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VÍNCULO EMPREGATÍCIO ENTRE MOTORISTA E PLATAFORMA DE

TRANSPORTE POR APLICATIVO

Professora: Adriana Calvo


Aluna: Amanda Carolina Basilio
Curso: LL.M em Direito Empresarial da Fundação Getúlio Vargas (FGV)

Introdução. 1. Análise de caso prático e das decisões proferidas em 1ª e 2ª instâncias. 2.


Panorama doutrinário, jurisprudencial e de opinião. 3. Conclusão. Referências
Bibliográficas.

Introdução.
Devido aos grandes avanços tecnológicos ocorridos aos longos dos anos, surgiu a tão
utilizada "plataforma de transportes por aplicativo", que, em breve síntese, pode ser
definido como serviços digitais de transporte de passageiros e transporte de refeições e
delivery de itens diversos1.

Para prestação de serviços de transporte por aplicativos é necessário que o interessado


possua um veículo (não necessariamente próprio) e vincule-se a uma ou mais empresas
de aplicativos. As plataformas mais conhecidas são Uber, 99, Cabify, Lady Driver - para
transporte de passageiros, sendo este último exclusivo para mulheres.

Para atuar como motorista de aplicativo, o interessado deve preencher alguns requisitos
essenciais, que são definidos por cada plataforma, bem como apresentar alguns
documentos padrões quando do cadastro de interesse, tais como CNH com a observação
“Exerce Atividade Remunerada” (EAR); aprovação na checagem de antecedentes
criminais a partir do envio do seu documento; certificado de registro e licenciamento de
veículo (CRLV), dentre outros.

Devido a facilidade e simplicidade do negócio, muitas pessoas inserem-se neste mercado


para fazer uma renda extra ou até mesmo como uma atividade temporária/provisória em
situações de desemprego ou busca de um emprego que seja mais rentável.

1
Definição apresentada pelo SEBRAE <https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ideias/transporte-
poraplicativo,5a25fbd3394df610VgnVCM1000004c00210aRCRD#:~:text=Os%20servi%C3%A7o%20de%2
0transporte%20por,diversos%2C%20como%20farm%C3%A1cias%20e%20mercados.> Ideias de Negócio.
Transporte por aplicativo. Acesso em: 17.05.2021.
Contudo, como tudo na vida, apesar das diversas vantagens e benefícios que traz a todos
os envolvidos, passaram-se a existir também as dificuldades e problemas, chegando,
inclusive, na esfera judicial.

Atualmente, muito se discute sobre a existência ou não de vínculo empregatício de


trabalhadores por aplicativos, existindo diversas posições doutrinárias e jurisprudências,
que divergem e convergem entre si.

No presente trabalho, será analisaremos um caso real de pedido de vínculo empregatício


com a plataforma da Uber, os fatos que levaram ao motorista a pleitear o vínculo
judicialmente, bem como a análise das decisões de primeira instância, do Tribunal
Regional do Trabalho da 2ª Região e do Tribunal Superior do Trabalho, onde ainda
encontra-se tramitando a ação. Posteriormente, faremos uma análise crítica (e um tanto
pessoal) do caso com base na posição doutrinária e jurisprudencial.

1. Análise de caso prático e das decisões proferidas em 1ª e 2ª instâncias

Em 24 de novembro de 2017, um dos motoristas cadastrados no aplicativo da Uber,


ingressou com ação judicial pleiteando, dentre outros pedidos, o vínculo empregatício do
período compreendido de 14/07/2015 a 14/06/2016, anotação de sua CTPS, pagamento
de verbas rescisórias e, danos morais.
Para tentar justificar a existência de vínculo, o motorista aduz em sua petição inicial,
dentre diversos motivos, que a Uber:

(i) controla a realização dos serviços de transporte entre os motoristas e


os passageiros;
(ii) controla os meios de pagamentos, realizando o recebimento do valor
de seu cliente (passageiro);
(iii) realiza semanalmente o repasse das quantias percebidas do seu
cliente (passageiro) ao motorista contratado, retendo 25% (vinte e cinco
por cento) ou 30%
(trinta por cento) desse valor
(iv) entrevista, avalia e recruta motoristas;
(v) controla as informações a respeito dos dados dos passageiros,
omitindo ao motorista essas informações;
(vi) exige que motoristas aceitem viagens e jamais as cancelem, sob
ameaça de desconexão definitiva do sistema;
(vii) determina a rota padrão das viagens;
(viii) fixa unilateralmente a tarifa, vedando ao motorista negociar um
valor maior com o passageiro, ou mesmo receber gorjetas;
(ix) impor inúmeras condições aos motoristas, como o estado de
conservação e apresentação do veículo;
(x) orienta os motoristas sobre o modo de efetuar o serviço e exercer
controle sobra como este é executado;
(xi) sujeita motoristas a um sistema de avaliação cujo resultado pode
acarretar na rescisão imediata do contrato;
(xii) impõe descontos promocionais sem ao menos consultar os
motoristas;
(xiii) detem exclusivamente o teor das queixas dos motoristas e dos
passageiros; e
(xiv) se reserva o poder de alterar unilateralmente os termos
contratuais.2

Em sede de contestação, a Uber alegou que sua atividade se resume a mera intermediação
entre passageiros e motoristas, por meio de aplicativo, negando a sua atividade principal
que é de prestar serviços por meio de uma rede de condutores, anexando ainda em sua
defesa, diversas decisões judiciais em consonância com tais alegações.

O ponto decisivo para o que veio à frente sobreveio durante a audiência onde o motorista
autor da Reclamação Trabalhista informou em seu depoimento que poderia desligar-se
do aplicativo a qualquer momento.

Sobreveio então, sentença que, no mérito, julgou todos os pedidos formulados pelo
motorista como improcedentes, onde o d. juízo fundamentou-se no fato de ser
incontroverso que o trabalho era exercido por pessoa física, de forma não eventual e com
onerosidade, porém, estando ausente a pessoalidade e a subordinação. Vejamos:

Incontroverso que o trabalho era exercido por pessoa física, não


eventual e com onerosidade, porém ausente a pessoalidade e a
subordinação. Vejamos.
O próprio reclamante afirmou que existia a possibilidade do cadastro
de outros motoristas na mesma plataforma e com o mesmo veículo,
inclusive recebia um incentivo financeiro por tal parceria. Vale frisar
que a reclamada juntou aos autos documento que comprova que o
próprio reclamante, antes da sua própria conta, atuou como motorista
parceiro, vinculado a outro motorista.
Também restou ausente o requisito da subordinação, uma vez que o
reclamante confessou que podia trabalhar o quanto quisesse e ele é
quem determinava os seus horários, podendo inclusive deixar o
telefone desligado, logo, poderia iniciar, interromper e findar a
jornada de trabalho quando melhor lhe conviesse, não recebendo
ordens direta ou indiretamente de qualquer preposto da
reclamada. Ademais, depreende-se que o reclamante trabalhou com
veículo alugado, respondendo integralmente pelas despesas decorrentes
de sua atividade, especialmente, a locação, combustível e aparelho
celular.

2
Trechos da Petição Inicial, autos do Processo nº 1000123-89.2017.5.02.0038 - 38ª Vara do Trabalho de
São Paulo.
A grande diferenciação entre a relação de trabalho autônoma e o vínculo
empregatício é a subordinação, consistindo esta, na prestação de
serviços por conta alheia, em que os frutos percebidos se revertem
imediatamente em favor do tomador de serviços (princípio da
alteridade). Com efeito, não é o que acontece no caso em exame, em
que o reclamante trabalhava assumindo o risco da atividade, tanto
é verdade que o próprio reclamante afirma que deixou o emprego para
trabalhar para as reclamadas visando melhor proveito econômico.
Diante deste contexto, em pese vigore no direito do trabalho o princípio
da primazia da realidade, em que as circunstâncias de fato prevalecem,
muitas vezes, sobre as provas documentais produzidas no processo, no
caso concreto, o conjunto probatório não revela à ocorrência de fraude,
mais sim, a ausência dos requisitos ensejadores da relação de emprego,
principalmente a subordinação jurídica ou econômica, sendo este o
elemento essencial para a caracterização da relação de emprego.
Oportuno ressaltar que o aplicativo é uma ferramenta de
agregação, na qual o motorista se insere por livre e espontânea
vontade à plataforma com vista a angariar corridas, prestar o
serviço ao passageiro por conta e risco. O aplicativo nada mais é do
que a aproximação das pessoas para utilização de sua plataforma
virtual, sendo motoristas e passageiros consumidores do serviço. O
pagamento da taxa pela utilização da plataforma, reforça a ideia de
que o motorista remunera a Uber pela utilização de sua ferramenta.
Portanto, as provas apresentadas dão conta de que o trabalho se dava na
modalidade de trabalho autônomo.
Dessa forma, não restou comprovado o preenchimento dos
requisitos caracterizadores da relação empregatícia com as
reclamadas, previstos nos arts. 2º e 3º da CLT. Portanto, indefiro o
pedido de reconhecimento do vínculo empregatício e julgo
improcedentes todos os demais pedidos formulados nesta reclamação
trabalhista, por decorrerem logicamente da declaração da relação
empregatícia.
Ressalto que o pedido de indenização por dano moral também resta
prejudicado, uma vez que não restou comprovado qualquer abalo aos
direitos da personalidade do reclamante. Julgo improcedente.
(TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO 38ª Vara
do Trabalho de São Paulo. RTOrd 1000123-89.2017.5.02.0038.
RECLAMANTE: MARCIO VIEIRA JACOB. RECLAMADO: UBER
DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA., UBER INTERNATIONAL
B.V., UBER INTERNATIONAL HOLDING B.V. SENTENÇA
PUBLICADA EM 24/09/2017.

Inconformado, o motorista interpôs Recurso Ordinário, reiterando os pedidos


inicialmente formulados. A Uber, por sua vez, manteve sua linha de defesa. Sobreveio
então o acórdão, onde os Magistrados da 15ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da
2ª Região, decidiram, por maioria de votos, dar provimento parcial ao Recurso Ordinário
do motorista, julgando parcialmente procedente a ação trabalhista, declarando a
existência de vínculo de emprego entre o motorista e a Uber. Vejamos alguns trechos da
decisão:
(...)
As demandadas, como já mencionado anteriormente, negam a
existência de habitualidade, onerosidade, pessoalidade e subordinação.
Contudo, os elementos de prova existentes nos autos sinalizam em
direção diversa.
A habitualidade está amplamente comprovada pelos documentos
juntados às fls. 230/372, pelo demandante, a indicar que, no período de
14/07/2015 a 14/06/2016, o trabalho de motorista foi realizado de modo
habitual.
A onerosidade, do mesmo modo, é inequívoca, pois pela realização do
serviço de transporte era o demandante remunerado, pouco importando
que o seu ganho não fosse custeado diretamente pelas empresas
demandadas.
(...)
Cumpre assentar também que o fato de ser reservado ao motorista o
equivalente a 75% a 80% do valor pago pelo usuário não pode
caracterizar, no caso, a existência de parceria, pois conforme indicado
no depoimento pessoal do demandante (fl. 1101/1102), sem
contraprova das empresas, ele arcava com as seguintes despesas:
aluguel do veículo, despesas com sua manutenção, combustível,
telefone celular e provedor da internet. O que, convenhamos, somam
despesas elevadas, especialmente se considerarmos em comparação ao
exemplo citado, em decisão judicial invocada pelas demandadas, das
manicures em relação aos salões de beleza. Aqui, as despesas da
manicure são mínimas e, portanto, o fato de receberem percentuais
superiores a 50% pode mesmo configurar a uma relação de parceria.
A pessoalidade, por seu turno, é inequívoca e confessada pelas
demandadas. Argumentam que um mesmo veículo pode ser utilizado
por vários motoristas, o que, a seu juízo, descaracterizaria a
pessoalidade. Entretanto, admitem e confessam que o motorista deve
ser sempre cadastrado, do que resulta conclusão em sentido
diametralmente contrário, ou seja, o que importa é quem está
conduzindo o veículo.
Por fim, resta examinar a alegação de ausência de subordinação.
Aduziram as demandadas que o motorista possui total autonomia na
execução do trabalho, pode exercer uma segunda atividade profissional,
não é submetido a regra de condutas, pode recusar viagens e também
pode conceder desconto aos usuários. Contudo, mais uma vez, verifico
que os elementos de prova existentes nos autos não refletem essa
realidade.
Quanto à existência de total autonomia do motorista, o próprio
depoimento da preposta ouvida em Juízo à fl. 1102, revela que o valor
a ser cobrado pelo usuário é "sugerido" pelas empresas e que o
motorista pode dar desconto a ele. Entretanto, no caso de concessão de
desconto pelo motorista, o valor destinado às empresas permanecerá
calculado sobre aquele por elas sugerido. De acordo com a preposta
"...o valor das viagens é sugerido pela UBER: tempo x distância; que o
percentual da taxa da uber varia de 20% a 25%, de acordo com a
categoria; que o percentual recebido não inclui o desconto ofertado pelo
motorista ao cliente...". Portanto, não se pode cogitar de plena
autonomia na medida de que a taxa de serviços não pode ser alterada.
Do mesmo modo, a afirmação de que o motorista pode ficar
ilimitadamente off-line e recusar solicitações de modo ilimitado
também não condiz com a necessidade empresarial e com a realidade
vivenciada na relação empresa/motorista/usuário. Fosse verdadeira tal
afirmação, o próprio empreendimento estaria fadado ao insucesso,
pois as empresas correriam o risco evidente de, em relação a
determinados locais e horários, não dispor de um único motorista
para atender o usuário.
Ademais, as empresas se valem de mecanismos indiretos para obter o
seu intento de disponibilidade máxima do motorista às necessidades dos
usuários por elas atendidos. De acordo com o depoimento do
demandante, sem contraprova das demandadas "...o depoente recebia
incentivo se atingisse o número de 45 clientes por semana; que se não
atingisse não recebia apenas o incentivo; que podia deixar o telefone
off line; (...) que podia cancelar corrida, porém recebia informação de
que a taxa de cancelamento estava alta e que poderia ser cortado; que
existia um limite de cancelamento, mas não sabe informar qual era esse
limite..." (fl.1101).
Também não aproveita às demandadas o argumento de que o motorista
é livre para exercer uma segunda atividade profissional, pois a
exclusividade não figura como requisito da relação de emprego.
Por fim, a alegação de que as empresas não impõem aos motoristas
regras de conduta tampouco restou comprovada. Há confissão das
demandadas de que as avaliações dos usuários são decisivas para a
manutenção do cadastro do motorista. Aliás, a preposta, ouvida em
audiência, admitiu que o demandante foi desligado exatamente por ter
avaliação abaixo da média. "...que acredita que o reclamante foi
desligado por conta da sua avaliação abaixo da média" (fl. 1012).
É preciso registrar, nesse passo, que a relação existente entre as
demandadas e os motoristas que lhes servem não se caracteriza pelo
modelo clássico de subordinação e de que, assim, a depender do caso
concreto sob exame, poderá não haver a configuração do vínculo de
emprego, especialmente nos casos em que a prestação de serviços se
revelar efetivamente eventual.
Por isso, o exame das demandas judiciais que envolvem os novos
modelos de organização do trabalho deve se dar à luz das novas
concepções do chamado trabalho subordinado ou parasubordinado,
especialmente considerando o avanço da tecnologia. Aliás, a alteração
introduzida pela Lei 12. 551/2011 no art. 6.º da CLT, é expressiva na
direção ora apontada.
De acordo com o parágrafo único "Os meios telemáticos e
informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para
fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando,
controle e supervisão do trabalhado alheio."
(...)
Em consequência, considerando as peculiaridades do caso dos autos,
acolho o inconformismo do demandante para reconhecer o vínculo de
emprego entre as partes no período
indicado na inicial, qual seja, de 14/07/2015 a 14/06/2016, nos exatos
termos do pedido (fl. 41).
(...)
ACORDAM os Magistrados da 15.ª Turma do Tribunal Regional do
Trabalho da 2.ª Região em: por maioria de votos, DAR PROVIMENTO
PARCIAL ao recurso
ordinário do demandante para, JULGANDO PROCEDENTE EM
PARTE a ação trabalhista, declarar o vínculo de emprego entre o
demandante e UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. pelo
período de 14/07/2015 a 14/06/2016 e para condenar as demandadas,
solidariamente, UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA., UBER
INTERNATIONAL HOLDING BV e UBER INTERNATIONAL BV,
no pagamento de aviso prévio indenizado (30 dias); décimo terceiro
proporcional de 2016 (6/12) e de 2017 (6/12), férias proporcionais
(11/12) acrescidas de 1/3, FGTS, com a indenização de 40%, e multa
do artigo 477 da CLT. Determina-se a expedição de ofício ao INSS,
DRT, MPT e CEF. Em cumprimento aos termos do § 3º do artigo 832
da CLT, definir a natureza salarial dos títulos condenatórios, com
exceção de férias indenizadas, aviso prévio e FGTS com 40%. Juros,
correção monetária e recolhimentos fiscais e previdenciários. Tudo nos
termos da motivação. Custas em reversão, a cargo das demandadas, no
valor de R$ 300,00, calculadas sobre o valor da condenação, ora
arbitrado em R$ 15.000,00. Vencida a Desembargadora Magda
Aparecida Kersul de Brito: mantém a sentença que não reconheceu o
vínculo. Se vencida, não aplica o IPCA-e. (Relatora BEATRIZ DE
LIMA PEREIRA. 17/08/2018 14:36:19.15ª Turma do Tribunal
Regional do Trabalho da 2ª Região).

Desta vez, inconformada com a alteração do resultado, foi a Uber quem interpôs Recurso
de Revista, que, teve seu seguimento denegado, entretanto, por unanimidade, deu-se
provimento ao Agravo de Instrumento para prosseguimento e análise do recurso:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA.


ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014.
VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA. UBER. AUSÊNCIA DE
SUBORDINAÇÃO. Em razão de provável caracterização de ofensa ao
art. 3º, da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento para
determinar o prosseguimento do recurso de revista. Agravo de
instrumento provido.

Em fevereiro de 2020 a Uber teve seu Recurso de Revista julgado pela Quinta Turma do
Tribunal Superior do Trabalho, que retroagiu a decisão do TRT2 e entendeu como correta
a sentença inicial, em que afastou a existência de vínculo de emprego entre um motorista
com a Uber. Vejamos:

RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA


VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. VÍNCULO DE EMPREGO.
MOTORISTA. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO.
TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Destaque-se, de
início, que o reexame do caso não demanda o revolvimento de fatos e
provas dos autos, isso porque a transcrição do depoimento pessoal do
autor no acórdão recorrido contempla elemento fático hábil ao
reconhecimento da confissão quanto à autonomia na prestação de
serviços. Com efeito, o reclamante admite expressamente a
possibilidade de ficar “off line”, sem delimitação de tempo,
circunstância que indica a ausência completa e voluntária da
prestação dos serviços em exame, que só ocorre em ambiente
virtual. Tal fato traduz, na prática, a ampla flexibilidade do autor em
determinar sua rotina, seus horários de trabalho, locais que deseja
atuar e quantidade de clientes que pretende atender por dia. Tal
auto-determinação é incompatível com o reconhecimento da relação de
emprego, que tem como pressuposto básico a subordinação, elemento
no qual se funda a distinção com o trabalho autônomo. Não bastasse a
confissão do reclamante quanto à autonomia para o desempenho de suas
atividades, é fato incontroverso nos autos que o reclamante aderiu aos
serviços de intermediação digital prestados pela reclamada, utilizando-
se de aplicativo que oferece interface entre motoristas previamente
cadastrados e usuários dos serviços. Dentre os termos e condições
relacionados aos referidos serviços, está a reserva ao motorista do
equivalente a 75% a 80% do valor pago pelo usuário, conforme
consignado pelo e. TRT. O referido percentual revela-se superior ao
que esta Corte vem admitindo como bastante à caracterização da
relação de parceria entre os envolvidos, uma vez que o rateio do valor
do serviço em alto percentual a uma das partes evidencia vantagem
remuneratória não condizente com o liame de emprego. Precedentes.
Recurso de revista conhecido e provido (PROCESSO Nº TST-RR-
1000123-89.2017.5.02.0038. (5ª Turma). Votação Unanime da Quinta
Turma do Tribunal Superior do Trabalho. Ministro: Breno Medeiros).

Hoje, em 2021, quase quatro anos após a distribuição do Processo Judicial, o litígio segue
em andamento, estando pendente a análise de Embargos de Declaração do motorista,
sendo certo ainda que, desta última decisão, ainda cabe as partes a possibilidade de
recorrer à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1).

Entretanto e considerando as decisões judiciais proferidas até momento nos autos, bem
como analisando a posição da doutrina, passamos a construir uma opinião sobre a
existência ou não de vínculo no caso em tela.

2. Panorama doutrinário, jurisprudencial e de opinião.

É cristalina a diferença quanto ao entendimento do vínculo entre a Vara do Trabalho de


origem, o TRT e o TST no caso em tela, e essa falta de “unificação” de
entendimento/jurisprudência é o que dá margem a discussões e ingressos de demandas
judiciais.

Note que os pedidos formulados pelo motorista foram julgados improcedentes pelo juízo
de primeiro grau sob a alegação de ausência de pessoalidade e subordinação, contudo, a
sentença foi modificada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, que, de forma
diversa, enxergou a habitualidade, onerosidade, pessoalidade e subordinação entre as
partes litigantes.

Fundamentaram os Nobres Julgadores do TRT 2ª no argumento da Uber de que o


motorista é livre para exercer outra atividade profissional, pois a exclusividade não é
requisito da relação de emprego. Outro fato que foi incisivo na modificação da decisão
foi a confirmação da Uber de que as avaliações dos usuários do aplicativo são decisivas
para a manutenção do cadastro do motorista, bem como o fato de que o motorista pode
vir a ser “excluído” do aplicativo caso cancele as solicitações de corridas por usuários do
aplicativo com frequência.

Já no exame do Recurso de Revista, a Quinta Turma do TST trouxe que o motorista


admitiu em seu depoimento a possibilidade de desligar-se do aplicativo e ficar sem utilizá-
lo – e consequentemente, sem exercer as atividades de motorista – por tempo
indeterminado. Para a Turma, esta possibilidade demonstra a flexibilidade que possui o
motorista de aplicativo para determinar sua rotina, seus horários, os locais em que deseja
atuar e até mesmo a quantidade de clientes que pretende atender, o que vai em
desencontro total com um dos pressupostos básicos para a caracterização do vínculo
empregatício, qual seja, a subordinação.

Fato é que esta destoancia nos resultados das decisões e julgados a nível nacional,
confundem a população e acaba ensejando o ingresso de demandas, por vezes infundadas.
Mas, de certa forma, a não unificação da jurisprudência em partes é responsabilidade das
empresas de aplicativos.

Somada a dificuldade existente n necessidade de a análise caso a caso, recentemente, o


Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região reconheceu o vínculo trabalhista entre um
motorista também com a Uber, determinando, inclusive, o pagamento de salário. Para a
Turma julgadora, “a liberdade quanto ao cumprimento da jornada de trabalho não é
óbice ao reconhecimento do vínculo de emprego”. Ainda na decisão, a 6ª Turma alegou
que a Uber vem tentando manipular a jurisprudência realizando acordos quando os
processos estão em pauta para julgamento. A Uber, possui um número considerável de
Reclamações Trabalhistas em seu desfavor, e “tem se disposto a celebrar acordo apenas
nos casos em que se visualizam razões suficientes para se supor que o órgão julgador
decidirá em sentido contrário ao seu interesse” (PARIZOTTI, 2021)”

Vale dizer que apesar da Justiça Brasileira não reconhecer o vínculo entre a Uber e o
motorista em todos os casos, quando tratamos este assunto em escala mundial, alguns
países já vêm decidindo pelo reconhecimento da existência de vínculo empregatício entre
a Uber e um motorista.
Para a Corte do Reino Unido o controle sobre as tarifas cobradas, a penalização para o
motorista que cancela muitas viagens e a exclusão do aplicativo devido a avaliações
negativas, vincula a empresa com o motorista (LISBOA, 2021).

Já para a Corte de Justiça Francesa, o condutor não pode ser considerado autônomo, já
que não cabe a ele construir a própria clientela ou definir os preços das corridas, o que
gera uma relação de subordinação entre as partes (ANGELO, 2020).

No Brasil, o entendimento majoritário quando se fala de motorista de aplicativos vai de


encontro com a ausência de subordinação jurídica, uma vez que a plataforma não "dá
ordens" aos motoristas, tampouco coordena a prestação dos serviços prestados por estes,
afinal, o motorista liga seu aplicativo no horário e pelo tempo que sente vontade de
realizar suas corridas. Para Sérgio Merola, "é claro que existem regras por parte da Uber,
mas essas regras são obrigações contratuais, e não se pode confundi-las com subordinação
jurídica. São termos totalmente diferentes" (MEROLA, 2017).

Empresas como a Uber, possuem uma série de “regras e repassam aos motoristas
“instruções obrigatórias, classificação para punição, expedientes de fiscalização e
dirigismo econômico no trabalho alheio” (OLIVEIRA; CARELLI; SILVA, 2020, p. 15).
No entanto, prevê também uma certa liberdade no que se refere à ativação e desativação
do motorista na plataforma, tornando mais difícil a configuração da subordinação
jurídica.

3. Conclusão

Analisado um caso prático, bem como algumas posições doutrinárias e jurisprudenciais,


não me parece existente a relação de emprego entre a Uber e um motorista, uma vez que
não existe subordinação. O simples fato do motorista ter que seguir regras estabelecidas
previamente entre as partes, não caracteriza e não pode caracterizar relação de
subordinação, tampouco, de emprego.

As regras aplicadas pela Uber, assim como por outros aplicativos de transporte devem ser
consideradas regras de um contrato de prestação de serviços assim como ocorre em um
ambiente autônomo. O que causa espanto assim como a irresolução desta discussão que
vem se arrastando há anos, é o posicionamento fragmentado do Poder Judiciário sobre
esta questão, gerando uma total insegurança jurídica não só para os motoristas ou para as
empresas, mas para todos aqueles que assistem e acompanham essa história sem um
desfecho certeiro.

Referências Bibliográficas

ANGELO, T. ConJur. Há vínculo empregatício entre Uber e motorista, decide corte


francesa, 2020. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-mar-05/corte-
francesa-confirma-vinculo-entre-uber-motorista>. Acesso em: 17 maio 2021.

LISBOA, A. CanalTech. Justiça brasileira não reconhece vínculo empregatício entre


Uber e motorista, 2021. Disponível em: <https://canaltech.com.br/apps/justica-
brasileira-nao-reconhece-vinculo-empregaticio-entre-uber-e-motorista-179813/>.
Acesso em: 17 maio 2021.

MEROLA, S. Sérgio Merola. Por que não existe vínculo de emprego entre motorista
e Uber?, 2017. Disponível em:
<https://sergiomerola85.jusbrasil.com.br/artigos/425832306/por-que-nao-existe-
vinculo-de-emprego-entre-motorista-e-
uber#:~:text=No%20caso%20dos%20motoristas%20do,e%20pelo%20tempo%20que%
20quiser.>. Acesso em: 17 maio 2021.

OLIVEIRA, M.; CARELLI, R.; SILVA, S. Conceito e crítica das plataformas digitais
de trabalho. Revista Direito e Práxis, 2020.

PARIZOTTI, R. Justiça Manda Uber Assinar Carteira de Motorista e Pagar Salário


de 3 Mil Reais. RBA, 2021. Disponivel em:
<https://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2021/04/justica-manda-uber-assinar-
carteira-de-motorista-e-pagar-salario-de-r-3-mil/>. Acesso em: 17 maio 2021.

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