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Cadeira – Direito do Trabalho

Regente – Maria do Rosário Palma Ramalho

Aluno – Joana Simões Pereira nº 62898

Ficha de Jurisprudência I

Tema – Trabalhadores em plataformas digitais

Assunto – A Glovo e o Supremo Tribunal Espanhol

Acórdão - Acórdão 25 de setembro de 2020, do Tribunal Supremo, Sala Cuarta de lo Social,


Sentencia 805/2020, no Rec. 4746/2019 disponível em
https://edfabogados.com/wp-content/uploads/2020/10/sentencia_riders-2.pdf

Sumário

I. A Glovo é uma empresa que desenvolveu uma plataforma informática para


realização de recados e encomendas e as partes assinaram um contrato comercial
onde acordaram que a atividade dos riders/estafetas seria gerida através da
aplicação da empresa.
II. Discute-se o estatuto de um rider/estafeta e a sua relação com a empresa que
opera na plataforma digital (Glovo).
III. A Glovo não é mera intermediária na contratação de serviços entre
estabelecimentos comerciais e estafetas, antes realiza uma atividade de
coordenação e organização do serviço produtivo, fixando preços e as respetivas
condições de pagamento do serviço1.
IV. O facto da plataforma digital controlar a atividade, mediante a gestão algorítmica
do serviço, como as avaliações dos estafetas e a geolocalização constante é um
indício de uma relação de trabalho subordinado.
V. Assim como, os riders/estafetas não disporem de uma organização empresarial
própria e autónoma, encontrando-se submetidos à direção e organização da

1
Neste mesmo sentido o TJUE na decisão de 20 de dezembro de 2017, processo C-434/15 Elite Taxi
Professional Association
Também o Ac. Rechtbank Amsterdam, de 13 de setembro de 2021, Uber, ECLI:NL:RBAMS:2021:5029,
acessível em https://uitspraken.rechtspraak.nl/inziendocument?id=ECLI:NL:RBAMS:2021:5029 que vê a
necessidade da introdução de um conceito de “subordinação moderna” por considerar que nas relações
laborais atuais a autonomia é uma caraterística geral devendo existir uma adaptação.
plataforma que especificava como o serviço deveria ser prestado, controlando o
cumprimento das instruções através da aplicação.
VI. O estafeta não organiza a sua atividade produtiva, ou seja, não negoceia os preços
e condições e não recebe a retribuição final dos seus clientes o que significa que
existe uma espécie de triangulação entre a plataforma digital, o estafeta e o
cliente. Assim, está sujeito ao poder empresarial da Glovo quanto ao modo de
prestação do serviço que recebe os frutos do seu trabalho2;
VII. A Glovo dispõe de poder para sancionar os seus riders por variadas razões o que
constitui uma clara manifestação do poder disciplinar do empregador;
VIII. A autonomia que é caraterística chave num contrato de prestação de serviços não
existe, uma vez que a única autonomia que o estafeta tem é a de escolher o meio
de transporte que utiliza o que poderá ser um carro, mota ou bicicleta.
IX. A escolha de horário de trabalho é apenas uma liberdade teórica de escolha 3, uma
vez que embora o estafeta possa rejeitar um pedido e escolher quando quer
trabalhar sem qualquer penalização o tribunal esclarece que não deixa de ter
consequências negativas porque impacta na pontuação e desempenho dos
entregadores;
X. Embora os riders/estafetas utilizem veículos próprios a dependência, para além da
sua externalização no uso do nome da empresa no vestuário ou veiculo, manifesta-
se também na necessidade de telefonar diariamente à empresa para receber as
ordens de serviço dos dias em relação ao qual assume a obrigação de realizá-las.

Comentário

2
A alienação dos frutos ocorre quando “o lucro de capital dela derivada – isto é, o que os clientes pagam
– entra diretamente no património da empresa e não no dos atores e receberão o seu salário, na
modalidade por unidade de trabalho – acórdão do TS de 6 de outubro de 2010, recurso 2010/2009
3
Também neste sentido uma decisão do Tribunal de Cassação Francês – Cour de Cassation, 28 de
novembro de 2018, TakeEatEasy, n. 17-20-079PBRI que esclarece que a subordinação e suas proteções
são compatíveis com a livre escolha dos horários e duração do trabalho pelos riders quando estiverem
presentes os poderes que evocam um leque de subordinação.
Disponível em https://www.legifrance.gouv.fr/juri/id/JURITEXT000037787075/
Como explica João Leal Amado e Teresa Coelho Moreira numa economia colaborativa 4
podemos encontrar o crowdwork online o crowdwork offline, sendo que a diferença entre as
duas é que na primeira temos uma atividade que pode ser oferecida a nível global e
completamente online, e na segunda a execução é local 5. No caso da Glovo, trata-se de uma
plataforma digital de crowdwork offline porque exige uma presença física por parte dos
entregadores por exemplo e, por isso, a concorrência será a nível local/nacional.

Ora, no caso discutido pelo supremo tribunal espanhol a questão prende-se com saber se
estamos perante um contrato subordinado ou um contrato com autonomia por parte dos
estafetas que exercem a sua atividade através de uma plataforma digital. Neste sentido,
devemos procurar a materialidade da relação, perceber como o contrato é efetivamente
executado e como é que as partes se relacionam, tendo que existir uma verdadeira autonomia
de facto.

Logicamente, as partes podem sempre escolher a natureza da relação que mantém, a escolha
nunca será por si ilícita, mas nunca poderão contratar um trabalhador sob as vestes de um
contrato de prestação de serviços, onde dizem haver autonomia quando materialmente há
subordinação jurídica, ou seja, onde há um contrato de trabalho. Assim seguir-se-á sempre o
princípio da primazia da realidade segundo o qual os contratos são o que são, não o que as
partes dizem que são.

No acórdão discutem-se várias questões como o facto de os riders /estafetas não disporem de
uma organização empresarial própria e autónoma e a possibilidade de escolherem o seu
horário. Vejamos, ainda que seja verdade que os estafetas têm oportunidade de escolher
livremente o horário concordamos com o supremo quando afirma que esta liberdade é apenas
teórica, estando claramente condicionada. Vejamos, embora possam rejeitar pedidos e
escolher os horários em que trabalham sem penalização os entregadores com pontuações mais
elevadas gozam de um acesso preferencial aos serviços, sendo que um dos critérios para
definir o desempenho é precisamente trabalharem nos horários de maior demanda. Assim,
onde está a liberdade de escolha de horário? Não estarão antes completamente dependentes

4
Uma economia colaborativa consiste num modelo empresarial no âmbito da qual as atividades são
facilitadas por plataformas que criam um mercado aberto para a utilização temporária de bens ou
serviços.
5
AMADO, João Leal e MOREIRA, Teresa Coelho – “A GLOVO, OS RIDERS/ENTREGADORES E O SUPREMO
TRIBUNAL DE ESPANHA: ANOTHER BRICK IN THE WALL?” p. 128 acessível em
https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/188680/2021_amado_joao_glovo_riders.pd
f?sequence=1&isAllowed=y
de um programa de pontuações com critérios previamente definidos? Parece que ainda que
não haja uma penalização direta ela existe indiretamente, disfarçada por um sistema de
avaliação de desempenho6.

Salientamos porque é crucial que o façamos ao longo do nosso comentário a materialidade da


relação entre as partes. No acórdão é mencionado que durante o exercício da sua atividade, o
trabalhador era localizado permanentemente através de um GPS onde ficavam registados os
quilómetros que percorria em cada serviço. Também nos parece tratar-se de um forte indício
de um vínculo laboral porque representa o controlo empresarial em tempo real da execução do
serviço em que o empregador vê tudo o que faz, o tempo que demora, a rota que segue, se faz
uma pausa para parar em x ou y, com quem está etc.

Ora, se a Glovo especifica detalhadamente como o serviço deve ser prestado e executado por
parte do estafeta então detém efetivamente o controlo, uma vez que a própria plataforma
digital dita as “regras do jogo”. Ao estafeta resta cumprir as regras, limitando-se a recolher cada
encomenda e levá-la até à casa de um cliente final.

O supremo referiu ainda uma decisão de 20 de dezembro de 2017 do TJUE, processo C-434/15
Elite Taxi Professional Association contra Uber Systems Spain 7’8 em que o Tribunal de Justiça da
União Europeia declarou que o serviço de intermediação Uber que através de uma aplicação
para telefones inteligentes e através de um serviço remunerado estabelece a ligação entre
motoristas não profissionais e pessoas que pretendam efetuar deslocações urbanas, deve ser
classificado como “serviço no domínio de transportes” para efeitos do direito da União. Desta
forma, ficaria excluído do âmbito de aplicação da livre prestação de serviços o que é
importantíssimo na interpretação da questão que se coloca.
6
A Glovo estabeleceu um sistema de pontuação para motoristas de entrega, classificando-os em três
categorias: iniciante, júnior e sênior. Caso o entregador não aceite nenhum serviço há mais de três
meses, a empresa pode decidir rebaixá-lo. Há uma penalidade de 0,3 pontos cada vez que um
entregador não estiver operacional no horário previamente definido. Os entregadores com melhores
pontuações têm acesso prioritário aos serviços ou mensagens que chegam.
7
O TJUE acrescentou ainda que a Uber organiza e dirige em seu próprio benefício, decidindo
unilateralmente as condições dos serviços prestados pelos motoristas
8
O processo teve por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado nos termos do artigo 267º
TFUE, pelo Juzgado de lo Mercantil nº 3 de Barcelona, por decisão de 16 de julho de 2015 que deu
entrada no tribunal de justiça no dia 7 de agosto de 2015 – estava em causa uma prestação da uber
spain através de uma aplicação para telefones inteligentes, de um serviço remunerado que estabelece a
ligação entre motoristas não profissionais que utilizam o respetivo veiculo e pessoas que pretendam
efetuar deslocações urbanas, sem dispor de licenças e autorizações administrativas.
O tribunal serviu-se ainda de critérios jurisprudenciais para suportar a sua decisão
nomeadamente o facto de a realidade factual dever sempre prevalecer sobre o numem iuris o
que significa que os contratos têm a natureza que decorre do seu conteúdo real obrigatório e
não da classificação jurídica que é dada pela partes – questão que anteriormente abordámos e
que consideramos ser fundamental para a análise.

A decisão recorrida considerou a Glovo uma empresa tecnológica cuja atividade se limita à
intermediação tendo como argumentos a liberdade para escolher o horário, a liberdade de rota
para chegar ao destino do cliente, a inscrição na Segurança Social através da inscrição no
Regime Especial dos Trabalhadores Independentes, a remuneração baseada no número de
serviços prestados, a não existência de qualquer acordo de exclusividade e ainda a assunção
por parte do estafeta de qualquer dano ou perda que o produto possa vir a sofrer. Com estes
argumentos os estafetas/riders organizavam a sua própria atividade com total autonomia, sem
qualquer indício de subordinação.

No entanto, apesar de a presença no local de trabalho designado pelo empregador e o


cumprimento do horário fixo serem fortes indícios de uma relação laboral, não significa que o
mesmo não possa acontecer quando existe liberdade de horário e foi precisamente este o
entendimento do tribunal espanhol.

E é claro que com as novas formas de prestar serviço como o caso sub judice levantem
dificuldades acrescidas porque como bem diz João Leal Amado não existe um qualquer
“sobordinómetro” que nos permita dar uma resposta completamente certa 9, por isso é que é
tão importante ter em atenção não só os critérios jurisprudenciais, mas aplicá-los aos casos em
apreço, ou seja, à materialidade da relação.

Por último, concluiu o supremo e no nosso entendimento de forma bastante positiva e


fundamentada que a Glovo é uma empresa que recorre a motoristas que não possuem
organização empresarial própria e autónoma e que prestam o seu serviço inseridos na
organização de trabalho do empregador

Palavras-Chave -

9
Joao leal Amado ver isto!!
Na sequencia desta decisão, foi aprovado o Decreto Real com a Lei nº9/2021 que entrou em
vigor em 12/08/2021 com a qual foi reconhecido aos estafetas o status de trabalhadores
subordinados (frase minha). – APRESENTAÇÃO

este indício típico do trabalho subordinado foi incluído no artigo 12.ºA alínea b) do CT
especificando que o poder de direção pela plataforma digital diz respeito à forma de
apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à
prestação da sua atividade10.

Tema – Trabalhadores em plataformas digitais

Assunto – A uber e o supreme court britânico

Acórdão - Acórdão de 19 de fevereiro de 2021, do Supremo Tribunal do Reino Unido, Uber BV


and others (Appellants) v Aslam and others (Respondents), caso UKSC 2019/0029 11 disponível
em https://www.supremecourt.uk/cases/docs/uksc-2019-0029-judgment.pdf

Sumário

I. Os tribunais britânicos rejeitaram a tese de que os motoristas da uber devam ser


tidos como microempresários e classificou-os como autênticos “workers” da uber,
uma vez que os seus clientes são pessoas indicadas pela Uber.
II. No Reino Unido existe um estatuto intermédio que distingue trabalhadores de
“workers” que constituem uma figura intermédia entre os trabalhadores
subordinados e os prestadores de serviços.
III. A uber é uma empresa que explora um negócio de transportes, não sendo uma
mera plataforma digital que presta serviços de intermediação, é antes um
fornecedor desses serviços. Considerou ainda que os motoristas são verdadeira
mão de obra da empresa que fornece os seus serviços aos utilizadores e a partir
daí aufere lucros estando a par e em contacto direto com o mercado.

10
Neste sentido João Leal Amado critica a disposição por entender tratar-se de uma petição de princípio
considerando que o legislador poderia ter evitado a disposição, uma vez que nos termos do artigo 349º
do Código Civil uma presunção legal consiste numa ilação que a lei tira de um facto conhecido para
firmar um facto desconhecido. Assim sendo, se o prestador de atividade provar que a plataforma digital
exerce o poder de direção nada mais há a provar.
11
Este caso foi objeto de uma primeira sentença do Employment Tribunal de Londres, proferida em 28
de outubro de 2016.
IV. A remuneração paga aos motoristas é fixada pela plataforma e os motoristas nada
podem dizer sobre as tarifas e taxas cobradas aos clientes. Para além disso, as
condições contratuais em que os motoristas prestam o seu trabalho são ditadas
pela uber, condições estas que são impostas previamente nos acordos escritos
entre os motoristas e a empresa.
V. A uber exerce um controlo significativo sobre a atividade e serviço dos motoristas
através de sistemas de avaliação de desempenho e performance que podem
inclusive levar à sua desativação na plataforma12.
VI. As avaliações que são utilizadas pela uber através dos utilizadores são uma
ferramenta de controlo da performance do motorista e consistem numa clássica
forma de subordinação que é uma caraterística das relações laborais.
VII. A comunicação entre o motorista e o passageiro é restringida e apenas se permite
o indispensável para realizar o serviço de transporte. Inclusive são tomadas
medidas para impedir qualquer relação entre as partes como o pagamento e a
gestão de queixas que é feita unicamente pela plataforma, sendo também proibido
troca de dados pessoais entre o passageiro e o motorista.
VIII. Os motoristas são fungíveis, ou seja, qualquer pessoa pode facilmente substituí-los
na atividade que prestam e esta possibilidade não condiciona a verificação de uma
relação laboral13.
IX. Os motoristas não dependem do seu profissionalismo e técnicas/ferramentas
empresariais pelo que a única forma de aumentar os seus rendimentos é trabalhar
mais horas.
X. Desta forma, o serviço de transporte realizado pelos motoristas através da Uber é
controlado e definido pela mesma de forma muito estrita.

Comentário

Palavras-chave

(…)

12
Uma das formas de controlo passa por controlar a informação dada ao motoristas, sendo que este não
é informado do destino do passageiro até ser apanhado e a segunda forma de controlo é através da
monotorização da taxa de aceitação dos pedidos dos clientes – quando um motorista tem uma
percentagem de aceitações abaixo do nível definido pela Uber a sua conta fica fechada automaticamente
durante 10 minutos.
13
Também neste sentido o Ac. Supreme Court, de 13 de junho de 2018, Pimlico Plumbers Ltd, proc. UKSC
2017/0053, acessível em https://www.supremecourt.uk/cases/uksc-2017-0053.html
Pág 17 do meu word

Tema – Trabalhadores em plataformas digitais

Assunto – Caso O’Connor et al vs Uber Technologies Inc

Acórdão – Acórdão de 11 de março de 2015, United States District Court. Northern Discrict of
California, Douglas O’Connor v. Uber Technologies Inc C-13-3826 EMC. disponível em
https://onlabor.org/wp-content/uploads/2015/05/uber-order-1.pdf.

Sumário

I. Em causa está um pedido de reconhecimento da existência de um vinculo laboral


entre os demandantes e a Uber que impõe as proteções legais para funcionários
codificados no Código de Trabalho da Califórnia.
II. Os demandantes invocam que estão sujeitos a um controlo por parte da empresa
que explora a app e que a uber recebe o valor total cobrado por cada serviço
prestado aos clientes. A comissão ficava retida e só posteriormente procediam ao
pagamento ao motorista, o valor da comissão era unilateralmente estabelecido.
III. A uber entende ser apenas uma empresa de tecnologia que disponibiliza uma
plataforma digital que faz a ligação entre os motoristas e os passageiros, que existe
liberdade de escolha de horário, que não controla de forma alguma o modo de
prestação do serviço pelos motoristas e que os mesmos têm os seus próprios
veículos.
IV. O modelo de negócio da uber não teria qualquer viabilidade sem os motoristas e
os lucros que a empresa aufere advém das viagens que são prestadas pelos
motoristas tal como acontece com os motoristas de táxi da Yellow Cab
Cooperative, os motoristas fornecem um serviço indispensável.
V. A uber exerce um controle substancial sobre a qualificação e seleção dos
motoristas que trabalham para a empresa, estando sujeitos a avaliações
constantes que podem resultar na perda de remuneração e desativação da conta.
VI. Os aspirantes a motoristas devem primeiro concluir o processo de inscrição da
Uber que inclui a verificação de antecedentes, exame de conhecimento da cidade
onde vão prestar serviços, inspeção de veículos e entrevista pessoal o que constitui
para o tribunal uma forma de controle.
VII. Os serviços à Uber prestados pelos motoristas são presumivelmente
trabalhadores14, mas fica a decisão a cabo do júri.

Comentário

Palavras-Chave

Tema – Trabalhadores em plataformas digitais

Assunto – Caso do Tribunal de Milão

Acórdão – Acórdão de 28 de setembro, do Tribunal de Trabalho de Milão, pronúncia n.


6979/2023 disponível em
https://www.bollettinoadapt.it/wp-content/uploads/2023/10/20230928_Trib-Milano.pdf

Sumário

I. Em causa está um recurso interposto em 14/07/2023 onde as organizações


sindicais processaram a Uber Eats Italia pela cessação de 4.000 vínculos laborais de
riders, o incumprimento do procedimento de consulta previsto na legislação
conhecida como “anti-deslocalizações” (Lei nº234/2021) e omissão do
procedimento de informação e consulta a propósito dos despedimentos coletivos.
II. Discute-se a problemática da qualificação do estatuto dos riders sendo que a
empresa demandada foi condenada à revogação de todas as demissões impostas e
à instauração dos procedimentos de discussão sindical referidos na Lei
nº234/2021.
III. Em matéria de plataformas de trabalho, para além das fronteiras nacionais,
prevalece a orientação a favor do reconhecimento do estatuto laboral do
trabalhador.

14
Neste sentido Yellow Cab Coop. Inc. v. Worker’s Comp. Appeals Bd., 226 Cal. App. 3d 1288, 1294 (1991)
onde o tribunal explica que de acordo com a lei da Califórnia existe uma presunção de que um prestador
de serviços é considerado um funcionário a menos que o diretor prove afirmativamente o contrário.
Acórdão disponível em https://law.justia.com/cases/california/court-of-appeal/3d/226/1288.html
IV. Na área das relações contratuais de trabalho o princípio da autonomia coletiva
permite ditar disposições restritivas de competição, no conjunto de relações de
trabalho caraterizadas não tanto pela mera dependência económica mas sim uma
dependência organizacional.
V. O tribunal recorda a recente jurisprudência da União que no acórdão do TJUE de
22 de abril de 2020, C-692/19, B. v. Yodel Rede de Entrega Ltda considera que “o
que é relevante é a atitude concreta da relação, independentemente da
qualificação formal dada por as partes do contrato estipulado, para que as
prestações do trabalho subordinado possam ser aplicadas em todas os casos em
que a autonomia do prestador é meramente fictícia”.
VI. Com base nos dados documentais anexados pelas partes as caraterísticas da
relação na sua implementação dinâmica dos passageiros com contas ativas na
plataforma digital da empresa a partir de 14 de junho de 2023 conclui-se que os
métodos concretos com que a atividade dos transportadores parece ter sido
desenvolvida integram os pré-requisitos para o reconhecimento de uma relação
laboral entra a empresa Uber Eats Italy Srl e os passageiros.
VII. O passageiro selecionado para entrega foi automaticamente indicado pela
plataforma digital, a indicação do percurso e o cálculo da tarifa foram também
automáticos.
VIII. A plataforma digital, por meio de sistema de geolocalização, monitorou a posição
do motorista durante todo o curso da atividade laboral.
IX. Foram impostas regras de conduta aos motoristas, sob pena de desativação da
conta.
X. O comportamento dos motoristas, mesmo que realizados fora do aplicativo, era
constantemente monitorizado pela empresa que os proibia de enviar mensagens
de texto, telefonar, visitar ou tentar encontrar-se com alguém
XI. O tribunal considera estar-se verdadeiramente perante uma relação de trabalho
altamente restrita o que implicou a revogação de todas as demissões, assim como
a obrigação de seguir o procedimento correto para os trabalhadores a propósito
dos despedimentos coletivos15

Comentário

15
Em sentido contrário o acórdão do Tribunal de Torino de 7 de maio de 2018, n. 778 que exclui a
subordinação justamente pelo facto de os motoristas terem liberdade de escolher se e quando trabalhar,
disponível em https://www.bollettinoadapt.it/wp-content/uploads/2018/05/7782018.pdf
O tribunal considerou e concluiu que o algoritmo exercia um controle generalizado sobre a
atividade desenvolvida pelo indivíduo com a consequência de que era portanto um trabalho
altamente restrito.

O acórdão também reconheceu uma nova erosão da liberdade do rider na fase de espera –
os métodos de atribuição de tarefas por o algoritmo e, portanto, pelo empregador obrigou-
os a estarem sempre à disposição do empregador no período de tempo anterior à cedência,
ligando-se à plataforma com um telemóvel carregado » e isto significa que o tempo de
trabalho não só não dependia do estafeta como também havia um tempo variável e longo
em que este deveria estar a trabalhar e tinha que colocar a sua energia e disposição para o
empregador monitorizar constantemente o smartphone para aceitar pedidos de entrega
assim que apresentados » isto concretiza-se numa obrigação contínua de disponibilidade
para o trabalho por parte do prestador o que constitui um indício irrefutável de
subordinação

A decisão concluiu pela natureza de trabalhadores subordinados

Palavras-chave

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