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7. Elementos do processo
7.1.Sujeitos processuais
Uma das questões mais discutidas a nível da Teoria Geral do Processo é a definição dos
sujeitos processuais. A discussão tem a sua génese na construção do conceito de relação
jurídico-processual, no sentido de que se se entende como assente que o processo é uma
relação jurídica, e toda a relação jurídica tem entre os seus elementos o de ordem
subjectiva, então interessa identificar quem são os sujeitos processuais. Daí a questão de
saber o que se deve entender com este conceito.
Geralmente, entende-se que as partes são sujeitos processuais, não havendo dúvidas sobre
esta questão, que é pacífica. Apresenta-se normalmente o demandante e o demandado
como sujeitos processuais, por serem eles as partes interessadas. Este critério, na verdade,
permite a construção de uma definição mais segura sobre o que serão os sujeitos
processuais.
Assim, serão sujeitos processuais as pessoas que têm interesse directo no objecto da
decisão que será proferida pelo tribunal, exprimindo-se o referido interesse no benefício
ou prejuízo que a referida decisão poderá produzir. Com base no mesmo critério,
incluímos na qualidade de sujeitos processuais o demandante, o demandado e o tribunal.
Esta construção variará naturalmente em função da disciplina de direito processual em
concreto que estivermos a analisar. Assim, podemos falar de sujeitos processuais
específicos do processo civil, sujeitos processuais típicos do processo penal, sujeitos
processuais a nível do direito processual administrativo contencioso, etc.
A designação dos sujeitos processuais variará, também, em função da disciplina em
concreto. Assim, teremos autor e réu na acção declarativa, exequente e executado em
processo executivo, requerente e requerido nas providências cautelares, embargante e
embargado nos embargos, só para citar alguns exemplos.
Existem pessoas que participam no processo sem serem sujeitos processuais, justamente
porque não têm interesse directo no conteúdo da decisão. Em relação a estas pessoas,
ainda que as mesmas tenham alguns deveres no processo, a decisão judicial que será
proferida não produz qualquer efeito jurídico. Pode-se apontar, a título exemplificativo,
os interpretes, os peritos e os funcionários judiciais que, participando activamente no
processo e mediante intervenção com utilidade instrumental para o bom andamento da
lide, não são sujeitos processuais porque não fazem parte da relação jurídico-processual.
7.1.1. O tribunal como sujeito processual
O tribunal é também sujeito processual porque tem interesse directo na causa. Não se trata
de um interesse semelhante ao das partes, mas de um interesse que se reporta ao interesse
que o Estado tem na resolução pacífica e legal dos litígios. A qualidade de sujeito
processual do tribunal funda-se no princípio da proibição da autotutela, no sentido de que
se o Estado proíbe os particulares de recorrerem à justiça privada, reservando a si o poder
de decidir os litígios que surgirem entre as pessoas, esse mesmo Estado tem interesse em
que os litígios que lhe são submetidos para, através dos tribunais, julgar e decidir, o sejam
de forma eficiente, pois só assim se poderá preservar a credibilidade da justiça pública e,
por via disso, assegurar ou evitar que as pessoas recorram à autotutela.
A qualidade de sujeito processual do tribunal também pode ser explicada tendo por base
as características da sua actuação no processo, no sentido de que o tribunal tem sobre o
processo e perante as partes um conjunto complexo de poderes que o colocam numa
posição de autoridade.
O tribunal tem o controlo de toda a estrutura formal do processo, é ao tribunal que
incumbe a direcção da tramitação processual desde a instauração do processo até ao seu
encerramento. A lei processual confere ao tribunal um conjunto de poderes que permitem
que o mesmo coordene toda a actividade processual. Esses poderes podem ser analisados
em duas dimensões que são a actividade do cartório e a actividade do juiz. O cartório é
responsável pelas questões administrativas relacionadas com o processo quais sejam a
organização e conservação do processo físico, o recebimento de todos os documentos
trazidos ao processo pelos demais intervenientes processuais bem como o
encaminhamento desses mesmos documentos ao juiz. Nesta última parte podemos
afirmar que o cartório exerce uma função que consiste em estabelecer a ligação entre os
demais intervenientes processuais e o juiz. Essa ligação efectiva-se com a prática de
acções concretas tais como o acto processual designado por “conclusão dos autos”. Para
que possa exercer as suas funções, o cartório tem necessariamente de observar um
conjunto de regras bem como ser dotado de um quadro de pessoal qualificado.
Os funcionários do cartório são, portanto, dotados de conhecimentos técnicos necessários
para que possam desempenhar o seu papel. Importa, portanto, conhecer a estrutura
profissional dos funcionários do cartório o que pode ser feito mediante o estudo da Lei
da Organização Judiciaria e demais normas sobre o estatuto dos oficiais de justiça.
Com efeito, as funções no cartório são desempenhadas por oficiais de justiça, os quais
gozam de um estatuto próprio e estão subordinados ao Conselho Superior da Magistratura
Judicial.
A actividade do juiz corresponde à dimensão jurisdicional do tribunal. O juiz é que
representa o tribunal no processo, sendo ele o responsável pelo controlo dos actos que são
praticados pelos demais intervenientes processuais. O juiz tem também poder sobre a
actividade do cartório, incumbindo a ele controlar o cumprimento das várias disposições
legais reguladoras da actividade daquela que é a dimensão administrativa do processo.
Discute-se também a questão da autonomia funcional do cartório perante o juiz, no
sentido de que sendo o cartório composto por um corpo de funcionários dotados de
conhecimentos técnicos específicos – e, portanto, diversos dos do juiz – é de exigir que
esses funcionários tenham autonomia em relação à forma como exercem as suas funções.
7.1.2. O Ministério Público como sujeito processual em processo não penal
Se, por umado, é indiscutível o papel do Ministério Público em processo penal, pouco se
tem dito sobre o papel deste órgão em processos enquadráveis em outras matérias, tais
como a civil, a laboral e a administrativa. Não obstante o aparente reduzido debate
doutrinário, a prática forense tem provado que, também naquelas jurisdições, o Ministério
Público assume muitas vezes um papel vital.
São exemplos disso os casos em que o Ministério Público, agindo na defesa da legalidade,
tem legitimidade processual para, em sede de jurisdição administrativa, instaurar recursos
contenciosos (art. 44 da LPAC), requerer a decretação de meios processuais acessórios
(art. 44 da LPAC), instaurar acções sobre contratos administrativos (art. 116 da LPAC),
entre tantos outros casos. A legitimidade processual do Ministério Público nos processos
aqui enumerado e noutros casos indicados na LPAC demonstra que, a nível do
contencioso administrativo, o Ministério Público tem um papel tanto ou mais expressivo
do que em processo-penal, onde lhe cabe apenas a direção de uma parte do processo,
quando nos processos de contencioso intervém em todas as fases do processo, incluindo
na produção da decisão. Existe, por exemplo, o caso do visto a que é sujeito o projecto de
acórdão em sede de recurso contencioso, nos termos do n.º 2 do artigo 82 da LPAC, onde
de forma arrepiante o Ministério Público tem o poder de influenciar a decisão, a ponto de
nos fazer questionar a constitucionalidade material deste preceito).
Também na jurisdição civil temos um Ministério Público a assumir papel determinante
em alguns processos quando, agindo na defesa dos interesses dos menores e demais
incapazes bem como dos incertos (como é o exemplo do artigo 16.º do CPC).
7.1.3. Os sujeitos em processo civil
Em processo civil, os sujeitos processuais são as partes e o tribunal. No que respeita às
partes, importa ter presente que as mesmas serão regra geral o demandante e o
demandado, mas pode haver lugar a modificações subjectivas decorrentes da intervenção
de novas pessoas no processo, intervenção essa que pode ser provocada ou espontânea.
O demandante é aquele que, usando do poder dispositivo, dá início ao processo
requerendo o mecanismo de tutela jurisdicional necessário para acautelar os seus
interesses. O demandado, por seu turno, é aquele contra quem o mecanismo de tutela
jurisdicional é requerido.
7.1.4. Os sujeitos em processo penal
O arguido é aquele sobre quem recai forte suspeita de ter cometido um crime. Nos termos
do n.º 2 do artigo 62 da CRM, o Estado garante aos arguidos o direito de defesa e o direito
à assistência jurídica e patrocínio judiciário. Desta disposição decorre, como
consequência, que o arguido terá, necessariamente, um defensor, cabendo este papel aos
advogados e técnicos jurídicos devidamente autorizados a exercer o mandato forense.
Ao arguido, como sujeito em processo penal são reconhecidos, assim, determinados
direitos. Tendo em conta que em processo penal estão também em causa direitos,
liberdades e garantias individuais dos cidadãos, as normas processuais de natureza
criminal acabam tendo, na sua maioria, o estatuto de normas infraconstitucionais de
dignidade constitucional, o que exige que a sua interpretação seja o mais rigorosa
possível, por respeitar a aspectos que têm a ver com direitos fundamentais. É por isso que
decorrem directamente do texto da constituição o direito de defesa (artigo 62, n.º 1), o
direito ao julgamento (artigo 65, n.º 1) e o direito a recorrer à providência extraordinária
do Habeas Corpus em caso de prisão ou detenção ilegal (artigo 66),
O assistente ou parte acusadora é o sujeito processual que pretende, com o processo penal,
salvaguardar os interesses que tenham sido lesados em decorrência da actividade
criminosa.
7.2. Objecto do processo
7.2.1. O objecto em processo civil: o pedido e a causa de pedir
Dissemos antes que o processo pode ser visto como uma relação jurídica. Foi nessa
perspectiva que dissemos e discutimos que o processo tem sujeitos. Com efeito, além dos
sujeitos, a relação jurídico-processual é dotada de um outro elemento essencial que é o
seu objecto. Conhecemos já a estrutura do processo e podemos afirmar que, quando
alguém recorre ao tribunal, o faz porque tem um interesse a acautelar e pretende
essencialmente que o tribunal produza uma decisão judicial sobre determinada questão
da vida real. Quando, por exemplo, o António recorre ao tribunal competente com o
objectivo de obter a condenação do Bernado no pagamento de uma quantia decorrente de
um contrato de compra e venda, a pretensão concreta do António é que o tribunal produza
uma sentença cujo conteúdo determine a obrigação do Bernardo realizar a prestação
devida. Neste esquema, é possível identificar, além dos sujeitos processuais – António,
Bernardo e o Tribunal, o objecto do processo, conforme adiante melhor se explica.
A relação jurídico-processual terá o seu objecto definido em função da pretensão do
demandante ou autor – da pessoa que toma a iniciativa de instaurar esse processo perante
o tribunal. O objecto do processo é delimitado tendo por base a pretensão, a vontade ou a
intenção de quem toma a iniciativa de instaurar o processo. Isto percebe-se com facilidade
quando olhamos para a estrutura do processo civil, a acção cível. Quando falamos da
acção de divórcio, da acção de indemnização no contexto da efectivação de
responsabilidade civil e, no geral, de todas as acções propostas pelos particulares (ou pelo
Estado e outros entes públicos) para a resolução de questões de direito privado.
Percebemos, da análise destas relações, a questão do objecto da relação processual com
base na análise da pretensão do autor, requerente ou demandante.
Podemos, assim, dizer que no processo civil o objecto do processo é identificado como
sendo o mecanismo de tutela jurisdicional requerido pelo autor. Trata-se aqui da
providência concreta que o demandante pretende obter do tribunal. Neste sentido, sempre
que se nos for colocada a questão de identificar o objecto de um processo em concreto,
haverá que questionar qual é a pretensão concreta do demandante, ou seja, qual é a
intenção do demandante com o processo judicial. Haverá que indagar sobre a
consequência concreta pretendida pelo autor em resultado do processo por ele instaurado.
Dessa resposta constará, de forma clara, a informação essencial sobre o objecto do
processo.
Podemos, assim, olhar para o objecto do processo numa dupla perspectiva. Em primeiro
lugar, e conforme já adiantamos, veremos o objecto do processo como sendo o pedido
que o demandante formula perante o tribunal. O tribunal está disponível e o demandante
a ele se dirige para pedir que ordene determinada providência ou produza um determinado
efeito jurídico que terá impacto na vida real. Assim, o pedido é o primeiro elemento do
objecto do processo. O pedido é efectivamente o mecanismo de tutela jurisdicional
requerido pelo autor. Quando o António pede que o Bernardo seja condenado a pagar-lhe
a quantia de cem mil meticais em decorrência de um contrato celebrado entre ambos, é
este pedido que permite definir o objecto do processo instaurado pelo António contra o
Bernardo.
Mas o pedido não é em si e exclusivamente o objecto do processo. Para que o demandante
tenha a sua pretensão considerada válida e seja julgada procedente pelo tribunal,
satisfazendo-se assim a intenção primeira de quem busca os serviços da justiça, o pedido
tem de ser fundamentado. O pedido deduzido deverá ser sustentado de forma coerente
com base numa justificação que possa ser considerada válida e idónea para garantir o
êxito da acção. Para sustentar o pedido deduzido, o demandante terá necessariamente de
apresentar os fundamentos de facto e os fundamentos de direito por detrás do seu pedido.
Esta fundamentação de facto e de direito que sustenta o pedido tem a designação de causa
de pedir. Podemos, assim, definir a causa de pedir como o conjunto de fundamentos
fácticos e jurídicos que sustentam o pedido.
A causa de pedir deve ser indicada de forma clara, compreensiva e, se necessário,
exaustiva. Se, por exemplo, o António pretende obter a decretação do divórcio com
fundamento na violação do dever de fidelidade, a causa de pedir tem de ser composta
pelos factos que consubstanciam a violação do dever de fidelidade, no sentido de que ao
António se exige que explique, de forma detalhada, os actos praticados pela demandada
e os precisos contornos da violação do dever de fidelidade.
Podemos, em resumo, dizer que o objecto do processo é o pedido e a causa de pedir. O
pedido é a conclusão do demandante resultante da apresentação dos fundamentos que
sustentam a sua pretensão. O demandante não pode pedir só por pedir, mas apenas pedir
de forma justificada e fundamentada. A fundamentação, por seu turno, deve ser
apresentada de forma fática e jurídica, isto é, além da narração dos factos, o demandante
deve apresentar, ainda que de forma sintética, a subsunção legal que o leva à conclusão
de que é titular de um direito digno de tutela jurisdicional. No fundo, é na causa de pedir
que se vai encontrar a razão de ser do próprio processo visto que este nada mais é do que
um meio que o direito coloca ao dispor das pessoas para, perante o poder jurisdicional,
procurarem fazer valer os seus direitos.
O pedido e a causa de pedir andam sempre juntos de tal sorte que uma acção em que se
indique apenas o pedido e não se indica a causa de pedir não está em condições de
apreciada e julgada pelo tribunal pois estará incompleta no que respeita à indicação do
objecto do processo. Do mesmo modo, uma acção em que apenas seja indicada a causa
de pedir, mas não se conclua com a indicação do pedido, de forma clara e precisa na
conclusão, também não estará em condições de produzir os efeitos jurídicos pretendidos.
O objecto do processo é, portanto, um conjunto composto pelo pedido e pela causa de
pedir.
Importa ter presente a importância da indicação do pedido e da causa de pedir no
processo. Esta importância pode ser aferida na perspectiva das consequências jurídico-
processuais da falta ou ininteligibilidade dos referidos elementos. A este respeito,
encontramos uma explicação muito clara quando analisamos o artigo 193.º do CPC. Da
análise do n.º 2 desta disposição legal identificamos três situações que nos permitem
explicar a importância da indicação do pedido e da causa de pedir no processo. Ao abrigo
da citada disposição legal, é nulo todo o processo quando a petição inicial seja inepta e
diz-se inepta a petição inicial nas seguintes situações:
a) Quando falte o pedido ou a causa de pedir – quando o demandante se limite a
indicar apenas um dos elementos do objecto do processo. Não faria sentido
outro entendimento, visto que estar-se-ia em face de uma situação em que, ou
não se sabe o que o demandante pretende, ou sabendo-se o que pretende, não
se sabe com que fundamento o pretende.
b) Quando seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir – quando,
tendo o demandante indicado o pedido e a causa de pedir, não seja possível
com base no texto da petição inicial decifrar a pretensão ou os fundamentos
apresentados.
c) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir – Existem
situações em que o demandante, de forma consciente ou não, coloca o pedido
numa posição contraditória em relação aos respectivos fundamentos. Nos
casos em que tal ocorre, diz-se que é inepta a petição inicial. O pedido tem de
ser corolário lógico da causa de pedir e deve estar em harmonia e ser coerente
com esta. Em caso contrário, diz-se que a petição é inepta.
d) Quando o demandante cumule pedidos substancialmente incompatíveis – a
cumulação de pedidos é uma das formas de apresentação do pedido no
processo e ocorre nos termos indicados no artigo 470.º do CPC de que mais
adiante curaremos. Os pedidos cumulados devem ser substancialmente
compatíveis, sob pena de ineptidão da petição inicial.
Em processo civil, o pedido pode ser apresentado de várias formas pois a dinâmica da
vida real é dotada de uma complexidade que determina que as pretensões levadas a juízo
também reflitam essa complexidade. A pretensão do demandante num processo também
pode ser traduzida de várias formas tendo em conta aquilo que é o resultado efetivo que
o demandante pretende obter com o processo judicial. Por outras palavras, quando
recorremos ao tribunal podemos pedir que o tribunal ordene um conjunto de providências
que podem variar em função da nossa vontade em concreto.
Imaginemos, mais uma vez, que o António tenha celebrado com o Bernardo um contrato
de compra e venda nos termos do qual aquele é comprador e este vendedor de uma
determinada coisa, tendo por isso a obrigação de entregar a coisa vendida dentro de certo
prazo. O Bernardo não cumpre com a sua obrigação de entregar a coisa dentro do prazo
estipulado contratualmente e o António pretendendo ver os seus direitos protegidos
recorre ao tribunal e, apresentando os fundamentos, pede que o tribunal condene o
Bernardo a entregar a coisa. Pode ocorrer que além da entrega da coisa, o António
pretenda ser indemnizado pelo Bernardo pelos prejuízos decorrentes do seu
incumprimento. Neste caso, o António pode, além de pedir a condenação do Bernardo na
entrega da coisa vendida, pedir que o tribunal condene o demandado a pagar uma
indemnização em decorrência do incumprimento. Neste exemplo podemos com clareza
identificar dois pedidos deduzidos num mesmo processo. Em condições normais, cada
uma das pretensões do António podia ser traduzida num processo autónomo, mas o que
sucede é que temos no mesmo processo dois pedidos: (i) que Bernardo seja condenado a
entregar a coisa e (ii) que Bernardo seja condenado a indemnizar o António em resultado
do prejuízo decorrente do seu incumprimento.
A situação apresentada no exemplo acima podia ter outros contornos, na medida em que
o António podia pedir que o Bernardo fosse condenado a entregar a coisa vendida ou,
alternativamente, a devolver o preço pago. Esta situação é diferente da que apresentamos
acima, na medida em que enquanto naquele caso o António pede que o tribunal julgue
procedente dois pedidos colocados no mesmo plano (o pedido de condenação na entrega
da coisa e o pedido de condenação no pagamento de uma indemnização), no exemplo
agora apresentado o António deduz dois pedidos de forma alternativa, na perspectiva de
que apenas uma das pretensões apresentadas será decidida pelo tribunal.
Na lei processual vigente encontramos um conjunto de disposições que regulam o pedido
e a forma como o pedido pode ser apresentado no processo.
7.2.1.1. Cumulação de pedidos
O nosso exemplo do António que celebrou um contrato de compra e venda com o
Bernardo e em resultado do incumprimento deste pretende que o tribunal o condene na
entrega da coisa e no pagamento de uma indemnização ilustra a situação de cumulação
de pedidos. O n.º 1 do artigo 470.º do CPC estabelece que o autor pode deduzir,
cumulativamente, contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam
compatíveis. Significa que, num mesmo processo, podemos ter mais do que um pedido,
desde que esses pedidos sejam, entre si, compatíveis e não se verifiquem as circunstâncias
que impedem a coligação nos termos do artigo 31.º do CPC. Sobre a coligação falaremos
mais adiante quando estivermos a analisar a questão dos pressupostos processuais, onde
discutiremos a legitimidade processual e trataremos da coligação de autores e réus no
contexto da legitimidade plural. Nessa altura veremos que é possível várias pessoas
instaurarem contra o mesmo demandado ou contra vários demandados, um único
processo. O que interessa neste momento é ter presente que podemos num único processo
deduzir vários pedidos, o que constitui uma manifestação do já conhecido princípio da
economia processual.
A cumulação de pedidos depende da verificação de certos requisitos previstos no n.º 1 do
artigo 470.º e no artigo 31.º. exige-se que os pedidos cumulados sejam entre si
compatíveis, sendo que a questão da compatibilidade entre os pedidos tem a ver com a
tramitação do processo aplicável a cada um dos pedidos.
Dissemos que, quanto à forma, o processo pode ser comum ou especial. Para cada uma
das formas de processo especial há um fim específico, definido pelo legislador. Por
exemplo, o processo de interdição é um processo especial que tem em vista a efectivação
do meio de suprimento da incapacidade em decorrência de anomalia psíquica, surdez-
mudez ou cegueira, nos termos previstos na lei civil. O processo judicial por meio do qual
será decretada a interdição está previsto na lei processual e é dotado de uma tramitação
própria diversa do processo de despejo, que também é um processo especial previsto na
lei civil, com uma finalidade completamente distinta do processo de interdição. Para que
dois pedidos possam ser cumulados é necessários que os processos correspondentes a
cada um dos pedidos não sejam incompatíveis do ponto de vista de forma de processo,
conforme resulta do texto do n.º 1 do artigo 470.º do CPC.
O Artigo 31.º do CPC, para para o qual nos remete o artigo 470.º do mesmo diploma,
contém a indicação de um conjunto de requisitos que são também exigidos para que seja
realizada a cumulação de pedidos: temos no artigo 31.º do CPC em primeiro lugar que
aos pedidos cumulados não podem corresponder formas de processo diferentes (visto que
para cada pedido há uma forma de processo).
Neste sentido, podemos afirmar que os pedidos que serão cumulados não podem, em
regra, ser enquadráveis em formas de processo distintas. Assim, com base nos exemplos
acima indicados, não se pode, cumular um pedido de interdição, que corresponde a
processo especial, com um pedido de despejo, que também corresponde a um outro
processo especial.
Por outro lado, nos termos do artigo 31.º do CPC a cumulação não pode ofender regras
de competência do tribunal em razão de alguns critérios (matéria, hierarquia e
competência internacional dos tribunais moçambicanos). Quando falamos da jurisdição
dissemos que os tribunais estão organizados tendo em conta, entre outros aspectos, a
matéria reservada pela constituição a cada ordem jurisdicional. Assim, por exemplo, não
pode ser realizada a cumulação de pedidos num processo a ser instaurado na jurisdição
comum numa situação em que um desses pedidos seja da competência da jurisdição
administrativa pois nesta situação estaria a ser violada uma regra de competência em
razão da matéria.
Por outro lado, a cumulação de pedidos não pode ofender as regras de competência dos
tribunais em razão da hierarquia. A competência em razão da hierarquia tem a ver com
os poderes do tribunal para decidirem determinadas matérias em primeira ou em segunda
instância.
A cumulação de pedidos pressupõe, além da observância das regras acima indicadas, o
respeito pelas regras que têm a ver com a competência internacional dos tribunais
moçambicanos, nos termos regulados pelos artigos 61.º e 65.º do CPC, conforme teremos
a oportunidade de desenvolver adiante.
Sendo certo que a cumulação de pedidos depende da verificação dos requisitos previstos
no artigo 31.º e no artigo 270.º, ambos do CPC, importa dedicar alguma atenção às
excepções legalmente previstas nas referidas naquelas disposições legais. Desde logo, o
n.º 2 do artigo 470.º estabelece a possibilidade de ocorrência de situações em que a
diversidade da forma de processo não vai constituir um obstáculo à cumulação de
pedidos, quais sejam:
a) A diversidade de formas de processo não obsta a que o autor possa cumular o
pedido de despejo, que corresponde a processo especial, com o de rendas ou
indemnização que, em regra, correspondem a processo comum. O legislador
permite a cumulação do pedido de despejo com de rendas por pressupor que
se trata de pedidos decorrentes da mesma relação material (contrato de
arrendamento);
b) Não existem impedimentos à cumulação do pedido de manutenção ou
restituição da posse, que corresponde a um processo especial, com o pedido
de indemnização, correspondente a processo comum, desde que tal direito a
indemnização seja resultado do esbulho sofrido pelo demandado;
c) Também não existe impedimento à cumulação do pedido de divórcio,
normalmente correspondente a processo comum, ou separação judicial com o
pedido de fixação do direito a alimentos, que corresponde a processo especial.
O legislador respeita o facto de os dois pedidos decorrerem da mesma relação
jurídica.
Nas três situações acima identificadas verificamos que a regra da identidade da forma de
processo como requisito para a cumulação de pedidos é afastada pelo legislador. No
entanto, em todas as três situações identificadas, o juiz deverá ter cautela e determinar
que nos referidos casos seja observada, relativamente aos pedidos, a forma de processo
estabelecida para o despejo, para as acções possessórias ou para o divórcio litigioso.
Trata-se, conforme dissemos, de situações excepcionais pois a regra é que deverá haver
entre os pedidos cumulados identidade de formas de processo.
7.2.1.2. Pedidos alternativos
Trata-se de uma situação prevista no artigo 468.º do CPC. Os pedidos podem ser
deduzidos nestes moldes nos casos de direitos que pela sua natureza ou origem sejam
alternativos ou que possam resolver-se em alternativa. Trata-se de uma situação em que
temos vários pedidos mas todos eles numa relação de alternatividade no sentido de que o
demandante formula pedidos que estão numa posição em que o tribunal poderá escolher
o que será julgado procedente. No exemplo do contrato de compra e venda, o António
(comprador) poderá pedir ao tribunal que condene o Bernardo a devolver o preço ou a
entregar a coisa. Obrigações alternativas cabem nesta situação.
7.2.1.3. Pedidos subsidiários
O pedido subsidiário é aquele que é apresentado ao tribunal para ser tomado em
consideração apenas no caso de não ser considerado procedente um pedido anterior, que
será por seu turno o pedido principal . Neste caso a pretensão do demandante prioriza a
procedência do pedido principal e só por uma questão de cautela, caso o pedido principal
seja considerado improcedente, que o tribunal considere o pedido subsidiário. Trata-se de
uma situação prevista no artigo 469.º do CPC.
O que distingue os pedidos alternativos dos pedidos subsidiários é que nestes últimos há
um pedido que é colocado num plano secundário, enquanto que nos pedidos alternativos
temos os dois pedidos no mesmo plano na medida em que o demandante não estabelece
nenhuma hierarquia entre as suas pretensões e os coloca ao critério do melhor julgamento
do tribunal.
7.2.1.4. Pedidos de prestações vincendas
Trata-se de um caso previsto no artigo 472.º do CPC. O autor pode pedir que, numa
situação em que a obrigação susceptível de ser satisfeita mediante prestações periódicas,
a petição pode incluir o pedido de que o autor seja condenado a pagar as prestações
vencidas e aquelas que estão por vencer. Ou seja, enquanto subsistir a obrigação e forem
previstas prestações vincendas (no futuro), como nos casos de prestações mensais,
estando o devedor em mora em relação a prestações já vencidas, pode ser pedida a sua
condenação não só no cumprimento das referidas prestações, como no daquelas que ainda
estão por se vencer.
Trata-se, na verdade, de uma questão de economia processual pois, se o devedor já se
encontra em mora em relação a algumas prestações e pode, por isso, ser demandado
judicialmente por essas prestações, não se pode exigir que para as prestações vincendas
seja necessária a instauração de um processo judicial diverso pois trata-se da mesma
relação material.
7.2.1.5. Pedidos genéricos
Decorrem do artigo 471.º do CPC. A regra em relação à dedução dos pedidos é de que os
mesmos sejam indicados de forma clara, precisa, certa, fixa e determinada. O artigo 471.º
permite um desvio a esta regra, autorizando a dedução de pedidos de forma genérica no
sentido de que podem existir situações em que o objecto mediato do processo pode ser
uma coisa composta. Pode-se pedir que o demandado seja condenado, por exemplo, a
entregar ao demandante uma cabeça de gado não especificada e pertencente a uma
manada. Com efeito, nos casos em discussão, o objecto imediato do processo não é
identificado de forma específica.
Por outro lado, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 471.º do CPC os pedidos
genéricos podem ocorrer nos casos em que não seja ainda possível determinar de modo
definitivo as consequências do facto que obriga à reparação nos termos da lei. Por
exemplo, se dum acidente de viação decorrem ferimentos sobre e a vítima pretenda obter
a indemnização pelos danos causados, pode instaurar o processo antes da fixação das
consequências do acidente. Nesse caso, pedirá que a indemnização seja fixada em valor
a liquidar em execução de sentença.
Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 471.º, os pedidos genéricos também podem ser
deduzidos quando a fixação do quantitativo esteja dependente de prestação de contas ou
de outro acto que deva ser praticado pelo réu. Trata-se, igualmente, de uma situação em
que ainda não é conhecido o valor exacto que deve ser pago pelo demandado.