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UNAMA - UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA

CURSO DE DIREITO

DISCIPLINA: RECURSOS E OUTROS MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO


JUDICIAL

PROFESSORA: NEILA MOREIRA COSTA

TURMA: 6NTA

DISCENTES: CAIO FERNANDO COSTA MONTEIRO (MATRÍC. – 04094052),


ELAINE OLIVEIRA DAMASCENO (MATRÍC. – 26055326), MARIA VITÓRIA
RISUENHO MONTEIRO (MATRÍC. – 04064680) E MAYRA DE CARVALHO SENA
(MATRÍC. – 04064378)

QUERELA NULLITATIS

BELÉM – PA
2022
1 Introdução

No processo civil, sempre houve uma preocupação com a celeridade da


prestação jurisdicional e com a necessidade de uma decisão justa e fundamentada.
Ao longo do tempo, o legislador estabeleceu diversos meios legais os quais permitem
ao processo chegar da forma mais célere possível a sua finalidade principal: julgar o
mérito e satisfazer os direitos pleiteados com a maior celeridade possível. Dentre
esses meios, destacam-se: preclusão, coisa julgada, forma processual geral,
precedente judicial, principalmente com base no valor da segurança jurídica. No
entanto, não há como esquecer que o sistema sustenta outro valor de igual ou maior
alcance: a justiça.

Além do sistema recursal, foram criadas as chamadas ações autônomas de


impugnação, que, muitas vezes, ajudam a corrigir falhas consideradas graves do
ordenamento jurídico, tanto que possibilitam a alteração de questões já transitadas
em julgado. Como uma espécie de ação autônoma de impugnação, a querela nullitatis
constitui-se como um instrumento especificamente destinado a questionar certos
fatores relacionados aos pressupostos de existência da relação jurídico processual.
Justamente por se relacionar aos pressupostos de existência, não há menção ao
prazo prescricional para a querela. A excepcionalidade da imprescritibilidade desse
instrumento processual gera dúvidas sobre sua legitimidade.

2 Noções gerais

A querela nullitatis faz parte da área que trata da nulidade do processo, pois é
considerada um meio de correção das falhas processuais. Historicamente, foi dividia
em: (a) querela nullitatis sanabilis, para os erros menos graves no procedimento; (b)
querela nullitatis insabilis para os erros mais graves. Hoje, aquela está absorvida pela
apelação e, na concretude, as razões de nulidade transformaram-se em sua
fundamentação.

Embora não exista expressamente a menção ao instituto querela nullitatis, ele


ainda integra a realidade do direito moderno, inclusive a do direito positivo brasileiro.
Em Recurso Especial (REsp 12586-SP) apreciado no STJ e publicado em 1991, o
Ministro Waldemar Zveiter esclarece em parte do acórdão que:
A tese da querela nullitatis persiste no direito positivo brasileiro, o que implica
em dizer que a nulidade da sentença pode ser declarada em ação
declaratória de nulidade, eis que, sem a citação, o processo, vale falar, a
relação jurídica processual, não se constitui, nem validamente se desenvolve.
Nem, por outro, lado, a sentença transita em julgado, podendo, a qualquer
tempo, ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos à
execução, se for o caso. (REsp 12.586/SP, Rel. Min. WALDEMAR
ZVEITER , DJU de 04.11.1991).

Observa-se que a querela nullitatis insanabilis sobrevive no direito brasileiro


como uma espécie de instrumento para impugnação de sentença maculada por vícios
transrescisórios, como o de falta ou nulidade de citação de réu em processo de
conhecimento, que lhe ocorre à revelia por vício na citação. Em outras palavras,
querela nullitatis insanabilis resistiu no ordenamento jurídico brasileiro como sanador
de vícios graves, que não se resolveriam com a preclusão e, consequentemente,
subsistiriam à formação da coisa julgada.

Verifica-se que a querela nullitatis pode ser realizada a partir de embargos à


execução ou pela sua forma autônoma de ação declaratória de nulidade (inexistência)
do processo, que estamos chamando aqui de querela nullitatis insanabilis.

O instrumento processual objeto deste trabalho, conhecido atualmente


como ação de nulidade, é justificável na ausência de pressupostos processuais de
existência. Para Pinho (2022), pressupostos processuais

são os requisitos mínimos necessários para o estabelecimento de uma


relação jurídica processual válida e regular (art. 485 IV, do CPC). Dizem
respeito ao processo como um todo ou a determinados atos específicos,
divergindo, neste ponto, das condições para o regular exercício do direito de
ação, que não dizem respeito ao meio, e sim à possibilidade de atingir o fim
do processo – o exercício da jurisdição.
Presentes esses requisitos, a relação processual é considerada viável.
[...]
Não há consenso na doutrina quanto à classificação dos pressupostos
processuais, podendo-se destacar duas:
I – Pela doutrina clássica, há a divisão entre pressupostos de existência e de
validade
1 Existência: são requisitos para a constituição da relação processual:
1.1 O órgão estatal investido de jurisdição: juízo de direito ou tribunal.
1.2 Partes: autor e réu
1.3 Demanda: o ato da parte traduzido numa petição inicial pelo qual o processo
é formado. (p. 487).

Desse modo, pode-se afirmar que pressupostos processuais são aqueles


imprescindíveis à construção da relação jurídica processual e sem os quais não há
o processo. Vícios ou a ausência de um dos pressupostos de existência legitimam a
ação declaratória de inexistência de ato jurídico, que não está sujeita a qualquer
prazo prescricional ou decadencial e, por isso, podem ser arguidas até depois do
trânsito em julgado da sentença.

Nesse sentido, o que fundamenta a querela nullitatis é a ausência daquilo que


é essencial para a existência da relação processual e que deveria existir antes da
constituição do próprio processo. Cita-se aqui vícios transrescisórios, os quais podem
ser apontados muito depois de passado o prazo decadencial da ação rescisória. Esta
pressupõe que o processo existe; porém, se ele sequer chegou a existir, não há o que
ser rescindido e a ação de nulidade insurge como instrumento processual mais
adequado.

Em resumo, o instituto da querela nullitatis – a ação autônoma de nulidade –


é o meio mais adequado para a impugnação de sentenças inexistentes ou ineficazes.
Vimos que a querela nullitatis foi travestida de ação de nulidade em nosso
ordenamento jurídico e verifica-se que a sentença objeto dessa ação é aquela que
não reúne todos pressupostos processuais de existência, a saber: citação,
procedimento e a jurisdição.

Assim, fica evidente a distinção entre uma sentença inexistente (que não possui
pressupostos processuais de existência) e uma sentença nula (na qual o processo
chega a existir, mas não possui pressupostos processuais de validade). De acordo
com Pinho (2022), pressupostos de validade “são requisitos para o desenvolvimento
válido e regular da relação processual. Se ausentes, não será possível a efetivação
de eventual sentença de mérito, muito embora o processo tenha existido”. (p. 488).

Em continuidade, a fim de combater os efeitos jurídicos o ato inexistente, é


necessário que a inexistência seja declarada pelo Poder Judiciário, por meio da actio
nullitatis, também conhecida como ação declaratória de inexistência.

Devido à gravidade de um processo com vícios dessa natureza, a ação


declaratória de inexistência pode ser arguida a qualquer momento, em qualquer grau
de jurisdição, para que a sentença oriunda desse processo possa ser declarada
inexistente e deixar de produzir efeitos imediatamente.
3 Hipóteses de Cabimento

Partindo dessas premissas, é indispensável falar sobre as hipóteses de


cabimento da querela nullitatis. Para isso, reiteramos, que as sentenças inexistentes,
objeto da querela, são provenientes de processos inexistentes, por não possuírem
elementos imprescindíveis à sua constituição, a exemplo de sentenças com ausência
de decisório; sentenças de processos instaurados a partir de uma ação, na qual falte
uma de suas condições; sentenças proferidas em feito sem pressuposto processual
de existência – citação, petição inicial e jurisdição –, sentenças nas quais houve
citação nula relacionada à revelia, sentença sem a citação de um litisconsórcio
necessário unitário, sentença sem a assinatura do juiz competente ou investido de
jurisdição ou sentença que não esteja devidamente escrita.

Percebe-se, desse modo, uma relação copiosa de sentenças, que, por serem
inexistentes, nunca transitariam em julgado, e ficariam sujeitas à declaração de
inexistência.

Dentre as várias hipóteses de cabimento da querela nullitatis, ressalta-se o


caso de sentenças proferidas por pessoas que não estejam investidas de jurisdição.

Apesar disso parecer muito improvável, visto que ninguém lúcido iria dar
validade a uma sentença proferida a “non judice”, não se pode negar a possibilidade
de, por exemplo, um magistrado já aposentado, não atento ao término de sua
judicância, proferir sentença, sem que as partes percebam o imbróglio, e a sentença
consiga, sob a égide judicial, gerar efeitos por longa data.

Indispensável ressaltar que, dentre as hipóteses mencionadas, a de maior uso


na prática é a da querela gerada por vício ou motivada por ausência de citação. A
ausência da formação da relação jurídica processual faz com que seja inexistente a
sentença proferida em processos nos quais não haja citação. Se não há a formação
trilateral da relação jurídica, não existe processo. Se não há processo, não há
sentença. Por isso, ainda que prolatada, essa decisão existiria apenas formalmente,
pois estaria sem qualquer conteúdo material. Em consequência, tem-se como
instrumento para eliminar do mundo jurídico esse falsete sentencial, a ação
declaratória de inexistência.
Também não há sentença, quando os feitos nos quais proferidas não tiverem
um procedimento que se inicie com uma petição inicial e seja finalizado por sentença
que tenha o mínimo de elementos formais, visto que não se concede tutela
jurisdicional de ofício, isto é, tutela sem que haja provocação da parte.

Neste sentido, também não se concebe uma sentença que não tenha parte
dispositiva e que, por consequência, não apresente comando algum. Isso não quer
dizer que sentenças sem motivação ou com defeito em seu comando normativo sejam
impugnáveis por meio de querela nullitatis. As sentenças assim proferidas são
viciadas, indubitavelmente. Porém, existem e geram efeitos, razão pela qual devem
ser impugnadas por ação rescisória, dentro do prazo estabelecido em lei de 02 anos.
Passado este lapso temporal, a decisão, ainda que viciada, torna-se intocável.

Além disso, é imperativo ressaltar que há, paralelamente, uma corrente


doutrinária de perspectiva conservadora quanto ao uso da querela nullitatis. Essa
corrente defende o uso restrito do instrumento processual apenas para o caso de
decisão protelada em desfavor do réu, em processo no qual foi revel, por ausência de
citação ou por vício nesta.

4 Querela Nullitatis como Garantia de Segurança Jurídica

Ao tratar da necessidade ou não da querela nullitatis no ordenamento jurídico


brasileiro, defende-se que os vícios que dela seriam objeto processual já estão
contemplados pela instrumento jurídico-processual da apelação ou pela ação
rescisória ou já recebem as devidas tratativas no campo da ineficácia. Entretanto,
apesar da crítica, essa corrente doutrinária não deixa claro como os outros tipos de
inexistência (já explicados aqui), a exemplo da ausência de autoridade investida de
jurisdição, podem chocar-se com princípios constitucionais, como o do devido
processo legal, entendido, no sentido material, segundo Nery Jr (2017), como “a
possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e
defendendo-se do modo mais amplo possível” (p. 110). É também do devido processo
legal que se originam outros direitos processuais constitucionalmente estabelecidos,
como acesso à justiça, contraditório e ampla defesa.

Não se nega que o tempo cronológico e sua posição dentro do Direito são eixos
elementares da segurança jurídica e, por isso, evitam que conflitos e incertezas se
perpetuem no tempo, causando instabilidade e violando a dignidade da pessoa
humana.

Mas não é menos certo que a estabilidade decorrente da referida solução de


conflitos por meio do processo é meramente temporal: evitar que se prolonguem no
tempo, para harmonia do sistema. Desconsidera-se, porém, que a estabilidade e sua
harmonia dentro do sistema não operam em caso de decisões (em verdade, “não-
decisões”) proferidas em detrimento de princípios constitucionais fundantes do Estado
Direito, a exemplo do devido processo legal.

O processo não deve ser compreendido apenas como um fim em si mesmo,


mas como forma de efetivamente se alcançar a justiça no caso concreto e, aí sim,
realização da pacificação social.

A justiça só será encontrada em se possibilitando ao jurisdicionado sua ampla


participação no processo, ou, que seja julgado por quem detenha autoridade judicial
para que o processo e respectiva sentença produzam os efeitos esperados pelo
ordenamento.

Deste modo, a segurança também é uma forma de resposta à confiança dos


indivíduos nas instituições jurídicas, para que não se perca a credibilidade no Direito,
que ocorrerá, por óbvio, por parte daquele que, v.g., já transcorrido o prazo para
propositura da rescisória, se viu condenado à prestação em processo do qual não
participou.

Tal orientação vai ao encontro da lição Canotilho (1999), que discorre que, num
Estado Democrático de Direito, a segurança, a confiança e a separação de poderes
não devem ser entendidas

como casca vazia, em odre aberto a conteúdos variáveis, que podiam ir do


Estado de direito autoritário do chanceler de ferro (Bismarck) aos Estados de
direito fascistas ou de legalidade socialista”, mas preenchidas dos problemas
da democracia, da justiça e da socialidade. (p. 25).

Desse modo, observando os indicadores de segurança jurídica e de justiça,


denota-se que a perspectiva que admite que a justiça suplanta a estabilidade trazida
pela abordagem temporal da segurança jurídica, mostra-se correta, visto que, a
injustiça, como violadora clara de direitos e garantias fundamentais instituídos na
CF/88, não se compatibiliza com a ordem, seja em que tempo for.
5 Considerações Finais

Conceito ínsito ao próprio Estado de Direito, por, principalmente garantir a paz


e tranquilidade dos indivíduos que terão previsibilidade na atuação estatal e nas
próprias relações com os demais e, consequentemente, uma dignidade à vida de tais
indivíduos, a segurança jurídica pode ser compreendida, entre outros vieses, a partir
de uma análise realizada sobre a óptica cronológica do tempo.

A coisa julgada material, exemplificadamente, após o prazo decadencial


previsto em lei (art. 966, CPC/2015), torna-se soberanamente julgada, mesmo diante
de vícios extremamente graves que maculam a sentença e/ou respectivo processo.

Todavia, em algumas situações, a sentença e/ou o processo não possui(em)


pressupostos mínimos de existência no mundo jurídico, de molde que não pode(m)
ser validado(s) ou trazido(s) ao plano da existência, pelo ordenamento jurídico, em
nome de uma suposta segurança jurídica, sob a perspectiva da análise cronológica
do tempo. A inexistência resulta da violação de normas fundantes do ordenamento
jurídico e admitir tal cenário não se mostra lógico num Estado Democrático de Direito,
que tem como um de seus pressupostos assegurar direitos e garantias fundamentais.

Ressignificou-se, portanto, no presente trabalho, o conceito de segurança


jurídica, que passou a ser compreendida como forma de alcance da justiça, em
detrimento do tempo, quando da utilização do controvertido instituto da querela
nullitatis, que se mostra essencial quando do seu cabimento, para que o cidadão tenha
seus direitos processuais fundamentais, constitucionalmente estabelecidos em 88,
sempre respeitados e jamais fragilizados, pois, em uma sociedade na qual os direitos
fundamentais não são respeitados, não há Estado.

Por fim, não custa lembrar a principal finalidade do processo, qual seja: julgar
o mérito e satisfazer os direitos pleiteados com a maior celeridade possível. Nas
palavras de Pinho (2022) que

o art. 4º do CPC determina que as partes têm o direito de obter em prazo


razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa. Ou seja,
não basta que o Poder Judiciário entregue aos jurisdicionados uma sentença
meramente terminativa (aquela que não consegue examinar o mérito em
razão da ausência de um pressuposto processual ou condição para o regular
exercício do direito de ação). É necessário que o mérito seja alcançado a fim
de que a questão principal possa ser enfrentada e, assim, satisfeita a
pretensão”. (p. 498).
Referências

CANOTILHO, J. J. G. Estado de Direito. 4. ed. Lisboa: Gradiva, 1999.

CANOTILHO, J.J.G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed.


Coimbra: Almedina, 2003.

Nery Jr, N. Princípios do Processo na Constituição Federal. 13. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2017.

PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Manual de Direito Processual Civil


Contemporâneo. 4. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022.

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil, RT, 2002,


volume I.

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