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DESAFIOS À COISA JULGADA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Leonardo Greco1

1. Conceito e fundamentos da coisa julgada. 2. A fragilidade da coisa


julgada no Brasil. 3. Coisa julgada de decisões terminativas? 4. A
improcedência liminar do pedido. 5. A tutela da urgência e da
evidência. 6. A estabilização da tutela antecipada antecedente. 7. O
julgamento antecipado parcial do mérito. 8. A decisão de saneamento.
9. A resolução da questão prejudicial. 10. Extensão da coisa julgada
a terceiros. 11. Efeito preclusivo da coisa julgada. 12. Coisa julgada
inconstitucional. 13. A jurisprudência e os precedentes. 14. A
homologação de atos de disposição. 15. As convenções processuais e
a coisa julgada. 16. Considerações finais.

1. CONCEITO E FUNDAMENTOS DA COISA JULGADA

O artigo 502 do Código de 2015 denomina coisa julgada material “a autoridade


que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”,
mantendo assim o conceito tradicional de que a coisa julgada é a imutabilidade que
adquirem os efeitos de direito material da sentença não mais sujeita a qualquer recurso
no processo em que foi proferida. Por esse conceito, a coisa julgada somente atinge as
sentenças ou decisões de mérito, porque são elas que dispõem sobre o direito material das
partes.
E o artigo 505 também reproduz regra tradicional, segundo a qual “nenhum juiz
decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide”, que consubstancia
o fundamento jurídico da coisa julgada, qual seja o de que, ao prover sobre o direito
material do Estado, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, exteriorizando a vontade
única do Estado a respeito da postulação que lhe foi apresentada, ressalvadas as hipóteses
de relações jurídicas continuativas e as de admissibilidade da ação rescisória.
Apesar de a doutrina tradicional procurar delimitar o alcance dessa imutabilidade
por meio da análise dos chamados limites objetivos e subjetivos da coisa julgada, há
inúmeras situações previstas no ordenamento processual que merecem ser consideradas
a parte, ora porque contemplam graus variáveis de estabilidade da própria coisa julgada,
ora porque, extravasando do conceito de coisa julgada, imutabilizam decisões judiciais
que não versam sobre o direito material das partes. Antonio Cabral prefere agrupar todas

1
Professor titular aposentado de Direito Processual Civil da Faculdade Nacional de Direito da Universidade
Federal do Rio de Janeiro.

1
essas situações em conceito mais amplo de estabilidades processuais2, observando que o
Código de 2015 em mais de um dispositivo se refere a essas situações fora do âmbito
estrito da coisa julgada, como nos artigos 304, 357 e 926. A ideia de estabilidade seria
suficiente para analisar todos os fenômenos de imutabilidade das decisões judiciais, como
a preclusão, o chamado efeito preclusivo da coisa julgada (art. 508) e a exceptio male
gesti processus (art. 123). Referindo-se especificamente à preclusão e à coisa julgada,
assevera o Autor “que os dois institutos não podem ser despropositadamente
diferenciados porque possuem mais características em comum que diferenças”3. Esse
entendimento é compartilhado por Jordi Nieva-Fenoll, para quem qualquer decisão
judicial pode revestir-se de coisa julgada, desde que o seu conteúdo se revista de
estabilidade4.
Já Chiovenda, criticando Hellwig, considerava equivocada a redução da coisa
julgada a um fenômeno meramente processual5. Essa visão redutora deprecia a sua
milenar função política modernamente materializada na sua caracterização como garantia
do direito fundamental à segurança jurídica, e descurando toda a construção teórica, que
deve ser desenvolvida para resguardá-la, e que vai muito além da simples preservação da
celeridade e da eficiência na administração da Justiça e que deve adentrar à análise dos
requisitos que devem ser exigidos para que o direito material judicialmente reconhecido
se torne imutável, sob que condições esse direito material se impõe às partes ou a terceiros
de modo indiscutível e em que medida esse direito material pode ser ignorado ou
reapreciado. Não se trata simplesmente de questão que se restringe à imutabilidade de um
ato processual. No Estado de Direito fundado na supremacia da dignidade humana e na
eficácia concreta dos direitos fundamentais, a coisa julgada é instrumento essencial para
a definição do conteúdo dos direitos subjetivos de cada um e para a solução definitiva das
controvérsias por órgão independente e imparcial em consonância com essa definição. E
mais do que isso: a coisa julgada é garantia de que a atribuição pela decisão judicial do
bem da vida disputado entre as partes resultou de processo em que ao vencido foram
assegurados amplamente o contraditório e o exercício do direito de defesa. Nessa
perspectiva as exigências de racionalização e de aperfeiçoamento da atuação da máquina

2
CABRAL, Antonio do Passo. As estabilidades processuais como categoria incorporada ao sistema do
CPC. In DIDIER JR., Fredie. CABRAL, Antonio do Passo (coords.). Coisa julgada e outras estabilidades
processuais. Salvador: Juspodivm. 2018. P. 25-60.
3
Ob. cit. P. 45.
4
NIEVA-FENOLL, Jordi. A coisa julgada: o fim de um mito. In DIDIER JR., Fredie. CABRAL, Antonio
do Passo (coords.). Coisa julgada e outras estabilidades processuais. Salvador: Juspodivm. 2018. P. 105-
123.
5
CHIOVENDA, Giuseppe. La acción en el sistema de los derechos. Santiago de Chile: EDEVAL. 1992.
Nota 75. P. 188-191. Não é outra a opinião do mestre italiano nos seus Principii di diritto processuale
civile (3ª ed. revista e notavelmente aumentada. Napoli: N. Jovene. 1923. P. 145 e 910-911) nos quais
leciona que o julgado produz uma novidade jurídica, que não se confunde com a preclusão, pois enquanto
esta é um fenômeno interno do próprio processo, aquela é de observância obrigatória em qualquer outro
processo “perché il bene riconosciuto dalla sentenza deve appunto valere como tale fuori del processo”. E
acrescenta (p. 911-912): “Tutte le sentenze su questioni dunque che non hanno importanza nel commercio
giuridico, fuori del processo, possono bensì diventare definitive, passare in giudicato in senso formale, ma
non in senso sostanziale: esse chiuderanno il processo o uno stadio del processo, ma non vincoleranno il
giudice di processi futuri, cioè su domande nuove”.

2
judiciária e as regras processuais que por meio de formalidades, prazos, preclusões e
outros requisitos procuram dar eficiência e celeridade à busca daqueles objetivos com
eles não podem confundir-se, nem a eles podem equiparar-se ou sobrepor-se. Diferente
poderia ser a conclusão num sistema político que pouca ou nenhuma importância desse à
tutela dos direitos individuais ou que sistematicamente a submetesse aos superiores
interesses do próprio Estado6, sistema esse que seria visceralmente incompatível com o
estágio de desenvolvimento humano atingido pelo mundo ocidental após o término da II
Guerra Mundial.
Com essa ênfase, Rogério Lauria Tucci, invocando os ensinamentos de Eliézer
Rosa, Moacyr Amaral Santos e Paula Batista, referia-se à coisa julgada substancial, como
“um elemento indispensável de ordem pública, com o mesmo fundamento que a
autoridade das leis”7.
Ao contrário das preclusões, de preponderante relevância endoprocessual, a coisa
julgada é elemento essencial de qualquer sistema jurídico. Como observa Tercio Sampaio
Ferraz Junior, referindo-se ao sistema jurídico, o “resultado do funcionamento do sistema
é impedir a continuação de conflitos, pondo-lhes um fim”8. Portanto, a coisa julgada opera
na vida em sociedade, e não apenas dentro dos processos judiciais em que se forma.

2. A FRAGILIDADE DA COISA JULGADA NO BRASIL

Conforme já observei anteriormente,9 a coisa julgada no direito brasileiro sempre


foi, e continua sendo, muito frágil. As razões políticas ou culturais dessa fragilidade são
várias. De início, pode apontar-se a tradição romana, de julgamentos privados, que levava
o legislador a simplesmente ignorar a força do julgado nulo, considerado inexistente, que
sempre podia ser atacado por uma ação subsequente, como a infitiatio iudicati ou a
restitutio in integrum.10 Em verdade, conforme demonstrou Calamandrei no seu
incomparável estudo sobre a Cassação Civil,11 foi o Direito Germânico que instituiu o
princípio da validade formal da sentença, com eficácia erga omnes e não sujeita nem
mesmo a qualquer impugnação recursal, como consequência do costume dos julgamentos
em assembleias populares e, num segundo momento, em escabinados igualmente de
composição popular.
Mas o Direito reinol, nos confins mais longínquos da Península Ibérica, onde foi
mínima a influência do Direito Germânico, preservou nas Ordenações a tradição romana
da sentença nula como sentença inexistente, ou sentença nenhuma, na expressão do título

6
V. sobre esse dilema, UZELAC, Alan. Goals of Civil Justice and Civil Procedure in the Contemporary
World. In UZELAC, Alan (ed.). Goals of Civil Justice and Civil Procedure in Contemporary Judicial
Systems. London: ed. Springer. 2014. P. 3-31.
7
TUCCI, Rogério Lauria. Sentença e coisa julgada civil. Belém do Pará: Edições CEJUP. 1984. P. 46-
47.
8
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Teoria da norma jurídica. Rio de Janeiro: Forense. 1986. P. 141.
9
V. GRECO, Leonardo. Ainda a coisa julgada inconstitucional. In: Estudos de direito processual.
Campos: Faculdade de Direito de Campos. 2005. P. 557-582.
10
CUENCA, Humberto. Proceso civil romano. Buenos Aires: EJEA, 1957. p. 105.
11
CALAMANDREI, Piero. La cassazione civile. In: Opere giuridiche. V. VII. Napoli: Morano. 1976.
P. 100 e ss.

3
75 do Livro III do Código Filipino, que não precisava de qualquer ação para rescindi-la.12
Somente em 1843, já independente o Brasil, é que foi criada formalmente em
Portugal a ação rescisória, em seguida no Brasil incorporada ao Regulamento 737 de
1850, como mais um meio de arguição de nulidades da sentença, e facultando o
desfazimento do julgado por qualquer violação de direito expresso, mesmo que a questão
em que se fundamentasse a ação tivesse sido amplamente debatida e decidida em todas
as instâncias do processo de que havia resultado a sentença.13
De lá para cá, a evolução foi mínima. Na verdade, a escancarada vulnerabilidade
da coisa julgada pela ação rescisória, que não tem paralelo em nenhum sistema processual
moderno, subsiste até hoje com a complacência da doutrina, à exceção da luminosa tese
de Luis Eulálio de Bueno Vidigal, que procurou limitar a violação de literal disposição
de lei apenas às leis de direito material.14
As únicas limitações impostas ao instituto no curso do tempo, igualmente sem
uma mais detida reflexão teórica, foram as reduções do prazo para cinco anos no Código
Civil de 1916 e para dois anos nos Códigos de 1973 (art. 495) e de 2015 (art. 975), e a
adoção pelo Supremo Tribunal Federal do atécnico verbete da Súmula n. 343, que jazeu
como um cadáver durante décadas e de repente ressuscitou para a matéria
infraconstitucional, mas não para a matéria constitucional, com incontáveis implicações
em relação à segurança jurídica e ao hoje sustentado princípio da confiança legítima.
A impropriedade do prazo, ao mesmo tempo muito longo e muito curto, e que o
legislador brasileiro insiste em ignorar, e o pouco prestígio de que goza a coisa julgada
entre nós têm levado a situações iníquas e até mesmo, de certo modo, surpreendentes:
de um lado, a suspensão da execução de sentenças transitadas em julgado através de
liminares e cautelares em ações rescisórias (CPC de 2015, art. 969), a recusa do seu
cumprimento, com o oferecimento de impugnação para rediscutir a justiça da decisão
pela superveniência de decisões do STF em matéria constitucional (CPC de 2015, arts.
525, § 12, e 535, § 5º), e a criação legal ou pretoriana de ações autônomas de
impugnação; de outro lado, a insatisfação com uma coisa julgada iníqua, que não
encontra limites para corrigir sentenças injustas, contrárias à verdade objetiva ou
inconstitucionais, mas que o faz somente para alguns, e não para todos.
Na verdade, a fragilidade da coisa julgada no Brasil tem outras causas, além da
justificação histórica. Ainda não nos desprendemos do paternalismo herdado da
colonização portuguesa. O juiz, como outrora o rei, é soberano, lei animada sobre a
terra,15 lei acima das leis, que pode conceder ilimitadamente a qualquer súdito a graça da
reparação da injustiça, mesmo quando cometida por outros juízes.
De outro lado, a fragilidade da coisa julgada parece inevitável para corrigir erros de
uma Justiça sem credibilidade, afogada no excesso de causas, que justifica a perda da
qualidade e da confiabilidade das suas decisões e propicia que se consolidem julgamentos
iníquos.
Aliás, o Estado brasileiro, contraditoriamente, tem demonstrado um grande interesse
na fragilização da coisa julgada quando esta contraria os seus interesses, não só para
eternizar a rolagem da sua moratória, que a Justiça penosamente administra, desvirtuando

12
A epígrafe do título 75 do Livro III das Ordenações Filipinas é muito expressiva: “Da sentença, que por
Direito he nenhuma, e como se não requere ser della appellado, e como em todo tempo póde ser revogada”
(Ordenações Filipinas. Livros II e III. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985. p. 684).
13
V. VIDIGAL, Luís Eulálio de Bueno. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume VI. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. P. 29 e ss. PONTES DE MIRANDA (Tratado da ação rescisória. 4ª
ed. Rio de Janeiro: Forense. 1964. P. 91 e ss.) contesta essa evolução, tentando demonstrar que a prática,
na vigência das Ordenações Filipinas, já era a de depender a anulação da sentença de nova decisão judicial.
14
VIDIGAL, Luís Eulálio de Bueno. Da ação rescisória dos julgados. São Paulo: Saraiva, 1948.
15
Ordenações cits. Livro III. Título 75. P. 685.

4
o papel do Judiciário de guardião dos direitos dos cidadãos, mas também porque a falência
do aparelho burocrático estatal e as deficiências da sua defesa judicial têm contribuído
para a consolidação e execução de decisões judiciais absurdas, frequentemente noticiadas,
como as que teriam determinado o pagamento de indenização pela desapropriação de
imóvel já anteriormente desapropriado, ou o pagamento de correção monetária sobre
débito já anteriormente corrigido, entre outras16. Paradoxalmente, para atender ao clamor
de muitos, especialmente os juízes, contra o excesso de litigiosidade, o excesso de
processos e de recursos, e de grande parte da sociedade contra a morosidade da Justiça,
nas causas em que as decisões judiciais não atingem diretamente a interesses do próprio
Estado, este sustenta uma legislação que pretende impor a coisa julgada mesmo a decisões
oriundas de procedimento em que o vencido não teve ampla possibilidade de defender-se
em contraditório. As opções de política legislativa admissíveis a respeito da coisa julgada
não podem afrontar as garantias fundamentais do processo justo, como também não
podem dar a decisões meramente instrumentais de alcance restrito ao processo em que
foram proferidas a mesma estabilidade das decisões que atribuem a um das partes o bem
da vida para dele usufrui-lo, sem mais poder ser molestado pelo adversário que perdeu a
demanda.
O Código de 2015 traz à baila inúmeras questões que sugerem uma reflexão sobre
os pilares da teoria da coisa julgada, tanto nos seus limites objetivos, quanto nos limites
subjetivos, bem assim no reexame dos seus requisitos essenciais: decisão definitiva de
mérito, não mais sujeita a recurso no processo em que foi proferida, resultante de processo
em que foram assegurados ao vencido o mais amplo exercício do direito de defesa e do
contraditório.
Este ensaio não pretende exaurir a análise de todas as questões relativas à coisa
julgada no Código de 2015, mas apenas desenvolver uma breve reflexão sobre alguns
pontos que nos parecem mais importantes, a partir das premissas até aqui expostas.

3. COISA JULGADA DE DECISÕES TERMINATIVAS?

A inexistência de coisa julgada nas decisões sobre matérias exclusivamente


processuais, sejam elas interlocutórias ou terminativas, é regra tradicional acolhida sem
maiores discussões nos sistemas da civil law, justamente em razão da restrição da sua
eficácia ao próprio processo em que são proferidas. Para alguns haveria, no máximo, coisa
julgada formal, que, na verdade, não é coisa julgada alguma, porque a coisa julgada, a
res, nada mais é do que o mérito da causa, ou seja, o próprio direito material disputado
pelas partes.
O artigo 486 do Código de 2015 explicita essa regra, tal como o fazia o artigo 268
do Código de 1973. O diploma anterior, sem se referir à noção de coisa julgada, dispunha,
entretanto, que a decisão terminativa que extinguisse o processo sem resolução do mérito,
com fundamento em perempção, litispendência ou coisa julgada, obstaria a que o autor
intentasse novamente a mesma ação. No caso de perempção (Código de 1973, art. 268,
parágrafo único; Código de 2015, art. 486, § 3º), extingue-se o direito de promover a
pretensão de tutela do direito mediante o exercício do direito de ação. Extingue-se a
acionabilidade. Mas a pretensão de direito material sobrevive e pode ser veiculada em
qualquer outro processo no exercício do direito de defesa. Não há, portanto, coisa julgada

16
V. DIDIER JR., Fredie (org.). Relativização da coisa julgada - Enfoque Crítico. 2ª ed. Salvador: ed.
IvsPodium. 2006. Passim.

5
sobre o direito material. No caso de litispendência é o direito de instaurar processo que
tenha por objeto a mesma pretensão de direito material que já é objeto de outro processo
pendente que se extingue enquanto subsistir o processo anterior, pela proibição de bis in
idem. Não se extingue a pretensão de direito material, que já está sendo veiculada no
processo anterior, que poderá ser reiterada se o processo anterior for extinto e que também
poderá ser reiterada em novo processo se neste o juízo que reconhecer que a decisão que
extinguiu o processo anterior, estava equivocada. Como não há julgamento do mérito, e
portanto não há coisa julgada, o novo juízo não está vinculado ao julgamento da
litispendência pelo juízo do processo anterior. O mesmo ocorre na hipótese de extinção
do processo com fundamento em coisa julgada anterior. Extingue-se o novo processo,
mas esta decisão não produz coisa julgada quanto à existência de coisa julgada, porque
se trata de matéria exclusivamente processual para efeito de admissão de um novo
processo. Nada impede que em processo futuro, venha o juízo a reconhecer a inexistência
da coisa julgada acolhida no julgamento anterior, que não o impedirá de dar seguimento
ao novo processo.
O Código de 2015 manteve essa mesma disciplina em relação à litispendência, nos
§§ 1º e 3º do artigo 486, mas no referido § 1º desse artigo a estendeu a outras hipóteses,
determinando que “no caso de extinção em razão de litispendência e nos casos dos incisos
I, IV, VI e VII do art. 485, a propositura da nova ação depende da correção do vício que
levou à sentença sem resolução do mérito”.
Essas novas hipóteses são as de indeferimento da petição inicial, ausência de
quaisquer pressupostos processuais, falta de condições da ação, alegação de convenção
de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer a sua competência.
Igualmente não há coisa julgada, porque inexiste julgamento da pretensão de direito
material. Até mesmo nas hipóteses de ausência de legitimidade ou de interesse processual,
não há apreciação da pretensão de direito material, mas apenas da sua inviabilidade in
statu assertionis. Assim, não apenas na hipótese de correção do vício que determinou a
extinção do processo anterior, mas também se o autor, em novo processo, lograr
convencer o juízo de que houve erro na extinção anterior, esta decisão não vincula o
julgamento posterior.
Mas o novo Código, no artigo 966, § 2º, admite ação rescisória contra esse tipo de
decisão, nestes termos:

“Art. 966.........
§ 2º Nas hipóteses previstas nos incisos do caput, será rescindível a decisão
transitada em julgado que, embora não seja de mérito, impeça:

I – nova propositura da demanda;

....................................................................”

Antonio Cabral, embora reconhecendo a inexistência de coisa julgada nesses casos,


tendo em vista que o artigo 502 vincula a res judicata ao julgamento de mérito, sendo a

6
previsão de ação rescisória uma simples opção de política legislativa, sustenta a existência
de uma preclusão extraprocessual17.

Concordo que não haja coisa julgada, porque não se trata de decisão de mérito, mas
daí decorre que a decisão não tem eficácia extraprocessual e, como tal, não impede que
em outro juízo venha a mesma questão a ser apreciada em sentido diverso, o que tornaria
absolutamente desnecessária a ação rescisória. Ocorre que, embora versando sobre
questão exclusivamente processual, esse tipo de decisão com frequência impõe a uma das
partes o que alhures denominei prestações ou sanções de natureza processual18, como os
encargos da sucumbência e a multa ou indenização por litigância de má-fé que, embora a
sua origem processual, criam direitos subjetivos materiais exercitáveis ou exigíveis fora
do processo em que foram criados. Para anular ou rescindir esse tipo de decisão e, assim,
suprimir tais prestações, é que o interessado deverá manejar a ação rescisória.

Para eliminar o impedimento à repropositura da demanda, a ação rescisória prevista


nesse dispositivo é apenas mais um meio, o que não impedirá que o autor, em nova
postulação junto ao juízo de primeiro grau, convença o julgador de que a sua postulação
não incorre em qualquer dos vícios enumerados no § 1º do artigo 486. Mas ainda que a
rescisória fosse o único meio, não há coisa julgada, porque não houve julgamento sobre
o direito material e a decisão obstativa nada disse sobre a vida das pessoas, mas apenas
sobre o processo.

4. A IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO

Aperfeiçoando dispositivo introduzido no Código de 1973 como artigo 285-A (Lei


n. 11.276/2006), o artigo 332 do Código de 2015 permitiu que o juiz proferisse
liminarmente sentença de mérito de improcedência do pedido, antes mesmo da citação do
réu, em diversos casos em que, não havendo controvérsia sobre matéria de prova, a
questão de direito já estiver definida por algum tribunal superior em sentido desfavorável
ao proposto pelo demandante, bem como nas hipóteses de imediata constatação da
prescrição ou da decadência.
Confrontado esse dispositivo com o artigo 502 do Código, que define a coisa
julgada material como “a autoridade que torna imutável e indiscutível a sentença de
mérito não mais sujeita a recurso”, pareceria lícito concluir que, esgotados ou não
interpostos todos os recursos cabíveis, as decisões proferidas com fundamento no artigo
332, sendo decisões de mérito, adquiririam a imutabilidade característica da coisa julgada
material.

17
CABRAL, Antonio do Passo. A coisa julgada formal faz sentido no sistema do CPC/2015? In DIDIER
JR., Fredie. CABRAL, Antonio do Passo (coords.). Coisa julgada e outras estabilidades processuais.
Salvador: Juspodivm. 2018. P. 153-156.
18
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil – Processo de Conhecimento. Volume II. 3ª ed. Rio
de Janeiro: Forense. 2015. P. 16.

7
Entretanto, como eu já tive oportunidade de observar em dois trabalhos
anteriores19, além dos dois requisitos previstos no referido artigo 502, por força das
garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, a formação da coisa julgada
material exige um terceiro requisito, que a decisão tenha resultado de cognição exaustiva.
A coisa julgada não é meramente uma criação do legislador. É uma garantia do
direito fundamental à segurança jurídica dos direitos reconhecidos por decisões judiciais
em que às partes que a ela ficam submetidas tenham sido plenamente assegurados o
contraditório e a ampla defesa, em que as partes tenham tido plena oportunidade de
discutir as proposições fáticas e jurídicas que lhes são desfavoráveis, de demonstrar a sua
insubsistência e em que o julgador tenha sobre todo esse material exercido adequada
cognição, traduzida na fundamentação analítica da sua decisão.
Não se nega que a ânsia de celeridade da sociedade moderna exige que o legislador
regule procedimentos de cognição sumária para, com menos tempo, menor custo e menos
trabalho, a Justiça possa rapidamente dar vazão ao seu enorme volume de trabalho. Mas
é preciso reconhecer, por outro lado, que decisões resultantes da sumarização da cognição
são mais vulneráveis, estão mais sujeitas a erro e, assim, não podem adquirir a mesma
imutabilidade daquelas que foram proferidas após ampla discussão e exaustiva cognição.
Tutelas de urgência, ações monitórias, juizados especiais, são alguns exemplos de
institutos plenamente consolidados no processo civil moderno, de que resultam decisões
irrecorríveis decorrentes de limitações cognitivas. Esse fenômeno também se dá no
julgamento liminar de improcedência. Somente existem dois modos de conciliar esses
institutos com a eficácia concreta das garantias constitucionais do processo: ou expungi-
los do ordenamento jurídico, o que implicaria em proibir a sua utilização com graves
prejuízos para a administração da justiça e para a própria tutela de muitos interesses
juridicamente relevantes; ou admitir que as decisões deles resultantes não estejam sujeitas
à coisa julgada, ou melhor, que não estejam sujeitas à mesma coisa julgada das decisões
resultantes de cognição exaustiva, comportando, conforme o tipo de insuficiência
cognitiva, ação anulatória ou ação revisional.
Como tenho sustentado20, se interpretado como regulador de uma sentença de
mérito apta a gerar coisa julgada no sentido geralmente aceito, o artigo 332 do Código de
2015 é flagrantemente incompatível com a garantia constitucional do contraditório, pois
nem o autor nem o réu são ouvidos antes da sentença sobre o fundamento do
indeferimento da petição inicial. Se não se pode afirmar que o réu seja prejudicado por
esse tipo de decisão, o autor francamente o é, porque lhe é cerceado o direito, integrante
da garantia do contraditório, de demonstrar, mediante todos os meios legais, que tem
razão, mesmo que o juiz, prima facie, assim não entenda. Refiro aqui a lição de Nicolò
Trocker, comentando o acórdão Osman (1999) da Corte Europeia de Direitos Humanos,
que elucida o aspecto do contraditório a que denomina de diritto al giudizio, consistente
não apenas no direito ao provimento conclusivo final, mas a todo o iter procedimental que
enseja amplamente a cada uma das partes a mais extensa possibilidade de fazer uso de
todas as oportunidades facultadas pelo procedimento para tentar convencer o juiz da

19
GRECO, Leonardo. Cognição sumária e coisa julgada. In Revista Eletrônica de Direito Processual da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ano VI. N. 10. Jul.-dez. 2012. Disponível em
www.academia.edu; GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil – Processo de Conhecimento.
Volume II. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2015. P. 39-43 e 329-333.
20
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil – Processo de Conhecimento. Volume II. 3ª ed. Rio
de Janeiro: Forense. 2015. P. 41-43.

8
procedência das suas alegações21. Esse aspecto do contraditório está consagrado
categoricamente nos artigos 9º e 10 do Código de 2015, sem qualquer ressalva quanto ao
julgamento liminar de improcedência, dispondo que “não se proferirá decisão contra uma
das partes sem que esta seja previamente ouvida” e que “o juiz não pode decidir, em grau
algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às
partes oportunidade de se manifestar”. Todavia, escapando da literalidade do dispositivo,
parece-me perfeitamente possível dar-lhe uma interpretação conforme à Constituição, no
sentido de que a decisão nele prevista não constitui efetiva resolução do mérito, mas
decisão que prima facie proclama a inviabilidade do julgamento do mérito em face da
aparente contrariedade à ordem jurídica, tal como proclamada pelo enunciados de
súmulas e decisões de tribunais nele enumerados. Nesse sentido, trata-se de verdadeira
decisão terminativa de extinção do processo por falta de interesse de agir, de eficácia
exclusivamente endoprocessual, vinculando apenas o juízo que a proferiu no processo em
que a proferiu, não impedindo que em outro processo o mesmo ou outro juiz venha a
adotar entendimento diverso.
Não pode ser outra a interpretação a ser dada ao § 1º do artigo 332, que igualmente
prevê o julgamento liminar de improcedência se o juiz verificar desde logo a decadência
ou a prescrição. Cabe observar, por oportuno, quanto à prescrição, que o legislador se
referiu apenas à prescrição de direitos não patrimoniais, porque, nos termos do artigo 191
do Código Civil, a prescrição de direitos patrimoniais é renunciável, o que impede o juiz
de pronunciá-la antes da citação do réu, subtraindo a possibilidade de que este, no prazo
de resposta, venha a renunciá-la.

5. A TUTELA DA URGÊNCIA E DA EVIDÊNCIA

Na disciplina da tutela da urgência e da tutela da evidência, o Código de 2015


enfatizou com propriedade a sua provisoriedade, restringindo a sua eficácia ao processo
em que foi proferida, no qual pode a qualquer tempo ser revogada ou modificada (art.
296). A provisoriedade é inerente a essas modalidades de provimento, tendo em vista a
sua acessoriedade em relação a uma outra modalidade de tutela, cognitiva ou executiva,
a que sempre está vinculada, o que exclui a eventual possibilidade de vir a adquirir a
imutabilidade da coisa julgada.
Entretanto, dois dispositivos do Código de 2015 suscitam reflexão a respeito de
eventual imutabilidade da tutela de urgência, dispositivos esses herdados do Código de
1973 que poderiam ter merecido redação mais adequada para evitar entendimentos
errôneos que a seu respeito ainda perduram. São os dispositivos constantes dos artigos
309, parágrafo único, e 310.
O primeiro parece vedar a renovação da medida cautelar antecedente que, depois
de concedida, tenha caducado por algum dos motivos do artigo 309. O segundo prescreve
que o indeferimento da medida cautelar antecedente com fundamento em prescrição ou
decadência impediria que o autor formulasse o pedido da ação principal.
Reproduzindo o disposto no parágrafo único do artigo 808 do Código de 1973, o
parágrafo único do artigo 309 do Código de 2015 somente permite a reiteração por novo
fundamento de medida cautelar que tenha caducado. Sigo considerando inconstitucional
essa limitação irrazoável ao direito de acesso à Justiça. Tanto a medida indeferida, como

21
Nicolò Trocker. La formazione del Diritto Processuale europeo . Torino: ed. G. Giappichelli. 2011. P.
244.

9
a que tenha anteriormente perdido eficácia por qualquer motivo, não pode deixar de ser
novamente examinada e concedida se concorrerem com atualidade no momento em que
a medida é novamente requerida o fumus boni juris e o periculum in mora. A regra aqui
criticada é justificada na boa fé e na conveniência de dar certa estabilidade à relação
jurídica entre as partes antes da decisão final da causa principal. Entretanto, não pode
tornar-se obstáculo à obtenção de tutela cautelar ou antecipada a quem demonstre dela
necessitar em face de um perigo atual, pouco importando se idêntico requerimento foi
anteriormente concedido e caducou.
O artigo 310, que trata da independência entre a tutela cautelar e o julgamento do
pedido principal, salvo no caso de indeferimento daquela com fundamento em decadência
ou prescrição, indubitavelmente se aplica tanto à tutela antecedente, quanto à incidente.
Daniel Mitidiero22, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart23 sustentam que há
coisa julgada material sobre a improcedência do pedido principal, tendo em vista a
declaração na medida cautelar da decadência ou da prescrição. Marinoni e Arenhart
restringem a aplicação do dispositivo à tutela cautelar antecedente, com fundamento na
celeridade e economia. Igualmente indefensável me parece o dispositivo do ponto de vista
constitucional, portador de irremediável contradictio in terminis. Se em razão da urgência
a cognição na tutela cautelar se funda necessariamente em cognição sumária, parece-me
óbvio que dela não possa resultar coisa julgada, ou seja, imutabilidade que pressupõe
necessariamente cognição exaustiva. O requerente formula um pedido provisório e recebe
em resposta o julgamento definitivo da improcedência de um futuro pedido definitivo que
ainda não formulou. Há violação flagrante da inércia da jurisdição, do contraditório e da
ampla defesa no sentido já exposto linhas acima. Se nem a apreciação da questão
prejudicial suscitada em processo de conhecimento de procedimento comum adquirirá a
imutabilidade da coisa julgada se não tiver efetivamente existido contraditório prévio e
efetivo, nos termos do artigo 503, muito menos pode atingir tal estabilidade a apreciação
de questão de direito material, que não é prejudicial, mas mera preliminar de mérito,
veiculada em procedimento essencialmente caracterizado pela sumariedade cognitiva.

6. A ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE

O Código de 2015, não adotou, como eu gostaria, a conservação da eficácia


provisória da medida antecedente, independentemente da formulação do pedido ou da
ação principal, como alguns ordenamentos europeus já estabeleceram, prevendo apenas,
em dispositivo de redação precária (art. 304), a estabilização da tutela antecipada de
urgência concedida em caráter antecedente, se da decisão que a conceder não for
interposto pelo requerido o recurso de agravo de instrumento. Não se aplica esse
dispositivo à tutela de evidência, pois esta é sempre incidente, não antecedente. Assim,
nela nunca ocorrerá estabilização da tutela provisória.
O § 6º do referido artigo 304 proclama que “a decisão que concede a tutela não
fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por

22
MITIDIERO, Daniel. Comentários aos artigos 294 a 311 do CPC de 2015. In WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim. Et alii (coords.). Breves Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2016. P. 840.
23
MARINONI, Luiz Guilherme. AREHNART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil
– artigos 294 ao 333. Volume IV. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2016. P. 224.

10
decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das
partes, nos termos do § 2º deste artigo”.
Os §§ 2ᵒ a 5ᵒ do mesmo artigo deixam claro que somente por meio dessa nova
demanda poderá ser anulada, revogada ou modificada a tutela antecipada estabilizada.
Assim, nessa hipótese, de tutela antecipada antecedente estabilizada nos termos do artigo
304, não pode o juiz de ofício revogar a qualquer tempo a tutela provisória, não se
aplicando a regra geral do artigo 296, inclusive porque, passados dois anos da ciência da
decisão que extinguiu o processo, incorrerá em decadência o direito de propor a ação
revocatória (§ 5ᵒ).
O instituto, copiado de modelo italiano há muito abandonado naquele país,
apresenta mais dificuldades do que a aparente facilidade que pretendeu instaurar. Heitor
Sica chega a apontar doze problemas na tentativa de equacionar a sua implementação24.
Felizmente, essas dificuldades levaram ao seu abandono amplo na prática, pelos riscos
que a sua utilização pode engendrar, o que não dispensa a doutrina de tentar explicar o
seu sentido, embora como mero exercício de laboratório.
Não há coisa julgada. A decisão poderá ser revista, reformada ou anulada por ação
própria no prazo de dois anos. Passados os dois anos decai o prejudicado do direito de
propor a ação de revisão, reforma ou invalidação, o que significa que o provimento de
mérito tornar-se-á imutável para não mais poder ser discutido em nenhum outro processo.
Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes parte da premissa de que a decisão que
concede a tutela antecipada, como se fundamenta apenas em fumus boni juris, não tem
eficácia declaratória, o que impede que, vindo a estabilizar-se, produza o chamado efeito
preclusivo da coisa julgada (art. 508) e, em consequência, a propositura de outras
demandas incompatíveis com a decisão estabilizada25.
Gouveia Filho, Peixoto e Fonseca Costa justificam a inexistência de coisa julgada,
“porque o próprio procedimento não foi construído para a produção da coisa julgada. O
seu objetivo não é este, mas tão somente o de satisfação fática da parte” 26. Não há coisa
julgada, nem se pode admitir ação rescisória após os dois anos. Há apenas imutabilidade
das eficácias antecipadas, que impede rediscutir o dictum da decisão antecipatória, mas
não impede que o direito do qual decorreu seja rediscutido em ação própria para quaisquer
outros fins27.
Heloisa Leonor Buika chega a conclusão em parte semelhante e em parte
contrária: a estabilização não faz coisa julgada porque não declara a existência ou

24
SICA, Heitor Vitor Mendonça Sica. Doze problemas e onze soluções quanto à chamada “estabilização
da tutela antecipada”. In MACEDO, Lucas Buril de. Procedimentos especiais, tutela provisória e direito
transitório. 2ª ed. Salvador: Juspodivm. 2016. P. 233-254.
25
LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Estabilização da tutela antecipada e coisa julgada. In DIDIER JR.,
Fredie. CABRAL, Antonio do Passo (coords.). Coisa julgada e outras estabilidades processuais.
Salvador: Juspodivm. 2018. P. 685-696.
26
GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos. PEIXOTO, Ravi. COSTA, Eduardo José da Fonseca.
Estabilização, imutabilidade das eficácias antecipadas e eficácia de coisa julgada: uma versão aperfeiçoada.
In DIDIER JR., Fredie. CABRAL, Antonio do Passo (coords.). Coisa julgada e outras estabilidades
processuais. Salvador: Juspodivm. 2018. P. 697-718.
27
Idem. P. 715.

11
inexistência de um direito, mas mantém os mesmos efeitos, “como se tivesse ocorrido a
coisa julgada” 28.
Antonio Cabral sustenta que a estabilização não se confunde com a coisa julgada,
porque aquela se refere apenas aos efeitos da decisão, enquanto esta diz respeito ao seu
conteúdo declaratório29.
José Rogério Cruz e Tucci, tratando da questão em comentário ao artigo 502, que
define a coisa julgada material, leciona que os efeitos antecipados se estabilizam “por
força do presumido conformismo das partes”. Entretanto, não produzindo a coisa julgada
material, não influem sobre a sentença a ser proferida em processo futuro entre as mesmas
partes, não comportando ação rescisória30.
Não me convencem as diversas opiniões que excluem a coisa julgada da
estabilização da tutela antecipada, sob o fundamento de que essa decisão não produz
efeitos declaratórios, por se fundar em simples fumus boni juris, um juízo de mera
probabilidade da existência do direito do autor. Como dizia Calamandrei, todo juízo fático
(e digo eu, também jurídico) é meramente probabilístico. A certeza do direito e dos fatos
em que se fundamenta é uma ficção do ordenamento jurídico por exigência de segurança
jurídica31. As decisões provisórias sobre o pedido do autor, como as de tutela antecipada,
produzem sim efeitos declaratórios, si et in quantum, de que o autor tem direito ao
acolhimento do pedido. O direito provisoriamente declarado não é a causa de pedir, mas
é o direito à prestação jurisdicional invocada e deferida. Tem essa eficácia declaratória
toda decisão provisória ou definitiva que seja fruto de atividade judicial cognitiva, seja a
cognição exaustiva ou sumária quanto à profundidade. Por isso, quando se criou a figura
da tutela antecipada pela Lei n. 8.952/94, dúvidas foram suscitadas quanto à possibilidade
de sua utilização para o acolhimento provisório de pedidos meramente declaratórios,
dúvidas essas que logo foram dissipadas pela doutrina e pela jurisprudência. O dictum ou
o efeito da tutela antecipada é declaratório, podendo cumular esse conteúdo com o efeito
constitutivo, com o efeito condenatório ou, se quiserem, mandamental, todos eles
provisórios.
Também afasto qualquer cogitação de que a coisa julgada atinja apenas o efeito
declaratório da decisão judicial de mérito. Para Liebman, a imutabilidade da res judicata
atinge todos os tipos de efeitos da decisão, sejam eles declaratórios, constitutivos ou
condenatórios. O mestre qualifica de erro singular de perspectiva a identificação da

28
BUIKA, Heloisa Leonor. Uma reflexão sobre a ambiguidade da estabilização dos efeitos da tutela
antecipada e a coisa julgada. In DIDIER JR., Fredie. CABRAL, Antonio do Passo (coords.). Coisa julgada
e outras estabilidades processuais. Salvador: Juspodivm. 2018. P. 719-746.
29
CABRAL, Antonio do Passo. As estabilidades processuais como categoria incorporada ao sistema do
CPC. In DIDIER JR., Fredie. CABRAL, Antonio do Passo (coords.). Coisa julgada e outras estabilidades
processuais. Salvador: Juspodivm. 2018. P. 35-37.
30
TUCCI, José Rogério Cruz e. Comentários ao Código de Processo Civil. Artigos 485 ao 538. Volume
VIII. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2016. P. 186.
31
CALAMANDREI, Piero. Verità e verosimiglianza nel processo civile. In Opere Giuridiche. Volume
Quinto. Napoli: Morano Editore. 1972. P. 617-618: “Al momento in cui la sentenza passa in giudicato, le
crisi di coscienza del giudice perdono ogni significato: la incertezza psicologica del giudicante non lascia
traccia nel giudicato, il quale crea in ogni caso la certezza giuridica. Il giudicato, una volta staccatosi
dall’alvo del processo, ha sempre la stessa resistenza giuridica, qualunque sai il grado di certezza
psicologica da cui è stato generato. Questa è la conseguenza che deriva dal concepire la sentenza come um
atto di volontà, come un comando, che, una volta diventato irrevocabile, si spoglia da tutte le sue premesse
logiche”.

12
declaração jurisdicional com a autoridade da coisa julgada32. A aparente divergência de
Barbosa Moreira com esse entendimento era mais ampla, pois considerava que a
imutabilidade atinge a sentença como um todo e não os seus efeitos33. Um entendimento
menos amplo, que restrinja a coisa julgada apenas ao efeito declaratório, levaria ao
absurdo de admitir que a modificação da relação ou situação jurídica (efeito constitutivo)
pudesse ser revista, apesar da imutabilidade da declaração do direito a essa modificação;
ou que a prestação imposta ao réu (efeito condenatório) pudesse ser alterada, apesar da
imutabilidade da declaração do direito a essa prestação34.
Ao dizer que a decisão que concede tutela antecipada não fará coisa julgada e que
os seus efeitos de direito material somente serão afastados por decisão na ação de revisão,
reforma ou invalidação a que se referem os parágrafos anteriores, o § 6º do artigo 304,
deu a essa decisão uma imutabilidade e uma indiscutibilidade neste e em qualquer outro
processo que se assemelham à coisa julgada completa, com os mesmos limites objetivos
e subjetivos, uma quase coisa julgada, que desta difere por um elemento componente da
sua essência e por uma característica daí decorrente. O elemento componente da sua
essência diz respeito ao seu defeito de origem, fruto que foi de cognição incompleta
imposta pela urgência. Falta-lhe a cognição exaustiva. A consequência que dela decorre
é que, imutáveis os efeitos de direito material do provimento antecipado pela ausência de
impugnação do prejudicado no processo em que foi proferido, tornam-se igualmente
imutáveis esses efeitos em qualquer outro processo, salvo no bojo da ação própria que
tenha por objeto revisá-lo, reformá-lo ou invalidá-lo, a que se referem os §§ do artigo
304. Essa ação, mais ampla do que a ação rescisória, desta se distingue porque, não sujeita
aos fundamentos estritos do artigo 966, possibilita a alteração da decisão por qualquer
nulidade, por qualquer erro de fato ou de direito e, ainda, pela simples reapreciação dos
fatos e fundamentos que serviram de suporte à decisão impugnada. Diferencia-se, ainda,
da ação rescisória por tratar-se de ação da competência originária do juízo de primeiro
grau.
Não proposta a ação de impugnação no prazo de dois anos, tal como não proposta
a ação rescisória no prazo legal em relação à coisa julgada propriamente dita, decai o
prejudicado do direito de rever, reformar ou anular os efeitos do provimento antecipado
que se torna tão definitivo, como a coisa soberanamente julgada. Como recorda Cruz e
Tucci, dormientibus non sucurrit ius!35
Esclareço e aqui retifico o ponto de vista manifestado no item 15.6 do volume II
das minhas Instituições, no sentido de que, decorridos os dois anos sem a propositura da
ação de impugnação, “sobrevirá efetivamente a coisa julgada”, assim como o constante

32
LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada.
4ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2006. P. 22 e 41.
33
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada. In Temas de direito
processual (3ª série). São Paulo: Saraiva. 1984. P. 99-113.
34
V. os insuperáveis argumentos de Barbosa Moreira que, fazendo justiça à tese de Liebman, refuta a
limitação da coisa julgada ao efeito declaratório da sentença: Coisa julgada e declaração. In Temas de
direito processual. São Paulo: Saraiva. 1977. P. 81-89.
35
Ob. e loc. cits.

13
do item 16.1.1 do volume III, segundo o qual, após esse prazo de dois anos, a tutela
antecipada estabilizada “poderá ser objeto de ação rescisória”36.
Se a decisão for determinativa, a produzir efeitos futuros, a modificação do
suporte fático consequentemente modificará a relação jurídica entre as partes,
possibilitando que em ação diversa seja revista a eficácia da decisão estabilizada (art. 505,
inciso I).
Com razão, leciona Heitor Sica que, enquanto provisória, a decisão se executa
provisoriamente. Entretanto, sobrevindo a estabilização a sua execução passará a ser
definitiva37.

7. O JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DO MÉRITO

O artigo 356 do Código de 2015 instituiu o que ele próprio denominou de


“julgamento antecipado parcial do mérito”, permitindo o fracionamento da decisão do
mérito da causa em mais de um momento, desde que preenchidos os pressupostos desse
artigo e do artigo 355.
Derrogou, assim, o legislador o princípio da unidade do julgamento do mérito, que
era geralmente aceito pela doutrina na vigência do Código de 1973, passando a admitir a
chamada sentença parcial, na verdade uma decisão interlocutória que, se não for
modificada por meio de recurso tempestivamente interposto (art. 1.015, inc. II), não
poderá ser revista ou reexaminada no mesmo ou em outro processo, adquirindo assim a
imutabilidade da coisa julgada, que a sujeitará a execução definitiva, se condenatória,
mesmo que ainda pendente sobre os demais pedidos ou demais parcelas do pedido o
processo em que foi proferida.
Mas da redação dos dispositivos do Código não se extrai com precisão o que seja
o mérito da causa. Nos artigos 356 e 490, o Código vincula o mérito ao julgamento total
ou parcial do pedido. Já o artigo 487 proclama que haverá resolução de mérito quando o
juiz decidir sobre a ocorrência de prescrição ou decadência, bem como se homologa o
reconhecimento do pedido, a transação e a renúncia à pretensão do autor da ação ou da
reconvenção. Em vários desses pronunciamentos o juiz decide o pedido, o que não ocorre,
entretanto, com a decisão que rejeita a prescrição ou a decadência, em que a simples
rejeição não implica em procedência ou improcedência do pedido. Igualmente no artigo
503, que estende a coisa julgada à apreciação da questão prejudicial, não há
necessariamente sobre esta qualquer pedido.
Também não se refere o legislador codificado a decisões sobre outras questões de
direito material, outras exceções substanciais, como pagamento, novação, compensação,
cuja rejeição não implica necessariamente em julgamento do pedido. Todas essas
decisões (sobre prescrição, decadência, questão prejudicial, exceções substanciais) não
são meramente processuais, pois não incluídas no rol de decisões não de mérito do artigo
485, mas não simplesmente por isso. São decisões de mérito porque versam sobre o
direito material das partes e, no entanto, não estão contempladas como hipóteses de
julgamento antecipado parcial de mérito pelo artigo 356.

36
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil – Processo de Conhecimento. Volume II. 3ª ed. Rio
de Janeiro: Forense. 2015. P.363; Instituições de Processo Civil – Recursos e processos da competência
originária dos tribunais. Volume III. Rio de Janeiro: Forense. 2015. P. 334.
37
Ob. e loc. cits.

14
Prescrição, decadência, questão prejudicial e outras defesas indiretas de mérito
poderão igualmente ser objeto de julgamento antecipado parcial de mérito, embora não
impliquem, desde logo, quando rejeitadas, a apreciação do pedido que será objeto de
posterior sentença que por outros fundamentos poderá ser acolhido ou rejeitado.
Constituem, portanto, julgamento antecipado parcial de mérito e, apesar de não
concluído o processo, salvo se contra elas interposto o recurso previsto em lei, não mais
poderão se apreciadas no mesmo processo, porque são questões da mesma lide (artigo
505), sobre as quais a jurisdição já se esgotou e que no momento em que o julgamento
final do pedido vier a adquirir a imutabilidade da coisa julgada a esta se integrarão (artigo
503) ou pelo menos não poderão mais ser reapreciadas em qualquer outro processo como
fundamento para revisão do julgamento do pedido, pelo chamado efeito preclusivo da
coisa julgada (art. 508).

8. A DECISÃO DE SANEAMENTO

O § 1º do artigo 357 prescreve que, “realizado o saneamento, as partes têm o


direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias,
findo o qual a decisão se torna estável”.
Já tive oportunidade de elaborar comentário sobre esse dispositivo, que aqui
sintetizo38. Diferentemente do que ocorreu na disciplina da estabilidade da tutela
antecipada antecedente, em que o legislador se preocupou em declarar a inexistência de
coisa julgada, neste novo dispositivo o Código silenciou inteiramente sobre o significado
da estabilidade que, entretanto, proclama. Parece induvidoso que a decisão de saneamento
é o momento próprio para a apreciação e solução de todas as questões preliminares, bem
como para a preparação da continuidade do processo de modo organizado para que se
chegue com celeridade, economia e máximo proveito à solução final da causa.
A estabilidade deve caracterizar a apreciação das matérias que foram objeto da
decisão de saneamento, mas esse efeito não é absoluto, sendo necessário flexibilizá-lo.
Motivos justificáveis podem ter impedido as partes de alegar na fase postulatória todas as
matérias relevantes, assim como de propor todas as provas para a comprovação dos fatos
alegados. Também o juiz pode não ter observado algum aspecto relevante que transpareça
posteriormente. A constatação devidamente fundamentada de que essa estabilidade põe
em risco substancialmente a validade, a eficácia ou a qualidade da futura decisão final
sobre o mérito impõe a sua flexibilização.
Essa possibilidade pode ser mais frequente em relação às decisões de organização,
que são atos de gestão do processo ditados por juízos de conveniência e oportunidade, do
que em relação às decisões de saneamento, em que o juiz resolve questões jurídicas. O
saneamento deve tornar-se estável porque o processo deve sempre marchar para a frente,
Mas se houver motivo justificável, devidamente invocado como fundamento da decisão
de revisão, especialmente vinculado à busca de decisão mais justa ou de decisão que
venha a suprir defeito anterior do processo que poderá vir a inviabilizar a validade ou a
eficácia da sua decisão final, deve a decisão ser revista, mesmo que não utilizado
tempestivamente o recurso contra ela cabível. É claro que há decisões irrevisíveis, como

38
GRECO, Leonardo. Saneamento do processo, estabilidade e coisa julgada. In DIDIER JR., Fredie.
CABRAL, Antonio do Passo (coords.). Coisa julgada e outras estabilidades processuais. Salvador:
Juspodivm. 2018. P. 579-632.

15
aquelas que já produziram integralmente os seus efeitos, assim como aquelas que
deferiram uma determinada prova e, sem a anuência de ambas as partes, pretendem
revogar o seu deferimento, na medida em que a revisão pode violar uma garantia
fundamental, como o direito à ampla defesa. Mas tudo isso nada tem a ver com a coisa
julgada porque essa estabilidade da apreciação de questões processuais não produz efeitos
fora do processo, não impede que em outro processo entre as mesmas partes outra venha
a ser a sua apreciação.

9. A RESOLUÇÃO DA QUESTÃO PREJUDICIAL

A ação declaratória incidental foi uma invenção do Código de 1973 que está em
consonância com os principais sistemas processuais europeus, cumprindo um papel muito
importante na teoria da coisa julgada. No Código de 1939, a coisa julgada não ficava
restrita ao julgamento do pedido, mas se estendia também às premissas necessárias ao seu
julgamento.
Desde o século XIX, há vários debates doutrinários sobre quais devem ser os limites
objetivos da coisa julgada. Discute-se se esta deve restringir-se ao julgamento do pedido
ou deve alcançar também os seus fundamentos. O direito moderno, visando a dar uma
solução bem simples para a questão, ficou com a primeira hipótese e, tendo em conta o
princípio da segurança jurídica, criou a ação declaratória incidental. Como somente fará
coisa julgada o que for expressamente objeto de um pedido (CPC de 1973, arts. 468 e
469), caso as partes queiram, no curso da ação, que uma questão controvertida que
constitui pressuposto do julgamento mérito seja apreciada com força de coisa julgada,
elas deverão assim requerer de forma expressa, através de um pedido autônomo no âmbito
da ação declaratória incidental. Foi, portanto, a necessidade de clareza e segurança quanto
aos limites objetivos da coisa julgada que levou o processo moderno a criar o instituto da
ação declaratória incidental.
Infelizmente, na ânsia de simplificar e agilizar o procedimento, o Código de 2015
extinguiu esse instituto. Nem o autor, nem o réu na vigência deste último Código, têm
necessidade de pedir expressamente, na reconvenção ou na réplica, a declaração da
existência ou da inexistência de direito que constitua pressuposto necessário de
acolhimento ou de desacolhimento do pedido originário. Basta que tornem tal direito
controvertido e que sobre ele se trave um “contraditório prévio e efetivo” e que sejam
preenchidos os demais requisitos previstos nos §§ 1º e 2º do artigo 503, a saber: que a
questão incidente seja uma questão prejudicial; que da sua resolução dependa o
julgamento do pedido principal; que a seu respeito tenha havido contraditório prévio e
efetivo, não se aplicando no caso de revelia; que o juízo tenha competência absoluta para
resolver a questão incidente como principal; que no processo não existam limitações
cognitivas que impeçam a cognição exaustiva da questão prejudicial.
No meu entendimento, essa nova orientação constituiu um retrocesso.
Aparentemente se simplifica a fase cognitiva, mas desnecessariamente se transfere a
incerteza sobre o que está ou não abrangido pela coisa julgada para a liquidação, o
cumprimento de sentença ou um outro momento muito posterior em outro processo, o
que já analisamos em outras oportunidades39. Não cabe neste ensaio rememorar toda a
dogmática do novo instituto, mas apenas acentuar que a sua aplicação exige que a questão

39
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil – Processo de Conhecimento. Volume II. 3ª ed. Rio
de Janeiro: Forense. 2015. P. 87-88 e 335-336.

16
incidente seja uma questão prejudicial, isto é, uma questão de direito material, da qual
dependa necessariamente o julgamento do pedido e que possa constituir o pedido
principal em ação autônoma40. A questão prejudicial ou foi suscitada pelo autor como
componente do direito material em que se funda o pedido principal ou foi suscitada pelo
réu como exceção substancial, ou seja, como direito material que impede o acolhimento
do pedido principal. Distingue-se das demais exceções substanciais, como a novação ou
a compensação, porque a própria existência ou inexistência desse direito material pode
constituir pedido principal numa ação autônoma.
Demos dois exemplos. O primeiro, no caso de novação. O réu não pode propor
autonomamente ação declaratória de novação. Pode sim propor ação declaratória da
inexistência da obrigação com fundamento na sua extinção pela novação. A novação seria
uma exceção substancial na ação de cobrança da obrigação proposta pelo credor, mas
nunca constituiria questão prejudicial. O segundo, a paternidade em relação aos
alimentos. O filho pode propor autonomamente ação declaratória da paternidade, como
pode o pai propor autonomamente ação declaratória da sua inexistência. Suscitada a
questão pelo autor ou pelo réu na ação de alimentos, essa é uma questão prejudicial.
No regime do Código de 1973, a coisa julgada sobre essa questão exigia pedido
expresso na inicial da ação ou na reconvenção para que a sua apreciação na sentença
pudesse adquirir a imutabilidade da coisa julgada (v. art. 5º, 325 e 470). A extensão da
coisa julgada a esse fundamento do pedido ou da defesa não entrava em choque com o
princípio de que a coisa julgada se limita à apreciação do pedido, porque ato de vontade
expresso do autor ou do réu provocava a sua apreciação em caráter principal, como novo
pedido cumulado ao pedido originário.
No novo Código não se exige pedido expresso, com uma única exceção, a
falsidade documental, consoante o disposto nos artigos 430 e 433. De qualquer modo, a
existência ou inexistência do direito material que é objeto da questão prejudicial e que
pode ser objeto de demanda autônoma, necessariamente deve ter sido alegada como
fundamento do pedido do autor ou da defesa do réu, porque no processo civil moderno às
partes incumbe trazer ao judiciário o direito material sobre o qual este deve exercer a
função jurisdicional. Não se trata, pois, de exceção ao princípio da demanda ou de
exercício ex-officio da jurisdição. Ao estender a coisa julgada à apreciação dessa questão,
o Código de 2015 dispensou o pedido expresso de uma das partes, mas não dispensou que
a questão tenha sido suscitada por uma das partes. Por isso, diferentemente do que ocorre
com as demais questões de direito material que possam constituir ou que tenham
constituído fundamento do pedido ou da defesa, a apreciação da questão prejudicial,
desde que observados todos os pressupostos do artigo 503, não vai ficar sujeita apenas ao
chamado efeito preclusivo da coisa julgada (art. 508), mas à coisa julgada propriamente
dita, não podendo, após a preclusão ou esgotamento de todos os recursos, ser novamente
apreciada no mesmo ou em outro processo.
Assim, se a questão prejudicial tiver sido apreciada com todos os pressupostos do
artigo 503 no julgamento antecipado parcial do mérito (art. 356), preclusos ou esgotados

40
FABRÍCIO, Adroaldo. Ação declaratória incidental. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1995. P. 55-56;
MATTOS, Sérgio. Resolução de questão prejudicial e coisa julgada: primeiras linhas sobre o art. 503, §§
1º e 2º, do CPC/2015. In DIDIER JR., Fredie. CABRAL, Antonio do Passo (coords.). Coisa julgada e
outras estabilidades processuais. Salvador: Juspodivm. 2018. P. 210.

17
todos os recursos, o seu julgamento adquirirá desde logo a plena autoridade da coisa
julgada, mesmo que ainda não tenha sido definitivamente julgado o pedido principal e
independentemente de vir este a ser acolhido ou rejeitado.
Questão relevante é a de saber a quem incumbe reconhecer que a apreciação da
questão prejudicial teve o caráter de julgamento definitivo: se ao próprio juiz da causa
quando sentencia ou quando decide a questão prejudicial; ou se a qualquer outro juiz ao
qual a questão da sua reapreciação vier a ser submetida, no mesmo processo, na
liquidação ou cumprimento de sentença ou em qualquer outro processo. Em relação à
arguição de falsidade, o artigo 433 prescreve que a sua apreciação como questão principal
“constará da parte dispositiva da sentença”. É uma maneira simbólica de indicar que a
questão está sendo decidida em caráter principal, com aptidão a gerar coisa julgada e que,
portanto, ela foi apreciada com todos os pressupostos do artigo 503. Entretanto, se o
dispositivo é uma parte específica do conteúdo da sentença, nada exige que esse conteúdo
esteja restrito a um determinado parágrafo assim formalmente denominado. E mesmo que
o juiz tenha formalmente adotado a denominação de dispositivo em qualquer período da
sua decisão, nem tudo o que ele ali aprecia integra substancialmente dispositivo.
A definição de dispositivo constante do artigo 489, inciso III, é tautológica:
dispositivo é o elemento essencial da sentença “em que o juiz resolverá as questões
principais que as partes lhe submeterem”. O problema está em saber se a apreciação da
questão prejudicial se revestiu dos requisitos para adotar a qualidade de questão principal.
Como observa Humberto Theodoro Júnior não mais subsiste o mito de que somente o
dispositivo da sentença faz coisa julgada: “Toda resolução de questão principal feita pela
decisão de mérito assume força de lei (art. 503), entre as partes, tornando-se no devido
tempo imutável e indiscutível (art. 502), e por consequência, impedirá que qualquer juiz
volte a rejulgá-la (art. 505), entre os mesmos litigantes (art. 506)” 41.
Em verdade, esse não é um problema novo. A respeito de qualquer sentença pode
surgir essa dúvida, se determinada questão foi apreciada como questão principal ou como
fundamento do pedido ou da defesa. Se o próprio julgador tiver se debruçado
expressamente sobre a questão, reconhecendo que a apreciação da questão tem caráter
principal e examinando de que modo considerou preenchidos todos os pressupostos do
artigo 503, este pronunciamento, em princípio, como tal deverá prevalecer, porque em
nenhum outro momento, este ou qualquer outro julgador estará em condições mais
propícias a avaliar o preenchimento dos referidos pressupostos. Mas não se pode excluir,
desde logo que, na omissão do juiz no momento do julgamento da questão prejudicial ou
apesar do seu pronunciamento formal sobre a definitividade da sua apreciação, venha a
matéria a ser reapreciada em outra fase do mesmo processo ou em outro processo e que
então o desfecho venha a ser diverso.
Uma outra questão relevante é a de saber se o autor na réplica ou o réu na
contestação, tal como na ação declaratória incidental do Código anterior, podem pedir
que a questão prejudicial seja decidida em caráter principal. Fredie Didier Jr. admite essa

41
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Limites objetivos da coisa julgada no novo Código de Processo Civil.
In DIDIER JR., Fredie. CABRAL, Antonio do Passo (coords.). Coisa julgada e outras estabilidades
processuais. Salvador: Juspodivm. 2018. P. 179.

18
hipótese, apontando-a como mais uma exceção à desnecessidade de ação declaratória
incidental42. Parece-me evidente que tudo o que o juiz pode decidir de ofício ele pode
decidir a requerimento da parte. Mas o requerimento expresso da parte não é necessário,
basta a alegação da questão, como já afirmamos, e, portanto, não tem o réu interesse em
propor reconvenção declaratória como ação autônoma, como sugere o Autor. A
relevância da questão tem outro sentido, qual seja, a de saber se a propositura do pedido
declaratório pelo autor ou pelo réu de apreciação principaliter da questão prejudicial vai
dispensar a autoridade de coisa julgada do seu julgamento dos pressupostos do artigo 503,
§§ 1º e 2º, em especial, a verificação concreta de contraditório prévio e efetivo, não se
aplicando no caso de revelia do réu, assim como se houver limitações cognitivas ou
probatórias. Parece-me que nesses casos não se aplicam os parágrafos do artigo 503, que
tratam, apenas das hipóteses em que a questão prejudicial não foi suscitada como questão
principal, mas apenas como questão incidente, integrante dos fundamentos do pedido ou
da defesa. Se o autor cumulou na inicial dois pedidos, sendo um prejudicial ao outro,
como, por exemplo, a declaração de paternidade e a condenação em alimentos, na verdade
ocorre uma cumulação de duas ações, que deverá observar as exigências do artigo 327.
Se o réu ofereceu reconvenção declaratória da inexistência de paternidade em ação de
alimentos, vai sujeitar-se aos pressupostos da reconvenção (conexão, unidade de
procedimento e identidade de competência absoluta)43.
Merece menção a respeito da coisa julgada da questão prejudicial a sua
inaplicação nos casos de revelia e de limitações probatórias e cognitivas (art. 503, § 1º,
inc. II, e § 2º). Emerge claramente dessas disposições a associação da ideia de
contraditório efetivo à de cognição exaustiva, na linha que temos sustentado, de que a
plena coisa julgada não é compatível com limitações cognitivas, devendo o ordenamento
jurídico graduar a estabilidade das decisões judiciais e a sua vulnerabilidade a ações
autônomas de impugnação de acordo com a maior ou menor profundidade da cognição
de que resultaram. Esse entendimento já manifestamos acima, bem como em trabalhos
anteriores aqui mencionados44. Por outro lado, no citado inciso do § 1º, pela primeira vez
o legislador reconhece que na decisão resultante de revelia a cognição não é exaustiva,
ou seja, não é a ideal e que, portanto, a autoridade da decisão não pode ser a mesma da
decisão que resultou de processo em que o réu amplamente se defendeu. Entretanto, essa
distinção o legislador não faz nos dispositivos em que trata especificamente da revelia
(arts. 344 e 345).
Quanto às limitações probatórias, tivemos oportunidade de analisá-las largamente
e de tentar sistematizá-las em trabalhos anteriores ao Código de 2015 em argumentos

42
DIDIER JR., Fredie. Algumas novidades sobre a disciplina normativa da coisa julgada no Código de
Processo Civil brasileiro de 2015. In DIDIER JR., Fredie. CABRAL, Antonio do Passo (coords.). Coisa
julgada e outras estabilidades processuais. Salvador: Juspodivm. 2018. P. 103.
43
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil – Processo de Conhecimento. Volume II. 3ª ed. Rio
de Janeiro: Forense. 2015. P. 74-75.
44
GRECO, Leonardo. Cognição sumária e coisa julgada. In Revista Eletrônica de Direito Processual da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ano VI. N. 10. Jul.-dez. 2012. Disponível em
www.academia.edu; GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil – Processo de Conhecimento.
Volume II. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2015. P. 39-43 e 329-333.

19
sintetizados na 3ª edição do volume II das nossas já citadas Instituições45, que,
lamentavelmente, de nada serviram para abrir os olhos do legislador para o anacronismo
da sua disciplina no nosso direito positivo.
Quanto à revelia, a solução nada ideal é muito simples: de um modo geral ela não
afeta a coisa julgada, salvo a da questão prejudicial. Quanto às limitações cognitivas e
probatórias, à falta de disciplina legal adequada, inclusive quanto às respectivas
consequências, a ressalva do § 2⁰ obriga a avaliá-las à luz da noção de contraditório
efetivo. Reporto-me ao que afirmei alhures46:
“Parece-me que para evitar que no futuro possa surgir qualquer dúvida sobre a
extensão da coisa julgada à questão prejudicial se avalie com muito rigor o
preenchimento do pressuposto do “contraditório prévio e efetivo”, que significa
que deve uma das partes ter categoricamente afirmado a existência do direito que
constitui pressuposto necessário do julgamento do pedido e que deve a outra ter
também categoricamente negado a existência desse direito, bem como que, sobre
a existência desse direito e sobre os fatos que gerariam a sua existência ou a sua
inexistência, tenham tido as partes a mais ampla e efetiva possibilidade de
formular alegações, propor e produzir provas e que toda essa ampla matéria
cognitiva tenha sido exaustivamente apreciada pelo juiz na sentença . A inércia ou
omissão de uma das partes, que não impugne a existência desse direito ou a
verdade dos fatos de que ele resulta, não é suficiente para caracterizar o
contraditório efetivo”.

10. EXTENSÃO DA COISA JULGADA A TERCEIROS

Diversamente do que dispunha o Código de 1973 no artigo 472, o Código de 2015


no artigo 506, embora repetindo que a sentença faz coisa julgada às partes e que não
prejudica a terceiros, não mais afirma que a sentença não beneficia a terceiros. Esse artigo
se completa com o preceito constante do artigo 274 do Código Civil, com a redação do
artigo 1.068 do Código de Processo Civil de 2015, segundo o qual o “julgamento
contrário a um dos credores solidários não atinge os demais, mas o julgamento favorável
aproveita-lhes, sem prejuízo de exceção pessoal que o devedor tenha direito de invocar
em relação a qualquer deles”.
Dispositivos tão singelos parecem à primeira vista não exigir maior esforço para
desvendar o seu alcance. Entretanto, quanto ao tema neles versado, relativo aos chamados
limites subjetivos da coisa julgada, abundante doutrina tenta equacionar todas as situações
por ele abrangidas, muitas vezes pressionada pela preocupação, supostamente fundada na
boa-fé, de que qualquer um que tenha tido a possibilidade de fazer valer os seus
argumentos no processo de que resultou a sentença, não deve ter mais a possibilidade de

45
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil – Processo de Conhecimento. Volume II. 3ª ed. Rio
de Janeiro: Forense. 2015. P. 131-166.
46
Ob. cit. P. 335-336.

20
questionar o que ficou decidido47. Parece-me indispensável descobrir os fundamentos
garantísticos desse dispositivo e a partir daí simplificar a sua compreensão e o seu alcance.
De um lado, ele protege o sujeito que tenha interesse numa determinada relação jurídica
de que não sofrerá qualquer prejuízo da decisão judicial sobre essa relação jurídica, se
não tiver sido parte no processo de que resultou a decisão e, portanto, se não tiver tido a
possibilidade ampla de defender previamente o seu interesse sob contraditório.
De outro lado, os dispositivos determinam o seguinte: aquele que, em processo
judicial no qual desfrutou da mais ampla defesa sob contraditório, tiver sofrido decisão
desfavorável à existência do seu direito material ao bem disputado, terá de arcar com as
consequências dessa decisão não apenas em relação ao seu adversário na demanda, mas
também em relação a qualquer outro co-titular do direito reconhecido na sentença, que
dele poderá exigir o seu cumprimento, salvo se em face desse terceiro puder opor alguma
defesa pessoal. Em torno desses dois postulados normativos é que devem ser analisadas
as diversas posições de outros sujeitos, que não os que foram partes, em relação aos
efeitos de direito material da sentença e à autoridade de coisa julgada, ou seja, à
impossibilidade de rediscuti-los no mesmo ou em outro processo. Esses dois enunciados
normativos decorrem necessariamente dos direitos e garantias fundamentais inscritos na
Constituição Federal (segurança jurídica, contraditório, ampla defesa, entre outros), que
condicionam a elaboração, a interpretação e a aplicação da própria lei48.
Não me parece necessário procurar um outro conceito de parte, estritamente
processual49, diferente do conceito clássico de sujeito titular da relação jurídica de direito
material que formula o pedido ou em face do qual o pedido é formulado50. O substituto
processual faz as vezes da parte, exercendo no processo quase todos os direitos e
assumindo quase todos os ônus e deveres de parte. Atuando como tal no processo, mas,
não sendo parte na relação jurídica de direito material, não está sujeito aos efeitos de
direito material da sentença, nem à sua imutabilidade. Como já observei acima, não é
possível reduzir a coisa julgada e os seus limites a um simples fenômeno endoprocessual.
Ela afeta o direito material dos sujeitos que se apresentam como titulares de um
determinado direito subjetivo e que têm ampla possibilidade de demonstrar a procedência
das suas alegações, favorece o seu exercício àqueles que o tenham judicialmente
reconhecido e o dificulta ou impede em relação àqueles que tenham sido derrotados51. O
substituto processual não veicula normalmente pretensão de direito material dele próprio,
mas de outrem. Os efeitos de direito material da sentença dizem respeito ao substituído,
não a ele. Se, entretanto, ele for titular ou co-titular do direito material que defende, então

47
V. por todos MENCHINI, Sergio (I limiti soggettivi di eficacia della sentenza civile nel pensiero di
Andrea Proto Pisani. In Rivista di diritto processuale. Ano 72. N. 4-5. Milano: Wolters Kluwer/CEDAM.
2017. P. 1125-1165), que relata os avanços e recuos da doutrina europeia a respeito de diversas situações
específicas, inclusive na chamada tutela coletiva.
48
TUCCI, José Rogério Cruz e. Comentários ao Código de Processo Civil. Artigos 485 ao 538. Volume
VIII. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2016. P. 220.
49
Por todos, TUCCI, José Rogério Cruz e. Comentários ao Código de Processo Civil. Artigos 485 ao
538. Volume VIII. São Paulo: Revista dos Tribunais. P. 215-217.
50
CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto processuale civile. 3ª ed. Napoli: Editrice N. Jovene e C.
1923. P. 579: “È parte colui che domanda in proprio nome (o nel cui nome é domandata) una attuazione di
legge, e colui di fronte al quale essa è domandata”.
51
No 2º volume das minhas Instituições (ob. cit. P. 343), tive oportunidade de criticar a vinculação à coisa
julgada do substituído que não teve efetiva possibilidade de exercício amplo do seu direito de defesa.

21
estará vinculado ao resultado do seu julgamento como parte52. A mesma regra se aplica a
qualquer terceiro que assuma a posição subjetiva de parte, com ampla oportunidade de
defesa sob contraditório, como o litisdenunciado e o chamado ao processo. Quanto ao
requerido no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, a coisa julgada o
vincula se tiver ampla oportunidade de defesa sob contraditório53.
Não é suficiente que o substituído, o co-titular do direito ou obrigação ou o terceiro
de qualquer modo interessado tenha tido a possibilidade de participar do processo. É
indispensável que tenha efetivamente participado e nele exercido com plenitude o seu
direito de defesa.
Mas os efeitos de direito material da sentença também beneficiam os terceiros
que, sendo co-titulares do direito material judicialmente reconhecido, não formularam o
pedido nem contra si tiveram este pedido judicialmente formulado. Estes recebem da
coisa julgada a mesma eficácia que a parte vencedora, salvo se em relação a eles o vencido
52
A coisa julgada na substituição processual merece um estudo a parte porque é usual a doutrina afirmar
que o substituto sempre a ela está sujeito e, por outro lado, nem sempre ao substituído foi efetivamente
assegurada a ampla defesa em contraditório. Os inúmeros casos particulares, como os citados por Eduardo
Talamini (Comentário ao artigo 506 do Código de 2015, in TUCCI, José Rogério Cruz e. Et alii. Código
de Processo Civil Anotado. Rio de Janeiro: GZ Editora. 2016. P. 725) devem ser analisados a partir das
premissas definidas acima: 1) quanto ao substituto: não se vincula à coisa julgada, porque não é seu o direito
material estabilizado, salvo se for co-titular do direito material veiculado; 2) quanto ao substituído: 2.1) se
vencedor, beneficia-se da coisa julgada secundum eventum litis; 2.2) se vencido: 2.2.1) sujeita-se à coisa
julgada se atuou como parte ou assistente litisconsorcial (que parte é), tendo ampla oportunidade de defesa
sob contraditório (art. 123); 2.2.2) não se sujeita à coisa julgada se não concorrerem os pressupostos do
item 2.2.1. Na assistência simples, o assistente não se vincula à coisa julgada, pois não é parte. Embora a
sentença possa produzir efeitos reflexos sobre a sua situação jurídica, não é ele titular da relação jurídica
de direito material sobre a qual versou a decisão. (V. o que escrevi sobre a chamada exceptio male gesti
processos na assistência simples e na litisconsorcial no 1º volume das minhas Instituições (P. 480). Em
contrário, BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 4ª ed. São Paulo:
Saraiva.2018. p. 472.
53
Em contrário, TALAMINI, Eduardo. Comentário ao artigo 506 do Código de 2015. In TUCCI, José
Rogério Cruz e. Et alii. Código de Processo Civil Anotado. Rio de Janeiro: GZ Editora. 2016. P. 725. A
respeito, observei no 2º volume das minhas Instituições (ob. cit. P. 505): “Sem dúvida, a garantia do
contraditório deve ser respeitada com a maior amplitude possível. A sua observância não se satisfaz com a
simples participação do requerido no procedimento que antecede a decisão de desconsideração da
personalidade jurídica e nos atos subsequentes do processo. Se ocorreu um abuso da personalidade jurídica
tão intenso que a desconsideração reconhece que o réu originário e o requerido são a mesma pessoa, com
dois nomes ou duas fachadas diferentes, torna-se perfeitamente razoável que ao requerido sejam impostas
a coisa julgada e a preclusão de todas as decisões a que o réu originário tenha de submeter-se. Mas se são
pessoas diversas, embora haja motivos legalmente previstos para estender a uma delas a responsabilidade
por dívidas da outra, àquela não pode ser subtraído o exercício do direito de defesa a respeito de todas as
questões decididas no mesmo ou em outro processo, não se podendo falar de preclusão, muito menos de
coisa julgada”. Em verdade, a coisa julgada na substituição processual merece um estudo a parte porque é
usual a doutrina afirmar que o substituto sempre a ela está sujeito e, por outro lado, nem sempre ao
substituído foi efetivamente assegurada a ampla defesa em contraditório. Os inúmeros casos particulares,
como os citados por Eduardo Talamini (ob. e loc. cits.) devem ser analisados a partir das premissas definidas
acima: 1) quanto ao substituto: não se vincula à coisa julgada, porque não é seu o direito material
estabilizado, salvo se for co-titular do direito material veiculado; 2) quanto ao substituído: 2.1) se vencedor,
beneficia-se da coisa julgada secundum eventum litis; 2.2) se vencido: 2.2.1) sujeita-se à coisa julgada se
atuou como parte ou assistente litisconsorcial (que parte é), tendo ampla oportunidade de defesa sob
contraditório (art. 123); 2.2.2) não se sujeita à coisa julgada se não concorrerem os pressupostos do item
2.2.1.

22
puder alegar alguma defesa pessoal54. Como leciona Marinoni55, a coisa julgada tem
significado muito além das partes. É técnica processual de tutela da segurança jurídica. A
sanção que dela deve resultar para o vencido “é a proibição de relitigação do decidido,
seja com a antiga parte seja com qualquer outra pessoa”. “Quem é vencido num processo
é declarado sem direito; não é simplesmente declarado um perdedor diante do vencedor”.
No mesmo sentido, Fredie Didier Jr. 56 obtempera que o artigo 274 do Código
Civil não regula a extensão da coisa julgada favorável ao credor aos demais co-devedores,
salvo se estes forem co-réus ou se forem chamados ao processo, o que protege o
contraditório e a boa-fé. Também é omisso sobre a improcedência em relação aos demais
devedores que não figuraram como partes no processo, mas estes podem opor-lhe a coisa
julgada, exceto se se baseou em fundamento exclusivo do demandado, o que não pode
ocorrer nas obrigações indivisíveis.
Entretanto, parece-me que o referido artigo do Código Civil não confere título
executivo judicial aos credores solidários que não figuraram no polo ativo da ação de
cobrança contra o devedor comum57. Apesar do valor do crédito e o seu fundamento
estarem definitivamente acertados na sentença com a autoridade da coisa julgada, a
solidariedade do credor não constante do título e a inexistência de defesa pessoal do
devedor contra ele, são elementos do direito à formação do título executivo judicial em
favor do novo credor, que não foram objeto de cognição no processo e na sentença de que
resultou a condenação. Não há certeza do crédito em favor do credor solidário ausente do
processo de que resultou a condenação58.
Embora polêmica em alguns ordenamentos59, é diferente a situação do sucessor
da parte. Se a sucessão foi anterior ao processo, na verdade ele poderá anular a decisão
pela via da rescisória, pela ilegitimidade ad causam do seu antecessor. Se a sucessão

54
Esta extensão favorável da coisa julgada a terceiros não é a eficácia natural da sentença, a que se referia
Liebman (LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa
julgada. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2006. P. 79-162.). Esta é o simples reconhecimento que todos os
cidadãos devem à sentença como ato de vontade do Estado de que o direito entre as partes é o que a sentença
reconheceu. Daí Liebman extrai consequências em relação a certas espécies de terceiros que, como já
sustentei (Instituições. Vol. II cit. P. 337-340), não são compatíveis com os postulados normativos acima
declinados, porque obrigam-nos a sofrer prejuízos à sua esfera jurídica sem que tenham sido partes com
ampla possibilidade de defesa sob contraditório. Observo que nesse aspecto Cruz e Tucci segue fiel à lição
de Liebman (TUCCI, José Rogério Cruz e. Comentários ao Código de Processo Civil. Artigos 485 ao
538. Volume VIII. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2016. P. 220).
55
MARINONI, Luiz Guilherme. A dificuldade em ver que a coisa julgada pode ser invocada por terceiros.
In LUCON, Paulo Henrique dos Santos. FARIA, Juliana Cordeiro de. MARX NETO, Edgard Audomar.
REZENDE, Ester Camila Gomes Norato (orgs.). Processo civil contemporâneo. Homenagem aos 80
anos do Professor Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense. 2018. P. 446-465.
56
DIDIER JR., Fredie. CPC-2015, coisa julgada, obrigações solidárias e a nova redação do art. 274 do
Código Civil. In DIDIER JR., Fredie. CABRAL, Antonio do Passo (coords.). Coisa julgada e outras
estabilidades processuais. Salvador: Juspodivm. 2018. P. 433-436.
57
V. em sentido diverso, TUCCI, José Rogério Cruz e. Comentários ao Código de Processo Civil. Artigos
485 ao 538. Volume VIII. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2016. P. 226.
58
A questão foi amplamente discutida no direito italiano. V. MANDRIOLI, Crisanto. Addresses of a
judgement and rights of enforcement. In FAZZALARI, Elio (gen. ed.). Italian Yearbook of Civil
Procedure. Volume I. Milano: Giuffrè. 1991. P. 535-579.
59
MENCHINI. Ob. cit. P. 1135.

23
ocorreu durante o processo, nele poderá intervir, nos termos do artigo 109. Sucedendo no
curso do processo ou após ele, receberá do antecessor os mesmos direitos e obrigações
que para este decorram da sentença.
Se a decisão em parte é favorável ao terceiro e em parte desfavorável, somente à
primeira estará ele vinculado. Mas pode ocorrer que não esteja claro se a decisão inter
alios é benéfica ou prejudicial ao terceiro. Elias Pierre Eid entende, a meu ver
corretamente, que nesse caso prevaleça a posição que o próprio terceiro assumir60.
Embora os limites subjetivos da coisa julgada na tutela coletiva sejam objeto de
legislação especial (Lei n. 4.717/65, art. 18; Lei n. 7.347/85, art. 16; Código do
Consumidor, arts. 103 e 104), os enunciados normativos aqui adotados, por imposição
constitucional, aplicam-se igualmente a essas causas.

11. EFEITO PRECLUSIVO DA COISA JULGADA

Em redação semelhante à do artigo 474 do Código de 1973, o artigo 508 do Código


de 2015 regula o que a doutrina tem denominado de efeito preclusivo da coisa julgada,
segundo o qual, transitada em julgado a sentença ou decisão de mérito, reputar-se-ão
deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas que a parte poderia opor ao
acolhimento ou à rejeição do pedido.
A denominação doutrinária do instituto como efeito preclusivo pode não ser a
melhor, porque não se trata propriamente de obstáculo endoprocessual, embora o conceito
endoprocessual de preclusão também seja uma construção doutrinária, mas acho ocioso
perder tempo com controvérsia puramente terminológica. O sentido da denominação é
claro: impedimento a que em outro processo, o que foi decidido sobre o pedido –
procedência ou improcedência – possa ser ilidido pela alegação de fundamento que foi
ou poderia ter sido invocado no processo em que foi proferida a sentença.
Citando Carmine Punzi e Proto Pisani, Giovanni Bonato destaca que o efeito
preclusivo da coisa julgada corresponde ao princípio do deduzido e do dedutível, que é
uma consequência da própria coisa julgada “ou mesmo a essência da coisa julgada
material” 61, não porque sobre o dedutível tenha havido julgamento implícito, nem coisa
julgada propriamente sobre essas questões, que podem servir de fundamento a pedidos
diversos, mas porque como meios aptos a impedir a eficácia do que foi decidido se
tornaram irrelevantes.
A lei é clara no sentido de que o impedimento se aplica tanto ao autor, quanto ao
réu. Quanto ao primeiro, entretanto, como já sustentei, a regra não pode ser interpretada

60
EID, Eli Pierre. Repercussões do litisconsórcio unitário sobre a eficácia da sentença e os limites da coisa
julgada. In DIDIER JR., Fredie. CABRAL, Antonio do Passo (coords.). Coisa julgada e outras
estabilidades processuais. Salvador: Juspodivm. 2018. P. 437-458.
61
BONATO, Giovanni. Considerações sobre coisa julgada: limites objetivos e eficácia preclusiva. In
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. FARIA, Juliana Cordeiro de. MARX NETO, Edgard Audomar.
REZENDE, Ester Camila Gomes Norato (orgs.). Processo civil contemporâneo. Homenagem aos 80
anos do Professor Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense. P. 349-366.

24
como um alargamento da causa de pedir sem a explícita manifestação de vontade do autor62,
salvo nos direitos autodeterminados (propriedade, direitos reais de gozo e outros direitos
absolutos), que são aqueles direitos que somente podem existir uma vez entre os mesmos
sujeitos, independentemente da variação do respectivo fato genético63.
Esta é uma construção doutrinária com larga aceitação, como ressaltei em estudos
anteriores, mas que hoje vem sendo posta em cheque especialmente nas relações de família,
não só pelo desenvolvimento científico, que veio a permitir a descoberta da paternidade
pelo exame de DNA com elevado grau de probabilidade de acerto do seu resultado, mas
também pela evolução dos costumes e consequente alargamento por muitos defendido da
própria noção de família, quiçá não mais vinculada ao casamento ou à união estável entre
duas pessoas do mesmo sexo, à possibilidade de ter mais de um pai ou mais de uma mãe, e
outras inovações que não se sabe até onde vão chegar, de que aqui faço um simples registro
para reflexão futura. Ressalvados os direitos considerados absolutos, se é que ainda existem
alguns, em que, mesmo com outro fundamento jurídico, não pode ser renovado o mesmo
pedido, o que fica acobertado pelo efeito preclusivo da coisa julgada é a possibilidade de o
autor, cujo pedido foi julgado improcedente, invocar em outra demanda outros fatos
simples comprobatórios dos fatos constitutivos do seu direito para tentar evitar a coisa
julgada, pois, nesse caso, idênticos os fatos constitutivos e o direito deles decorrente, a
causa de pedir é a mesma64.
Para tanto, é preciso distinguir os fatos jurídicos, como elemento da causa de pedir,
dos fatos simples. Jurídicos são os fatos jurígenos, aqueles dos quais decorre o direito
alegado pelo autor (ex facto oritur jus). Simples são os fatos que servem para comprovar
os fatos jurídicos, mas dos quais, por si só, não resulta o direito alegado65. Assim, na ação
de indenização por acidente de tráfego, a vítima alega que foi atropelada pelo réu que dirigia
o seu veículo em excesso de velocidade, conforme confessou à autoridade policial. O
atropelamento culposo é o fato jurídico que gerou o dano, que constitui fundamento do
pedido de indenização. A declaração do réu perante a autoridade policial é um fato simples,
que serve para provar o fato jurídico. Se após o trânsito em julgado da sentença, o autor
obtiver prova robusta de que é falso o documento que contém a confissão do réu perante a
autoridade policial, o artigo 508 o impede de pretender, em demanda autônoma ou na
impugnação ao cumprimento de sentença, evitar a execução da condenação.
Também ficam seguramente preclusas para o autor as suas defesas indiretas às
defesas indiretas do réu que, pelo princípio da eventualidade, deveriam obrigatoriamente
ter sido objeto de alegação na réplica (art. 350). Assim, salvo nos direitos absolutos, não se

62
Instituições. Volume II. P. 336.
63
Tratei desse assunto em Teoria da ação no processo civil. São Paulo: Dialética. 2003. P. 66-67.
Igualmente em Instituições de Processo Civil – Introdução ao Direito Processual Civil. Volume I. 5ª
ed. Rio de Janeiro: Forense. 2015. P. 193.
64
Giovanni Bonato, no estudo acima citado (p. 361), observa que o artigo 98, § 4º, da Lei n. 12.529/2011,
revogado pelo artigo 1.072, inciso IV, do Código de 2015, previa que “nas ações que versavam sobre as
decisões do Conselho Administrativo de Defesa Econômica”, ficava incluída qualquer outra causa de pedir
na eficácia preclusiva.
65
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil. Volume I. P. 192.

25
pode extrair do efeito preclusivo da coisa julgada a perda da faculdade do autor de formular
o mesmo pedido com causa diversa, mas para isso será necessário que venha a invocar em
outro processo outro direito ou outros fatos constitutivos do direito em que se fundamenta
o seu pedido.
E para o réu, o efeito preclusivo da coisa julgada significa que, se ele tiver omitido
alguma defesa que pudesse ilidir o pedido do autor, não poderá subtrair-se à imutabilidade
da coisa julgada. Por isso, o artigo 525, § 1º, inciso VII, do Código de 2015 somente
permite na impugnação ao cumprimento da sentença que o réu alegue causas
modificativas ou extintivas da obrigação, “como pagamento, novação, compensação,
transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença”.
Bruno Carrilho Lopes sustenta66 que se a exceção substancial foi ou poderia ter
sido apresentada como meio de defesa, não poderá ser alegada na impugnação ao
cumprimento de sentença, mas pode ser objeto de ação autônoma, desde que não interfira
na eficácia da sentença anterior. É o que ocorre com a exceção de pagamento, que
Liebman discute amplamente67 e que certa doutrina do direito comum reputava uma
exceção privilegiada, que poderia ser alegada até mesmo contra a coisa julgada, mas que
o autor italiano, como Lopes, considera com acerto estar acobertada pelo efeito preclusivo
do artigo 508.
Também é preciso examinar a possibilidade de o réu obter sentença posterior ao
trânsito em julgado da decisão que lhe foi desfavorável, acolhendo pedido incompatível
com o que foi anteriormente decidido, no todo ou em parte. Parece-me acertada a opinião
de Lopes, no sentido de que o artigo 508 veda esse tipo de demanda68. A pretensão
incompatível deveria ter sido alegada como defesa no processo de que resultou a decisão
desfavorável. Por incompatível deve entender-se qualquer pretensão que impeça a plena
eficácia material da sentença transitada em julgado, assim como que reduza ou restrinja
essa eficácia. Assim, por exemplo, vencido em ação reivindicatória de imóvel, o réu não
pode obter sentença favorável em ação declaratória de usufruto sobre o mesmo imóvel69.
Nesse sentido, dispõem os §§ 1º e 2º do artigo 538 sobre a existência de benfeitorias
indenizáveis e sobre o direito de retenção.
Quanto à compensação, o já referido § 1º, inciso VII, do artigo 525, estabelece
que na impugnação ao cumprimento de sentença somente pode ser alegada a relativa a
crédito posterior à sentença. Quanto a crédito anterior à sentença há controvérsia entre os
civilistas, gerada pela redação do artigo 368 do Código Civil, que daria a entender que o
simples fato de duas pessoas serem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra
produziria a extinção das duas obrigações, “até onde se compensarem”. Doutrina
tradicional lecionava que a compensação seria apreciável de ofício e que, não reconhecida

66
LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Limites objetivos e eficácia preclusiva da coisa julgada. São
Paulo: Saraiva. 2012. P. 116.
67
LIEBMAN, Enrico Tullio Liebman. Embargos do Executado. 2ª ed. São Paulo: Saraiva. 1968. P. 191-
195.
68
LOPES. Ob. cit. P. 117.
69
Idem. P. 118.

26
na sentença, estaria sujeita à regra do artigo 508. Entretanto, como informa Lopes70,
doutrina mais moderna (Judith Martins Costa, Tepedino, Schreiber), seguindo Pontes de
Miranda, sustenta, a meu ver com acerto, que a compensação precisa ser alegada. Se não
o for, não ficará sujeita à eficácia preclusiva da coisa julgada. Ação posterior poderá
cobrar crédito que poderia compensar-se.
Também concordo com Lopes na afirmação de que, se a demanda foi julgada
improcedente por fundamento autônomo, apesar de alegada a compensação, pode ser
proposta a cobrança do crédito não compensado em nova demanda. Todavia, se a
compensação foi o fundamento da improcedência, somente poderá haver ação de
cobrança do crédito do réu no que exceder o valor do crédito do autor71.

12. COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

A Medida Provisória n. 2.180/2001 introduziu no artigo 741 do Código de 1973


um novo fundamento de inexigibilidade do título executivo judicial, consistente na
superveniência à sentença de decisão do Supremo Tribunal Federal em sentido contrário
em matéria constitucional. A Lei n. 11.232/2005 ratificou essa inovação, dando nova
redação ao mesmo artigo 741 e introduzindo no mesmo Código um novo artigo 475-L

Tratando dos fundamentos da impugnação ao cumprimento de sentença, os artigos


525 e 535 do Código de 2015 aperfeiçoaram essa chamada inexigibilidade por
superveniente decisão do STF sobre matéria constitucional para abranger expressamente
as decisões do Pretório Excelso em controle concentrado e difuso, permitir que a decisão
do STF seja modulada temporalmente e exigindo que esta seja anterior ao trânsito em
julgado da decisão exequenda. Se for posterior, exigirá ação rescisória com prazo contado
a partir da decisão do STF (arts. 525, §§ 12 a 15, e 535, §§ 5º a 8º).
O legislador insiste em tratar a questão impropriamente como uma
inexigibilidade de uma obrigação, esquecendo-se que, se a sentença for meramente
declaratória ou constitutiva, não haverá condenação, nem cumprimento de sentença,
muito menos impugnação. Por outro lado, a exigibilidade, na clássica lição de
Carnelutti,72 exprime a inexistência de impedimento à eficácia atual do crédito constante
de um título executivo. Mas esse impedimento, se verificado, não revoga, não anula e
nem torna ilícitos os demais efeitos de direito material decorrentes do título executivo.

Por outro lado, se a exigibilidade não é atributo das sentenças meramente


declaratórias ou constitutivas, ainda que se pudesse admitir a perda daquilo que nunca se
teve, parece acertado afirmar que a ineficácia superveniente não produzirá nenhuma
consequência sobre a certeza do direito material acobertada pela coisa definitivamente

70
Idem. P. 120-121. João Francisco N. da Fonseca noticia que o STJ tem consagrado o entendimento de
que é impossível ao devedor impugnar o título judicial com base em pagamento pretensamente ocorrido
em fase anterior à formação do título executivo judicial (In FONSECA, João Francisco N. da. Comentários
ao Código de Processo Civil. Volume IX. Arts. 485 a 508. São Paulo: Saraiva. 2017. P. 170).
71
LOPES. Ob. cit. P. 121-122.
72
CARNELUTTI, Francesco. Processo di esecuzione. Vol. I. Padova: CEDAM. 1932. P. 264.

27
julgada. Em consequência, os dispositivos em comento não se aplicam aos efeitos
declaratórios e constitutivos da decisão exequenda73.

Sobre as disposições da legislação anterior acima referida pronunciei-me em dois


estudos74, aos quais me reporto, manifestando-me pela flagrante inconstitucionalidade de
mais essa fragilização da coisa julgada, incompatível com os direitos fundamentais à
segurança jurídica e à tutela jurisdicional efetiva, que teve o intuito manifesto de mais
uma vez favorecer a Fazenda Pública, que, depois de ter ficado vencida milhares de vezes
em pleitos em face dos cidadãos, até mesmo por decisões do próprio Supremo Tribunal
Federal ou por este chanceladas, obtém um revirement no entendimento do Pretório
Excelso e, assim, consegue derrubar como um castelo de cartas todos os julgados
desfavoráveis, premiando desse modo todas as suas manobras procrastinatórias para
retardar o seu cumprimento.
Recordo que, no segundo daqueles dois estudos, observei – o que reitero em
relação aos dispositivos mencionados do Código de 2015 - que, justamente para assegurar
o princípio maior da segurança jurídica, a aplicação dos referidos dispositivos legais
deveria restringir-se àquelas sentenças proferidas após a manifestação do Supremo
Tribunal Federal, uma vez que, quando proferidas anteriormente, não poderiam ser
tachadas de ilegais e tampouco acusadas de contrariar a posição da Corte Suprema. O
Código de 2015, nesse aspecto, fez questão de prever expressamente que a inexigibilidade
alcança até as sentenças transitadas em julgado posteriormente, o que significa que atinge
qualquer sentença, mesmo aquelas proferidas em processos em curso e mesmo aquelas
de processos em curso ainda sujeitas a impugnação por quaisquer recursos, até mesmo
para o próprio Supremo Tribunal Federal, quando sobrevém a decisão contrária do STF.
Não só a segurança jurídica, mas o devido processo legal e outras garantias
constitucionais, como as do contraditório, da ampla defesa e do juiz natural são
atropeladas com o único paliativo da exigência de ação rescisória, no caso de decisão do
STF posterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda.

Insuperável foi a lição de Luiz Guilherme Marinoni, em síntese lapidar que


continua atual: “eliminar a coisa julgada diante de uma nova interpretação constitucional
não só retira o mínimo que o cidadão pode esperar do Poder Judiciário – que é a
estabilização da sua vida após o encerramento do processo que definiu o litígio – como
também parece ser uma tese fundada na ideia de impor um controle sobre as situações
pretéritas”.75

73
TALAMINI, Eduardo. Os pronunciamentos do STF sobre as questões constitucionais e sua repercussão
sobre a coisa julgada (impugnação ao cumprimento do título executivo inconstitucional e a regra especial
sobre o prazo de ação rescisória). In DIDIER JR., Fredie. CABRAL, Antonio do Passo (coords.). Coisa
julgada e outras estabilidades processuais. Salvador: Juspodivm. 2018. P. 378. Essa restrição também se
refere ao prazo para a propositura da ação rescisória, mencionado no artigo 525, § 15, e no artigo 535, § 8º.
74
GRECO, Leonardo. Ainda a coisa julgada inconstitucional. In: Estudos de direito processual. Campos:
Faculdade de Direito de Campos. 2005. P. 557-582; GRECO, Leonardo. A Declaração de
Constitucionalidade da Lei pelo STF em Controle Concentrado e a Coisa Julgada Anterior – Análise do
Parecer 492 da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. In Revista Dialética de Direito Processual. N.
114. São Paulo: Ed. Dialética.2012. P. 37-70.
75
MARINONI, Luiz Guilherme. O princípio da segurança dos atos jurisdicionais (a questão da
relativização da coisa julgada material). Revista Jurídica, São Paulo, n. 317, mar. 2004, p. 23.

28
Refazendo o raciocínio sobre o instituto em comento, com a configuração que
lhe deu o Código de 2015, parece-me necessário analisar se as decisões do STF em
matéria constitucional, tenham elas sido proferidas em controle concentrado ou difuso,
constituem ou não uma nova coisa julgada a incidir sobre todos os processos pendentes
ou findos e, em relação a estes últimos, sobrepondo-se à própria coisa julgada deles
resultante.

O julgamento do STF em ação de controle concentrado de constitucionalidade


tem caráter normativo e vinculante para todos os demais órgãos do Poder Judiciário
(Constituição, art. 102, § 2º; CPC, art. 927, inc. I), do que resulta que: a) obriga a sua
observância nas decisões futuras; b) não vincula o próprio STF no julgamento futuro ou
pretérito de qualquer caso concreto, ressalvada apenas a declaração de
inconstitucionalidade que, suprimindo a lei do ordenamento jurídico, não pode ser
revertida em futuros julgamentos, porque a Corte Constitucional não pode repor no
ordenamento jurídico a lei dele já eliminada.

Todavia, esse tipo de decisão do STF não gera coisa julgada em relação a
qualquer caso concreto, porque: a) não julga pedido de apropriação de qualquer bem da
vida em favor de algum sujeito de direito e não o atribui a qualquer das partes; b) não
subsume os fatos alegados pelas partes no litígio nas normas jurídicas pertinentes; c) não
confere às partes em litígios concretos e ao respectivo juiz a possibilidade de examinar e
discutir se no caso concreto a matéria constitucional deveria ser decidida de modo
diverso. Dos mesmos vícios em relação aos casos concretos padece a decisão do STF que
aprecie a matéria constitucional no chamado controle difuso, que julgou causa diversa,
com outros elementos individualizadores, com outras circunstâncias fáticas e jurídicas.
Cada sentença regula a relação jurídica correspondente ao seu objeto litigioso.

Vale aqui a crítica severa que em recente obra Luca Passanante faz à pretendida
atribuição da força normativa à jurisprudência e aos precedentes de tribunais superiores,
de nítida inspiração autoritária, que se verifica especialmente em países de frágil ou
nenhuma tradição democrática, como o Brasil, a Federação Russa, a Bulgária e Cuba: a
atividade interpretativa das cortes de vértice se apresenta inteiramente livre dos vínculos
que derivam, de um lado, dos fatos e circunstâncias peculiares que caracterizam os
diversos casos concretos na sua identidade histórica e, de outro lado, dos efeitos que a
interpretação de determinada norma deve sobre eles produzir76. A decisão do STF em
matéria constitucional, seja em controle concentrado ou difuso, nada diz sobre cada um
dos casos concretos em que surgiu ou possa surgir a referida questão constitucional. Não
há, pois, coisa julgada.

Não há, portanto, no caso da sentença exequenda transitada em julgado, uma


coisa julgada anterior que caracterize um vício da decisão capaz de retirar-lhe eficácia,
ou uma coisa julgada posterior, apta a desfazer a anterior, formada em processo quanto a
um bem da vida específico, mas sim dois atos de vontade do Estado com as suas
respectivas eficácias delimitadas pelos respectivos objetos litigiosos.

O controle da constitucionalidade das leis serve aos direitos fundamentais. A


organização dos poderes, o federalismo, o sistema partidário e eleitoral, a organização

76
PASSANANTE, Luca. Il precedente impossibile. Contributo allo studio del diritto giurisprudenziale
nel processo civile. Torino: G. Giappicchelli Editore. 2018. P. 110-111.

29
econômica, o sistema tributário, todos servem à realização dos valores humanitários
almejados pela Constituição.

Por isso, as decisões da nossa Corte Suprema sobre a constitucionalidade das leis
e atos normativos e, em geral, sobre questões constitucionais, não podem gerar violações
a direitos fundamentais, o que representaria o total desvirtuamento da função primordial
do próprio tribunal, que é a de assegurar a supremacia da Constituição.

É necessário assinalar o erro de se pretender dar força normativa às decisões do


Supremo Tribunal Federal em controle difuso, esquecendo-se de que somente o Senado
Federal pode retirar a lei, nesse caso, do ordenamento jurídico. Por outro lado, se a decisão
do STF tiver se dado em controle concentrado, o §2º do artigo 102 da Constituição
determina, expressamente, que essa decisão terá “eficácia contra todos e efeito
vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário”. Nem é preciso dizer
que em controle difuso, cada caso é um caso.

Apesar das críticas aqui feitas, que a meu ver demonstram ser irremediável a
inconstitucionalidade dos dispositivos ora comentados, mas ciente de que o
reconhecimento desse gravíssimo vício pelo próprio Supremo Tribunal Federal nos
próximos anos será bastante improvável, cumpre reconhecer que o legislador do Código
tentou dar à figura uma roupagem um pouco melhor, exigindo ação rescisória se a decisão
do STF for posterior à formação da coisa julgada. Isto significa, a meu ver, que a
inexigibilidade da obrigação somente poderá ser reconhecida na impugnação ao
cumprimento de sentença, após o trânsito em julgado da decisão na ação rescisória.
Caberá ao juiz da execução suspender pelo prazo máximo de um ano o processamento da
impugnação ao cumprimento de sentença se pendente a referida rescisória (art. 313, inc.
V, letra a, e § 4º). Decorrido esse prazo sem julgamento definitivo da rescisória, deverá
rejeitar a alegação de inexigibilidade e prosseguir na execução, sujeita esta a eventual
repetição de indébito, se houver superveniente acolhimento da rescisória. Observe-se,
entretanto, na disciplina do assunto mais uma fragilização da coisa julgada, decorrente da
contagem do prazo da rescisória a partir do trânsito em julgado da decisão proferida pelo
Supremo Tribunal Federal, e não do trânsito em julgado da decisão rescindenda.
Parece-me, por fim, que não caberá repetição do indébito, se o título judicial já
estiver cumprido antes da decisão do STF, como consequência da preservação pela
simples inexigibilidade da eficácia declaratória da sentença.

13. A JURISPRUDÊNCIA E OS PRECEDENTES

No item 2.2.7 do 1º volume das minhas Instituições, tracei um panorama da


evolução do papel da jurisprudência como fonte de direito no Brasil, em que ressaltei que,
apesar da tradição lusitana dos assentos, nosso País, a partir de 1977, repudiou a sua força
normativa, por violação do princípio constitucional da separação de poderes.
Entretanto, o próprio Código de 1973, incorporando o exemplo do próprio
Supremo Tribunal Federal na edição de súmulas de jurisprudência, estimulou os tribunais
a promoverem a uniformização dos seus julgamentos, a proclamação de súmulas e a
adoção de precedentes a influenciarem julgamentos futuros.

30
Nessa mesma época, emenda constitucional criou a representação de
inconstitucionalidade, aperfeiçoada pela Constituição de 1988 como ação direta de
inconstitucionalidade, instituindo o chamado controle concentrado de constitucionalidade
de leis e atos normativos do Poder Público e, assim, dando forma normativa a decisões
da nossa Corte Suprema.
Mais tarde, outras emendas constitucionais ampliaram essa força normativa a
outras decisões do STF e criaram súmulas vinculantes, editadas pelo mesmo Tribunal.
Paralelamente, reformas foram introduzidas no Código de 1973 para acelerar e simplificar
o julgamento de recursos pela aplicação da jurisprudência, de precedentes ou súmulas dos
tribunais, para acudir à morosidade e à crise de eficiência do Poder Judiciário e à
preocupação com o aumento incontrolável de processos e de recursos. O mecanismo de
recursos-modelo ou repetitivos foi adotado para desafogar o Supremo Tribunal Federal e
o Superior Tribunal de Justiça.
O Código de 2015 dedicou um capítulo à jurisprudência (arts. 926 a 928),
determinando que todos os tribunais a uniformizem, mantendo-a estável, íntegra e
coerente e recomendando que elaborem súmulas correspondentes à sua jurisprudência
dominante, atentas às circunstâncias fáticas dos casos que as motivaram (art. 926).
O artigo 927 determina que os juízes e os tribunais observem a jurisprudência dos
tribunais superiores, os precedentes do plenário do STF e da Corte Especial do STJ e a
orientação do plenário do tribunal a que estiverem vinculados. Tenho sustentado que o
dispositivo impõe a observância, não a obediência aos julgados dos tribunais superiores,
o que significa que a jurisprudência deve ser levada em conta, deve ser considerada pelos
juízes na fundamentação de suas decisões, mas não que tenha de ser cegamente
obedecida, o que violaria a independência dos juízes e tribunais.
No mesmo sentido de fortalecimento da jurisprudência, o Código de 2015
manteve e ampliou os institutos da assunção de competência (art. 947), de julgamento
dos recursos extraordinário e especial repetitivos (arts. 1.036 a 1.041) e criou o novo
incidente de resolução de demandas repetitivas (arts. 976 a 987).
A observância da jurisprudência, dos precedentes, das decisões-modelo, das
decisões judiciais normativas e das súmulas vinculantes, pode ser contrariada por
decisões judiciais. Antes do trânsito em julgado, os recursos legalmente previstos podem
resolver esses conflitos. Mas a partir do trânsito em julgado, prevalecerá a coisa julgada,
que somente poderá ser desconstituída por meio da ação rescisória, por um dos
fundamentos do artigo 966, especialmente o do seu inciso V. A própria Constituição e o
Código de Processo Civil instituem a reclamação, como meio idôneo à preservação do
respeito a súmula vinculante, a decisões normativas do STF e a decisões-modelo, como
as proferidas em incidente de resolução de demandas repetitivas ou incidente de assunção
de competência (Constituição, art. 103-A, § 3º; CPC, art. 988). Entretanto, o Supremo
Tribunal Federal estabeleceu, quanto à reclamação constitucional, que não cabe
reclamação se já houver transitado em julgado a decisão judicial que desrespeitou decisão
do STF (Súmula 734). Dispositivo semelhante foi incluído no Código de 2015 (art. 988,
§ 5º, inc. I). Parece-me correto o entendimento de Fonseca Costa de que o reclamante
pode ao mesmo tempo recorrer e reclamar, mas que o trânsito em julgado da decisão
recursal no curso da reclamação não a prejudica, o que provocará uma revisão do julgado
no limite necessário à preservação da autoridade do precedente, da decisão-modelo, da
decisão no incidente de assunção de competência, da decisão judicial normativa ou da

31
súmula vinculante77. À decisão da reclamação, que compete ao tribunal que emitiu o
provimento cuja autoridade se pretende garantir (art. 988, § 1º), caberá ajustar o seu
enunciado às circunstâncias fáticas e jurídicas do caso concreto (CPC, art. 489, §§ 1º e
2º), revisando-o, conforme o caso e desde que juridicamente possível.
Quanto aos recursos especial e extraordinário repetitivos, reporto-me à análise que
fiz no 3º volume das minhas Instituições78, na qual apontei o déficit garantístico que recai
sobre as partes nos processos ou recursos suspensos ou atingidos pela decisão-modelo,
que não tenham sido selecionados como representativos da controvérsia, em face da
dificuldade de participação eficaz no processo e julgamento do incidente e, portanto, da
grave limitação ao exercício do seu direito de defesa perante o tribunal superior. Essa
limitação também é evidente no incidente de resolução de demandas repetitivas, criado
pelos artigos 976 a 987 pelo Código de 2015, sendo ainda mais acentuada em relação às
partes nos recursos e processos posteriores em que tenham sido instaurados quaisquer
desses incidentes.
Discorrendo sobre o procedimento alemão do Musterverfahren, fonte notória de
inspiração para os nossos recursos repetitivos e para o incidente de resolução de demandas
repetitivas, Aluisio Mendes leciona79:
“Embora tenha adotado o efeito vinculante para todos os sujeitos processuais,
conferiu-se tratamento parcialmente diferenciado entre os que foram parte no
procedimento-padrão, ou seja, autor e réu do processo piloto (Musterkläger e
Musterbeklagten), e os interessados dos processos suspensos (Beigeladenen).
Em relação ao autor e réu do procedimento-padrão propriamente dito, não houve
qualquer previsão restritiva quanto à vinculação, razão pela qual a doutrina vem
apontando que o tratamento conferido foi o da coisa julgada.
Quanto aos Beigeladenen (que tiveram os seus processos individuais suspensos
por força da instauração do incidente de procedimento-modelo), a lei alemã previu
expressamente em que hipóteses se poderá afastar o efeito vinculativo nos
processos individuais em face de demandado comum. Trata-se de uma atuação
viciada do autor do procedimento-modelo, se os intervenientes, na situação e no
tempo em que intervieram, foram impedidos de se pronunciar ou utilizar dos
meios processuais de ataque e defesa cabíveis ou, por desconhecimento, tenham
deixado de se valer também destes meios, que não foram usados pela parte
principal por dolo ou falta grave”80.
Embora defendendo o Autor, com fundamento no artigo 985, a aplicação da tese
jurídica a todos os recursos ou processos atuais e futuros, reconhece ele que essa aplicação
“envolve operação cognitiva com certa complexidade e deve ser sempre devidamente

77
COSTA, Eduardo José da Fonseca. Comentário ao artigo 988. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Et
alii (coords.). Breves Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016. P. 2307.
78
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil – Recursos e processos da competência originária
dos tribunais. Volume III. Rio de Janeiro: Forense. 2015. P. 268-277, 290-291 e 412-413.
79
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Rio de
Janeiro: Forense. 2017. P. 52-53.
80
O Autor fala em coisa julgada quando quer dizer vinculação, porque aquela somente ocorrerá se a
decisão-modelo tiver julgado o próprio pedido de algum dos processos em causa.

32
fundamentada”. Se o tribunal que julgou a questão não se pronunciou sobre algum
fundamento invocado pela parte no caso concreto, “o magistrado poderá se afastar da tese
fixada...na hipótese, o efeito será meramente persuasivo”81.
Vou mais longe. A meu ver, tanto nos recursos especial e extraordinário
repetitivos, quanto no incidente de resolução de demandas repetitivas, a decisão-modelo
é sempre persuasiva em relação às partes em recursos não considerados representativos
da controvérsia82 e processos diversos daquele em que foi suscitado o incidente, pelas
limitações ao exercício da sua defesa na apreciação dessa questão.
No caso dos recursos repetitivos referidos, caberá ao tribunal de origem aplicar ou
não a decisão-modelo aos casos concretos, nos termos do artigo 1.041, sujeita sua
deliberação à revisão do STF ou do STJ, conforme o caso. No caso do IRDR, além da
possibilidade de revisão da tese pelo próprio tribunal (art. 986), da sua eventual má
aplicação em qualquer caso concreto por juízo ou órgão do próprio tribunal que a fixou,
independentemente de eventual recurso, caberá reclamação, nos termos do artigo 985, §
1º, à qual se aplica o que dissemos linhas atrás sobre a reclamação do artigo 988, § 5º.
Não há, pois, coisa julgada ou insuperável vinculação. À decisão-modelo estarão
vinculadas com coisa julgada, se nela tiver havido julgamento de pedido ou de questão
prejudicial com plena observância do artigo 503, apenas as partes nos recursos e
processos em que os incidentes foram suscitados e que no seu processamento e
julgamento tenham tido ampla possibilidade de exercício do seu direito de defesa.

14. A HOMOLOGAÇÃO DE ATOS DE DISPOSIÇÃO

O inciso VIII do artigo 485 do Código de 1973 estabelecia como hipóteses de


rescisão da sentença a existência de fundamento para invalidar confissão, desistência ou
transação, em que se baseou a sentença. O dispositivo, que não tem correspondência no
Código de 2015, suscitava inúmeras dificuldades na sua interpretação pela impropriedade
da referência a confissão e a desistência, que não seriam objeto de sentenças com a
autoridade da coisa julgada, quando as palavras corretas seriam reconhecimento e
renúncia, bem como pela função meramente delibativa do juiz na homologação da
transação, cujo conteúdo, definido pelas próprias partes, não poderia ser apto a desfrutar
da mesma imutabilidade da sentença judicial.
Mais técnico, o Código de 2015 inclui nos julgamentos de mérito a homologação
do reconhecimento do pedido, da transação e da renúncia ao direito no artigo 487, inciso
III, não mais prevê essas hipóteses como fundamento de rescisória e no § 4º do artigo 966
estabeleceu que os atos de disposição de direitos, como os aqui referidos, “estão sujeitos
à anulação, nos termos da lei”, ou seja, podem ser objeto de ação anulatória, nos mesmos
casos e sob as mesmas condições em que os atos ou negócios jurídicos podem ser
anulados.

81
Idem. P. 244.
82
O âmbito estreito deste estudo não permite examinar se todos os interessados nos processos ou recursos
escolhidos como representativos da controvérsia têm efetiva e amplamente assegurados o contraditório e a
ampla defesa ou se a coletivização do julgamento também os prejudica, exigindo que a eles se aplique a
ressalva do caráter meramente persuasivo da decisão-modelo.

33
José Aurélio de Araújo, em tese de doutorado por mim orientada na
Universidade do Estado Rio de Janeiro83, informa que expressiva doutrina veiculada na
vigência do Código de 1973 (Barbosa Moreira, Talamini) associava a rescisão da sentença
à existência de coisa julgada. Assim, ao incluir os atos de disposição no preceito que
regulava a ação rescisória, o referido diploma estaria se curvando a uma antiga tradição
de que quando as partes chegam à autocomposição e a submetem à homologação judicial,
querem que o litígio fique sepultado como se tivesse sido resolvido pelo próprio juiz
(confessus pro judicato habetur), tornando-se imutável o que as partes resolveram com a
mesma autoridade da coisa julgada. Coerente com esse fundamento, o legislador conferiu
(e ainda confere) o status de título executivo judicial à sentença ou decisão homologatória
de autocomposição judicial ou extrajudicial (CPC de 1973, art. 475-N, inc. III; CPC de
2015, art. 515, incs. II e III) e, como consequência, parece somente permitir que o
conteúdo da obrigação ajustada pelas partes possa ser impugnada no cumprimento de
sentença por causa a esta superveniente (CPC de 1973, art. 475-L, inc. VI; CPC de 2015,
art. 525, inc. VII).
Entretanto, a jurisprudência, na vigência do Código de 1973, atentou para o
exagero de dar-se a mesma especial estabilidade da coisa julgada ao direito material
definido pelo juiz e ao direito material definido pelos próprios interessados. Pretensões
de direito material imprescritíveis ou com prazos de prescrição dilatados, vícios na
manifestação de vontade das partes cuja demonstração exigiria ampla dilação probatória
e outras circunstâncias, levaram ao entendimento de que somente os defeitos do próprio
ato judicial de homologação comportariam ação rescisória, enquanto os do ato de vontade
das partes, que correspondem ao próprio conteúdo do seu direito material, comportariam
ação anulatória, como os atos jurídicos em geral.
Nessa época cheguei a apoiar essa solução e a entender que o desaparecimento
do inciso específico no artigo 966 do Código de 2015 estaria plenamente justificado
porque eventuais vícios da própria homologação seriam rescindíveis com fundamento nos
demais incisos do referido artigo84. Hoje tenho uma visão diversa da questão, que tem um
fundamento mais profundo. Parece-me incoerente admitir que atenta contra a coisa
julgada material o vício processual da sentença homologatória e não atenta para essa
mesma coisa julgada material o vício do ato de disposição das partes ao qual a
homologação pretende dar eficácia. A rescisão da homologação implica em rescisão do
acordo? Anulado o acordo, resta alguma eficácia à homologação ou ela também
desaparece, apesar de não ter sido atacada por ação rescisória?
Vimos acima que um dos requisitos da coisa julgada é a cognição exaustiva, que
não existe na homologação dos atos de disposição. Por mais intensa que seja a
irrevogabilidade ou a irretratabilidade da manifestação de vontade das partes, a
homologação judicial continua a incidir sobre um meio autocompositivo, em que o juiz
nada diz sobre o direito material das partes. Estamos diante do que Carnelutti e boa parte
da doutrina classificavam de um equivalente jurisdicional, que não pode ficar infenso ao
controle jurisdicional. A função publicística da atuação da vontade da lei ao caso concreto

83
ARAÚJO, José Aurélio de. Cognição sumária, cognição exaustiva e coisa julgada. São Paulo:
Thomson Reuters/Revista dos Tribunais. 2017. P. 248.
84
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil – Recursos e processos da competência originária
dos tribunais. Volume III. Rio de Janeiro: Forense. 2015. P. 348-349.

34
não emanou de órgão independente e imparcial. Quem atuou a vontade da lei ao caso
concreto foram as próprias partes. Deve abandonar-se o anacronismo de admitir que as
partes, sem a cognição efetiva do juiz sobre todos os aspectos fáticos e jurídicos da causa,
possam buscar uma estabilização da relação jurídica de direito material igual à da
sentença transitada em julgado. Tanto mais grave é admitir essa rigidez diante das tão
comuns situações de desigualdade econômica e social e de abusos nas relações contratuais
características da sociedade de massa. Não há, pois, coisa julgada, nem quanto ao
conteúdo do acordo, nem da sentença homologatória, verdadeiro provimento de
jurisdição voluntária. A anulação do acordo ou da sua homologação deverá ser buscada
pela ação prevista no § 5º do artigo 966. A extensão da anulação, a toda ou parte da
transação, para incluir ou não o ato judicial de homologação, por vícios daquela ou desta,
será decidida nos limites do pedido e conforme o grau de interdependência que houver
entre uma e outra. Assim, por exemplo, haverá casos em que a validade ou eficácia do
acordo, por força de lei ou pela própria vontade das partes, estará subordinada à
homologação. Nessas hipóteses, bastará apontar vícios da própria homologação para
anulação desta e da própria transação. Se a homologação judicial não for requisito
intrínseco de validade ou eficácia da transação, sempre a ação anulatória dependerá de
vício do próprio ato das partes, cujo reconhecimento prejudicará a própria homologação
que, embora sendo sentença de mérito, não dependerá de ação rescisória. O fato de o
legislador ainda estabelecer que a homologação da autocomposição gera título executivo
judicial constitui um resquício do anacronismo acima apontado de pretender dar à
autocomposição a mesma eficácia da decisão judicial, o que coloca o devedor numa
iníqua situação de desvantagem, incompatível com o contraditório, a ampla defesa e a
paridade de armas, impedindo-o de alegar em juízo os vícios do crédito que lhe é exigido
antes de qualquer ato coativo. Por isso, a plena eficácia dessas garantias não pode ser
limitada pelo disposto no inciso VII do artigo 525. Pode o interessado propor a ação
anulatória prevista no § 4º do artigo 966, como pode alegar os vícios do acordo ou da sua
homologação na impugnação ao cumprimento de sentença85.

15. AS CONVENÇÕES PROCESSUAIS E A COISA JULGADA

No entusiasmo do que denominam de princípio do autorregramento da vontade,


que encontraria suporte nas novas disposições do Código de 2015 sobre as convenções
processuais, Fredie Didier J., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira noticiam
debate com Eduardo José da Fonseca Costa sobre cinco possíveis negócios jurídicos em
torno da coisa julgada, que impende considerar86.

85
ARAÚJO. Ob. cit. P. 250
86
DIDIER JR., Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito
Processual Civil. Volume II. Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada
e Tutela Provisória. 12ª ed. Salvador: Editora Juspodivm. 2017. P. 591-593.

35
Examino brevemente o tema à luz das premissas que expus em estudo anterior87,
no qual estabeleci como limite ao autorregramento das partes a ordem pública processual,
procurei mostrar que em muitas convenções o controle judicial é o de simples legalidade
e tentei estabelecer certas condições para a sua revogabilidade. Por outro lado, se estamos
falando de coisa julgada, o nosso foco são as convenções ou negócios sobre o direito
material ao bem da vida que foi reconhecido na sentença e não convenções sobre questões
processuais.
Examinemos os negócios cogitados pelos mencionados Autores:
“a) negócio jurídico para rever, rescindir ou invalidar a decisão transitada em
julgado: esse negócio não é permitido, pois as partes não podem desfazer,
negocialmente, um ato estatal; não podem desfazer consensualmente uma
declaração judicial.
b) negócio jurídico sobre os efeitos da decisão: trata-se de negócio permitido; é
possível renúncia ao crédito reconhecido judicialmente, as partes podem
transigir a respeito desse mesmo direito; nada impede que pessoas divorciadas
voltem a casar-se entre si”.
Concordo com Tiago Pinto Coelho Leone88, no sentido de que, ressalvada a
indisponibilidade do direito material, as partes têm plena autonomia para revogar ou
modificar os efeitos de direito material da sentença transitada em julgado, inclusive com
eficácia retroativa, assim como para declarar a invalidade desses efeitos à luz do direito
material. O que lhes é vedado é a anulação ou rescisão da sentença, ato privativo do
Estado que somente por ele próprio pode ser decretada, pelos meios legalmente previstos.
A retroação dos efeitos da revogação ou anulação encontrarão limite em efeitos
reflexos da sentença sobre situações jurídicas de terceiros, com fundamento em direitos
adquiridos ou atos jurídicos perfeitos decorrentes da própria sentença, como os honorários
da sucumbência, ou não.
“c) negócio jurídico sobre exceptio rei iudicatae: trata-se de pacto para que a
parte não alegue a objeção de coisa julgada. A parte renuncia ao direito de opor a coisa
julgada, em eventual demanda que lhe seja dirigida.”
Tiago Leone discorda sob o fundamento de que esse pacto violaria a segurança
jurídica, assim como os princípios da boa-fé, da lealdade e da cooperação e, além de tudo,
a ordem pública89. Concordo com a conclusão de Leone, especialmente quanto à violação

87
GRECO, Leonardo. A contratualização do processo e os chamados negócios jurídicos processuais. In
www.academia.edu.
88
LEONE, Thiago Pinto Coelho. Dos negócios jurídico processuais envolvendo a coisa julgada: limites ao
autorregramento da vontade das partes. In LUCON, Paulo Henrique dos Santos. FARIA, Juliana Cordeiro
de. MARX NETO, Edgard Audomar. REZENDE, Ester Camila Gomes Norato (orgs.). Processo civil
contemporâneo. Homenagem aos 80 anos do Professor Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro:
Forense. 2018. P. 258-259.
89
Idem. P. 259-262.

36
da ordem pública processual. No meu estudo por último referido, assim defini a ordem
pública processual, como limite à autonomia da vontade das partes:
“Seguindo doutrina tradicionalmente difundida entre nós, tenho apontado como
inerentes à função jurisdicional do Estado os poderes de decisão, de coerção e de
documentação e, como auxiliares dos dois primeiros, os poderes de conciliação e
de impulso processual90. Esses poderes se exercem na prática dos mais diversos
tipos de atos processuais, como as decisões judiciais, os atos de movimentação,
os atos de coação, os atos instrutórios, a imposição de sanções e a atividade
cautelar. As regras que diretamente asseguram a independência e a imparcialidade
dos juízes, como as que disciplinam a arguição de impedimentos ou motivos de
suspeição, são predominantemente inderrogáveis pela vontade das partes.
Também são inderrogáveis e insuscetíveis de convencionalidade as regras de
competência absoluta originária ou recursal, as que autorizam o juiz a coibir o
processo simulado ou fraudulento, os atos atentatórios à dignidade da justiça ou
que munem o juiz de poderes de tornar efetivo o cumprimento de suas decisões
ou de impor sanções pelo seu descumprimento. Também são alheias à disposição
pelas partes as regras que asseguram a eficácia de garantias fundamentais do
processo indisponíveis pelas partes, como as que asseguram a publicidade das
decisões judiciais, a fundamentação das decisões, a duração razoável do processo,
a concorrência das condições da ação a racionalização e o regular funcionamento
da administração da justiça em, igualdade de condições em relação a todas as
causas e a todos os interessados, o direito de postular e se defender, a que eu tenho
denominado, não por simpatia, mas pela falta de outro nome melhor, de ordem
pública processual.”
O princípio da unidade da jurisdição impõe ao Estado o dever legal de prestar
jurisdição uma única vez. Esse é um princípio de ordem pública. A própria lei abre
exceções a esse princípio pela instituição dos recursos que, por força do mesmo princípio,
são de enumeração taxativa91. Os cidadãos que já receberam a prestação jurisdicional não
podem, pela omissão na alegação da existência de coisa julgada, exigir que o Estado
preste novamente a jurisdição, função que o Estado tem de exercer em relação a todos os
cidadãos que dela necessitem e não, pelo capricho de uns ou de outros, voltar a exercê-
la, a não ser nos estritos limites facultados pela lei.
Chiovenda recapitulava há um século atrás o caráter de ordem pública da exceção
de coisa julgada em lição de extrema atualidade. Informava ele que se discutia muito se
a exceção de coisa julgada era uma exceção em sentido próprio ou se o juiz deveria relevar
de ofício o precedente julgado (coisa julgada relativa ou absoluta?)92. Escreveu o mestre:
“Nel diritto comune essa è considerata come uma eccezione vera e propria e la
dottrina francese accolse questo concetto, che domina tutora anche in Italia. In
Germania le nuovi correnti d’idee dominanti nella considerazione del processo, e
in particolare il concetto che il giudice entra come soggetto ativo nel rapporto
processuale e non può essere obbligato a prestare la decisione più d’una volta,
fecero invece accogliere nella dottrina il concetto oposto. Mentre nel Codice civile

90
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, vol. I – Introdução ao Direito Processual Civil. 5ª
edição. Rio de Janeiro: Forense. 2015. p. 105-112.
91
V, minhas Instituições (vol. I, p.121-122; vo. III, p. 19-20).
92
CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto processuale civile. 3ª ed. revista e notavelmente
aumentada. Napoli: N. Jovene. 1923. P. 914-915.

37
germanico fu soppresso il paragrafo che nel progetto rimetteva questa eccezione
all’iniziativa della parte, e la natura della eccezione rimase così oggetto di disputa;
nel Regolamento processuale austriaco fu detto expressamente che il giudice può
elevarla d’ufficio.
Anche in Italia il concetto che la cosa giudicata abbia carattere assoluto ha omai
varii sostenitori. Le parti possono rinunciare agli effetti del giudicato, non
pretendere anche se concordi, una nuova decisione sopra un rapporto già deciso.”
Embora a matéria seja relevável de ofício (art. 485, § 3º), o réu que deixar de
alegá-la, poderá responder por perdas e danos como litigante de má-fé (art. 80, inc. III).
Se sobrevier nova sentença como consequência da omissão das partes, poderá ser
rescindida com fundamento no artigo 966, inciso III.
“d) negócio sobre o direito à rescisão: as partes renunciam ao direito à rescisão
da decisão, à semelhança do que podem fazer com o direito ao recurso. Trata-se de
negócio lícito, sendo o direito disponível. Rigorosamente, esse negócio não é processual:
abre-se mão do direito potestativo material à rescisão da decisão. Trata-se de negócio
permitido.”
Leone sugere que a questão seja regida pelo Direito Civil e invoca o artigo 109 do
Código Civil que dispõe, quando ao prazo para a ação rescisória, que é nula a renúncia à
decadência fixada em lei93.
Embora a doutrina dominante desde a vigência do Código de 1973 indique que o
prazo para a propositura da ação rescisória é de decadência, não de prescrição, o
legislador de 1973 no artigo 495, como o de 2015 no artigo 975, não tomou expressamente
posição a esse respeito94. Pessoalmente, não tenho simpatia pela aplicação das regras
sobre a decadência do Direito Civil a um direito de origem estritamente processual. Basta
lembrar que a decadência não se interrompe nem comporta exceções de acordo com o
tipo de direito material, o que ocorre com a prescrição, que cede em face de certas relações
jurídicas, como as de direito de família. Assim, por exemplo, a rescisória da sentença de
improcedência da investigação de paternidade no Brasil caduca em dois anos. O advento
do exame de DNA comprovou a impropriedade dessa limitação. Na Alemanha, a Lei de
Família isenta essa ação de qualquer prazo, como já tive oportunidade de mencionar em
outras ocasiões95.
Afasto, pois, a aplicação do artigo 109 do Código Civil. A meu ver, há quatro
limites à renúncia prévia à rescindibilidade da sentença transitada em julgado. O primeiro
já aduzido acima é a indisponibilidade do direito material. Embora concorde que a
indisponibilidade do direito material não implica necessariamente em indisponibilidade
do direito processual96, parece-me que a rescisão de efeitos de direito material, que é o

93
Ob. cit. P. 262-264.
94
V. minhas Instituições, volume III, p. 351-354. Sou testemunha de que Alfredo Buzaid, que foi o grande
mentor do Código de 1973, era um cético quanto à distinção entre prescrição e decadência, que considerava
matéria de alta indagação doutrinária, a respeito da qual nunca a opção do legislador seria plenamente
satisfatória.
95
V. o meu estudo Ainda a coisa julgada inconstitucional, cit.
96
TALAMINI, Eduardo. A (In)disponibilidade do interesse público: consequências processuais
(composição em juízo, prerrogativas processuais, arbitragem, negócios processuais e ação monitória) –

38
que representa o acolhimento da rescisória, não pode ser objeto de ato de disposição se o
direito material for indisponível.
Do segundo limite tratei no já mencionado estudo sobre a contratualização, a
respeito do controle de legalidade das convenções processuais, que devem respeitar o
equilíbrio entre as partes e a paridade de armas, para que uma delas, em razão de atos de
disposição seus ou de seu adversário, não se beneficie de sua particular posição de
vantagem em relação à outra quanto ao direito de acesso aos meios de ação e de defesa97.
Parece-me que a renúncia à instância rescisória caracteriza uma renúncia à
jurisdição, que deve ter um terceiro limite, que exige plena consciência do renunciante ao
conteúdo do direito material do qual abre mão. Essa plena consciência somente se
evidencia se a renúncia ocorre em momento em que a sentença rescindenda já foi
proferida e que já se tornou conhecido o motivo que a tornaria rescindível, permitindo
que a parte avalie e pondere em concreto todas as vantagens e desvantagens de renúncia.
É absolutamente inválida qualquer convenção que implique em renúncia genérica a
qualquer ação rescisória, estabelecida previamente em contrato extraprocessual, sem que
o litígio esteja posto em juízo, sem que a sentença tenha sido proferida e sem que se prove
que o renunciante tinha conhecimento anterior da existência concreta do motivo de uma
possível rescisão.
Por fim, cabe sempre lembrar, como quarto limite, que os atos de disposição das
partes são pessoais e não podem prejudicar interesses de terceiros. Embora o terceiro não
esteja sujeito à coisa julgada, pode ter interesse em rescindir a sentença inter alios pelos
efeitos reflexos que dela decorrem para ele, conforme aduzi acima.
“e) negócio jurídico para afastar a coisa julgada. É possível, com base no art.
190, que as partes afastem a coisa julgada. As partes resolvem que determinada questão
pode ser novamente decidida, ignorando a coisa julgada anterior. Nesse caso, o acordo
impede que o juiz conheça de ofício a existência da coisa julgada anterior.”
Valem aqui os mesmos argumentos que inviabilizam o acordo sobre a exceção de
coisa julgada. Trata-se de matéria de ordem pública decorrente do princípio da unidade
da jurisdição que não pode ser objeto de ato de disposição das partes.

16. CONSIDERAÇÕES FINAIS

versão atualizada para o CPC/2015). In ZANETI JR. Hermes. CABRAL, Trícia Navarro Xavier (coords.).
Justiça multiportas – mediação, conciliação, arbitragem e outros meios adequados de solução de
conflitos. 2ª ed. Salvador: Editora Juspodivm. 2018. P. 275-297; VENTURI, Elton. Transação de Direitos
Indisponíveis. In ZANETI JR. Hermes. CABRAL, Trícia Navarro Xavier (coords.). Justiça multiportas –
mediação, conciliação, arbitragem e outros meios adequados de solução de conflitos. 2ª ed. Salvador:
Editora Juspodivm. 2018. P. 405-436.
97
Pascal Ancel observa que as cláusulas que limitam o exercício da jurisdição devem ser vistas com
desconfiança, porque muitas vezes elas são impostas por uma parte em situação de força em relação a outra,
que não tem a oportunidade de recusá-las e que muitas vezes até mesmo as desconhece (L’encadrement de
la juridiction par le contrat. In ANCEL, Pascal. RIVIER, Marie-Claire (sous la direction de). Le
conventionnel et le juridictionnel dans le règlement des différends, Paris: Economica, 2001. P. 8).

39
Os treze temas aqui sucintamente examinados são uma pequena amostra da
relevância de revisitar a teoria geral da coisa julgada para tentar resolver com alguma
segurança os inúmeros desafios apresentados pelo Código de Processo Civil de 2015.
Meu intuito foi o de problematizar algumas dessas questões sob uma diretriz que
me parece insuperável e à qual doutrina e jurisprudência não podem dar as costas, por
mais que se pretenda adotar mecanismos de aceleração das decisões judiciais e reduzir o
volume de processos e de recursos que sobrecarregam juízos e tribunais: a da supremacia
dos direitos e garantias fundamentais inscritos na Constituição.
O aprofundamento da sua análise talvez pudesse conduzir a conclusões diversas.
Pareceu-me útil, todavia, trazer à baila o exame de cada uma delas na perspectiva aqui
adotada, que entendo como a única capaz de recuperar na sociedade complexa do nosso
tempo a credibilidade numa Justiça pelos juízes, sem a qual ficamos entregues à selva do
mercado, em que não há eficácia concreta dos direitos de todos nem Estado de Direito.

Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 2018

40

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