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JUÍZO DE VALOR
Crédito: Unsplash
Dando continuidade à análise da Lei 14.297/22, que “[d]ispõe sobre medidas de proteção
asseguradas ao entregador que presta serviço por intermédio de empresa de aplicativo de
entrega durante a vigência da emergência em saúde pública decorrente do coronavírus
responsável pela covid-19”, passamos à penúltima parte dessa quadrilogia (que deveria ser
uma trilogia, mas o volume de conteúdos não permitiu).
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Vale lembrar, à partida, que a Lei 14.297/22 buscou circunscrever severamente o universo
de aplicação dos novos direitos que criou: vincular-se-iam à lei apenas as empresas de
aplicativos de entrega, assim consideradas aquelas “que possu[em] como principal
atividade a intermediação, por meio de plataforma eletrônica, entre o fornecedor de produtos
e serviços de entrega e o seu consumidor”. O viés de exclusão é óbvio: as plataformas
digitais que se ocupam da prestação de serviços (no caso, apenas de serviços de entrega)
fazem parte de um contexto muito mais amplo (Miskulin, 2021). Aliás, Schmidt (2017)
divide as plataformas digitais seis segmentos: i) de bens; ii) serviços (caso do iFood e
outras plataformas de entrega); iii) dinheiro; iv) comunicação; v) entretenimento; e vi)
informação.
Conclui-se, pois, que, num universo em que milhares de empresas utilizam aplicativos para
realizarem a sua atividade principal, o legislador vou a sua atenção apenas ao entregador
on demand, i.e., o “trabalhador que presta serviço de retirada e entrega de produtos e
serviços contratados por meio da plataforma eletrônica de aplicativo de entrega”. Por que
razão? Há pelos menos três prováveis razões – e a exposição de motivos do projeto de lei
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que originou a Lei 14.297/22 parece corroborá-las parcialmente –, que dizem muito com o
hábito brasileiro de legislar nos limiares do trágico. A uma, a quantidade expressiva de
pessoas engajadas nessa atividade (potenciais eleitores, por sinal). A duas, porque a
atividade de entrega de mercadorias por aplicativos – especialmente alimentos – foi
considerada, durante a pandemia, como atividade essencial.[1] E, a três, pelas péssimas
condições de trabalho – não raro degradantes – às quais são submetidos esses obreiros
(o que, aliás, é frequente alvo de notícias[2]).
Ademais, mesmo no pequeno universo oriundo dessa restrição semântica, a lei anda mal:
“insinua” que as empresas de aplicativos são meras empresas de intermediação (quando,
na verdade, são – neste caso – empresas de prestação de serviços). Mas isso é outra
história.
Quais são, afinal, os direitos que devem ser assegurados a esses trabalhadores?
Pois bem.
Por expresso comando constitucional (CRFB, art. 7º, IV, VI, XIII, XXII, art. 8º, III etc.), todo
trabalhador faz jus à redução dos riscos inerentes ao trabalho (i.e., medidas preventivas
e precaucionais relacionadas à saúde e à segurança do trabalho), à plena informação, à
portabilidade dos dados laborais das plataformas, à proteção sindical e à negociação
coletiva, a um limite de jornada (i.e., à desconexão) e a uma remuneração mínima com
periodicidade mensal, entre outras coisas, independentemente do fato de ser empregado
ou não (FELICIANO, PASQUALETO, 2019; MISKULIN, 2021).
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O legislador de 2022, claro, não foi tão longe. Os direitos previstos pela Lei 14.297/22, ali
chamados de “medidas de proteção” estão concentrados nos artigos 3º a 8º da lei e ficam
muito aquém do necessário. Pelo texto em vigor, os entregadores fazem jus ao seguinte:
(b) assistência financeira de 15 dias, prorrogáveis por mais dois períodos (até 45 dias,
portanto), em caso de contaminação pelo coronavírus;
(e) expressa menção, nos instrumentos de contrato, de quais serão “as hipóteses de
bloqueio, de suspensão ou de exclusão da conta do entregador da plataforma eletrônica”;
Tudo isso, ademais, favoreceria os entregadores por aplicativos apenas “durante a vigência
da emergência em saúde pública decorrente do coronavírus responsável pela Covid-19”, pela
literalidade do texto; e, logo, já não estaria sequer em vigor, porque o ESPIN foi finalizado
no Brasil. Mas desse equívoco já tratamos nas duas colunas anteriores: entendemos, pelas
razões então expostas, que as regras – e os direitos dela derivados – seguem em vigor no
território nacional (inclusive porque remanesce, no plano internacional, a ESPII).
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vista. A assistência financeira limita-se à Covid 19? As despesas de internet devem ser
comprovadas? O acesso sanitário resolve-se com banheiros químicos externos?
Essas e outras questões serão respondidas. Mas isto na coluna do mês que vem.
Seguimos a aguardar suas sugestões, críticas e ponderações por aqui, nos tradicionais
comentários, ou pelo e-mail dunkel2015@gmail.com. Você é réu do seu juízo.
MISKULIN, A.P.S.C. Aplicativos e Direito do Trabalho: a era dos dados controlados por algoritmos.
Salvadorꓽ Juspodivm, 2021.
SCHMIDT, F. A. Mapping the Political Challenges of Crowd Work and Gig Work. Good Society – Social
Democracy, 2017.
[2] Celebrizou-se nas redes sociais, p. ex., a fotografia de um trabalhador que dormitava em uma
calçada, deitado ao lado da bicicleta que utilizava para as entregas. V., e.g., “Dormir na rua e pedalar 12
horas por diaꓽ a rotina dos entregadores de aplicativos”. Disponível emꓽ
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48304340. Acesso em 29 ago. 2022. V. também
“Entregadores de aplicativo pedalam 70 km por dia para ganhar menos de um salário”. Disponível emꓽ
https://averdade.org.br/2022/02/entregadores-de-aplicativo-chegam-a-pedalar-70-km-por-dia-
para-ganhar-menos-de-um-salario-minimo/. Acesso em 29 ago 2022.
[3] In verbis: “Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo
empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”.
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