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PLATAFORMIZAÇÃO DO TRABALHO PROJETUAL DIGITAL,

PRECARIZAÇÃO E PROLETARIZAÇÃO DO DESIGNER:


PRIMEIRAS IMPRESSÕES CRÍTICAS
PLATFORMIZATION OF DIGITAL DESIGN WORK, PRECARIZATION AND
PROLETARIZATION OF THE DESIGNER: FIRST CRITICAL IMPRESSIONS

Leonardo Maurício Malhado de Freitas; PPGD-EBA-UFRJ; Rio de


Janeiro, RJ, Brasil; leodefreitas@gmail.com

Fabiana Oliveira Heinrich; PPGD-EBA-UFRJ; Rio de Janeiro, RJ, Brasil;


fabianaheinrich@eba.ufrj.br

Resumo:
Este artigo tem como objetivo construir considerações críticas primeiras sobre a
plataformização do trabalho projetual digital, a precarização e a proletarização do designer em
plataformas freelancers. Para tal, iniciamos pela definição do que constitui o processo de
plataformização do trabalho, levando em conta os termos utilizados na Sociologia do Trabalho.
Em seguida, discutimos o que significa o processo de precarização do trabalho digital freelancer
em plataformas para, depois, exemplificar como ocorre o processo de proletarização do designer
digital através de análise dos planos de negócio das plataformas 99Freelas e Freelancer.com.
Palavras-chave: Campo do Design Digital, crítica, plataformização freelancer, precarização,
proletarização.

Abstract:
This article aims to build first critical considerations about the platformization of Digital Design
work, and the precarization and proletarianization of the designer in freelance platforms. Thus,
we initially define what constitutes the process of work platformization, by taking into account
terms used in the Sociology of Labour. Next, we discuss what the process of precarization of
digital freelance work on platforms means so as to later on exemplify how the process of
proletarianization of the digital designer occurs by analyzing the business plans of the platforms
99Freelas and Freelancer.com.
Keywords: Digital Design Field, critique, freelance platformization, precarization,
proletarianization.
1. INTRODUÇÃO
O mundo do trabalho passa por mais uma ofensiva do capital, desta vez pelas
mãos do capital financeiro que, juntamente da crise sanitária do COVID-19,
aprofundaram e aceleraram transformações em andamento, obliterando relações
trabalhistas através da plataformização do trabalho. Essa nova forma de trabalho tem
sido fundamental para driblar o assalariamento: não obstante tendo todos os indicativos
de uma relação trabalhista, as plataformas são apresentadas ideologicamente e
judicialmente como simples prestadoras de serviço, como mediadoras entre quem
oferece e quem quer contratar um trabalhador. Ao serem apresentadas como isentas de
interferência na relação laboral, argumenta-se que seus clientes (que podem ser tanto
quem presta quanto quem contrata o serviço) são "livres" para criar seus próprios fluxos
de trabalho.

Já sabemos, contudo, que estas plataformas, através de algoritmos e da


dataficação, agem diretamente não só no rendimento de cada atividade desenvolvida,
mas também nos horários, nos dias e na quantidade de tempo de trabalho executado. No
caso dos entregadores — o exemplo mais emblemático até agora tanto na literatura
quanto na mídia1, e para muitos dos quais as plataformas se tornaram a principal fonte
de renda —, as plataformas influenciam ainda na distância do trabalho e na
impossibilidade de rejeição, já que essa ação pode resultar em bloqueios. Além de
entregadores, médicos, professores e designers são alguns outros exemplos de
profissões que tiveram sua prática modificada a partir da implementação de
plataformas, que são costumeira e erroneamente propagandeadas como a melhor saída
para "empreender" individualmente. Ocorre que toda a mecânica e o modus operandi do
trabalho alienado e estranhado no capitalismo continuam constituindo a base dessas
novas formas de trabalho. Conforme Grespan (2021, p. 26), é importante lembrar que a
alienação, para Marx, acontece quando o trabalhador, privado da propriedade dos meios

1
Brasil de fato: Greves de entregadores contra apps de delivery se espalham e já duram dias, disponível em
<https://www.brasildefato.com.br/2021/10/11/greves-de-entregadores-contra-apps-de-delivery-se-esp
alham-e-ja-duram-dias>, acesso em: 20 de fev. de 2022.
de produção, não mais se reconhece plenamente no produto de seu trabalho, ou seja, não
se reconhece como produtor. No caso do Campo do Design, como essas novas
configurações de trabalho influenciam a atividade projetual digital? Como determinam
formas de criar, projetar, organizar, produzir, ou seja, de trabalhar?

Metodologicamente, essa pesquisa é norteada pelo método do materialismo


histórico (MARX, 2013, p. 21), sustentado pela interpretação dinâmica da realidade
concreta em sua determinação dupla, ou seja, em uma investigação e uma exposição de
fenômenos que se distinguem, mas não se separam. Com esse método, compreendemos
que só podemos expor o objeto de estudo face à análise dos fatos e da estrutura social
em suas determinações históricas: no caso do trabalho plataformizado, precarizado e
proletarizado no Campo do Design, precisamos investigá-lo à luz das condições
econômicas, políticas e culturais que sustentam o modo de produção capitalista, que o
rege. A Sociologia do Trabalho — como recorte de pensamento crítico a partir do
materialismo histórico —, vem investigando os aspectos organizativos mais amplos da
produção capitalista; porém, ainda carece de uma investigação sobre essa reestruturação
de produção no setor do projeto digital, no qual a prática do Campo do Design está
imbricada. Logo, é relevante ao Campo em questão que uma análise das relações de
trabalho e da exploração do mais-valor do trabalho do designer digital sejam feitas, a fim
de evidenciar o processo de proletarização do designer através da plataformização e
precarização do trabalho projetual digital de freelancers, com o intuito de evidenciar e
discutir a influência do modo de produção capitalista na prática laboral do Campo do
Design.

Para isso, na primeira parte do artigo definimos o que consiste o processo de


plataformização do trabalho e o modelo de trabalho chamado crowdwork, que melhor
descreve essa nova modalidade laborativa. Em seguida, discutimos a precarização do
trabalho plataformizado, pois somente dessa maneira conseguimos definir o que é o
processo de proletarização do designer digital, exemplificado pela análise das
plataformas 99Freelas e Freelancer.com. As análises são constituídas por uma descrição
dos planos de negócios e uma leitura empírica dos ambientes virtuais de trabalho.
Assim, ficam latentes algumas características do trabalho em plataformas, como a
negação das relações trabalhistas, transformando trabalhadores em clientes e,
consecutivamente, negando o assalariamento, além da construção ideológica do
empreendedor de si mesmo. Também, fica evidente a posição do designer digital cada
vez mais inserido no processo de produção da mercadoria, e não somente na concepção
da mesma, diferente da noção construída a partir do surgimento da profissão, na
Revolução Industrial, em que o trabalho do designer era localizado sobretudo na etapa
intelectual de criação de projetos (FORTY, 2007, p. 119).

Essa pesquisa é relevante também por evidenciar os preceitos ideológicos


hegemônicos que formam o complexo do mundo do trabalho projetual digital
contemporâneo, em consonância com o movimento do estudo de Matias (2014, p. 198),
que investigou os preceitos ideológicos na teoria do Design, afirmando que "a ideologia
liberal se apresenta na teoria do Design sem o menor acanhamento, essencializando o
egoísmo e cristalizando as relações sociais de produção capitalista, acreditando serem
unilaterais as forças de mercado". Essa mesma ideologia que norteia os fundamentos
projetuais do Design é fundamental para que o trabalhador se reconheça, conforme
supracitado, como um empreendedor, um proprietário de si mesmo, um quase-burguês,
porém frequentemente convertido em um proletário de si próprio, que auto explora seu
próprio trabalho (ANTUNES, 2021, p. 16). Logo, investigar a plataformização, a
precarização e a proletarização do trabalho projetual digital no Campo do Design não
como algo em si, mas como uma ação para ampliar a ação e o pensamento críticos sobre
a prática laborativa do Campo em questão é o que precisa ser feito, pois é somente a
partir do estudo crítico que torna-se possível traçar novas possibilidades de relações e
condições de trabalho para o Campo do Design Digital além do que hoje está posto.
2. BREVE CONCEITUAÇÃO DA PLATAFORMIZAÇÃO DO TRABALHO,
PRECARIZAÇÃO E PROLETARIZAÇÃO DO DESIGNER DIGITAL FREELANCER
Entendemos que a plataformização consiste da penetração de extensões
econômicas, governamentais e de infraestrutura de plataformas digitais nos
ecossistemas da web e de aplicativos, afetando fundamentalmente as operações das
chamadas indústrias culturais (NILBORG e POELL, 2018, p. 4276). Conforme Costa et al.
(2003, p. 2), a Indústria Cultural pode ser entendida, a partir de Adorno, como um
conjunto de meios de comunicação (rádios, televisão, cinema, jornais) para gerar lucro, e
que exerce controle ideológico social. Nesse sentido, podemos considerar que o trabalho
no Campo do Design encontra-se inserido nessa indústria ao produzir peças gráficas e
digitais, embalagem, animações, aplicativos e plataformas digitais etc. empregados em
meios de comunicação e com vistas ao lucro. Para estudiosos do Campo da Comunicação,
conforme Grohmann (2021, p. 14), as plataformas são, ao mesmo tempo, meios de
produção de comunicação e meios de comunicação da prática laborativa. Já no campo da
Sociologia do Trabalho, são inúmeras as definições sobre o tema da plataformização do
trabalho, como uberização — ou gig economy, termo mais abordado internacionalmente2
— que consiste do processo através do qual as relações de trabalho são crescentemente

individualizadas e inviabilizadas, assumindo assim uma aparência de "prestação de


serviços" e obliterando relações de assalariamento e de exploração do trabalho
(ANTUNES, 2020, p. 11). Contudo, para Grohmann (2020, p. 100) o termo "uberização"
não recobre a multiplicidade de trabalhos além da própria Uber e, com isso, em nossa
pesquisa, adotaremos o uso do termo plataformização do trabalho, por compreender que
este abrange mais áreas de atuações e por contemplar uma variação lógica de extração
de valor e das características de trabalho (GROHMANN, 2020, p. 100).

A plataformização do trabalho apresenta uma série de características que


precisamos, mesmo que rapidamente, elucidar aqui. Podemos classificá-la à partir das
seguintes características: a) não só a descentralização do local de trabalho digital, mas

2
Repórter Brasil: Gig, a uberização do trabalho, disponível em <https://reporterbrasil.org.br/gig/>, acesso
em: 03 de fev. de 2022.
também a realização e entrega desse trabalho, que pode ser realizado e entregue de
qualquer parte do mundo (AWAR; GRAHAM, 2020, p. 50); b) a intensificação da
flexibilização das relações de contrato de trabalho (GROHMANN, 2020, p. 100); c) a
dependência de trabalhadores e consumidores dessas plataformas, com lógica
algorítmica, dataficada e financeirizada (ID, 2020, p. 100) e d) atividades de trabalhos
que são mediadas, organizadas e governadas por meio de plataformas digitais (ID, 2020,
p. 100). Assim, conforme Grohmann (2021, p. 15), a plataformização é, ao mesmo tempo,
materialização e consequência de um processo histórico, que mistura capitalismo
rentista, ideologia do Vale do Silício, extração contínua de dados e gestão neoliberal. Por
ser um evento tão novo é que buscamos averiguar como esses fenômenos ocorrem na
produção do Campo do Design Digital, recortando nas plataformas freelancers.

Observamos que as condições de trabalho contemporâneas em plataformas


digitais de trabalho freelancer são consideradas precarizadas (ANTUNES, 2020, p.17), e
que esse processo de precarização ocorre também pela plataformização, em que a
fragmentação das relações trabalhistas e das tarefas projetuais, com atividades cada vez
mais específicas, refletem diretamente no assalariamento. Ainda, esta fragmentação de
tarefas se configura como modalidade de trabalho incidindo diretamente sobre o ato
projetual no Campo do Design, uma vez que vemos cada vez mais designers trabalhando
por tarefa específica e por hora. Esse fluxo da precarização atinge diretamente o setor de
serviços como call centers, telemarketing, além daqueles que estão diretamente ligados
aos designers, como as fábricas de software e as TICS. Nesta pesquisa, destacamos a
noção de crowdwork online (SCHINESTSCK, 2020, p. 81) como a que melhor define o
trabalho executado por designers em projetos freelancer. Chamada de "trabalho de
multidão", de acordo com Schinestsck (2020, p. 83), o crowdwork online permite a
fragmentação de uma tarefa de forma que até a sua complexidade seja retirada,
atribuindo uma série de atividades a diferentes indivíduos, requerendo menor
qualificação e baixa remuneração. Além disso, facilmente encontramos em plataformas
para designers — como 99Freelas e Freelancer.com, nesse artigo analisadas —
convocatórias de competições ou concursos. Nesses casos, apenas o vencedor recebe
pelo seu tempo, força e condições materiais de trabalho, o que corrobora a precarização
dessa forma laborativa.

Outro ponto evidente são as alterações no tempo de trabalho: trabalha-se muitas


vezes o superior a 8h diárias, ou também por quantidades fragmentadas de tempo, o que
dificulta o controle do tempo trabalhado. Ainda, esses ambientes online incidem
diretamente sobre as relações de trabalho ao serem apresentados como aplicativos ou
plataformas, quando na verdade constituem estratégias de gestão e contratação de
trabalho que mascaram o assalariamento, como argumenta Antunes e Filgueiras (2020,
p. 60). O que ocorre, na verdade, é a diminuição ou até mesmo a ausência de vínculos
que tragam benefícios, apesar do crescente controle. De acordo com os autores:

A negação do assalariamento é o elemento central da estratégia empresarial, pois,


sob a aparência de maior "autonomia" (eufemismo para burlar o assalariamento e
efetivar a transferência dos riscos) o capital busca, de fato, ampliar o controle
sobre o trabalho para recrudescer a exploração e a sujeição (ANTUNES,
FILGUEIRAS, 2020, p. 60).

Com efeito, para que possamos compreender o que constitui o processo de


proletarização do designer digital freelancer, é preciso ter como norte a precarização e a
plataformização do trabalho digital supracitados, além de, conjuntamente, situarmos
historicamente o surgimento do trabalho e do trabalhador designer no modo de
produção capitalista, esse não só como um ator indissociável da produção industrial,
mas como criador de mais-valor, como um elemento fundamental para aumentar a
quantidade de vendas (FORTY, 2007, p. 119). Destarte, é fundamental relembrar aqui
que a profissão do designer surge em um determinado momento da história do
capitalismo e que a mesma desempenhou e desempenha papel fundamental na criação
de riquezas (FORTY, 2007, p. 11). Logo, é por sua posição na atividade do projeto em si da
mercadoria, e não na produção propriamente dita do chão de fábrica, que o trabalho do
designer é entendido como atividade separada da produção, uma etapa precedente a ela,
diferente de períodos anteriores, em que um único artífice era responsável por todos os
estágios da produção da mercadoria , da concepção à venda (FORTY, 2007, p. 43).

Ocorre que esse cenário está mudando. Contemporaneamente, podemos observar


que os designers, sobretudo os digitais freelancers, vêm assumindo diferentes posições
no espectro das classes do mundo do trabalho, tornando-se cada vez mais
proletarizados, ou seja, estão a cada momento mais inseridos na produção em si, não
somente na concepção intelectual. Desse modo, precisamos elucidar em que classe social
se localizam esses trabalhadores, afinal, isso é parte criteriosa do processo de
proletarização.

A partir da literatura do mundo do trabalho, entendemos que as classes médias


tradicionais são definidas pelo papel que ocupam no processo de trabalho,
historicamente ocupando sobretudo posições relacionadas ao trabalho intelectual, e não
manual (ID, 2021, p. 56). Porém, o que temos percebido diante deste processo de
plataformização e precarização do trabalho digital é que:

ele se constitui de uma expansão significativa de setores médios que, em seu


processo de assalariamento, pelas formas de realização e vínculo que passam a
assumir com o trabalho que desenvolvem, sofrem uma crescente proletarização, a
exemplo dos trabalhadores de escritório, bancários, professores (...) call center,
TIC (ao menos seus estratos médios e inferiores) (ANTUNES, 2020, p. 56).

Logo, o que presenciamos hoje é que os profissionais do Campo do Design , salvo


aqueles que mantêm algum controle sobre a produção, como designers donos de
estúdios por exemplo, vendem sua força de trabalho através de um trabalho precarizado,
descentralizado, participando de convocatórias e concursos em uma espécie de feira de
mão-de-obra em plataformas, com práticas imbricadas diretamente na produção. Em
uma visão crítica sobre a realização desses trabalhos, não há nada que separe, em
termos de produção, um conjunto de designer digitais e seus computadores de
costureiras com suas máquinas de costuras em galpões ou em casa, revelando o que
podemos chamar de um grande chão de fábrica digital.
Ainda, para entender o processo de precarização e proletarização das
plataformas, é necessário também definir o papel da tecnologia como organizadora da
produção e circulação de mercadorias no capitalismo. Para isso, vamos à Marx, no livro I
d'O Capital, que em nota de rodapé afirma: "a tecnologia desvela a atitude ativa do
homem em relação à natureza, o processo imediato de produção da sua vida e, com isso,
também suas condições sociais de vida e das concepções espirituais que delas decorrem"
(MARX, 2017, p. 446). Logo, podemos considerar que a tecnologia, por via das
plataformas, constitui uma propriedade do meio de produção de extração de mais-valor
que não somente atua economicamente na sociedade, mas que também molda as formas
objetivas e subjetivas de trabalho — nesse caso, dos designers digitais freelancers. E esse
moldar objetiva e subjetivamente possui papel preponderante no processo de
proletarização do designer digital, posto que dita e legitima formas de ação e formas de
ser profissionalmente.

3. PLATAFORMIZAÇÃO DO TRABALHO, PRECARIZAÇÃO E PROLETARIZAÇÃO NA


PRÁTICA

Mais uma vez recorremos ao pensamento de Marx para compreender, de forma


concreta, como ocorrem os processos de precarização e proletarização do designer
digital freelancer através da plataformização do trabalho: através de uma análise
empírica da forma como estas existem e funcionam. Para tal, selecionamos e analisamos
duas plataformas, dentre inúmeras: 99Freelas e Freelancer.com. Ambas possuem alcance
global, o que caracteriza a descentralização do trabalho, já que o mesmo pode ser, ao
mesmo tempo, prestado e entregue remotamente de qualquer lugar do mundo. Para
entender o processo de trabalho nessas plataformas, descrevemos a seguir o plano de
negócio das mesmas. É necessário alertarmos que nossa intenção é mostrar como o
trabalho ocorre em termos de hierarquia e fluxo de trabalho, e não em sua
operacionalização de fato, o que acarretaria no desenvolvimento de um mapa do site,
detalhando elementos visuais, estrutura da página ou fluxo de navegação do usuário.
Para melhor compreensão, separamos a análise das duas plataformas em subtópicos,
explicitados abaixo.

3.1. 99freelas

Na home do 99Freelas3 (Imagem 1) há uma área de busca, na qual tanto trabalhos


como trabalhadores podem ser encontrados a partir do uso da ferramenta de busca.
Essa ferramenta apresenta resultados a partir da seleção de um termo ou etiqueta
relacionado à tarefa a ser realizada, como "Fotografia", "Design Gráfico", "Webdesign"
etc. Esse resultado é apresentado em forma de lista, com os projetos ou trabalhadores
disponíveis (Imagem 2), e pode ser filtrada por algumas etiquetas de categorias como,
"Atendimento ao Consumidor", "Design & Criação", "Educação & Consultoria". Esta
ferramenta por si só já indica a variedade de trabalhos e trabalhadores que podem ser
encontrados nessas plataformas.

Imagem 1 – Home 99freelas


Fonte: Print site 99freelas.com

3
Disponível em: <https://www.99freelas.com.br>, acesso em 21 de fevereiro de 2022.
Imagem 2 – Lista de trabalhadores
Fonte: Print site 99freelas.com

Quando um cliente oferece um trabalho, realiza-se uma chamada pública aos


trabalhadores por meio de publicações (Imagem 3), em que se descreve o trabalho a ser
realizado, indicando a categoria (as mesmas da área de busca) e a subcategoria
(apresentadas de acordo com a escolha da categoria). Pode-se anexar à publicação um
documento com referências ou um briefing mais completo, bem como deve-se escolher
habilidades necessárias para o projeto (no máximo cinco), como linguagem de
programação, capacidade de escrita, administração; além de nível do trabalhador
(iniciante, intermediário ou especialista), duração para o tempo de resposta e
privacidade da chamada: se é pública, podendo receber qualquer candidatura, ou
privada, limitada apenas a freelancers convidados (Imagem 4). Em seguida, é possível
pagar para que a chamada tenha destaque, revelando o caráter comunicacional das
plataformas de trabalho (Imagem 5). Após a publicação, o anúncio fica público e
disponível, com as informações fornecidas. É possível ainda consultar os trabalhadores
disponíveis através de uma lista (Imagem 6) com nome, foto, título e estrelas de
classificação (de 1 a 5, atuando diretamente no valor do serviço prestado, pois quanto
menos estrelas, mais barato fica o preço do trabalho), que hierarquiza os usuários a
partir dos "top freelancer plus", ou seja, as melhores posições pertencem àqueles que
podem pagar a taxa para o destaque. Exibem-se ainda a categoria do trabalho (a mesma
etiqueta das categorias dos filtros), ranking, habilidades e uma breve descrição do
trabalhador. Todo esse processo revela que os trabalhadores são oferecidos através de
um filtro algorítmico, sendo separados por classificações advindas dos clientes, com
ícones que reforçam o nível de habilidade do trabalhador freelancer. No detalhamento do
trabalhador, podemos encontrar ainda informações de "Histórico de projetos &
Avaliações” as quais veiculam depoimentos sobre o trabalho realizado, a avaliação por
estrelas de cada cliente (como no Uber ou aplicativos de entrega, seguindo a ideia de
uma gamificação) e a data do trabalho realizado (Imagem 7).

Imagem 3 – Criação de projetos


Fonte: Print do site 99freelas.com
Imagem 4 – Visibilidade do trabalho
Fonte: Print site 99freelas.com

Imagem 5 – Destaque do anúncio


Fonte: Print site 99freelas.com
Imagem 6 – Lista de trabalhadores
Fonte: Print do site 99freelas.com

Imagem 7 – Histórico de projetos & Avaliações


Fonte: Print do site 99freelas.com
A mesma lógica opera quando buscamos um trabalho (Imagem 8): os anúncios
aparecem listados, assim como os profissionais, e podem ser filtrados por critérios
iguais, salvo algumas exceções que não alteram o plano de negócios. Os projetos mais
bem remunerados só podem ser acessados por usuário "top freelancer plus", criando
uma espécie de trabalhadores premium, ou seja, uma forma de lucrar tanto com a oferta,
quanto com a demanda. Nos detalhes, podemos ver uma descrição do trabalho, as
habilidades necessárias e o mínimo pago pelo projeto.

Imagem 8 – Lista de trabalhos


Fonte: Print do site 99freelas.com
Para o acordo final, é necessário o envio de uma proposta de oferta de trabalho
(Imagem 9) com o preço da oferta, o tempo estimado para o desenvolvimento da tarefa e
um detalhamento da mesma. Para saber como funciona o processo de fechamento de
negócio, teríamos que participar de um concurso de trabalho, e isso não seria possível só
para este artigo, pois não há possibilidade de teste. Com isso, apresentamos o que a
plataforma oferece aos contratantes, como uma entrevista para o fechamento de um
trabalho, um sistema que controla não só o meio e a forma de pagamento, mas também
controla o tempo de trabalho executado com vigilância constante sobre o trabalhador.
Um dos itens apresentado pela plataforma é o pagamento diante satisfação do trabalho,
pondo o assalariamento a mercê do gosto do cliente.

Imagem 9 – Submissão de proposta


Fonte: Print do site 99freelas.com
3.2. Freelancer.com

Podemos afirmar que ambas as plataformas são muito parecidas, não havendo
fator determinante que requeira uma análise mais diminuta da Freelancer.com4. Logo, na
home da Freelancer.com (Imagem 10) é possível visualizar propagandas que anunciam a
possibilidade de buscar ou de oferecer trabalho. A ferramenta de busca também resulta
em uma lista de serviços ou trabalhadores que pode ser filtrada por preço do orçamento
(fixo ou por projeto), por preço máximo ou mínimo e por hora (hora mínima ou
máxima).

Imagem 10 – Banner da home


Fonte: Print do site freelancer.com

A duração do trabalho pode ser filtrada por menos de uma semana, de uma a
quatro semanas, de um a três meses, e mais de seis meses com prosseguimento
continuado ou não especificado (Imagem 11). Há ainda um filtro de "concurso", também
definido por preços mínimos ou máximos. A partir da busca e das seleções, obtém-se
uma lista de trabalhos e trabalhadores disponíveis para execução ou contratação, nos
mesmos moldes da 99Freelas.

4
Disponível em: <https://www.br.freelancer.com>, acesso em 21 de fevereiro de 2022.
Imagem 11 – Lista de trabalhos
Fonte: Print do site freelancer.com

Ao entrarmos nos detalhes (Imagem 12), podemos ver o preço do trabalho


oferecido, as habilidades necessárias para a execução do trabalho ou do trabalhador (no
caso do detalhamento dos profissionais), além de uma classificação por estrelas e
avaliações de usuários (Imagem 13), que podemos relacionar diretamente ao Uber e à
gamificação.
Imagem 12 – Detalhamento do trabalho
Fonte: Print do site freelancer.com

Imagem 13 – Avaliações de usuários


Fonte: Print do site freelancer.com

Para criar um projeto, ou seja, uma oportunidade de trabalho, a plataforma


segue os mesmos padrões da 99Freelas: nome do projeto, descrição, habilidades
necessária divididas por etiquetas e ao fim, a escolha de abertura de um projeto ou um
concurso, bem como o molde do pagamento (por hora ou por projeto) e a estimativa de
preço total (Imagem 14). Para a candidatura a um trabalho publicado, o trabalhador
segue fluxo semelhante de envio de um orçamento para execução do trabalho.

Imagem 14 – Abertura de oferta de trabalho


Fonte: Print do site freelancer.com
Após a contratação do projeto, a plataforma oferece as mesmas possibilidades de
entrevista com o trabalhador, um sistema de controle sobre o tempo de trabalho e claro,
a intermediação do assalariamento através do pagamento pela plataforma. Assim, temos
que os planos de negócios da 99Freelas e da Freelancer.com são, definitivamente, muito
parecidos.

3.3. Considerações gerais sobre as plataformas

Após as análises e com o conhecimento da supracitada noção de crowdwork


online (SCHINESTSCK, 2020, p. 81), observamos que ao se candidatar ao projeto
anunciado, o trabalhador passa por uma espécie de leilão, no qual o melhor — e
possivelmente o menor — preço, atrelado às qualificações desses trabalhadores, é
potencialmente selecionado. Os candidatos são exibidos em uma lista que pode ser
filtrada, e aqui verificamos que cada seleção de critérios reflete no resultado de
trabalhadores disponíveis com preços/horas de trabalho, revelando assim uma
verdadeira feira de mão-de-obra. Esse modo de funcionamento demonstra que um
trabalho antes executado por um funcionário de uma empresa, agora pode ser
desenvolvido a partir de uma descentralização máxima, envolvendo um grande número
de trabalhadores em forma de convocatória, como aponta Schinestsck (2020, p. 83), com
tarefas que podem ser fragmentadas e executadas por qualquer pessoa, mesmo que
essas não tenham qualificações profissionais.

O que percebemos observando os planos de negócios das plataformas de trabalho


freelancer aqui analisadas é que ambas as duas possuem o mesmo modus operandi, a
mesma relação trabalhador vs. cliente que os principais aplicativos de mobilidade como
Uber, 99Taxis, iFood, pois os planos estão calcados em prestação de serviços mediados
por uma plataforma, com regras e algoritmos que definem preços, tempo, além das
classificações dos clientes e depoimentos sobre o trabalho realizado. De acordo com
Schinestsck (2020, p. 84), podemos observar que:

Custos são eliminados e transferidos para os próprios trabalhadores, que devem


promover a aquisição de todo equipamento necessários para o exercício do
trabalho e gerenciar sua atividade em um espaço restrito de autonomia(...). A
coordenação e organização do trabalho são gerenciadas pelos algoritmos,
impondo uma forte assimetria na relação entre plataformas e trabalhadores.

Essa análise nos faz observar, de forma concreta, os processos de


plataformização, precarização e proletarização do trabalho do designer digital freelancer
contemporaneamente no Campo do Design.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fenômeno da plataformização do trabalho vem sendo observado, estudado e
certamente é um dos debates de nosso tempo. Ele vem alterando em muitos aspectos as
relações de trabalho e de assalariamento. Através dele, observamos que as classes do
trabalho intelectual — diante do movimento do capital financeirizado, tal como os
trabalhadores de serviços e, no caso deste estudo, os designers digitais freelancers —
passam também por um processo de proletarização, sendo cada vez mais participativos
no processo de valorização do capital (ANTUNES, 2020, p. 57) , porém mais precarizados
em termos laborais, econômicos e subjetivos.

Diante disso, os trabalhadores do Campo do Design, por encontrarem-se inseridos


e dependentes das dinâmicas sociocultural e socioeconômica vigentes, não podem se
negar a pesquisar e analisar criticamente o que é o trabalho do designer perante as
ofensivas de precarização e proletarização ocorridas através das plataformas e das
formas de assalariamento. Com isso, entendemos que é vital ao Campo que se investigue
a posição do trabalhador de Design na constituição e expansão de um novo proletariado
de serviço digital pelo capital financeirizado, tendo em vista o cenário da reconfiguração
do trabalho em amplitude global.

Neste artigo, definimos do que consistem os termos plataformização do trabalho,


precarização e proletarização a partir da Sociologia do Trabalho e os relacionamos com o
que vemos, concretamente, no Campo do Design, ao analisar os planos de negócios de
duas plataformas de trabalho para designers digitais freelancers, a 99Freelas e
Freelancer.com. Verificamos que esses processos de plataformização, precarização e
proletarização estão reconfigurando a posição dos designers digitais não só no mundo
trabalho, mas também na sociedade, ao levá-los para a constituição de uma classe
trabalhadora que atua sob condições laborativamente e economicamente instáveis, à
mercê das bem-aventuranças ou infortúnios do mercado, sem estabilidade mínima e
retorno econômico garantidos.

Logo, o Campo do Design não pode se dar ao luxo de ser apenas mais uma
ferramenta de ampliação de mais-valor de mercadorias e plataformas digitais: é
necessário que o Campo volte suas teorias, suas prospecções e preocupações de um
“futuro melhor" — tema deste Colóquio —, para a análise crítica das condições de
trabalho daqueles que, tecnicamente, produzem o amanhã, propondo melhorias
concretas e subjetivas para as suas existências laborativas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, Ricardo (org.). Uberização, trabalho digital e Indústria 4.0.- 1. ed. - São Paulo:
Boitempo, 2020.

_______________. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. - 2.


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