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A Relevância Do Direito À Negociação Coletiva e Do Direito À Greve No Quadro Dos Trabalhadores Autónomos Economicamente Dependentes
A Relevância Do Direito À Negociação Coletiva e Do Direito À Greve No Quadro Dos Trabalhadores Autónomos Economicamente Dependentes
2016230129
JUNHO, 2022
ÍNDICE
ABREVIATURAS E SIGLAS........................................................................................3
INTRODUÇÃO...............................................................................................................4
CONCLUSÃO................................................................................................................29
BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................30
2
ABREVIATURAS E SIGLAS
Ac. – Acórdão
Al. – Alínea
Art(s).º – Artigo(s)
CC – Código Civil
Cfr. – Conforme
Cit. – Citação
CT – Código do Trabalho
N.º – Número
P(p). – página(s)
Proc. – processo
UE – União Europeia
3
Vd. – vide
INTRODUÇÃO
O fenómeno da uberização do trabalho1 é uma tendência laboral relativamente
recente que se traduz na mercantilização e flexibilização total de serviços prestados
através de plataformas digitais. Estes serviços são prestados por trabalhadores que,
através da celebração de contratos com a plataforma, passam a exercem a sua atividade
laboral, atividade esta que, por força do fenómeno da uberização, assume contornos
muito particulares e complexos. É seguro afirmar que esta forma de trabalho é
completamente distinta daquela dita comum, onde o trabalhador tem um contrato de
trabalho subordinado e exerce a sua atividade nas instalações da empresa com horários e
funções determinadas pelo empregador.
4
conseguinte, na prossecução de mais dignidade no trabalho – ideais, a nosso ver, ainda
por cumprir no âmbito dos trabalhadores das plataformas digitais.
5
Neste sentido vd., XAVIER, Mario Sergio Dias/ SBIZERA, José Alexandre Ricciardi (2021) – A
Uberização do Trabalho Humano diante dos Princípios Formadores do Direito do Trabalho e das
Decisões do Tribunal Superior do Trabalho in Conpendi Law Review, Evento Virtual, v. 7, n.1, pp. 76-
79. Disponível em https://www.indexlaw.org/index.php/conpedireview/article/viewFile/7812/pdf .
Consultado a 02.04.2022.
6
Cfr. SILVA, Juliana Coelho Tavares/ CECATO, Maria Áurea Baroni (2017) – A uberização da relação
individual de trabalho na era digital e o direito do trabalho brasileiro, in Cadernos de Dereito Actual Nº 7
Extraordinario, cit. p. 259.
7
Vd., TELLES, Rudy Jr. (2016) – “Digital matching firms: a new definition in the “sharing economy”
space”, in U.S. Department of Commerce Economics and Statistics Administration Office of the Chief
Economist, p.1.
5
que prestam8 e o modo de trabalho dos seus motoristas/estafetas – modo de trabalho este
profundamente marcado pelo fenómeno da uberização do trabalho.
8
Todas fornecem serviços semelhantes via plataformas digitais, assim sendo, o uso das TICs é
impreterível no exercício da sua atividade.
9
Cfr. CASILLI, Antonio A. (2018) – Trabajo, conocimiento y vigilancia: 5 ensayos sobre tecnologia in
Editorial del Estado Plurinacional de Bolivia, p. 16. Disponível em https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-
02173185/document . Consultado a 10.04.2022.
10
No caso da Uber, o pagamento é feito semanalmente – condições completas disponíveis em
www.uber.com .
11
A taxa pertencente à empresa é também fixada unilateralmente por si, não sendo negociável.
6
Relativamente às condições contratuais, estas são colocadas (impostas) aos que
se candidatam para trabalhar na plataforma, não sendo negociáveis. De um modo geral,
uma pessoa que preencha todos os requisitos pedidos pela empresa e inicie atividade
fica sujeito às seguintes condições de trabalho: utiliza o seu próprio veículo na execução
da tarefa; escolhe “livremente”12 o seu horário de trabalho e os clientes que pretende
atender; arca com os riscos inerentes à atividade; não tem direito a subsídios, seguros 13,
folgas ou férias14; ficam sujeitos a esforço físico intenso, intempéries extremas, assédio
verbal e possivelmente físico e o salário auferido pode (e na maioria das vezes fica
mesmo) abaixo do salário mínimo.
12
Esta “liberdade de escolha”, na senda de JOÃO LEAL AMADO, é meramente aparente uma vez que,
como já mencionado, ao negar-se a realizar viagens e entregas, o trabalhador muito certamente será
penalizado, seja por poucas ou más avaliações, seja pela desativação da sua conta na plataforma. Neste
sentido ver AMADO, João Leal (2016) – Contrato de Trabalho, Noções Básicas, Almedina: Coimbra, p.
143.
13
Pese embora a Uber possua acordos com seguradoras privadas, às quais o candidato a motorista ou
estafeta pode aderir. É uma situação que certamente não é tão vantajosa quanto aquela experienciada nos
contratos de trabalho subordinados.
14
Entenda-se que estes direitos não são garantidos aos trabalhadores da Uber e plataformas análogas
como são para os trabalhadores dependentes, uma vez que não beneficiam os mínimos exigidos por lei,
cfr. os arts.º 232.º, 238.º, 263.º, 264.º, 266.º do CT.
15
Cfr. SIGNES, Adrián Todolí (2015) – “El impacto de la “Uber economy” en las relaciones laborales:
los efectos de lasplataformas virtuales en el contrato de trabajo”, IUSlabor 3/2015, pp. 5-6. Disponível
em https://www.upf.edu/documents/3885005/3891266/Todoli.pdf/051aa745-0eea-42af-921f-
dd20a7ebcf2c . Consultado a 08.04.2022. O nome deste livro de sugestões costumava ser “Manual do
Condutor” pelo que hoje é designado no site da Uber como “Orientações da Comunidade Uber”.
16
Cfr. SIGNES, Adrián Todolí (2015) – “El impacto de la “Uber economy” en las relaciones laborales:
los efectos de lasplataformas virtuales en el contrato de trabajo”, IUSlabor 3/2015, p. 7. Disponível em
https://www.upf.edu/documents/3885005/3891266/Todoli.pdf/051aa745-0eea-42af-921f-dd20a7ebcf2c .
Consultado a 08.04.2022.
17
A empresa chega mesmo a esclarecer esta questão de forma expressa nos seus termos e condições.
Disponível em m https://www.uber.com/legal/terms/pt/.
7
empregadores, isto porque, devido à escassa reflexão e legislação nesse sentido, acaba
por ser potenciador de um ambiente mais livre das “amarras” da lei laboral 18. Neste
modelo de negócio, os riscos inerentes à atividade são transferidos (quase) por completo
ao agente encarregado de a concretizar, acometendo-se os benefícios – o lucro – (quase)
inteiramente à empresa.
18
Falamos aqui do fenómeno da Fuga ao Direito do Trabalho que será explorada de forma mais
pormenorizada no ponto 1.2.1. do presente relatório.
19
Expressão retirada de ROSENBLAT, Alex/ STARK, Luke (2016) – Algorithmic Labor and
Information Asymmetries: A case Study of Uber’s Drivers in International Journal of Communication 10,
p. 3763. Disponível em https://deliverypdf.ssrn.com/delivery.php?
ID=833004024029080110111070113120113030102056089014095061075097087117075092111086008
0280280970230290261270331250650260000311230300420420330650230260661030890280830660740
3707600503100209501009512102707602408600100209606612602509702601500010309908000408311
0&EXT=pdf&INDEX=TRUE. Consultado a 12.05.2022.
20
A própria Uber, no seu site oficial, faz uso do termo “be your own boss”, em português “sê o teu
próprio chefe”, como lema de recrutamento de novos funcionários.
21
Note-se que para ter estes direitos na sua esfera pessoal o indivíduo tem de ser considerado trabalhador
uma vez que estamos em sede de direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores.
8
1.2. Natureza do Contrato Uber: A problemática da visão
tradicional de contrato de trabalho no contexto do
trabalho digital
1.2.1. Elementos do contrato de trabalho e problemática do conceito
de subordinação jurídica
Para conseguir encontrar resposta relativa à natureza dos contratos celebrados
entre os trabalhadores das plataformas digitais e as empresas donas dessas plataformas,
é necessário, antes de mais, explanar as características do contrato de trabalho.
Sabemos que nem todas as atividades exercidas por uma pessoa a outrem
configuram necessariamente uma relação laboral, daí a importância de enumerar os
principais elementos do contrato de trabalho de modo a averiguarmos a natureza da
relação em apreço – entre estes motoristas/estafetas e as empresas digitais.
9
por um lado, no exercício de poderes de direção e disciplinar por parte da entidade
empregadora, e por outro, no dever de obediência que recai sobre o trabalhador. Esta é a
marca distintiva dos contratos de trabalho subordinados ou dependentes – são os
contratos ditos “clássicos”, pois são eles que estão na base do Direito do Trabalho25.
10
Com efeito, este é um velho problema que o ramo jurídico do trabalho enfrenta,
tanto é que o fenómeno em causa é já bem conhecido por fuga ao direito do trabalho.
Em causa estão as situações em que é celebrado um falso contrato de prestação de
serviços30, onde o trabalhador é encarado juridicamente como independente 31, como
forma do empregador se desresponsabilizar das obrigações que lhe competiriam em
sede de vínculo laboral subordinado. Neste sentido JOANA NUNES VICENTE dispõe
que, nestes casos, “opera-se uma deslaborização do vínculo laboral […] tendo por
objetivo a desresponsabilização do empregador e a subtração a tutela laboral.” 32. Ora,
nos contratos que constituem objeto deste relatório, e um pouco por todas as novas
formas de prestação de trabalho (em especial as digitais), este fenómeno tem ganhado
espaço pelas diversas vantagens33 que traz ao empregador.
Como facilmente se compreende esta prática é ilegal 34, uma vez que as
condições reais da prestação da atividade, alvo do contrato, indicam a existência de um
vínculo de subordinação, mas devido ao nomen iuris que as partes escolhem para o
contrato, não vêm acompanhadas da tutela que a lei fornece a esses casos.
30
Definido no art.º 1154.º do CC como “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra
certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”. Nos contratos de
prestação de serviços o trabalhador é considerado independente ou autónomo uma vez que nestes
contratos, em vez de subordinação jurídica, o beneficiário do serviço usufrui apenas da capacidade de
emitir algumas instruções genéricas, não podendo recorrer ao poder de direção e ao poder disciplinar
como se de um contrato subordinado se tratasse, nesta lógica vd., AMADO, João Leal (2016) – Contrato
de Trabalho, Noções Básicas, Almedina: Coimbra, pp. 52-53.
31
E por não acede aos direitos que assistem em especial os trabalhadores dependentes.
32
VICENTE, Joana Nunes (2008) – A fuga à relação de trabalho (típica): em torno da dissimulação e da
fraude à lei, Coimbra Editora.
33
A título de exemplo, a possibilidade de livre despedimento.
34
Cfr. dispõe o n.º 2 do art. 12.º do CT.
35
Esta ideia advém da expressão “se verifiquem algumas das características” plasmado no n.º 1 do art.º
12.º do CT.
36
Ac. TRC, de 13.02.2015, relator Azevedo Mendes (proc. n.º 182/14.4TTGRD.C1): “a presunção
prevista no art. 12.º do Código do Trabalho basta-se (...) com a verificação de dois dos
indícios/características apontados.”.
11
empregador que deve demonstrar que, pese embora a presença dessas componentes, a
concreta relação não se afigura como subordinada.
Isto posto, tem sido defendido por grande parte da doutrina 37 que, mais do que
atender aos indícios expressamente mencionados no art.º 12.º, é necessário dar especial
atenção à presença de possíveis condutas indicadoras da existência do poder de direção,
tais como a submissão do trabalhador a horários e local de trabalho determinados pelo
empregador bem como a obediência do primeiro a ordens e à disciplina deste último.
Ademais, destacam também a exigência de avaliar as situações casuisticamente 38,
atendendo ao valor e à intensidade que cada elemento pode assumir na situação
concreta3940.
37
A título de exemplo vd., AMADO, João Leal/ ROUXINOL, Milena (2014) – S.T.J. Acórdão de 20 de
Novembro de 2013 (A partitura da subordinação jurídica) in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano
143.º, n.º 3985, Coimbra Editora, Coimbra, p. 279.
38
Neste sentido, a Comissão Europeia afirmou que “a questão de saber se existe ou não uma relação de
trabalho tem de ser apreciada caso a caso, tendo em conta as circunstâncias de facto que caracterizam a
relação entre a plataforma e o prestador de serviços subjacentes e o desempenho das funções em causa,
com base, cumulativamente, em três critérios essenciais: existência de um laço de subordinação;
natureza do trabalho; e existência de uma remuneração”, cfr., COMISSÃO EUROPEIA (2016) –
Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social
Europeu e ao Comité das Regiões: Uma Agenda Europeia para a Economia Colaborativa, Bruxelas,
cit.pp. 13-14. Disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?
uri=CELEX:52016DC0356&from=DA .Consultado a 20.05.2022.
39
A doutrina brasileira, no que respeita a esta problemática, destaca o “princípio da primazia da
realidade”, afirmando que os vínculos jurídico-laborais serão delimitados pela situação de facto e não
pelo seu nomen iuris. A este propósito vd., AMADO, João Leal/ MOREIRA, Teresa Coelho (2019) – A
lei portuguesa sobre o transporte de passageiros a partir de plataforma eletrónica: sujeitos, relações e
presunções in Labour & Law Issues, vol. 5, no. 1, p. 57.
40
Cfr. SIGNES, Adrián Todolí (2015) – “El impacto de la “Uber economy” en las relaciones laborales:
los efectos de lasplataformas virtuales en el contrato de trabajo”, IUSlabor 3/2015, p. 122. Disponível em
https://www.upf.edu/documents/3885005/3891266/Todoli.pdf/051aa745-0eea-42af-921f-dd20a7ebcf2c .
12
Acresce a esta figura, o poder que a plataforma tem de pura e simplesmente
excluir a conta do trabalhador, situação que em muito se aproxima de um ato de livre
despedimento, e que é utilizada, ainda que não expressamente, como um mecanismo
punitivo41, apresentando assim uma configuração análoga à do poder disciplinar.
41
Quase numa lógica de “se não fizeres isto, terás estas consequências”.
42
Neste sentido vd., Ac. TRC, de 13.11.2019, relator Jorge Manuel Loureiro (proc. n.º
716/14.4TTCBR.C1) que dispõe o seguinte: “A dependência económica pressupõe, designadamente: i) a
integração do prestador, de modo tendencialmente duradouro e exclusivo, no processo empresarial de
outrem, sendo com ela incompatíveis situações de prestação de serviços sem contrapartida retributiva
ou, por outro lado, meramente casuais ou esporádicos”.
43
Cfr. AMADO, João Leal/ MOREIRA, Teresa Coelho (2019) – A lei portuguesa sobre o transporte de
passageiros a partir de plataforma eletrónica: sujeitos, relações e presunções in Labour & Law Issues, vol.
5, no. 1, pp. 76-77.
13
1.3. Trabalhadores autónomos economicamente dependentes
e a Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto
O legislador português, ciente da problemática de qualificação de contratos e,
numa tentativa de tutelar os direitos de todos os trabalhadores, reconheceu uma
categoria intermédia44 entre trabalhador subordinado e autónomo: os trabalhadores
autónomos, mas economicamente dependentes.
A tutela desta forma de trabalho é realizada através do art.º 10.º do CT que prevê
a aplicação de normas concernente a direitos de personalidade, igualdade e não
discriminação e segurança e saúde no trabalho, a vínculos laborais onde, embora não
exista subordinação jurídica clássica45, verifica-se a dependência económica46 entre
prestador de serviços e o beneficiário da atividade. O fator da dependência económica
pode ser presumido quando esteja em causa acidentes de trabalho 47 e consubstancia-se
nas situações em que os trabalhadores, ainda que formalmente independentes,
dependem maioritária ou exclusivamente de apenas um empregador, neste caso,
beneficiário dos serviços48.
44
Neste sentido vd., LEITÃO, Luís Meneses (2016) – Direito do Trabalho, Almedina: Coimbra, 5ª Ed., p.
142.
45
Como a descrita no art.º 11.º do CT.
46
Cfr. Ac. TRC, de 13.11.2019, relator Jorge Manuel Loureiro (proc. n.º 716/14.4TTCBR.C1).
47
Cfr. Art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.
48
Cfr. Ac. do STJ, de 22.01.2015, relator António Leones Dantas (proc. n.º 481/11.7TTGMR.P1.S1):
“Na verdade, a dependência económica, considerada em abstrato, prende-se, em primeira linha, com a
resposta à satisfação das necessidades do dia a dia, em termos de alimentação, alojamento, vestuário,
mas também com o restante complexo de necessidades essenciais à realização pessoal de cada um.
Está numa situação de falta de autonomia económica e como tal em dependência económica, quem não
tem, só por si, capacidade para responder aos encargos de natureza económica relacionados com a
satisfação daquele conjunto de necessidades.”.
14
O nosso entendimento de incluir os trabalhadores das plataformas digitais nesta
“zona cinzenta”49 do trabalho não encontra ainda respaldo na jurisprudência portuguesa
que, até à data, não teve oportunidade de versar sobre este assunto em específico.
Todavia, no direito comparado existem uma panóplia de acórdãos que dispõem tanto
neste sentido50, como em sentidos opostos, considerando os trabalhadores da Uber como
subordinados51 ou simplesmente autónomos52.
15
fixa um regime jurídico para as plataformas que fornecem estes serviços 57.
Resumidamente, esta lei diferencia quatro sujeitos na relação jurídica: a operadora de
plataforma eletrónica58, o motorista59, o passageiro60 e o operador de TVDE61.
No art.º 10.º da Lei TVDE é onde reside a nossa maior dúvida relativa ao regime
em apreço. Este art.º, no seu n.º 10, prevê que “ao vínculo jurídico estabelecido entre o
operador de TVDE e o motorista afeto à atividade, titulado por contrato escrito
assinado pelas partes, e independentemente da denominação que as partes tenham
adotado no contrato, é aplicável o disposto no artigo 12.º do Código do Trabalho”. O
legislador, ao remeter para a presunção de laboralidade do art.º 12.º, fá-lo descurando a
clara desadequação já previamente explorada dos indícios previstos à realidade do
trabalho digital e, mais preocupante que isto, coloca a possível existência de contrato de
trabalho na relação estabelecida entre o motorista e a operadora de TVDE,
desresponsabilizando, quase por completo, as plataformas digitais da sua possível
responsabilidade jurídico-laboral para com os trabalhadores considerados.
57
Art.º 1, n.º 2 da Lei TVDE.
58
Intermediária do serviço, cfr. Art.º 1, n.º 2 da Lei TVDE.
59
Prestador direto do serviço.
60
Beneficiário do serviço.
61
Formalmente, esta lei considera que é a operadora de TVDE (pessoa coletiva com o qual o motorista
celebra contrato) quem presta o serviço e não o próprio motorista considerado de forma individual, cfr.
Art.º 2.º, n.º 3 da Lei 45/2018 através da expressão “por um motorista ao serviço de um operador”, leia-
se, de TVDE.
62
Pelo menos, impede a prestação dos serviços através da sua plataforma, o que não implica
necessariamente que o trabalhador não possa exercer a sua atividade em plataforma diversa. Note-se que,
apesar de possível, esta capacidade que o motorista tem de procurar outra empresa digital para trabalhar,
não torna o atendado aos princípios do Direito do Trabalho e à tutela dos direitos fundamentais do
trabalhador menos grave.
16
do direito à negociação coletiva e à greve no âmbito dos trabalhadores digitais, reputá-
los-emos à categoria de trabalhadores autónomos economicamente dependentes.
17
uma das maiores conquistas laborais em democracia. A liberdade sindical decorre, por
isso também, da liberdade de associação63, previamente negada aos trabalhadores.
GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA compreendem a liberdade sindical como
uma expressão da liberdade de associação, mas que dela se distingue por ser uma
“associação de classe, que é constituída por trabalhadores assalariados ou
equiparados, que possui o intuito da defesa dos interesses da classe contra os da
entidade empregadora.”64 – definição que resume impecavelmente a essência deste
princípio.
63
Cfr. Art.º 46.º da CRP – a liberdade de associação como um direito mais amplo que a liberdade
sindical.
64
CANOTILHO, José Gomes (2002) – Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed. Almedina:
Coimbra., cit. p. 267-272.
65
Cfr. Art.º 444.º n.º 1 do CT.
66
Cfr. Art.º 55.º n.º 2 al. a da CRP.
18
de trabalhadores67 de caráter permanente68 e voluntário69 com fins específicos de defesa
dos interesses dos trabalhadores que representa70.
67
Aqui reside o elemento subjetivo da associação sindical que significa que apenas trabalhadores, e não
quaisquer pessoas, poderão mobilizar este direito. Esta questão em específico levanta problemas no
sentido de saber o que são trabalhadores para efeitos de liberdade sindical – questão que exploremos
posteriormente neste relatório com o intuito particular de saber se os trabalhadores da Uber e plataformas
digitais análogas se enquadram neste conceito ou não.
68
Neste âmbito veja-se o art.º 450.º n.º 1 al. a do CT que aponta para a existência de situações em que
uma associação sindical nasce com um prazo para findar, abrindo-se através deste art.º uma exceção ao
caráter permanente e de estabilidade das associações sindicais: “(…) os estatutos de associação sindical
(…) devem regular: (…) a duração, quando a associação não se constitua por período indeterminado;”.
69
Por derivar de um direito, liberdade e garantia com contornos bastante específicos não pode ser criado
um sindicato por imposição da lei tendo de resultar necessariamente da vontade livre de associação dos
trabalhadores.
70
Este será o elemento objetivo da associação sindical.
71
Celebrada entre associações sindicais e associações de empregadores.
72
Celebrada entre múltiplas entidades empregadoras para as suas respetivas empresas e associações
sindicais.
73
Celebrada entre sindicatos e apenas uma entidade empregadora e a sua respetiva empresa.
74
Cfr. Arts.º 477.º e 491.º do CT.
75
Impõe-se como obrigação do Estado promover a negociação coletiva, de modo que as IRCTs tenham o
mais amplo âmbito de aplicação possível e que as suas soluções cheguem aos contratos do maior número
de trabalhadores.
19
Assim, os acordos alcançados através da contratação coletiva apresentam-se
como uma conquista laboral insubstituível, desde logo porque têm o poder de
influenciar positivamente as condições de trabalho concretas do trabalhador, chegando
mesmo a, em certos casos, prevalecer sobre as cláusulas do contrato de trabalho
individual76. Desta forma, o peso e relevância destes direitos são inegáveis e
indiscutíveis no âmbito dos trabalhadores subordinados. Agora restar-nos-á perceber se
os trabalhadores da Uber também poderão usufruir deles.
O art.º 57.º da CRP consagra o direito à greve como um direito fundamental dos
trabalhadores. A par da liberdade sindical e do direito à negociação coletiva, o direito à
greve foi estabelecido como um direito fundamental, liberdade e garantia dos
trabalhadores após o 25 de Abril e apresenta-se atualmente como um mecanismo
reequilibrador das posições laborais naturalmente desniveladas.
76
Cfr. Art.º 476º. do CT sobre o princípio do tratamento mais favorável e a prevalência, em caso de
conflito entre lei e instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, das condições que se afigurem
mais vantajosas ao trabalhador.
77
Como já foi mencionado, no âmbito da liberdade sindical e da negociação coletiva, albergando
indiretamente o instituto da greve.
78
No seu art.º 6.º, n.º 4
79
No seu art.º 28.º
80
No seu art.º 8.º, n.º 4
20
práticos não poderão ser comprometidos por uma possível ameaça à sustentabilidade do
contrato de trabalho, apresentando-se assim como um direito potestativo. Deste modo, a
lei prevê que durante a greve, o contrato de trabalho encontrar-se-á suspenso81.
Deste modo, a greve é também um direito subjetivo porque, por um lado, o seu
exercício não pode ser vedado aos trabalhadores84 e, por outro, é alvo de uma forte
proteção legal através de mecanismos que asseguram a sua efetividade prática, como é o
caso do art.º 536.º do CT e do art.º 57.º, n.º 3 da CRP85. Contudo, e como já foi
mencionado, a greve não é um direito ilimitado, estando sujeita às restrições inerentes
aos direitos fundamentais e, claro, às normas de procedimento previstas pelo legislador
ordinário86.
81
Nos termos do art.º 536.º do CT.
82
Cfr. Art.º 531.º do CT.
83
Neste sentido vd., CANOTILHO, Gomes/ MOREIRA, Vital (2014) – Constituição da República
Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, p. 754.
84
Não obstante, o exercício ilícito da greve poderá ter consequências legais
85
Que atribui aos trabalhadores o poder de definir e delimitar o âmbito concreto dos interesses a defender,
âmbito este que não pode ser limitado pela lei.
86
ABRANTES, José João (2014) – Direito do trabalho II (Direito da greve), Almedina, Coimbra, cit. p.
73.: “A CRP, com o seu art. 57º, nº 2, afastou a possibilidade de limitação do direito de greve em função
dos motivos, tendo, todavia, permanecido aberto o espaço para que o legislador ordinário limitasse o
exercício desse direito, quer no plano das formas, dos tipos de comportamento, que pode assumir, quer
no das regras processuais a observar no seu desencadeamento”.
87
Cfr. Art.º 536.º, n.º 1 do CT.
88
Não importa neste relatório explanar a problemática em volta dos interesses legítimos e ilegítimos que
poderão estar na base da greve por se tratar de um assunto muito complexo e minucioso, não
necessariamente impreterível para a questão tema do relatório.
21
elementos têm um caráter bastante generalizado e que, de forma concreta, a greve pode
assumir várias nuances e formas de desenvolvimento.
De igual forma, também nos foi possível concluir, em linha com a doutrina e
com a jurisprudência, que o critério supremo na delimitação do conceito de trabalhador
para efeitos constitucionais é a existência de subordinação jurídica.
89
Cfr. CANOTILHO, Gomes/ MOREIRA, Vital (2014) – Constituição da República Portuguesa
Anotada, vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, cit. p. 706.
90
Nomeadamente juízes.
91
Como por exemplo, o Presidente da República, membros do Governo, deputados, Presidentes de
Câmaras e Juntas de Freguesia, etc.
22
Face a este entendimento clássico, fica claro que o direito à negociação coletiva
e à greve são direitos que assistem expressamente os trabalhadores subordinados. Não
obstante, e partindo das considerações que retiramos da análise das componentes
concretas dos contratos uberizados, em particular no respeitante aos elementos que
indicam a existência de um vínculo de dependência e consequente aplicação do art.º 10.º
do CT, resta-nos agora averiguar se estes direitos laborais coletivos não poderão
eventualmente caber também na esfera dos trabalhadores destas plataformas digitais.
92
Cfr. CANOTILHO, Gomes/ MOREIRA, Vital (2014) – Constituição da República Portuguesa
Anotada, vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, cit. p. 730.
93
LEITE, Jorge (2004) – Direito do Trabalho, Coimbra, p. 109-110 apud MARTINS, Bárbara Alvarenga
Rodrigues (2019) – A extensão do princípio da liberdade sindical e do direito à greve aos trabalhadores
autónomos economicamente dependentes: em especial os trabalhadores no domicílio e os
teletrabalhadores autónomos dependentes, Dissertação de Mestrado: Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra, orientador João Reis. Disponível em
https://eg.uc.pt/bitstream/10316/90366/1/barbara.pdf. Consultado a 28.05.2022.
23
Desta forma, a doutrina posiciona-se claramente ao afirmar que as situações
descritas no art.º 10.º do CT são passíveis de se subsumir no conceito de trabalhador
para efeitos de liberdade sindical. A questão de forma concreta dependerá, em última
instância, da classificação que o nosso ordenamento jurídico dá aos trabalhadores da
Uber e plataformas análogas como abrangidos, ou não, pela figura da equiparação.
24
dos seus sindicatos, poderem participar numa ampla e direta discussão com a empresa
tecnológica que os emprega. Contudo, para isto ser possível não só o motorista/estafeta
tem de ser visto pelo direito como trabalhador para efeitos de direitos coletivos, mas
também a empresa dona da plataforma digital tem de ser encarada como empregador
sob pena dos acordos conquistados através da negociação coletiva não vincularem
estas99.
25
3.2. Possível extensão do direito à greve aos trabalhadores
autónomos economicamente dependentes, em particular, aos
trabalhadores uberizados
Assim como a negociação coletiva, a greve apresenta-se como um instrumento
reequilabrador das desigualdades negociais entre partes no contrato de trabalho. Com
efeito, a greve, pela sua especial natureza, apresenta-se como o mecanismo
possivelmente mais poderoso de que dispõem os trabalhadores no caminho de
prossecução dos seus direitos, interesses e garantias laborais.
102
Cfr. REIS, João Carlos Simões dos (2012) – Resolução Extrajudicial de Conflitos Coletivos de
Trabalho, Coimbra: Coimbra. Vol. I., p. 95
103
A título de exemplo vd., DN/LUSA (2019) – “Serviços mínimos definidos para greve dos médicos e
enfermeiros” in DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Disponível em https://www.dn.pt/vida-e-futuro/grevessaude-
servicos-minimos-definidos-apos-criticas-de-sindicato-dos-enfermeiros-11066339.html . Consultado a
02.06.2022.
26
dependentes é essencial na medida em que, ainda que não estejam expostos a um
vínculo de subordinação jurídica clássico, veem-se emergidos numa realidade laboral
causadora de conflitos sociais, sendo do maior interesse do Direito do Trabalho
possibilitar formas de os solucionar.
Ora, parece-nos que este direito abstrato a uma luta semelhante à greve incluir-
se-á no âmbito do direito fundamental de reunião e manifestação que assiste a todos os
cidadãos106 o que, à luz da constatação de existência de conflitos laborais nos vínculos
de trabalho com dependência económica, demonstra-se seriamente insuficiente. E
verdade que todos os indivíduos, trabalhadores ou não disfrutam de liberdade
reivindicativa sobre a forma de manifestações ou protestos, mas não é acaso que para os
trabalhadores, o legislador constitucional reservou o instituto da greve.
104
Enquanto trabalhadores subordinados cfr., CANOTILHO, Gomes/ MOREIRA, Vital (2014) –
Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, p. 706.
105
Cfr., CANOTILHO, Gomes/ MOREIRA, Vital (2014) – Constituição da República Portuguesa
Anotada, vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, p. 752.
106
Consagrado no art.º 45.º CRP.
107
Cfr. Art.º 536.º do CT.
108
Cfr. n.º 2 do art.º 536.º do CT.
27
entendimento que não só faria todo o sentido como é premente o alargamento do
instituto da greve, pelos motivos elucidados, aos trabalhadores autónomos
economicamente dependentes, em especial aos da Uber e plataformas análogas.
Enquanto estes trabalhadores não desfrutarem de uma tutela similar à da greve não
podemos dizer que os seus direitos de personalidade, assim como previsto no art.º 10.º,
lhes são plenamente assegurados, pois estarão sempre desprotegidos de possíveis
represálias por parte da entidade empregadora.
109
Como vimos na parte inicial do presente relatório, a Uber tem o poder de unilateralmente excluir da
plataforma digital a conta do trabalhador, entre outros motivos, no caso deste recusar atender um dado
número de viagens/pedidos.
28
greve é contemplada, pese embora de forma implícita, nas Convenções n.ºs 87 e 98 e é
fixada como sendo uma clara decorrência dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
CONCLUSÃO
À luz do que foi exposto, mas dando especial enfoque aos princípios e valores
fundamentais alvos de tutela jurídico-laboral, somos do entendimento que tanto o direito
à negociação coletiva como o direito à greve devem ser garantidos aos trabalhadores da
Uber e plataformas análogas. Desde logo, se os seus vínculos laborais se subsumirem
em verdadeiros contratos de trabalho110, o problema não se coloca. Todavia, se os
considerarmos autónomos e economicamente dependentes, entendemos que o art.º 10.º
do CT encarregar-se-á de fundamentar esta extensão de direitos.
110
Cfr. art. 10.º da Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto concernente aos motoristas, e art. 12.º do CT
respeitante aos restantes trabalhadores destas plataformas.
29
BIBLIOGRAFIA
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Coimbra.
AMADO, João Leal/ MOREIRA, Teresa Coelho (2019) – A lei portuguesa sobre o
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30
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liberdade sindical e do direito à greve aos trabalhadores autónomos economicamente
dependentes: em especial os trabalhadores no domicílio e os teletrabalhadores
autónomos dependentes, Dissertação de Mestrado: Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra, orientador João Reis. Disponível em
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ACÓRDÃOS
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32
Ac. STJ, de 09.09.2015, relatora Ana Luísa Geraldes (proc. n.º 477/11.9TTVRL.G1.S1)
Ac. TRC, de 13.11.2019, relator Jorge Manuel Loureiro (proc. n.º 716/14.4TTCBR.C1)
Caso Razak v. UberBlack, de 11.04.2018 do United States District Court for the
Eastern District of Pennsylvania.
LEGISLAÇÃO
Código Civil
Código do Trabalho
SITES
www.dgsi.pt
www.dre.pt
www.uber.com
https://www.uber.com/legal/terms/pt/
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