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EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO DO TRIBUNAL

SUPERIOR DO TRABALHO

Processo nº XXXXXXX-XX.2023.5.10.0000

EMENGARDA, já qualificada nos autos da reclamação


trabalhista em epígrafe, que promove em desfavor de XYZ, vem
respeitosamente à presença de Vossa Excelência, oferecer
MEMORIAIS, considerando a complexidade da matéria e reduzido
tempo de sustentação oral.
Trata-se de recurso recebido por efetivamente demonstrados
os pressupostos extrínsecos, o prequestionamento e a
transcendência da matéria.

SÍNTESE DA PRESENTE DEMANDA

Pode-se dizer em síntese que, o feito versa sobre situações


injustas e ilegais relativas ao reconhecimento do vínculo
empregatício da reclamante e que são merecedoras de apreciação
por Vossa Excelência, por uma questão de direito e de justiça, veja-
se:

I – Contexto tecnológico contemporâneo


A resolução da demanda atual requer uma análise cuidadosa
das novas formas complexas de contratação de trabalho, que diferem
do sistema tradicional de emprego e controle, e agora estão sendo
desenvolvidas por meio de plataformas digitais, softwares e produtos
similares. Essas ferramentas são criadas e gerenciadas por grandes
empresas multinacionais e nacionais, impulsionadas pela informática
e internet.
Ponto de vista que entra em concordância com o julgado similar
ao caso nos autos da 14ª Turma do TRT da 2ª Região que declarou,
por maioria, vínculo empregatício entre um motorista e a empresa de
transporte por aplicativo:
Para fundamentar o julgado, o desembargador-
relator Francisco Ferreira Jorge Neto disse: “O caso
sob análise foge à tradicional correlação
socioeconômica empregador-empregado, de origem
fabril, matiz da definição jurídica do vínculo
empregatício, em especial no que se refere à
subordinação. Dada às novas características de
trabalho da era digital em que o empregado não está
mais no estabelecimento do empregador, a clássica
subordinação por meio da direção direta do
empregador, representado por seus prepostos da
cadeia hierárquica, é dissolvida”, explica o
desembargador.

Isso deu origem a um sistema empresarial de plataformas


digitais de acesso público, permitindo uma nova maneira de recrutar
mão de obra, ocorrendo diretamente através desses aplicativos.
Essas plataformas organizam, direcionam, fiscalizam e garantem a
qualidade dos serviços prestados aos clientes finais.
Essa nova estrutura facilitou a prestação de serviços ao
público, seja por indivíduos ou instituições. Grandes corporações
também a veem como uma oportunidade para reduzir custos e
aumentar a eficiência produtiva.
A OIT explica a importância dos algoritmos neste modelo
empresarial:
“A gestão algorítmica dos trabalhadores é
fundamental para o modelo de negócio das
plataformas. As plataformas fornecem uma variedade
de ferramentas de software e hardware para facilitar
o processo de trabalho, monitorizar os trabalhadores
e permitir a comunicação entre os clientes e os
trabalhadores da plataforma. Estas incluem a
monitorização de trabalhadores em plataformas
baseadas na localização utilizando o Sistema de
Posicionamento Global, e ferramentas que obtêm
automaticamente capturas de ecrã ou toques nas
teclas em plataformas baseadas na internet. Além
disso, os algoritmos analisam, avaliam e classificam
o desempenho e o comportamento dos trabalhadores
da plataforma utilizando uma série de métricas, tais
como os comentários” (OIT, op. cit.).

E é de suma importância notar que esse modelo organizacional


só seria economicamente viável devido à mão de obra fornecida por
ele ao público-alvo desejado.
A reclamada é, formalmente, uma empresa de tecnologia, e não
de transporte de passageiros. Mas é indubitável dizer que ela exerce
atividade de transporte de passageiros. A tecnologia por ela utilizada
é somente um mecanismo para a prestação de seus serviços.
Aqui não estamos falando de uma legítima empresa de
compartilhamento de serviços. Estamos lidando com um sistema
digital empresarial que, por meio de algoritmos avançados, explora
intensivamente a mão de obra para fornecer transporte imediato a
pessoas e bens.
Ou seja: tecnologia não é responsável pela deterioração das
condições de trabalho; pelo contrário, ela é usada como um meio de
promover ideologias econômicas, resultando na criação de 'novas'
formas de emprego que carecem de proteção social básica.
O enquadramento legal do trabalho deve considerar a
realidade, independentemente da forma adotada pela empresa.
Embora a empresa use tecnologia em suas operações, ela está
envolvida na prestação direta de serviços de transporte, não apenas
na conexão entre usuários e motoristas do aplicativo.

II – Pessoalidade

Seguimos à grande discussão neste processo que é sobre os


fatores que configurem o vínculo empregatício estipulados pelo art.
3º da CLT neste caso.
Sobre a pessoalidade, é fundamental que se estabeleça uma
relação de emprego onde o trabalho realizado por uma pessoa tenha
um caráter essencialmente não substituível pelo trabalhador, ou seja,
nesse contexto, o prestador de serviços não pode ser substituído por
outro indivíduo durante a execução do trabalho acordado.
Esta explicação, inclusive, segue a linha de pensamento do
ilustríssimo doutrinador Sérgio Pinto Martins, que leciona, que:

A prestação de serviço deve ser feita pelo


empregado com pessoalidade ao empregador. O
contrato de trabalho é feito com certa pessoa, daí se
dizer que é ituitu personae. O empregador conta
com certa pessoa específica para lhe prestar
serviços. Se o empregado faz-se substituir
constantemente por outra pessoa, como por um
parente, inexiste o elemento pessoalidade na
referida relação. (Comentários à CLT, Sérgio Pinto
Martins, 15ª edição, Editora Atlas, pág. 17.)

Nesta linha segue o entendimento dos tribunais:

TRT-04 (Rio Grande do Sul)


“RELAÇÃO DE EMPREGO. INEXISTÊNCIA. É da
essência do contrato de trabalho a existência de um
estado de dependência jurídica em que permanece o
trabalhador, do qual decorrem o poder de comando e
direção do empregador e a consequente obrigação
do empregado de submeter-se às ordens recebidas.
Dos aspectos fáticos que resultam da prova oral não
há como se concluir tenha o autor desenvolvido as
suas atividades sob a direção e o comando da
reclamada, tampouco com a pessoalidade
indispensável à caracterização da relação de
emprego.” (TRT-RS 0000275-31.2010.5.04.0302 – 4ª
Turma – Origem: 02ª Vara do Trabalho de Nova
Hamburgo/RS – Recorrente: João Irineu Ferreira–
Recorrido: Grupo Editorial Sinos S. A. )

No caso em questão, é incontestável que o trabalho de conduzir


veículos e fornecer serviços de transporte, conforme as regras
estabelecidas pela empresa de plataforma digital, foi desempenhado
pelo Reclamante. A pessoalidade é evidente, já que o Reclamante
teve que se cadastrar individualmente na empresa, fornecendo
informações pessoais e bancárias. Além disso, durante o trabalho, foi
sujeito a avaliações individuais pelos clientes e pela empresa, que
controlava a qualidade dos serviços prestados. Esses pontos deixam
claro que o Reclamante tinha a obrigação pessoal de prestar serviços
à empresa Reclamada.

III - Onerosidade

No que diz respeito à onerosidade, este é o aspecto prático e


legal da relação de emprego que se refere à ideia de uma
contrapartida econômica fornecida ao trabalhador em troca do seu
trabalho para o empregador ou cliente.
Elucida sabiamente Sérgio Pinto Martins que:
“O empregador recebe a prestação de serviços por
parte do empregado. Em contrapartida, deve pagar
um valor pelos serviços que receber daquela pessoa.
Se a prestação for gratuita, como a do filho que lava
o veículo do pai, não haverá a condição de
empregado do primeiro. O padre não é empregado da
Igreja, pois, apesar de estar subordinado a uma
hierarquia, não recebe nenhum valor da Igreja pelo
trabalho que faz.” (Comentários à CLT, Sérgio Pinto
Martins, 15ª edição, Editora Atlas, pág. 17.), ou seja,
havendo a execução de trabalho mediante a troca por
pecuniária, prevalecerá a característica onerosa da
relação.

Nesta linha, entende-se, portanto, que é impossível o


reconhecimento da relação de emprego se nunca houve
contraprestação pecuniária ao trabalho desempenhado por
determinada pessoa. Instrui Amauri Mascaro Nascimento que:
“Conclua-se, portanto, que a onerosidade implica na
reciprocidade de ônus a que estão sujeitas as partes
do contrato de trabalho, essenciais para a sua
existência, tanto assim que, se o salário não for pago
pelo empregador nas condições legais e contratuais
e se o trabalhador não prestar a sua atividade nos
termos em que deve fazê-lo, pode ser rescindido o
contrato, pela inexistência mesma de requisito
fundamental de seu desenvolvimento”. (Curso de
Direito do Trabalho, Amauri Mascaro Nascimento, 24ª
edição, revista, atualizada e ampliada, Editora
Saraiva, pág 621).
No caso em questão, a natureza remunerada do trabalho
realizado é evidenciada pelo método de pagamento adotado pela
Reclamada. Eles operavam em um sistema no qual
aproximadamente 70/80% do valor pago pelos passageiros ou
clientes era repassado à empresa através da plataforma digital
(aplicativo) como compensação pelos serviços prestados.

IV - Não eventualidade
Além da pessoalidade e onerosidade, é necessário também a
não eventualidade para que haja relação empregatícia, ou seja, que
o trabalho seja prestado em caráter de permanência (ainda que por
um curto período determinado), não se qualificando como trabalho
esporádico.

Conforme ensina o doutrinador Maurício Godinho Delgado, há


diversas teorias que tentam explicar o trabalho eventual:

Teoria da Descontinuidade – Habitualidade X


Continuidade: não há expectativa de trabalho com
reiteração ao longo do tempo.
Teoria do Evento: o trabalhador é necessário apenas
para um evento específico, não sendo necessário
para a continuidade da produção.
Teoria dos fins do empreendimento: o trabalhador
prestará um serviço não relacionado com a atividade
fim do empreendimento, não sendo necessário para
sua continuidade
Teoria da fixação jurídica ao tomador de serviço: o
trabalhador não possui uma relação jurídica fixa com
o tomador de serviço, prestando seu trabalho para
diversos tomadores ao longo do tempo.

Ele também apresenta outras características do trabalho eventual:

a) descontinuidade da prestação do trabalho,


entendida como a não permanência em uma
organização com ânimo definitivo;
b) não fixação jurídica a uma única fonte de trabalho,
com pluralidade variável de tomadores de serviços;
c) curta duração do trabalho prestado;
d) natureza do trabalho vinculada a evento certo,
determinado e episódico quanto à regular dinâmica
do empreendimento do tomador dos serviços;
e) ademais, a natureza do trabalho também não
seria afinada aos fins normais do empreendimento
(DELGADO, Mauricio Godinho Curso de direito do
trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da
reforma trabalhista e inovações normativas e
jurisprudenciais posteriores —Mauricio Godinho
Delgado. — 18. ed.— São Paulo: LTr, 2019 – ISBN
978-85-361-9973-3)

Segundo a conclusão da juíza Valdete Souto Severo, titular da 4ª


Vara do Trabalho de Porto Alegre:
(...) apesar da Uber alegar que os trabalhadores são
autônomos porque podem aceitar ou não o serviço e
escolher os horários de trabalho, na prática isso não
ocorre, já que a empresa, por meio do aplicativo, fixa
parâmetros e aplica punições de acordo com o
tempo em que o trabalhador está "on-line". A
julgadora observou que o chamado "tempo de
volante" está diretamente associado a promoções e
possibilidade de maiores ganhos na plataforma. "Se
o trabalhador não tiver o tempo ao volante
determinado pela empregadora, não participará (ao
menos em condição de igualdade com aqueles que
seguiram o direcionamento dado) das promoções",
apontou.

No caso em questão, fica evidente que o trabalho do


Reclamante fazia parte das atividades essenciais da empresa e não
apresentava características transitórias ou específicas na prestação
dos serviços. Não era considerado eventual à luz da teoria do evento,
pois não estava ligado a uma obra ou serviço específico decorrente
de eventos casuais ou fortuitos.
No entanto, é importante notar que no caso dos autos, o
trabalho foi realizado de forma contínua todos os dias. A Reclamada
tinha total controle sobre o tempo do Reclamante, não havendo
evidências no acórdão regional que indiquem que o trabalho foi
ocasional ou esporádico. Por exemplo, não há informações que
sugiram que o Reclamante tenha se conectado ao aplicativo digital
apenas de forma pontual ou dispersa ao longo desses quase dois
meses.
Além disso, é importante observar que a quantidade de horas
trabalhadas não influencia o reconhecimento do contrato de trabalho,
mas determina se o trabalhador se enquadra ou não nas disposições
do Capítulo da CLT que trata da jornada de trabalho.

V - Subordinação
Finalmente, a subordinação. É importante notar que, embora o
contrato de trabalho seja resultado da interação de vários elementos
fáticos e legais, a subordinação se destaca como o elemento mais
crucial na determinação do tipo legal da relação empregatícia. Amauri
Mascaro Nascimento instrui dizendo:
“Conceituamos subordinação como uma
situação em que se encontra o trabalhador,
decorrente da limitação contratual da autonomia da
sua vontade, para o fim de transferir ao empregador
o poder de direção sobre a atividade que
desempenhará” (Iniciação ao Direito do Trabalho,
Amauri Mascaro Nascimento. 38º edição, São Paulo
LTR 2013, pag 174).

A subordinação representa o polo oposto e interligado do poder


de supervisão dentro do cenário da relação de emprego. Trata-se da
condição legal resultante do contrato de trabalho, em que o
empregado concorda em aceitar a autoridade gerencial da empresa
na forma como executa seu trabalho.
Neste sentido, conceitua Maurício Godinho Delgado:
“Para esta nova compreensão do fenômeno
subordinativo (teoria da subordinação estrutural),
revela-se estrutural a subordinação que se manifeste
pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador
de seus serviços, independentemente de o obreiro
receber (ou não) ordens diretas desse tomador ou de
suas chefias, porém acolhendo, estruturalmente, sua
dinâmica de organização e de funcionamento”
(DELGADO, 2015).

A subordinação estrutural não é a única teoria expansionista do


Direito do Trabalho. A outra, utilizada em conjunto com a estrutural é
a chamada subordinação objetiva. Ela é conceituada por Maurício
Godinho Delgado como:
A subordinação objetiva, em vez de se
manifestar pela intensidade de comandos
empresariais sobre o trabalhador (conceito clássico
da subordinação), desponta da simples integração da
atividade laborativa obreira nos fins da empresa.
Mediante essa compreensão do fenômeno
subordinativo, já se reduziu a relevância da
intensidade das ordens em sua configuração,
substituindo o critério tradicional pela ideia de
integração aos objetivos empresariais (DELGADO,
2015).

Uma crítica contundente ao instituto foi formulada pela


doutrinadora Alice Monteiro de Barros:
O problema central deste critério consiste em
saber o que é “organização” ou “integração”. Há quem
interprete organização como empresa ou negócio e
outros afirmam que a organização é constituída por
uma série de fatores ou indícios que, reunidos,
poderão comprovar a integração do trabalhador na
empresa; em última análise, esse critério, segundo
alguns autores, nada acrescenta de substancial ao
critério do controle (BARROS, 2004).

A partir desses conceitos, a compreensão moderna e ampliada


da subordinação foi reconhecida tanto pela doutrina quanto pela
jurisprudência e foi incorporada pelo legislador, como visto na Lei n.
12.551, de 15.12.2011, que atualizou o art. 6º da CLT. Esta lei
introduziu conceitos como subordinação objetiva e subordinação
estrutural, equiparando-os à subordinação tradicional para
reconhecimento da relação de emprego. Essa equiparação inclui
profissionais que trabalham remotamente, sendo supervisionados
por meios telemáticos e informatizados.
Além disso, surge uma nova dimensão da subordinação,
chamada subordinação algorítmica, relevante em contextos
empresariais modernos, onde algoritmos monitoram detalhadamente
as atividades dos trabalhadores. Daniela Reis e Eugênio Corassa
(2017) argumentam que:
“O controle de atividade e a sujeição do
trabalhador, malgrado submetidos a operações
maquinizadas, vinculadas a algoritmos, não estão
ausentes, embora de certo modo ocultos. Sob o véu
da autonomia, esse tipo de relação procura
obstaculizar a formação e a verificação dos vínculos
existentes no processo, relegando a um espaço
distante a mera menção a uma relação empregatícia.
Há, no entanto, evidente intervenção empresarial. As
empresas mantêm controle considerável dos
processos e produtos. Se, por um lado, o trabalhador
pode decidir se conectar, essa liberdade, na verdade,
se contradiz pela necessidade de renda. Por outro
lado, ainda que existente alguma liberdade, ela é
mitigada, na medida em que submetida a uma forma
de subordinação peculiar, controlada por algoritmos.”

É claro que o trabalhador não é subordinado de uma mera


fórmula matemática, mas essa fórmula é utilizada pela empresa
como meio para aplicar a subordinação.
A Uber incorpora suas estratégias de gestão no algoritmo, que
é então armazenado em seu código-fonte.
Nos autos, fica evidente que a Empresa controlava o trabalho
do Reclamante, exercendo direção total sobre a atividade e a forma
como o serviço era prestado. Isso configura subordinação em várias
dimensões:
a) Subordinação objetiva: O trabalho estava totalmente alinhado com
os objetivos da empresa.
b) Subordinação estrutural: O Reclamante estava inteiramente
inserido na dinâmica e cultura organizacional da Empresa.
c) Subordinação algorítmica: A Empresa utilizava ferramentas
computadorizadas e de inteligência artificial para um controle
minucioso sobre a prestação dos serviços de transporte.
VI - Conclusão
O Reclamante trabalhava diariamente, recebia ordens remotas,
estava sujeito a sanções por falta de assiduidade e não tinha
liberdade para definir preços ou escolher passageiros. Não tinha
controle sobre a organização da atividade empresarial, evidenciando
a clara manifestação do poder empregatício na relação de trabalho.

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