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A plataforma digital IFood: uma análise com base na necessidade de

sindicalização para a proteção dos entregadores da rede.

Introdução

Sabe-se que as plataformas digitais estão cotidianamente presente no dia a dia da


população brasileira, logo, devido aos grandes números de acesso, muitos brasileiros
utilizam as plataformas digitais como ferramenta de trabalho, sendo este um meio de
trabalho que podemos chamar de terceira via, visto que o mesmo é uma das principais
alternativas escolhidas pelos brasileiros que tentam fugir da crescente onda de
desemprego. Entretanto, pode-se dizer que estes trabalhadores são sujeitos de direitos
trabalhistas?

Popularização da plataforma digital: iFood.

Primeiramente, faz-se necessário entender que as plataformas digitais vêm crescendo


gradualmente com o avanço da tecnologia, mas para além do avanço tecnológico, a
crescente onda de desemprego, e os costumes que têm origem no contexto pandêmico
também influenciam na procura desta nova modalidade de trabalho, pois durante o
isolamento social da pandemia do covid 19, muitas empresas passaram a oferecer
serviços que anteriormente só poderiam ser oferecidos apenas presencialmente, como
por exemplo, ir ao mercado, visto que as grandes redes de supermercado passaram a
aderir as plataformas de digitais como o iFood, oferecendo a possibilidade do cliente
fazer as suas compras sem precisar sair de casa.
Logo, a onda de desemprego e a popularização dos serviços de delivery encontrados
nestas plataformas, não atraiam apenas os clientes, mas sim pessoas que fugiam do
desemprego, e que viram na popularização deste serviço uma oportunidade, este são os
conhecidos entregadores do iFood, sujeitos essências para a conclusão do serviço que
incialmente é prestado pelo supermercado através da plataforma digital conhecida como
iFood.
Estes entregadores, digo entregadores pois não se pode falar motoboy, visto que
muitos deles não possuem moto, e utilizam de bicicletas para realizar o serviço de
entrega, debaixo de sol ou chuva, tendo seu trabalho controlado pela plataforma digital,
terceirizando seu trabalho que é essencial para o enriquecimento e para a conclusão do
serviço prestado pelo supermercado, que se associa ao iFood pagando uma taxa que
pode incluir o serviço de entrega, portando o aplicativo controla os serviços prestados
pelos entregadores pagando-lhe por hora trabalhada, dependendo o valor final do quanto
de ociosidade haverá no turno trabalhado.
Assim como informa uma pesquisa divulgada pelo CEBRASPE em 2023, que diz a
remuneração com base em 20 horas semanais trabalhadas, vai de 807 á 1.325, sendo o
primeiro valor calculado considerando 30% do tempo ocioso, e o segundo valor
considera o mesmo tempo sem ociosidade, sendo este dado coletado com base na
grande cidade de São Paulo.

Precariedade do serviço e os meios de proteção da classe trabalhadora

Muito embora, o trabalho prestado pelos trabalhadores seja essencial para a conclusão
destes serviços, estes não são sujeitos de direitos trabalhistas, o que possibilita que estes
trabalhadores vivenciem situações precárias de trabalho. Como o excesso de horas
trabalhadas para conseguir uma boa remuneração semanal, visto que o valor recebido
vai depender da oscilação de entregas durante o turno trabalhado; entregas realizadas
debaixo de chuva para não atrasar o tempo de entrega determinado pela plataforma; ou
até mesmo enfrentar a grosseria e humilhações oferecidas pelos clientes no momento da
entrega; assim como também o direito a folga remunerada caso adoeça ou precise ir a
um velório de um ente querido.
Sendo assim, sem a proteção dos direitos trabalhistas, a única maneira de proteger
estes trabalhadores, faz-se por meio de organização coletiva de trabalho, isto é, os
sindicatos, um órgão fundamental que visa a proteção de uma classe trabalhadora com
base na melhoria das condições de trabalho, valorização da classe, e uma remuneração
adequada.
No entanto, a formação de um sindicato de tal classe trabalhadora não é uma tarefa
fácil, visto que poderá haver uma certa dificuldade em reunir todos ou uma boa parte
desses trabalhadores, fazendo um trabalho de conscientização para que os mesmos
adiram ao sindicato visando a melhoria das condições de trabalho da sua própria classe.
Sem falar na dificuldade do próprio sindicato em se manter existindo, pois, a falta de
verba e investimentos podem afetar a existência desta categoria sindical.

Reconhecimento da relação de trabalho

Para o reconhecimento da relação de trabalho existente, o primeiro passo a ser dado


está na própria conscientização da classe, o advogado especialista em direito do
trabalho, José Eymard Loguéricio afirma que o primeiro passo a ser dado é que estes
sujeitos se reconheçam como verdadeiramente são, uma categoria de trabalhadores, por
que sim, há uma relação de trabalho, visto que há um contratante, neste caso o iFood, e
também há um contratado, que neste caso é o entregador.
O contratado é uma pessoa física, assim como o serviço é prestado pessoalmente por
aquela pessoa, então há pessoalidade. O serviço é prestado de maneira habitual e
continua portando existe a não eventualidade, assim como também há onerosidade pois
o entregador trabalha em favor de outrem, e é recompensando financeiramente por isso.
E por fim também há subordinação, visto que o entregador trabalha seguindo as ordens
da plataforma digital, sendo fiscalizado pela mesma.
Portando o meio de trabalho estar de acordo com art. 3º da CLT (Decreto-lei nº.
5.452/1943) que diz: Considera-se empregada toda pessoa física que prestar serviços de
natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Assim
como também obedece aos requisitos necessários para ser considerada uma relação de
trabalho.
Logo, não há no que se falar em trabalho autônomo, e muito menos que estes
trabalhadores administram seus próprios tempos e rendimentos, visto que, como já foi
demonstrado acima, o tempo trabalhado e a quantidade corridas prestadas influenciam
diretamente no valor que será recebido.

Sindicalização e vitorias dos direitos trabalhistas para a classe. Lei nº.


14.297/2022

Com a aderência dos trabalhadores ao sindicato, o mesmo buscará junto aos poderes
públicos, a elaboração de leis que considerem e determinem o vínculo empregatício
destes trabalhadores para com as plataformas digitais, visto que há relação de trabalho, e
os prestadores de serviços senguem trabalhando sem nenhuma proteção.
Como por exemplo, em caso de acidente no momento em que o entregador estiver
indo realizar a entrega, muitas plataformas digitais não arcavam com nem 1%, ou
melhor dizer, não arcavam com nada na realização do tratamento para a recuperação do
trabalhador. No entanto, após muita luta, a breve lei temporária nº 14.297/2022,
estabelece alguns direitos aos entregadores que prestam serviço por intermédio de
plataformas digitais.
Com base no exemplo citada acima, a lei nº 14.297/2022 estabelece em seu art. 3º que
a empresa de aplicativo obrigasse a contratar seguro contra acidentes em beneficio do
entregador cadastrado na sua plataforma, assim como, obrigasse também a cobrir e
indenizar em casos de acidentes que cause invalidez permanente ou temporária, ou até
mesmo morte.
Entretanto, o iFood oferece estas condições de trabalho desde 2019, ofertando esse
seguro aos entregadores cadastrados nas plataformas. Mas será isso suficiente para a
proteção dos trabalhadores da classe? Este direito seria suficiente no que tange a
proteção destinada a condições dignas de trabalho? Muito embora seja um direito
essencial, este não deve ser o único.
A lei nº14.297/2022 também estabelece direitos como o acesso a instalações sanitárias
e a água portável (art. 6º, inciso II e III), portanto, sim, embora estejamos no século
XXI, faz-se necessário que uma lei determine que as empresas são obrigadas a oferecer
direitos tão básicos a estes trabalhadores, que muito embora não tenha vinculo com ela,
ainda prestam serviço fundamental para a mesma por intermédio de plataformas
digitais, neste caso, o iFood.

Vigência da Lei Temporária nº14.297/2022


Vale ressaltar que a vigência da lei era prevista até o momento em que o estado de
calamidade pública cessasse, tendo esta sido encerrada conforme determina a portaria
GM/MS n. 913/2022 pelo ministro Marcelo Queiroga, portanto, o questionamento que
fica é, os entregadores destas plataformas digitais ainda ficam protegidos por esta lei?
Bom, segundo a jurisprudência, em teoria a lei permanece em vigor, mesmo com as
limitações do art. 1º da presente lei. Sendo assim, vejamos o que diz a jurisprudência:

“TUTELA DE URGÊNCIA EM AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. CONCESSÃO MONOCRÁTICA.
INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO PARA CONFERIR
SOBREVIDA A MEDIDAS TERAPÊUTICAS E PROFILÁTICAS
EXCEPCIONAIS PARA O ENFRENTAMENTO DA COVID-19.
PROVIDÊNCIAS PREVISTAS NA LEI 13.979/2020 CUJA VIGÊNCIA
FINDOU EM 31 DE DEZEMBRO DE 2020. RECRUDESCIMENTO DA
PANDEMIA COM O DESENVOLVIMENTO DE NOVAS CEPAS VIRAIS.
EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA QUE SE MANTÉM
INALTERADA. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO E
PRECAUÇÃO. CAUTELAR REFERENDADA PELO PLENÁRIO. I – A
Lei 13.979/2020, com o propósito de enfrentar de maneira racional e
tecnicamente adequada o surto pandêmico, permitiu que as autoridades
adotassem, no âmbito das respectivas competências, determinadas
medidas profiláticas e terapêuticas. II – Embora a vigência da Lei
13.979/2020, de forma tecnicamente imperfeita, esteja vinculada àquela
do Decreto Legislativo 6/2020, que decretou a calamidade pública para
fins exclusivamente fiscais, vencendo em 31 de dezembro de 2020, não se
pode excluir, neste juízo precário e efêmero, a conjectura segundo a qual
a verdadeira intenção dos legisladores tenha sido a de manter as
medidas profiláticas e terapêuticas extraordinárias, preconizadas
naquele diploma normativo, pelo tempo necessário à superação da fase
mais crítica da pandemia, mesmo porque à época de sua edição não lhes
era dado antever a surpreendente persistência e letalidade da doença. III
– A prudência – amparada nos princípios da prevenção e da precaução,
que devem reger as decisões em matéria de saúde pública – aconselha
que as medidas excepcionais abrigadas na Lei 13.979/2020 continuem,
por enquanto, a integrar o arsenal das autoridades sanitárias para
combater a pandemia. IV – Medida cautelar referendada pelo Plenário
do Supremo Tribunal Federal para conferir interpretação conforme à
Constituição ao artigo 8º da Lei 13.979/2020, com a redação dada pela
Lei 14.035/2020, a fim de excluir de seu âmbito de aplicação as medidas
extraordinárias previstas nos arts. 3º, 3º-A, 3º-B, 3º-C, 3º-D, 3º-E, 3º-F,
3º-G, 3º-H e 3º-J, inclusive dos respectivos parágrafos, incisos e
alíneas”. (STF, ADI 6.625/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j.
8/3/2021, Tribunal Pleno, publ. 12/4/2021).
Entretanto, estando no final do ano de 2023, e tendo os efeitos pandêmicos cessados,
fica a incerteza da eficácia da lei nº14.297/2022 no contexto atual.

Conclusão
Sendo assim, a certeza extraída desta análise, só escancara a importância da criação dos
sindicatos dos entregadores que trabalham por meio das plataformas digitais, para que
esta organização coletiva permaneça lutando para reconhecer o vínculo empregatício
entre os entregadores e as plataformas, neste caso, o iFood, bem como a necessidade de
criação de leis que protejam e determinem condições de trabalho e salarial adequadas
para a classe.

Referencias Bibliográficas:
Quirino, Robson. Isso é o quanto um entregador de iFood ganha por 8 horas de
trabalho em SP. Garagem 360, 23/09/2023. Disponível em:
https://garagem360.com.br/isso-e-quanto-um-entregador-do-ifood-ganha-por-8-horas-
de-trabalho-em-sp/
Accarini, André. Motoristas e entregadores de apps se organizam em sindicatos para
lutar por direitos. CUT Brasil, 13/12/2022. Disponível em:
https://www.cut.org.br/noticias/motoristas-e-entregadores-de-apps-se-organizam-em-
sindicatos-para-lutar-por-dire-3bbd
Soares, Kleber. Representação coletiva dos trabalhadores controlados por plataformas
digitais no capitalismo de plataforma: um panorama da representatividade no Brasil.
13/04/2023. Disponível em:
https://basis.trt2.jus.br/bitstream/handle/123456789/15909/araujo_kleber_representacao
_coletiva_trabalhadores.pdf?sequence=1&isAllowed=y
IFood. Seguro contra acidentes: o que o iFood oferece aos entregadores.07/03/2023.
Disponível em: https://institucional.ifood.com.br/entregadores/seguro-contra-acidentes-
pessoais-ifood/
Guimarães, Guilherme. Miskulim, Ana Paula. Lei 14.297/2022: Entregadores de
aplicativo ainda estão protegidos? JOTA, 24/06/2022. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/juizo-de-valor/lei-14-297-22-
entregadores-de-aplicativos-ainda-estao-protegidos-24062022

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