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Introdução.
Devido aos grandes avanços tecnológicos ocorridos aos longos dos anos, surgiu a tão
utilizada "plataforma de transportes por aplicativo", que, em breve síntese, pode ser
definido como serviços digitais de transporte de passageiros e transporte de refeições e
delivery de itens diversos1.
Para atuar como motorista de aplicativo, o interessado deve preencher alguns requisitos
essenciais, que são definidos por cada plataforma, bem como apresentar alguns
documentos padrões quando do cadastro de interesse, tais como CNH com a observação
“Exerce Atividade Remunerada” (EAR); aprovação na checagem de antecedentes
criminais a partir do envio do seu documento; certificado de registro e licenciamento de
veículo (CRLV), dentre outros.
1
Definição apresentada pelo SEBRAE <https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ideias/transporte-
poraplicativo,5a25fbd3394df610VgnVCM1000004c00210aRCRD#:~:text=Os%20servi%C3%A7o%20de%2
0transporte%20por,diversos%2C%20como%20farm%C3%A1cias%20e%20mercados.> Ideias de Negócio.
Transporte por aplicativo. Acesso em: 17.05.2021.
Contudo, como tudo na vida, apesar das diversas vantagens e benefícios que traz a todos
os envolvidos, passaram-se a existir também as dificuldades e problemas, chegando,
inclusive, na esfera judicial.
Em sede de contestação, a Uber alegou que sua atividade se resume a mera intermediação
entre passageiros e motoristas, por meio de aplicativo, negando a sua atividade principal
que é de prestar serviços por meio de uma rede de condutores, anexando ainda em sua
defesa, diversas decisões judiciais em consonância com tais alegações.
O ponto decisivo para o que veio à frente sobreveio durante a audiência onde o motorista
autor da Reclamação Trabalhista informou em seu depoimento que poderia desligar-se
do aplicativo a qualquer momento.
Sobreveio então, sentença que, no mérito, julgou todos os pedidos formulados pelo
motorista como improcedentes, onde o d. juízo fundamentou-se no fato de ser
incontroverso que o trabalho era exercido por pessoa física, de forma não eventual e com
onerosidade, porém, estando ausente a pessoalidade e a subordinação. Vejamos:
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Trechos da Petição Inicial, autos do Processo nº 1000123-89.2017.5.02.0038 - 38ª Vara do Trabalho de
São Paulo.
A grande diferenciação entre a relação de trabalho autônoma e o vínculo
empregatício é a subordinação, consistindo esta, na prestação de
serviços por conta alheia, em que os frutos percebidos se revertem
imediatamente em favor do tomador de serviços (princípio da
alteridade). Com efeito, não é o que acontece no caso em exame, em
que o reclamante trabalhava assumindo o risco da atividade, tanto
é verdade que o próprio reclamante afirma que deixou o emprego para
trabalhar para as reclamadas visando melhor proveito econômico.
Diante deste contexto, em pese vigore no direito do trabalho o princípio
da primazia da realidade, em que as circunstâncias de fato prevalecem,
muitas vezes, sobre as provas documentais produzidas no processo, no
caso concreto, o conjunto probatório não revela à ocorrência de fraude,
mais sim, a ausência dos requisitos ensejadores da relação de emprego,
principalmente a subordinação jurídica ou econômica, sendo este o
elemento essencial para a caracterização da relação de emprego.
Oportuno ressaltar que o aplicativo é uma ferramenta de
agregação, na qual o motorista se insere por livre e espontânea
vontade à plataforma com vista a angariar corridas, prestar o
serviço ao passageiro por conta e risco. O aplicativo nada mais é do
que a aproximação das pessoas para utilização de sua plataforma
virtual, sendo motoristas e passageiros consumidores do serviço. O
pagamento da taxa pela utilização da plataforma, reforça a ideia de
que o motorista remunera a Uber pela utilização de sua ferramenta.
Portanto, as provas apresentadas dão conta de que o trabalho se dava na
modalidade de trabalho autônomo.
Dessa forma, não restou comprovado o preenchimento dos
requisitos caracterizadores da relação empregatícia com as
reclamadas, previstos nos arts. 2º e 3º da CLT. Portanto, indefiro o
pedido de reconhecimento do vínculo empregatício e julgo
improcedentes todos os demais pedidos formulados nesta reclamação
trabalhista, por decorrerem logicamente da declaração da relação
empregatícia.
Ressalto que o pedido de indenização por dano moral também resta
prejudicado, uma vez que não restou comprovado qualquer abalo aos
direitos da personalidade do reclamante. Julgo improcedente.
(TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO 38ª Vara
do Trabalho de São Paulo. RTOrd 1000123-89.2017.5.02.0038.
RECLAMANTE: MARCIO VIEIRA JACOB. RECLAMADO: UBER
DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA., UBER INTERNATIONAL
B.V., UBER INTERNATIONAL HOLDING B.V. SENTENÇA
PUBLICADA EM 24/09/2017.
Desta vez, inconformada com a alteração do resultado, foi a Uber quem interpôs Recurso
de Revista, que, teve seu seguimento denegado, entretanto, por unanimidade, deu-se
provimento ao Agravo de Instrumento para prosseguimento e análise do recurso:
Em fevereiro de 2020 a Uber teve seu Recurso de Revista julgado pela Quinta Turma do
Tribunal Superior do Trabalho, que retroagiu a decisão do TRT2 e entendeu como correta
a sentença inicial, em que afastou a existência de vínculo de emprego entre um motorista
com a Uber. Vejamos:
Hoje, em 2021, quase quatro anos após a distribuição do Processo Judicial, o litígio segue
em andamento, estando pendente a análise de Embargos de Declaração do motorista,
sendo certo ainda que, desta última decisão, ainda cabe as partes a possibilidade de
recorrer à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1).
Entretanto e considerando as decisões judiciais proferidas até momento nos autos, bem
como analisando a posição da doutrina, passamos a construir uma opinião sobre a
existência ou não de vínculo no caso em tela.
Note que os pedidos formulados pelo motorista foram julgados improcedentes pelo juízo
de primeiro grau sob a alegação de ausência de pessoalidade e subordinação, contudo, a
sentença foi modificada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, que, de forma
diversa, enxergou a habitualidade, onerosidade, pessoalidade e subordinação entre as
partes litigantes.
Fato é que esta destoancia nos resultados das decisões e julgados a nível nacional,
confundem a população e acaba ensejando o ingresso de demandas, por vezes infundadas.
Mas, de certa forma, a não unificação da jurisprudência em partes é responsabilidade das
empresas de aplicativos.
Vale dizer que apesar da Justiça Brasileira não reconhecer o vínculo entre a Uber e o
motorista em todos os casos, quando tratamos este assunto em escala mundial, alguns
países já vêm decidindo pelo reconhecimento da existência de vínculo empregatício entre
a Uber e um motorista.
Para a Corte do Reino Unido o controle sobre as tarifas cobradas, a penalização para o
motorista que cancela muitas viagens e a exclusão do aplicativo devido a avaliações
negativas, vincula a empresa com o motorista (LISBOA, 2021).
Já para a Corte de Justiça Francesa, o condutor não pode ser considerado autônomo, já
que não cabe a ele construir a própria clientela ou definir os preços das corridas, o que
gera uma relação de subordinação entre as partes (ANGELO, 2020).
Empresas como a Uber, possuem uma série de “regras e repassam aos motoristas
“instruções obrigatórias, classificação para punição, expedientes de fiscalização e
dirigismo econômico no trabalho alheio” (OLIVEIRA; CARELLI; SILVA, 2020, p. 15).
No entanto, prevê também uma certa liberdade no que se refere à ativação e desativação
do motorista na plataforma, tornando mais difícil a configuração da subordinação
jurídica.
3. Conclusão
As regras aplicadas pela Uber, assim como por outros aplicativos de transporte devem ser
consideradas regras de um contrato de prestação de serviços assim como ocorre em um
ambiente autônomo. O que causa espanto assim como a irresolução desta discussão que
vem se arrastando há anos, é o posicionamento fragmentado do Poder Judiciário sobre
esta questão, gerando uma total insegurança jurídica não só para os motoristas ou para as
empresas, mas para todos aqueles que assistem e acompanham essa história sem um
desfecho certeiro.
Referências Bibliográficas
MEROLA, S. Sérgio Merola. Por que não existe vínculo de emprego entre motorista
e Uber?, 2017. Disponível em:
<https://sergiomerola85.jusbrasil.com.br/artigos/425832306/por-que-nao-existe-
vinculo-de-emprego-entre-motorista-e-
uber#:~:text=No%20caso%20dos%20motoristas%20do,e%20pelo%20tempo%20que%
20quiser.>. Acesso em: 17 maio 2021.
OLIVEIRA, M.; CARELLI, R.; SILVA, S. Conceito e crítica das plataformas digitais
de trabalho. Revista Direito e Práxis, 2020.