim Assumpção
Neves (2014, n. P.) tal diferenciação é simplória, vez que é feita
de forma residual, ou seja, tudo que não for recurso será
sucedâneo recursal.
Ainda de acordo com Neves (idem, n. P.):
O conceito de recurso deve ser construído partindo-se de
cinco características essenciais a esse meio de impugnação:
voluntariedade; expressa previsão em lei federal;
desenvolvimento no próprio processo no qual a decisão
impugnada foi proferida; manejável pelas partes, terceiros
prejudicados e Ministério Público; e com o objetivo de
reformar, anular, integrar ou esclarecer decisão judicial.

Dito isto, passa-se à análise dos princípios que regem o sistema


recursal pátrio, que integram um rol taxativo seja de acordo
com o art. 496 da Lei nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973 (Código
de Processo Civil de 1973 ) ou com o art. 994 da Lei
nº 13.105 de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil de
2015).
I.2 Princípios Recursais
Inicialmente esclarece-se que etimologicamente a palavra
princípio denota o início, o começo de algo. No âmbito jurídico,
tal conceito adquire um sentido mais específico.

Para Miguel Reale (2003, p. 37) os "princípios são enunciações


normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a
compreensão do ordenamento jurídico, a aplicação e
integração ou mesmo para a elaboração de novas normas”.
Já no entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um


sistema, verdadeiro alicerce dele, dispositivo fundamental
que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o
espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e
inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade
do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá
sentido harmônico. (MELLO, 2000, p. 747)

Neste sentido, o princípio no âmbito jurídico mostra-se como


elemento norteador na aplicação do direito. Destarte, mister se
faz uma análise sintética dos principais princípios pertinentes
ao sistema recursal pátrio e, para tanto, será utilizada a
classificação utilizada por Neves (op. Cit., n. P.).
I.3 Princípio do Duplo Grau de Jurisdição
O princípio do duplo grau de jurisdição representa a
possibilidade da parte de ter uma segunda opinião acerca do
teor da decisão judicial proferida. É como se lhe fosse ofertada
a oportunidade de manifestar-se de forma contrária à decisão
que lhe impôs uma obrigação, ou ainda, não concedeu o pleito
requerido nos termos que foi suscitado. Nas palavras de
Wambier et al (2003, p. 573) o princípio do duplo grau de
jurisdição é considerado uma" garantia fundamental de boa
justiça ".
Cabe destacar que o Supremo Tribunal Federal muito embora
admita a relevância do princípio do duplo grau de jurisdição no
ordenamento jurídico pátrio, não o entende como garantia
constitucional. Neste sentido:

“Confira-se, por outro lado, no que interessa, a orientação


jurisprudencial ainda predominante nesta Corte acerca do
tema do duplo grau de jurisdição em matéria de competência
originária dos Tribunais:

I. Duplo grau de jurisdição no Direito brasileiro, à luz


da Constituição e da Convenção Americana de Direitos
Humanos. 1. Para corresponder à eficácia instrumental que
lhe costuma ser atribuída, o duplo grau de jurisdição há de
ser concebido, à moda clássica, com seus dois caracteres
específicos: a possibilidade de um reexame integral da
sentença de primeiro grau e que esse reexame seja confiado à
órgão diverso do que a proferiu e de hierarquia superior na
ordem judiciária. 2. Com esse sentido próprio - sem
concessões que o desnaturem - não é possível, sob as
sucessivas Constituições da República, erigir o duplo grau em
princípio e garantia constitucional, tantas são as previsões,
na própria Lei Fundamental, do julgamento de única
instância ordinária, já na área cível, já, particularmente, na
área penal. 3. A situação não se alterou, com a incorporação
ao Direito brasileiro da Convenção Americana de Direitos
Humanos (Pacto de São José), na qual, efetivamente, o art.
8º, 2, h, consagrou, como garantia, ao menos na esfera
processual penal, o duplo grau de jurisdição, em sua acepção
mais própria: o direito de" toda pessoa acusada de delito ",
durante o processo," de recorrer da sentença para juiz ou
tribunal superior ". 4. Prevalência da Constituição, no Direito
brasileiro, sobre quaisquer convenções internacionais,
incluídas as de proteção aos direitos humanos, que impede,
no caso, a pretendida aplicação da norma do Pacto de São
José”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 601832 AgR,
Relator (a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma,
julgado em 17/03/2009, DJe-064 DIVULG 02-04-2009
PUBLIC 03-04-2009 EMENT VOL-02355-06 PP-01129
RSJADV jun., 2009, p. 34-38). (Grifo Nosso)

Destaca-se ainda que uma das celeumas doutrinárias acerca do


princípio do duplo grau de jurisdição consiste no fato de que
parte da doutrina entende que este somente estará presente
caso a autoridade jurisdicional que exerça o “reexame” seja
hierarquicamente superior àquela que proferiu a decisão
vergastada. Já para outra parte da doutrina, basta que haja o
reexame da matéria para restar presente o duplo grau de
jurisdição, independentemente dele ocorrer por meio da
mesma autoridade que proferiu a decisão recorrida.

Nas palavras de Neves (op. Cit., n. P.):


[...] entendo pertinente a corrente doutrinária que entende ser
imprescindível para que exista duplo grau de jurisdição
a diferença hierárquica entre os órgãos
jurisdicionais  que, respectivamente, profere a primeira
decisão e que a reexamina. Essa parece sera corrente mais
coerente com o próprio nome do instituto, que apesar de
criticável – uma vez que ajurisdição é una e indivisível –
menciona expressamente um duplo grau, o que é o suficiente
paraexigir que a segunda decisão seja proferida por órgão
jurisdicional hierárquico superior àquele queproferiu a
primeira decisão.

I.4 Taxatividade ou Legalidade


O art. 22, inciso I da CRFB-88 prevê que é competência
privativa da União legislar sobre direito processual. Neste
sentido, tem-se que somente poderá ser considerado recurso
aquele que assim tiver sido conceituado por lei federal.
Dessa forma, tem-se que a Lei nº 5.869 de 11 de janeiro de
1973 (Código de Processo Civil de 1973 ) trouxe em seu
art. 496 o rol dos recursos existentes e, a Lei nº 13.105 de 16 de
março de 2015 (Código de Processo Civil de 2015 ) promoveu a
devida alteração daqueles por meio do art. 994.
Cabe ainda destacar que o art. 24 da Carta Magna estabelece
que é competência concorrente da União, dos Estados e do
Distrito Federal legislar sobre procedimentos em matéria
processual. Esclarece-se, tais entes podem dispor acerca da
forma que se dará o recurso, mas em atenção ao princípio da
taxatividade, somente a União poderá criar tais tipos.
I.5 Singularidade ou Unirrecorribilidade ou
Unicidade
O princípio da singularidade recursal (também conhecido
como unirrecorriilidade ou unicidade) prevê, em linhas gerais,
que para cada decisão judicial, existirá um recurso
especificamente cabível.

Cabe destacar que em alguns casos, será possível a interposição


de mais um tipo de recurso para a mesma decisão, mas a
interposição simultânea dos referidos recursos não é
permitida, via de regra. Acerca da exceção in casu:
Há exceções a esse princípio recursal, o que só vem a provar a
regra, sendo o mais frequente a interposição de recurso
especial e recurso extraordinário contra o mesmo acórdão.
Mas há também outra exceção, na qual se admitirão três
recursos de diferentes naturezas contra o mesmo
pronunciamento decisório judicial: havendo mandado de
segurança de competência originária do Tribunal de segundo
grau parcialmente acolhido, desse capítulo da decisão
caberá recurso especial e / o u recurso extraordinário,
enquanto do capítulo denegatório caberá recurso
ordinário constitucional. (NEVES, op. Cit., n. P.)

Acerca do objetivo do princípio da singularidade, Elias


Marques Medeiros Neto (2003, n. P.) entende que busca-se
“evitar que as partes possam ter a liberdade irrestrita de
escolha, de acordo com os seus próprios interesses, dos
recursos a serem utilizados no decorrer da lide”.
I.6 Voluntariedade
Por meio do princípio da voluntariedade recursal tem-se que
não é possível a interposição de recurso de ofício, ou seja,
mister se faz que a parte interessada manifeste o interesse em
recorrer e promova os atos necessários para tanto de forma
tempestiva.

I.7 Dialeticidade
Em obediência ao princípio da dialeticidade o recorrente deve
demonstrar o fundamento recursal, que se refere à causa de
pedir (seja error in judicando e error in procedendo) e ao
pedido. Em outras palavras, além do pedido de reforma,
anulação, complemento da decisão judicial, é necessário que o
recorrente demonstre as razões recursais sobre as quais se
fundamenta, para que seja possibilitada à parte contrária o
exercício do contraditório. Sobre o tema:
A doutrina costuma mencionar a existência de um princípio
da dialeticidade dos recursos. De acordo com este princípio,
exige-se que todo recurso seja formulado por meio de petição
pela qual a parte não apenas manifeste sua inconformidade
com o ato judicial impugnado, mas, também e
necessariamente, indique os motivos de fato e de direito pelos
quais requer o novo julgamento da questão nele cogitada.
Rigorosamente, não é um princípio: trata-se de exigência que
decorre do princípio do contraditório, pois a exposição das
razões de recorrer é indispensável para que a parte recorrida
possa defender-se.( NERY JR., Nelson., 2004, p. 176-178).

I.8 Fungibilidade
O princípio da fungibilidade assegura o recebimento de um
determinado tipo de recurso em detrimento de outro.
Inicialmente tal ideia pode parecer contraditória com o que
apregoa o princípio da singularidade, vez que para cada
decisão caberá um recurso específico e, em regra, a
interposição de recurso errôneo ocasiona o seu não
conhecimento.

Contudo, cabe esclarecer que a fungibilidade baseia-se no


princípio da instrumentalidade das formas, segundo o qual se
busca prioritariamente atingir o objetivo, a finalidade dos atos.
Dessa forma, muito embora haja um erro procedimental, se
seu objetivo foi atendido e não resultou em prejuízo, tal ato
restará válido. Conforme apregoa Daniel Neves (op. Cit., n. P.)
“[...] o desvio da forma legal sem a geração do prejuízo não
deve gerar a nulidade do ato processual”.
Para que seja possível o uso do princípio da fungibilidade é
necessário que haja dúvida fundada a respeito do recurso
cabível, inexistência de erro grosseiro e inexistência de má-fé.
Este último requisito tende a sumir com a vigência do CPC-
2015. Neste sentido:
É natural que o princípio da fungibilidade não proteja o
recorrente de má-fé, que se vale de recurso incabível somente
para ter um benefício injustificável no processo. Acobertar a
má-fé e a deslealdade processual é medida que se deve evitar
sempre que possível, ainda mais num período de crise ética
como o atual. Ocorre, entretanto, que a má-fé não pode ser
presumida, sendo regra do direito exatamente o contrário: a
boa-fé se presume. Dessa maneira, diante da extrema
dificuldade de provar a existência de má-fé no caso concreto,
a doutrina aponta para o afastamento desse requisito para a
aplicação do princípio da fungibilidade. (NEVES, op. Cit., n.
P.)

I.9 Proibição da Reformatio in Pejus


Segundo o princípio da proibição da reformatio in pejus não é
possível que a decisão do recurso interposto venha a prejudicar
a situação do recorrente. Sobre o tema:
[...] se o recurso é mecanismo previsto para que se possa
obter a revisão de decisão judicial, é intuitivo que sua
finalidade deve cingir-se a melhorar (ou pelo menos manter
idêntica) a situação vivida pela recorrente. Não pose, por
isso, a interposição do recurso piorar a condição da parte,
trazendo para ela situação mais prejudicial do que aquela
existente antes do oferecimento do recurso. (MARINONI,
2008, p. 514-515)

A aplicação do princípio da proibição da reformatio in


pejus não é absoluta, vez que em alguns casos será possível que
a reforma da decisão venha a prejudicar a situação do
recorrente. Pode-se citar como exemplo a matéria de ordem
pública, conhecida de ofício pelo juiz, em qualquer tempo ou
grau de jurisdição.
Ademais, igualmente não se aplica o referido princípio quando
ambas as partes interpõem recursos. Isto porque, o
acolhimento de um dos recursos será prejudicial para a parte
oposta.

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