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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO - UEMA

CAMPUS BACABAL
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E FILOSOFIA
CURSO DE DIREITO BACHARELADO

ROBERTO SANTOS DA SILVA

“UBERIZAÇÃO”: VÍNCULO EMPREGATÍCIO OU TRABALHO


AUTÔNOMO?

BACABAL - MA
2023
ROBERTO SANTOS DA SILVA

“UBERIZAÇÃO”: VÍNCULO EMPREGATÍCIO OU TRABALHO


AUTÔNOMO?

Trabalho apresentado à disciplina de


Direito Processual do Trabalho, do curso
de Direito da Universidade Estadual do
Maranhão, para obtenção de nota.

Professor: Gabryel Cortez Gomes

BACABAL - MA
2023
“UBERIZAÇÃO”: VÍNCULO EMPREGATÍCIO OU TRABALHO
AUTÔNOMO?

1 INTRODUÇÃO

A “uberização do trabalho” é definida como um novo modelo de trabalho


surgido a partir da evolução da tecnologia, no qual não existe um vínculo empregatício
entre a empresa mediadora (ou intermediária) e o trabalhador. Esse nome deve-se ao
aplicativo de intermediação de viagens Uber. Com a sua difusão por todo o mundo, tal
aplicativo tem gerado um profundo impacto para economia dos países, uma vez que o
setor de intermediação é um dos ramos de maior relevância para a economia global.
Questiona-se assim quais seriam os impactos positivos e negativos deste modelo de
trabalho para os trabalhadores e como as leis locais deveriam tratar a questão.

De um lado, alguns advogam que esse modelo deve ser tratado como um
vínculo empregatício normal, do qual derivaria a aplicação das normas trabalhistas para
a sua regulação. Fundamentam-se, para tanto, na ideia de que existe nesse modelo uma
subordinação real, além dos outros requisitos da relação de emprego. O outro
entendimento é de que as normas trabalhistas não poderiam ser aplicadas a esse modelo,
de modo que não se deveria reconhecer qualquer vínculo empregatício, por não haver
subordinação jurídica ou controle por parte da empresa – não há, por exemplo, obrigação
de mínimo de horas trabalhadas, sob pena de sanções disciplinares, etc.

Deste modo, o debate sobre a matéria tem se mostrado controverso, havendo


divergência de opiniões mesmo entre as turmas do Tribunal Superior do Trabalho.
Portanto, o presente artigo se prestará a expor e analisar os fundamentos jurídicos das
duas posições, buscando compreender as consequências práticas das duas abordagens
para o trabalhador e para a economia nacional, bem como firmará ao cabo a posição que
mais nos parecer convergir com os princípios do direito do trabalho.

2 O ENTENDIMENTO PELO VINCULO EMPREGATÍCIO

Em acórdão proferido pela 8ª Turma do TST, o vínculo de emprego entre os


motoristas cadastrados e a Uber foi defendido principalmente com base no argumento de
que se trata de uma relação de “subordinação clássica”, pois o motorista não pode definir
seu preço e também não tem qualquer alternativa ao ser excluído do aplicativo, por
qualquer razão. Ademais, a empresa tem o poder de escolher qual o motorista mais apto
para cada viagem pelo seu sistema de pontuação. Deste modo não haveria como
classificar tal serviço como “trabalho autônomo”.

Assim, a referida Turma do TST, entendeu que a CLT, no seu artigo 2°, o
qual classifica o empregador como aquele que “admite, assalaria e dirige a prestação
pessoal de serviço” e no seu artigo 3°, que menciona a “dependência” do empregado em
relação ao empregador deve abranger perfeitamente a situação do motorista do Uber.
Desta forma, firmou-se o entendimento de que há, por parte da Uber, um controle dos
meios produtivos e que, a despeito de ser uma modalidade nova de prestação de serviços
favorecida pela tecnologia, não se poderia classificar a empresa como propriamente de
tecnologia, mas sim como uma empresa de transporte que se utiliza de plataforma digital.

Em que pese as razões alegadas, o ministro relator do acórdão não


deslegitimou o modelo da “uberização” em si, e o vê como alternativa para fonte de renda
extra, uma vez que é simplificado e tem uma barreira de entrada que exige baixa
qualificação. Ainda assim, ele apontou para o perigo da precarização das condições de
trabalho e o “vilipêndio dos direitos básicos” do trabalhador frente ao empregador. Por
isso, ele concluiu pela necessidade de regulamentação própria para o aplicativo Uber que
fosse além do disposto na lei 14.297/22, a qual foi criada no contexto da Pandemia de
Covid-19 para estabelecer medidas protetivas “ao entregador que presta serviço por
intermédio de empresa de aplicativo de entrega”. Conforme o artigo 10 dessa lei, vê-se
que ela não se prestou a definir a relação jurídica existente entre entregadores e empresas
de aplicativo de entrega.

O cerne do argumento pelo reconhecimento de vínculo empregatício é aquilo


que foi denominado de “subordinação jurídica algorítmica”, que é nada mais que a
clássica subordinação, porém feita por meios “algorítmicos”. Neste sentido, entendeu-se
que há verdadeira subordinação, pois o motorista está sujeito à “supervisão” do aplicativo,
o qual foi programado em vista de atender às metas da empresa. Portanto, tal expressão
equívoca é entendida de forma metafórica ou poética, pois a relação do trabalhador é com
a Pessoa Jurídica e não com o algoritmo, e tal pessoa jurídica se mostra efetivamente
como detentora dos meios de produção. Sendo assim, tal situação vai no mesmo sentido
que foi definido pela CLT:
“Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se
equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de
comando, controle e supervisão do trabalho alheio” (CLT, art. 6°, parágrafo
único).

Em síntese, no acórdão concluiu-se que a Uber efetivamente organiza e


controla os meios produtivos, por suas “regras, diretrizes e dinâmicas próprias”, e
ademais, a empresa fixa os valores das corridas e aceita ou exclui motoristas segundo seu
critério, de modo que o motorista cadastrado não tem o mesmo controle que teria um
trabalhador verdadeiramente autônomo. Diante disso, a autonomia do motorista está
limitada aos horários e às corridas.

Para o entendimento desta Turma, a questão deveria ser tratada


primordialmente pelo Poder Legislativo, o qual deveria ouvir a sociedade para determinar
se a situação do motorista de Uber deve ser tratada como um vínculo empregatício normal
ou se deve ser tratada como uma forma “semiautônoma” de prestação de serviço. Por
isso, o julgamento em questão se prestou a resolver a questão de fato, reconhecendo os
requisitos de pessoalidade, onerosidade, subordinação e não eventualidade, entendendo
que a flexibilização de horários não descaracteriza por si a não eventualidade.

3 O ENTENDIMENTO PELO TRABALHO AUTÔNOMO

A 4ª Turma do TST, por sua vez, ao julgar agravo de instrumento em recurso


de revista, entendeu que não é possível reconhecer a subordinação jurídica entre motorista
do Uber e a empresa, e consequentemente não há que se falar em vínculo empregatício.
A análise da 4ª Turma também utilizou como principal parâmetro os artigos 2° e 3° da
CLT e entendeu diferentemente da 8ª Turma, pois não reconheceu a habitualidade da
atividade, devido à inexistência de “obrigação de uma frequência predeterminada” e
afastou a subordinação, alegando que as cláusulas do contrato não implicam em
“ingerência no trabalho prestado pelo motorista”. Neste sentido, a situação do motorista
se enquadraria melhor na categoria de “trabalho autônomo”.

No acórdão da 4ª Turma também se argumenta que, pelo fato do motorista ter


que arcar com os custos de manutenção do próprio carro, isso reforça o caráter
“autônomo”. Com efeito, numa empresa de transporte o motorista não é o dono do carro
que utiliza e não é responsável pelos custos dele provenientes, como impostos,
combustível, etc, ao não ser na hipótese de ter provocado algum dano por sua culpa. Desta
forma, não se poderia qualificar a Uber como simples empresa de transporte, mas tão
somente de intermediação. Esse argumento, no entanto, não excluiria a responsabilização
solidária em determinados casos.

Ao contrário da 8ª Turma do TST, que se utilizou do conceito de


“subordinação algorítmica”, a 4ª Turma foi conservadora e preferiu não ampliar a
interpretação desse conceito jurídico para a encaixar a relação entre motorista de
aplicativo e a empresa no vínculo empregatício. Além disso, para a 4ª Turma, o fato de o
aplicativo utilizar-se de um modelo contratual que é de conhecimento “público e notório”,
e ter como finalidade a simples intermediação ou conexão da pessoa que precisa do
serviço com o motorista cadastrado, revela a inexistência de qualquer tipo de fraude nessa
relação.

O acordão é enfático em combater o argumento de que “monitoramento


eletrônico traduz subordinação” em razão de que as regras protetivas da CLT foram
compostas tendo em vista outro cenário social e assim não poderiam ser ampliadas em
sua interpretação sem que isso causasse um prejuízo ao desenvolvimento econômico do
país. Há, portanto, que se distinguir entre os formatos de trabalho. No voto do relator,
afirma-se expressamente que enquadrar a relação de motorista-cadastrado e cliente-
usuário nos moldes do vínculo empregatício convencional é fazer um “enquadramento
equivocado em moldes antiquados”.

Acrescenta-se ainda o argumento de que o Supremo Tribunal Federal já


declarou a constitucionalidade da lei 11.442/2007, que trata sobre o “transportador
autônomo” de cargas, de modo que fica provado que nem toda forma de trabalho deve
ser regida diretamente pela CLT. Segundo jurisprudência da Corte, o tipo de trabalho
realizado pelo motorista do Uber tem grande “afinidade” com o que foi regulamentado
pela essa lei. Deste modo, entende-se que o motorista não trabalha para a empresa do
aplicativo, mas sim por meio da plataforma disponibilizada.

No entendimento da Ministra Dora Maria da Costa, a situação do motorista


frente à empresa intermediária se aproxima de um “regime de parceria”, haja vista os
percentuais que são auferidos pelos motoristas em comparação ao percentual do
aplicativo. Consequentemente, não faria sentido que a empresa intermediadora tomasse
sobre si os encargos trabalhistas, pois isso inviabilizaria economicamente o negócio.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do que foi apresentado, constata-se que o cerne da controvérsia se dá em dois


requisitos que caracterizam o vínculo empregatício – a subordinação e a não
eventualidade (ou habitualidade).

Para considerar a relação entre o motorista e a empresa do aplicativo Uber


uma relação de emprego, a 8ª Turma do TST entendeu que existe subordinação, uma vez
que o motorista não tem a liberdade de escolher o preço da corrida, o qual também está
condicionado pelo tipo do veículo que ele utiliza; e também entendeu que está presente a
habitualidade, pois o aplicativo mantém o registro da atividade realizada pelo motorista,
além de outras informações que poderiam hipoteticamente interferir na sua pontuação.

Em sentido contrário, a 4ª Turma entendeu que o motorista de Uber goza de


“ampla autonomia”, dada a liberdade que ele possui para escolher seus horários sem estar
vinculado a quaisquer metas estabelecidas pela empresa do aplicativo e sem sofrer
qualquer punição em decorrência disso. Desta forma, não seria possível se falar em
subordinação jurídica. Ademais, o requisito da habitualidade, no presente caso, se mostra
mitigado, pela mesma razão de não existir obrigatoriedade de horas de trabalho.

Em vista da controvérsia existente, o Supremo Tribunal Federal, no dia 13 de


junho de 2023, admitiu Recurso Extraordinário para julgar a questão, a pedido da UBER
DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA, a qual recorre da decisão dada pela 8ª Turma. A
empresa argumenta principalmente que a decisão impugnada “afronta os princípios
constitucionais da livre e a concorrência” e também ofende o artigo 5°, II, da CF, pois a
interpretação que foi dada à CLT é ampla demais e não respeita a legalidade.

Ponderando os argumentos postos pelas Turmas do TST, entendemos que o


vínculo empregatício não deve ser afirmado, pois a relação contratual existente entre a
empresa do aplicativo e o motorista cadastrado é plenamente respaldada pela legalidade
e uma interpretação mais ampla da CLT para enquadrar a situação como uma relação de
emprego é perigosa tanto do ponto de vista jurídico quanto econômico. Desta forma,
deve-se considerar tal situação como um trabalho autônomo, ou no mínimo
“semiautônomo” sujeito a regulamentação própria.
REFERÊNCIAS

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. PROCESSO Nº TST-AIRR-1092-


82.2021.5.12.0045 (ACÓRDÃO), da 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho.
Relator: Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, 29 de novembro de 2022.
Disponível em:
<https://consultadocumento.tst.jus.br/consultaDocumento/acordao.do?anoProcInt=2022
&numProcInt=207344&dtaPublicacaoStr=03/02/2023%2007:00:00&nia=8028898>.
Acesso em: 01 de jul. de 2023.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RRAg - 100853-94.2019.5.01.0067


(ACÓRDÃO), da 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho. Relator: Ministro
Alexandre de Souza Agra Belmonte, 03 de fevereiro de 2023. Disponível em:
<https://consultadocumento.tst.jus.br/consultaDocumento/acordao.do?anoProcInt=2022
&numProcInt=207344&dtaPublicacaoStr=03/02/2023%2007:00:00&nia=8028898>.
Acesso em: 01 de jul. de 2023.

BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Consolidação das Leis do


Trabalho. Brasília, DF: Presidência da República, [2023]. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 01 de jul.
de 2023.

CALCINE, Ricardo. BOCCHI DE MORAES, Leandro. TST x Uber: motoristas terão


direitos trabalhistas para 2023? Conjur, 2023. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2023-jan-26/pratica-trabalhista-tst-uber-motoristas-terao-
direitos-trabalhistas-2023>. Acesso em: 01 de jul. de 2023.

RAMOS, Débora. Uberização do trabalho: o que é e quais suas consequências.


Coonecta, 2022. Disponível em: <https://coonecta.me/uberizacao-do-trabalho-o-que-e-
quais-suas-consequencias/>. Acesso em: 01 de jul. de 2023.

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