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ALGUMAS DIFERENÇAS ENTRE A AÇÃO RESCISÓRIA, A QUERELA NULLITATIS E A

AÇÃO ANULATÓRIA

Silvio Ferigato Neto


Advogado militante no Estado de São Paulo, Professor de Direito Processual Civil do Instituto de Ensino Jurídico
Professor Luiz Flávio Gomes e Pós-graduando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo.

"Diálogo. Um homem chegou e disse: / - A mim interessa sobretudo o por quê das coisas. / Por que a
cobra? / Mas outro respondeu: / - A mim ainda mais interessa o para quê. / Para que o mar?"

Odylo Costa, filho (1914-1980), Cantiga Incompleta.

Com tal espírito e tencionando lançar algumas luzes, ainda que tênues, sobre a ação rescisória, a querela
nullitatis e a ação anulatória, se presta o presente artigo a traçar algumas distinções e a apontar
determinados pontos de toque entre os aludidos institutos, de modo singelo e acessível aos candidatos a
cargos públicos, igualmente aos bacharéis que pretendem obter inscrição nos quadros da Ordem dos
Advogados do Brasil.

Mister notar, inicialmente, que dentre os meios de impugnação das decisões judiciais, além dos recursos,
há também ações impugnativas, como a ação rescisória, a querela nullitatis e a ação anulatória, todas
detentoras de características específicas, que não permitem ao operador do Direito lançar mão daquela
que lhe aprouver no momento, sem nenhum critério.

Destarte, acerca da ação rescisória, que é a ação por meio da qual se requer a desconstituição de sentença
transitada em julgado, com possível rejulgamento, em seguida, da matéria por esta julgada, importante
observar que tão-somente a sentença de mérito pode ser atacada pelo instituto, jamais um decisum
meramente terminativo, ou seja, que extinguiu o processo sem julgamento do mérito (vide artigo 485,
caput, do Código de Processo Civil). Trata-se do meio adequado para impugnar a sentença eivada de
nulidade absoluta, isto é, de invalidade (vide casos de admissibilidade previstos nos incisos do artigo 485
do Código de Processo Civil), embora formalmente perfeita, desde que manejado dentro do prazo
decadencial de dois anos, contados do trânsito em julgado da decisão. Assim, em se tratando de ação
rescisória, a sentença é nula, inválida, irregular, mas no mundo fenomênico, dos fatos, produz efeitos, até
que seja rescindida.

No pensar do insigne processualista Humberto Theodoro Júnior (in Curso de Direito Processual Civil,
41.ª edição, volume I, páginas 611 e 612), "o recurso visa a evitar ou minimizar o risco de injustiça do
julgamento único. Esgotada a possibilidade de impugnação recursal, a coisa julgada entra em cena para
garantir a estabilidade das relações jurídicas, muito embora corra o risco de acobertar alguma injustiça
latente no julgamento. Surge, por último, a ação rescisória que colima reparar a injustiça da sentença
trânsita em julgado, quando o seu grau de imperfeição é de tal grandeza que supere a necessidade de
segurança tutelada pela res iudicata".

Por seu turno, no que tange à figura da querela nullitatis (não se trata de instituto, pois prescinde a
querela nullitatis de previsão legal, sendo decorrência do próprio sistema), também chamada de actio
nullitatis ou ação declaratória de inexistência de relação jurídica processual, é lícito afirmar tratar-se de
meio idôneo para requerer declare o Estado-Juiz a inexistência de pressuposto processual de existência
(petição inicial, jurisdição e citação) ou, até mesmo, condição da ação (possibilidade jurídica do pedido,
legitimidade de parte e interesse de agir).

Deste modo, sentença proferida sem a observância de pressuposto processual de existência ou condição
da ação é sentença inexistente, porquanto não restou angularizada a relação jurídica processual e, à
obviedade, a inexistência do processo leva à inexistência da sentença, in casu, nada mais que um ato
impostor, um mero arremedo. Quanto ao prazo para a propositura da actio nullitatis, inolvidável que a
inexistência de ato processual pode ser argüida a qualquer tempo, uma vez que não há falar em
convalidação de ato inexistente.

Por derradeiro, sobre a ação anulatória, prevista no artigo 486 do Código Buzaid, acertado afirmar que
esta ataca ato jurídico praticado pelas partes, não a sentença em si, atingida apenas de forma reflexa.
Assim, o fundamento de uma ação anulatória deverá ser sempre nulidade havida na seara material,
absoluta ou relativa, e não nulidade de cunho processual. Acerca do prazo para seu ajuizamento,
igualmente ao direito material incumbe tal definição, sempre a depender do vício ocorrido na espécie.

Cumpre ressaltar que a ação anulatória apenas pode ser manejada quando se tratar de sentença meramente
homologatória, consoante o preconizado pelo artigo 486 do Código de Processo Civil, sendo que tal
espécie de sentença pode ser divisada tão-só em procedimento de jurisdição voluntária, hipótese em que o
ato jurisdicional não terá o condão de fazer coisa julgada material. "Nada obstante, é forçoso reconhecer
que a jurisprudência, com o passar do tempo, inclinou-se majoritariamente para tese que admite o
cabimento da ação comum de anulação de negócio jurídico para a hipótese de transação homologada em
juízo, aplicando-se, portanto, à espécie, o art. 486 e não o art. 485, nº VIII, do CPC" (Humberto Theodoro
Júnior, in Curso de Direito Processual Civil, 41.ª edição, volume I, página 624).

Pontofinalizando, inegável haver sentenças que desafiam, concomitantemente, mais de um meio de


impugnação abordado neste artigo, podendo ser invocado, verbi gratia, processo cuja sentença foi
proferida sem que o réu fosse sequer citado. Salvante melhor juízo, no caso em tela, cabíveis tanto a ação
rescisória (desde que observado o prazo decadencial de dois anos), com fundamento no inciso V do artigo
485 do Código de Processo Civil, quanto a querela nullitatis, porquanto tramitou a ação sem a presença
do réu, ou seja, sem a participação do pólo passivo da demanda. Ademais, há ainda as sentenças
homologatórias em feitos contenciosos, que apesar de não carregarem o status de meramente
homologatórias, como exige o artigo 486 do Código, pois importam em extinção do processo com
julgamento do mérito (artigo 269, inciso III), são diuturnamente atacadas por intermédio de ação
anulatória, com o aval da jurisprudência (vide STJ, Resp. 112.049/RS, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar,
ac. de 10.03.97).

De tal modo, espera-se ter posicionado minimamente os candidatos no tocante às ações ora versadas, com
esclarecimento de alguns aspectos basilares, propiciando sigam os estudantes a trilha correta para a
integral compreensão da ação rescisória, da querela nullitatis e da ação anulatória.

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