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CURSO: DIREITO

DISCIPLINA: TEORIA DO PROCESSO E NOVAS FORMAS DE SOLUÇÃO DE


CONFLITOS
CARGA HORÁRIA: 66 horas-aula.
Professor: PAULO AR A GÃ O

1- Conflitos de i nteresses : ocorrem quando duas ou mais pessoas t iverem


interesses contrapostos sobre algo.
2- Pretensão: É a intenção de submeter interesse( s) próprio ( s) ao alheio.
3- Lide: É espécie de conflito de interesse degenerado, caracterizado pela
pretensão de uma parte e a resistência de outra.
4- Equivalentes J uri sdi ci o nai s :
4.1- Autotutela: Quando um conflitante impõe sua vontade, mediante o
emprego da força, ao outro conflitante. É a Justiça de mãos próprias. Em
regra, é proibida, pois é crime ( art. 345 CP). Todavia, nosso ordenamento
jurídico aceita algumas hipóteses de autotutela, dentre as quais podemos
elencar: a guerra, a greve, o desforço incontinente, a legítima defesa,
estado de necessidade e o direito de retenção.
4.2- Autocomposição: Aqui os próprios conflitantes resolvem entre si a
querela. Espécies:
4.2. 1- Transação: Cada conflitante cede um pouco do seu interesse
disputado, visando à composição do conflito.
4.2. 2- Renúncia: O demandante abdica do seu interesse em favor do
outro.
4.2. 3- Reconhecimento do pedido: O demandado aceita o interesse
formulado pela outra parte.
4.2. 4- Mediação: Um terceiro ajuda os conflitantes a chegarem a um
consenso.
4.3 Heterocomposição: Um terceiro impõe a sua decisão as partes
conflitantes.
4.3. 1- Arbitragem: Espécie de heterocomposição, na qual terceiro
escolhido pelas partes ( juiz arbitral) impõe sua decisão a elas. No Brasil a

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arbitragem é disciplinada pela lei 9. 307/96 , sendo ainda pouco utilizada .
A arbitragem é boa para conflitos societários e internacionais, que
requerem urgência na sua composição, não podendo esperar por uma
decisão judicial. A decisão arbitral denomina- se sentença arbitral. Esta
não precisa ser homologada pelo judiciário. O Poder Judiciário diante de
uma sentença arbitral pode fazer duas coisas: Executá - la ou anulá- la ( art.
33 d a le i 9. 30 7/ 96). O árbitr o só pode cie n t ific ar a s parte s da sua de cisão,
não podendo concretizá- la ( executá- la). A nulidade da decisão arbitral tem
que ser oposta em 90 dias.
A arbitragem fere o princípio constitucional da inafastabilidade da
jurisdição? Não, porque a arbitragem é facultativa, sendo realizada por
pessoas capazes e versando sobre direitos dispo níveis. Portanto, não há
qualquer imposição para a utilização da arbitragem.
A arbitragem nasce de um negócio jurídico denominado Convenção de
Arbitra gem . Há duas espécies de convenção de arbitragem: a) cláusula
compromissória: As partes afirmam que qualqu er conflito futuro será
resolvido por arbitragem. A cláusula é prévia e abstrata . O juiz pode
conhecer de ofício da c láusula compromissória e nesse caso extinguir o
processo sem resolução do mérito; b) compromisso arbitral: É firmada
posteriormente ao conflito, pois este já existe e as parte acordam resolvê-
lo por arbitragem. É preciso que as partes provoquem para que o juiz
possa conhecer o compromisso arbitral.
Tem- se reconhecido de forma acertada a abusividade da convenção de
arbitragem nos contratos de adesão nas relações de consumo.
4.4- Direito Processual :
4.4. 1- Conceito: Para Enrico Tullio Liebman “ramo do Direito destinado
precisamente à tarefa de garantir a eficácia prática e efetiva do
ordenamento jurídico, instituindo órgãos públicos com a incumb ência de
atuar essa garantia e disciplinando as modalidades e formas da sua
atividade”. Também conceitua o direito processual o doutrinador
Alexandre Freitas Câmara: “ramo da c iência jurídica que estuda e
regulamenta o exercício, pelo Estado, da função jur isdicional”.

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4.4. 2- Posição Enciclopédica: A ciência jurídica se divide em duas grandes
famílias: Direito Público e Direito Privado. A primeira caracteriza - se pela
existência de uma relação de supremacia de um dos sujeitos ( Estado) da
relação jurídica. Já na segunda há uma relação de coordenação entre os
sujeitos da relação jurídica. Atualmente, a doutrina é uníssona quanto a
posição do Direito Processual na família de direito público, tendo em
vista que o elemento primord ial deste ramo jurídico é a jurisdi ção ( uma
das funções do Estado).
4.4. 3- Evolução Histórica do Direito Processual: Desnecessário se faz no
presente momento de abordagem propedêutica da matéria ir Roma ou
Grécia, para analisar as raízes da evolução de alguns institutos
processuais. Na história vamos nos posicionar num marco mais recente. A
doutrina divide basicamente a evolução histórica do Direito Processual
em três fases: 1) Fase imanentista, c ivilista ou sincrética – Nesta fase
sequer poder- se- ia falar em processo. O que havia eram apen as meras
técnicas ( formas) de aplicação do direito material ( civil e penal) então
existente. Aqui o “processo” era tido com mero apêndice do direito
material, não tendo cientificidade. Negava- se autonomia ao direito
processual. Aqueles que se atreviam a es tudar a regras procedimentais, o
faziam de forma secundária, indireta, haja vista o que lhes interessava
mesmo era o direito material. A esses “estudiosos” do “processo” dava - se
o nome de praxistas ou procedimentalistas; 2 ) Fase autonomista ou
cientifica do processo – Está fase começa em 1868 com a publicação da
obra do jurista alemão Oskar Von Bülow, denominada de Die Lehre Von
den Processeireden und die Processvoraussetzungen (A teoria das Exceções
processuais e os pressupostos processuais). Nesta fase, iniciada com a
publicação da referida obra, predominam os estudos para a fixação dos
conceitos basilares da nascente ciência processual. Aqui nasce os maiores
nomes do direito, dentre os quais podemos citar: Giu seppe Chiovenda,
Francesco Carnelutti, Piero Calamandrei e Liebman. No Brasil podemos
elencar Alfredo Buzaid, Lopes da Costa e Moacyr Amaral Santos; 3) Fase
instrumentalista do processo – Está é a fase tem início por volta de 1950
( pós- guerra). Busca- se descobrir meios de melhorar a prestação

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jurisdicional, dando- lhe maior segurança, celeridade e efetividade.
Também se almeja nesse momento, aproximar o direito material ao direito
processual, pois durante a segunda fase vista em l inhas atrás, ocorreu uma
grande ruptura entre esses dois ramos. Desta for ma, prestigia- se o
consumidor do serviço prestado pelo Estado, quando do exercício da
função jurisdicional ( art. 1211 do CPC); 4) Neoprocessualismo: vivemos a
fase de renovação dos estudos do direito constitucional. Com isso,
surgem diversas manifestações acerca de um novo “olhar” para a
Constituição Federal, principalmente, através de teorias como: 1) força
normativa da constituição; 2) ampliação da jurisdição constitucional e 3)
desenvolvimento de uma nova hermenêutica constitucional. A esse
movimento de releitura da Constituição dar- se o nome de
Neoconstitucionalismo ou pós- positivismo. Dentro desse ambiente, o
direito processual também sofre profundas alterações, pois o processo
passa a ser estudado, dando- se maior ênfase a uma abordagem
constitucional. Portanto, fala- se nesse contexto de Neoprocessualismo ou
para os gaúchos Formalismo- Valorativo.
4.5- Eficácia da lei Pro cessual no Tempo : A lei processual tem
aplicação imediata, incidindo nos processos pendentes no momento que
entrar em vigor. Respeitados os atos processuais praticados sob a égide da
lei anterior. A lei processual no tempo segue o brocardo tempus regit actum .
4.6- Eficá cia da lei processual no Espa ço: Aplica- se, neste caso, o
princípio da territorialidade das leis processuais ( art. 1 do CPC).
4.7- Interpreta ção da lei pro cessual : São formas de aclarar o sentido de
palavras, das normas jurídicas, buscando extrair o seu real significado. Pode ser classificada da
seguinte maneira:

[1] Quanto ao sujeito que interpreta:

1.a) Interpretação autêntica: (ou legislativa) É aquela dada pela própria lei (ex.: conceito de
funcionário público trazido pelo art. 327 do CP – “Considera-se funcionário público, para os efeitos penais,
quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”).

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1.b) Interpretação doutrinária: (ou científica) É aquela feita pelos estudiosos.

1.c) Interpretação jurisprudencial: É aquele fruto das decisões reiteradas dos nossos Tribunais
(ex.: Súmulas Vinculantes).

[2] Quanto ao modo de interpretar:

2.a) Interpretação literal: (ou gramatical) É aquela que leva em conta o sentido literal das palavras
(é considerada a mais pobre das modalidades de interpretação).

2.b) Interpretação teleológica: É aquela que leva em conta a vontade ou intenção objetivada na
lei. É o critério finalístico por excelência, porque por detrás da lei existe uma norma. Descobrir a
finalidade da norma é descobrir qual o bem jurídico protegido. [Sem dúvida, o critério mais importante
hoje].

2.c) Interpretação histórica: É aquela que busca o sentido na origem da lei.

2.d) Interpretação sistemática: É aquela que interpreta a lei juntamente com o conjunto da
legislação, ou mesmo os princípios gerais de direito (a interpretação mais desejável).

[3] Quanto ao resultado:

3.a) Interpretação declarativa: A letra de lei corresponde exatamente àquilo que o legislador
quis dizer.

3.b) Interpretação extensiva: Amplia-se o alcance das palavras da lei para que correspondam à
vontade do texto.

OBS: Deve- se interpretar a norma processual tal como as demais normas do


nosso ordenamento. Para tanto devemos utilizar os elementos interpretativos
criados por Savigny acima explicitados, tais como: literal ou gramatical, lógico,
histórico, sistemático e teleológico. E o exegeta deve atender as diretrizes do
art. 5 da lei de introdução ao código civil. Todavia, o mais importante é

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respeitar a “moldura axiológica” presente na Constituição Federal de 1988 ,
através do rol de princípios processuais que estabele ce em seu texto.

1- Processo e Direito Material: em qualquer processo há pelo menos a afirmação de um direito


em juízo. O processo existe para tutelar um direito. O processo deve conformar-se ao direito
material. A razão de ser do processo é concretizar o direito material. O processo não tem um fim
em si mesmo.

A partir dessa perspectiva, fala-se em instrumentalidade do processo, visto que se prega a


aproximação entre o processo e o direito material.

O processo não é inferior ou subordinado ao direito material. Não há uma relação hierárquica
entre processo e direito material. Um complementa o outro. A relação é de complementaridade;
de simbiose, de mutualismo.

(Pergunta de concurso: explique a relação circular entre processo e direito material. Resposta: um
serve ao outro, ao mesmo tempo em que é servido pelo outro).

Direito Processual

Direito Material

Segundo a teoria circular dos planos material e processual, a relação entre direito material e
processual é de complementaridade ou coordenação. Não há hierarquia ou subordinação entre os
planos material e processual.

2- Processo e Teoria do Direito: após a 2ª Guerra, a ciência jurídica começou a passar por um
processo de transformação. A ciência jurídica foi criada pelos alemães do século XIX. Até a 2ª
Guerra a ciência jurídica não conseguia resolver os problemas trazidos pela própria Grande
Guerra, uma vez que as ações de Hitler estavam acobertadas legalmente.

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Desta forma, iniciou-se uma nova fase da ciência jurídica, chamado de neoconstitucionalismo,
neopositivismo, pós-positivismo, ou positivismo reconstruído. Este é o estágio atual da fase
metodológica do pensamento jurídico.

O processo, por sua vez, não poderia ficar alheio a estas transformações da ciência jurídica do
neoconstitucionalismo, as quais têm cinco características:

1º reconhecimento da força normativa da CF: não há mais dúvidas de que a CF é uma norma que
pode ser realizada concretamente, independentemente do legislador, não sendo mera carta de
intenções, mas sim uma norma com eficácia normativa (ex: a jurisprudência manda que o Estado
entregue um remédio a um necessitado que ingressa em juízo. Se a CF diz que a saúde é um
dever do Estado, então deverá cumprir, não sendo mero programa);
2ª a teoria dos princípios: hoje, princípio é norma, espécie de norma. Norma é gênero, princípio é
espécie de norma;

3ª transformações da hermenêutica jurídica:

3.1 ª a percepção de que a atividade jurisdicional é criativa. O juiz é um partícipe


importantíssimo na criação do direito. O juiz não mais declara as normas, e sim participa da
construção delas. Não é possível negar o papel criativo da jurisprudência. A jurisdição de nosso
tempo tem papel complementar ao do legislador. É preciso distinguir entre texto e norma. A
norma é o sentido que se dá ao texto. A norma é o que resulta da interpretação de um texto. A
norma é o sentido que se dá ao texto. O juiz interpreta um texto jurídico e tira dele uma norma
jurídica. Ex.: texto: proibida a utilização de biquíni (placa da década de 50 em Ipanema, que está
lá até hoje). Na década de 50 as pessoas tomariam banho totalmente vestidas, enquanto hoje
tomariam banho despidas. Assim, em 60 anos, mudou-se completamente a interpretação do
mesmo texto.

3.2 ª o princípio da proporcionalidade: foi construído para dar um conteúdo ético às


decisões. Repercute em qualquer ramo do direito.

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4ª ) consolidou-se a teoria dos direito fundamentais: um verdadeiro pilar do direito constitucional
contemporâneo, foi desenvolvida nesse período histórico e é um elemento indispensável do
neoconstitucionalismo.
5ª ) controle de constitucionalidade: a expansão, aprimoramento e desenvolvimento da jurisdição
constitucional. Hoje, tem-se o controle concentrado e difuso de constitucionalidade, totalmente
consagrados, podendo um juiz deixar de aplicar uma lei por entender ser ela inconstitucional.

Essas características são consenso, não há discussão sobre a existência delas. Contudo, elas dão
margem a abusos (ex.: juiz ultrapassar a força criativa do Judiciário). Por isso, cabe à ciência
jurídica dar a elas um conteúdo mais concreto.
3- Processo e Constituição: uma das características de nosso tempo é a constitucionalização
dos direitos. A constituição incorporou inúmeras regras processuais e, muitas delas, normas
processuais relativas a direitos fundamentais.

Qual é a relação entre o processo e os direitos fundamentais? A primeira relação está na pauta
dos direitos fundamentais, onde há diversos direitos fundamentais de conteúdo processual (ex:
contraditório, ampla defesa, proibição de prova ilícita, etc.). Na segunda relação, os direitos
fundamentais têm duas dimensões: a) dimensão subjetiva (os direitos fundamentais são direitos
titularizados pelo indivíduo, como o direito a vida, a liberdade, etc.); b) dimensão objetiva (é que
os direitos fundamentais, além de direitos, são normas que orientam a produção de toda a
legislação infraconstitucional, ou seja, toda legislação infraconstitucional deve respeitar os direitos
fundamentais. Impõem uma pauta de valores mínimos que devem ser seguidos pelo legislador
infraconstitucional. O legislador não pode criar uma lei que fere o contraditório, pois os direitos
fundamentais são normas que orientam a produção de normas).

Qual a relação entre processo e a acepção subjetiva dos direitos fundamentais? O processo tem
de ser adequado à tutela, a proteção dos direitos fundamentais; o processo tem que estar
preparado para proteção dos direitos fundamentais. O processo tem que ser construído para bem
tutelar os direitos fundamentais. Por este motivo é que se criou o HC, que é um instrumento
processual mais adequado para a tutela da liberdade.

Qual a relação entre processo e a acepção objetiva? O processo tem de ser estruturado de acordo
com as normas de direitos fundamentais (ex: um processo não pode impedir o contraditório, pois

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não estaria em consonância com os direitos fundamentais). O processo deve ser um bom
instrumento para os direitos fundamentais (acepção subjetiva) e deve estar de acordo com os
direitos fundamentais (acepção objetiva).

PRINCÍOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO

1. Princípio do devido processo legal:

A Constituição Federal de 1988 garante a todos o devido processo legal. Ninguém pode
sofrer privação de direitos sem o devido processo legal. Todavia, a expressão devido processo
legal não é clara.

Devido processo legal é a tradução brasileira da expressão due process of law, expressão
inglesa do século XIV. A ideia de devido processo legal, de limitação ao exercício do poder é do
século XIII com a Magna Carta. Não havia a expressão inglesa due process of law na Magna Carta.

Law significa direito e não lei. Lei em inglês é statute Law. O devido processo legal é um
processo em conformidade com o direito como um todo, com a lei em sentido amplo,
abrangendo a CF.

Alguns autores não falam mais em devido processo legal e sim em devido processo
constitucional. Esta expressão due process of law existe no direito inglês há 800 anos. Esta expressão
é genérica.

O que significa ser um processo devido e determinado com a lei? Esta expressão é
genérica de propósito, pois para o direito norte-americano e inglês, o direito é aquilo que os
tribunais dizem (precedentes judiciais). Sendo assim, ao invés de estabelecerem o que é não
devido, cabe a jurisprudência definir o que é devido. Em 800 anos de história, foi a jurisprudência
dos tribunais que definiram o que é devido, surgindo o contraditório, o juiz natural, a ampla
defesa etc. Não há, nos EUA, uma previsão constitucional do devido processo legal. Isto tudo é
construído a partir deste texto.

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Qual a diferença entre texto e norma? Este texto é o mesmo há 800 anos. A norma que se
extrai do texto não é a mesma, tendo em vista que o processo em 1.215 não é o mesmo que em
2.008. O cão guia para um cego tem natureza jurídica de um olho. Desta forma, não se pode
proibir a entrada deste cão em locais proibidos para animais. O texto diz uma coisa, porém, a
norma é a interpretação que se tira deste texto.

Devido processo legal é um texto que os reis em 1.215 interpretavam de uma forma
completamente diferente dos juízes em 2.008. O devido processo legal é uma cláusula geral, um
enunciado normativo aberto, cujo conteúdo é definido pelo juiz de acordo com as circunstâncias
histórico-culturais do momento da decisão. É aquilo que no momento histórico se entende o que
é devido.

Não há como saber o que é exatamente o devido processo legal, variando conforme a
interpretação dada ao texto. Há como saber o conteúdo mínimo deste texto, ou seja, aquilo que já
está consolidado como garantias que decorrem do devido processo legal. Ao passar do tempo, se
surgirem novas necessidades, estas novas garantias serão construídas. O juiz natural é do século
XVII, após 400 anos do surgimento do texto.

Devido processo legal é também uma cláusula que permite que se extraia outras garantias.
É uma potência de outras garantias. Atualmente, está se usando o processo eletrônico ou virtual
(sem papel). O que é o devido processo eletrônico? O que ele deve obter para cumprir com o
texto? Suas garantias são metas a serem buscadas.

O conteúdo mínimo do devido processo legal serão estudadas logo abaixo. O que
significa a palavra “processo” do texto do devido processo legal? Significa método ou meio de
criação de normas jurídicas. Toda norma jurídica é resultado de um processo. Ou seja, o processo
é um meio para criação das normas. As leis são frutos de um processo legislativo. As sentenças
são frutos de um processo jurisdicional. As normas administrativas são frutos de um processo
administrativo. Portanto, o processo legislativo, administrativo e jurisdicional, deve ser devido.

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Existe outro tipo de norma (não são legislativas, jurisdicionais, etc.), que são as normas
privadas, sendo normas produzidas pela autonomia privada (ex: regulamentos de clubes,
regimentos de condomínio, contratos, etc.). Estas normas também devem obedecer ao devido
processo legal aplicado ao âmbito privado. No condomínio onde reside Fredie Didier, por
exemplo, se um condômino for acusado de alguma ilicitude, terá prazo de 15 dias para se
defender, devendo o síndico resolver de plano. Contra sua decisão cabe recurso para a assembleia
de condôminos.

Segundo art. 57 do CC, a exclusão do associado só é admissível havendo justa causa,


assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos
previstos no estatuto (Redação dada pela Lei n. 11.127/05). Ou seja, o associado somente pode
ser excluído se for oferecido o direito de contraditório. Antes da referida lei, o STF, no
julgamento do RE 201.819, consolidou esta regra. Esta é a relação dos direitos fundamentais
aplicada ao âmbito privado. Esta relação é denominada de eficácia horizontal (entre indivíduos)
dos direitos fundamentais. Contrapõe-se à chamada eficácia vertical dos direitos fundamentais,
que ocorre nas relações entre Estado e cidadão.

O termo “devido” nessa expressão significou na idade média uma limitação dos direitos
do rei em respeito aos direitos dos vassalos, isto é, uma limitação contra a tirania. Nesses 800
anos houve um acúmulo histórico que compõe a noção de processo devido. Hoje, o devido
processo tem que ter contraditório, tem que ter decisões motivadas, não pode ter prova ilícitas,
deve ter juiz imparcial, entre outros requisitos.

Assim, o processo devido é um processo que se constrói historicamente, através de um


acúmulo que não pode mais ser apagado, não se pode mais retroceder com o que foi
conquistado. É uma cláusula aberta às necessidades de uma sociedade em determinado momento
histórico, por isso sua longevidade.

O devido processo legal tem duas dimensões:

Dimensão formal ou processual: é o conjunto de garantias processuais, como o contraditório,


ampla defesa, motivação das decisões, publicidade, proibição de prova ilícita etc.

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Dimensão substancial ou material: para o due process of law norte-americano, tudo se extrai desta
dimensão. Para que um ato de poder seja devido (lei, sentença etc.), basta que ele preencha o
devido processo legal formal? Os norte-americanos entendem que não, pois não basta a
observância das regras processuais, mas também que seja devida em si mesma, ou seja, não é
porque o legislador respeitou o processo legislativo que a lei é devida. É preciso que seja
substancialmente devida, devendo controlar o abuso do poder, pois as vezes o poder é exercido
de maneira correta, mas com conteúdo incorreto. Desse modo, o devido processo legal
substancial garante que as decisões devem ser ponderadas e razoáveis. Processo que gera desgraça
não é processo devido, ainda que respeitado o devido processo formal. Processo devido é aquele
que gera decisões devidas, não bastando a observância da dimensão formal.

O devido processo legal é um conjunto de garantias mínimas que devem ser observadas; é
um processo que se constrói historicamente, por meio um acúmulo que não pode mais ser
apagado, não se pode mais retroceder com o que foi conquistado.

Tem de observar as exigências formais, bem como deve garantir decisões


substancialmente devidas. Frisa-se que foram os norte-americanos que criaram a última
dimensão, isto é, não basta seguir formalidades, mas sim controlar as opções do Estado. Não só
controlar a forma, mas também das decisões. Não é qualquer decisão que é devida. A decisão
precisa ser justa, razoável e, por fim, equilibrada. Não basta que a decisão seja formalmente
devida; é necessário que seja substancialmente devida (justa).

O STF encampou a ideia do devido processo legal substancial. Deu a criação norte-
americana um outro sentido, a saber: passou a entender que o devido processo legal é em sua
dimensão substancial o fundamento da máxima da proporcionalidade e da razoabilidade. No
devido processo legal, proporcionalidade e razoabilidade se confundem. Esse entendimento é
brasileiro, trata-se da construção do pensamento jurídico brasileiro (doutrina e jurisprudência).

2- Princípio do Contraditório:

O processo é um procedimento organizado em contraditório, ou seja, processo é um


conjunto de atos tendentes a uma decisão final em que os sujeitos desses atos participam e
podem influenciar nesta decisão. O contraditório tem uma dupla dimensão (formal e substancial):

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em 1º lugar ➔ é garantia de participação, de ser ouvido. A formal. Dimensão formal do princípio
do contraditório é a que garante as partes o direito de participar do processo; é o direito de ser
ouvido (de participar). Esta garantia é puramente formal, isto é, basta participar para preencher o
requisito.
Em suma: princípio do Contraditório é igual à participação mais poder de influência. Já
em 2º lugar ➔ o poder de influência é a dimensão substancial, a qual garante às partes o “poder
de influência”. A parte tem o direito intervir no conteúdo da decisão, não basta mera
participação. É preciso que esta participação permita o convencimento do juiz, como por
exemplo, o direito a produção de provas, de constituir um advogado etc.

3- Princípio da ampla defesa:

Para a doutrina clássica o princípio da ampla defesa, embora correlato ao princípio do


contraditório, com este não se confunde. Sendo o contraditório instrumento de atuação do
direito de defesa, ou seja, está se realiza através do contraditório. Já a doutrina moderna sustenta
que a garantia da ampla defesa é a dimensão substancial do contraditório.

4- Duração razoável do processo:

Não significa dizer que é o princípio da rapidez. Processo rápido é processo tirano
(autoritário). Processo demora por opção própria, pois isso garante uma melhor decisão. Existe
um direito fundamental a uma demora mínima; um processo com o mínimo de atos para que a
decisão seja justa. Porém, a demora deve ser razoável. Inexiste prazo certo e determinado para o
processo. É o caso concreto que definirá. Não há notícia histórica de que os processos da Santa
Inquisição demoravam. O que é uma duração razoável? Não há como definir a priori um processo
sem analisar o caso concreto. Há quatro critérios de aferição definidos pela Corte Europeia
de Direitos Humanos para saber sobre a razoável duração:
1) complexidade da causa;
2) Estrutura do Judiciário: tem que analisar a estrutura do judiciário para saber se há
possibilidade de dar vazão aos processos;
3) Comportamento do juiz: precisa saber qual foi o papel do juiz no processo;
4) Comportamento das partes: precisa saber se houve atos procrastinatórios das partes
(será que a oitiva da testemunha arrolada pela parte é essencial);
4) Publicidade:

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Tem por finalidade controlar o exercício do poder. No Brasil, os julgamentos são
públicos. Os constitucionalistas questionam se os julgamentos televisionados são positivos? A
impressão de cidadão é positiva. Destaca que nos EUA os julgamentos são fechados. Aqui até os
procedimentos administrativos são públicos. Contudo, há restrições pontuais a tal princípio, as
quais são garantidas na CF (fundamento: interesse público ou em razão da preservação da
intimidade).
Princípio da Motivação: O órgão judicial deve fundamentar todas as suas
decisões, ou seja, expressar as razões que o levaram a decidir de tal forma. A
obrigatoriedade de motivação não deve ser interpretada apenas como dever,
mais também, como forma de proteção do julgado r, pois com a fundamentação
de suas decisões, evita ser- lhe atribuída à pecha da arbitrariedade ou
parcialidade. O princípio da motivação está previsto na constituição federal de
1988 em seu artigo 93, IX e X.

Princípio da Efetividade: um processo para ser devido tem de ser efetivo, ou seja, tem de
realizar, efetivar os direitos. Não basta um processo que reconheça os direitos, mas não os realize,
os efetive. Todos têm o direito fundamental de ver os seus direitos efetivados e não somente
reconhecidos. Este princípio não está consagrado de forma expressa; é corolário (extraído) do
devido processo legal. Nem toda doutrina aborda tal tema.
Ex1: impossibilidade de penhorar um cão-guia (natureza jurídica de olho). Não há uma regra
expressa em tal sentido, mas parte do p. da dignidade da pessoa humana. Frisa que tal cão é um
bem valoroso (cerca de oito mil reais).
Ex2: salário VS impenhorabilidade x penhorar parcela de um salário de um grande jogador de
futebol. Ok → justo. Só se pode chegar a tal conclusão se partir da premissa que existe o p. da
efetividade. Daí surge os argumentos para penhorar tal parcela salarial.

Princípio da Adequação: processo devido é processo adequado também. As regras-normas


processuais têm de ser adequadas. Frisa que há três fatores de adequação:
→ 1º critério - objetivo: o processo tem de ser adequado ao direito que por ele será tutelado, isto
é, ao objeto do processo. Um processo de alimentos pode ser igual a um processo de anulação
de um contrato?! O processo deverá ser adequado as lides civis. O judiciário tem que dar um
processo adequado ao direito que será tutelado. Peculiaridades do direito material discutido

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impõem regras processuais adequadas a isso. A exigência de adequação objetiva é uma imposição
da instrumentalidade do processo.
→2º critério - subjetivo: o processo deve ser adequado em relação aos sujeitos que vão participar
do processo. A adequação subjetiva do processo é uma imposição do p. da igualdade. As normas
processuais precisam observas as diferenças. Não se pode dar o mesmo tratamento ao incapaz e
ao capaz. Deve-se dar prioridade aos processos em que litigam os idosos, por exemplo. Os
prazos diferenciados também devem se adaptar aos sujeitos envolvidos. Ex: casos x processos x
com a Fazenda Pública.
→3º critério - teleológico: é preciso que as normas processos sejam adequadas aos fins do
processo. O processo deve ser adequado em relação aos seus fins, aos seus propósitos. Isso quer
dizer, se a parte quer um processo para executar, não se pode criar um processo que tumultue a
execução; não se pode permitir ampla discussão neste processo – tendo em vista que não é esta a
finalidade de uma execução.
Tradicionalmente, o p. da adequação era estudado como se ele fosse dirigido ao legislador, ou
seja, é tarefa do legislador criar normas processuais adequadas. Ocorre que, atualmente, tal
princípio também é dirigido ao juiz, não é somente aquele previsto em lei, é necessário que o juiz
também prossiga na adequação das regras processuais. Mas aqui com uma diferença: legislador
cria regras processuais adequadas gerais, o juiz teria de criar uma regra processual adequada ao
caso concreto.
O direito a um processo adequado é aquele que esteja em sintonia com o caso concreto. A
adequação, além de ser legislativa, também deveria ser também jurisdicional. Fala-se, então, em
um subprincípio da adequação, a saber: p. da adaptabilidade do procedimento (também
chamado de princípio da elasticidade ou ainda princípio da flexibilidade do
procedimento).

Princípio da Boa-fé objetiva: boa-fé objetiva é uma expressão criada pela doutrina como
norma de conduta (é uma cláusula geral ou princípio). É a boa-fé objetiva no processo. Não tem
nada a ver com a acepção de boa-fé subjetiva, que significa boa intenção (elemento psicológico
que nada tem a ver com a norma), se contrapondo a má-fé. A boa-fé como fato é levada em
algumas situações de direito (ex: posse de boa-fé).
A segunda acepção é da boa-fé objetiva → o princípio em tela  como norma de conduta que
impõe a parte o dever de respeitar ao outro, agindo com lealdade, ética, de modo a proteger a

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confiança que o outro tem em suas atitudes. Deve estar presente em todos os casos, o
comportamento estar em conformidade com os padrões.

Princípio da Preclusão: é a perda de um poder jurídico processual. É dividida em:


1) Temporal: é a perda de um poder processual, tendo em vista a perda de um prazo processual.
Ex: tenho o prazo para contestar, não contestei, perdi o prazo.
2) Consumativa: é a preclusão pelo seu exercício; pelo uso, pelo exercício do poder, tendo em
vista que não se pode usá-lo mais de uma vez; isto é, usado o poder processual, não se tem mais
este poder. Ex: o juiz pode sentenciar uma única vez. Ex2: as partes podem recorrer uma única
vez. Enfim, raramente a lei permite que se pratique o ato mais de uma vez.
3) Lógica: é a perda de um poder processual em razão de um comportamento a contraditório a
outro comportamento anterior realizado pela mesma parte (ex1: aceitar sentença e recorrer; ex2: a
parte recorre da sentença que teve pedido de acordo homologado; ex3: quem oferece um bem a
penhora perde o direito de questionar a validade desta penhora).

JURISDIÇÃO:

1 – Conceito

É preciso criar um conceito de jurisdição adequado ao modelo de Estado constitucional


(não mais Estado legal). Vamos construir aos poucos o conceito, para depois consolidá-lo.

Inicialmente, urge dizer que se trata de 1 um poder-função (ato de império) a ser exercida
por alguns órgãos. É absolutamente impossível desvincular da ideia de jurisdição a ideia de
imperatividade.

Este tal poder-função é atribuído a 2 terceiros imparciais (sujeito estranho ao problema a ser
resolvido; e que não tenha – subjetivamente – qualquer interesse nesse problema). Por isso se diz que
jurisdição é uma técnica de heterocomposição dos problemas.

A – A jurisdição é uma função atribuída a terceiro imparcial

A jurisdição é um exemplo de heterocomposição. A solução do problema é dada por


alguém que é terceiro, estranho em relação ao problema. Ser imparcial é não ter interesse na
causa. Não basta ser terceiro. É preciso ser terceiro e não ter interesse na causa.

OBS: Não confundir imparcialidade com neutralidade: (i) Imparcialidade: é a ausência de


interesse na causa e está relacionada com o tratamento isonômico das partes, de maneira
eqüidistante; (ii) Neutro: o juiz nunca é, pois, juiz é ser humano, e ser humano nuca é neutro.
Neutro é o que está desprovido de valor, não é nem positivo, nem negativo. Seres humanos não

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são neutros, pois todos sofrem, tem preconceitos, traumas etc. A neutralidade não existe na
jurisdição. Neutro é adjetivo que não se aplica as pessoas.

OBS: Chiovenda dizia que a marca da jurisdição, sua principal característica, era a sua
substitutividade. Para ele, na jurisdição, o juiz substitui a vontade das partes pela dele,
prevalecerá a vontade do Estado. Se há heterocomposição, há substitutividade, pois o Estado
substitui a vontade dos litigantes pela sua vontade.

Sucede que a substitutividade por terceiro imparcial, diferente do que Chiovenda diz, não é
a marca da jurisdição, pois há outros casos em que não há jurisdição, mas há terceiro imparcial.
Este atributo é característica da jurisdição, mas não lhe atributo exclusivo. Ex agências
reguladoras são autarquias, entes administrativos que tem várias funções entre as quais julgar
conflitos no âmbito administrativo como terceiro imparcial. Existem tribunais administrativos
que também são terceiros imparciais, resolvem conflitos, mas não possuem jurisdição, pois lhes
faltam outros elementos que caracterizam a jurisdição.

B – Mediante um processo

A jurisdição se exerce processualmente. Não é instantânea. O exercício da jurisdição


pressupõe uma série de atos preparatórios que lhe são anteriores. É resultado de uma atividade
organizada processualmente. O processo é um método de exercício da jurisdição. Sem processo a
jurisdição não se exerce.

C – Tutelar

Tutelar é proteger juridicamente. Tutela-se reconhecendo (tutela de conhecimento),


efetivando (tutela de execução) ou resguardando (tutela cautelar) direito.

D – Situações jurídicas concretamente deduzidas

A jurisdição sempre atua sobre um problema concreto, ou seja, “trabalha sob encomenda”.
Recai sempre sobre uma situação que foi submetida ao juiz. O juiz não decide situações em
abstrato, ele somente decide problemas concretos.

Esta é uma marca da jurisdição que a torna completamente diferente da legislação. A


legislação não atua sobre problemas concretos. O legislador produz normas gerais, enquanto o
julgador resolve sempre problemas concretos.

Pergunta: Na ADI também é assim, ou seja, se está levando um problema concreto? R –


Quando se propõe uma ADI se leva um problema concreto: a lei que é inconstitucional. Não há
atividade jurisdicional que não recai sobre problema concreto.

Embora seja marca da jurisdição, não é exclusividade da jurisdição. Isto a distingue da


legislação, mas não da administração. Porque a administração também atua sobre situações
concretas.

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Pergunta: Como relacionar a jurisdição com a tutela dos direitos (a própria proteção de se dá aos
direitos)? Os direitos são tutelados pela jurisdição, à medida que eles são reconhecidos, efetivados
ou protegidos por ela própria. Urge dizer, ainda, que essa proteção tem que ser feita por um
terceiro imparcial, mediante um processo que reconheça, efetive ou proteja esses direitos
concretamente deduzidos. Qualquer outra possibilidade de tutela dos direitos que não possuam
todas essas características aqui reveladas, não guardará relação com a jurisdição (pode ser uma tutela
legislativa de direitos; ou uma tutela administrativa de tutela de direitos; etc.).

OBS: Carnelutti defende que a jurisdição só existe quando as situações concretamente


deduzidas forem uma lide. Lide é um conflito de interesses. Este posicionamento de Carnelutti
está superado. Hoje se sabe que a jurisdição recai não necessariamente sobre lide. Embora a lide
seja a principal situação a ser resolvida pelo juiz, em regra; há atividade jurisdicional sem lide – ex:
alteração de nome; interdição de um sujeito em coma – não tem lide, mas não deixa de haver
jurisdição. A lide é apenas a principal espécie levada para que o juiz decida, mas não é a única.
Por isto este pensamento está superado.

E – De modo imperativo e criativo

A jurisdição é ato de império, de soberania, de força. Quando o juiz decide, ele traz consigo
toda a força do Estado.

Ao dizer que a jurisdição se realiza imperativamente não quer dizer que é só o Estado que
exerce jurisdição.

OBS: A jurisdição é monopólio do Estado, mas isso não quer dizer que só o Estado a
exerce. O Estado pode reconhecer que alguns entes privados exerçam jurisdição – ex: arbitragem.
A arbitragem, no Brasil, é jurisdição, embora seja uma jurisdição não estatal. Porque o Estado
brasileiro reconhece este tipo de exercício da jurisdição privada.

O juiz, ao julgar, cria. O juiz não é um mero reprodutor do que está na lei. O juiz parte da
lei para criar a solução jurídica de um caso concreto. A norma jurídica do caso concreto é dada
pelo juiz, criada por ele. O juiz interpreta a lei, interpreta a constituição, vê qual a melhor lei
aplicável ao caso concreto e cria a norma jurídica do caso concreto. O juiz cria a partir dos
parâmetros ditados pelo legislador. Não é possível hoje falar em jurisdição retirando a atividade
criativa do juiz.

OBS: Decidir conforme a lei, não quer dizer que o juiz somente repetirá o comando legal.
Ele exercerá esta atividade criativa, tomando por base a ‘mens legis’. Essa criatividade se revela de
duas formas distintas em todas as decisões judiciais, sem exceção nenhuma:

DISPOSITIVO: Momento em que o juiz cria a norma individualizada, ou seja, a norma


que vai regular aquela situação concreta que foi decidida. É no dispositivo da decisão, na
conclusão da decisão, que o juiz cria a norma que vai regular aquela situação concretamente
deduzida.

FUNDAMENTAÇÃO: Vem antes da conclusão. Na fundamentação de qualquer decisão


se encontra aquilo que a doutrina chama de norma geral do caso concreto. Norma geral que

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autoriza o juiz a dar a norma individual do caso concreto. Ex1: João pede indenização contra
José, pois este lhe deu um murro. O juiz acolhe o pedido de João.

F – Em decisão insusceptível de controle externo

Nenhum outro poder pode rever uma decisão jurisdicional. Uma lei não pode ofender uma
coisa julgada, pois nenhum outro ato de poder pode rever uma decisão judicial.

Aí que aparece uma característica que é só da jurisdição: a jurisdição é a única


manifestação de poder insusceptível de controle externo.

A jurisdição se controla jurisdicionalmente. Assim, a jurisdição é insusceptível de controle


externo, mas internamente pode ser controlada – ex: através dos recursos.

G – Apta a tornar-se indiscutível pela coisa julgada material

Só a jurisdição (mais uma característica só dela) tem a aptidão da definitividade. Torna-


se indiscutível inclusive internamente, insusceptível de controle inclusive interno. Somente atos
jurisdicionais podem adquirir esta indiscutibilidade.

CARACTERISTICAS DA JURISDIÇÃO:

1- Substitutividade;
2- Aptidão para a coisa julgada material;
3- Unidade;
4- Imparcialidade;
5- Monopólio do Estado;

PRINCÍPIOS DA JURISDIÇÃO

1. Princípio da investidura

Somente pode exercer jurisdição quem tiver sido investido (empossado) na função jurisdicional
ou também aqueles nomeados (ex: quinto constitucional). A investidura não se dá só por meio de
concurso público. A investidura do juízo é requisito de existência do processo. A competência e a
imparcialidade são requisitos de validade do processo.

2. Princípio da indelegabilidade

O órgão jurisdicional não pode delegar o exercício de sua jurisdição a ninguém ou a outro órgão.
Ao falar de indelegabilidade é necessário falar dos poderes do juiz dentre eles o poder
ordinatório, ou seja, poder de praticar atos para que o processo avance. Tal poder pode ser
delegado aos servidores. Vejamos:

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CF Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da
Magistratura, observados os seguintes princípios: ... XIV os servidores receberão delegação para a prática de atos
de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório;

*O juiz pode até mandar o estagiário transcrever a sentença, porém, deverá assiná-la (isso na
prática).
Quando se fala em indelegabilidade, se fala em indelegabilidade do poder decisório. A CF
permite, nos termos do art. 102, inc. I, alínea “m”, que o STF delegue a prática de atos executivos
a juízes, tendo em vista que não são decisórios.

CF Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I -
processar e julgar, originariamente: ... m) a execução de sentença nas causas de sua competência originária,
facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais;

Esta previsão é destinada somente ao STF, porém, é unânime que todos os tribunais podem
delegar a prática de atos executivos (poder executório).

Outro exemplo de delegação é a de poderes instrutórios, em que os tribunais costumam delegar


aos juízes singulares o poder de produção de provas (ex: ouvir testemunhas).

Quando o juiz expede uma carta precatória delega a jurisdição? Não, pois carta precatória nada
mais é do que um pedido de ajuda. Não se pode delegar o que o juiz não tem, pois ele não tem
jurisdição em outra comarca.

3. Princípio da inevitabilidade

A decisão jurisdicional é inevitável. Se a parte pudesse escapar da jurisdição, ela nada mais seria
que um conselho.

4. Princípio da territorialidade

A jurisdição é exercida sempre sobre um dado território (foro). Há sempre uma limitação
territorial. Jurisdição é poder. E assim deve ter um lugar para poder exercê-lo. O nome sobre o
qual a jurisdição se exerce é o foro, isto é, é a delimitação territorial para o exercício da jurisdição.
Ex: o foro do STF é no país todo; Ex2: o foro de um TJ de um estado é aquele estado.

Ressalta-se que na Justiça Estadual costuma-se falar em comarca e distrito. Os foros são
chamados de comarcas. A comarca se refere a uma cidade ou a um grupo de cidades. E a
comarca por sua vez pode ser subdivida e aí surge o distrito, o qual pode ter nome de uma cidade
ou ainda de um bairro.

Quanto à Justiça Federal o foro recebe outra denominação, a saber, seção judiciária. Cada seção
judiciária corresponde a um Estado. A seção judiciária pode ser dividida em subseções. A seção
judiciária sempre tem nome de Estado. A subseção sempre tem nome de cidade. A subseção
judiciária abrange uma ou mais cidades.

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5. Princípio da inafastabilidade

A lei não excluirá do Judiciário, lesão ou ameaça de direito (art. 5º, inc. XXXV, da CF: a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito); este é o princípio que
garante o acesso aos tribunais. É a garantia da tutela preventiva; a parte poderá levar ao Judiciário
qualquer ameaça de direito.

- Princípio da inafastabilidade → lei não pode excluir o PJ

- Princípio da inevitabilidade → parte não pode escapar da jurisdição

A jurisdição é universal (pois qualquer pessoa pode ir e porque pode afirmar o que quiser em
juízo). Do ponto de vista jurídico, nenhuma lesão ou ameaça*** de lesão pode deixar de ser
levada ao Judiciário. Na época do militarismo, a CF previa que as questões relacionadas aos atos
institucionais não poderiam ser levadas ao Judiciário.

6. Princípio do juiz natural

Este princípio é extraído do devido processo legal e de dos incisos XXXVII e LIII, do art. 5º, da
CF.

XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção (imparcialidade);

LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

Há dois aspectos principais do juiz natural: a) não haverá juízo ou tribunal de exceção
(imparcialidade – daí falar em distribuição de processos – não posso escolher o juiz); e b)
julgamento pelo juiz competente (competência – lei prévia).

COMPETÊNCIA

Conceito:
É a quantidade de poder atribuída a um determinado órgão/ente. É a medida do poder que
cabe ao ente. Daí falar em competência legislativa, administrativa e jurisdicional.
Aqui é poder para exercer jurisdição (estando relacionado ao controle de poder – exercer
o poder nos limites da sua competência).
Distribuição da competência:
É tarefa legislativa. A primeira grande distribuição está na CF/88 ao criar as cinco justiças (JF,
JT, JE, JM e JEst). A Justiça Estadual é uma competência residual. As outras quatro são bancadas
pela União.
O juiz sem competência constitucional produz decisões nulas ou inexistentes?

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Ada Pelegrini entende que é inexistente porque em desrespeito as regras de competência
constitucional. A concepção majoritária entende que existe, mas é nula (faz coisa julgada e cabe
ação rescisória).
Abaixo da CF, vêm as leis federais, as CE e as leis estaduais que continuam repartindo a
jurisdição até chegar ao RI dos Tribunais, este último, pega a competência do TJ e distribui
internamente.
Somente após este estudo é possível saber quem é que possui competência para o julgamento,
sabendo quem pode potencialmente, mas não concretamente. Para isso é preciso fixar a
competência.

Fixação ou determinação da competência:


É a identificação de qual é o órgão que vai julgar a causa, que se dá pela aplicação do art. 87 do
CPC (Art. 43. Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição
inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente,
salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta.).
A segunda parte do artigo 43, CPC, diz que fixada à competência não importa os fatos
supervenientes, pois não alteram a competência já fixada (regra de estabilidade do processo). É a
perpetuação da jurisdição.
Art. 43. Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial,
sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo
quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta.
A terceira parte excepciona essa regra da perpetuação em duas hipóteses:
A) Quebra da perpetuação quando houver supressão do órgão jurisdicional;
B) Quebra da perpetuação quando houver alteração da competência absoluta (matéria e
hierarquia). É o que aconteceu com a EC/45 quanto á JT e a JEst, até a prolação da decisão, se
tiver recurso permanece no cível, porque já teve sentença.
Não existe invalidade por ato superveniente – não pode INVALIDAR.

Classificação da competência:
A) Absoluta e relativa:

Absoluta Relativa
São regras criadas para atender o interesse As regras de competência relativa são
público e não podem ser alteradas pela regras criadas para atender o interesse
vontade das partes, o desrespeito a essas particular e podem ser alteradas pelas
regras, gera a chamada incompetência vontades das partes. A incompetência
absoluta, que pode ser conhecida “ex relativa não pode ser conhecida “ex ofício”
ofício” pela provocação de qualquer das (Súmula 33, STJ). Só o réu pode alegar
partes enquanto durar o processo. E se incompetência relativa no primeiro
terminar, ainda cabe ação rescisória. Não momento que lhe couber falar nos autos,
há forma para alegar incompetência sob pena de preclusão, ou seja, tornando o
absoluta. juízo competente. Só pode ser alegada por
exceção de incompetência. A jurisprudência
do STJ diz que é possível admitir que a
alegação de incompetência na contestação
se não causar prejuízo ao autor. Se o réu

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for incapaz o MP pode alegar
incompetência em relação ao incapaz.

Obs: Kompetenzkompetenz: competência da competência – todo juiz sempre tem competência


para julgar sua própria competência. É um mínimo que sempre existe. Na absoluta faz de ofício e
na relativa por provocação.
Obs: A incompetência não gera extinção do processo, nem na absoluta e nem na relativa, mas
gera a remessa dos autos para outro juízo. Há duas exceções: nos Juizados (gera extinção); e a
incompetência internacional. Havia uma exceção a mais que era a incompetência do STF, mas
como o RISTF mudou, não é mais uma exceção.
Obs: A incompetência absoluta além de gerar a remessa dos autos para outro juízo gera, também,
a anulação dos atos decisórios. A relativa só gera remessa, não anula os atos decisórios.

B) Distinção entre competência originária e derivada: originária é a competência para conhecer e


julgar as causas em primeiro lugar. A regra é que os juízos singulares tenham competência
originária. Contundo, há casos em que o TJ possui competência originária, mas são excepcionais.
Competência derivada é a competência para julgar os recursos (recebe a causa em um segundo
momento). A regra é que a competência derivada seja dos TJ. Mas, há casos em que é do juiz
singular (ex: em causas de pequeno valor em execução fiscal – até aproximadamente R$ 500,00 –
o recurso da sentença e julgado pelo próprio juiz da causa – Lei nº. 6.830/80, art. 34 – art. 34. das
sentenças de primeira instância proferidas em execuções de valor igual ou inferior a 50 (cinqüenta) Obrigações do
Tesouro Nacional – OTN, só se admitirão embargos infringentes e de declaração). Não ocorre isso nas
Turmas recursais, mesmo que elas sejam compostas por juízes, porque a competência é da
Turma. Outro exemplo é os embargos de declaração.

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